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O OLHAR DA PSICANÁLISE FRANCESA SOBRE O AUTISMO

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O OLHAR DA PSICANÁLISE FRANCESA SOBRE O AUTISMO: UMA PESQUISA 
TEÓRICA EM PSICANÁLISE​1 
1 Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Psicologia da 
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. 2020. 
 
 
Juliana Luizetto de Lucca 
Anderson da Silveira​2 
 
Resumo​: Este estudo buscou investigar o autismo a partir da Psicanálise freudiana-lacaniana. 
Léo Kanner, psiquiatra austríaco foi o pioneiro a diferenciar o autismo da esquizofrenia e 
descrevê-lo como uma nova entidade nosográfica contribuindo posteriormente de maneira 
significativa para o avanço no conhecimento e tratamento do autismo. Na Psicanálise o 
reconhecimento do autismo em um sujeito se dá pela observação do relacionamento do sujeito 
com o Outro. A partir do nascimento do bebê a mãe cumpre a função do Outro e o seu desejo 
tem papel fundante na estrutura do aparelho psíquico, porque cria as condições nas quais as 
experiências e os objetos do bebê se inscrevem. A justificativa para a realização da pesquisa 
está na falta de conhecimento, da população em geral, em conceber a Psicanálise como forma 
de tratamento do autismo. Esta pesquisa possibilita para profissionais da Educação, da 
Psicologia e da Saúde em suas diversas “áreas”, uma outra maneira de conceber o autismo, 
possível de ser reconhecido desde a primeira infância. O presente estudo tem como objetivo 
conhecer o autismo em suas características, causas, e tratamento segundo a visão da 
Psicanálise de orientação freudiana-lacaniana. A pesquisa se dá por via do método de 
pesquisa teórica em psicanálise que se divide em dois momentos principais, uma aporética 
histórica e uma aporética crítica a qual é constituída de elaborações sistemáticas referentes a 
natureza, função e desenvolvimento do conceito a ser investigado, para tanto foram coletadas 
fontes de obras psicanalíticas baseadas nas teorias de Freud e Lacan que abordavam o tema do 
autismo em relação ao três objetivos principais trabalhados no estudo. A discussão do estudo 
sobre o autismo se dá a partir da relação do bebê com o outro (semelhante) e com o Outro 
(simbólico), ambos podendo ser representados pela mãe. Quando não há a suposição de 
sujeito na criança por parte da mãe, não há como aliená-lo ao seu discurso. O autismo dá seus 
primeiros sinais muito “cedo”, por volta dos 3 meses de “vida”, pela recusa do bebê em olhar 
para a mãe. É possível iniciar o tratamento do autismo muito cedo pela Psicanálise o que se 
revela muito importante considerando também que a estrutura do sujeito é maleável na 
infância. 
 
Palavras-chave​: Autismo. Psicanálise. Tratamento. 
 
Abstract​: This study was aimed to investigate autism from a psychoanalytical 
perspective according to the Freudian-Lacanian psychoanalytic school. Léo Kanner, 
an Austrian psychiatrist, pioneered the differentiation of autism from schizophrenia 
and described it as a new nosographic entity that subsequently contributed 
significantly to the advancement of knowledge and treatment of autism. In 
psychoanalysis, the recognition of autism in a subject is obtained by the observation 
of the relationship with the Other. Since the birth of the baby the mother fulfills the 
function of the Other and her desire has a founding role in the structure of the 
psychic apparatus, given that it creates the conditions in which the experiences and 
objects of the baby are stored. The lack of awareness among people of 
Psychoanalysis as a mean of treatment for autism is the reason for conducting this 
2 Mestre em Psicologia pelo PPGP/UFSC. Professor do Curso de Psicologia na Universidade do Sul de Santa 
Catarina – UNISUL. 
 
research. By providing professionals workers of the Education, Psychology and 
Health areas, another way to conceive autism is given, thus a possible early 
recognition from early childhood is enabled. This study aims to know autism in its 
characteristics, causes, and treatment according to the vision of psychoanalysis of 
Freudian-Lacanian orientation. The research takes place through the method of 
theoretical research in psychoanalysis that is divided into two main moments, one 
being a historical aporetic and another one being a chronic aporetic which consists of 
systematic elaborations concerning nature, function and development of the concept 
to be investigated, therefore, Sources of psychoanalytic works based on the theories 
of both Freud and Lacan that addressed the subject of autism were collected in 
relation to the three main objectives worked in the study. The discussion of the 
autism study is based on the relationship of the baby with the others as well as with 
the symbolic Other, both represented by the mother. When there is no assumption of 
subject in the child on the part of the mother there is no way to alienate him to his 
speech. Autism gives its first signs very early at around 3 months of life by the 
baby’s refusal to look at the mother. It is possible to start the treatment of autism very 
early by psychoanalysis which is very important also considering that the structure of 
the subject is malleable in the childhood stage 
 
Keyword​s: Autism, Psychoanalytical, Treatment. 
 
Riassunto: Questo studio ha cercato di indagare l'autismo dalla prospettiva 
psicoanalitica freudiano-lacaniana. Léo Kanner, psichiatra austriaco, è stato il primo 
ad attuare una differenziazione dell'autismo dalla schizofrenia, descrivendo il primo 
come una nuova entità nosografica, ha successivamente contribuito in modo 
significativo al progresso della conoscenza e del trattamento dell'autismo. In 
psicoanalisi, il riconoscimento dell'autismo in un soggetto è dato dall'osservazione 
della relazione con l'Altro. Dalla nascita del bambino la madre svolge la funzione 
dell'Altro e il suo desiderio ha un ruolo fondamentale nella struttura dell'apparato 
psichico, perché crea le condizioni in cui sono scritte le esperienze e gli oggetti del 
bambino. I motivi che giustificano questa ricerca, sono nella mancanza di 
conoscenza della Psicoanalisi come strumento per il trattamento dell'autismo, da 
parte della popolazione in generale. Fornire le conoscenze ai professionisti di 
Educazione, Psicologia e Salute appartenenti alle varie aree, ossia un altro modo di 
concepire l'autismo, rendendo possibile il suo riconoscimento sin dalla prima 
infanzia. Questo studio mira a conoscere l'autismo nelle sue caratteristiche, cause e 
trattamento secondo la visione della psicoanalisi di orientamento 
freudiano-lacaniano. La ricerca avviene attraverso il metodo di ricerca teorica in 
psicoanalisi che si divide in due momenti principali, un aporetico storico e un 
aporetico cronico che consiste in elaborazioni sistematiche riguardanti la natura, 
funzione e sviluppo del concetto da investigare, perché così tanto sono state raccolte 
fonti di opere psicoanalitiche basate sulle teorie di Freud e Lacan, che hanno 
affrontato il tema dell'autismo in relazione ai tre obiettivi principali dello studio. La 
discussione dello studio sull'autismo si basa sul rapporto del bambino coni suoi simili 
e con l'Altro, inteso come simile nel senso simbolico, entrambi rappresentati dalla 
madre. Quando da parte della madre, non c'è assunzione di soggetto nel bambino, 
non c'è modo di alienarlo al suo discorso. L'autismo dà i suoi primi segni molto 
presto, già a circa 3 mesi di vita, essendo uno dei segnali, il rifiuto da parte del 
bambino di guardare la propria madre. È possibile iniziare il trattamento dell'autismo 
 
molto presto, attraverso la psicoanalisi che è molto importante, anche tenendo in 
considerazione la maggiore malleabilità della struttura del soggetto nell’infanzia. 
Parole Chiavi:​ Autismo, Psicoanalisi, Trattamento. 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Este estudo buscou investigar o autismo a partir de um olhar psicanalítico. Mais 
precisamente, partiu das compreensões derivadas de autores relacionados à escola 
psicanalítica freudiana-lacaniana. Nesta introdução foram traçadas as primeiras questões 
concernentes ao autismo de maneira a localizá-lo dentro do contexto histórico e demonstrar o 
percurso dos estudos realizados no campo psicanalítico. Para tanto, a escrita orientou-se pelo 
caminho traçado por Ferreira e Vorcaro (2017) em sua obra “Tratamento psicanalítico de 
crianças autistas: diálogo com múltiplas experiências”. 
Segundo o Dicionário de Psicanálise de Roudinesco e Plon (1998) o termo autismo foi 
usado pela primeira vez pelo psiquiatra austríaco Eugen Bleuler em 1907, para conceituar o 
comportamento de “ensimesmamento”​3 apresentado por sujeitos psicóticos. Bleuler estudava 
o que tinha sido na época denominado por Kraepelin de demência precoce, contestando o fato 
da precocidade. Bleuler observou que os sintomas de “ensimesmamento” nem sempre se 
apresentavam tão precocemente e nem sempre caracterizam o quadro de uma verdadeira 
demência. Influenciado por Freud em seus estudos psicanalítico, Bleuler denominou os 
quadros de demência como esquizofrenia. 
A origem da palavra esquizofrenia é grega e significa “mente dividida”, que por sua 
vez caracteriza a psicopatologia em seu problema fundamental. A dissociação do eu e a 
predominância de outras esferas psíquicas tira o sujeito da realidade fazendo-o restar num 
estado subjetivo semelhante ao de associação livre, levando o sujeito ao “ensimesmamento” 
(FERREIRFA; VORCARO, 2017). Esse comportamento de isolamento do mundo externo 
que os sujeitos esquizofrênicos apresentam, pode ser compreendido através do conceito 
freudiano de autoerotismo. O termo autoerotismo foi proposto inicialmente por Havelock 
Ellis em 1859 para denominar uma excitação que era provocada internamente no sujeito. Foi 
retomado por Freud em 1905/1976 em seu texto “​Três ensaios sobre a Teoria da 
Sexualidade​” (FREUD, 1905/1976) para descrever o comportamento sexual infantil e seu 
estágio de desenvolvimento de busca pela satisfação das tensões sexuais em seu próprio corpo 
3 Neste trabalho a expressão “ensimesmamento” a posição autística de estar voltado para dentro de si. 
 
(ROUDINESCO; PLON, 1998; FERREIRA; VORCARO, 2017). Bleuler não utilizou o 
termo autoerotismo para descrever o comportamento de “ensimesmamento”, pois considerava 
a conceituação de Freud (1905/1976) muito vinculada ao desenvolvimento libidinal infantil. 
Então, agregou as duas palavras retirando a partícula central “eros” de autoerotismo formando 
o termo ​autismo​ (ROUDINESCO; PLON, 1998; FERREIRA; VORCARO, 2017). 
Segundo Freud (1905/1976) a atividade sexual busca apoio primeiramente nas 
funções que preservam a vida do bebê. A sensação de prazer provocada pela satisfação da 
tensão causa a necessidade de repeti-la, dissociando-a da função vital e tornando-a 
independente dela. Freud (1905/1996) exemplifica em seu texto que a sucção do leite no seio 
materno gera a satisfação da necessidade vital e a satisfação da tensão criada pela “fome”. O 
ato de sugar, experimentado pelo bebê de modo prazeroso, se dissocia da função de 
alimentação e ocupa uma função de prazer. Para satisfazer o desejo pelo prazer causado pela 
sucção, o bebê poderá eleger uma parte do seu corpo como substituto do seio materno. Esta 
substituição o torna mais independente do mundo externo para o alcance de sua satisfação 
(FREUD, 1905/1976). 
Uma das primeiras relações entre a psicanálise e o autismo foi registrada por Melanie 
Klein, em 1930, através da descrição do caso clínico de Dick, um menino de 4 anos. Apesar 
das diferenças observadas por Klein entre o menino e outros pacientes esquizofrênicos ou 
com demência precoce, mesmo não obedecendo aos critérios diagnósticos dessas patologias, 
Dick foi diagnosticado com demência precoce (FERREIRA, 2018). Alguns anos depois Léo 
Kanner, psiquiatra austríaco foi o pioneiro a diferenciar o autismo da esquizofrenia e 
descrevê-lo como uma nova entidade nosográfica. Em seus estudos sobre as psicoses infantis, 
publicou no ano de 1943, o artigo “​Distúrbios autísticos de contato afetivo​”, contribuindo 
posteriormente de maneira significativa para o avanço no conhecimento e tratamento do 
autismo. Em 1950, Kanner passou a usar o termo autismo infantil precoce, descrevendo como 
características principais: sérias dificuldades de contato, interações e obsessividade por 
determinadas pessoas e/ou objetos (FERREIRA; VORCARO, 2017). Nesse período o termo 
autista passou a designar as pessoas afetadas pelo autismo e a expressão autística dos 
comportamentos que caracterizam o autismo (ROUDINESCO; PLON, 1998; FERREIRA; 
VORCARO, 2017). 
Ao realizarem a análise da publicação de Kanner (1943), que retrata as características 
das crianças autistas, Ferreira e Vorcaro (2017) observam que a leitura psicanalítica busca 
encontrar o sujeito descrito por Kanner em todas as suas potencialidades criativas. Para as 
autoras, o autismo não deve ser reduzido como um inventário de coisas que os autistas não 
 
são capazes de fazer ou de aprender. Nesse sentido, olhar sobre o autismo deve superar a 
concepção de déficit ou doença – proposta por Kanner – para dar lugar a ideia de uma 
estrutura ou uma forma de funcionamento do sujeito. Os sujeitos autistas têm boa 
potencialidade cognitiva, boa inteligência e memória. Aqueles que falam, possuem um 
vocabulário incrível, capacidade de aquisição de leitura e brincar em grupo ou estar ao lado 
do grupo, além de outras potências que podem ser encontradas nestes sujeitos. 
Pavone e Rafaeli (2011) ressaltam que o diagnóstico em Psicanálise não é ligado à 
classificação do quadro fenomenológico, não tendo preocupação com a descrição da 
causalidade. Igualmente para a Psicanálise as hipóteses diagnósticas que tentam explicar a 
causa do autismo baseadas apenas na relação com o meio ambiente – por exemplo, através da 
observação da relação mãe-bebê – não formam critérios suficientes de explicação. Nesse 
último caso, não se observa o plano da causalidade, mas apenas o plano dos efeitos. Visto que 
as observações são realizadas após o diagnóstico. O que se busca deixar claro com isso é que 
para a Psicanálise o plano da causalidade é outro e não o plano das predisposiçõesinatas 
(biológicas, neurológicas e genéticas) do sujeito, de suas relações com o meio ambiente e nem 
o plano de interação entre elas. 
Ainda de acordo com Pavone e Rafaeli (2011), para a Psicanálise o campo da 
causalidade não opera na lógica causa e efeito. Considerando tal lógica, seria possível assumir 
que sempre que uma mãe apresentasse um quadro de depressão pós-parto, necessariamente o 
efeito disso na criança seria o autismo, por exemplo. Porém, não é essa a lógica dos 
acontecimentos psíquicos. O diagnóstico em Psicanálise precisa estar ligado à realidade 
psíquica do sujeito, a qual intermedia as relações do sujeito com o mundo. Entretanto, os 
fenômenos que podem ser observados têm uma relação íntima com o plano estrutural, 
portanto se trata de dois planos: a) o da fenomenologia, que descreve minuciosamente os 
signos e comportamentos da patologia e b) o da estrutura, que aponta a relação do sujeito com 
o Outro. Sendo que os fenômenos condicionados pela estrutura, se ordenam a partir do campo 
do significante. A psicanálise de orientação freudiana-lacaniana segundo Castro (2018) - a 
qual embasa o presente trabalho - não trata o autismo como uma doença ou deficiência, mas 
como uma forma que o sujeito se coloca no mundo e se relaciona com ele, da mesma forma 
como são tratadas as demais estruturas clínicas. Portanto, para a Psicanálise, o autismo se 
trata de uma quarta estrutura. Vale ressaltar o que já foi dito por Pavone e Rafaeli (2011) no 
parágrafo anterior de que a clínica psicanalítica não é descritiva e nem fenomenológica e sim 
estrutural na medida em que o diagnóstico se estabelece na transferência. Isso será 
apresentado de maneira mais aprofundada no capítulo de resultados e discussão. Castro 
 
(2018) coloca ainda que não sendo o autismo uma doença, não há porque se buscar uma cura 
ou a eliminação da doença, há porque se buscar um tratamento para oferecer melhores 
condições de vida, mesmo subjetiva. 
 
1.1 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA 
 
A realização deste trabalho decorreu da vontade da pesquisadora de conhecer e 
entender melhor o autismo dentro da visão psicanalítica. O desejo pelo saber psicanalítico do 
autismo surgiu no primeiro ano do Curso de Psicologia em uma disciplina introdutória da 
Psicanálise, onde se discutiu o desenvolvimento psicodinâmico do sujeito e a relação 
mãe-bebê, ou seja, o Outro fundante do psiquismo em todos os sujeitos segundo a Psicanálise. 
A disciplina abordou o desenvolvimento psicodinâmico dentro da concepção de vários 
autores da Psicanálise. Como atividade avaliativa, os estudantes desenvolveram trabalhados 
sobre a relação mãe-bebê de autores como Freud, Lacan, Melanie Klein e Winnicott. 
O desenvolvimento humano se dá pelas vias neurológicas e genéticas e pelo processo 
de constituição do sujeito psíquico (KUPFER et al., 2009). Este trabalho se concentrou em 
compreender o desenvolvimento humano em sua questão psíquica. Para a Psicanálise o 
psiquismo é inscrito a partir da história de um povo, de uma família, do desejo dos pais e de 
singularidades que marcam a trajetória da subjetividade de cada um, que consiste em um 
campo social criado antes da chegada do bebê. A partir desses arranjos o inconsciente começa 
a ser fundado. A partir da cultura e da linguagem se dá a construção dos significados que a 
criança atribui às suas experiências, a partir das quais ela se constituirá como um sujeito 
único. O sujeito psíquico, a partir do qual é possível o desenvolvimento, motor, intelectual das 
crianças e suas demais vertentes (KUPFER et al.,2009; JERUSALINKY, 2012; 
BERNARDINO, 2004). Esses processos de formação se dão a partir das ações gerais que o 
cuidador tem com a criança em sua primeira infância e sem esses cuidados o sujeito pode não 
se constituir (KUPFER, 2009). 
A partir dessa visão sobre a constituição do sujeito exposta durante a disciplina e o 
desenvolver do trabalho é que surgiu a problemática de como o autismo é constituído e 
tratado clinicamente dentro das lentes da Psicanálise. Partindo do princípio que a Psicanálise é 
um campo complexo e vasto do saber sobre o psíquico, a pesquisa delimita a problemática 
dentro da psicanálise de orientação freudiana e lacaniana. A partir deste parágrafo o termo 
 
Psicanálise é utilizado para definir os postulados que abrangem as construções teóricas 
realizadas a partir da orientação freudiana e lacaniana. 
Esse trabalho buscou se basear a partir de autores consagrados pela Psicanálise no que 
se refere ao estudo do autismo e, em muitos momentos apoiou-se nas sistematizações 
realizadas por Tânia Ferreira e Angela Vorcaro. Mesmo sabendo da complexidade do assunto, 
a escrita do texto buscou traçar compreensões e explorar os temas relacionados à constituição 
do autismo, passando por tópicos sobre a constituição do sujeito, a estruturação do autismo e 
a clínica psicanalítica do autismo. 
Para justificar a relevância social e científica do presente trabalho foram realizadas 
buscas por textos de autores brasileiros referências na clínica e na pesquisa em psicanálise do 
autismo, que trouxessem um panorama da psicanálise como método de tratamento do 
autismo. Segundo Vorcaro (2017) existe por parte da Psicanálise uma luta travada contra a 
progressão exponencial do diagnóstico, do que o DSM-5 (APA, 2014) classifica como 
diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo. Essa progressão é causada pela extensão 
da classificação do nominado transtorno e do enquadre que o DSM-5 (APA, 2014) faz do 
autista como uma pessoa deficiente. A classificação apaga o sujeito autista em sua 
subjetividade e o coloca à mercê de prescrições normativas, tolhendo-lhe a oportunidade de 
escuta. Como exemplo do agravamento dessa progressão, pode ser citado o fato ocorrido em 
2012, no Estado de São Paulo, que seguindo a onda francesa de enfrentamento ao autismo 
como um transtorno invasivo do desenvolvimento de causas exclusivamente genéticas, 
biológicas e ambientais, convocou publicamente, através de edital da Secretaria Estadual de 
Saúde o credenciamento de instituições especializadas em Transtorno do Espectro do 
Autismo, priorizando a clínica do autismo à abordagens comportamentais e educativas. Essas 
instituições clínicas, citadas no edital, deveriam ser de abordagem psicológica cognitiva 
comportamental e deveriam constar do credenciamento declaração dos responsáveis técnicos, 
valendo-se de métodos em terapia cognitivo comportamental validados na literatura científica 
para tratamento do nominado transtorno. 
Kupfer (2013) e Vorcaro (2017) relatam que a partir desta situação, profissionais de 
diversas áreas e em todo território nacional criaram um movimento Denominado MPASP - 
Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública. Este movimento questiona o fato do 
Estado querer legislar sobre qual abordagem o profissional de psicologia deve adotar em sua 
prática clínica e também levanta a questão do Estado querer impedir a autonomia dos sujeitos 
autistase suas famílias, quanto a possibilidade de escolha do direcionamento de seu 
tratamento. Segundo Kupfer (2013) e Vorcaro (2017) o pronunciamento do edital colocando 
 
os métodos cognitivos comportamentais como único método científico, coloca a psicanálise à 
margem do conhecimento da população, como método para o tratamento do autismo. Nesta 
época, houve o anúncio do fim do repasse de verbas ao Centro de Referência da Criança e da 
Adolescência - CRIA especializado no tratamento de patologias por meio de uma clínica 
interdisciplinar com base na psicanálise, culminando no seu fechamento. 
Kupfer (2013) lembra que foram os psicanalistas que “desasilaram” os autistas, pois 
foram capazes de vê-los em sua forma de se relacionarem com o seu mundo, sem buscar 
adjetivações clínicas ou tratá-los como deficientes ou ainda realizando intervenções para 
ensinar comportamentos que colocariam os autistas num padrão normatizado de 
comportamentos típicos. Esse tipo de visão do autismo põem uma única hipótese para a sua 
causa e prevê um único tratamento para todos os autistas, excluindo a singularidade do 
sujeito. A Psicanálise não desconsidera outras abordagens, causas e tratamentos do autismo, 
mas considera a subjetividade e o desenvolvimento psíquico pontos fundamentais para o 
entendimento da causa e do tratamento do autismo. Diante do exposto, este estudo se justifica 
na sua tentativa de reunir conhecimentos sobre o autismo, suas causas e sua clínica 
psicológica trazendo à luz para profissionais da Educação e da Saúde Mental, uma alternativa 
na maneira de se conhecer o autismo. 
Este trabalho também se justifica em sua importância para a comunidade acadêmica, 
mas especialmente para o campo da Psicologia, cuja formação ainda não discute o tema do 
autismo, principalmente no que ser refere às possibilidades de tratamento clínico e das 
características do autismo (SILVA et al. 2018). O mesmo estudo demonstrou também que 
entre os alunos da graduação em psicologia de primeiro e quinto ano conhece-se somente a 
abordagem comportamental como eficiente para o tratamento do autismo. O que torna a 
presente pesquisa ainda mais relevante para agregar conhecimento e abrir campo para novas 
pesquisas e novas possibilidades de atuação clínica de profissionais que futuramente estarão 
em contato com pacientes autistas. 
Esta pesquisa teve por objetivo geral, “​conhecer o autismo em suas características, 
causas, e tratamento segundo a visão da psicanálise de orientação freudiana-lacaniana​”. Na 
busca de alcançar este objetivo, foram traçados os seguintes objetivos específicos: a) estudar a 
teoria psicanalítica de orientação freudiana lacaniana no que diz respeito às características do 
autismo; b) analisar através da literatura levantada a etiologia do autismo segunda a 
psicanálise freudiana lacaniana; e, c) compreender como a psicanálise diagnostica e trabalha o 
autismo na clínica. 
 
 
 
 
 
 
 
2 PERCURSO METODOLÓGICO 
 
 
2.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA 
 
Este estudo possui uma natureza qualitativa, visto que buscou compreender 
fenômenos a partir de dados que não requerem quantificação, ou seja, tem a preocupação de 
analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade de situação, ou 
que envolvem direta ou indiretamente o comportamento humano (LAKATOS, 2004). Em 
relação aos seus objetivos, possui um caráter exploratório. As pesquisas exploratórias são 
desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de 
determinado fato (GIL, 2010). 
A pesquisa possui um delineamento bibliográfico, visto que utilizou como fontes de 
informação textos da literatura psicanalítica sobre o autismo. A pesquisa bibliográfica é o 
levantamento de produções textuais publicadas, encontradas em livros, revistas e outras 
publicações. O objetivo desse modo de pesquisa é o de levantar e organizar o que foi escrito 
sobre um dado assunto, possibilitando a análise e utilização das informações de acordo com 
objetivos previamente delimitados (GIL, 2010). 
Este estudo bibliográfico pautou-se no método de pesquisa teórica em psicanálise 
(GARCIA-ROZA, 1991; COUTO, 2010). Couto (2010) afirma que a pesquisa teórica se 
debruça em reconstruir uma teoria e seus conceitos, ideologias, ideais, polêmicas, ou seja 
aprimorar fundamentos teóricos. O autor elucida ainda que uma pesquisa teórica tem dois 
momentos principais, uma aporética histórica visando compreender o conceito estudado em 
seu movimento dialético e uma aporética crítica, construída por elaborações sistemáticas das 
funções, gênese, natureza e desenvolvimento do conceito que é investigado. Garcia-Roza 
(1991) em sua fala durante o “​1º Encontro Nacional de Pesquisa em Psicanálise​” coloca a 
releitura como prática da pesquisa acadêmica em psicanálise. Por se tratar de uma pesquisa 
acadêmica deve trazer algo de novo e não apenas se tratar de comentários ou informações, 
mas da transmissão de um saber que tem como a especificidade a psicanálise. 
 
Conciliar a pesquisa ao acadêmico não é difícil, o difícil é conciliar esses dois 
conceitos à psicanálise, pois a pesquisa nesta área deve se aproximar ao que é feito na clínica, 
sendo capaz de constituir algo de novo. Uma vez que a pesquisa universitária trabalha com 
textos, é necessário levar em consideração algumas questões como: o que é fazer uma 
pesquisa em cima de textos? O que eu espero do texto? Que tipo de pergunta está presente aí? 
Evidentemente há a pergunta do pesquisador. No entanto, para responder às suas 
interrogações é importante que não se violente os textos sobre os quais o pesquisador se 
debruçará impondo suas questões sobre eles. Mas, cabe ao pesquisador escutar as questões 
que os textos se propõem a responder. Desta forma a pesquisa acadêmica em psicanálise teria 
uma proximidade com a clínica sem o risco de se colocar no lugar dela. 
Freud (1912/1969) no texto “​Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise​” 
explica no que consiste a psicanálise e recomenda aqueles que a exercem de não tomar nota 
daquilo o que lhes é dito em análise, pois a atenção deliberada acaba por selecionar o material 
apresentado fixando-se em algum ponto e negligenciando outros. Deve-se manter a atenção 
uniformemente suspensa sem se ater a nenhum ponto específico daquilo que está sendo dito 
pelo paciente. A seleção de conteúdo corresponde às expectativas e inclinações do analista e 
coloca em risco a descoberta de conteúdos ocultos, além de falsificar o que é percebido. Na 
maioria das vezes, o significado daquilo que se escuta só é identificado posteriormente. O 
analista não deve se deixar influenciar pela capacidade consciente de prestar atenção e 
abandonar-se por inteiro à sua memória inconsciente, escutar sem se preocupar se 
posteriormente irá se lembrar de algo. O material dito pelo paciente, que faz parte de um 
discurso coerente ficará consciente no analista e o conteúdo oculto, caótico e desordenado 
virá à sua lembrança assim que o paciente trouxer novosconteúdos. 
Esta pesquisa utilizou como fontes de informação textos oriundos da teoria 
psicanalítica. Para realizar a discussão e a análise, foram utilizados artigos e capítulos de 
livros que versavam sobre os fundamentos da teoria psicanalítica e sua relação com o autismo. 
A leitura e análise dos textos foi realizada a partir do que propõem Garcia-Roza (1991), ao 
tratar da releitura de textos psicanalíticos e também nas orientações de Freud (1912/1969) 
sobre a importância da atenção flutuante na clínica – aqui adaptada à realidade da leitura de 
textos psicanalíticos sobre o autismo. Assim, tentou-se manter a proximidade entre a clínica e 
a pesquisa teórica em Psicanálise. 
 
3 DISCUSSÃO E ANÁLISE 
 
 
3.1 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO A PARTIR DA PSICANÁLISE 
 
O presente texto tratará da compreensão da estruturação do sujeito da neurose. Tal 
compreensão é bastante importante para o capítulo seguinte, onde o estudo tratará da 
compreensão da estruturação do sujeito autista. É certo que a constituição do sujeito é um 
caminho longo a se percorrer dentro da psicanálise, Freud se ocupa de entender como o 
sujeito se constitui desde seus escritos pré-psicanalíticos. Dunker (2006) reorganiza em seu 
texto “O nascimento do sujeito” o processo pelo qual o sujeito é constituído. Esse processo 
de constituição denominado por Freud (1905/1976) de “complexo de Édipo” acontece desde o 
nascimento até a formação do eu como sujeito que reconhece o Outro. Freud conceitua o 
Complexo de Édipo em 1905/1976 como organizador da sexualidade infantil pulsional. 
Lopes e Bernardino (2013) esclarecem que os três tempos do complexo de édipo propostos 
por Lacan (1949/1988) fazem parte de uma operação psíquica que marcam a entrada do 
sujeito no campo do simbólico. O primeiro tempo do Édipo - dividido por Lacan (1949/1988) 
em 3 tempos lógicos aos quais ele chamou de estádio do espelho - é marcado pela alienação 
fundamental do bebê ao Outro - representado pela mãe neste momento. Freud (1895/1990) em 
“​O projeto para uma psicologia científica​” conceitua o princípio da constituição do eu a partir 
da experiência primária de satisfação. O texto lança mão de um aparelho psíquico neurológico 
que funciona de acordo com as sensações de prazer e desprazer, retendo em neurônios 
específicos, traços de memórias dessas experiências. Neste sentido, Freud (1895/1990) afirma 
que o desprazer sentido como tensão endógena só pode ser abolido temporariamente por uma 
intervenção externa por meio de uma ação específica. 
 
Ela se efetua por ajuda alheia, quando a atenção de uma pessoa experiente é voltada 
para um estado infantil por descarga através da via de alteração interna. Essa via de 
descarga adquire, assim, a importantíssima função secundária da comunicação, e o 
desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos 
morais” (FREUD, 1895/1990, pg. 243). 
 
Retomando o mesmo texto de Freud (1895/1990) é possível compreender que o eu se 
constitui da totalidade de prazeres e desprazeres a partir da experiência primária de satisfação. 
Uma vez a satisfação da fome realizada pelo seio materno os traços mnêmicos levam o bebê a 
alucinar o objeto e investir no mundo externo em busca da satisfação. A alucinação evoca 
memórias de afeto e imagens, e esses registros mnemônicos das experiências de satisfação 
também inauguraram o inconsciente, lugar de sujeito e desejo. Coriat (1997) no artigo “​De 
que se trata uma criança?​” situa os traços mnemônicos no sistema de inscrição dos signos de 
 
percepção descrito por Freud (1896/1996) na “​Carta 52​”, esse sistema é anterior ao sistema 
inconsciente e opera exclusivamente pela associação por simultaneidade. 
Portanto sem o Outro​4 não há registro no sistema de inscrição de signos e 
consequentemente não há como inscrever nada nos outros dois registros – sistemas 
pré-consciente e inconsciente – tratados por Freud nesta carta (CORIAT, 1997; FREUD, 
1986/1990). 
O sistema inconsciente não é dado do nada ao bebê. Ele é formado a partir dos traços 
mnemônicos que são registrados a partir das possibilidades dos reflexos inatos dos órgãos de 
percepção. Assim as primeiras experiências deixam os registros mnêmicos do prazer e do 
desprazer e a partir daí a atividade intencional passa a substituir cada vez mais a ação reflexa. 
Coriat (1997) escreve a importância e a realidade da experiência primária de satisfação na 
clínica com bebês, corroborando com o descrito por Freud em 1896 como experiência real e 
não mítica e de extrema importância para a constituição do inconsciente e, portanto, do 
sujeito. 
Desde os primórdios da psicanálise não é possível pensar em um sujeito constituído 
senão por intermédio do Outro. Esse pressuposto psicanalítico é confirmado nos demais 
textos de Freud que tratam da constituição do sujeito e também em Lacan. Lopes e 
Bernardino (2011) explicam a constituição do sujeito em Freud, caminho esse que pautará a 
discussão levantada neste capítulo. Já a partir do texto freudiano discutido no parágrafo 
anterior é possível entender que a sexualidade infantil é estabelecida a partir da libidinização 
do corpo do bebê pela mãe. As satisfações que a mãe proporciona ao bebê são marcadas no 
corpo e tornam-se fonte de satisfação. A sexualidade que marca o corpo foi denominada por 
Freud (1905) de perversa polimorfa, pois não tem fim de procriação e não tem objeto sexual 
definido. O objeto é denominado pelas zonas erógenas do corpo, sendo desta maneira auto 
erótica. 
Basicamente o autoerotismo é a satisfação da tensão gerada no corpo, pelo próprio 
corpo, sendo que a priori a atividade sexual apóia-se em uma função vital e somente depois 
tornar-se-á independente dela. Ainda no mesmo texto Freud (1905) explica que a atividade 
prazerosa é marcada por uma particularidade que a psicologia não dá conta de explicar e 
esclarece que a propriedade erógena do prazer na criança pode ligar-se a certas partes do 
corpo que são predestinadas (genitais e mamilos) ou não, que o mais importante na ligação do 
prazer a uma zona do corpo tornando-a erógena é a qualidade do estímulo empenhado na 
4 Quando a expressão “Outro” aparecer com a primeira letra maiúscula, indicará o Outro Simbólico. E, quando 
for citada a expressão “outro” em letras minúsculas, indicará o outro semelhante. 
 
atividade satisfatória. Desta forma o alvo sexual da pulsão infantil é estimular a zona erógena 
que de algum modo foi escolhida até a satisfação da tensão. Durante o desenvolvimento 
psicodinâmico infantil a pulsão sexual passará por zonas erógenas predestinadas, formando as 
conhecidas fases: oral, anal e fálica. Desta forma pode-se entender também que a criança 
transgride a função biológica da zona e torna-a erógena a fim de satisfação de atividades 
psíquicas prazerosas, a transgressão da função da zona é a perversão dela, por isso a 
denominação perversa polimorfa da atividade sexual infantil onde a satisfação é 
proporcionada pelaestimulação da própria zona, por isso autoerótica. 
Compreende-se então que o sujeito é constituído a partir da sexualidade que por sua 
vez só pode ser explorada pelo bebê a partir da primeira experiência de satisfação que só pode 
ser vivenciada por intermédio de um Outro. Lopes e Bernardino (2011) no mesmo texto “​O 
sujeito em constituição, o brincar e problemática do desejo na modernidade​” recorre ao texto 
de Freud (1915) “​A pulsão e suas vicissitudes​” para compreensão do conceito freudiano de 
sexualidade; Primeiramente, é possível subtrair do texto que a pulsão é interna ao organismo e 
não externa, não vem de um estímulo externo. Também não pode ser considerada um 
estímulo, pois esse é momentâneo e tem fim quando o suspendemos, após compreender o que 
o está causando. A pulsão é uma força constante, é uma necessidade que só pode ser suspensa 
pela satisfação da mesma, que é alcançada por intermédio de um objeto externo. 
 
Se abordarmos agora a vida psíquica do ponto de vista biológico, a "pulsão" nos 
aparecerá como um conceito-limite entre o psíquico e o somático, como o 
representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a 
psique, como uma medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em 
consequência de sua relação com o corpo (FREUD, 1915. p. 4). 
 
Nesse ponto é possível tomar conhecimento dos quatro componentes da pulsão: 1) 
impulso ou pressão que é a força constante proveniente das zonas erógenas; 2) meta que é a 
satisfação gerada pela descarga da tensão podendo ser parcial; 3) objeto o intermediário usado 
para o alcance da meta, pode ser um objeto externo ou o próprio corpo não sendo fixo. 4) sua 
fonte é o soma, são as zonas erógenas, que têm estrutura de borda (FREUD, 1915; LOPES; 
BERNARDINO, 2011). 
Freud (1915) esclarece sobre os 3 tempos da pulsão: ativo, reflexivo e passivo. ​No 
primeiro tempo da pulsão, definido como ativo, a criança procura o objeto de satisfação da 
tensão criada em sua fonte. Aqui, como já é sabido a satisfação é realizada pelo Outro, assim 
como na primeira experiência, pode ser considerado como o objeto o seio materno. No 
segundo tempo há uma ação reflexiva autoerótica - onde o bebê alucina o objeto e utiliza uma 
 
parte do corpo para se satisfazer - onde o próprio corpo é retomado como objeto de satisfação. 
E, no terceiro tempo o Outro se torna o sujeito da pulsão para o bebê, ele se faz objeto para o 
Outro, é nesse momento que surge o novo sujeito, nesse momento de alienação que surge o 
sujeito do inconsciente (LAZNIK, 2004). 
O que é possível entender desses trechos das obras de Freud e os demais autores 
citados é que há um entrelaçamento dos acontecimentos psíquicos do bebê. Que teve início a 
partir da primeira experiência de satisfação. Ao mesmo tempo que experimenta o prazer 
experimenta o desprazer que põe em movimento inicial esse aparato psíquico, que até o 
momento é capaz de buscar sua satisfação somente por intermédio de um objeto, do 
autoerotismo, para tão somente passar ao narcisismo. O que também esclarece que a pulsão 
neste tempo primeiro tempo do estádio do espelho será desenvolvida em seus 3 tempos. O 
bebê não sabe que existe ou o que é, ele tem em seus traços mnemônicos o registro de prazer 
e desprazer. 
Lopes e Bernardino (2011) esclarecem que o primeiro tempo do estádio do espelho é 
marcado pela alienação fundamental ao Outro materno, a função da mãe como espelho 
ultrapassa a satisfação das necessidades, ela nomeia e libidiniza o corpo da criança e traduz 
seus gestos e choros provendo ao bebê uma imagem de si mesmo, marcando a passagem do 
autoerotismo ao narcisismo. Uma imagem que até então era desintegrada pelas pulsões passa 
a ser uma imagem unificada de um corpo total. 
O segundo tempo do estádio do espelho é a saída da criança da relação narcísica e 
simbiótica com o desejo do Outro materno. Aqui a criança está envolvida com a questão de 
ser ou não o objeto da mãe, ser ou não o falo. (LOPES; BERNARDINO, 2011). A questão de 
ser ou não o falo é devido a percepção da alternância materna que coloca a mãe frente ao bebê 
como um ser não auto suficiente, portanto um ser que falta. (DUNKER, 2006). A percepção 
da mãe como ser faltante faz com que a criança perceba que o que falta à mãe não é ela, já 
que se alterna em presença e ausência, suas ausências devem estar justificadas pela presença 
de um outro terceiro, um alguém até aqui despercebido pelo bebê, o pai. 
Dunker (2006) em seu texto “​O nascimento do sujeito​” observa que o pai é uma 
metáfora, não deve ser associado apenas como a figura paterna. Esse é uma função simbólica 
capaz de representar tudo aquilo que pelo qual o desejo da mãe é capturado e responsável pela 
falta que há na mãe. Neste sentido, entra o falo como símbolo da falta e do desejo do Outro. 
A diferença anatômica percebida pela criança do pênis paterno vem como representante 
simbólico da falta, já que a mãe não possui um pênis e o pai sim, então esse representante que 
preencheria a falta na mãe. 
 
Segundo Lopes e Bernardino (2011) e Dunker (2006) a presença paterna como algo 
que possui força de lei, capaz de interditar a relação da mãe com o bebê, impondo-se a 
anterior onipotência materna, acarreta a incidência da castração materna no filho. É a 
alternância entre presença e ausência que insere a criança no campo do simbólico. 
Segundo Dunker (2006) o terceiro tempo do estádio do espelho é a passagem do 
movimento de ser o falo, para ter o falo. A percepção da criança de que o pai que também não 
é completo, marca o entendimento da criança sobre a possibilidade de transmissão, por parte 
do pai, deste algo que ele tem que é o mestre do desejo da mãe compartilhando essa potência 
com os que estão ligados a ele. O Pai sai da posição de ser o falo e passa a ter o falo que é 
esse algo que rege o desejo da mãe que passa agora a ser compartilhado com ela. A mãe por 
sua vez recebe aquilo que o pai é capaz de doar, ela não está mais destituída, mas é aquela que 
recebe o algo que o pai tem, desta maneira a criança percebe que entre os pais têm a transição 
de algo do qual ela não faz parte. Neste ponto pode-se dizer que está instaurada a castração, 
restando dessa operação uma matriz simbólica que servirá de apoio ao desejo da criança. Ela 
não pode ser o pai, mas pode ser como o pai para ter acesso a uma mulher como a mãe. A 
criança se dá conta que a lei é uma autoridade simbólica que permite a circulação do desejo. 
Foi possível compreender a constituição do sujeito passando por todos os tempos do 
complexo de édipo. Da entrada no estádio do espelho - onde dá-se início ao narcisismo - e ao 
final do Édipo quando o bebê sai do seu estado narcísico, ao se dar conta da falta na mãe 
supondo que o objeto do seu desejo talvez seja o algo que o pai lhe dá. A percepção da falta 
na mãe e posteriormente no pai se dá pela castração, e separaa relação simbiótica existente 
entre os dois, relação essa que foi até o momento da castração fundante do sujeito no bebê. 
 
3.1.1 Definição da estrutura autística 
 
Este tópico é dedicado ao entendimento do momento em que há falha na relação com 
o Outro, definindo o posicionamento do bebê na estrutura autística. A partir deste parágrafo o 
presente trabalho retoma a fase pré-especular do bebê onde há a alienação, porém para que se 
possa compreender o autismo em sua dificuldade de relacionar-se com o Outro é necessário 
voltar a alguns conceitos fundamentais da constituição do sujeito no primeiro tempo do 
estádio do espelho. Quando o bebê nasce é falado por seus pais muito antes que possa falar 
por si mesmo, na suposição do que está sentindo ou na interpretação de suas demandas: 
fome, sede, fralda, sono, e outras necessidades. A função materna que interpreta as demandas 
do filho e o supõe como ser desejante vai dar sentido ao mal-estar produzido no bebê, 
 
laçando-o também no campo da linguagem, gerando na criança a sensação de prazer ao 
satisfazer as suas necessidades (MEXKO; GALHARDI, 2014; SANTOS, 2016) ela insere no 
bebê o sentido simbólico da linguagem, instaurando o aparato psíquico do bebê, fazendo 
desenvolver o eu do sujeito suposto (MEXKO, 2014; CAMPOS, 2016; SANTOS, 2016). 
Neste sentido, a mãe dá ao bebê o seu olhar fundador, servindo como um espelho, o 
que vai permitir ao infante​5 que ele entre no estádio do espelho e constitua uma imagem 
corporal. Para isso é necessário que o bebê esteja alienado ao desejo do Outro, e essa 
alienação vai constituir no bebê o eu (Laznik, 2004). Segundo Vanier (2005), o encontro com 
a forma integralizada do corpo acontece ainda quando o bebê está na dependência total do 
outro. O Ato introduz um sentimento de unidade e de domínio, um júbilo pela identificação 
com a imagem. Ao mesmo tempo que nesse momento há identificação com o eu, há também 
a determinação do outro (semelhante). O eu precisou de um semelhante para fazer-lhe a 
função de espelho que unificou os fragmentos do corpo e permitiu que o bebê se unisse em 
totalidade, espelhando-se no outro, identificando-se com ele. O bebê está se vendo no outro. 
Neste “sentido”, Vanier (2005) explica que há a constituição do eu, instância imaginária e do 
sujeito, instância simbólica. 
Antes de entrar na fase narcísica ou estádio do espelho (VANIER, 2005), o que ocorre 
por volta dos 6 até aos 18 meses, o bebê está às voltas com o objeto da primeira experiência 
de satisfação, regido pelo princípio do prazer, realizando o objeto de forma alucinada em uma 
satisfação autoerótica segundo tempo do circuito pulsional - tempo reflexivo - , para se pôr 
como objeto para o outro é preciso que a criança entre no narcisismo, terceiro tempo do 
circuito pulsional - passivo - onde ele é “sua majestade o bebê ​6​”. A não instauração do 
terceiro tempo pulsional e a não libidinização do corpo do bebê, permanecendo um corpo 
biológico sem significado simbólico, impede que a criança seja lançada no campo da 
linguagem (LAZNIK, 2004; JERUSALINKY 1984; CAMPOS, 2016; BALDUINO; 2018). A 
criança fica aprisionada à tirania da coisa, um estágio primitivo anterior ao estádio do espelho 
(BALDUINO, 2018). 
A fixação no segundo tempo do circuito pulsional, impossibilita a passagem para o 
terceiro tempo onde a criança se assujeita ao Outro. Sem entrar no campo do Outro não terá 
acesso aos seus significantes e nem à linguagem, condicionando-se assim ao desenvolvimento 
autístico. 
5 Quem ainda não tem a capacidade de falar. 
6 Termos utilizados por Freud (1914/2010) para designar a posição narcísica do bebê onde ele é o centro de tudo, 
onipotente. 
 
Freud (1914) em seu texto “​Narcisismo: uma introdução​” explica que a libido no bebê 
pode tomar a direção do próprio eu, ou seja, “ser investida no ego ou ser investida nos 
objetos”. Na direção de investimento no próprio ego a libido é denominada de libido do ego 
ou libido narcísica. Neste momento para o infante não existe relação com objetos como nas 
fases anteriores, onde os objetos eram os traços mnêmicos e os fragmentos do próprio corpo 
como no autoerotismo. Os investimentos libidinais estão voltados para o próprio corpo 
unificado. Freud (1914) diz que é um estado de satisfação em si mesmo e constata duas fases 
do narcisismo: o primário e o secundário. O narcisismo primário que corresponde a esse 
estado de satisfação em si mesmo, onde o bebê é objeto para o outro, ou seja, ele é a fonte de 
satisfação para os pais, gera estado de onipotência, mantido pelo amor dos genitores que 
reencontram o seu próprio narcisismo primário no filho. 
Quando o bebê se dá conta que não é tudo para sua mãe e que existe algo além dele, 
que ela deseja, inflige-se uma ferida ao narcisismo primário, podendo a criança aceder ao 
narcisismo secundário onde o objetivo é fazer-se amar pelo outro. Agradar ao outro e fazer-se 
amar por ele só é possível através das exigências do ideal do eu. Freud (1933/1996) em seu 
texto “​Dissecação da personalidade psíquica​” descreve uma instância até então regular da 
estrutura do eu, a qual ele chamou de super-eu cuja função antes de sua estruturação é 
desempenhada pela autoridade parental. O super-eu observa, dirige e ameaça assim como os 
pais fazem no processo de educação dos seus filhos. A base do processo de estruturação do 
super-eu é feita pelo processo denominado identificação, ou seja, “o assemelhamento do eu 
com outro”. 
Para que o sujeito se constitua como tal é necessário que ele adentre ao narcisismo em 
suas duas fases, porém antes que o bebê chegue ao narcisismo - estádio do espelho - é 
necessário que ele seja alienado, antecipado pela mãe em suas duas funções, de outro 
semelhante e Outro simbólico - um mediador simbólico - para que então a criança antes de 
dar início ao complexo de Édipo consiga unificar seu corpo em uma imagem total e entrar no 
júbilo que a integralização do corpo causa. Isso faz desembocar no processo de identificação 
com esse semelhante. Imagem essa que o bebê defenderá de qualquer ameaça de 
desintegração. 
 Continuando a leitura do texto de Freud (1933/1996) na identificação, o eu se 
comporta como seu semelhante. O imita, o assimila em certo modo. Quando um bebê se 
identifica com esse Outro ele quer ser como ele. Freud (1933/1996, p. 202) descreve ainda 
que a postulação do super-eu revela uma relação estrutural. “Espero que já percebam que 
nossa postulação de um super-eu descreve de fato uma relação estrutural [...]”. Neste sentido, 
 
é importante lembrar que o super-eu é portador do ideal do eu. Vanier (2005) em seu livro 
“​Lacan​” retoma o estádio do espelho na constituição dos três registros, imaginário, real e 
simbólico, esclarecendo que ao fundar o eu, a identificação o coloca também como outro, 
simultaneamente situa o outro como alter ego, distinguindo o eu como instância imaginária eo sujeito instância simbólica ligada a palavra e a linguagem. O eu instância imaginária herda, 
portanto, o eu ideal, lugar onde é constituída a origem imaginária do eu. 
Neste ponto pode-se relacionar a noção de alter ego descrito por Lacan (1955 apud 
VANIER, 2005) com o super-ego instância aqui separada do eu descrito por Freud em 
(1933/1996). Trata-se de uma instância simbólica que funda o sujeito, portador do ideal do eu 
pois dá sentido ao mundo externo separando-o do interno até agora experimentado pela 
criança. O ideal do eu é uma dimensão inteiramente simbólica qual regula as relações do 
sujeito com os outros tomando lugar no conjunto de existência de leis. A regulação do 
imaginário se dá pelo simbólico, é a partir das leis e limites que separam a relação dual e 
narcísica que se instaura o sujeito a risco de não constituição do sujeito. Seja o objeto 
alucinado, diferente do desejado ou fálico ele não comparecerá como o objeto primordial. O 
objeto tem função a partir da sua falta. Vorcaro (2016) retoma a organização das modalidades 
da falta por Lacan (1956/1999) em três tempos lógicos, localizando a instância do objeto 
como referente de uma falta. 
Posto isto, é necessário voltar ao tempo da alienação materna à criança para que então 
se possa compreender a falha na alienação do bebê pela mãe e assim compreender como se dá 
a estruturação do sujeito no autismo. É pela palavra que nomeia que é possível a substituição 
dos objetos dentro de uma certa consistência, e por ela é possível o reconhecimento mútuo 
dos objetos que o mundo perceptivo é mantido. A primeira marca de relação com o simbólico 
(Outro) é feita por um semelhante (outro) quando a criança recebe o seu nome, a identificação 
primária criada neste registro distingue a criança e a localiza na trama simbólica. O simbólico 
posiciona o sujeito e seus outros pela articulação entre cuidados e afetos engajados ao bebê. 
Nesse contexto de alternância, a mãe se coloca no lugar de endereço dos desejos do bebê, que 
por sua vez, apreende o símbolo através do manuseio do objeto mostrando que a percepção - 
dimensão do imaginário - também o está orientando e ao mesmo tempo significando o objeto 
no campo da linguagem. A apreensão da imagem do outro (semelhante) se superpõe à sua, o 
eu é constituído pela identificação com o outro - semelhante - o que aliena o bebê à imagem 
do outro (semelhante), este jogo de identificação imaginária é fundamental para a constituição 
dos objetos de troca. O que não acontece com o autista. O autista não empresta seus objetos à 
troca com o Outro simbólico representado pelo outro semelhante. 
 
Segundo Vorcaro (2016) o reconhecimento de sua própria imagem no outro 
(semelhante) não é suficiente para a entrada da criança no campo social, é preciso que ela 
diferencie o outro (semelhante) de si. Para que isso ocorra é preciso apreender o outro 
(semelhante) como concorrente na disputa pelos objetos que lhe são apresentados. Caso o 
bebê não diferencie o outro de si, ele não apreende o objeto, visto que é possível que o outro 
seja aniquilado pelo sujeito e, portanto, que o sujeito seja excluído pelo outro. O que explica a 
falta de troca dos objetos pelo autista. 
Para Dunker (2006) e Vorcaro (2016) quando a criança é privada da onipotência do 
outro (semelhante) e ela fica à mercê da sua impotência – imagem invertida do outro – é que 
se localiza o real. Da discordância de um há devir sujeito e o outro, o real é o registro do 
insignificável do intraduzível. O insignificável do real levanta o sentimento de angústia signo 
do gozo do Outro. 
 
Trata-se aqui do olhar no sentido da presença; o olho sendo o signo de um 
investimento libidinal, muito mais que o órgão suporte da visão. Mas esta 
experiência da presença pode também se manifestar por um barulho, uma voz. Isso 
permite definir a ausência enquanto concretização particular da presença. A ausência 
supõe uma presença original reenviando ao ser olhado e ao ser que olha, o eu e o 
corpo tendendo então a se definirem como efeitos do olhar (LAZNIK, 2004). 
 
O olhar fundador do Outro, pressupõe investimento libidinal por parte da mãe em seu 
bebê. Ela o toma como um ser especial que preenche parcialmente e temporariamente a falta 
do Outro primordial em si mesma, funcionando como um chamariz para fundar o aparato 
psíquico do bebê. 
Quando a operação de alienação – que funda a constituição do sujeito – presente no 
terceiro tempo pulsional apresenta falhas, não ocorre a posição do bebê como objeto fálico 
para a mãe, não ocorrendo também a articulação do desejo materno. Para que haja falta é 
preciso que a função paterna na mãe esteja operante. Se não há falta instaurada, 
consequentemente não é desejante, não é sujeito da função materna. Para que a mãe se 
“assujeite” em relação ao filho precisa estar castrada, a fim de que seu desejo se articule com 
a falta e o bebê possa ocupar a posição de objeto fálico parcial e seja alienado pelo desejo do 
Outro fundando, desta forma, o psiquismo em si (JERUSALINKY, 1984; LAZNIK, 2004; 
LOPES; BERNARDINO; 2011; VORCARO, 2016). No autista não há a instauração da 
relação especular, portanto a não instauração da relação simbólica fundamental - 
presença/ausência materna - a alternância que falha é a presença do Outro primordial o que 
acarreta na impossibilidade de instaurar o tempo para constituição do imaginário, 
consequentemente do eu, pela relação especular com o Outro. (LAZNIK, 2004). 
 
 
3.2 O DIAGNÓSTICO A PARTIR DA CLÍNICA PSICANALÍTICA 
 
O tema do diagnóstico em psicanálise foi abordado brevemente na introdução do 
presente trabalho. A introdução trouxe as considerações feitas por Pavone e Rafali (2011) em 
seu texto “​Diagnóstico diferencial entre psicose e autismo: impasse do transitivismo e da 
constituição do Outro​”, em que abordam sobre a questão fundamental do diagnóstico em 
Psicanálise ser estrutural. A psicanálise se ocupa de estabelecer durante as sessões, desde as 
entrevistas preliminares, como funciona o sujeito. Qual o modo de funcionamento do sujeito 
que se apresenta à clínica psicanalítica? O que diz respeito sobre como ele se relaciona com o 
Outro e qual os signos que se apresentam na estruturação do sintoma atuado pelo sujeito na 
clínica e nas relações objetais. 
Dör (1991) especifica que o diagnóstico psicanalítico é sustentado pelo próprio 
paciente em sua causalidade psíquica, e os efeitos imprevisíveis do inconsciente. O que Dör 
(1999) quer dizer com isso é que, o observável pelo analista no discurso do paciente é a sua 
realidade psíquica, é o próprio inconsciente (PAVONE; RAFAELI, 2011). Por sua vez, o 
inconsciente se manifesta a partir dos lapsos, os sonhos, atos falhos ou por meio dos sintomas. 
É através dos efeitos da realidade psíquica do sujeito que se pode observar e fazer a leitura do 
que se passa no campo do sujeito. 
Dör (1999) informa que a identificação diagnóstica está diretamente associada com osintoma do sujeito, o que supõe a entrada em cena de processos intrapsíquicos e 
intersubjetivos que se expressam pela dinâmica do inconsciente qual não funciona na lógica 
da causalidade, implica a natureza do sintoma e a identificação da estrutura. Pavone e Rafaeli 
(2011) pontuam que a clínica psicanalítica não é uma clínica de leitura de fenômenos. O 
psicanalista trabalha para nomear o modo como o sujeito incide na linguagem. Posto isso as 
autoras sublinham que o diagnóstico em psicanálise é estrutural e não fenomenológico. O 
diagnóstico se trata de uma operação descritiva do analista, pois a nomeação da estrutura do 
paciente pautará a conduta terapêutica em vários níveis. 
Conclui Dör (1999) ao relembrar em sua obra o que foi postulado por Lacan em 1956, 
que o inconsciente é palavra, estruturado pela linguagem. Para saber o que se passa em uma 
análise é necessário saber de onde vem a palavra. O sintoma apresentado pelo sujeito é uma 
linguagem estruturada da qual a palavra se liberta. É como se a linguagem do sujeito 
formasse um emaranhado de palavras, cuja compreensão necessita que a palavra livre 
encontre sequência lógica para o analista e o analisando, dando sentido ao sintoma e sua 
 
formação. Porém, de acordo com Dör (1991), para o diagnóstico da estrutura do paciente é 
necessário que a escuta do analista vá para além do sintoma, formando um espaço de 
intersubjetividade, onde inconsciente e inconsciente se comunicam. Esse espaço é ordenado 
pela articulação da palavra, onde o que é dito pelo paciente se desdobra naquilo que exprime 
significações do seu desejo. É a partir do desejo do sujeito que se pode verificar seu 
funcionamento, sua estrutura subjetiva. Adiante, o texto buscará indicar como o analista 
poderá construir esse espaço de intersubjetividade na clínica do autismo. 
 
3.3 O DIAGNÓSTICO DO AUTISMO E A CLÍNICA PSICANALÍTICA 
 
Os capítulos anteriores, dedicados à compreensão da constituição do sujeito e a 
estruturação do autismo, construíram um percurso sobre a organização sexual infantil, até 
chegar na castração e dissolução do complexo de édipo. A criança, durante o processo de 
dissolução do complexo de édipo, se identificará com um dos genitores e poderá 
posteriormente escolher um objeto de amor estando, desta forma constituída a neurose. 
Entretanto, quando há um impasse no desenvolvimento sexual psicodinâmico anterior ao 
édipo e ao estádio do espelho, poderá haver a formação de uma estruturação autística. Nesse 
sentido, o autismo deriva de um impasse primitivo, da constituição do eu imagem (não 
instauração da imagem especular), do sujeito simbólico (falta de significantes que demarquem 
a criança) e no registro dos impossíveis, no real (não instauração dos circuitos pulsionais). 
Antes que se adentre ao diagnóstico do autismo, é necessário levar em consideração o 
que disse Jerusalinsky (2012) a respeito de ser e estar autista. A utilidade do diagnóstico em 
psicanálise é o de oferecer ferramentas para a intervenção clínica. A clínica psicanalítica 
revela como os sintomas apresentados à clínica são rearranjados na medida em que o aparelho 
psíquico se abre. A abertura do aparelho psíquico possibilita, tempos em tempos, inscrições e 
reinscrições. Jerusalinsky (2012) lembra que Freud (1896/1996) já havia descrito que na 
infância, a capacidade de inscrever e reinscrever impressões do aparelho psíquico é maior. É 
próprio da infância as várias formas dos destinos das pulsões, ou seja, a criança não tem 
fixada a sua economia de gozo pela atividade sexual a partir da fantasia primordial. Daí que se 
situe a estrutura psíquica não decidida na infância. 
Neste ponto é importante retornar aos registros imaginário, simbólico e real e como 
estes são constituídos paralelamente um a partir do outro. Jorge (2008) explica que existe uma 
diferenciação fundamental entre o eu e o sujeito. O eu é o correspondente de uma imagem, 
enquanto que o sujeito é o correspondente do inconsciente, distinguindo em um só tempo o 
 
imaginário do simbólico. Assim, “o núcleo do inconsciente é real, é uma falta originária 
constituída pelo objeto perdido do desejo e é em torno dessa falta que o inconsciente se 
estrutura, no simbólico, como uma linguagem” (JORGE, 2008. p. 98). Deste modo, “o 
simbólico se constitui a partir do real, e o imaginário a partir do simbólico, porém a partir do 
imaginário também se presentifica o real”. 
 
[...] tudo começa a partir do real, ele constitui a base da estrutura do sujeito falante. 
S — o simbólico tem seu lugar efetivamente a partir do real. I — o efeito da 
introdução do simbólico é a possibilidade de constituição de imaginário, 
originalmente faltoso para o sujeito falante (JORGE, 2008. p. 99). 
 
O presente capítulo deste estudo sobre o autismo, trouxe as noções de diagnóstico 
estrutural em psicanálise e a partir do que foi retomado sobre os três registros (imaginário, 
simbólico e o real) é possível adentrar ao diagnóstico do autismo em psicanálise e realizar sua 
clínica. 
Jerusalinsky (2011) e Maleval (2008) explicam que as estereotipias percebidas nas 
crianças autistas nem sempre são as mesmas, isso mostra que alguma inscrição ocorreu, 
porém sem enlaçamento de uma série simbólica a partir de um significante mestre – pode-se 
pensar no S1. Jerusalinsky (2011) ressalta que no balanceio, agitação motora ou bater-se; 
fixar o olhar sobre uma luz, movimento das mãos, sacolejar um objeto; chupar o lábio, a 
língua ou morder a mão; tapar os ouvidos, fazer sons guturais; o que muda é uma zona 
corporal que mantém o gozo e que foi preferencialmente escolhida. A manutenção do gozo 
por uma zona do corpo denota o resto de uma inscrição que por falta de enlaçamento 
simbólico degrada e vira um fragmento, não tem o mesmo alcance de uma pulsão. A falta de 
alcance desse fragmento faz com que a satisfação seja alcançada pela automação, excluindo o 
Outro da demanda de satisfação. O que está ligado a não instauração do terceiro tempo 
pulsional no autista, onde ele não consegue se pôr como objeto para o Outro. 
Maleval (2018) destaca que os traços da estrutura autística apreensíveis podem ser 
reconhecidos em três características: 1) a retenção inicial dos objetos pulsionais, 2) a 
alienação retida, que se opera sem a dobradiça do significante-mestre e 3) a aparelhagem do 
gozo pela borda – delimitação da zona erógena da qual se subtrai a satisfação. 
A retenção inicial dos objetos pulsionais pode ser percebido no autista desde muito 
cedo. Com 3 meses a criança começa a apresentar a fuga do olhar e aos 9 meses surge a falta 
de atenção compartilhada, o que pode ser percebido pela falta de olhar para chamar atenção 
 
do adulto quando está pedindo algo que lhe interessa​7​. A criança não utiliza o olhar para se 
comunicar, bem como, não utiliza outros objetos​8 que foram mobilizados nas trocas com os 
pais. A voz, as fezes e os alimentos são geralmente recusados ou retidos e a retenção dos 
objetos iniciais pulsionaiscausam uma perturbação na comunicação pois a cessão e a troca de 
objetos está ligada a fundação da entrada da relação com o Outro. 
Maleval (2008) explica que quando há necessidade de inserir a voz na troca com o 
Outro o autista se recusa de duas maneiras, ou ele tampa os ouvidos quando falam com ele ou 
ele se recusa a responder quando lhe é demandado. Como é possível adquirir a linguagem sem 
essa troca? O autista aprende a linguagem sem interação social e sem significações, ou ele 
entra na linguagem pela escrita ou por balbucios pobres, os dois casos evitam a interação 
social desconsiderando a significação e o gozo vocal. De zero a 6 meses as vocalizações de 
bebês que se tornarão ou não autistas são as mesmas. Mas, depois dos 6 meses, quando os 
bebês começam a balbuciar, a diferença entre esses bebês e os que não serão autistas fica bem 
evidente. O balbucio do autista é menos frequente e a forma de manifestação é atípica, é 
pouco coordenado com o olhar e não é expresso para interagir com outros, sendo mais 
solitário. 
Os elementos do balbucio só podem adquirir significação quando respondido pelo 
Outro, esta resposta é que transforma o grito em apelo. Para que o bebê realize uma invocação 
à mãe ele precisa conceder a sua voz ao Outro, para que possa ressoar no vazio desse Outro. 
A entrada na linguagem pela escolha que o bebê faz por um significante S1​9 dentre outros 
apresentados está na resposta de S1 que transforma o grito em chamado. Deste modo, o 
balbucio deveria demonstrar a alienação do bebê ao discurso do outro. Maleval (2008) relata 
a constatação de linguistas contemporâneos, que através dos seus estudos constataram que o 
balbucio é uma protolinguagem precedente a entrada na linguagem. Já no oitavo mês tem 
estruturas baseadas na língua materna, podendo ser diferenciados os balbucios de crianças 
com línguas maternas diferentes entre si. As crianças consideradas típicas acompanham 
demandas e manipulação de objetos com vocalizações específicas. O balbucio delas servem 
para expressar desejos, recusas e demandas divergindo do balbucio autístico que não só 
difere, muitas vezes, pela frequência, mas também pela pobreza significativa e pouca 
7 O que marca o início e o fim de uma zona erógena, limita o gozo. 
8 Objeto da pulsão, é um algo ou alguém que possibilita o gozo, a satisfação da pulsão. O objeto de troca é o 
objeto da pulsão, ou desejo, cedido pelo sujeito ao Outro para a satisfação do seu desejo, possibilitando que o 
Outro empreste de volta um objeto para a satisfação do desejo do sujeito. 
9 O inconsciente é estruturado como uma linguagem, os significantes são a estruturação desta linguagem. Um 
significante sozinho não diz muitas coisas, é necessário um encadeamento deles para extrair significação desta 
linguagem. O S1 é o significante primordial, aquele que inaugura a linguagem inconsciente. 
 
serventia para orientação social formando uma lalíngua​10 pobre. A lalíngua não tem gramática 
é uma rede de significantes constituída de S1. 
Como o autista não teve o grito transformado em apelo ele recebe os significantes de 
maneira passiva e não interativa, não se articula a outros significantes para fazer sentido sendo 
especificamente a lalíngua autística sem significantes mestres é constituída de S1 sozinhos à 
serviço das satisfações solitárias. Os s1 não se tornam significantes mestres. Ainda no campo 
da “linguagem”, Maleval (2008) fala a respeito das vocalizações involuntárias, as crianças 
autistas, muitas delas só emitem palavras ou frases em situações de emergência, é só no auge 
da angústia que lhes escapa uma vocalização, geralmente para que o que está angustiando 
dessa maneira seja parado. Essa vocalização é vivida como uma mutilação, pois cede um 
pedaço de si nesse momento a voz. 
 
3.3.1 A Aparelhagem do gozo pela Borda 
 
Maleval (2008) coloca em pauta a preocupação dos autistas com buracos, em seu 
próprio corpo e os do mundo externo. O que já era possível observar nos autistas 
pré-kannerianos. Eles estão sempre tentando tapar os buracos dos ambientes que estão, assim 
como os buracos de seu próprio corpo. O autor descreve pacientes que tapam os buracos que 
encontram nas salas dos psicanalistas e seus próprios umbigos com massa de modelar. Não 
toleram os buracos porque esses os remetem à falta causando uma forte angústia. A 
materialização da perda do objeto a​11 é sentida nos autistas como um buraco negro que abriga 
criaturas ameaçadoras. O autista não faz borda para o buraco da falta, os objetos autísticos 
regulam o gozo como se pudessem colocar um limite ao que pode sair do buraco. 
Quando os objetos corporais (fezes, urina, os cabelos etc) precisam ser cedidos, 
causam uma angústia extrema. Os autistas sentem como se perdessem parte de si, eles não 
saíram do autoerotismo e por não terem a imagem do corpo integrada, ceder os objetos de 
troca lhes causam sentimentos de aniquilação. Precisam de um objeto que controle o que sai 
do buraco, que controle a perda. Os objetos que adotam a função de colocar limites ao que 
eles perdem quando fazem a troca, ou que os proteja do que pode sair do buraco. O objeto 
protetor limita a angústia à da falta real e permite que essa seja menos inquietante, fazendo 
um corte no gozo constante do autista. 
10 A lalíngua pode ser entendida como a linguagem do inconsciente que não serve para comunicação mas para o 
gozo. 
11 Objeto primordial, perdido, que constitui o sujeito como faltante. 
 
 
3.3.2 A clínica Psicanalítica do autismo 
 
A partir da revisão teórica realizada até o momento, tentou-se demonstrar como ocorre 
a constituição do sujeito autista. Foi possível identificar que o autista vive no real do corpo 
pulsional, fechado em seus fragmentos de circuito pulsional, sem conseguir inscrever no 
simbólico um significante que se ligue a outro significante, o autista tem vários S1 em seu 
registro de símbolos, mas não consegue formar um significante mestre, “não consegue formar 
uma cadeia significante”. Desta maneira, ele não estabelece um eu narcísico que fecha o 
circuito pulsional e o insere no campo da linguagem. Vorcaro (2016. p. 24) aponta que “[...] a 
criança só consegue situar sua posição a partir da inauguração da dimensão do símbolo”. 
Jerusalinsky (2011) observa que a intervenção com o autista diz respeito a passar da 
intervenção estereotipada que permanece no real, a uma outra forma de gozo que se atrele ao 
campo do Outro. O gozo autístico permanece no real, já que não se inscreve no simbólico a 
falta. Para que se inscreva a falta no simbólico é necessário que o bebê seja alienado à falta do 
Outro, que ele seja deslocado como objeto fálico para a mãe, a fim de que ele possa 
reconhecer a falta no Outro e em si mesmo. O que inscreve o significante da falta do Outro no 
bebê é a alternância entre a presença e a ausência, a partir daí ele consegue simbolizar a perda 
do objeto. Se no autismo o Outro é Real não barrado pelo significante ele não se aliena

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