Buscar

Antropologia-Aula-01a

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA 
DA EDUCAÇÃO 
AULA 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Everson Araujo Nauroski 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Você já se perguntou o que nos faz humanos? Essa pergunta tem 
motivado cientistas de diferentes áreas, mas principalmente antropólogos e 
sociólogos têm se esforçado para explicar a complexidade que envolve o 
fenômeno humano. Nesta aula iremos mergulhar no fenômeno mais antigo e 
universal que acompanha a história das sociedades humanas, a educação. 
Desde tempos imemoriais, de geração em geração a experiência 
acumulada tem sido transmitida a fim de assegurar não somente a sobrevivência 
da espécie humana, mas seu progresso e desenvolvimento. Ao estudarmos os 
aspectos antropológicos da educação, podemos compreender as características 
e diferenças em relação a como os humanos transmitiam suas tradições e 
conhecimentos acumulados. Com o passar do tempo, as experiências 
acumuladas permitiram diversas transformações nos comportamentos e nas 
formas de organização dos humanos. Como bem pontuou Harari (2015), o Homo 
sapiens vivenciou uma revolução cognitiva que revolucionou de diferentes 
maneiras nossas formas de interagir com a natureza e nossos semelhantes. 
TEMA 1 – EXISTE UMA NATUREZA HUMANA? 
Desde o domínio do fogo, a invenção da roda, o desenvolvimento da 
agricultura, até os diferentes saltos de evolução tecnológica, rumo ao que 
vivemos na atualidade, a resposta aos desafios e necessidades do ser humano 
tem vindo principalmente por meio de sua atividade de transformação da 
natureza e produção de sua sobrevivência. 
Se podemos falar em uma natureza humana, precisamos ter o devido 
cuidado de contextualizar a partir de que olhar estamos falando. Poderia ser o 
olhar do biólogo para quem o ser humano poderia ser explicado como um 
organismo complexo, uma organização de bilhões de células, um conjunto de 
sistemas e subsistemas que formam um todo orgânico funcional. Seria uma 
possibilidade de definição, mas isso também dependeria se o nosso hipotético 
biólogo ainda segue uma perspectiva teórica dentro da biologia. Ou seja, uma 
possível definição do que seria a natureza humana poderia ter variações 
dependendo da filiação teórica do biólogo, se darwinista, materialista, 
espiritualista (supondo que tais perspectivas sejam possíveis dentro da biologia), 
havendo diferentes concepções em torno da explicação do fenômeno humano. 
 
 
3 
Figura 1 – DNA Humano 
 
Crédito: Vitstudio/Shutterstock. 
Como um químico definiria a natureza humana? Um conjunto de reações 
químicas em nível molecular? E um físico? Um médico? Sabemos que o DNA 
representa a unidade básica de construção da biologia humana, que estrutura 
nossas células, órgãos e tecidos, e que, embora muita coisa possa ser explicada 
a partir dos conhecimentos acumulados sobre o genoma humano, no campo da 
cultura estamos num terreno diferente, sendo necessária a contribuição das 
ciências humanas para que nossa compreensão do humano seja aprofundada. 
A visão de um filósofo e metafísico poderia definir a natureza humana 
como uma substância racional, cuja inteligência é a manifestação de uma das 
faculdades da alma. Todavia, um filósofo materialista teria uma opinião bem 
diferente, assim como um niilista, ou um existencialista, e as perspectivas 
poderiam aumentar na proporção das diferentes doutrinas filosóficas. Essa 
pluralidade de explicações sobre o fenômeno humano reforça o quanto o assunto 
é complexo e aberto para novas possibilidades de interpretação. 
Mas se existe uma natureza humana em nós como algo dado, como uma 
essência que nos torna o que somos, parece que nem sempre a manifestação 
dessa natureza ocorre como esperado. 
TEMA 2 – AS MENINAS-LOBO 
Talvez uma verídica e curiosa história possa nos ajudar a pensar sobre a 
complexidade de se definir e compreender o que seja a categoria de natureza 
humana. Vejamos! 
 
 
4 
Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente 
numerosos, foram descobertas em 1920, duas crianças, Amala e 
Kamala, vivendo no meio de uma alcateia de lobos. A primeira tinha 
um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito 
anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu 
comportamento era exatamente semelhante àquele de seus ‘irmãos’ 
lobos. Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e 
cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os 
trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer em pé. Só 
se alimentavam de carne crua. Comiam e bebiam como os animais, 
lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição 
onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas 
numa sombra. Eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir 
e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam. Kamala viveu oito 
anos na instituição que a acolheu, desenvolvendo alguns traços 
básicos do comportamento humano típico, como gestos e algumas 
palavras. Necessitou de seis anos para aprender a andar e, pouco 
antes de morrer, tinha um vocabulário de apenas cinquenta palavras. 
Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Chorou pela primeira 
vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às 
pessoas que cuidaram dela bem como às outras com as quais 
conviveu. Sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se por gestos, 
inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, 
aprendendo a executar ordens simples. (Leymond, 1965, p. 12-14) 
A situação descrita, além de curiosa e verdadeira, nos choca de certa 
forma. Ora, se as meninas eram humanas, por quais razões essa humanidade 
não emergiu permitindo que ambas pudessem ingressar no mundo da cultura, 
da linguagem e da intersubjetividade? Esse questionamento aparentemente 
ingênuo coloca em xeque a noção inatista de humanidade. O que vulgarmente 
chamamos de natureza humana não é algo inato, pronto e capaz de emergir 
independentemente do contexto e condições em que nasçam e vivam os seres 
humanos. Talvez, inato seja somente nosso potencial para nos tornarmos 
humanos, um potencial acumulado em milhares de anos de evolução, agora 
condensado em nove meses de gestação. 
 O filósofo Aristóteles nos ensina que nascemos da espécie humana, mas 
a humanidade presente em nós como potencial precisa ser desenvolvida em 
cada um, daí a enorme importância que o filósofo atribuía à educação e à vida 
social. Contemporaneamente, poderíamos parafraseá-lo dizendo que 
carregamos o DNA de nossos progenitores, ou seja, somos da espécie humana, 
mas tornar-se humano é um processo, uma conquista que recebe influência das 
circunstâncias em que nasce e se desenvolve uma criança. Você concorda com 
essa afirmação? Vamos pensar... meu gosto musical, minha comida preferida, a 
fé que professo, os valores em que acredito, o time pelo qual torço etc. tiveram 
influência do meio social em que vivo, das pessoas que convivo? Pense nisso. 
 
 
5 
TEMA 3 – NOSSA PROTOHUMANIDADE 
No mundo natural, muitos dos mamíferos têm seu desenvolvimento em 
relação à sua capacidade de sobreviver, dentro do útero. 
Figura 2 – Fêmea gnu e seu filhote 
 
Crédito: Andreanita/Shutterstock. 
Em se tratando de um filhote gnu, minutos depois do seu nascimento ele 
já consegue ficar em pé e acompanhar sua mãe, aliás sua sobrevivência 
depende disso. Ou seja, em relação a essa espécie, assim como a de vários 
outros mamíferos, o desenvolvimento intrauterino possibilita garantir o básico 
para sua sobrevivência após o nascimento. 
Vamos agora observar a outra imagem logo abaixo. 
Figura 3 – Mãe e seu bebê 
 
Crédito: In the Light Photography/Shutterstock. 
Diferente é a condição dos bebês humanos. A biologia nos explica que o 
comportamento humano típico depende em grande medida da capacidade e do 
tamanho de nosso cérebro. No início da gestação temos uma cabeça grande em 
relação ao restante de nosso corpo. Por conta dessa condição,o período de 
 
 
6 
gestação é insuficiente para um desenvolvimento capaz de garantir maior 
autonomia como ocorre em outras espécies. Os bebês humanos ao nascerem 
são totalmente dependentes de seus cuidadores. Seu desenvolvimento 
dependerá de um conjunto variado de recursos e estímulos para que possa 
crescer sendo saudável. Daí a importância fundamental do pré-natal e depois 
nas fases de crescimento e desenvolvimento do bebê. 
Acho que você já percebeu aonde queremos chegar. O que chamamos 
de natureza humana é na verdade uma proto-humanidade recebida como 
herança genética de nossa espécie e progenitores. O contato com a família, os 
processos iniciais de socialização e tudo que envolve a complexa relação familiar 
entre adultos e crianças, a educação, a inserção na cultura, o desenvolvimento 
das funções superiores do cérebro, como linguagem e pensamento, dependem 
crucialmente da qualidade da socialização a que serão submetidos os bebês e 
crianças. 
Isso não aconteceu com Amala e Kamala. Como foram socializadas por 
lobos, de certa forma elas se tornaram lobos, não biologicamente como seria 
óbvio, mas na absorção dos trejeitos e comportamentos dos animais. O que 
deveriam ter recebido em termos de cultura originária, cuidados e 
comportamentos de base para imitação simplesmente não estava disponível a 
elas. O que vulgarmente chamamos de natureza humana, no caso das meninas-
lobo, ficou latente, adormecida e depois de um período sofreu atrofia, visto que 
o ingresso pleno das duas no mundo humano foi obstaculizado, conforme 
pudemos ver no relato. Somente os rudimentos da humanidade como 
sociabilidade típica de humanos emergiu. Isso graças ao período em que 
passaram sendo cuidadas na instituição que as acolheu. 
Algumas considerações que podemos retirar do exposto até esse 
momento são: 
• o que chamamos comumente de natureza humana pode ser definido 
como uma proto-humanidade; 
• a biologia humana é complexa e os bebês são totalmente dependentes 
de seus progenitores; 
• nascemos da espécie humana, mas tornar-se humano é um processo e 
uma conquista que envolve esforço do indivíduo, da família e também da 
própria sociedade/comunidade; 
 
 
7 
• o escopo de nossa humanidade depende em boa medida da qualidade 
dos processos de socialização do qual participamos ao longo de nossa 
vida; 
• existe uma íntima e poderosa conexão entre educação e humanidade. 
TEMA 4 – PARA QUE SERVE A SOCIEDADE? 
Se imaginarmos que a função primordial da família é cuidar, amar e 
proteger seus membros, devemos supor que a sociedade deveria, em alguma 
medida, ser uma extensão do ambiente familiar. Que implicações teríamos para 
o desenvolvimento das pessoas se a sociedade e o conjunto de suas instituições 
e recursos estivessem de fato orientados a promover o bem-estar das pessoas? 
Vamos imaginar que a sociedade poderia ser um ambiente onde as 
pessoas pudessem atingir seu potencial com oportunidades de realizar seus 
sonhos e sua vocação. Parece utópico se considerarmos o contexto atual do 
mundo em que vivemos. Contudo, não deveria ser tarefa da educação semear o 
futuro e despertar novos sonhos e utopias em nossos jovens e crianças? Se for 
para termos mais do mesmo, em relação à reprodução dos problemas de uma 
sociedade doentia – e nós sabemos o quanto a nossa sociedade está doente –, 
qual seria o sentido do trabalho educativo? 
Figura 4 – Criança no lixo 
 
Crédito: Tinnakorn Jorryuang/Shutterstock. 
Em face dos problemas e limites da sociedade moderna, é preciosa a 
contribuição do sociólogo Robert Merton, sobre a qual refleti no livro Teorias 
sociológicas e problemas sociais contemporâneos, de 2018: 
 
 
8 
Em resumo, podemos colocar a teoria de Merton da seguinte forma: a 
sociedade capitalista estipula metas culturais como obter dinheiro e 
sucesso. Para atingi-las são disponibilizados determinados meios, isto 
é, caminhos ou recursos institucionalizados e legitimados socialmente. 
O problema instala-se com descompasso entre as metas estabelecidas 
e a escassez de recursos disponíveis para que todos possam realizá-
las. A riqueza, o sucesso e a prosperidade material, via de regra, são 
erigidos como meta universal na sociedade capitalista, porém 
acessíveis somente às classes mais abastadas. 
Dessa forma, o insucesso de muitos na consecução dessas metas é 
sistêmico, uma vez que os recursos são insuficientes para todos. Como 
consequência, tem-se um estado de anomia generalizado, no qual as 
regras do jogo são, por assim dizer, abandonadas, fazendo proliferar 
condutas desviantes, como a delinquência e a criminalidade, exemplos 
mais comuns dessa situação. 
Merton tipifica os desvios em quatro categorias. O primeiro tipo é a 
conformidade, conduta na qual o indivíduo se orienta pelas regras 
sociais estabelecidas, buscando atingir as metas sociais com base nos 
meios institucionalizados. O segundo é o comportamento inovador, no 
qual as metas são buscadas por meios nem sempre usuais, podendo 
haver rupturas parciais com padrões e condutas institucionalizadas, o 
que, no limite, pode contribuir positivamente para a mudança social. 
A terceira forma de resposta social dos indivíduos seria o 
comportamento ritualista, aquele sem interesse em realizar as metas 
culturais. Merton aponta que tal conduta poderia ocorrer por medo do 
fracasso social, produzindo desinteresse e desestímulo. Esse perfil 
social até segue as regras, mas de modo mecânico, como um ritual. É 
como viver no piloto automático realizando as rotinas diárias e 
cumprindo os papéis estabelecidos, mesmo sem convicção ou 
engajamento. 
A quarta forma de conduta desviante é a evasão, que se refere àquelas 
condutas em que os indivíduos abandonam as metas e os meios 
socais. Um exemplo poderia ser os andarilhos e mendigos, que, ao não 
se identificarem mais com as referências sociais institucionalizadas, 
evadem-se da vida social de regras, processos, papéis, status, 
instituições, obrigações, expectativas etc. No extremo, a evasão da 
vida social em uma condição de marginalização dos indivíduos pode 
ter implicações graves, comprometendo a saúde e a sanidade dessas 
pessoas; dessa forma, não são raros os casos de suicídio. 
A quinta e última forma de resposta social identificada por Merton é a 
rebelião. Trata-se de uma conduta que não se conforma com a ordem 
estabelecida, rompe em revolta, negando as metas e os meios 
institucionalizados. Discordando de Merton, em relação à rebelião, 
como comportamento potencialmente destrutivo da ordem social, 
podemos dizer que o rebelar-se pode assumir um caráter propositivo e 
acelerar transformações mais profundas na sociedade. Poderíamos 
pensar nas greves e mobilizações por direitos e liberdade como 
desfechos positivos de ações de rebeldia. (Nauroski, 2017, p. 78-81) 
 A análise de Merton, se aprofundada, pode colocar em xeque a própria 
estrutura e cultura da sociedade moderna. A ideologia capitalista de consumismo 
e acumulação ilimitada parece ser o principal fator gerador de muitos dos 
problemas sociais que impactam negativamente indivíduos e instituições. O 
labirinto da existência atual, com seus “becos” sem saída e sentimento de 
aprisionamento, teria do novelo de Ariadne (personagem do mito do Minotauro 
que ajuda Teseu a escapar do labirinto) a crítica profunda ao modelo de 
civilização que parece imperar hegemônico na atualidade. 
 
 
9 
 Ou seja, não se trata somente de pessoalizar e individualizar as condutas 
desviantes (crimes em geral), mas de compreender de maneira sistêmica que é 
a própria sociedade que engendra muitas das causas dessas condutas. Existe 
uma relação de corresponsabilidade entre individuo e sociedade no que 
concerne a moralidade, ao que apreciamos em termos de uma conduta correta, 
justa e nobre e o que consideramos como errado, injusto e odioso. Preferimos 
falar em justiça e não em direito, em razão de que as leis nem sempre são 
criadas para defenderideais de justiça, mas não raro representam a 
consubstanciação de interesses escusos. 
Na perspectiva de uma corresponsabilidade entre indivíduo e sociedade, 
é razoável punir quem age errado, comete um crime, ou ameaça o bem-estar de 
seus semelhantes, mas parece correto continuar isentando a sociedade de sua 
culpa e responsabilidade, sabendo, agora, um pouco melhor como ela funciona? 
TEMA 5 – A CULTURA COMO NOSSA SEGUNDA NATUREZA 
 Na obra O Mal-Estar da Civilização, de 1929, Sigmund Freud, o pai da 
psicanálise, apresenta uma análise pessimista da condição humana. Na 
perspectiva do autor, a cultura ao mesmo tempo em que libertou o homem da 
vida puramente instintiva, criou também uma armadilha, pois a vida em 
sociedade, isto é, a vida mediada pelo trabalho (transformação da natureza) e 
pela cultura (universo simbólico) traz limitações aos nossos desejos e impulsos. 
Sem essas limitações, o convívio humano seria problemático, potencialmente 
caótico e violento. A ideia de progresso em termos materiais e tecnológicos 
ficaria obstaculizada em meio a uma guerra de “todos contra todos”. Mas o preço 
pelo progresso tem sido alto, nada menos que a nossa felicidade. 
O desejo para Freud é mais que um simples querer, o desejo é tomado 
como manifestação do princípio do prazer, uma força que emana do Id, o lado 
mais profundo de nossa personalidade, uma instância de nossa psique que 
desconhece os limites da moral e opera na busca pelo prazer. O advento da 
cultura e, portanto, da vida em sociedade trouxe outro importante e poderoso 
princípio, o da realidade, com seus limites, freios e interditos. Esse princípio se 
materializa em nosso superego, nossa consciência moral, um equipamento de 
nossa personalidade que permite reconhecer e introjetar os limites e interditos 
da vida social. Sem o superego dificilmente seriamos capazes de sentir culpa, 
remorso e arrependimento. 
 
 
10 
Graças ao superego somos capazes de frear a atuação do Id e pôr limites 
aos seus impulsos. A literatura na área da psicanálise costuma definir como 
psicopata uma pessoa incapaz de sentir remorso por ter causado dor para outras 
pessoas. Uma sociedade de indivíduos sem superego seria uma arena de 
psicopatas agindo sem freios ou restrições. Em síntese, viver em sociedade 
significa aceitar que não podemos fazer tudo que queremos. 
Freud também estudou os mecanismos que criamos para lidar com as 
limitações impostas pela vida social e as frustrações que ela acarreta, sendo 
talvez mais eficiente o processo de sublimação. Sublimar significa encontrar 
caminhos socialmente aceitáveis para realizar nossos desejos ou instintos mais 
agressivos. Dessa forma, a arte, o esporte, o trabalho e mesmo a religião podem 
ser condutores da nossa libido, essa energia vital sem a qual a existência fenece, 
canalizando essa força em diferentes possibilidades. Uma sociedade inteligente, 
para Freud, buscaria diversificar as possibilidades para a realização da libido. 
Ao final de sua reflexão, Freud conclui de modo pessimista que a 
sociedade moderna tende a se afirmar reprimindo os indivíduos em nome da 
civilização, reforçando os mecanismos de culpa e repressão. Por conta disso, a 
condição que nos assiste ao longo da vida é de mal-estar, de não realização, em 
que a nossa felicidade permanece como um projeto sempre adiado, uma 
condição manipulável em que o mercado soube vender seus paliativos, 
fármacos, ou uma prática estimulada diuturnamente, o consumo. 
 Quase trinta anos depois, em 1955, Herbert Marcuse publicava seu livro 
Eros e Civilização, em que buscou relativizar o pessimismo de Freud em relação 
à cultura e à condição humana. Enquanto o pai da psicanálise não diferenciava 
a necessidade da inibição dos instintos na vida social da limitação que surge da 
escassez de recursos produzidas socialmente, Marcuse argumenta que a 
condição de mal-estar poderia ser amainada e até superada se o princípio da 
realidade não tivesse a configuração determinante de uma sociedade classista, 
alienante e opressora. Uma sociedade em as possibilidades de realização dos 
desejos estão restritas aos segmentos endinheirados da população. 
O problema da neurose, uma doença da incapacidade das pessoas em 
lidar com suas frustrações, poderia ser diminuída a ponto de provocar menos 
danos se a abordagem da psicanálise freudiana não fosse, na crítica de 
Marcuse, tão unilateral, visto que centrou seu foco quase que exclusivamente na 
subjetividade. Não se trata somente de uma questão de saber aceitar e se 
 
 
11 
adaptar às limitações da vida social, sendo necessário reconhecer o lado 
patológico da própria sociedade. 
 Marcuse defende um modelo pós-capitalista de sociedade, com menos 
repressão e alienação, no qual a sociabilidade humana tivesse mais liberdade e 
meios para alcançar uma vida mais prazerosa e realizadora. Trata-se de uma 
perspectiva que toma possível a emancipação do homem para além de um 
trabalho alienado, ou da libido como energia e pulsão não subordinada aos 
interesses da produtividade capitalista. 
 Essa discussão foi ainda complementada por outra importante obra de 
Marcuse, O homem unidimensional, de 1964. Ele aprofunda sua crítica à cultura 
e ao sistema capitalista mostrando como nesse sistema o princípio do prazer, 
uma pulsão que poderia se realizar de modo plural e multifacetado com diversas 
possibilidades de sublimação, acaba sendo capturado pela lógica do consumo. 
NA PRÁTICA 
Pensando nessa discussão sobre O homem unidimensional, você 
consegue imaginar ou identificar as consequências do comportamento de uma 
cultura como a nossa, na qual parece predominar esse perfil de pessoas? Como 
poderíamos relacionar essa questão a problemas como o consumismo? 
FINALIZANDO 
 Nesta aula vimos que: 
• a educação é um processo universal e tão antigo quanto a própria 
humanidade; 
• o que comumente chamamos de natureza humana é a nossa proto-
humanidade, um potencial que, para se desenvolver, necessita de 
cuidados e estímulos, com destaque para o papel da família, da escola e 
da comunidade; 
• existe uma relação de corresponsabilidade entre individuo e sociedade, 
tanto em relação aos erros quanto acertos; 
• a sociedade não pode ser isenta de críticas, e seu melhoramento depende 
de nosso engajamento como cidadãos e educadores; 
• é preciso imaginar novos horizontes e possibilidades civilizacionais a fim 
de superar o mal-estar que predomina na atualidade. 
 
 
12 
REFERÊNCIAS 
HARARI, Y. N. Sapiens – uma breve história da humanidade. São Paulo: 
Harper, 2011. 
LEYMOND, B. Le development social de l’enfant et del’adolescent. 
Bruxelles: Dessart, 1965. Disponível em: 
<www.projeto.unisinos.br/humanismo/antropos/cultura>. Acesso em: 26 fev. 
2021. 
MELO, A. de. Fundamentos socioculturais da educação. Curitiba: 
InterSaberes, 2012. 
NAUROSKI, E. A. Teorias sociológicas e problemas sociais 
contemporâneos. Curitiba: InterSaberes, 2017. 
OLIVEIRA, R. C. de. Antropologia filosófica. Curitiba: InterSaberes, 2012. 
PAIXÃO, A. E. da. Sociologia geral. Curitiba: InterSaberes. 2012.

Continue navegando