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Ensaio Bacurau

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2021 
 
 
 
 
 
 
“SE FOR, VÁ NA PAZ” 
UMA LEITURA A CERCA DA POLÍTICA E DA 
REPRESENTAÇÃO BRASILEIRA EM BACURAU 
 
 
Maria Antônia Gabriel de Souza Santos 
HACA34 - Estudos sobre a contemporaneidade II 
Orientador: Pedro Lucas Dutra Salgado 
Universidade Federal da Bahia 
 
 
 
RESUMO: Este ensaio tem como principal objetivo analisar o longa-metragem “Bacurau” através de 
quatro segmentações. Na primeira, introduzo o filme e seu enredo, além de sua importância como 
propagador da cultura sertaneja. Nos demais segmentações, discuto três aspectos considerados 
importantes para sua narrativa: o imperialismo americano e suas consequências no Brasil, a leitura da 
política brasileira e a reprodução da mulher brasileira e sobretudo, nordestina, apesar das dificuldades 
encontradas pelo sexo feminino como a violência de gênero; essas discussões tomam como apoio as 
obra Lélia Gonzalez, A juventude brasileira e a questão do desemprego (1979) e do Estudioso Norberto 
Bobbio, O filósofo e a política (2003) . Com esse ensaio, procuro trazer o debate educativo de uma 
obra ficcional e sua importância para a cultura brasileira como um retrato do país. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Bacurau, imperialismo, política, violência de gênero 
 
 
 
 
 
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INTRODUÇÃO 
 
Bacurau é um filme brasileiro, lançado em 2019, que já despontou clássico e 
chamando a atenção do planeta. Mas, por que tanto sucesso? Por que Kleber 
Mendonça Filho e Juliano Dornelles escolheu a palavra bacurau como título da obra 
cinematográfica? É, são várias questões levantadas no filme que faz com que ela se 
torne extremamente relevante para que possamos entender a atual situação social e 
política do Brasil. 
Tentando responder as questões apontadas acima, a palavra bacurau designa 
vários gêneros de aves de hábitos noturnos; designa informalmente pessoas que 
gosta de sair à noite; designa ainda indivíduo negro. O filme, ao que tudo indica, 
homenageia o pássaro nordestino de hábitos noturnos e às pessoas do sertão 
nordestino que, assim como o bacurau, só querem sobreviver. 
Face ao exposto e em linha com a obra cinematográfica bem como com o que 
acontece no cenário político e social no Brasil, particularmente, com o sertão 
nordestino, parcela da sociedade mais afetada pelo citado cenário, procuro nesse 
ensaio refletir sobre as abordagens da obra cinematográfica tomando como base as 
discussões e leituras ofertadas na disciplina Estudo Sobre a Contemporaneidade II. 
Para tanto, apresento a história narrada no filme, em seguida, levanto reflexões 
críticas acerca do mesmo através do posicionamento da estudiosa Lélia Gonzalez, na 
obra A juventude brasileira e a questão do desemprego (1979) e do Estudioso 
Norberto Bobbio, na obra O filósofo e a política (2003) e pôr fim a conclusão. 
 
O FILME 
 
Consolidada em 1945, com o fim da segunda Guerra Mundial, a hegemonia 
norte-americana levou os Estados Unidos ao centro do poder internacional. 
Entretanto, a partir da década de 70, pudemos observar a erosão do poderio 
americano e da ordem liberal vigentes, situação simbolicamente representada no 
longa brasileiro de 2019, Bacurau. 
Em um futuro próximo, Bacurau, uma pequena cidade brasileira no oeste de 
Pernambuco, vela uma das principais figuras locais, Carmelita, reúne toda a 
população do lugar e marca o fim de uma era que aceitava a diversidade. A partir 
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desse momento, os habitantes, aos poucos, percebem algo estranho acontecendo na 
região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam pela primeira vez 
na cidade com planos de exterminar toda a população ali residente; com isso, carros 
são atingidos por tiros e cadáveres começam a aparecer. A população conclui que 
está sendo atacada, resta então identificar o inimigo e criar, coletivamente, um meio 
de defesa. O filme, dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano 
Dornelles, estreou no Festival de Cannes e ganhou o Prêmio do Júri, um dos principais 
reconhecimentos do evento. 
O filme tornou-se um fenômeno por evocar um sertão pouco explorado e de 
estética tão peculiar – o sol forte, o clima semiárido e as estradas de chão batido – e, 
ao mesmo tempo, indissociáveis da ideia geral de Brasil: o sertão do banditismo, da 
pistolagem, da grilagem de terras, uma nação que faz apologia à ignorância, à tortura 
e à morte. 
 
ANÁLISE CRÍTICA – A MARGINALIZAÇÃO PRESENTE EM BACURAU 
 
O filme é uma releitura da realidade brasileira em questões como a do povo 
desvalorizado e subjugado, a tragédia dos políticos e a presença da violência 
presente, tanto na ficção, quanto na realidade. Com uma história que se passa no 
futuro, "daqui a alguns anos", Bacurau ressoa, na verdade, o Brasil de sempre. 
Entretanto, não um povo brasileiro conformado com a situação em que vive, mas um 
povo que luta contra o “status quo”. É uma história de vingança contra a violência que 
existe nas fronteiras do capitalismo e do Estado e que resultam no que podemos 
chamar de capitalismo industrial monopolista e que, segundo a antropóloga Lélia 
Gonzalez (1979), impede o crescimento equilibrado das forças produtivas em regiões 
subdesenvolvidas e produze uma massa marginalizada, os “involuntários da pátria”, 
como na expressão do antropólogo Eduardo Viveiros (2017), ou seja, a população 
negra ou os povos indígenas e como exposto na obra “Bacurau”, dos nordestinos. 
No longa, a cidade de Bacurau, vilarejo fictício no meio do nada se converte 
em palco de uma violenta distopia, onde a caça de turistas, torna-se uma encenação 
do imperialismo americano e da marginalização brasileira. 
E é nesse ponto, que voltamos a questão da hegemonia estadunidense. 
Um grupo de americanos aparecem para exterminar através do que para eles é uma 
competição, um jogo; tudo isso após dois habitantes do sul do Brasil, “a região rica”, 
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“venderem” a população de Bacurau, assim como pelo prefeito da cidade – que 
representa aqui, a falha e o descaso da política brasileira. Tal como a decadência do 
imperialismo americano ao longo dos anos, no longa, os “visitantes” encontram seu 
declínio. Porém, aqui, assistimos ao povo subjugado levantar-se contra a violência e 
dominação. 
 
A política de Bacurau 
 
Em acordo com acordo com Bobbio (2003, p. 147), a finalidade do homem, ao 
se envolver com a política, é vencer o outro, o inimigo e, consequentemente, 
conservar o Estado conquistado. Para tanto, esse homem usa de todos os meios 
adequados. Entre esses meios ditos adequados, inclui-se também a decisão de não 
respeitar os pactos? 
O filme parece responder a questão levantada por Bobbio (2003). Se no 
Brasil, assistimos políticos com promessas de campanha vazias e corrupção em suas 
mais diversas formas, em Bacurau não seria diferente. Com o prefeito da cidade, Tony 
Jr., o típico político moderno filho do latifundiário local, assistimos um político que não 
está interessado em promover políticas públicas ou melhorias na comunidade, e sim 
se aproveitar do povo, aproximando-se dele apenas em ano de eleições. Cheio de 
promessas vazias, sua primeira aparição, apenas para pedir votos ao povo, torna-se 
um dos momentos mais cômicos do longa-metragem com seu jingle tocando ao fundo 
e a fuga e desaparecimento dos moradores da cidade. 
Tony Jr, além disso, representa o descaso à educação, explícito na cena 
em que despeja de um caminhão um monte de livros, que caem no chão de qualquer 
forma, sendo danificados. O que nos leva, a questão da subversão dos aparelhos do 
estado pelos moradores de Bacurau que os reconstrói com o bem estar do povo e a 
coletividade em seu centro. Tal como a ideia do filósofo francês Félix Guattari, de uma 
cidade que “opera onde o poder deixa brechas”. Nesse sentido, é o povo que faz a 
política, a exemplo da cena em que os personagens Plínio e Domingas dispõem em 
uma mesa todas as “doações” feitas para a cidade. Ali, é explicado aos cidadãos os 
efeitosdos reguladores de humor, e a data de validade dos alimentos. Mas acima de 
tudo, é dada a autonomia aos cidadãos, para que peguem o que forem usar, com 
consciência. 
 
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Bacurau e a força da mulher nordestina 
 
 
A mulher nordestina 
É uma pedra cristalina 
Muito difícil de quebrar 
Se você não tiver cuidado 
E ficar despreparado 
Você só vai se prejudicar 
(JOABNASCIMENTO, 2015) 
 
 
Por último, em não menos importante, assistimos no longa, o enaltecer do 
poder feminino com a presença de mulheres fortes. Logo no início, os personagens 
lamentam a perda de sua matriarca, Carmelita, com um funeral na presença de toda 
a cidade, marcando o fim de uma era que aceitava a diversidade, e que dali para frente 
serão tempos difíceis. Outra personagem de forte presença, é Domingas, a médica 
de Bacurau, que auxilia a população em seus problemas de saúde, ao mesmo tempo 
em que ela mesma sofre com o alcoolismo. A personagem bate de frente com o líder 
de invasores, representando a energia e garra da mulher nordestina em meio a uma 
dura realidade. Até mesmo as mulheres do grupo americano tem seu destaque em 
meio aos homens do grupo. 
Essa realidade, no entanto, vai contra o que observamos na realidade 
brasileira. Ainda hoje, a questão de gênero é assunto delicado, principalmente na 
política do país. De acordo com o levantamento realizado pela organização Terra de 
Direitos e Justiça Global, as mulheres representam aproximadamente 13% dos cargos 
eletivos de todas as esferas políticas do Brasil. A baixa representatividade e 
participação feminina na política nacional pode ser considerado um reflexo das 
desigualdades entre os gêneros presente em tantas esferas da sociedade brasileira. 
Esse contraste entre gêneros e que afeta a presença feminina em cargos 
políticos é resultado da violência de gêneros que dificulta a permanência da mulher 
no trabalho. Um melhor exemplo desse tipo de violência é a ex-presidente Dilma 
Rousseff que, ao longo de todo mandato, sofreu diversas represálias que sucederam 
no impeachment que a tirou do cargo de presidente. 
 
CONCLUSÃO 
 
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Festeiro, cordial, sensual e exótico. Porém, arruaceiro e não muito recatado. 
Esse é o brasileiro na visão de outras nações. Entretanto, em Bacurau, a população 
apresenta-se como festeira, porém hostil e unida contra forasteiros, diferentemente 
da imagem esperada do povo brasileiro. E apesar de não conhecermos os 
personagens logo de cara, na entrada da cidade vislumbramos a placa, “Se for, vá na 
paz”. Uma promessa silenciosa de retaliação se alguém resolver aparecer com 
hostilidade. É assim que Bacurau, contando algumas mortes, venceu os assassinos e 
se livra da política vazia de Tony Júnior. 
Em relação à visão que as outras nações têm do Brasil, ela é construída pelo 
próprio povo brasileiro, como ele se promove. Não cabe às nações estrangeiras mudar 
essa imagem; as mudanças devem partir de nós, brasileiros. Não bastam campanhas 
presentes em obras cinematográficas ou espetáculos de dança, o samba, por 
exemplo, no exterior, precisamos nos educar. Desde que a pandemia aportou no 
Brasil, por exemplo, juntas vieram às desigualdades sociais; o desrespeito; a 
crueldade. Além do descaso governamental, a desinformação; a falta de preparo e a 
irresponsabilidade de alguns que aglomeram com festas de toda natureza e nenhum 
cuidado com a prevenção, colocando em risco a vida de todos chegam até as outras 
nações em forma de notícias, fortalecendo a visão estigmatizada que os estrangeiros 
têm do povo brasileiro. Precisamos mudar! 
 
REFERÊNCIAS 
 
 
BOBBIO, Norberto. A política. In: O filósofo e a política. Rio de Janeiro: Contraponto, 
2003, p.137-156. 
 
GONZALEZ, Lélia. A juventude negra brasileira e a questão do desemprego. Rio de 
Janeiro: UFRJ, 1979. 
 
HEREJK RIBEIRO, E.; RENATO UNGARETTI, C. COVID-19 e a crise da ordem 
liberal: aceleração do tempo histórico e mundo pós ocidental. Agenda Política, [S. l.], 
v. 8, n. 3, p. 191–220, 2021. DOI: 10.31990/agenda.2020.3.7. 
 
CASTRO, Eduardo Viveiros de. Os Involuntários da Pátria: Elogio do 
subdesenvolvimento. 65. ed. [S. l.: s. n.], 2017. 
O QUE é violência política de gênero? In: BRITO, Thais. O que é violência política de 
gênero? [S. l.], 21 maio 2021. Disponível em: https://www.politize.com.br/violencia-
politica-de-
genero/?https://www.politize.com.br/&gclid=CjwKCAjwo4mIBhBsEiwAKgzXOD4lD0I
2021 
ZriW27xNmliMDCqJ0Vs_EPF0tv8GkLp2lv7ZJg80VLYwFghoCMKwQAvD_BwE. 
Acesso em: 29 jul. 2021. 
 
BACURAU (FILME). In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia 
Foundation, 2021. Disponível em: 
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Bacurau_(filme)&oldid=61726698>. 
Acesso em: 28 jul. 2021. 
 
NASCIMENTO, Joab. A mulher nordestina. [S. l.], 17 fev. 2016. Disponível em: 
https://www.recantodasletras.com.br/cordel/5545997. Acesso em: 29 jul. 2021.

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