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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SOCIOECONÔMICO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Luciane Maria Rodrigues Os impactos da pandemia da COVID-19 na cadeia de suprimentos: Uma análise a partir de um estudo de caso das operações da Intelbras Florianópolis 2023 Os impactos da pandemia da COVID-19 na cadeia de suprimentos: Uma análise a partir de um estudo de caso das operações da Intelbras Monografia submetida ao curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para obtenção de grau de Bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Fernando Seabra Florianópolis 2023 2 Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC. Maria Rodrigues, Luciane Os impactos da pandemia da COVID-19 na cadeia de suprimentos: Uma análise a partir de um estudo de caso das operações da Intelbras / Luciane Maria Rodrigues ; orientadora, Fernando Seabra, 2023. 76 p. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Socioeconômico, Graduação em Relações Internacionais, Florianópolis, 2023. Inclui referências. 1. Relações Internacionais. 2. Os impactos da pandemia da COVID-19 na cadeia de suprimentos. I. Seabra, Fernando. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Relações Internacionais. III. Título. Luciane Maria Rodrigues Os impactos da pandemia da COVID-19 na cadeia de suprimentos: Uma análise a partir de um estudo de caso das operações da Intelbras Esta monografia foi apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina. A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 8 à aluna Luciane Maria Rodrigues na disciplina CNM 7280 – Monografia, pela apresentação deste trabalho. Banca Examinadora: __________________________ Profº. Drº. Fernando Seabra __________________________ Profº. Drº. Bruno Haeming __________________________ Profº Orlando Nitzke Palmeiro 4 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer à Universidade Federal de Santa Catarina pela incrível oportunidade de estudar e pela minha formação em Relações Internacionais. Foi nos corredores e nos centros de estudo da universidade que tive a possibilidade de me tornar a pessoa que sou hoje. E por isso, serei eternamente grata. Agradecer aos meus pais - Sílvia e Márcio - pelo apoio e incentivo de sempre, e também pela paciência e pelo cuidado que tiveram com o decorrer da minha graduação. Preciso agradecer também ao meu companheiro de vida - Brenno - pelo maravilhoso apoio e dedicação que sempre me mostrou. Obrigada pelos conselhos, ensinamentos e por dividir essa parte da vida comigo. Ainda, agradecer o meu orientador - Professor Fernando Seabra - pela dedicação, ajuda, paciência e, acima de tudo, compreensão durante esta jornada e realização deste trabalho. 5 RESUMO A pandemia da COVID-19 impactou o processo produtivo de diversas empresas ao redor do mundo, em especial daquelas que necessitam de itens importados para complementar as suas operações fabris. Nesse cenário internacional pandêmico, as economias dos países precisaram tomar medidas de proteção contra as consequências da doença e evitar o seu contágio, implementando medidas antes nunca vistas como lockdowns, testagem e vacinação em massa. A fim de compreender as consequências que a pandemia do COVID-19 ocasionou na cadeia de suprimentos – tendo como base o processo produtivo da Intelbras – e os impactos das relações sino-brasileiras, será realizado uma análise das relações comerciais de anos anteriores a pandemia e também das relações comerciais entre Brasil e China no ano pandêmico. A Intelbras S/A é uma empresa brasileira que atua no setor de tecnologia nos segmentos de mercado de segurança eletrônica, comunicação, controle de acesso, redes, energia e energia solar, possui uma extensa cadeia de suprimentos em seu processo produtivo que inclui fornecedores estrangeiros, e muitos deles estão em território chinês. Ainda, como forma de complementar a parte teórica e descritiva do trabalho apresentado, é dado como suporte da análise três entrevistas semiestruturadas com profissionais da área de suprimentos da empresa, dois atuando no Brasil e outra atuando na China. Palavras-chave: Pandemia do Covid-19, Relações comerciais sino-brasileiras, Cadeia de Suprimentos, Intelbras. 6 ABSTRACT The COVID-19 pandemic has impacted the production process of several companies around the world, especially those that need imported items to complement their manufacturing operations. In this international pandemic scenario, the countries' economies needed to take protective measures against the consequences of the disease and avoid its contagion, implementing measures never seen before such as lockdowns, testing and mass vaccination. In order to understand the consequences that the COVID-19 pandemic caused in the supply chain – based on Intelbras’ production process – and the impacts of Sino-Brazilian relations, an analysis is made of commercial relations from years prior to the pandemic and also of trade relations between Brazil and China in the pandemic year. Intelbras S/A is a Brazilian company that operates in the technology sector in the electronic security, communication, access control, networks, energy and solar energy market segments, has an extensive supply chain in its production process that includes foreign suppliers , and many of them are in Chinese territory. Still, as a way of complimenting the theoretical and descriptive part of the work presented, three semi-structured interviews with professionals from the company's supply area are used as support for the analysis, two working in Brazil and another working in China. Keywords: Covid-19 Pandemic, Sino-Brazilian trade relations, Supply Chain, Intelbras. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Número de casos e mortes de COVID-19 no mundo - Jan/2020 a Abr/2023……………………………………………………………………………………..16 Figura 2 - Número de casos de COVID-19 por continente - Jan/2020 a Abr/2023……………………………………………………………………………………..17 Figura 3 - Número de mortes de COVID-19 por continente - Jan/2020 a Abr/2023……………………………………………………………………………………..18 Figura 4 - Número de voos comerciais no mundo - Jan/2019 a Jun/2023………….23 Figura 5 - Variação de preço da commodity cobre, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023…………………………………………………………………………..27 Figura 6 - Variação de preço da commodity alumínio, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023………………………………………………………………….27 Figura 7 - Variação de preço da commodity zinco, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023…………………………………………………………………………...28 Figura 8 - Variação de preço da commodity chumbo, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023………………………………………………………………….28 Figura 9 - Matriz Intelbras em São José, Santa Catarina……………………………..33 Figura 10 - Histórico e previsão do comércio de semicondutores no mundo - 2017 e 2026………………………………………………………………………………………….53 Figura 11 - Número de importações de roteadores Wi-fi pela aduana de Itajaí…….54 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Casos registrados de COVID-10 no dia 19/12/2022 por continente……16 Quadro 2 - Fatalidades registradas de COVID-10 no dia 18/01/2021 por continente……………………………………………………………………………………16 9 SUMÁRIO: 1. Introdução……………………………………………………………………………...…9 2. A pandemia da COVID-19…………………………………………………….………12 2.1. Contextualização da pandemia……………………………………………………...13 2.2. Os impactos econômicos da pandemia…………………………………………….21 3. Intelbras………………………………………………………………………………….30 3.1. História e Estrutura Corporativa……………………………………………………..31 3.2. Estratégicas de Internacionalização.…………..…………………………………...39 3.2.1. Análise das Entrevistas Semiestruturadas……………………………………….42 4. O Impacto da pandemia nas importações de tecnologia no Brasil…………..45 4.1. O impacto dos efeitos logísticosglobais: reflexões sobre o Canal de Suez e a pandemia da COVID-19…………………………………………………………………...46 4.2. A pandemia da COVID-19, a crise mundial de semicondutores e o 5G: Impactos na indústria de tecnologia…………………………………………………………………50 5. Conclusão……………………………………………………………………………….61 6. Entrevista Semiestruturada 1………………………………………………………..64 7. Entrevista Semiestruturada 2………………………………………………………..68 8. Entrevista Semiestruturada 3………………………………………………………..72 9. Referências……………………………………………………………………………...74 10 1.INTRODUÇÃO A pandemia da COVID-19, com início em março de 2020, trouxe consigo uma série de transformações e desafios para as relações comerciais para todos os países dos seis continentes. O Brasil, como uma das maiores economias da América Latina, possui significativa relação econômica e política com a China, país foco da disseminação do vírus. Neste contexto, é fundamental compreender os impactos da pandemia nas relações comerciais sino-brasileiras e suas consequências na cadeia de suprimentos global, a fim de identificar as mudanças ocorridas e explorar as estratégias adotadas pelas empresas brasileiras, as quais tiveram que enfrentar novos desafios em suas operações. Desta maneira, o presente estudo propõe uma análise dos impactos da pandemia da COVID-19 nas relações comerciais entre Brasil e China ao analisar as operações da empresa Intelbras, atuante no setor de tecnologia e telecomunicações em Santa Catarina, São José. Ao examinar as experiências da Intelbras diante da pandemia, podemos entender de maneira imersiva a mudança de realidade que o ano de 2020 trouxe para as empresas brasileiras dependentes de insumos e serviços chineses dentro da sua cadeia produtiva. A interdependência econômica entre as nações no cenário internacional moderno incita diversas relações comerciais e políticas regidas pelos países, os quais possuem, em cada relação interestatal, suas características e dinâmicas próprias, estas, influenciadas por múltiplos fatores. Aspectos como a dimensão da economia do país; quais são os principais produtos e serviços importados e exportados; o tamanho da população e a influência no regime político internacional são apenas alguns fatores que ditam e acabam por moldar a interdependência econômica, não apenas do Brasil, como dos demais países do globo. Em um cenário de globalização, competição econômica e integração, é necessário assimilar de quais maneiras as relações comerciais se dão em uma realidade pandêmica, e quais são os seus desdobramentos para as empresas que atuam e dependem de tais relações. É essencial, ainda, compreender o papel da China e das suas trocas comerciais como significativa fornecedora de produtos manufaturados, que complementam as linhas produtivas das empresas do território nacional. 11 Atualmente, a República Popular da China se apresenta como um enorme ator na cadeia produtiva de itens industrializados e eletrônicos, já o Brasil, apresenta-se hoje como grande consumidor de tais produtos de origem chinesa, seja pelo consumo de produtos acabados ou semiacabados, ou então de itens de matéria-prima para processos de manufatura em linhas fabris por todo o território nacional. As relações comerciais entre as duas nações possuem alta influência das relações empresariais dos dois países, e a Intelbras contribui enormemente neste cenário, tendo mais de 45 anos de atuação no mercado nacional e internacional. Compreender como uma das maiores empresas do Brasil no ramo de comunicação, segurança eletrônica e energia atua junto aos seus fornecedores chineses ajuda a perceber os impactos que a pandemia ocasionou nas relações sino-brasileiras. O objetivo principal desta pesquisa, portanto, é analisar os impactos da pandemia da COVID-19 nas relações comerciais entre Brasil e China, com foco nas operações de cadeia de suprimentos da Intelbras. Para alcançar este objetivo, é importante a compreensão de alguns acontecimentos e contextos específicos. Portanto, são propostos três objetivos específicos que promoverão direcionamento para a pesquisa. Em primeiro lugar, se contextualizará a pandemia da COVID-19 e, posteriormente, entender seus impactos nas exportações e importações entre Brasil e China, considerando o setor de tecnologia e telecomunicações. Após, se apresentará a Intelbras como empresa de tecnologia brasileira e ator importante nas relações comerciais sino-brasileiras. O terceiro objetivo específico é analisar os impactos da pandemia nas operações da Intelbras e investigar as estratégias adotadas ao enfrentar os desafios da cadeia de suprimentos junto aos fornecedores internacionais. A metodologia a ser seguida neste trabalho consiste em uma pesquisa exploratória descritiva, com foco em uma abordagem qualitativa. Esta será realizada por meio de revisão de literatura existente sobre o tema, coleta e revisão de dados para posterior análise de resultados. Será realizada ainda, uma entrevista semiestruturada visando reunir informações para complementar o entendimento dos impactos da pandemia nas relações entre Brasil e China, com o apoio de profissionais presentes e atuantes na cadeia de suprimentos e dos processos descritos. 12 Então, se analisará os impactos da pandemia da COVID-19 e seus efeitos nas tratativas comerciais das relações entre Brasil e China, com foco nas operações da Intelbras, ajuda a entender como as empresas de tecnologia brasileiras conseguiram lidar com os entraves sentidos ao longo da cadeia de suprimentos. A soma do confinamento da mão de obra fabril chinesa com o intuito de evitar contaminações, o fechamento das fronteiras internacionais do Brasil e da China, e a suspensão das atividades marítimas e aéreas nas exportações e importações durante o surto de coronavírus, modificou por completo a então realidade das companhias brasileiras. Aprender a lidar e adaptar-se a cenários internacionais que afetam sua cadeia produtiva é uma característica essencial para a sobrevivência e a continuidade de qualquer empresa. Assim, o presente trabalho visa compreender os impactos da pandemia da COVID-19 em uma empresa manufatureira e importadora no Brasil, e seus desdobramentos. 13 2. A PANDEMIA DA COVID-19 Os impactos da pandemia da COVID-19 são muitos e são recentes. A necessidade de compreender os acontecimentos da crise sanitária, e também de tentar compreender, como sociedade, as consequências de uma das maiores pandemias da história humana é presente e contínua. Dentro do cenário internacional de forte globalização e interdependência econômica, social e muitas vezes até mesmo política entre os países do globo, os impactos sociais e econômicos da pandemia são diversos, e continuam a se desenrolar nos dias atuais, afetando milhões de pessoas, famílias e empresas. Historicamente, a humanidade vivenciou outras crises sanitárias como a gripe espanhola - considerada umas das pandemias mais devastadoras da história - a pandemia da peste bubônica que alastrou-se pela Ásia e Europa durante o século XIV e a pandemia da varíola, que assombrou o mundo por mais de três mil anos, e mais recentemente foi erradicada do mundo na década de 80. Crises sanitárias de larga escala infelizmente não são novidades na história humana, porém é a primeira vez que uma pandemia assola um mundo tão integrado e globalizado. A rapidez com que a pandemia da COVID-19 se proliferou entre os continentes foi um ponto essencial para entender a grandeza da doença e os impactos nas relações internacionais, principalmente com os países que possuem grande relação comercial com a China, como o Brasil. A dinâmica do comércio exterior mudou completamente já nos primeiros momentos da pandemia, ainda em território chinês, e continuou a mudar com o decorrer dos meses seguintes, trazendo uma nova realidade para as populações do mundo. 14 2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PANDEMIA DA COVID-19 A pandemia da COVID-19, que teve seu início decretado em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS),iniciou-se com o aumento de diversos novos casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China. Inicialmente, autoridades públicas e especialistas da área da saúde pouco sabiam a causa da doença e a maneira como ela se propagou tão rapidamente pelas cidades vizinhas a Wuhan, e que, posteriormente, viria a se propagar para além das fronteiras chinesas. O acelerado contágio do vírus ocasionou em poucos meses uma crise sanitária global, mudando por completo o cenário internacional político, econômico e social. No início, muitos países enfrentaram grandes dificuldades na tarefa de compreender a gravidade da situação, porém, em pouco tempo ficou claro a necessidade de adotar medidas severas para conter a disseminação da doença. Ações como distanciamento social e "lockdowns1" foram implementados por governos ao redor do mundo como medida de desacelerar o contágio e ganhar tempo para a criação de uma vacina eficaz. O isolamento social em áreas de grandes picos de pessoas positivadas pelo vírus ocasionaram no fechamento de fábricas, escritórios e serviços de logística pelo governo chinês. A China implementou restrições de viagem a seus cidadãos e a estrangeiros e fechou suas fronteiras em diferentes fases, à medida que lidava com o surto inicial da COVID-19. A cidade de Wuhan, onde o vírus foi identificado pela primeira vez, foi colocada em quarentena em 23 de janeiro de 2020. A quarentena na cidade foco da pandemia envolveu o fechamento de transportes públicos, a suspensão de voos, trens e ônibus, bem como a restrição de movimentação dentro e fora da cidade. Essas medidas foram tomadas para conter a disseminação do vírus e tiveram seu alcance ampliado para outras cidades e províncias chinesas posteriormente. Com a crescente adesão ao fechamento de fábricas e de empresas por todo o território chinês, milhões de pessoas agora estavam impossibilitadas de se locomoverem até seus locais de trabalho como normalmente faziam, e passaram a se restringir apenas a suas casas. Consequentemente, diversos processos fabris e 1O lockdown é a medida preventiva obrigatória que consiste no bloqueio total ou parcial de restrição de movimento. Muitos países adotaram essa estratégia com o objetivo de desacelerar a propagação do Coronavírus nos anos de 2020 e 2021. 15 manufaturados foram diretamente impactados por tais medidas, e muitos foram gradativamente suspensos pela falta de mão de obra. Em resposta à emergência global causada pelo surto inicial da COVID-19, a República Popular da China implementou medidas rigorosas para conter a propagação do vírus, incluindo a providência emergencial de instituir o lockdown no território chinês. As medidas estabelecidas eram bastante abrangentes, e todas possuíam o objetivo de desacelerar o contágio da doença, podendo variar entre as regiões do país e dos números de casos identificados. Medidas como o fechamento indeterminado de estabelecimentos comerciais e de serviços de atendimento ao público considerados não essenciais, como restaurantes e bares, lojas e centros comerciais. Restrições de movimentação e de viagens por parte da população, como suspensão ou redução significativa do transporte público, controle rigoroso em pontos de fronteira — entrada e saída — das cidades, suspensão de voos domésticos e internacionais e em linhas de trem. Ainda, houve a interrupção de atividades escolares e universitárias de maneira presencial, o que acabou ocasionando na implementação do estudo de maneira remota pela população. Concomitantemente, o trabalho remoto também foi uma ferramenta utilizada pelas empresas de forma a possibilitar que as suas atividades seguissem funcionando e de permitir que seus colaboradores pudessem trabalhar de casa. Já para as atividades de fábrica e de manufatura que possuem etapas inteiramente presenciais, o governo chinês implementou turnos noturnos com espaçamento entre os funcionários e contato restrito. Posteriormente, essa medida também foi adotada por empresas brasileiras, como forma de atingir as metas de produção necessárias, sem comprometer a saúde de seus funcionários. Com isso, o distanciamento social foi fortemente estabelecido e propagado pelos países como uma intervenção não farmacêutica que visava reduzir ainda mais a propagação da doença (Alfano, Ercolano, 2020). Como impacto inicial das medidas de segurança e saúde, a economia mundial, incluindo a brasileira, passou por um primeiro momento de elevado grau de incerteza em decorrência da pandemia e de seus impactos políticos e econômicos, ao provocar desaceleração significativa e repentina da 16 atividade econômica, resultando na queda nos preços das principais commodities2 chinesas e o aumento da volatilidade nos preços de serviços logísticos (NETO,2020). Com as medidas sanitárias e sociais implementadas pelo governo chinês para conter a pandemia, a OMS declarou que as ações do país chinês representaram “o esforço mais ambicioso, ágil e agressivo de contenção de doenças na história”. Segundo Garcia (2020), evidências até o momento apontam que tal combinação de estratégias resultou na supressão da epidemia em Wuhan. Ainda, uma estratégia complementar adotada pela China no enfrentamento da COVID-19 foi o uso massivo de máscaras, tanto por pessoas que apresentaram sintomas, quanto por pessoas assintomáticas. Diversos estudos apontam que as máscaras faciais utilizadas mundialmente no combate a pandemia da covid-19, quando adaptadas adequadamente, ajudaram a interromper efetivamente a dispersão das partículas expelidas por meio da tosse ou espirro, impedindo assim a propagação da doença (Karthik, 2021). Como medida de contextualização e de histórico da pandemia da COVID-19 dentro das relações entre Brasil e China, é necessário visualizar os dados oficiais da propagação da doença ao redor do mundo para obter um melhor entendimento dos impactos que a crise sanitária ocasionou nas atividades comerciais entre os países, e também compreender a magnitude de suas consequências no âmbito social internacional. A imagem abaixo - retirada do painel oficial de controle e registro dos casos positivos de COVID-19 pela OMS - aponta a quantidade dos números de casos confirmados do vírus em uma visão global e, sequencialmente, o número de mortes registradas por consequência da doença, entre os períodos de janeiro de 2020 e abril de 2023, agrupados em dados semanais. Até o atual momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou mais de 767.000.000 (setecentos e sessenta e sete milhões) de casos de COVID-19 no mundo e 6.941.095 (seis milhões e 2 Commodity ou mercadoria é um termo que corresponde a produtos básicos globais não industrializados, ou seja, matérias-primas que não se diferem independente de quem as produziu ou de sua origem, sendo seu preço uniformemente determinado pela oferta e procura internacional. 17 novecentos e quarenta e um mil e noventa e cinco) de mortes provenientes da doença. Os dados são referentes aos países do globo que reportaram, e continuam a reportar, os casos da doença em seus respectivos territórios, mesmo após a forte movimentação e regulamentação de vacinas contra o vírus. Figura 1 - Número de casos e mortes de COVID-19 no mundo - Jan/2020 a Abr/2023 Fonte: WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard Segundo o painel oficial de coronavírus da OMS, o ápice de casos registrados da doença aconteceu no dia 19 de dezembro de 2022, com mais de 44.000.000 (quarenta e quatro milhões) de casos confirmados, e o maior número de fatalidades registradas aconteceu no dia 18 de janeiro de 2021, com 102.722 (cento e dois mil e setecentos e vinte e dois) casos oficiais. Quadro 1 - Casos registrados de COVID-10 no dia 19/12/2022 por continente Quadro de elaboração própria, com dados retirados do painel oficial do coronavírus da OMS. Quadro 2 - Fatalidades registradas de COVID-10 no dia 18/01/2021 por continente Quadro de elaboração própria, com dados retirados do painel oficial docoronavírus da OMS. 18 Ainda, pela análise dos dados disponíveis pela Organização Mundial da Saúde, é possível visuzalizar os casos registrados oficialmente segmentados por continentes, nos dois gráficos abaixo. O primeiro gráfico apresenta o número de casos positivos de COVID-10 entre as regiões do globo nos períodos de janeiro de 2020 até abril de 2023. Figura 2 - Número de casos de COVID-19 por continente - Jan/2020 a Abr/2023 Fonte: WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard O segundo gráfico apresenta o número de mortes por COVID-19 registrados oficialmente, também entre os períodos de janeiro de 2020 até abril de 2023. As informações abaixo são igualmente segmentadas pelas regiões continentais e os dados agrupados semanalmente. Figura 3 - Número de mortes de COVID-19 por continente - Jan/2020 a Abr/2023 Fonte: WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard 19 Através das informações apresentadas, é possível notar a rapidez na crescente de casos positivos ao redor do mundo, principalmente nos continentes asiático, europeu e americano no momento inicial da crise sanitária, atingindo um grande pico dois anos após o início da pandemia, em janeiro de 2022. Momento este, que grande parte dos países estavam retomando aos costumes pré-pandemia ao retirar medidas de distanciamento social e restrições de viagens. Países como Reino Unido, Holanda, França, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Suécia, Áustria, Bélgica e Grécia iniciaram a flexibilização de regras impostas durante a pandemia, como distanciamento social, uso obrigatório de máscara e limites de aglomeração social. Posteriormente, países na América do Norte e América Latina seguiram tais medidas, retomando a vida pré-pandemia. Já na Ásia, vimos esse movimento acontecer mais recentemente, ao abrir as fronteiras internacionais em janeiro de 2023. Segundo Figueiredo (2020), o impacto das políticas sanitárias adotadas pela China, principalmente o lockdown, na incidência e mortalidade por COVID-19, relatou uma redução diária de 6,43% no número de casos e de 7,88% das mortes registradas, instituindo a medida de distanciamento e restrição social como fundamental no combate à pandemia. A crise da COVID-19 trouxe consigo uma série de desafios, tanto no âmbito da saúde quanto em áreas econômicas, sociais e políticas. Na área da saúde, hospitais e profissionais foram sobrecarregados durante o processo de combate à doença, e em diversos momentos tiveram que enfrentar os obstáculos da escassez de recursos e equipamentos de proteção. A pandemia também teve um impacto significativo na economia global. Inúmeras pessoas perderam seus empregos, empresas enfrentaram dificuldades financeiras e setores inteiros foram afetados. A pandemia também evidenciou desigualdades sociais existentes ao redor do globo. Grupos marginalizados e economicamente vulneráveis foram os mais afetados, enfrentando grandes dificuldades ao acesso à saúde, educação à distância e na obtenção de informações confiáveis sobre a doença e ainda a necessidade de suporte financeiro. No que diz respeito à pauta específica da educação, a manifestação mais sensível dos impactos do coronavírus no Brasil se observa na pressão encontrada em entes federativos e em etapas da educação básica e superior pela implantação massiva do que se convencionou chamar de Educação à Distância (EaD), ou ensino remoto (Filho, 2020). 20 Dentro da ótica de supply chain3, as fábricas responsáveis pelo início do processo produtivo de grandes cadeias mundiais de fornecimento foram as primeiras a absorverem as mudanças que a pandemia apresentou dentro do território chinês. Cadeias de suprimentos de commodities como cobre, ferro e alumínio, os quais são alguns dos principais componentes necessários na fabricação de produtos eletrônicos - até cadeias produtivas de resinas / placas e produtos semiacabados tiveram mudanças dentro do seu processo produtivo, principalmente na adaptação da falta de mão de obra nas fábricas. Segundo Lima (2022), a pandemia da Covid-19 ocasionou uma crise mundial sanitária. O evento também acarretou uma espécie de recessão econômica mundial inédita, em razão das medidas necessárias para abrandá-la, sobretudo o isolamento social, imprescindível para conter a disseminação da doença, o que culminou na redução da produção, do emprego e da renda em diversas economias. Ao mover a lente de análise para as relações sino-brasileiras, a consolidação da China como grande fornecedora de produtos manufaturados também é preocupante quando se pensa no processos fabris dentro do Brasil, país que possui a China como maior fornecedor de diversos tipos de bens manufaturados e industrializados, o que ocasiona em uma produção doméstica prejudicada em relação aos bens importados. (Lima, 2022). Com o surgimento e consolidação do cenário internacional pandêmico, a crise sanitária - a qual teve seu epicentro a China - fez com que os mais diversos países do mundo avaliassem a maneira de atuação no comércio internacional, gerando diferentes impactos da economia global. A forte globalização e integração entre os países tornou possível a propagação da COVID-19 de uma maneira extremamente acelerada entre as fronteiras físicas e também pelos principais modais de transportes utilizados tanto pela população como pelo comércio internacional, entre eles o aeroviário. (Oliveira Neto, 2020). Logo, a pandemia impactou diretamente a dinâmica da interdependência das cadeias produtivas ao redor do mundo, ao afetar não somente a possibilidade de produção das empresas e fábricas - tanto em território chinês como nos demais 3Supply chain ou cadeia de suprimentos refere-se a todas as operações pelas quais um produto passa, desde a matéria-prima até o processo de entrega ao cliente final. São processos que abarcam a produção, a logística e a distribuição. 21 países - de seus itens e serviços, como também impactou fortemente a infraestrutura logística. Uma pesquisa liderada por operadores e autoridades portuárias de diversas regiões do globo concluiu que muitos dos principais portos que possuem papel essencial na estrutura internacional de comércio exterior - situados na China, Hong Kong, Índia, América Latina e Estados Unidos - foram afetados especialmente pela falta de mão de obra, pelas restrições de capacidade e distanciamento social, pelas mudanças na demanda e atrasos de processos ligados à alterações de procedimentos usuais causados pela COVID-19, como lockdowns e testagem em massa na China (NOTTEBOOM; PALLIS, 2020). 22 2.2. OS IMPACTOS ECONÔMICOS DA PANDEMIA DA COVID-19 Quanto ao cenário internacional, diversos são os impactos que a pandemia da COVID-19 acarretou nas economias ao redor do mundo. A pandemia do coronavírus dispôs efeitos sem precedentes na economia mundial, desencadeando uma série de desafios e perturbações ao decorrer das fronteiras e dos continentes. O distanciamento social implementado pelos governos como forma de cessar ou diminuir o contágio acelerado do vírus já nos primeiros meses da pandemia possibilitou a interrupção de cadeias produtivas ao promover o fechamento de empresas e a regularização do “lockdown”, principalmente no país foco, a China. Medidas utilizadas pelo governo chinês como o lockdown nas províncias com grandes focos de proliferação da doença, restrições de viagens e o distanciamento social ocasionaram interrupções nas cadeias de produção e de abastecimento, desregulando o fluxo de entrega entre as empresas e os países, afetando de maneira negativa diversos setores econômicos. O tamanho e a persistência do dano econômico dependerão de como os governos irão lidar com esse encontro repentino com a natureza e com o medo (Weder di Mauro, 2020). Os impactos do coronavírus possuem repercussões econômicas abrangentes gerando efeitos de transmissão que ressoam tanto nas estruturas de oferta e demanda de maneira imediata como na demanda planejada, seja ela dentro de seis meses até dois anos, dependendo principalmentedo grau de sensibilidade e vulnerabilidade macroeconômica dos países e microeconômica das cadeias globais de produção e consumo. Internacionalmente, todas as regiões do globo foram afetadas, de uma maneira ou de outra. Seja econômica, seja social, ou seja de maneira política. Segundo Martins (2020), a pandemia gerou tensões inicialmente em vários mercados financeiros com queda de ativos, e em um segundo momento impactos negativos na produção e no consumo ao longo das semanas em função do desabastecimento das cadeias de distribuição de produtos made in China. AInda, como escreveu Baldwin e Weder di Mauro em “Economia em tempos de COVID-19” (2020): 23 Do lado negativo, pode se tornar uma crise econômica de dimensões globais e uma longa reversão da globalização. Pelo lado positivo, pode ser o momento em que os formuladores de políticas conseguem uma resposta comum à crise. Eles podem até conseguir reconstruir alguma confiança e criar um espírito cooperativo que ajuda a humanidade a enfrentar outras ameaças comuns, como a mudança climática. Ainda, os impactos da pandemia se deram também pela instabilidade nos mercados financeiros, ao experimentarem com uma alta volatilidade das atividades econômicas e a falta de estabilidade na entrega das demandas. Houve queda significativa nos índices de ações, aumento da incerteza quanto aos movimentos econômicos de países e empresas. Houve também uma considerável fuga monetária nos fluxos de investimentos internacionais diretos e indiretos, principalmente pela busca de ativos considerados mais seguros e sólidos durante a pandemia. Com a alta proliferação da doença, muitas empresas adotaram medidas de precaução quanto aos seus investimentos e atividades, como congelamento de investimentos nacionais e internacionais e projetos foram encerrados ou adiantados. Como tentativa de mitigar os efeitos econômicos adversos da pandemia, muitos governos implementaram medidas de estímulo econômico e social. Pacotes de ajuda financeira, subsídios a empresas, empréstimos de emergência e programas de assistência social foram algumas ações que visavam sustentar a economia durante o cenário pandêmico, apoiando as empresas e protegendo o emprego da população. Ainda, a pandemia acelerou também alguns processos e tendências econômicas, como o crescimento e implementação do trabalho remoto e a digitalização de procedimentos empresariais e governamentais. Porém, por outro lado, setores como o varejo comercial tradicional e escritórios corporativos enfrentaram desafios significativos dentro das suas atividades cotidianas. Desde o seu surgimento, a pandemia causou uma desaceleração econômica generalizada, levando ao fechamento de empresas, à perda de empregos em massa e à instabilidade nos mercados financeiros. 24 Embora a escala de letalidade do coronavírus seja relativamente baixa, a escala de difusão é elevada, repercutindo em uma rápida difusão dentro da China e mesmo no exterior. As repercussões de curto prazo já acontecem por meio de uma crescente autarquização das relações internacionais dos países em relação à China, com contenção dos fluxos humanos e corte de voos comerciais. Por sua vez, os impactos de médio e longo prazo potencializam um aumento da desaceleração econômica na China e repercussão negativa no crescimento mundial (SENHORAS, 2020, p. 33). Em relação a uma enorme gama de empresas multinacionais localizadas no país epicentro da pandemia - e das empresas que compram a demanda internacional dessas fábricas - a suspensão das atividades fabris e de manufatura, por mais que esta tenha sido temporária, e a suspensão das exportações chinesas pelo fechamento de portos e falta de containers disponíveis no comércio internacional ocasionou em um efeito de transmissão inicial da crise sanitária direta nas movimentações do mercado econômico mundial, na constrição das cadeias logísticas, tanto regional - asiática - quanto nos demais portos. Impactos também foram sentidos além dos meios marítimos, como a aviação civil, com encadeamentos nos demais países que também fazem parte das cadeias globais de valor, seja como consumidores ou como produtores. Segundo Silva (2021) o desempenho da cadeia de suprimentos está diretamente relacionado à duração das restrições e interrupções. Nesse sentido, tornam-se importantes tanto a manutenção da resiliência quanto a viabilidade da cadeia de suprimentos durante o cenário epidêmico frente aos desafios impostos. Com o isolamento social e o “lockdown” implementado em diversos países, a queda da atividade econômica mundial se deu de forma brutal e imediata. Diversas foram as realidades parecidas onde apenas as atividades tidas como essenciais puderam continuar funcionando, como supermercados, farmácias, postos de abastecimento e hospitais, ao passo que as atividades classificadas como “não-essenciais” foram paralisadas. Os impactos econômicos da pandemia também foram perceptíveis no volume de viagens áreas ao redor do mundo, tanto a trabalho 25 quanto a turismo. Segundo a Flight Tracking Statistics, durante o primeiro ano da pandemia do COVID-19 (2020), o volume de registros aéreos comerciais representou apenas 35,14% quando comparado com o volume registrado durante o mesmo período, porém no ano anterior (2019). Já em 2021, o volume de voos aéreos registrados foi o dobro comparado com o ano anterior. Com essas informações podemos notar o impacto que a pandemia do coronavírus repercutiu nas movimentações ao redor do mundo. Figura 4 - Número de voos comerciais no mundo - Jan/2019 a Jun/2023 Fonte: Flight Tracking Statistics Embora algumas regiões como a Ásia e a Europa inicialmente tenham apresentado uma situação de vulnerabilidade humana devido ao número de casos, mortes e das políticas de isolamento social, essa nova dinâmica econômica impacta diretamente a microeconomia das cadeias de produção e de consumo internacionalizadas, bem como na macroeconomia dos países, dependendo das suas situações de vulnerabilidade econômica e política. Segundo Martins (2020), as condições de sensibilidade ou vulnerabilidade econômica dos países dependem não apenas dos efeitos de contágio humano na geração de expectativas em determinada economia nacional, mas antes dependem das trajetórias econômicas preexistentes à crise, bem como do comportamento volátil do mercado financeiro nacional e da regularização dos ciclos econômicos produtivos. Quanto aos impactos da pandemia da COVID-19 na economia internacional, o renomado economista e professor da Universidade de Genebra, Richard Baldwin, 26 abordou diversos pontos relacionados às possíveis consequências que a crise sanitária impactaria a economia dos países. Pontos como a integração global e a dependências entre as cadeias de suprimentos e como a vulnerabilidade das economias globais devido à dependência excessiva de cadeias de suprimentos internacionais. Segundo Baldwin, a interrupção dessas cadeias internacionais, causadas pelas restrições e lockdowns, expôs de maneira imediata a fragilidade dos sistemas de produção ao redor do mundo e a distribuição de produtos globalizados. Ainda, segundo o autor, a pandemia acelerou a adoção de tecnologias digitais em áreas antes não muito utilizadas, como a possibilidade e implementação do trabalho remoto. Empresas de tecnologia ao redor do mundo deram início , por coincidência ou não, ao processo de digitalização de seus procedimentos internos como consequência da implementação do trabalho remoto e do home office. Programas de digitalização como BI - Business Intelligence - têm se tornado uma prática frequente por médias e grandes empresas como conjunto de estratégias e técnicas empregadas para analisar os dados empresariais e de negócios e melhorar a tomada de decisão por parte das gerências e lideranças. Dentro do cenário empresarial, a pandemia teve impactos e influenciou os riscos à estabilidade financeira de regiões e continentes. A possibilidade deinadimplência de dívidas, principalmente por parte de empresas menores e altamente endividadas antes da pandemia, e por endividamentos adquiridos durante o cenário da COVID-19, o que pode ocasionar em uma crise financeira ainda mais ampla, ou em choques secundários de uma crise econômica. Por isso, a cooperação internacional é abordada dentro dos seus estudos e representa parte considerável e importante das relações exteriores. A necessidade de uma coordenação global para garantir o acesso equitativo e efetivo de medidas contra a doença e tratamentos de saúde, como no caso da vacinação contra o vírus, são essenciais para promover uma recuperação econômica sustentável, gradativa e inclusiva. O impacto econômico da pandemia foi sentido ao decorrer do número de países que reportaram novos casos dentro de seus territórios. Os dados dos primeiros meses de contágio do vírus já mostravam que as principais economias atingidas eram quase idênticas à lista das dez maiores economias do mundo - com exceção da Índia e do Irã - países como Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, 27 Inglaterra, França e Itália representam 60% da oferta e demanda mundial (PIB), 65% da manufatura mundial e 41% das exportações mundiais de manufaturados. Essas economias, especialmente China, Japão, Alemanha e Estados Unidos também são parte das cadeias de valor globais, logo os problemas de abastecimento desenrolam no contágio da cadeia de suprimentos, afetando grande partes das nações no mundo. Segundo Laurence Boone, existem canais de ofertas, demandas e de confiança por meio dos quais o vírus pode afetar a economia. Os três principais canais pelos quais as medidas se espalham globalmente - como foi identificado durante a pandemia - são o fornecimento de produtos e serviços, a demanda e consequentemente o declínio da demanda pela suspensão de atividades antes cotidianas e agora barradas pela propagação do vírus e também pela confiança, seja ela entre os países com maior correlação, ou pelas empresas de forma paradiplomática.Quanto às variações nos preços das commodities globais, principalmente das matérias primas essenciais na fabricação de semicondutores - um dos itens mais importantes na cadeia produtiva de empresas de tecnologia, como a Intelbras - é necessário entender as variações de preço de acordo com a demanda e a oferta durante os anos da pandemia da COVID-19. Itens de matéria prima como cobre, alumínio, zinco e chumbo são insumos fortemente presentes em diversas cadeias de suprimentos e processos fabris e refletem as mudanças econômicas que atingiram o mundo. As commodities desempenham um papel extremamente significativo nos processos produtivos de diversas indústrias, não somente pelo seu papel no desenvolvimento de um produto e dentro de sua Bill of Materials (BOM)4 - esta que é ferramenta essencial na gestão de produção de fábrica e de P & D5 ao listar de forma detalhada todos os materiais, peças e componentes necessários para a composição do produto final, e suas quantidades e especificações - como também 5P&D é a sigla para Pesquisa e Desenvolvimento, equipe responsável por realizar um conjunto de atividades para adquirir conhecimento, investigar novas ideias, desenvolver produtos ou aprimorar processos existentes. O objetivo principal do P&D é impulsionar a inovação, promover avanços tecnológicos e encontrar soluções criativas para desafios científicos e tecnológicos dentro das empresas. 4BOM é a sigla para Bill of Materials, que em português pode ser traduzido como Lista de Materiais ou Lista de Materiais de Fabricação. Trata-se de um documento ou registro que descreve os componentes e partes necessários para a fabricação de um produto. 28 na formação do preço de tal produto. Grandes variações de custos de commodities influenciam diretamente no custo final de um produto, diminuindo margem de lucro, onerando custos produtivos e até mesmo, em casos graves, causando a descontinuação do produto. Ao analisar as variações dos preços ofertados no decorrer dos anos pandêmicos e pós-pandêmico (2023) disponíveis no London Metal Exchange (LME), é possível interpretar os impactos que a crise sanitária obteve sobre as cadeias de matéria prima, principalmente na China. O baixo preço nos primeiros meses de 2020 e uma posterior crescente no custo de todos os produtos citados é um forte indicador da baixa oferta e da forte demanda no cenário internacional entre os anos de 2020 e 2022. A baixa oferta proveniente do fechamento de fábricas e suspensão de processos logísticos em território chinês, e a demanda mundial que não conseguiu ser suprida pelas consequências da pandemia constitui um aumento nos preços gerais das commodities. Abaixo, os gráficos de cada item. Figura 5 - Variação de preço da commodity cobre, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023. 29 Figura 6 - Variação de preço da commodity alumínio, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023. Figura 7 - Variação de preço da commodity zinco, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023. Por fim, a variação do chumbo - item igualmente essencial em diversos processos produtivos de empresas de tecnologia - também acompanha a variação como as demais commodities, apresentando maior sensibilidade às oscilações de custos. 30 Figura 8 - Variação de preço da commodity chumbo, no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2023. Ao analisar as figuras de variação de preço ofertado de cobre, alumínio, zinco e chumbo fica aparente que a movimentação de custo se deu de forma parecida entre os quatro componentes, apesar de serem commodities diferentes, evidenciando os impactos que a crise sanitária da COVID-19 teve na oferta e demanda de matérias primas básicas e essenciais para as indústrias ao redor do mundo. Assim, é possível notar que os impactos que a pandemia do coronavírus ocasionou na economia mundial foram diversos e atingiram grandes segmentos das relações internacionais, principalmente para os países com grande globalização e interdependência dos produtos e serviços de origem chinesa. Para o Brasil, tais impactos foram sentidos dentro das cadeias de suprimentos por diversas empresas, entre elas a Intelbras. O aumento de preços de commodities altamente utilizadas em processos produtivos industriais têm impactos significativos nas atividades de suprimentos de uma empresa internacional. Quando há aumento dos os preços de commodities, os custos de matérias-primas e insumos tendem a se elevar, podendo afetar diretamente a rentabilidade e a competitividade da empresa. Isso exige que as indústrias reavaliem suas estratégias de suprimentos a fim de suprimir tais aumentos 31 de custos. Assim, a oportunidade de analisar a estrutura corporativa da empresa Intelbras, a qual possui um time focado em atuar diretamente na cadeia de suprimentos, proporciona um melhor entendimento da tomada de decisão e das estratégias adotadas no enfrentamento da pandemia. 32 3. INTELBRAS A Intelbras é uma empresa brasileira renomada e com grande share de mercado nacional e internacional, que se destaca no mercado por suas soluções tecnológicas inovadoras, qualidade e compromisso com o cliente. Com uma trajetória de mais de 45 anos, a empresa é frequentemente reconhecida por sua qualidade, inovação e desenvolvimento. Com foco na promoção da tecnologia nacional, a empresa contribui para a autonomia tecnológica do Brasil e fortalece a indústria nacional, ao oferecer produtos de alta qualidade e confiabilidade. A empresa também oferece suporte técnico extensivo e especializado e programas de treinamento para seus clientes e colaboradores, com o compromisso de atuar de forma responsável com a sociedade que está inserida. Já em relação ao meio ambiente, a Intelbras assume o compromisso e o desafio de adotar boas práticas sustentáveis em seus processos e produtos, ao buscar minimizar seu impacto ambiental. Na gestão da cadeia de suprimentos, a empresa também estende suaspolíticas para seus fornecedores, garantindo que a cadeia de suprimentos e de produção que atua esteja a par das políticas brasileiras e dos patamares de qualidade do mercado nacional. 33 3.1. HISTÓRIA E ESTRUTURA CORPORATIVA DA INTELBRAS A Intelbras S.A. - Indústria de Telecomunicação Eletrônica Brasileira é uma empresa fundada no ano de 1976, no município de São José, em Santa Catarina. Tendo mais de cinco mil colaboradores, a estrutura física da empresa consiste em um escritório administrativo e comercial principal, Matriz, em São José, Santa Catarina, e mais cinco parques fabris, sendo dois no estado catarinense — Filial de São José, no bairro do Sertão do Maruim, e o outro fabril na cidade de Tubarão —, uma filial em Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, uma fábrica em Manaus, Amazonas, e a Filial do Nordeste, em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco. Ainda possui dois escritórios internacionais, um situado em Shenzhen, na China, e outro em Montevidéu, Uruguai. Fundada em 22 de março de 1976 pela família Freitas, a Intelbras se inseriu no setor de telefonia, com o foco em suprir a demanda nacional da época. Na década de setenta, no Brasil, o mercado de telefonia era quase inteiramente de domínio estatal, principalmente depois da criação da Telebrás, firmada com a aprovação da lei nº 5.792, de 11 de julho de 1972, instalada em 9 de novembro de 1972, pelo 28º presidente, Emílio Garrastazu Médici, no auge da ditadura militar brasileira. O papel da Intelbras tornou-se, então, complementar a demanda de telefone e centrais telefônicas da empresa estatal. Comandada até meados dos anos 1990 pelo Sr. José Francione de Freitas, a empresa rapidamente cresceu no mercado nacional, tornando-se referência no mercado de telefonia. Conforme as informações disponíveis nos principais canais de comunicação da Intelbras, os anos 90 foram marcados pela consolidação da empresa no segmento de telecomunicações e tornou a empresa líder no segmento de PABX - uma central telefônica que conecta-se diretamente a uma operadora de telefonia, podendo ser de uma ou mais linhas, permitindo uma conexão direta com linhas internas por meio de ramais. - e terminais telefônicos no mercado nacional. A gestão da Intelbras conseguiu observar no mercado brasileiro oportunidades de crescimento além dos produtos voltados para telefonia e abastecimento de empresas estatais, e no início dos anos 2000, a empresa inicia a sua expansão para outros segmentos de mercado. No ano de 2003, ao observar as 34 tendências dos mercados nacionais e internacionais, e adotando a política de sempre buscar a redução de custos de sua cadeia produtiva, a Intelbras adquiriu uma filial em Hong Kong. Na época com apenas dois procurements6 e dois profissionais técnicos, o objetivo da filial era realizar um trabalho de sourcing7 na China, obter maiores informações sobre o mercado regional e promover uma maior aproximação com os fornecedores correntes da empresa. Os resultados positivos desta movimentação incentivaram a Intelbras a encerrar as atividades desta filial para então seguir com a abertura oficial de um escritório completamente dedicado e permanente na cidade de Shenzhen, no ano de 2005, na província de Guangdong, na China. Desde então, os negócios da Intelbras com seus fornecedores chineses vêm apresentando grande crescimento ano após ano, fazendo deste um componente estratégico essencial para a operacionalização da sua cadeia produtiva, tanto de matéria-prima, quanto de itens OEM8 (Blume, 2018). Atualmente, este escritório conta com o trabalho de cerca de 70 colaboradores (dentre estes, 60 chineses), que realizam diariamente os trabalhos de sourcing, procurement e inspeção para o time de qualidade dos lotes exportados em embarques de origem chinesa. Em 2007, adquire a empresa Maxcom, localizada na cidade de Santa Rita do Sapucaí - Minas Gerais, com foco em desenvolvimento de soluções em segurança eletrônica. Em 2009, a empresa toma a decisão estratégica de abrir uma filial na cidade de Manaus, onde direcionou sua produção de equipamentos de segurança patrimonial, tais como porteiros e câmeras, buscando também aproveitar os incentivos da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA)9. No ano de 2013, a Intelbras engloba em suas atividades as empresas Automatiza - da cidade de Palhoça, Santa 9Segundo a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, a ZFM conta com incentivos fiscais e extrafiscais ofertados em caráter especial, buscando atrair e fixar investimentos na sua área de abrangência. 8 O termo "OEM" é uma abreviação de "Original Equipment Manufacturer", que em português significa "Fabricante de Equipamento Original". Um item OEM refere-se a um componente ou produto fabricado por uma empresa específica para ser usado como parte de um sistema ou produto maior produzido por outra empresa. 7 Sourcing, no entendimento da Intelbras, é o processo de buscar novas alternativas de fornecimento em um determinado mercado, observando todas as especificidades do negócio 6Procurement, no entendimento da Intelbras, é um cargo relacionado à varredura de mercado, buscando novas oportunidades de fornecimento, estreitamento de laços com fornecedores correntes e assistência à equipe estrangeira em seus diversos problemas diários. 35 Catarina - e a Engensul - da cidade de Blumenau, também no estado catarinense. Assim, dois novos segmentos são estruturados em seu portfólio: controle de acesso e prevenção a incêndios. Figura 9 - Matriz Intelbras em São José, Santa Catarina. Dando continuidade a visão de negócios da diretoria para o mercado nacional, outras empresas são adquiridas com o passar dos anos com o objetivo de ampliar o papel de atuação da Intelbras e de fortalecer a gama de produtos oferecidos. A Décio - voltada para o mercado metalúrgico, a Seventh - com foco em soluções de software, e a Khomp - desenvolvedora de soluções para telefonia, IoT e controle de acesso. Recentemente, a Intelbras também direcionou suas aquisições para o mercado de energia sustentável ao adquirir a empresa Renovigi, ampliando seus negócios para os segmentos de energia solar. Por fim, em fevereiro de 2021, a empresa fez sua estreia na Bolsa com suas ações listadas na B3, tornando-se uma empresa de capital aberto (Intelbras, 2022). Nos dias de hoje, a empresa está presente em diversos segmentos do mercado nacional e internacional, atuando nas áreas de Comunicação, Redes, Controle de Acesso, Segurança Eletrônica, Energia e Energia Solar. O grande portfólio da empresa oferece ao mercado soluções integradas para consumo residencial, condominial e corporativo, estando presente em 100% dos municípios brasileiros com potencial de consumo eletrônico (Intelbras, 2022). Ainda, renovando suas estruturas e filosofias administrativas e sempre incorporando novos produtos 36 ao seu portfólio, o processo de consolidação da Intelbras como destaque em tecnologia nos setores em que atua no mercado nacional é evidenciado pelos seus diversos prêmios e certificações. (Blume, 2018). Prêmios como Top of Mind SC 2021, da NSC, como a empresa mais lembrada pelos consumidores catarinenses em eletroeletrônicos (Intelbras, 2022) evidencia a empresa como líder no setor de tecnologia no Brasil. A Intelbras ostenta também prêmios como Melhores Empresas para Jovens Profissionais no ano de 2022, pela EFY - Employers for Youth, com a pesquisa tendo foco em profissionais de 18 a 35 anos de idade. Ainda, foi premiada nos anos de 2020, 2021 e 2022 pela pesquisa GPTW - Great Place to Work - como uma das melhores empresas para se trabalhar, nos rankings do Brasil, de Santa Catarina, de Minas Gerais e da Região Norte (Intelbras, 2023), entre outras premiações. Em termos organizacionais, as unidades de negócios são independentes e cada uma possui seu próprio time de profissionais especializados, que se dividem em áreas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), time comercialfocado em análise do mercado nacional de vendas, assistência técnica e call center10, marketing e design de produtos, analistas de produtos e mercados e uma equipe de suprimentos focada em produtos OEM, com profissionais da área logística, de compras e de qualidade. Ainda, a Intelbras também possui suas áreas de apoio administrativo, financeiro e fiscal, e entre eles está o departamento de Suprimentos Corporativo, onde estão concentrados os processos de compra de matéria-prima, logística de componentes semi acabados e de matéria-prima, time de recebimento e expedição, time de qualidade e de apoio a linha de produção fabril e também de planejamento e controle de materiais, com foco voltado para o abastecimento de todas as fábricas em território nacional. Hoje, a Diretoria Executiva de Suprimentos da Intelbras é composta por sete departamentos cujo principal objetivo é atender as demandas de abastecimento das fábricas e das unidades de negócio por meio de negociações com os fornecedores 10 Uma central de atendimento, centro de atendimento, ou centro de contacto (call center) é composta por estruturas físicas que têm por objetivo centralizar o recebimento de ligações telefônicas, distribuindo-as automaticamente aos atendentes e possibilitando o atendimento aos usuários finais 37 brasileiros e internacionais, tratativas com agentes de carga e transportadoras nacionais, até o contato com clientes finais, sempre buscando a redução de custo de operação ano após ano - sejam essas operações de compras, operações de frete ou custos de operações internas - adotando as políticas de qualidade e atendimento estabelecidas pela empresa. Abaixo segue a estruturação da Diretoria Executiva de Suprimentos e suas gerências: - Gerente de Engenharia de Qualificação de Fornecedores; - Gerente de Logística Internacional; - Gerente de Compras e Planejamento Integrado; - Gerente do Escritório da China - Chief Representative Officer (CRO); - Supervisor de Inspeção e Recebimento; - Supervisor de Logística Nacional; - Supervisor de Planejamento e Controle de Materiais. A área de Suprimentos Corporativa é composta por: 1) Uma equipe de qualidade que trata das inspeções de lotes a serem embarcados e importados para o território nacional, que atuam dentro das políticas e padrões de qualidade especificados, além de prestar assistência às linhas de produção e aos compradores e fornecedores; 2) Uma equipe de analistas especializada exclusivamente em trâmites logísticos internacionais e o contato entre os fornecedores correntes e os agentes de cargas e operadores logísticos, e também atuante em processos de importação junto à Receita Federal Brasileira e aos órgãos aduaneiros; 3) Uma equipe de compras de matéria-prima que atua estritamente nas negociações de preço, MOQ11 e contrato de fornecimento com os fornecedores correntes, com foco principalmente na redução de custo do 11 MOQ, ou Minimum Order Quantity, é a quantidade mínima de encomenda de um pedido. Normalmente o MOQ é negociado entre a empresa que vende e a que compra, para pedidos mínimos de volume de venda. Conceito fortemente usado no comércio exterior. 38 spend12 anual de cada carteira de item. Ainda, a equipe de compras possui o apoio de assistentes no cadastro interno de cada item e parametrização do sistema. 4) Uma equipe de recebimento e de inspeção, responsável pela entrada dos produtos nas fábricas da Intelbras, com o trabalho de inspecionar e conferir os lotes recebidos e aprovar inicialmente o item para a admissão em linha de produção. Esse trabalho inicial é extremamente importante para confirmar que o pedido chegou à fábrica dentro do solicitado e dentro das especificações determinadas pela qualidade. 5) Uma equipe de procurements e engenheiros técnicos na China, com foco em promover o estreitamento da relação entre Intelbras e seus fornecedores, promovendo visitas de rotina a fábricas e prédios comerciais. São responsáveis também por dar apoio ao time do Brasil em tratativas de problemas de qualidade e negociações comerciais. 6) Uma equipe de analistas de distribuição com foco em promover o transporte logístico nacional, rodoviário ou aeroviário, dos produtos faturados da Intelbras para os seus clientes, como canais de venda, distribuidores, lojas do mercado de varejo e clientes finais. 7) Uma equipe de analistas de planejamento e controle de materiais, os quais cuidam do plano de controle de produção, sendo responsáveis por informar a programação mensal da fábrica em termos de estoque e projeção de volumes de produções futuras. Atualmente, a Intelbras está estruturada em seis unidades de negócios, que correspondem diretamente aos mercados em que a empresa possui atuação: 12 Spend é a análise de gastos do montante de compra anual da empresa, com o objetivo de reduzir os custos de aquisição, e consequentemente o custo de produção. 39 I) Unidade de Comunicação: Responsável por produtos de telefonia para mercados residenciais e corporativos, produtos com foco em soluções profissionais, e também por produtos periféricos como mouse, teclado, webcam e fones de ouvido. II) Unidade de Redes: Responsável por produtos de conexão de dados e internet, soluções de conectividade com Wi-Fi residencial e Wi-Fi empresarial, produtos voltados para o mercado nacional de fibra óptica e de cabeamento estruturado, e ainda responsável pelo desenvolvimento de módulos 5G; III) Unidade de Controle de Acesso: Responsável por soluções de controle de acesso residencial, soluções condominiais e corporativas, com desenvolvimento de produtos de interfonia, fechaduras eletrônicas, automatizadores de portão e catracas; IV) Unidade de Segurança Eletrônica: Responsável por soluções de gerenciamento de imagens e de monitoramento eletrônico - Circuito Fechado de Televisão (CFTV), produtos para soluções de alarmes e de cercas elétricas, e ainda soluções de barreiras e sensores; V) Unidade de Energia: Responsável por produtos de soluções e proteções eletrônicas, desenvolvimento de produtos para carregamento de aparelhos e de carros elétricos, e soluções para economia de energia, tanto para o mercado residencial, quanto para o meio corporativo; VI) Unidade de Energia Solar: Responsável por soluções de geração de energia elétrica, oferecendo produtos on grid13 - produtos ligados à rede elétrica pública - e off grid14 - produtos sem conexão com a rede pública de eletricidade. Entre as unidades de negócio da Intelbras, a crise sanitária da COVID-19 afetou significativamente o volume de vendas de acordo com os desafios e as novas necessidades que a população enfrentou durante a pandemia. A unidade que possui 14 O sistema off-grid ou o sistema autônomo, tem como principal característica o funcionamento sem conexão às redes elétricas, armazenando tal excesso em bancos de baterias. 13 Um sistema on grid é um modelo de energia solar fotovoltaico ligado à rede elétrica, e é ele que conecta o sistema gerador de energia solar à rede de distribuição da concessionária. 40 destaque de longa data no mercado nacional é a Unidade de Segurança Eletrônica, que se tornou uma das protagonistas pelo alto volume de vendas devido às implementações de isolamento social e do trabalho remoto. Segundo Baffi, empresas do setor de segurança eletrônica registram aumento de até 22% nas vendas durante a quarentena, e os produtos mais procurados pelos consumidores brasileiros são as câmeras de segurança e as cercas elétricas. Ainda, com a pandemia do COVID-19 e as necessidades que emergiram no decorrer dos meses, a Unidade de Redes também sofreu um forte aumento nas vendas nacionais, devido a grande adoção do trabalho remoto pelas empresas e pelas organizações governamentais, contudo esse tema será melhor iluminado no próximo capítulo. A pandemia do COVID-19 teve um impacto significativo nas relações comerciais entre Brasil e China, com interrupções nas cadeias de suprimentos, queda na demanda por produtos e mudançasnas preferências dos consumidores, alterando totalmente a dinâmica comercial entre os dois países, e realizando um movimento de adaptação por parte das empresas e profissionais da área para conseguir com suas atividades. O setor de tecnologia e telecomunicações enfrentou desafios consideráveis durante a pandemia, com a necessidade de adaptação das operações antes realizadas e pela busca por soluções inovadoras para atender às demandas do mercado, agora em crise. Por fim, a relação comercial entre Brasil e China tem sido profundamente impactada pela pandemia e pelo novo cenário internacional, requerendo uma reavaliação das estratégias de comércio e investimento por parte das empresas e dos órgãos governamentais. 41 3.2. ESTRATÉGIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO Ao tratar da estratégia de internacionalização das empresas brasileiras, as quais possuem grandes relações com as cadeias produtivas na China, olhar para a estrutura de uma empresa como a Intelbras e analisar sua tomada de decisão ajuda a compreender como grandes empresas realizam suas atividades cotidianas, analisam os dados de seus próprios negócios e concluem suas negociações nacionais e internacionais. Diversas são as empresas brasileiras que possuem seus procedimentos internos influenciados pelas cadeias produtivas internacionais, com foco singular nas cadeias produtivas chinesas, e muitas possuem práticas em comum para estruturar suas atividades. As estratégias de internacionalização de uma empresa podem variar de acordo com os segmentos em que atua, do tamanho de suas plantas fabris e do volume de colaboradores, e também pode variar de acordo com os objetivos gerais e específicos da organização. O processo de internacionalização de uma empresa refere-se à expansão das atividades comerciais e produtivas para além das fronteiras nacionais, com o intuito de estabelecer sua presença e suas operações em mercados estrangeiros. Optar por esse passo de internacionalização possui a intenção de aproveitar as oportunidades presentes tanto em mercados nacionais como em mercados internacionais, reestruturando suas atividades e delegando processos para outros fornecedores e prestadores de serviços. Estratégias como exportações de serviços, as quais envolvem a venda de produtos ou de serviços diretamente para clientes fora do território nacional, através de vendas diretas, também são utilizadas comumente. A internacionalização pode ocorrer em várias dimensões diferentes. Ela é um processo, ao longo do tempo, no qual uma empresa desenvolve a sua atuação crescente em operações fora de seu país de origem. Tal envolvimento pode incluir matérias primas ou produtos acabados da empresa, ou envolver ainda etapas de sua cadeia de valor (OVIATT; MCDOUGALL, 1999). Entender por que as empresas se internacionalizam e que produtos ou atividades são alvo deste processo tem sido desafio constante para as pesquisas na área de negócios internacionais. A internalização de uma empresa é um fenômeno que pode ser caracterizado com 42 base em algumas dimensões. Welch e Luostarinen (1988) e Chetty (1999) enfatizaram alguns aspectos desse processo: métodos de operações no exterior, quais são os possíveis mercados atendidos, quais são os objetos de vendas e qual é a estrutura organizacional, financeira e de pessoal da empresa com capacidade de ampliar suas atividades em um cenário internacional. Carneiro (2007), segue com o questionamento do por que internacionalizar em seus estudos ao analisar diferentes razões para uma empresa iniciar tal processo, como a procura por novos mercados, especialmente quando o cenário nacional já está saturado ou em vias de saturação, principalmente quando comparado com a atratividade de mercados internacionais. Oportunidades para explorar as vantagens de uma empresa na produção, no marketing, no conhecimento, na coordenação de atividades, bem como esforços de redução de custos de mão-de-obra ou de energia, por exemplo, também são mencionados com frequência (DUNNING, 1980; PORTER, 1980). Ainda, alguns autores indicam que a estratégia de internacionalização pode ter motivações estratégicas, como medida de retaliar ações prévias dos competidores nacionais ou como estratégia de posicionamento em mercados potenciais, ou na busca ativa de novas tecnologias e desenvolvimentos de P & D (MADSEN, 1998). Ao analisar o caso da Intelbras, e o desenvolvimento e inovação tecnológico investido em território chinês, a busca pela internacionalização também se dá pela demanda e necessidade de atualizações de tecnologia no mercado brasileiro. Os fornecedores que constituem a cadeia de suprimentos da empresa representam um papel importante na política de inovação e avanço tecnológico dos produtos ofertados no Brasil e nos demais países da América Latina. Segundo Carneiro (2007), as empresas podem se tornar internacionais mais cedo ou mais tarde ao longo do seu desenvolvimento, ou optar por ficarem restritas apenas a seu mercado doméstico. Uma vez internacionalizada, uma empresa pode incrementar ou reduzir suas atividades nos mercados estrangeiros com o passar do tempo. Ainda, a maneira como a internacionalização é conduzida pela organização na entrada do mercado estrangeiro também é um ponto de análise entre os estudiosos da área. As empresas podem escolher entre simplesmente seguir com o 43 processo de exportação (utilizando ou não um representante de vendas local como maneira de se estruturar no novo mercado), licenciar a tecnologia própria ou fazer uso de patentes ou uso da marca, e por fim, a possibilidade de fazer investimento estrangeiro direto – com propriedade total sobre sua subsidiária no estrangeiro ou numa joint venture15 com outra empresa, seja ela nativa ou não. 15Joint venture, também conhecida como empreendimento conjunto, é uma forma de parceria empresarial em que duas ou mais empresas independentes se unem para realizar um projeto específico ou desenvolver uma atividade comercial conjunta. Nesse tipo de acordo, as empresas compartilham recursos, conhecimentos, riscos e benefícios, mantendo sua autonomia jurídica e financeira. 44 3.2.1. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS Ao final deste trabalho, é indicado como anexo à pesquisa apresentada três entrevistas semiestruturadas realizadas com colaboradores da Intelbras, com o intuito de buscar a compreensão dos impactos da pandemia da COVID-19 nas atividades de uma empresa multinacional de tecnologia no Brasil, e entender os efeitos que a crise sanitária dos últimos anos atingiram as relações sino-brasileiras e o relacionamento com os seus fornecedores dentro de uma cadeia de suprimentos internacional. A Intelbras possui um leque de colaboradores com anos de experiência em comércio e negociação internacionais, os quais tiveram o desafio de lidar em primeira mão com as consequências da proliferação rápida do vírus, e os quais possuem um conhecimento prático e operam diariamente com o meio internacional. O primeiro entrevistado, um comprador sênior de matéria-prima que atua há cinco anos na área de suprimentos da Intelbras, inicia a sua contribuição à pesquisa ao comparar as atividades cotidianas de um comprador e seus desafios na época pré-pandêmica e nos anos da pandemia. Aspectos como estabilidade de preço com os fornecedores e demanda estabilizada de materiais são mencionados como características presentes nos anos antes da COVID-19. Ainda, poder de negociação frente a alterações cambiais, reengenharias e aumento de volume dos componentes também são citadas como mais frequentes e efetivas antes da pandemia. Como consequência da suspensão de atividades nas fábricas chinesas e a interrupção das atividades logísticas, tais atividades foram prejudicadas dentro da cadeia de suprimentos. Porém, o comprador compartilha que a empresa soube lidar bem com o decorrer da situação, considerando o lado pessoal dos colaboradores e avaliando cuidadosamente a tomada de decisão junto aos fornecedores. Osegundo entrevistado, o qual também é um comprador sênior porém de itens OEM, menciona que os maiores desafios que a empresa passou durante a pandemia da COVID-19 - além de falta de materiais e alteração de preço - foram relacionados ao processos internos da própria empresa, e como a pandemia trouxe à tona a necessidade de automatização e digitalização de procedimentos. Ainda, a impossibilidade de deslocamento até o país chinês e falta do contato presencial com 45 os fornecedores afetou o relacionamento e a dinâmica, tanto de negócios já existentes, quanto de novos. Ao entrevistar dois colaboradores brasileiros experientes, os quais atuam a anos como compradores na cadeira produtiva da empresa, é possível interpretar que os impactos que a pandemia ocasionou foram sentidos nos negócios da empresa, indicados pela grande falta de material, pelo aumento de preços de matéria prima e de itens acabados, pela imediata falta de containers nos portos chineses e pela interrupção da entrega da demanda planejada por parte das fábricas. Ainda, o relacionamento com os fornecedores foi também um ponto fortemente discutido e citado pelos colaboradores e gerência. Em análise, a parceria que a empresa construiu no decorrer dos anos com os seus fornecedores e parceiros internacionais foi essencial para diminuir - na medida do possível - os impactos da pandemia sentidos aqui no Brasil. Trocas recorrentes de informações e atualizações de novas medidas implementadas pelo governo chinês foram essenciais para a tomada de decisão por gerências e compradores da organização. O relacionamento cultivado pelos profissionais que atuam na cadeia de suprimentos da Intelbras possibilitou que a empresa recebesse informações diretas do território chinês e pudesse, então, estruturar uma melhor abordagem emergencial e ativa das suas negociações e projetos em andamento. Dessa maneira, cultivar um bom relacionamento com seus parceiros mostra-se uma prática essencial e que possibilita uma maior integração dos atores presentes no processo produtivo do portfólio da empresa. Por fim, ao entrevistar uma colaboradora chinesa, a qual atua na cadeia de suprimentos direto da China e que possui como principais atividades do dia a dia o acompanhamento próximo dos fornecedores e dos parceiros internacionais, ficou claro que o relacionamento entre a Intelbras e a sua base de fornecedores atual se fortaleceu em meio a crise sanitária. Assim, é possível apontar a vontade de ajudar vinda dos fornecedores chineses em meio ao caos que a pandemia ocasionou como fator determinante para a contenção da crise. Dentro do cenário pandêmico, todos os atores da cadeia de suprimentos foram afetados de uma maneira ou de outra, e não existem dúvidas em relação a esse fato, porém, sem a ajuda e a vontade de 46 colaborar que os parceiros internacionais da Intelbras demonstraram durante todos os meses de pandemia, é possível imaginar que os impactos da crise da COVID-19 nas relações sino-brasileiras, principalmente nas atividades da empresa, seriam ainda mais sentidos e profundos. 47 4. O IMPACTO DA PANDEMIA NAS IMPORTAÇÕES DE TECNOLOGIA NO BRASIL A demanda por conectividade está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento econômico e social de uma nação. Nesse sentido, o Brasil tem buscado acompanhar as transformações tecnológicas e promover a inclusão digital dentro do seu território. Porém, a pandemia da Covid-19 proporcionou um cenário internacional extremamente desafiador onde o sistema econômico mundial apresentou uma recessão econômica inédita, a primeira advinda de uma pandemia desse tamanho. Inclusive, grande parte dos impactos sentidos pelas empresas ao redor do mundo vieram das medidas necessárias para conter a propagação da doença, as quais geraram um efeito em comum de retração das exportações mundiais e importações por partes dos países, principalmente aqueles com fortes atividades no comércio exterior. Cabe aqui pontuar que a magnitude dessa retração dependeu da pauta de comércio internacional de cada um país e de suas economias (ICOMEX, 2020). Neste capítulo, serão analisadas duas áreas complementares e que possuíram grande influência nas atividades produtivas das empresas brasileiras durante os anos pandêmicos: o cenário logístico internacional, e a crise de semicondutores. A análise desses dois pontos se faz necessária ao passo que as atividades logísticas representam grande parte do comércio exterior e influenciam em custo e em tempo os processos produtivos de diversas corporações, tanto internacionais como nacionais, tal qual o caso da Intelbras. E, ainda, a crise de semicondutores atuou como ponto chave para entender a alta da demanda por dispositivos eletrônicos durante a pandemia da COVID-19 e a falta de materiais e de chipsets, principalmente oriundos da China. Os impactos da pandemia da COVID-19 foram extensos e atingiram inúmeras áreas das relações internacionais, tanto públicas como privadas. Seus desafios foram sentidos em diversas camadas do processo produtivo e das atividades de importações, e analisar seus efeitos é essencial para compreender o cenário do mercado de tecnologia dos últimos anos no Brasil. 48 4.1. IMPACTO DOS EFEITOS LOGÍSTICOS GLOBAIS: REFLEXÕES SOBRE O CANAL DE SUEZ E A PANDEMIA DA COVID-19 Um dos primeiros sinais mundiais da interferência do vírus vindo da China foi a escassez de contêineres vazios, já que houve um acúmulo no país e a suspensão das atividades de exportação. Como uma das consequências dentro do transporte marítimo, houve o aumento no valor do frete em mais de 100% da demanda antes da pandemia, e a constante indisponibilidade de containers na Ásia ocasionou em atrasos em diversas atividades logísticas (CHOICE LOGISTICS, 2021). Desta forma, os embarques começaram a sofrer atrasos, houveram diversos cancelamentos de embarques e adiamentos na produção chinesa. Dentre outras consequências, as relações econômicas sino-brasileiras são relevantes na medida em que permitem a importação de insumos tecnológicos para serem aplicados na indústria nacional, tal qual ocorreu em 2020, quando o Brasil importou cerca de $35 bilhões em produtos (COMEX VIS, 2021). Dentro do cenário da economia mundial, as atividades logísticas desempenham um papel crucial na forma como o comércio internacional se desenvolve. A logística global - esta que é fortemente praticada por empresas brasileiras que possuem parte de seu processo produtivo em âmbito internacional - é responsável por coordenar o fluxo e o volume eficiente de mercadorias de um país para o outro. Sua atuação garante que uma gama enorme de produtos cheguem aos seus mercados de destino e atenda às necessidades de cada população. Em um mundo intrinsecamente conectado, as atividades logísticas têm o poder de moldar o comércio exterior dentro dos padrões e expectativas necessárias, como também possuem enorme influência nas atividades empresariais e fabris, podendo afetar positivamente um processo produtivo ou podendo afetar negativamente, como foi a realidade da pandemia da COVID-19. Assim, uma rede logística bem estruturada e eficiente apresenta-se como quesito fundamental para facilitar o comércio entre países. Quando os processos de logística são otimizados, os bens de consumo podem ser transportados de forma rápida e econômica, permitindo que as empresas alcancem seus clientes em todo o mundo e possibilita a ampliação de seus mercados. Por outro lado, a ocorrência de gargalos ou ineficiências logísticas podem 49 resultar em atrasos de entregas, custos adicionais no preço final do produto ou no processo produtivo, e até mesmo perdas financeiras para as empresas envolvidas. A interdependência econômica entre as nações no mundo atualmente provoca a análise das relações comerciais e políticas regidas pelos países como forma de interpretar suas interações e seus posicionamentos, tanto econômicos como sociais, em um âmbito internacional extremamente globalizado.
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