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TCC - Quem constrói a cidade_ Arquitetura do Capital e a Produção do Espaço Urbano

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Quem constrói a cidade?
Arquitetura do Capital e a Produção do Espaço Urbano
Universidade Federal de Santa Catarina
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Graduando: Marco Aurélio Schmitt da Silva
Orientador: Prof. Dr. Paolo Colosso
Florianópolis, 2022
Quem constrói a cidade?
Arquitetura do Capital e a Produção do Espaço Urbano
Universidade Federal de Santa Catarina
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Graduando: Marco Aurélio Schmitt da Silva
Orientador: Prof. Dr. Paolo Colosso
Florianópolis, 2022
1
Marco Aurélio Schmitt da Silva
Quem constrói a cidade?
Arquitetura do Capital e a
Produção do Espaço Urbano
Trabalho de Conclusão de Curso
Universidade Federal de Santa Catarina
Departamento de Arquitetura e Urbanismo - Centro Tecnológico
Orientador: Prof. Dr. Paolo Colosso
Florianópolis
2022
2
3
Nome: Marco Aurélio Schmitt da Silva
Título: Quem constrói a cidade? Arquitetura do Capital e a Produção do Espaço
Urbano
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de
Arquiteto e Urbanista
Aprovado em:
Banca examinadora:
1º Membro
Prof. Dr:
2º Membro
Prof. Dr:
3º Membro externo
Prof. Dr:
4
5
Aos meus pais
Aos meus ancestrais
Ao meu presente
6
7
Agradecimentos
sobre a mesa
vaga-lume perdido
sempre aceso
“Outro silêncio”, Alice Ruiz S, 2015
Primeiramente, antes de tudo e depois de tudo, agradeço aos meus pais,
Raulmi e Elita, pela educação e pelo carinho, pela escuta aberta, pelo conforto,
chão, casa e olhar atento ao mundo. Obrigado pela constante, pelo amor que
floresce mais a cada dia que nasce e que o sol aparece. Obrigado por tornar esse
sonho em realidade possível, e, principalmente, de ser transformado. Aos meus
irmãos tão lindos, tão únicos! Ao Julio Cezar, à Maria Julia - minha gêmea -, à
Cristiane, ao Everson e Danilo. Obrigado pelo abraço-casa.
Aos meus avós Oscar (in memorian) e Clarinha, Sobilino e Maria Antônia (in
memorian).Agradeço aos meus tios e tias - que são muitos - que foram e são
fundamentais na minha educação e na minha compreensão de mundo. Em
especial à minha madrinha Jacinta, à tia Eliane, tia Lúcia, e Zélia. À Cláudia e Jeff.
Agradeço ao tempo vivido e pelas conversas de arquitetura e para além
dela, ao amor em forma de graça, à minha querida prima, arquiteta e urbanista
Ana Clara (in memorian), este trabalho também é teu.
À Pietra, que borda o meu coração de diversas formas, que acrescenta com
a linha o tempo da nossa própria trama, a nossa textura diária. Amor, artista rima
com antipunitivista e eu sei que não sou louco por acreditar na arte que precisa a
vida. Obrigado por ouvir inúmeras vezes sobre as descobertas feitas ao longo
desse TCC. Eu, você, nós dois, aqui neste terraço à beira-mar… Eu que agradeço
por tanto.
Meus mais sinceros agradecimentos à família Lima e Inácio, ao Pedro e à
Patrícia, vó Cleusa e vô Luiz, por me acolherem com tanto carinho em seu lar e ao
Pedro Henrique, que trouxe o futebol de volta ao meu cotidiano.
Dedico esse trabalho aos meus amigos de vida. Agradeço pelas escutas e
pelo abraço ao longo desse período de formação acadêmica, subjetiva, amorosa.
Ao Léo e ao Gui, amigos desde sempre e de todas as horas. À Manuella, Maria
Clara e Jéssika, amigas e primas do meu coração com quem pude e posso
8
compartilhar tanto em todos os momentos. Ao Gab Carvalho, pelas trocas e pela
atenção durante esse trabalho de conclusão de curso. Ao Muka, dudu e ao meu
querido amigo Thiago Floriani, pelos momentos de violão e conversas sonoras. Ao
Felipe Besen e à Chris, Guga Luft e Gi, João Coelho e May, à Gabriela Consolaro e a
todos que estiveram comigo ao longo desse tempo, seja na JUFRA ou EMAÚS.
Amo vocês meux quiridux.
Agradeço à Universidade Pública brasileira, gratuita e de qualidade e
também a todos que estão diariamente na labuta lutando pela sua manutenção
e, principalmente, para o acesso ainda mais amplo à todos que têm o direito à
uma educação de qualidade. Ao meu professor e orientador Paolo Colosso, pela
orientação, pelas trocas, conversas e aulas ao longo desse período. Ao Artur Hugo
da Rosa (meu velho) e Susan Oliveira (su), meus amigos quase irmãos que me
acompanharam desde o primeiro dia de curso, que estão sempre juntos de mim.
À Sofia, Laura e Beloni. Meu obrigado e abraço forte em vocês.
Ao Laboratório de Urbanismo (LABURB), ao professor Sérgio Moraes, Soraya
Nór e demais colegas de curso, com quem pude aprender e trabalhar junto. No
âmbito do urbanismo, estendo minha admiração ao Samuel Steiner, Adriana
Rossetto, Renato Saboya e tantos outros professores com os quais aprendi. À
todos os servidores técnicos e administrativos da UFSC e ao Marco e à Karina da
Unicopy.
Ao Laboratório de Projeto (LABPROJ) onde tive tantos momentos felizes e
especiais. Minha admiração e gratidão ao professor Américo Ishida, com quem
tive tantas trocas de saberes arquitetônicos, poéticos e culturais, e que tornava o
dia mais leve de acordo com o humor e com as piadas. Estendo o carinho e
admiração aos professores Ricardo Socas e Fábio Mosaner, os quais foram
fundamentais no ensino projetual, tectônico, social e cultural. E se antes eu
agradeci e invoquei à Universidade Pública, o Labproj busca atualizar isso,
principalmente pelo olhar atento aos povos indígenas do território brasileiro e,
através do projeto da Moradia Estudantil Indígena (MEI) do qual tenho orgulho
em ter participado em conjunto de uma equipe de amigos e professores tão
potentes.
À equipe labproj e “agregados” como também já fui e, em especial, aos
meus amigos e amigas queridas que tanto me apoiaram e construíram ao longo
desses 7 anos, a concretude de laços especiais. À (lice) Veiga, (bá) Bárbara Amaral,
(neiva) Raquel, (isa) Isadora N., Thiago, Thayse, Ana Colle, (Piva, Lunardi e Sala)
9
Gabriel, Roland, Miguel, (Lela) Letícia, Milena, Gui, (os giuliano, vg e dodoia) Victor 
e Isadora, às Julia’s Hoffmann, Copat e Wilke. Aos Math’s (Alano e Gargioni), Gui e 
André. Vocês são incríveis, o mundo é de vocês e minha estima também.
Às trocas e conhecimentos na semanarq, nos tccs, no CALA (Centro 
Acadêmico Livre de Arquitetura), no AMA (Ateliê Modelo de Arquitetura), na 
escadaria da arq ou no pavilhinho, à todos os dinos e aos favoritos. À Ju becker e 
Nath Marcello, ao Ravi e Luã Olsen, à Taiaçuíra, Débora Esther, Jazmin, ao (Thor) 
André, Will, VG e Tiago Escher, à Mili, voa raça.
Ao Laboratório de Sistemas Construtivos (LABSISCO), especialmente à 
professora Leticia Mattana, a qual aprendi tanto nas aulas de TEC IV e pude 
também colocar em prática nesses últimos semestres os aprendizados dentro do 
laboratório, no trabalho de discriminação orçamentária, etc. Obrigado. Agradeço 
aos lugares que pude estagiar e aprender, com Isabella Dalfovo em Cascavel e 
Felipe Savassi aqui em Florianópolis. Estendo o agradecimento também ao Gab 
(George) e Fellipy (Pipo), amigos que trabalhei em conjunto e tanto aprendi.
Aos meus professores da UFSC e maestros de la UNT (Universidad Nacional 
de Tucumán), y mis estimados amigos - piolas - que estuvieron conmigo durante 
mi intercambio en Argentina, y me agregaron tantos momentos únicos en mi 
vida. Mis hermanos Oscar y Joaquín, Diego, Fede, Rafa S. y Joaco, Conti y Milagro, 
Constanza, à mes frères Alice, Solène, Vincent, Jullien, Audrey, Elisa, Mathilde et 
Justine.
Meus agradecimentos a professora Marina Toneli Siqueira, pelas incríveis 
aulas de Teoria Urbana e debates em sala de aula. Ao Lino, professor que tanto 
admirei desde o início do curso, pela sabedoria, pelo debate político sobre a 
cidade, através do cotidiano das aulas e dos percursos pela cidade. Agradeço 
também ao prof. Vitor Tonin, com quem tanto aprendi em debates acerca da 
produção da cidade e do capitalismo dependente nesses últimos dois anos.
Por último, quero dedicar esse trabalho à toda comunidade, à arqufsc e 
aos amigos que fazemparte e que constroem o grupo Campo, Cidade e 
Revolução (CCR), Grupo interdisciplinar de formação política que discute 
questões acerca da produção sócio espacial no capitalismo, do qual faço parte e 
que tornaram possível aprofundar em temas necessários - e às vezes esquecidos 
ou “apagados” - e debatê-los na atualidade. Aos camaradas Jorge, Cora, Diego, 
Julia E., Gessica, Marlon, Maicon e outros inúmeros país afora que visam à glória, à 
transformação, à Revolução!
10
11
RESUMO
O presente trabalho investiga aspectos centrais da ideologia dominante na
arquitetura, que perpassam tanto o desenho quanto o canteiro de obras,
abordando elementos acerca da espoliação e superexploração dos sujeitos
diretamente envolvidos no trabalho braçal da construção. Para tal, foi realizada
uma revisão bibliográfica sobre o tema a partir dos escritos de Karl Marx (1867),
Henri Lefebvre ([1974] 2000; [1968] 2008), Sérgio Ferro ([1976] 2006), bem como
demais autores e autoras inseridos no campo da Teoria Marxista da Dependência
e da Perspectiva Racial que se destacam aqui como marco teórico escolhido.
Nesse sentido, o objetivo geral do trabalho é identificar o papel dos atores
urbanos na construção da arquitetura e da cidade como obra e o papel dos
autores hegemônicos através do seu planejamento como mercadoria e
apropriação privada. A hipótese inicial, confirmada ao final do trabalho, é que o
processo produtivo de arquitetura na sociedade capitalista cumpre uma função
específica para a reprodução do capital através da ideologia imposta pelo sistema
com o objetivo de encobrir as relações sociais e as contradições entre as classes.
Palavras-chave: ideologia na arquitetura; processo de espoliação a partir do
canteiro de obras; papel dos atores urbanos na construção da cidade.
12
RESUMEN
El presente trabajo investiga aspectos centrales de la ideología dominante en la
arquitectura, que permean tanto el diseño como el sitio de construcción,
abordando elementos sobre el despojo y la sobreexplotación de los sujetos
directamente involucrados en el trabajo duro de la construcción. Para ello, se
realizó una revisión bibliográfica sobre el tema a partir de los escritos de Karl Marx
(1867), Henri Lefebvre ([1974] 2000; [1968] 2008), Sérgio Ferro ([1976] 2006), así
como de otros autores y autoras insertos en el campo de la Teoría Marxista de la
Dependencia y la Perspectiva Racial que se destacan aquí como marco teórico
escogido. En este sentido, el objetivo general del trabajo es identificar el papel de
los actores urbanos en la construcción de la arquitectura y la ciudad como obra y
el papel de los autores hegemónicos a través de su planificación como mercancía
y apropiación privada. La hipótesis inicial, confirmada al final del trabajo, es que el
proceso productivo de arquitectura en la sociedad capitalista cumple una función
específica para la reproducción del capital a través de la ideología impuesta por el
sistema con el objetivo de encubrir las relaciones sociales y las contradicciones
entre las clases.
Palabras-clave: ideología en la arquitectura; proceso de expoliación a partir del
sitio de construcción; papel de los actores urbanos en la construcción de la
ciudad.
13
Abstract
This paper studies central aspects of dominant ideology in architecture and
urbanism, that pervade the drawing but also the construction site, approaching
elements about the spoliation and super-exploitation of the subjects directly
involved in the manual work of the construction. To accomplish that, a literature
review was carried out from Karl Marx’s, Henri Lefevbre’s and Sergio Ferro’s texts,
and also from other authors of Marxist Dependency Theory. In this sense, the
general objective of the work is to identify the role of urban actors in the
construction of architecture as a work and the role of hegemonic authors through
their planning as a commodity and private appropriation. The initial hypothesis,
confirmed at the end of the work, is that the productive process of architecture in
capitalist society fulfills a specific function for the reproduction of capital through
the ideology imposed by the system in order to cover up social relations and
contradictions between classes.
Keywords: ideology in architecture; spoliation process from the construction site;
role of urban actors in the construction of the city.
14
As tentativas de substituir a dinâmica do processo coletivo
pela deambulação do contemplador em volta ou no interior da obra,
como sugerem Bruno Zevi ou Pierre Sansot, na realidade substituem a
hermenêutica da produção pela fenomenologia do acabado.
Sérgio Ferro, “Construção do desenho clássico”, 2021
(FERRO, 2021, p.140)
15
16
Lista de figuras, tabelas e gráficos
Capa - Operários do canteiro autogerido - Usina CTAH
Figura 01 Operários, Tarsila do Amaral (1933)………………………………………………………………………..32
Figura 02 Tabela população brasileira (SANTOS, 1993).............................................................105
Figura 03 Urbanização favela Macaúba - Usina CTAH (1995)………………………………………..114
Figura 04 Urbanização favela Macaúba - Usina CTAH (1995)………………………………………..114
17
SUMÁRIO
Prólogo…………………………………………………………………………………………………………………………………………………..21
Marco histórico e teórico……………………………………………………………………………………………..………………...24
Objeto…………………………………………………………………………………………………………………………………………………….25
Motivação……………………………………………………………………………………………………………………………………………..25
Justificativa………………………………………………………………………………………………………………………………………….26
Hipótese………………………………………………………………………………………………………………………………………………..27
Objetivo Geral……………………………………………………………………………………………………………………………………..27
Objetivo Específico…………………………………………………………………………………………………………………………..28
Metodologia………………………………………………………………………………………………………………………………………..28
Parte 1 Ideologia à produção………………………………………………………………………………………………….…30
Capítulo 1 Introdução……………………………………………………………………………………………………………………..32
1.1 A ideologia na arquitetura……………………………………………………………………………………………………….37
1.2 A produção do espaço……………………………………………………………………………………………………………..48
1.2.1 A arquitetura como suporte material, social ou capital?…………………………..49
1.2.2 A coisificação do espaço social, diferentes práticas espaciais….………………51
Parte 2: Quem constrói a cidade?..........................................................................................................63
Capítulo 2 Arquitetura do Capital……………………………………………………………………………………………..65
2.1 O desenho (para a produção)..……………………………………………………………………………………………..69
2.2 O canteiro (expressão e mais-valor)…………………………………………………………………………………..88
2.2.1 Revestimento e trabalho transubstanciado………………………………….……………….95
Parte 3: Quem se apropria da cidade?……………………………………………………..………………………...102
Capítulo 3 A autoconstrução e dependência………………………………………………………………….…104
3.1 A questão demográfica…………………………………………………………………………..………………..104
3.2 A cidade capitalista e a terra urbana………………………………………………………………....108
3.2.1 A questão da dependência nesse espectro……………………………………..112
3.3 A autoconstrução……………………………..………………………………………………………………………...114
3.3.1 O papel da ideologia burguesa neste sentido……………………………...…115
3.4 Alguns pontos sobre o Déficit Habitacional no Brasil………………………………….116
3.4.1 Segregação urbana…………………………………………………………………………………...119
3.4.2 Espoliação urbana……………………………………………………………………………………..121
18
Conclusão………………………………………………………………………………………………………………………………………….126
4. Anexos……………………………………………………………………………………………………………………………………………130
5. Bibliografia………………………………………………………………………………………………………………….……………….175
Publicações………………………………………………………………………………………………………………………….175
19
20
PRÓLOGO
“Que representa a arquitetura na experiência da maioria dos homens? Em meus
passeios nunca encontrei um sujeito empenhado na ocupação simples e natural
de construir sua casa. Pertencemos à comunidade. Não é só o alfaiate que
representa a nona parte do homem; pode-se dizer isso do pregador, do
comerciante e do agricultor. Onde acabaráa divisão do trabalho? E a serviço de
que objetivo está, afinal? Não resta dúvida de que outra pessoa pode também
pensar por mim, mas nem por isso é desejável que o faça, impedindo-me de
pensar por mim mesmo.
É certo que há neste país os que se denominam arquitetos. Ouvi até falar
de um dominado pela idéia de fazer com que os ornamentos arquitetônicos
tenham um âmago de verdade, de necessidade e conseqüentemente de beleza,
como se se tratasse de uma revelação para ele. Tudo de acordo talvez com seu
ponto de vista, mas apenas um pouquinho acima do diletantismo comum.
Reformador sentimental em matéria de arquitetura, começou pela cornija em
vez dos alicerces. A questão era simplesmente a de colocar uma substância de
verdade nos ornamentos, como os bons confeitos que devem levar uma amêndoa
ou cariz — embora eu seja de opinião que as amêndoas sem açúcar são mais
saudáveis — e não de como o habitante ou morador deva verdadeiramente
construir por dentro e por fora, deixando os ornamentos à vontade. Que pessoa
de bom senso terá pensado algum dia que os ornamentos não passam de algo
externo e à flor da pele que o casco rajado da tartaruga, ou o madreperolado do
molusco se deva a um contrato como o dos moradores da Broadway com a sua
Igreja da Trindade? Não cabe ao homem fazer algo com o estilo arquitetônico de
sua casa, como não cabe à tartaruga com o de sua carapaça, nem o soldado
precisa ser tão desocupado a ponto de pintar na bandeira a cor exata de sua
virtude. O inimigo há de descobri-la. Na hora do julgamento pode até
empalidecer. Para mim esse arquiteto apóia-se na cornija e sussurra
timidamente suas meias verdades para os rudes moradores que na realidade
sabem muito mais que ele. O que vejo hoje em dia de beleza arquitetônica, sei
que se desenvolveu gradualmente de dentro para fora, brotando das
necessidades e do caráter do ocupante, o único construtor — como fruto de
21
nobreza e verdade inconscientes, sem a menor preocupação com a aparência; e
qualquer beleza adicional desse tipo que venha a ser produzida, decorrerá
igualmente de uma beleza de vida espontânea. Neste país, como bem sabe o
pintor, as moradias mais interessantes são as mais despretensiosas: em geral as
humildes cabanas de troncos e os chalés dos pobres; é a vida de quem as
habita que torna as casas, como as conchas, tão pitorescas, e não alguma
peculiaridade de superfície. A moradia do cidadão suburbano será igualmente
interessante quando sua vida se tornar tão simples quanto agradável à
imaginação, e for mínimo o esforço para causar efeito em seu estilo.”
Henry David Thoreau,
“Walden” ou “A vida nos bosques” (THOREAU, [1854] 2018, p.19-20).
22
23
Marco histórico e marco teórico
24
Objeto
A ideologia na arquitetura do desenho ao canteiro de obras na produção e
manutenção capitalista do espaço.
Motivação
As cidades. Morei em algumas cidades. Até os meus dezoito anos, em Nova
Aurora e Cascavel no Paraná. Vivi, entre outros olhares, saberes, outras técnicas e
paisagens, em Florianópolis e San Miguel de Tucumán na Argentina - meu
intercâmbio. Vivi e morei também de diversas formas, seja por livros, por músicas,
por filmes, viajando e ouvindo histórias e memórias.
Pelos diversos contextos dos lugares, contendo suas pluralidades, riquezas
e belezas, a cidade mostrou sua face, mas também a sua máscara, me confundiu.
Sobretudo porque em alguns lugares se concentra mais qualidade de vida que
em outros. Principalmente pelos fatos diariamente manifestados nos centros e
nas periferias, sobre a miséria de algumas formas de viver e de morar de outras
pessoas. Dentre a arquitetura, urbanismo e suas diversidades, há adversidades do
planejamento urbano, há falta. Foi a forma de uso e apropriação privada da terra e
a exploração e espoliação dos trabalhadores que me preocupou. A arquitetura e o
urbanismo também podem fugir da estética, do plano e do planejamento. Às
vezes ela crua, às vezes ele é falho! Nesse contexto, são as formas nas quais se
travestem as estratégias visando o falso “acesso, direito, liberdade, igualdade e
qualidade à todos”, discursos político-econômicos e institucionais “embebidos” do
Mercado que me incomodam.
Uma questão foi ficando ainda mais perceptível, mais tátil, mais nua: por
que quem constrói a cidade não tem os mesmos acessos e direitos a usufruir do
espaço urbano de qualidade? Por que quem constrói a cidade não é considerado
em seu planejamento? Por que quem constrói a cidade não se apropria dela? - e
sim, sempre há excessões. Por consequência disso, esse trabalho de arquitetura
tem o intuito de envolver amplos campos de pesquisa, os quais serão
direcionados pelo materialismo histórico, pela sociologia urbana e pela
perspectiva do negro brasileiro. Para compreender as relações entre a produção e
apropriação capitalista do espaço - para além da profissão do arquiteto e
urbanista -, fundamentalmente pela dimensão política [e econômica] que todo
mundo esquece (ARTIGAS;FERRO).
25
Justificativa
Dentro do campo de estudo da arquitetura e do urbanismo, aprendemos a
ler a cidade e a construção dela desde períodos históricos até os dias atuais. São
materiais e informações que tratam das técnicas, das belezas e dos gostos. Que
passam pelo período gótico, renascimento, barroco, rococó, ecletico, brutalista,
etc. São definições já estruturadas pelo CIAM (Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna) na Carta de Atenas, até ao que sugerem os planos diretores
das cidades. Contudo, quem é que constrói a cidade? Quem constrói essa
arquitetura?
Muitas vezes, dentro da academia ou fora dela, as cidades são tratadas
como se fossem sujeito da ação, logo, acabam não sendo analisadas como obra
social, pelo panorama concreto do cidadão que a constrói. Talvez seja aí que se
perde o fio no qual conduz o ser social, isto é, a questão ontológica e histórica que
envolve o pensamento, a ação e a realidade, de como o espaço é percebido,
concebido e vivido. Se há ausência do principal sujeito que constrói a cidade é
para que os motivos, meios e fins econômicos que estão por trás disso sejam
ocultados. Tudo isso envolve as relações de trabalho e as relações sociais.
O arquiteto e urbanista produz a cidade como qualquer outro cidadão,
porém, a apropriação da sua arquitetura e do valor gerado por ela atende
“diretamente” apenas uma classe. As fragmentações que ocorrem pelo processo
produtivo do objeto arquitetônico até a sua apropriação final, são necessárias para
26
a manutenção de classe e para a acumulação de capital1. Isso implica diretamente
no acesso à terra urbanizada, na habitação, etc. Isto posto, a nossa atuação não
pode estar isenta do contexto das contradições e necessidades sociais que
envolvem a sua prática, só assim poderemos fazer as perguntas certas, debater a
situação do nosso campo e do nosso tempo para encontrar as verdadeiras
soluções - ou saídas.
Hipótese
A hipótese é que o processo produtivo de arquitetura na sociedade
capitalista cumpre uma função específica para a reprodução do capital, tendo
através da ideologia imposta pelo sistema o objetivo de encobrir as relações
sociais e as contradições entre as classes.
Objetivo Geral
O presente trabalho procura fazer uma análise crítica da produção e
manutenção da arquitetura e da cidade. Busca-se investigar a ideologia
dominante na arquitetura - e em parte no urbanismo -, em relação a sua
produção social e espacial desde o desenho ao canteiro de obras, através da ótica
marxista e de uma revisão bibliográfica.
1 “O “capital em geral” é, segundo Marx, a “quintessência do capital”, aquilo que identifica o
capital enquanto capital em qualquer circunstância. No Livro I, trata-se do capital em sua
relação direta de exploração da força de trabalho assalariada. Por isso mesmo, o locus
preferencial é a fábrica e o tema principal é o processo de criação e acumulação da
mais-valia. A modalidade exponencial do capital é o capital industrial, pois somente ele
atuano processo de criação da mais-valia. No Livro II, trata-se da circulação e da
reprodução do capital social total. O capital é sempre plural, múltiplo, mas circula e se
reproduz como se fosse um só capital social de acordo com exigências que se impõem
em meio a inumeráveis flutuações e que dão ao movimento geral do capital uma forma
cíclica. No Livro III, os capitais se diferenciam, se individualizam, e o movimento global é
enfocado sob o aspecto da concorrência entre os capitais individuais. Por isso mesmo, é a
essa altura que se aborda o tema da formação da taxa média ou geral do lucro e da
transformação do valor em preço de produção. De acordo com as funções específicas que
desempenham no circuito total da economia capitalista – na produção, na circulação e no
crédito –, os capitais individuais apropriam-se de formas distintas de mais-valia: lucro
industrial, lucro comercial, juros, cabendo à propriedade territorial a renda da terra,
também ela uma forma particular da mais-valia. A lei dinâmica direcionadora desse
embate concorrencial entre os capitais individuais pela apropriação da mais-valia é a lei
da queda tendencial da taxa média de lucro.” (Marx, 2011, p.36-37. Grifo acrescido).
27
Assim, procura-se identificar o papel dos atores urbanos na construção da
arquitetura e da cidade como obra e o papel dos autores hegemônicos através do
seu planejamento como mercadoria e apropriação privada. Atento às formas de
construção do objeto arquitetônico no canteiro por uma classe e da sua
apropriação privada por outra, a pesquisa busca levantar uma série de tópicos
sobre a produção e perpetuação da cidade capitalista.
Objetivos Específicos
Em suma, o objetivo é compreender a exploração do trabalhador na
produção da cidade e a sua exclusão através da apropriação privada dessa por
meio da 1. Análise das questões que envolvem a ideologia na arquitetura e o
espaço para a produção no capitalismo; 2. Análise da produção arquitetônica do
desenho até a produção pelo trabalhador no canteiro de obras; 3. Análise pela
superexploração do trabalhador no Brasil como país capitalista periférico,
subdesenvolvido ou dependente, e o reflexo disso na reprodução da cidade
formal e informal na produção capitalista do espaço.
Metodologia
O trabalho será feito através de uma revisão crítica e bibliográfica a partir
de marcos teóricos do campo do marxismo e da teoria marxista da dependência.
Obs: A metodologia inicial tinha como intuito compreender a construção e
produção da cidade principalmente de uma forma um pouco mais ampla,
relacionando as questões da dependência, da perspectiva racial, da habitação e
políticas urbanas. Contudo, a parte principal deste trabalho foi desenvolvida
focando na produção mais imediata da cidade e da construção, isto é, no desenho
e canteiro de obras. Entretanto, as outras questões também já trabalhadas se
encontram na parte anexo.
28
29
PARTE 1 Ideologia à produção
30
31
Capítulo 1 Introdução
Esses milhares de indivíduos, de todos os lugares e de todas as
classes, que se apressam e se empurram, não serão todos eles seres
humanos com as mesmas qualidades e capacidades e com o
mesmo desejo de serem felizes? E não deverão todos eles, enfim,
procurar a felicidade pelos mesmos caminhos e com os mesmos
meios?
Friedrich Engels, “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra"
(ENGELS, 2008, p.68)2.
Figura 01: “Operários”, Tarsila do Amaral - 1933.
2 Esse texto foi originalmente escrito em 1845 destacando a questão da revolução
industrial como elemento central para a compreensão do controle da produção de
mercadorias realizado pelo capital, e vinculada aos efeitos na questão social, e à supressão
do padrão societário representado pela propriedade privada dos meios de produção
(Boitempo, 2021).
32
Na escola de arquitetura
aprendemos
sobre materialidade, sobre história, sobre técnicas
observamos
a natureza, o caminho do vento, desenhamos [de observação]
alguns traços, um croqui, harmonia das formas, de ideias
esquadros, escalímetro, manteiga, nanquim,
cores, setas, massas de vegetação, paisagismo;
ornamentos, hachura, reboco, revestimentos,
gosto, luxo, contra-gosto, kitsch
história de novo, a-história do povo
política, plano diretor, o que é direito à cidade?
zeis, o que é zeis mesmo? porque há zeis?
visitas a campo, [cisão], percurso na cidade, vida urbana
urbanismo, mapas
olhamos de cima, em suma maioria
projetamos, concebemos
à cidade, na cidade, com a cidade também?
entre fragmentos, parcelas, lotes,
desenhos, inúmeras pranchas
plantas, cortes, vistas, detalhes, para quê? para quem?
faz parte do jogo, calculistas, há tensões
empregamos à um contexto
(quem produz?)
no canteiro se ergue
uma fiada, um espaço
contraverga, verga e meia verdade
desmistificando pela materialidade
o que seria a arte.
a arquitetura desvanece
Outono, 2022
M.S.
33
Pensar a cidade é buscar compreendê-la em aspectos sociais, culturais,
arquitetônicos, urbanísticos, políticos e econômicos, mas principalmente é buscar
analisá-la a partir das características intrínsecas em seu meio, relativo aos modos
de produção. O campo precede a cidade, todavia essa não precede à arquitetura.
Contudo, para entendermos melhor a fase atual da sua produção social e
espacial, é imperioso olharmos o contexto atual no qual se insere a arquitetura no
Brasil, visto que 84% da sua população é urbana, mas somente 7% têm podem
contar com o trabalho de um arquiteto e urbanista. No entanto, a parte da
população que não tem acesso a esse está inserida ao mesmo tempo dentro do
seu modo de produção, tanto pela cidade como pela arquitetura. Seja por meio
dos objetos arquitetônicos e materiais que compreendem a utilização da
arquitetura como meio para a produção de mercadorias e extração do excedente
pela exploração no trabalho, seja na construção civil, no desenho, no canteiro de
obras voltado para a iniciativa privada ou pelo permanente canteiro exposto pela
autoconstrução.3
Nossa investigação começa, em razão disso, buscando analisar os pretextos
conceituais e os preceitos dominantes por trás da produção da arquitetura - e do
urbanismo - numa escala um pouco mais ampla. A arquitetura é um objeto de
classe? Se ela é, uma classe constrói e outra se apropria, certo? Quem a constrói?
Como ela é inserida no contexto político-econômico e social capitalista?
À vista disso, o trabalho se estenderá investigando aspectos centrais da
ideologia dominante na arquitetura, que perpassam tanto o desenho quanto o
canteiro de obras4, abordando elementos acerca da espoliação e superexploração
dos sujeitos diretamente envolvidos no trabalho braçal da construção. Em vista
disso, o trabalho busca reconstituir uma série de elementos da produção
arquitetônica e do espaço urbano no sistema capitalista, partindo de uma revisão
crítica e bibliográfica do tema a partir da Teoria Marxista, da Teoria Marxista da
Dependência (TMD) e também da perspectiva racial.
Dessa forma, incorporando como método de análise o materialismo
histórico para o entendimento da realidade social e espacial, procuraremos
4 A observação sobre dar um foco maior no trabalho a partir da produção mais imediata
da arquitetura me foi sugerida pela Profa. Marina Toneli Siqueira na pré-banca (“banca de
qualificação”), sou grato.
3 Não é o objetivo do trabalho investigar as questões do canteiro autogerido. Não que não
seja importante, mas talvez num outro momento. Todavia, as imagens falarão por si.
34
identificar o papel dos atores urbanos na construção da cidade como obra e o
papel dos autores hegemônicos através do seu planejamento como mercadoria5
e apropriação privada. A hipótese inicial é que o processo produtivo em que se
realiza arquitetura na sociedade capitalista cumpre uma função específica para a
reprodução do capital através da ideologia imposta pelo sistema com o objetivo
de encobrir as relações sociais e as contradições entre as classes.
Trata-se, além de analisar a produçãoda cidade através da ideologia
dominante e “verificar as condições em que se trava a luta de classes na história
da construção” (FERRO, 2021, p.21), buscar compreender e dar maior visibilidade
também ao contexto atual da produção arquitetônica no Brasil, como país
capitalista periférico (PCP) ou na posição de país dependente6. Atento às formas
de construção do objeto arquitetônico no canteiro por uma classe e da sua
apropriação privada por outra, a pesquisa busca levantar uma série de tópicos
sobre a produção e manutenção da cidade capitalista.
Iniciaremos, na “Parte 1", investigando alguns dos aspectos do modo
dominante no sistema capitalista de produção até a concepção da arquitetura
dentro do mesmo. Este, tem como foco, explorar a ideologia dominante e os
6 Segundo Ruy Mauro MARINI (1973) em “Dialética da Dependência”, a revolução
industrial correspondeu, ao mesmo tempo, a independência política na América Latina no
início do século 19, gerando “com base na estrutura demográfica e administrativa
construída durante a Colônia, um conjunto de países que passam a girar em torno da
Inglaterra” (MARINI, p.8). [...] É a partir desse momento que as relações da América Latina
com os centros capitalistas europeus se inserem em uma estrutura definida: a divisão
internacional do trabalho, que determinará o sentido do desenvolvimento posterior da
região. Em outros termos, é a partir de então que se configura a dependência, entendida
como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo
marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas
para assegurar a reprodução ampliada da dependência. A consequência da dependência
não pode ser, portanto, nada mais do que maior dependência, e sua superação supõe
necessariamente a supressão das relações de produção nela envolvida.” (MARINI, 1973,
p.8-9. Grifo acrescido). André Gunder FRANK (1966) descreve isso como o
“desenvolvimento do subdesenvolvimento”. FRANK (1966, p.2) destaca que “o
subdesenvolvimento contemporâneo é em grande medida o produto histórico de
relações econômicas, e de outros tipos, passadas e atuais, que o país satélite
subdesenvolvido manteve e mantém com os países metropolitanos hoje desenvolvidos.
Além disso, essas relações são uma parte essencial da estrutura e do desenvolvimento
do sistema capitalista em sua totalidade à escala global”.
5 Segundo Marx: “A riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista
aparece como uma “enorme coleção de mercadorias”, e a mercadoria individual como sua
forma elementar.” (Marx, 2011, p.64).
35
efeitos desta na formação de uma ideologia à arquitetura. Buscaremos, a partir
disso, entender o conjunto de ideias - teóricas e materiais - na arquitetura e seus
reflexos na produção do espaço urbano. Nesse sentido, todas essas premissas
serão articuladas de acordo com a estrutura de classes e o papel que essas
cumprem na produção arquitetônica, ou seja, na produção ou apropriação do
objeto como tal.
É válido salientar as diversas visões incorporadas nesse campo, tendo o
objeto arquitetônico sido tratado como arte. Essas, determinadas através de
propagandas, pelas revistas, páginas de arquitetura ou pelos sites de escritórios -
ou seja, dentro da profissão como um todo - traduz-se especialmente no externo
da produção e mercadoria, na materialidade que nada diz sobre a sua concepção,
tema o qual é muito bem analisado e investigado por Isadora GUERREIRO (2010).
Segundo a autora:
O campo próprio da arquitetura, em grande parte das vezes, faz
escolhas frente às diversas faces apresentadas por ela: na maioria
dos casos (visão dominante nas principais revistas internacionais),
ela é tratada como arte, e nesta revelando-se a conformação
específica de determinados materiais e tecnologia. Pouco se
discute a respeito do seu uso e quase nada a respeito de seu
caráter de mercadoria, fruto do processo de produção.
(GUERREIRO, 2010 , p.23. Grifo acrescido)
Começaremos, na “Parte 2”, analisando o principal objeto desse estudo, o
qual se destina às formas concretas da materialização da arquitetura, desde o
desenho ao canteiro de obras. Entretanto, para se compreender a construção da
mesma nesse sistema, foi imperioso, primeiramente, adentrar no desenho de
arquitetura como obra antes da posição de mercadoria, para somente depois
estar relacionada a outros processos produtivos.
Na “Parte 3”, buscaremos expor a produção da arquitetura como
permanente canteiro de obras, isto é, através da autoconstrução. Neste quadro,
avaliaremos também as relações sociais e de trabalho - promovidas também por
essa - dentro do contexto da dependência. É nesse ponto que examinamos a
superexploração7 da força de trabalho, refletindo na exclusão social e espacial da
7 Segundo Marini: “Entende-se que, [...] a atividade produtiva baseia-se sobretudo no uso
extensivo e intensivo da força de trabalho: isso permite baixar a composição-valor do
capital, o que, aliado à intensificação do grau de exploração do trabalho, faz com que se
elevem simultaneamente as taxas de mais-valia e de lucro. [...] a característica essencial
36
cidade formal. Nos tópicos compreendidos nessa parte, exploramos os efeitos
socioespaciais na cidade capitalista dependente, através da segregação e da
espoliação urbana. O quarto capítulo se estenderá pela perspectiva do corpo
negro, como principal ator urbano explorado, espoliado e sem direitos à cidade
dentro da produção capitalista.
1.1 A ideologia8 na arquitetura
A arquitetura existente no mundo é um fator concreto - muito antes de a
denominarmos com esse nome. Seja através da natureza observada e, por meio
disso, as questões que envolvem as formas e a resistência dos seus materiais, os
quais ancoram inúmeros estudos estruturais e outras invenções materializadas
pelo olhar atento à essa.
Ela pode evocar a arte ou o espiritual, pode estar fundamentada nos
signos e na semiótica, na fenomenologia; pode ser clássica ou vernacular, de
barro (taipa de mão), de madeira (carpintaria), de pedra (cantaria), remeter ao
período medieval ou pré-hispânico; pode ser eclética, moderna ou
contemporânea, de aço, de vidro, de concreto armado, etc9.
Contudo, ela é antes de mais nada, objeto que somente pode ser realizado
por meio da produção social humana10, o qual intervém diretamente no modo em
10 Mesmo nas condições atuais com um alto desenvolvimento tecnológico onde cada vez
mais seus componentes são industrializados e pré-fabricados.
9 Não é objetivo deste trabalho aprofundar nas questões históricas e milenares da
arquitetura, tampouco nos variados estilos arquitetônicos passados e presentes, senão
investigar e analisar os agentes que realizam a sua produção no sistema capitalista.
8 Segundo Lefebvre: “Se o conhecimento, segundo uma fórmula célebre que vem de Marx,
torna-se imediatamente e não mais mediatamente uma força produtiva, e isso a partir do
modo de produção capitalista, a relação ideologia-conhecimento muda. O saber toma o
papel da ideologia. A ideologia, enquanto distinta do saber, caracteriza-se pela retórica, a
metalinguagem, portanto, verborréia e elucubração (não mais pela sistematização
filosófico-metafísica, pela “culturas” e “valores”). Mais ainda: ideológica e lógica podem se
confundir, na medida em que a pesquisa obstinada de uma coerência e de uma coesão
extirpa as contradições pelo alto – informação e saber – e por baixo, o espaço da vida
cotidiana.” (LEFEBVRE, 2000, p.74).
está dada pelo fato de que são negadas ao trabalhador as condições necessárias para
repor o desgaste de sua força de trabalho [...] Em termos capitalistas [...], o trabalho é
remunerado abaixo de seu valor e correspondem, portanto, a uma superexploração do
trabalho (MARINI, 1973, p.24. Grifo acrescido).
37
como se dá concepção espacial desta e em como também se realiza as suas
formas, conceitos e valores no contexto social fundamentalmente urbano11 .
Dessa forma, sendo produto realizado por uma determinada sociedade emum dado tempo e num contexto específico envolve obrigatoriamente a política e
a economia, seja pelas formas que essa tem de representar o corpo social, seja
pela modo que essa também visa mascarar a mesma, enquanto obra social e
definição ideológica para a sua realização - sem grandes constrangimentos.
Nesse sentido, faz-se necessário descer um degrau, e primeiro
compreender a relação do homem com a ideologia dominante - que está por trás
da arquitetura -, para que, a partir disso, possamos levantar algumas
considerações acerca dos atores que produzem a construção desta e entender
suas implicações sociais, econômicas e políticas.
À vista disso, qual a ideologia por trás desse processo de produção? A que,
ou mesmo a quem serve esta e qual os objetivos por trás da produção da
arquitetura enquanto objeto associado à reprodução de capital? Quem produz e
como é objetivado no canteiro de obras a sua produção? Esta última questão é
aquela que trataremos de investigar neste trabalho, a qual veremos,
principalmente no segundo capítulo, as contradições desta reconfiguradas
através do desenho e do canteiro para materializar a forma mercadoria12 dentro
do modo de produção capitalista.
Em outros períodos históricos a cidade era a real materialização da obra
social, pois era tratada como valor de uso e não como mero objeto com valor de
uso e valor de troca. Lefebvre (2001) pontua que, diferentemente da cidade
oriental, arcaica, medieval - podemos incluir também as cidades pré-hispânicas -,
12 Segundo Marx: “A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por
meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer. A
natureza dessas necessidades – se, por exemplo, elas provêm do estômago ou da
imaginação – não altera em nada a questão2. Tampouco se trata aqui de como a coisa
satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência
[Lebensmittel], isto é, como objeto de fruição, ou indiretamente, como meio de produção”
(MARX, 2011, p.113). Segundo Harvey: “‘Prescindindo do valor de uso dos corpos das
mercadorias, resta nelas uma única propriedade’ – e aqui Marx faz mais um daqueles
saltos a priori por meio de uma asserção – ‘a de serem produtos do trabalho’ (116). Assim,
todas as mercadorias são produto do trabalho humano. O que as mercadorias têm em
comum é que são suporte do trabalho humano incorporado em sua produção.”
(HARVEY, 2013, p.27-28. Grifo acrescido).
11 Não é o foco do trabalho levantar as questões que envolvem o contexto rural, sobretudo
sem fazer as mediações necessárias.
38
as criações urbanas e a criação da obra arquitetônica não se limitavam apenas aos
arquitetos, pois todos realizavam a produção da obra. A relação do trabalho nesta
não era fragmentada, pois não havia distinção entre quem produzia o desenho e
quem o executava. Arquitetos, obreiros ou construtores realizavam em conjunto o
trabalho produtivo (FERRO, 2006; PRADILLA, 1978).
Com efeito, como a obra depende mais do valor de uso do que do valor de
troca, a cidade foi modificada a partir da derrocada feudal para cumprir um novo
papel. Assim, pela transformação da sociedade pelo sistema político e econômico
capitalista, a cidade passou de caráter apenas comercial para também industrial.
Essa, firmada principalmente pela propriedade privada do solo e dos meios de
produção - e subsistência -, foi tensionada pela divisão social do trabalho e, logo
pela luta de classes entre burguesia e proletários, a qual faz parte da acumulação
primitiva do capitalismo13.
Dessa forma, a cidade se reconfigurou14 e, com ela, a produção da obra se
modificou para a produção da mercadoria, a qual se inclui a produção
arquitetônica e urbanística.
Segundo Lefebvre:
a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor
de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização
tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade
14 Lefebvre (2001) levanta que a cidade é reformulada principalmente pelo tecido urbano.
Essa trama na qual vai compor e estruturar um novo sistema urbano foi totalmente
usurpada de suas significações para tornar-se lugar de circulação de mercadorias e
acumulação de capital. Assim, a cidade se converteu em local para trabalho e consumo,
deixando de ser apenas um lugar para habitar. Ele coloca ainda que, o conceito de cidade,
da realidade urbana e de suas representações imagéticas são noções emprestadas às
cidades antigas e ao modo com o qual essas eram concebidas.
13 Segundo Marx: “O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo
de separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu
trabalho, processo que, por um lado, transforma em capital os meios sociais de
subsistência e de produção e, por outro, converte os produtores diretos em trabalhadores
assalariados. A assim chamada acumulação primitiva não é, por conseguinte, mais do que
o processo histórico de separação entre produtor e meio de produção. Ela aparece como
“primitiva” porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe
corresponde.” (MARX, 2011, p.786). Esse processo histórico de transição de uma sociedade
para outra, onde o desenvolvimento se baseia na detenção de propriedades, ou seja, na
apropriação privada das mesmas e dos meios de produção, no qual a população que vivia
no campo foi submetida aos poucos às cidades, revela as condições fundamentais para
entendermos a construção da cidade como um todo no capitalismo.
39
urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual
predominância e de uma revalorização do uso. (LEFEBVRE, 2008,
p.14).
Mais adiante:
A burguesia "progressista" que toma a seu cargo o crescimento
econômico, dotada de instrumentos ideológicos adequados a esse
crescimento racional, que caminha na direção da democracia e que
substitui a opressão pela exploração, esta classe enquanto tal não
mais cria; substitui a obra pelo produto (LEFEBVRE, 2008, p.22.
Grifo acrescido).
Desse modo, com o florescimento da burguesia, da sociedade capitalista e
da divisão do trabalho, a ideologia burguesa “ajustou” ou arranjou também uma
ideologia para a arquitetura, a qual estava atrelada principalmente ao processo
produtivo dessa e pelas novas formas de trabalho. A partir desta perspectiva, a
produção do espaço físico e a composição social dentro dele também foi alterada,
o qual a ideologia arquitetônica teve o papel de influenciar além da estética,
“algumas determinações enquanto parte do processo de reprodução do capital”
(GUERREIRO, 2010, p.36). Ou seja, para que a reprodução do capital tivesse um
ciclo em que se realizasse, por meio da exploração da força de trabalho, à
extração, realização e acumulação de capital através do excedente ou mais-valor15
produzido (PRADILLA,1978).
A ideologia da classe dominante, a partir deste momento, pode ser
compreendida de duas formas: a primeira, visando superestimar o papel do
arquiteto, isto é, ressignificando o processo produtivo do seu trabalho,
principalmente em relação ao processo de concepção da arquitetura, no caso, o
desenho.
Segundo Ferro:
Do desenho que "sugeria globalmente alguns temas para
reflexão" e onde “tudo era possível" para o "bom artesão",72
passamos ao desenho "percebido da mesma maneira" somente
pelo "sujeito possuidor dos diferentes códigos" e onde "certas
homologias desaparecem em proveito de uma... simbolização
arbitrária" - ao "documento contrato" que o Comitê de
Normalisation Français designa como "desenho de definição do
produto acabado". Há progresso, não podemos duvidar; a
15 Ver nota de rodapé 17, p. 42.
40
exteriorização do conhecimento prático abre caminho - mas a
longo prazo - para sua democratização. Antes, porém, e como
precondição, o mesmo movimento que retira dos trabalhadores
sua autodeterminação relativa e seu saber é também o que faz
do desenho uma "ordem" codificada que só os iniciados podem
utilizar (FERRO, 2006, p.153. Grifo acrescido).
Neste sentido, o arquiteto- ou o processo arquitetônico - se reduz ao
desenho, ao ato artístico e místico de desenhar, “o ‘fazer arquitetura’ é sinônimo
de desenhar; assim, o desenhador se converte no sujeito fundamental da
‘arquitetura’” (PRADILLA, 1978, p.2).
A segunda característica que também é válida para compreender a
ideologia dominante e na arquitetura se dá por meio dos suportes materiais, com
a principal função de propagar pelo “consumo” as realidades ou necessidades
dominantes - se travestindo de realidades ou necessidades coletivas16.
“Igrejas, museus, [mais tarde] centros de televisão, cinemas e
teatros e monumentos são outros tantos suportes da produção,
circulação social e consumo da ideologia dominante, e como tal
reproduzem sua estrutura e forma e atendem às necessidades do
domínio ideológico das classes dominantes.” (PRADILLA, 1978, p.2)
Contudo, no momento, voltemos o olhar para a primeira forma, que é
configurada pela dissociação dos arquitetos, obreiros e construtores. A
fragmentação entre o arquiteto e a produção imediata do objeto - o qual
exploraremos melhor na parte 2 do trabalho -, isto é, entre o processo de desenho
e o canteiro de obras, e, posteriormente, da sua apropriação ou destruição pelo
consumo do mesmo (PRADILLA, 1978) revela os primeiros pormenores
ideológicos relacionados à arquitetura.
Visto que, com a efervescência da divisão e mecanização no trabalho, tanto
a arquitetura quanto às necessidades das classes sociais tendem a se transformar
- a partir de um viés dominante. É a partir do processo produtivo do trabalho,
segmentado por diversas funções e “saberes” ou códigos, que essa profissão foi
16 Segundo Marx e Engels: “[...] toda nova classe que toma o lugar de outra que dominava
anteriormente é obrigada, para atingir seus fins, a apresentar seu interesse como o
interesse comum de todos os membros da sociedade, quer dizer, expresso de forma ideal:
é obrigada a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas
racionais, universalmente válidas.” (MARX & ENGELS, 2007, p.48-49).
41
utilizada para que se realizasse a extração da mais-valia17. Assim, desde a
exploração da força de trabalho até a apropriação do excedente produzido ou
através da transformação da mercadoria - para além do trabalho - realizada pela
mesma18.
Essa ideologia, para ser realizada para o Capital, foi formulada como prática
artística, científica ou técnica neutra. “É importante, antes de tudo, marcar a
diferença do objeto arquitetônico para o artístico: realizada enquanto mercadoria
e espaço de uso, com determinada função, a obra de arquitetura não é arte stricto
sensu” (GUERREIRO, 2010, p.37). Isto posto, buscou ocultar a verdade por trás da
produção arquitetônica, ou seja, estando à margem das das relações de classes,
deixava de ser análoga às relações de dominação e exploração burguesa
(PRADILLA, 1978). Veremos que a desvinculação da prática arquitetônica com as
relações de dominação e de classe é falsa.
Dessa forma, a separação entre quem produz o desenho e quem o
concebe no canteiro vai muito além das informações “codificadas” que o desenho
traz em si. Essa separação, tem a necessidade de encobrir o caráter social por trás
da produção arquitetônica, a qual, por último, é consumada pela forma
mercadoria através da sua apropriação não por quem a produz, mas por quem
tem condições para consumi-la. Assim, essas ideias pré-estabelecidas pela
ideologia dominante são conferidas para um
rápido processo de socialização do consumo de objetos, sua
produção e as práticas sociais vinculadas a um e a outro, geradas
pelo desenvolvimento capitalista nos últimos dois séculos, estão aí
para demonstrá-lo. Os objetos arquitetônicos fazem parte da
riqueza social produzida e apropriada pelos indivíduos na
sociedade e, como qualquer outro objeto, são produzidos e
18 Ver, a propósito, “A situação da classe trabalhadora” ENGELS ([1845] 2008). “A Produção
Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial” (MARICATO, 1982). “Muita gente
sem casa, muita casa gente. entre superlucros e superexploração: a dialética da
habitação em país dependente.” (TONIN, 2015).
17 Segundo Marx: “Em termos muito gerais, podemos dizer que, tendo o capitalista
comprado essa força por seu valor, vale dizer, pela quantidade de trabalho abstrato
socialmente necessária para sua produção e reprodução, cria as condições do excedente,
ao deixar que o trabalho morto (o valor da força da mercadoria força de trabalho) se
transforme em trabalho vivo. [...] O mais-valor, ou mais-valia, resulta, pois, da
transformação do valor de uma mercadoria que vem a ser pago depois que seu valor de
uso, sob o comando do capital, recria o antigo valor de troca como uma substância capaz
de aumentar por si mesma” (MARX, 2011, p.69. Grifo acrescido).
42
apropriados socialmente a partir de sua localização na estrutura
de classes e da correlação de forças existente entre eles
(PRADILLA, 1978, p.1. Grifo acrescido. Tradução minha).
Desta feita, a profissão foi reduzida pelas ideias do saber e do poder, até
porque “há que haver os que sabem e podem para comandar os que não sabem
e... se danam” (FERRO, 2006, p.131) para que o papel fundamental dessa produção
fosse concretizada; em suma: “a extração, realização e a acumulação da
mais-valia” (PRADILLA, 1978, p.2).
Vemos que a produção dos objetos arquitetônicos em torno de uma
necessidade social não está relacionada às demandas concretas da população,
senão o “fazer arquitetura” pela simples ganância capitalista para a obtenção do
excedente que, por esta, é efetivada.
Esse novo conjunto de ideias imposto para a realização da arquitetura e, tão
logo, das cidades, nada mais tem como real objetivo cumprir ou cobrir as
necessidades sociais através da técnica, quiçá da beleza, senão como um simples
fator estratégico de classe: ser um meio ‘inquestionável’ para a realização do
trabalho produtivo e para a manutenção subjetiva das relações de sociais e de
classe.
Veremos no próximo capítulo os aspectos disso no desenho e no canteiro
de obras, refletindo como mercadoria na cidade e sua correlação mais como o
valor de troca que de uso19, seja na valorização da terra pela cidade modificada,
seja pelo capital revertido à classe dominante através da sua apropriação.
Contudo, voltemos. O modo de conceber o objeto arquitetônico à margem
das relações sociais encobre a realidade, pois flerta diretamente com o
humanismo de cunho burguês, que através da ideologia dominante, tende a
mascarar a realidade com o intuito de “reificar” uma - falsa - consciência20 de
classe do que é a realidade e das necessidades implícitas nessa. Assim, a
20 Segundo Lukács: “Essa determinação duplamente dialética da "falsa consciência"
permite não tratá-la mais como uma análise que se limita a descrever o que os homens
pensaram, sentiram e desejaram efetivamente sob condições históricas determinadas, em
situações de classe determinadas etc. [...] Ao se relacionar a consciência com a totalidade
da sociedade, torna-se possível reconhecer os pensamentos e os sentimentos que os
homens teriam tido numa determinada situação da sua vida, se tivessem sido capazes de
compreender perfeitamente essa situação e os interesses dela decorrentes, tanto em
relação à ação imediata, quanto em relação à estrutura de toda a sociedade conforme
esses interesses. Reconhece, portanto, entre outras coisas, os pensamentos que estão em
conformidade com sua situação objetiva.” (LUKÁCS, 2003, p.141. Grifos no original).
19 Ver nota de rodapé 37, p.66.
43
produção da arquitetura se tornando uma prática mística, artística, científica ou
técnica, é travestida intencionalmente a favor do capital. Nesse sentido, essa age
como pura abstração do real, objetivando, por meio da forma-mercadoria21, o
funcionamento do capital, como produção de mais-valia ou como uma cadeia
produtiva muito maior também dentro do setor imobiliário nas cidades
(GUERREIRO, 2010)
Emilio PRADILLA (1978) expõe que a relação homem-arquiteturafaz parte
de um duplo processo de produção e apropriação dos objetos arquitetônicos e
também das práticas correspondentes e, por isso, “a reprodução do capital e da
força de trabalho são os dois aspectos contraditórios da unidade básica do capital
como relação social.”22 (PRADILLA, 1978, p.2, tradução minha).
Pradilla (1978) coloca que essas mudanças subjetivas são especificamente
associadas à arquitetura pois, o objeto arquitetônico além de ser suporte material
e elemento constitutivo da vida social, revela também o desenvolvimento
material e histórico da sociedade e de seu tempo, seja por quem produziu - já em
relação ao desenho -, construiu ou se apropriou.
Desse modo, tanto os conceitos ideológicos, como a própria arquitetura em
si, não estão atrelados apenas à materialidade e estética do objeto senão, tem
como objetivo principal, cumprir uma posição em relação ao seu
desenvolvimento num determinado contexto político, econômico e social.
Isto posto, a arquitetura é um meio estratégico de modo que configura e
conforma o contexto social. Através dos símbolos ideológicos dominantes,
“cria-se” uma consciência para a realidade cotidiana, seja pelo modo de como o
espaço é percebido, de como é concebido e vivido, através dos modos de
produção e também mascarando os mesmos (LEFEBVRE, 2000). Em outras
palavras, em como se dá o funcionamento da mesma e de como ela tem
serventia para encobrir as contradições através do espaço físico, social e também
mental. De acordo com Lefebvre:
Pode-se rebater que as representações do espaço tenham um
alcance prático, que elas se inserem, modificando-as, nas texturas
espaciais, emprestadas de conhecimentos e de ideologias
22 “La reproducción del capital y de la fuerza de trabajo son los dos aspectos
contradictorios de la unidad básica del capital como relación social.” (PRADILLA, 1978,
p.2).
21 Ver notas de rodapé: 12, p.38 e 53, p.71).
44
eficazes. As representações do espaço teriam assim um alcance
considerável e uma influência específica na produção do espaço.
Como? Pela construção, ou seja, pela arquitetura, concebida não
como a edificação de tal “imóvel” isolado, palácio, monumento, mas
como um projeto se inserindo num contexto espacial e numa
textura, o que exige “representações” que não se perdem no
simbólico ou no imaginário (LEFEBVRE, 2000, p.70-71. Grifo
acrescido).
Segundo Pradilla:
A ideologia [...] serve como cola de uma determinada sociedade,
fazendo parecer aos olhos das classes exploradas que seus
interesses são os mesmos dos exploradores; assim, serve como um
instrumento sutil e "pacífico" de dominação e exploração de classe
(PRADILLA, 1978, p.2. Tradução minha).
Assim, pelos princípios dominantes, modos de produção e de
representação imbricados na cidade, o espaço urbano não sendo apenas obra
social é representado pela arquitetura, isto é, essa que aparece como produto e
tem de ser consumida. Essa, é concebida antes de mais nada pela fragmentação
imposta primeiramente no canteiro de obras, pela divisão do trabalho; é feita pela
e para exploração da força de trabalho e à acumulação de capital.
De acordo com Lefebvre (2020) a problemática do espaço nasce de um
crescimento das forças produtivas, ou da abstração dessas forças por meio das
ideologias. Dessa forma, “modifica-se o espaço inteiro (geográfico, histórico) sem
revogar suas implicações, os “pontos” iniciais, os primeiros domicílios e núcleos, os
lugares (localidades, regiões, país)” (LEFEBVRE, 2000, p.134).
Essas características, são partes fundamentais que materializam a
arquitetura, seja por meio da sua reificação no espaço social e urbano enquanto
fetiche e mercadoria, ou como meio da extração e aumento da mais-valia através
da divisão do trabalho - como veremos no capítulo 2 -, mas principalmente por
conferir que a abstração operada pela classe dominante e situada em diferentes
níveis do espaço social, substitua o espaço-natureza por um espaço-produto
(LEFEBVRE, 2000).
Segundo Lefebvre:
Do espaço produto, do espaço da produção (das coisas no espaço),
o pensamento reflexionante [que reflete] passa assim à produção
do espaço como tal, devido ao crescimento contínuo
45
(relativamente) das forças produtivas, mas nos quadros
descontínuos (relativamente) das relações e dos modos de
produção. Resulta que para apreender o conceito proposto, ou seja,
a produção do espaço, é necessário de início dissipar as ideologias
que mascaram o uso das forças produtivas no seio dos modos de
produção em geral e, em particular, do modo de produção
existente (LEFEBVRE, 2000, p.135).
A desvinculação dessa ideologia com prática social, principalmente com as
relações de classe, é complexa pois está imbricada diretamente na percepção -
forma (mental) - que temos do espaço urbano, como por seus conteúdos práticos
(sociais). Nesse sentido, a percepção do espaço consumível já está naturalizada,
ela não é mais considerada apenas com aspectos interligados à natureza ou a
comunidade, os lugares, transformados em produto, contempla mais valor de
troca que de uso - de acordo com a sua localização.
Entretanto, como a composição e a realização da arquitetura está
fundamentalmente atrelada a vida social, o lugar dos que a produzem dentro da
estrutura de classes revela não apenas a forma do objeto arquitetônico pela sua
criatividade artística, cultural, mística ou técnica produzida pelos arquitetos,
senão o caráter social das forças produtivas.
Essas, condicionadas obrigatoriamente pelo lugar que ocupam dentro do
sistema capitalista de produção historicamente determinado (PRADILLA, 1978),
resultam da ideologia dominante, das contradições impostas no desenho e
expostas pelo canteiro de obras, face da luta de classes que é explorada e
espoliada na vida pela cidade - aspecto que investigaremos melhor na parte 3.
(...) [a fragmentação territorial e dos modos de produção] conduz a
práticas excessivas de desconcentração, de descentralização, que
deslocam as redes, os laços e relações no espaço, portanto, o
espaço social lhe escapa ao fazer desaparecer a produção! O que
evita muitas questões pedagógicas, lógicas, políticas… (LEFEBVRE,
2000, p. 12).
Portanto, podemos complementar que as concepções da classe
dominante se mesclam com a arquitetônica a partir do espaço urbano e social,
que tem seu objetivo intervir no espaço social e mental para tirar proveito
material23. Em outras palavras, ela é um meio de organização do espaço
23 Segundo Lukács: “A vocação de uma classe para a dominação significa que é possível, a
partir dos seus interesses e da sua consciência de classe, organizar o conjunto da
sociedade conforme esses interesses.” (LUKÁCS, 2003, p.144).
46
centralizado e concentrado, o qual, serve ao mesmo tempo ao poder político e à
produção material, otimizando seus benefícios e, como segundo artifício,
confundindo as relações de produção entre as relações sociais (LEFEBVRE, 2000).
“Na hierarquia dos espaços ocupados as classes sociais se investem e se
travestem” (LEFEBVRE, 2000, p. 14).
Segundo Lefebvre:
O que é uma ideologia sem um espaço ao qual ela se refere, que
ela descreve, do qual ela utiliza o vocabulário e as conexões, do qual
ela contém o código? [...] Mais geralmente, o que se denomina
“ideologia”, só adquire consistência intervindo no espaço social,
na sua produção, para aí ganhar corpo. Em si, ela não consistiria
sobretudo num discurso sobre esse espaço? (LEFEBVRE, 2000, p.73.
Grifo acrescido).
Por este ângulo, podemos constatar que a ideologia dominante e de
modo operante na arquitetura tem como princípio não uma função histórica que
lhe foi atribuída, em relação a pensar a qualidade dos espaços de acordo com as
necessidades humanas, no que diz respeito ao habitar ou o seu vínculo com
aspectos comunitários em determinado tempo-vivido, mas sim de mascarar o
processo de produção através de códigos “intelectuais”, sociais e espaciais, de
modo a atingir sua finalidade exclusivamente econômica.
De modo mais direto, os princípiosque envolvem a arquitetura dentro
dessa teia de ideias e princípios, com fins políticos e econômicos, remetem tão
somente ao interesse de classe. Segundo GUERREIRO (2010, p.46) “olhar para ela é
olhar diretamente para o capital”.
Por fim, o objeto arquitetônico, diferente de seu projeto e de seu
processo de produção, suporte de qualquer um dos elementos da
vida social, é distribuído e consumido segundo leis histórico-sociais
independentes da vontade dos agentes que participaram de sua
produção, mas congênita às relações de produção existentes e às
relações que elas determinam para as classes sociais que lhes são
próprias; mesmo sua significação ideológica é fruto de sua
inscrição na vida social, e não da criatividade do designer ou
das qualidades da "obra" (PRADILLA, 1978, p.3. Grifo acrescido).
A partir desses aspectos, podemos compreender por outro ângulo outros
significados por trás das obras arquitetônicas. Descrevendo-a como arte, como
47
simbólica ou espiritual, ou como uma “simples” expressão de um estilo de
produção de determinada sociedade e em determinado tempo. Arriscamo-nos a
certificar que isso - no contexto capitalista - não passa de balela. A busca é a de
conceber um espaço a ser representado e, nesse, nada mais útil para ela que a
represente de modo a encobrir as relações sociais e de produção que o realizam.
Segundo Guerreiro:
Ao aproximar a arte da mercadoria, a arquitetura aparece,
inversamente, como arte, no nosso argumento. É necessário, nesta
lógica, o edifício [ou a arquitetura] ter aparência de obra de arte, e
com ela realizar sua essência de mercadoria. Ao realizar um
particular descolamento entre forma e função, com primazia da
primeira, o capital faz parecer que a arquitetura é obra de arte, pois
desta maneira realiza a mercadoria. A arquitetura não é arte,
porém passa a aparecer como, para a realização da mercadoria.
(GUERREIRO, 2010, p.68, grifo acrescido).
De outro modo, é através da proletarização no canteiro de obras -
objetivada pelo desenho - e do mascaramento da realidade cotidiana na cidade,
que o objetivo de reprodução do capital é consumado, através de extração da
mais-valia e da acumulação pelo capitalista. Assim, a ideologia na arquitetura vira
arte somente para o capital intervindo de diversas formas na concepção do
espaço urbano.
1.2 A produção do espaço
Como pensar a Cidade (sua explosão-implosão generalizada, o
Urbano moderno) sem conceber claramente o espaço que ela
ocupa, do qual ela se apropria (ou desapropria)? Impossível pensar
a cidade e o urbano modernos, enquanto obras (no sentido amplo
e forte da obra de arte que transforma seus materiais) sem de início
concebê-los como produtos.
Henri Lefebvre, “A produção do espaço”
(LEFEBVRE, 2000, p.6).
Se o que se denomina ideologia só pode adquirir consistência intervindo
no espaço social e na sua produção (LEFEBVRE, 2000), nos é necessário analisar
48
alguns aspectos sobre a produção do espaço. Nesse sentido, a produção da
arquitetura dentro do modo de produção capitalista, só pode ser analisada e
compreendida a depender dos momentos históricos e dos fatores políticos,
econômicos e sociais na qual essa está inserida. Suas formas não estão
desvinculadas das necessidades humanas, contudo, há diferentes atributos para
compor quais necessidades são essas24, se sociais ou se formuladas com o
objetivo para acumulação de capital25.
1.2.1 A arquitetura como suporte material, social ou capital?
Emilio PRADILLA Cobos (1978) em seu texto “desarrollo capitalista
dependiente, clases sociales y arquitectura en américa latina”26, aponta que as
necessidades sociais - mesmo as denominadas biológicas - tem um caráter de
classe, o que implica novamente no que vimos anteriormente sobre a ideologia
dominante e seus respectivos recursos para a arquitetura como processo
produtivo.
Assim, nada mais fundamental que o papel do arquiteto para que se realize
a sua produção. É a partir destes aspectos que abrangem um duplo processo
entre a produção e a apropriação da obra arquitetônica - como já observamos -,
que buscaremos prosseguir com nossa análise. Sobretudo porque essas têm
sentidos contraditórios no papel de reprodução do capital, seja através da
exploração da força de trabalho e apropriação do excedente produzido, seja como
suporte para as relações sociais dentro do espaço urbano.
Segundo Pradilla (1978), os objetos arquitetônicos cumprem variadas
funções; como suporte material e, à serviço da produção capitalista, pode estar
presente nas relações sociais e de produção por diversas formas, como:
cumprindo variadas funções, como:
26 O texto me foi sugerido pelo Prof. Vitor Tonin na pré-banca (“banca de qualificação”), sou
grato pela indicação.
25 Ver nota de rodapé 1, p.27.
24 “Queremos apenas lembrar mais uma vez que sempre existe uma enorme distância
entre a realidade e o que dela se diz, entre os reais problemas de uma sociedade e de uma
nação e aqueles que ela reconhece como tais e, finalmente, entre a aparência e a essência
desses mesmos problemas” (BOLAFFI, 1975, p.39).
49
1. Suportes materiais ideológicos: característico das igrejas, dos museus, do
cinema, teatro, etc, que têm como objetivo produzir e comercializar os conteúdos
ideológicos das classes dominantes.
2. Suportes materiais da reprodução econômica: relativos a produção
capitalista como as fábricas, oficinas, depósitos; também como circulação de
mercadorias, pelas tendas, armazéns, mercados, depósitos de distribuição; por
meio da circulação de capital-dinheiro, através de bancos, seguradoras, etc; e
como gestão e acumulação de capital em todo seu conjunto, como escritórios e
sedes incubidos de manejar o capital financeiro, industrial, comercial, agrário, etc.
“En una palabra, al ciclo completo de la extracción, realización y acumulación de
la plusvalía” (PRADILLA, 1978, p.2).
3. Suportes de reprodução da força de trabalho assalariada: como as
moradias, os hospitais, as escolas, os parques, etc, onde se fazem as amizades e
parcerias, correspondentes exploração dos trabalhadores para o desenvolvimento
capitalista, são aspectos “necessários à produção de riqueza social e devem ser
cobertos, portanto, pelo salário que recebem de seu empregador” (PRADILLA,
1978, p.2. Tradução minha).
4. Suportes como condição geral da reprodução de capital: constituídos
para a produção de mercadorias, circulação das mesmas e para o consumos dos
trabalhadores. Aqui se encontram os “terminais de transporte de cargas e
passageiros, usinas hidrelétricas, estações de tratamento de água potável, etc., e
que expressam a unidade contraditória do capital (PRADILLA, 1978, p.2).
5. Suportes de consumo e geradores da mais-valia. Aqui, são referentes
principalmente ao uso luxuoso ou suntuário da arquitetura pelos destinatários
dessa, donos dos meios de produção, apropriadores do excedente produzido
pelos trabalhadores, etc.
[...] viviendas de lujo, residencias secundarias, centros nocturnos,
clubes, hoteles de turismo, etc.; suntuarios porque lejos de servir a
la reproducción de la fuerza de trabajo productora de riqueza
social, se producen con parte dei trabajo excedente extraído a los
trabajadores; porque sirven a la reproducción de las clases
parasitarias de la sociedad, sin ninguna relación ni con las
necesidades ni con el papel jugado por sus usufructuarios en la
vida social. Estos soportes materiales expresan en su materialidad
el despilfarro, el lujo y la inutilidad de la función y de los agentes
sociales que soportan (PRADILLA, 1978, p.2. Grifo acrescido).
50
6. Suportes materiais de repressão, apagamento e exclusão -
acrescentamos esse item como uma sexto ponto pelo entendimento de que, os
mecanismos de violência social e urbana pela apropriação privada do solo e dos
meios de produção no capitalismo, refletem “indiretamente”, onde se encontram
as penitenciárias27 e - de alguma forma - os hospitais psiquiátricos, e
“diretamente” na espoliação urbana que a população sofre através da faltade
serviços (como veremos melhor no capítulo 3)..
Portanto, vemos que, através desses inúmeros suportes ou bases materiais
em que se constrói a cidade, que grande parte deles é voltada para a produção,
extração e acumulação da mais-valia. A produção do espaço urbano representada
pela arquitetura - e pelo urbanismo - encadeiam lógicas fundamentais no sistema
capitalista, seja para o uso, para a produção ou para o consumo.
Entretanto, na cidade, por meio da execução e circulação de produtos,
consumo dos trabalhadores e, administração do capital-dinheiro por intermédio
dos bancos, seguradoras e escritórios financeiros, essa condição material se
expressa não pela função ou necessidade social, mas sim pelo desperdício, luxo e
inutilidade da função e dos agentes sociais que apoiam (PRADILLA, 1978).
No hay, pues, "demandas" de objetos arquitectónicos en general o
en abstracto, ni "necesidades" de la población; hay necesidades y
demandas concretas, de clases sociales concretas con
significaciones concretas. Esos son los objetos de la “arquitectura"
(PRADILLA, 1978, p.2. Grifo acrescido).
1.2.2 A coisificação do espaço social, diferentes práticas espaciais
No modo de produção capitalista modernizado, a arquitetura cumpre uma
função essencial para a organização e representação do espaço social, a qual,
submetida à realização do capital e, tanto como produto ou para a produção da
mais-valia, tem como intuito encobrir o mesmo. Isto é, “o espaço não pode mais
ser concebido como passivo, vazio, ou então, como os ‘produtos’, não tendo outro
27 Ver “Vigiar e punir: Nascimento da prisão” (FOUCAULT, 2014).
51
sentido senão o de ser trocado, o de ser consumido, o de desaparecer28”
(LEFEBVRE, 2000, p.7). A isso ocorre tanto o espaço consumido e vivido, ou seja,
pelo sistema de signos e significantes ao longo das relações sociais e
espaço-temporais, mas também objetivada pela divisão social do trabalho,
fragmentadas também pelos suportes materiais.
Henri LEFEBVRE (2000) em A produção do espaço, remonta a concepção
do espaço como produção social, analisando a complexidade das contradições
impostas nesse por meio da formação da cidade no período capitalista -
principalmente na modernidade -, investigando o mesmo através da tríade da
prática espacial, isto é, do espaço percebido, concebido e o vivido29.
Primeiramente, cabe destacar que, alguns arquitetos e urbanistas, teóricos
da modernidade - capitalismo avançado -, como “os integrantes da Bauhaus,
Gropius e seus amigos, considerados revolucionários, na Alemanha, entre 1920 e
1930”, e também Le Corbusier, negligenciaram o conceito de modo de produção.
Esses, através de suas obras e ensino e, em nome da modernidade, revelaram-se
práticos nas formas de produção do espaço capitalista (LEFEBVRE, 2000). Desta
feita, o autor coloca que a configuração do espaço moderno foi crucial para a
gestão e produção da economia política capitalista30.
30 Segundo Marx: “A economia humana traduz-se numa teoria das objetivações dos
produtos do trabalho, das objetivações de si mesmo e objetificações (a esfera subjetiva de
objetivação das personalidades) dos sujeitos humanos na história, uma tríade sempre
definida e condicionada por outra, que é composta por trabalho estranhado-troca
(apropriação de excedente)-propriedade privada, mais bem compreendida sob a forma
divisão do trabalho-propriedade privada-troca.” (MARX, 2004, p.13).
29 O conceito me foi sugerido pela Prof. Lino Peres na pré-banca (“banca de qualificação”),
sou grato pela sugestão.
28 Segundo Lefebvre: “Se definirmos a realidade urbana pela dependência em relação ao
centro, os subúrbios serão urbanos. Se definirmos a ordem por uma relação perceptível
(legível) entre a centralização e a periferia, os subúrbios serão desurbanizados. E pode-se
dizer que o "pensamento urbanístico" dos grandes conjuntos literalmente se encarnou na
cidade e no urbano a fim de extirpá-los. Toda a realidade urbana perceptível (legível)
desapareceu: ruas, praças, monumentos, espaços para encontros. Nem mesmo o bar, o
café (o bistrot), deixaram de suscitar o ressentimento dos "conjuntistas", o seu gosto pelo
ascetismo, sua redução do habitar para o habitat. Foi preciso que fossem até o fim de sua
destruição da realidade urbana sensível para que surgisse a exigência de uma
restituição. Então, viu-se reaparecer timidamente, lentamente, o café, o bar, o centro
comercial, a rua, os equipamentos ditos culturais, em suma uns poucos elementos de
realidade urbana.” (LEFEBVRE, 2008, p.27. Grifo acrescido). No descolamento da cidade
como produção social e trabalho acumulado, a cidade perdeu o conceito de obra social e
civilizatória para se tornar sujeito desprovido de ação social, anunciada apenas como
espaço institucional (CARLOS, 2021; LEFEBVRE, 2008).
52
Segundo Lefebvre:
O espaço da “modernidade” tem características precisas:
homogeneidade-fragmentação-hierarquização. Ele tende para o
homogêneo por diversas razões: fabricação de elementos e
materiais - exigências análogas intervenientes -, métodos de
gestão e de controle, de vigilância e de comunicação.
Homogeneidade, mas não de plano, nem de projetos. De falsos
“conjuntos”, de fato, isolados. Pois paradoxalmente (ainda) esse
espaço homogêneo se fragmenta: lotes, parcelas. Em pedaços! O
que produz guetos, isolados, grupos pavilhonares1 e
pseudoconjuntos mal ligados aos arredores e aos centros. Com
uma hierarquização estrita: espaços residenciais, espaços
comerciais, espaços de lazer, espaços para os marginais etc. Uma
curiosa lógica desse espaço predomina: que ele se vincula
ilusoriamente à informatização e oculta, sob sua homogeneidade,
as relações “reais” e os conflitos. Além disso, parece que essa lei ou
esse esquema do espaço com sua lógica
(homogeneidade-fragmentação-hierarquização) tomou um
alcance maior e atingiu uma espécie de generalidade, com efeitos
análogos, no saber e na cultura, no funcionamento da sociedade
inteira (LEFEBVRE, 2000, p.10-11. Grifo acrescido).
Ou seja, as características espaciais da “modernidade” são expressas pela
homogeneidade-fragmentação-hierarquização, segundo as quais o espaço é
produzido dentro de uma contradição, espaço homogêneo-fragmentado, onde
as relações sociais e de produção -, veiculadas de maneira velada, iludem as
relações reais através das informações ideológicas dominantes ou alusão
a-históricas.
Assim, o espaço social que engloba “o territorial, urbanístico e arquitetural
têm, entre si, relações análogas: implicações-conflitos” (LEFEBVRE, 2000, p.12),
sendo, através desses aspectos imbricados pela modernidade, que o espaço social
separa o que implica e isola o que se articula. São suportes para a reprodução
ampliada do capital como bem colocou Pradilla, os quais, representados e
articulados entre si, se transformam à medida que fragmentam as relações sociais
e hierarquizam as espaciais (ou espaço-temporais) na cidade. De acordo com o
autor, isso
conduz a práticas excessivas de desconcentração, de
descentralização, que deslocam as redes, os laços e relações no
53
espaço, portanto, o espaço social lhe escapa ao fazer desaparecer
a produção! O que evita muitas questões pedagógicas, lógicas,
políticas...(LEFEBVRE, 2000, p.12. Grifo acrescido).
É a partir dessas “práticas” modernas que o espaço capitalista foi
transformado, produzido para a produção, realizando a quebra de laços e nexos
no contexto social; as lógicas provenientes do espaço “real” e histórico foram
deslocadas e/ou apagadas para serem reestruturadas e ressignificadas. Desse
modo, no que concerne a tríade da prática espacial no capitalismo e no
neo-capitalismo31, a percepção, produção e interação social e espacial, são
componentes que se vinculam de diferentes formas pelo modo do espaço
percebido, concebido e vivido.
No espaço percebido, estão situadas “a realidade cotidiana (o emprego do
tempo) e a realidade urbana (os percursos e redes ligando os lugares do trabalho,
da vida “privada”, dos lazeres)” (LEFEBVRE, 2000,

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