Buscar

Poéticas Hibridas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

POÉTICAS HÍBRIDAS E 
INTERTEXTUAIS 
AULA 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Marcel Albiero da Silva Santos 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Esta disciplina tem o objetivo de investigar o que chamamos de poéticas 
híbridas e intertextuais. Para atingirmos essas discussões, em nossa 
investigação lançaremos mão dos mais variados recursos disponíveis no campo 
dos saberes humanos. Assim como as poéticas podem ser intertextuais, 
transitando por diversas linguagens e estabelecendo os mais variados diálogos 
possíveis entre estilos, modos de expressão e saberes, nossa abordagem será 
marcada pela interdisciplinaridade, isto é, pelo diálogo entre diferentes 
disciplinas que estudam a arte como manifestação ou expressão humana. 
Mas iremos além disso, pois as poéticas também podem ser híbridas, ou 
seja, compostas de elementos e linguagens heterogêneos e até aparentemente 
incompatíveis, rompendo fronteiras com as quais estamos habituados. Dessa 
maneira, nossa abordagem também será marcada pela transdisciplinaridade, 
pela conjugação de esforços de campos de conhecimentos heterogêneos, 
dissolvendo a noção habitual que temos das disciplinas como saberes estanques 
e autônomos uns em relação aos outros, alcançando discussões sociais, 
culturais e ético-políticas. 
As competências que você conquistará ao longo dessa disciplina são: 
compreender as inter-relações entre linguagens nas artes visuais; conhecer 
sistematizações e conexões entre áreas de conhecimento; avaliar a estrutura 
das questões interpretativas híbridas e intertextuais; e conhecer aspectos 
interdisciplinares no campo das artes visuais. Algumas das habilidades 
importantes que você desenvolverá no nosso percurso investigativo consistirão 
em: reconhecer aspectos híbridos e intertextuais nas artes visuais; propor 
pesquisas aplicadas ao hibridismo e à intertextualidade nas artes visuais; 
apresentar de forma clara conceitos-chave no contexto híbrido e intertextual. 
Na presente aula, estudaremos o tema das inter-relações entre diferentes 
áreas do conhecimento. Como nosso foco são as artes visuais, primeiramente 
teremos de investigar o que significa o conceito de poéticas e sua relação com 
o ser humano e a condição humana, avaliando qual é o lugar das artes em meio 
às nossas possibilidades e capacidades. As artes serão pensadas como um 
comportamento caracteristicamente humano pertencente ao âmbito do que 
chamamos de técnica, de maneira que diferentes abordagens de conhecimento 
e saberes nos fornecerão diferentes ângulos pelos quais as poéticas podem ser 
 
 
3 
estudadas. Como conclusão, introduziremos o tema da interdisciplinaridade, 
deixando a transdisciplinaridade para as próximas aulas. 
TEMA 1 – O QUE SIGNIFICA POÉTICA? 
Se queremos estudar o que são poéticas híbridas e intertextuais, em 
primeiro lugar é necessário entender o que significa o conceito de poética. Por 
que usamos essa palavra? O que ela significa? Um bom caminho para entender 
o que significa poética consiste em observar a linguagem e avaliar como 
normalmente empregamos a palavra e de onde ela provém. Tentaremos 
elaborar um conceito preliminar de poética, que será refinado e aprofundado ao 
longo de toda a disciplina. 
Em sentido corriqueiro, a palavra poética é usada a maior parte das vezes 
como adjetivo. Designamos, por exemplo, um texto em prosa ou uma letra de 
uma canção como sendo poéticos se eles demonstram um cuidado especial com 
a linguagem, exprimindo de forma bela, encantadora ou inspiradora o que têm a 
nos dizer. Com isso, vemos que no uso mais corriqueiro da palavra, o adjetivo 
poético remete a um modo de expressão artística em particular: a poesia. A 
poesia tem na linguagem sua matéria-prima, criando a experiência do belo a 
partir de arranjos de palavras que jogam com significados e sons. 
Mas no decorrer dessa disciplina usaremos a palavra poética como 
substantivo, não como adjetivo. E ela não se refere apenas à poesia ou às 
formas de expressão artística que utilizam a palavra como matéria-prima 
principal. Afinal, falaremos em poéticas no campo das artes visuais. O que 
significa o conceito de poética, portanto, pensado no sentido em que nos 
interessa nesta disciplina? Para responder a essa questão, teremos de recorrer 
à história, à etimologia e à filosofia e examinar o surgimento desse conceito e 
como nós o recepcionamos hoje. 
A palavra poética provém do grego antigo poietiké. Esse foi o título que 
Aristóteles deu a uma importante obra, a Poética, que registra a sua teoria e 
ciência da literatura. Portanto, o conceito de poética designava para Aristóteles 
um modo de conhecimento e de investigação dos fenômenos artísticos literários 
(o que envolvia o estudo da poesia, da prosa e do teatro, bem como dos gêneros 
literários da epopeia, da tragédia e da comédia). 
Atualmente, porém, o conceito tem um sentido mais amplo que para 
Aristóteles, abarcando as mais variadas formas de expressão artística. Desse 
 
 
4 
modo, quando falarmos em poéticas, estaremos considerando os diversos 
fenômenos artísticos, analisando linguagens utilizadas, saberes mobilizados 
pelos artistas na criação artística e efeitos que produzem nos espectadores. Para 
empreender tal consideração da arte e de seus processos, é possível utilizar 
diferentes conhecimentos, saberes e teorias, e até mesmo fundir ou criar novos 
saberes, pois a abordagem realizada com o conceito de poéticas é, como ainda 
veremos, interdisciplinar e transdisciplinar. Com o termo poéticas, referimo-nos, 
portanto, aos variados modos de compreender a criação artística quanto a seu 
processo, suas linguagens e potencialidades. Ela não é uma ciência fixa, 
fechada ou dogmática, mas um campo aberto (interdisciplinar e transdisciplinar) 
de observação, interpretação e experimentação dos fenômenos artísticos. Já 
que as poéticas conjugam esforços de variadas áreas de saberes, costumamos 
usar a palavra no plural. 
Esse uso alargado do conceito de poética tem como objeto uma parcela 
daquilo que os filósofos gregos antigos chamavam originariamente de poíesis, 
palavra que pertence, aliás, ao mesmo campo semântico de poietiké. Ambas as 
palavras referem-se ao verbo poiéo, que significa fazer, fabricar, produzir, criar, 
trazer algo à existência. Poíesis é o substantivo que indica o processo descrito 
pelo verbo poiéo, podendo ser traduzido então como confecção, fabricação, 
produção ou criação. A palavra designava, originariamente, qualquer criação ou 
fabricação humana, em sentido amplo, sendo aplicada tanto para a criação de 
artefatos e utensílios práticos (como a construção de casas ou de ferramentas) 
como para as obras mais estritamente artísticas (belas-artes). Posteriormente, 
como no tempo de Aristóteles, a palavra sofreu uma restrição de significado, 
passando a designar produções e criações artístico-literárias. Em resumo, de 
forma geral, poíesis é o gênero que designa toda e qualquer atividade criadora 
humana; as belas-artes constituem uma espécie de atividade criadora humana, 
incluída no gênero mais amplo. Já em sentido estrito, designa a atividade de 
criação literária. A palavra portuguesa poesia, que deriva diretamente do termo 
grego, ainda hoje conserva o sentido estrito da palavra poíesis. 
TEMA 2 – A CONDIÇÃO HUMANA E OS MODOS DE COMPORTAMENTO 
FUNDAMENTAIS HUMANOS 
Antes de dar prosseguimento ao tema das poéticas, convém nos 
determos na concepção elaborada por Arendt (2008) sobre a condição humana, 
 
 
5 
registrada na obra A condição humana (2008), publicada em 1958. A partir dessa 
análise, poderemos aprofundar a compreensão do conceito grego de poíesis e 
entender mais concretamente o que são poéticas. 
Arendt (2008) adverte seu leitor que o objeto de sua pesquisa não é a 
natureza humana, mas, sim, a condição humana. A investigação a respeito da 
natureza humana marca boa parte da tradição filosófica ocidental e pretendia 
ofereceruma resposta à questão: o que é o ser humano? A ênfase, numa 
investigação sobre a natureza humana, repousa na pergunta “o que é?”, que 
explora a determinação essencial daquilo que é investigado. Numa palavra com 
a questão sobre a natureza humana, busca-se a resposta acerca de qual seja a 
essência do ser humano, ou seja, acerca do que o caracteriza enquanto tal e o 
distingue de todos os demais seres vivos. Esse modo de abordagem preocupa-
se com a definição de características e atributos supostamente universais e 
imutáveis de seu objeto de pesquisa. Temos um bom exemplo na célebre 
definição aristotélica do ser humano: animal racional. A racionalidade é 
considerada aqui o atributo universal essencial que caracteriza todo e qualquer 
ser humano como tal, distinguindo-o dos demais animais. 
O problema desse modo de abordagem é que ele nunca consegue 
totalizar seu objeto de pesquisa. Para ficarmos no exemplo aristotélico, a 
racionalidade não pode, a rigor, ser um atributo que defina a natureza humana 
sem exceções. Em primeiro lugar, se pensarmos em termos evolutivos ou 
históricos, nem sempre os seres humanos foram racionais do modo como uma 
civilização intelectualmente desenvolvida e brilhante como a da Grécia Antiga o 
foi. Em segundo lugar, a noção de racionalidade pode ser objeto de disputa 
cultural, pois o que é considerado racional numa cultura, pode não o ser em 
outra. Por fim, restaria o problema dos seres humanos com deficiências 
cognitivas graves: se eles são considerados por nós como sendo humanos, 
apesar de privados da plena capacidade intelectual da maioria dos indivíduos 
humanos, então não são considerados humanos pelo fato de serem dotados do 
mesmo tipo de capacidade racional da maioria dos indivíduos, mas, sim, por 
outros motivos. Por causa dessas dificuldades características da pesquisa sobre 
a natureza humana, Arendt (2008) abandona tal busca, afirmando que, a rigor, 
se tivermos uma natureza (no sentido de essência fixa e imutável), apenas um 
deus poderia conhecê-la em sua totalidade. 
 
 
6 
Já a questão sobre a condição humana procura outra coisa: pergunta 
quem é o ser humano. Esse modo de investigação abandona a busca por uma 
essência imutável do ser humano e contenta-se com questões mais palpáveis, 
querendo conhecer quais são as condições fáticas de existência dos seres 
humanos no mundo em que vivem. A questão acerca da condição humana busca 
compreender, portanto, como vivem os seres humanos, sem pretender enunciar 
verdades eternas sobre o seu objeto de pesquisa. Importa considerar quais são 
os comportamentos fundamentais que caracterizam a vida humana na Terra 
tanto quanto a pudemos vivenciar e conhecer até agora. 
Arendt (2008) vê dois grandes grupos de comportamentos fundamentais 
que caracterizam a condição humana, que ela chama pelas expressões latinas 
vita contemplativa e vita activa. A vita contemplativa designa o que poderíamos 
chamar de comportamento teórico; consiste na pretensão de, abstendo-se de 
todo agir e de todo fazer, contemplar ou compreender o que ou como são as 
coisas. As ciências teóricas puras (como matemática ou lógica) são, nesse 
sentido, expressão exemplar do comportamento teórico humano. Arendt (2008) 
retoma o que os gregos pensavam com o conceito de theoría: a percepção 
desinteressada das coisas a fim de compreender quais são os princípios que as 
coordenam e as definem enquanto tais. A filosofia talvez seja, desde a 
Antiguidade, o melhor paradigma do que é uma teoria, e o respectivo ideal de 
uma vida filosófica, consagrada à busca da verdade, como praticada, por 
exemplo, por Sócrates em Atenas, corresponde bem ao conceito de vita 
contemplativa de Arendt (2008). 
Já a expressão vita activa designa o conjunto de três atividades humanas 
fundamentais eminentemente práticas: labor, trabalho e ação. Arendt (2008) 
chama de labor a atividade humana orientada em torno da subsistência individual 
e sobrevivência da espécie. Ela corresponde à mera satisfação dos processos 
biológicos e metabólicos cíclicos da própria vida, compreendendo os cuidados 
indispensáveis para viver, por exemplo, ter de se alimentar. A condição humana 
que está em jogo no labor é a manutenção da própria vida. 
Já o trabalho designa a atividade humana de fabricação, produção ou 
criação de objetos. O que está em jogo no trabalho é superar, de certo modo, a 
futilidade e a efemeridade da mera vida natural que temos. O trabalho é a 
atividade pela qual se cria um mundo artificial diferente de qualquer ambiente 
natural, correspondendo ao artificialismo da existência humana. Os objetos 
 
 
7 
criados pelo trabalho humano emprestam, assim, certa permanência e 
estabilidade ao mundo em que habitamos, ultrapassando o caráter cíclico e 
sempre mutável da natureza e de seus processos metabólicos. Por essa razão, 
a condição humana do trabalho é o pertencimento ao mundo (o que a autora 
chama de mundanidade da existência). 
Por fim, temos a ação, que é a única atividade exercida diretamente entre 
os seres humanos, sem a mediação das coisas. A ação, pensada em sentido 
arendtiano, corresponde à condição humana propriamente política, que está 
preocupada com o fato de que existimos em meio a uma pluralidade de outras 
pessoas. Agir é diferente, portanto, de meramente assegurar nossa subsistência 
(labor) ou de produzir objetos artificiais (trabalho), ainda que essas duas outras 
atividades fundamentais sejam também indiretamente políticas ou tenham 
impactos políticos. Quando agimos, estamos tomando decisões que têm impacto 
direto sobre a vida dos outros com os quais coexistimos e até mesmo sobre a 
vida das pessoas que ainda virão a nascer no mundo. Portanto, a ação é 
atividade humana política e histórica por excelência. 
TEMA 3 – O LUGAR DA PRODUÇÃO EM MEIO À VITA ACTIVA 
Com base nas considerações de Arendt (2008) sobre a condição humana, 
podemos retomar a discussão inicial acerca das poéticas e seu objeto de 
pesquisa. Não é difícil perceber que o conceito arendtiano de trabalho 
corresponde ao conceito grego de poíesis em sentido amplo (fabricação, 
produção, criação), o que não é casual, uma vez que a autora elabora aquele 
conceito, na obra analisada, justamente ao discutir a noção grega de produção. 
A consideração arendtiana é de grande valor, no entanto, porque retoma e põe 
em relevo importantes aspectos da reflexão grega sobre produção ou criação. 
Ela enfatiza dois pontos fundamentais que desenvolveremos a seguir: o trabalho 
ou produção é uma atividade humana fundamental; e essa atividade rivaliza com 
os processos criadores da natureza. 
Em primeiro lugar, é digno de destaque o fato de que o trabalho ou a 
poíesis sejam pensados como uma atividade humana fundamental, ou seja, 
como fenômeno caracteristicamente humano, que determina quem nós somos. 
Faz parte da condição humana, num plano fundamental, produzir ou trabalhar, 
ou seja, criar artefatos, criar objetos, criar um mundo artificial. Essa constatação 
nos permite considerar que a produção, enquanto atividade humana, pode ser 
 
 
8 
estudada por tantas ciências ou abordada por tantos saberes quanto os que 
estudam o ser humano, como a filosofia, a psicologia, a antropologia, a 
sociologia ou a ciência política. Desse modo, alcançamos uma justificativa para 
a interdisciplinaridade das poéticas: elas são interdisciplinares porque muitas 
são as abordagens teóricas possíveis a respeito de fenômenos ou atividades 
humanas. No encerramento desta aula retomaremos esse ponto. 
Em segundo lugar, é importante ter em vista que o trabalho ou a produção 
correspondem à condição humana do pertencimento ao mundo ou da 
mundanidade da existência. Os seres humanos vivem sempre em um mundo, e 
no conceito de mundo está implicada a ideia do artificialismo e da engenhosidade 
humanos. O que Arendt (2008) chama de mundo é, afinal, uma rede de objetos 
e utensílios criados paratornar possível a existência humana. Não 
sobreviveríamos em meio à natureza sem a criação de casas, de ferramentas, 
de utensílios etc. O mundo já é, portanto, uma criação e um fenômeno humanos, 
não um dado natural, um fato da natureza. É algo feito, construído, algo que tem 
uma história para além da mera história natural da formação geológica do 
planeta Terra, algo cujo destino está interligado com o destino do ser humano. 
Sem produção, sem a atividade criativa humana, não haveria o que chamamos 
de mundo. O mundo é, enfim, artifício humano. 
Os seres humanos rivalizam, portanto, com a natureza por meio da 
atividade do trabalho. Assim como a natureza é uma força criadora, que gera 
continuamente a vida a partir de si mesma, os seres humanos exercem uma 
atividade análoga e criam o seu mundo mundo habitável, segundo sua própria 
medida e suas necessidades, emulando a força criadora da natureza. Já para os 
gregos, era habitual contrapor os processos de criação da natureza aos 
processos de criação humanos. A natureza (physis) era compreendida como 
aquilo que se gera a si mesmo e por si mesmo, que opera segundo suas próprias 
leis, medidas e seu próprio ritmo. 
Nessa perspectiva, a natureza é um ciclo eterno pelo qual os seres vivos 
perpetuam a espécie, as estações do ano e o movimento dos astros se 
desenvolvem em sua regularidade e medida etc. Quando os seres humanos 
trabalham, produzem ou criam, estão, por assim dizer, imitando a natureza, 
trazendo à existência coisas que antes não existiam, criando coisas artificiais, 
assim como a natureza cria os seres vivos e as coisas naturais. Por essa razão, 
Aristóteles dizia que a poíesis em geral, e as belas-artes em particular, eram uma 
 
 
9 
imitação (mímesis) da natureza. O artesão e o artista imitam a natureza em seu 
processo criador, agem como se tivessem o mesmo poder criador que ela tem. 
Não é por acaso que quando falamos na atividade do trabalho ou da 
produção, destacamos o fato de que o mundo é um artifício, ou que as coisas 
criadas pelos humanos são coisas artificiais. A atividade do trabalho ou da 
produção sempre se orienta por um modo de saber específico que os gregos 
chamavam de técnica (téchne) – palavra traduzida pela tradição latina como arte 
(ars). As coisas artificiais ou técnicas que se contrapõem às naturais, são 
chamadas assim porque derivam de uma atividade humana orientada por esse 
saber chamado arte ou técnica. Não há atividade produtiva ou criadora humana 
que não utilize como guia ou orientação o que chamamos de arte ou técnica. 
A técnica é um saber produtivo, ela distingue-se da pura teoria porque não 
tem a pretensão de meramente contemplar as coisas e descobrir seus princípios, 
suas causas ou suas leis. Diferentemente da teoria, a técnica é um ser capaz de 
fazer, um poder-fazer, uma capacidade de criar, um know-how. Todo saber 
técnico ou artístico pretende informar e instruir a atividade de trabalho ou de 
produção, a qual sempre tem por finalidade a criação de obras artificiais. A obra 
é aquilo, portanto, a que se dirige a técnica, de tal maneira que podemos julgar 
se alguém domina ou não determinado saber técnico e, em caso afirmativo, em 
que grau ou com que destreza, pela obra que é capaz de executar. Um bom 
técnico ou um bom artista é aquele que domina o saber técnico de sua área de 
atuação, sendo capaz de criar e de inovar em suas criações. 
TEMA 4 – A TÉCNICA MODERNA E SEUS DESAFIOS 
As obras artificiais humanas tornadas possíveis por intermédio da técnica 
sempre se encontraram numa relação de tensão com a natureza. Como diz 
Arendt (2008), com a atividade do trabalho os seres humanos pretendem 
emprestar à existência humana estabilidade e permanência, o que desafia o ciclo 
metabólico da natureza e a efemeridade da vida. A técnica sempre foi um modo 
de desafiar a natureza, uma maneira demasiado humana de se insurgir contra 
as limitações e o ritmo naturais que atuam sobre o ser humano. Mas a técnica 
na Antiguidade ainda se caracterizava por apenas ocupar os espaços deixados 
em aberto pela própria natureza ao ser humano, sem pretender dominá-la por 
completo e colocá-la numa posição servil. Muitos pensadores contemporâneos, 
como Martin Heidegger (2002) e Hans-Georg Gadamer (2006), notam que, a 
 
 
10 
partir da Modernidade (e sobretudo a partir do século XX), a técnica atinge uma 
dimensão inteiramente nova em relação à natureza. A mudança é qualitativa: a 
técnica passa a encobrir a natureza, ascendendo ao plano de uma 
contrarrealidade artificial (Gadamer, 2006, p. 14). 
[…] a exploração técnica das riquezas naturais e a remodelação 
artificial do nosso meio ambiente tornaram-se tão planificadas e 
amplas, que suas consequências ameaçam o ciclo natural das coisas 
e desencadeiam processos irreversíveis em grande escala. O 
problema da proteção ambiental é a expressão visível dessa 
totalização da civilização técnica (ibid., p. 15). 
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Heidegger (2002) afirma no seu 
ensaio A questão da técnica, publicado nos anos de 1950, que a técnica 
moderna é marcada pela exploração desenfreada da natureza, pelo anseio de 
dominá-la e de torná-la algo disponível (como um fundo de reserva) para os mais 
diversos e arbitrários propósitos. Tomando o exemplo de uma usina hidrelétrica 
na Alemanha, o filósofo afirma que na era da técnica moderna não é mais a usina 
que está instalada no Rio Reno, mas o contrário: o rio é que está instalado na 
usina, pertencendo-lhe como uma parte sua, como um dispositivo seu. O rio não 
é mais visto como a bela paisagem que foi cantada pelo poeta romântico 
Friederich Hölderlin em seu poema O Reno, mas sim como um dispositivo 
fornecedor de pressão hidráulica para a produção de energia elétrica. Segundo 
Heidegger, a técnica determina totalmente a nossa época, sendo ilusório pensar 
que poderíamos com nossa simples força de vontade contê-la e refreá-la. A 
técnica deixou de ser uma simples atividade humana fundamental criadora de 
mundo e tornou-se um processo fora de controle que ameaça o próprio mundo 
humano e a natureza, como evidencia a catástrofe ambiental iminente que 
estamos vivenciando. Com isso, uma importante questão pode ser lançada: 
como fica a situação das poéticas e a situação das belas-artes na era da técnica 
moderna? 
No início da aula dizíamos que as poéticas se referiam aos variados 
modos de se compreender a criação artística quanto a seu processo, suas 
linguagens e suas potencialidades. As poéticas são, portanto, modos 
interdisciplinares e transdisciplinares de considerar a atividade artística. Elas 
devem preparar o olhar dos artistas e espectadores para qual deve ser o papel 
das belas-artes na época da técnica moderna. O estudo das poéticas permite 
abrir novas possibilidades de expressão artística e de leitura e interpretação das 
obras de arte, que ponham a arte em condições de dizer algo de significativo a 
 
 
11 
respeito do mundo em que vivemos hoje. As poéticas são, portanto, a conquista 
de um olhar crítico; não são apenas técnicas expressivas, mas sobretudo o 
desenvolvimento da percepção crítica sobre as artes, sobre a produção como 
atividade humana fundamental e sobre a técnica moderna como marca de nossa 
época. Quando queremos estudar o que são poéticas híbridas e intertextuais, 
estamos em busca de saber quanto pode a arte em meio aos desafios e 
ameaças do mundo. 
Nesse sentido, é interessante considerar a crítica que Heidegger dirigia a 
Hegel no famoso ensaio A origem da obra de arte (1998). Um dos últimos 
pensadores exemplarmente modernos do século XIX, Hegel sintetizava de forma 
dura o descrédito em que a arte havia caído diante da ciência e da técnica 
modernas: uUltrapassamos o estágio no qual se podia venerar e adorar obras 
de arte como divinas. [...] O pensamento e a reflexão sobrepujaram a bela arte” 
(Hegel, 2001, p. 34). Esta é a famosa tese segundoa qual a arte já seria algo do 
passado, ou seja, algo ultrapassado, algo que não podia mais dar respostas aos 
mais elevados anseios da época presente – e quem mais as daria, senão a 
ciência e a técnica de que a Modernidade se orgulhava de ter gestado? Contra 
a tese hegeliana, Heidegger dirá que a arte é sempre uma origem, ou seja, ela 
sempre inaugura novas e inauditas possibilidades para o mundo. Ela é o pôr-se 
em obra da verdade. Heidegger apostava alto na expressão artística como 
abertura de uma nova relação com a técnica moderna, capaz de nos colocar a 
salvo de sua fúria exploratória. 
Parece-nos que as poéticas precisam nos ensinar a ver as artes como 
origem, a ver a obra de arte como lugar de onde pode irromper uma verdade 
sobre o mundo que nos salve da ameaça da técnica moderna. Esse é o desafio 
que as artes e as poéticas têm hoje diante de si. Voltaremos a essa discussão 
nas aulas seguintes. 
TEMA 5 – POÉTICAS E INTERDISCIPLINARIDADE 
No Tema 4, observamos que o fato de a produção ser uma atividade 
humana fundamental, relativa à vita activa, justificava a interdisciplinaridade das 
poéticas. Nosso argumento baseava-se no seguinte raciocínio: se são muitas as 
ciências e os saberes que estudam os fenômenos humanos, então muitas serão 
as ciências e os saberes que estudarão uma atividade humana definida como 
fundamental. Consideremos esse ponto mais de perto. 
 
 
12 
Podemos examinar a atividade produtiva ou criadora humana com base 
em três momentos fundamentais: como criação propriamente dita; como 
recepção; e como obra. Esses momentos estão sempre presentes e interligados 
na atividade produtiva como tal, e só os desmembramos ou os analisamos por 
razões metodológicas, para que possamos compreender melhor a atividade 
criadora humana. Passaremos a analisar cada um deles brevemente, indicando 
as interações interdisciplinares próprias de cada momento. 
O primeiro momento, que chamamos de momento da criação 
propriamente dita, encontra-se focado no papel do artista ou produtor de alguma 
obra, seja ela artística em sentido estrito ou técnica em sentido amplo. Esse 
momento é um recorte de observação do fenômeno da produção que se 
pergunta pela causa eficiente, como dizia Aristóteles, das obras: quem as fez? 
Como as fez? Utilizou que tipo de saberes e de recursos e quais processos para 
fazê-las? Várias são as disciplinas que podem estudar a produção a partir desse 
ponto de vista. A antropologia e a sociologia têm muito a dizer sobre como se 
entende o processo de criação nas sociedades humanas ou em diversas 
culturas, levando-nos a discutir o alcance crítico e político da atividade de 
produção humana. A filosofia, evidentemente, muito já disse sobre o tema. 
Nietzsche propunha, por exemplo, que se tratasse a arte a partir do ponto de 
vista de uma metafísica do artista em O nascimento da tragédia (2003). É nesse 
livro que o autor elabora os conhecidos conceitos de apolíneo e dionisíaco, que 
examinam as disposições subjetivas básicas da criação artística. As questões 
que podem se levantar a partir desse ponto de análise são fundamentalmente 
as seguintes: arte para quê? e o que podem os artistas ao criar? A proposta 
nietzschiana já era uma crítica, na verdade, às abordagens da produção focadas 
no momento da recepção, como veremos a seguir. 
O momento que chamamos de recepção enfatiza a relação da atividade 
de produção com os seus destinatários, ou seja, com aqueles para quem as 
obras decorrentes da atividade produtiva foram realizadas. Quando pensamos 
na atividade de produção em sentido mais estrito, nas artes, a consideração do 
fenômeno a partir do momento da recepção permite pensar a arte como 
fenômeno estético. Essa palavra derivada do grego aísthesis, que significa 
sensação, designa as mudanças e alterações na percepção subjetiva quando 
colocadas diante de obras de arte. A estética foi criada no século XVIII pelo 
filósofo alemão Baumgarten, como a ciência que estudaria a percepção da 
 
 
13 
beleza e do sublime e as emoções humanas mobilizadas na fruição das obras 
de arte. O foco, portanto, da análise estética da arte é o espectador. Kant foi 
outro grande filósofo que baseou sua interpretação da arte numa estética da 
recepção, isto é, do espectador. Fora filosofia, disciplinas como psicologia e 
pedagogia têm muito a dizer sobre a recepção estética da arte, analisando os 
efeitos da experiência estética na psique, nos comportamentos e na formação 
ou educação do ser humano. 
Por fim, a produção pode ser ser considerada a partir do momento da 
obra, do objeto criado, do produto feito pelo artista. Esse é o momento da 
ontologia da obra de arte, preocupado com o modo de ser das obras de arte. 
Uma boa questão que pode ser lançada a partir desse tipo de consideração é a 
seguinte: o que diferencia uma obra de arte em sentido estrito de uma obra 
técnica em sentido amplo? Outra questão é a que já apontamos anteriormente, 
com a ajuda de Heidegger (que, aliás, é um dos maiores expoentes da ontologia 
da obra de arte): o que pode a obra de arte na época da técnica moderna? Qual 
a diferença entre as obras de arte e os aparatos técnicos que encobrem e 
exploram a natureza? O que as obras de arte nos ensinam sobre a técnica 
moderna? Várias outras disciplinas têm contribuições igualmente importantes a 
dar às poéticas ao analisarem a arte enfatizando o momento da obra. As ciências 
humanas em geral podem se perguntar pelos impactos sociais, culturais, 
políticos e ambientais causados no mundo pelas obras de arte. Podem também 
questionar a que reflexões as obras de arte nos levam a respeito do mundo que 
habitamos. 
NA PRÁTICA 
A produção artística de Abraham Palatnik, fundador da chamada arte 
tecnológica no Brasil, fornece um ótimo exemplo de poética híbrida e intertextual 
aplicada nas artes visuais. A arte de Palatnik dialogou desde os anos de 1950 
com a técnica e as diversas disciplinas da física (como a mecânica e a ótica). O 
artista cria uma máquina de pintar, o Cinecromático, revolucionando a arte com 
o uso tecnológico artístico. Palatnik privilegiava a cor-luz em lugar do pigmento 
e o movimento em lugar da espacialidade estática. Posteriormente, o artista 
expõe, por assim dizer, o mecanismo de seus Aparelhos Cinecromáticos e 
desenvolve os chamados Objetos Cinéticos, espécies de móbiles muitas vezes 
motorizados que introduzem tridimensionalidade à sua produção poética. 
 
 
14 
Você pode pesquisar as obras de Palatnik em livros, catálogos e na 
internet. Reflita: ao utilizar a técnica moderna na sua poética artística, o que 
pretendia Palatnik? Ele estaria elogiando a técnica de modo acrítico? Ou mostra 
outra relação possível com ela, ao desativá-la? 
FINALIZANDO 
Nesta aula, discutimos inicialmente o que significam poéticas. Vimos que 
elas são uma abordagem interdisciplinar e transdisciplinar da atividade humana 
de produção, criação ou fabricação. Por meio da análise de Hannah Arendt, 
vimos que a atividade de produção, que a autora chama de trabalho, 
corresponde a uma das atividades fundamentais da vita activa, correspondendo 
à condição humana de pertencimento ao mundo. Essa atividade é a responsável 
por criar um mundo artificial que pode ser habitado pelos seres humanos, 
emprestando certa permanência e estabilidade à efemeridade da vida humana 
e desafiando o ciclo metabólico da natureza. 
Também vimos que toda atividade de produção é orientada por um tipo 
específico de saber chamado de técnica (ou arte). A técnica é um ser capaz de 
fazer, e aquele que a emprega pode ser avaliado, quanto à sua perícia ou 
destreza técnica, pela obra que é capaz de produzir por meio desse saber. A 
técnica sempre foi um desafio, da parte do ser humano, à natureza, uma vez que 
por meio dela se pretende superar a fugacidade e a efemeridade da existência 
por meio da criação de um mundo artificial. A técnica moderna, porém,representa uma mudança qualitativa no estatuto da técnica; ela se torna 
exploração desenfreada da natureza, encobrindo-a enquanto tal e pretendendo 
subjugá-la por completo. Diante desse cenário, precisamos aprender com as 
poéticas o quanto podem as artes, para nos pôr a salvo das ameaças da técnica 
moderna. 
Por fim, discutimos o tema da interdisciplinaridade. As poéticas consistem 
numa abordagem interdisciplinar porque a atividade de produção humana pode 
ser vista a partir de diferentes momentos, correspondendo a cada um deles 
olhares teóricos distintos. 
 
 
 
15 
REFERÊNCIAS 
ARENDT, Hannah. A condição humana. RJ: Forense Universitária, 2008. 
AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Belo Horizonte, 2012. 
GADAMER, Hans-Georg. Teoria, técnica, prática. In: O caráter oculto da 
saúde. Petrópolis: Editora Vozes, 2006. p. 09-39. 
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Vol. I. São Paulo: Edusp, 2001. 
HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. In: Caminhos de floresta. 
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. p. 05-94. 
HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. In: Ensaios e conferências. 
Petrópolis: Editora Vozes, 2002. p. 11-38. 
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia das 
Letras, 2003. 
PAVIANI, Jayme. Interdisciplinaridade: conceitos e distinções. Caxias do 
Sul: Educs, 2008. 
RICKS, Stephen R. C. Explicando o pós-modernismo. São Paulo: Callis, 2009.

Continue navegando