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2013 Cultura e SoCiedade na Modernidade Profª. Graciela Márcia Fochi Copyright © UNIASSELVI 2013 Elaboração: Profª. Graciela Márcia Fochi Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 306 F652c Fochi, Graciela Márcia Cultura e socidade na modernidade / Graciela Márcia Fochi. Indaial : Uniasselvi, 2013. 198 p. : il ISBN 978-85-7830-828-5 1. Sociedade. 2. Cultura. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. III apreSentação Caro(a) acadêmico(a)! Seja bem-vindo(a) à disciplina Cultura e Sociedade na Modernidade. Estudar “Cultura e Sociedade na Modernidade” significa compreender um dos contextos e momentos mais complexos da história da humanidade. Foi o tempo quando foram colocadas em curso às mudanças e transformações responsáveis pela construção da sociedade contemporânea, ou seja, o momento histórico em que vivemos. Para facilitar os estudos definiu-se a seguinte distribuição de temas: Na Unidade 1 serão abordados os conceitos fundamentais de modernidade; posteriormente procura-se definir o período histórico no qual esta transcorreu; num terceiro momento reconstitui-se o contexto sociocultural em que a mesma ocorreu; por fim relacionam-se as principais técnicas, invenções e tecnologias que colaboraram para que a modernidade se instalasse e expandisse no interior da sociedade. Na Unidade 2 será tratado como a modernidade foi recebida desde os modos e hábitos do cotidiano como nos espaços públicos e de convivência social; tendo em vista compreender como o meio urbano e industrial modificaram os comportamentos da população. Em seguida será analisado como a produção cultural da época acompanhou e se posicionou diante dos projetos de modernização; e por fim como se deu e transcorreu a experiência brasileira de modernidade. A Unidade 3 apresenta reflexões sobre os custos e ganhos que a modernidade conferiu à sociedade, à cultura, às ciências, à economia e à política; bem como as expectativas de modernidade que ainda persistem e as possibilidades que ainda se encontram em aberto e por serem realizadas. Caro(a) acadêmico(a)! Os conteúdos e temas de “sociedade e cultura da modernidade” fazem sentido se compreendidos num quadro maior de fatos, acontecimentos e movimentos históricos. Para compor este quadro, vamos revisitar os conhecimentos que você já possui sobre a Idade Média, o Renascimento, a era das grandes navegações, a exploração e conquista das novas terras, a Revolução Francesa e Industrial, o Iluminismo, a independência dos Estados Unidos da América, as unificações dos países da Itália e da Alemanha, a prática do imperialismo em países africanos, chineses e indianos, entre outros. IV Portanto, iremos estudar o processo histórico que foi marcado pela substituição da produção artesanal e manual pela industrial; da migração da população do campo rumo às cidades, pelo enfraquecimento das explicações religiosas e o avanço das ideias racionais e científicas no interior da sociedade, e a diminuição/separação da presença da Igreja na composição do Estado/ governo. Estes processos ocorreram de forma mais acentuada no século XIX e nos países do continente europeu, e se estenderam em vários âmbitos da sociedade. O sentido que os homens e as mulheres modernas adquiriram e atribuíram a si mesmos, à sociedade e à cultura de seu tempo será a nossa maior preocupação a partir de agora. É necessário também mencionar que os conteúdos, temas, referências, abordagens que serão elencadas ao longo deste Caderno de Estudos, procuraram contemplar a ementa da disciplina, mas que também dizem respeito às escolhas e opções que são consideradas como fundamentais e relevantes ao estudo e reflexão do tema em questão. Este material também pode ser compreendido como um roteiro de estudos inicial, introdutório; outros olhares e abordagens podem e devem ser feitos, pois está longe de ser suficiente ou capaz de esgotar o tema e a discussão. Desde já fazemos votos de uma provocativa jornada de estudos e reflexões pela frente! Atenciosamente, Profª. Graciela Márcia Fochi V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII SuMário UNIDADE 1 – CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE ...................................... 1 TÓPICO 1 – DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA .................................................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 O QUE É MODERNIDADE? ........................................................................................................... 4 3 O QUE É CULTURA? ........................................................................................................................ 8 4 O QUE É SOCIEDADE? ................................................................................................................... 9 4.1 SOCIEDADE PRÉ-MODERNA OU FEUDAL................................................................ 10 4.2 A LENTA DESAGREGAÇÃO DO MUNDO FEUDAL ............................................... 12 5 DEBATE HISTORIOGRÁFICO SOBRE A CRONOLOGIA DA MODERNIDADE ........... 15 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 18 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 19 TÓPICO 2 – OS ANTECEDENTES DA MODERNIDADE .......................................................... 21 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................21 2 A NOVA CONCEPÇÃO DE TRABALHO .................................................................................... 21 3 TROVADORISMO ............................................................................................................................ 22 4 A PRENSA DE TIPOS MÓVEIS ..................................................................................................... 25 LEITURA COMPLEMENTAR 1 ......................................................................................................... 28 5 NOÇÕES DE TEMPO E ESPAÇO .................................................................................................. 29 LEITURA COMPLEMENTAR 2 ......................................................................................................... 29 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 34 TÓPICO 3 – CULTURA MATERIAL E MODERNIDADE: UMA HISTÓRIA DAS TÉCNICAS E DOS OBJETOS ..................................................................................... 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 35 1.1 NO MEIO RURAL .................................................................................................................... 36 1.2 NOS ESPAÇOS URBANOS ................................................................................................... 36 2 COLONIALISMO E O DESENVOLVIMENTO DA CARTOGRAFIA ................................... 38 2.1 O NOVO MUNDO ................................................................................................................... 39 3 A MANUFATURA ............................................................................................................................. 40 4 A SOCIEDADE OCIDENTAL DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL........................................... 41 4.1 NO PRINCÍPIO ERA O VAPOR: AS MÁQUINAS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL INGLESA ...................................................................................................... 43 LEITURA COMPLEMENTAR 1 ......................................................................................................... 45 4.2 O TEAR MECÂNICO .............................................................................................................. 47 4.3 AS MÁQUINAS DA SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: ENERGIA ELÉTRICA E TELÉGRAFO ................................................................................................... 49 4.4 O TELEFONE ............................................................................................................................. 52 LEITURA COMPLEMENTAR 2 ......................................................................................................... 53 LEITURA COMPLEMENTAR 3 ......................................................................................................... 54 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 56 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 57 VIII UNIDADE 2 – A RECEPÇÃO DA MODERNIDADE .................................................................... 59 TÓPICO 1 – A ASSIMILAÇÃO DA MODERNIDADE ................................................................ 61 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 61 2 NA CIDADE: URBANIZAÇÃO, VIGILÂNCIA E HIGIENIZAÇÃO DOS ESPAÇOS ....... 62 2.1 LONDRES .................................................................................................................................... 66 2.2 PARIS ............................................................................................................................................ 70 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 75 3 DO COLETIVO AO PRIVADO....................................................................................................... 77 4 AS PERFORMANCES DO FEMININO E DO MASCULINO ................................................... 83 4.1 O FEMININO ............................................................................................................................. 83 4.2 O MASCULINO ........................................................................................................................ 87 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 90 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 92 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 93 TÓPICO 2 – OS MOVIMENTOS CULTURAIS E ARTÍSTICOS ................................................ 95 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 95 2 O MOVIMENTO DO ROMANTISMO ........................................................................................ 96 3 O DISCURSO CIENTÍFICO E O DISCURSO LITERÁRIO ..................................................... 97 4 A MÚSICA NA MODERNIDADE ................................................................................................. 103 5 A ARQUITETURA MODERNA...................................................................................................... 105 6 NAS ARTES PLÁSTICAS ................................................................................................................ 107 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 111 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 112 TÓPICO 3 – A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA MODERNIDADE ........................................ 113 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 113 2 A ESTADA DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA NO BRASIL ............................................... 114 3 A MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA ............................................................................................ 114 4 A INDÚSTRIA E A TECNOLOGIA ............................................................................................... 116 5 A FORMAÇÃO DAS METRÓPOLES ........................................................................................... 117 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 125 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 126 UNIDADE 3 – VERSO E REVERSO DA MODERNIDADE ........................................................ 127 TÓPICO 1 – CONQUISTAS E REALIZAÇÕES DA MODERNIDADE .................................... 129 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 129 2 NA POLÍTICA E NA ECONOMIA ................................................................................................ 129 3 NA CIÊNCIA ......................................................................................................................................132 4 NA SOCIEDADE E NA CULTURA ............................................................................................... 134 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 138 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 139 TÓPICO 2 – OS CUSTOS DA MODERNIDADE .......................................................................... 141 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 141 2 NA ECONOMIA E NA POLÍTICA ................................................................................................ 142 3 NAS RELAÇÕES HUMANAS E NA CULTURA ........................................................................ 146 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 149 4 NA CIÊNCIA E NO MEIO AMBIENTE ........................................................................................ 152 IX RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 160 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 161 TÓPICO 3 – TEMPOS CONTEMPORÂNEOS ............................................................................... 163 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 163 2 O MAL-ESTAR DA HUMANIDADE ............................................................................................ 164 3 A FRAGMENTAÇÃO DO COLETIVO ......................................................................................... 166 4 PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E SENTIDOS .................................................................. 168 4.1 NO CAMPO DA CIÊNCIA .................................................................................................... 168 4.2 NOS ESPAÇOS URBANOS ................................................................................................... 170 4.3 NO CAMPO DAS TECNOLOGIAS ................................................................................... 171 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 175 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 179 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 181 TÓPICO 4 – ASPECTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS À CULTURA E SOCIEDADE NA MODERNIDADE ................................................................................................... 183 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 183 2 SUGESTÕES DIDÁTICAS .............................................................................................................. 184 2.1 ABORDAGEM CONCEITUAL ........................................................................................... 184 2.2 EXPOSIÇÃO DE OBJETOS ANTIGOS ............................................................................. 184 2.3 HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL ..................................................................................... 184 2.4 TEXTOS PARADIDÁTICOS ................................................................................................. 185 3 MODERNIDADE: A ÉPOCA DAS IMAGENS .......................................................................... 186 3.1 O USO DE FILMES/DOCUMENTÁRIOS ....................................................................... 187 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 190 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 191 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 193 X 1 UNIDADE 1 CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • apresentar os principais conceitos que tratam da cultura e da sociedade ao longo da modernidade; • definir os acordos cronológicos que delimitam o momento de início, de- senvolvimento e declínio da modernidade; • estudar aspectos e fatores representam os antecedentes favoráveis à reali- zação da modernidade; • estudar as mudanças e as transformações que a modernidade atribuiu aos contextos e grupos sociais e culturais; • abordar os movimentos, as estruturas e as técnicas que colaboraram na realização dos projetos de modernidade. Os objetivos de aprendizagem se encontram distribuídos em três tópicos. Ao longo da discussão dos temas nos interior dos tópicos, serão relacionadas sugestões de materiais alternativos que contemplam os conteúdos estudados. No final de cada tópico, estão relacionadas autoatividades que visam à fixação e a compreensão dos conteúdos estudados. TÓPICO 1 – DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: CULTURA, SOCIEDADE, MODERNIDADE TÓPICO 2 – ANTECEDENTES DA MODERNIDADE: TROVADORISMO, TRABALHO E PRENSA TÓPICO 3 – CULTURA MATERIAL E MODERNIDADE: UMA HISTÓRIA DAS TÉCNICAS E DOS OBJETOS Assista ao vídeo desta unidade. 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 1 INTRODUÇÃO Caro(a) acadêmico(a)! Antes de tudo, vamos iniciar uma discussão que é recorrente em nossa época sobre a noção de ‘moderno’. Na maioria das vezes encontram-se concepções que definem o momento presente como ‘moderno’ reconhecendo-o como dinâmico, arrojado e sofisticado; e, em contrapartida, encontram-se noções depreciativas para o que é passado ou de outras épocas, identificando-o como ingênuo e ultrapassado. Estas duas concepções não procuram compreender o que é ‘moderno’, logo atribuem juízo de valor, ou seja, fazem julgamentos de bom e mau, sendo que a primeira supervaloriza o momento presente como bom, e a segunda deprecia o passado como mau. Aqui já se faz necessário que o senso crítico/reflexivo do professor de História esteja atento, no sentido que se reconheça as tecnologias e equipamentos do presente como realizações e possíveis a partir das experiências do passado. Outro aspecto a ser levado em consideração também é o da velocidade quando ocorrem as mudanças e transformações em nossa época. Estas serão responsáveis por, em pouco tempo, tornar o que existe neste exato momento de ‘novo’ em ‘antigo’, ultrapassado, superado. Então se apresenta a provocação de que nós, mulheres e homens nascidos no século XX e/ou XXI, não somos os últimos e também não somos os que experimentam os tempos mais modernos possíveis de serem vividos. A humanidade é sempre surpreendida com o novo, outras invenções, de maiores aperfeiçoamentos, seguem por tempo indeterminado nesta trajetória. Imagine a surpresa que uma invenção como a imprensa causou aos homens e mulheres do século XV. Ou mesmo, o esplendor e expectativa do rádio ao tempo dos nossos avós? A TV colorida para os nossos pais, ou a internet e o telefone celular em nossos dias? Diante disto chama-se atenção que a função dos profissionais da história, que é a despertar para outra consciência histórica, que discute as noções de “moderno” e “antigo” são indispensáveis à melhoria e superaçãodas condições da sobrevivência do presente, que deve evitar julgamentos de qual destes conceitos ou momentos é o mais adequado ou conveniente. O tempo seguirá seu curso, somos meros mortais e não nos manteremos a salvo e ilesos neste processo, que é cada vez mais a técnico e por causa da tendem estar mais presentes. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 4 2 O QUE É MODERNIDADE? Feita esta ressalva inicial pode-se avançar no sentido de analisar os principais conceitos e marcos cronológicos que a modernidade reúne e conferir a importância e a especificidade desta época, bem como as fronteiras diante de outras épocas e momentos históricos. Mas se antecipa que se trata de fronteiras volúveis e conceitos um tanto imprecisos, por outro lado, reúnem também formulações contraditórias, ambiguidades e dualidades. Especialmente quando se admite que existam experiências de modernidade nas mais diversas sociedades e épocas históricas, mas que não receberam atenção que foi dada à experiência europeia. Diante deste quadro de complexidades, procura-se arrolar algumas formulações ao conceito de ‘modernidade’, pois este processo é perpassado por uma superposição “desordenada” e simultânea de transformações, mudanças, rupturas e/ou permanências que parecem seguir uma a outra numa sequência extremamente veloz; que se cruzam, chocam e seguem novamente seus caminhos, e que por sua vez provocam efeitos e interferem nas estruturas existentes no interior da cultura e na sociedade. Na tentativa de relacionar a abrangência e a dimensão dos conceitos, procura-se reunir referências de diversos campos do conhecimento a fim de formular um pouco do “estado de coisas”, do contexto histórico e social do qual emergirá a necessidade de mudanças e transformações que irão favorecer a realização do projeto de modernidade. A relação entre estes dois conceitos é de tensão e superação, e o de moderno/modernidade surgirá diante da vontade de superação em relação ao de antigo. Mas de que antigo se está falando neste momento? Não é somente e simplesmente o que foi superado pelo novo e moderno. Como antigo compreende-se o pensamento clássico da Antiguidade greco-romana, dos tempos medievais e pré-modernos. Desde o Renascimento, existe uma espécie de disputa pela superioridade dos modernos em relação aos antigos (ABBAGNANO, 2007). Sobre esta disputa, nos escritos de Giordano Bruno (1548-1600), é possível identificar noções como "somos mais velhos e temos mais idade do que nossos predecessores". Afirmação que por sua vez possibilita os homens de seu tempo sentirem-se melhores e mais experientes diante do passado, mais confiantes e seguros com relação ao seu tempo. Em especial a palavra progresso foi registrada na Itália, na obra Pensiere diversi (pensamentos diversos) de Alessandro Tassoni (1565-1635) e logo se expandiu a outras regiões. A noção, que é apresentada por Tassoni, é TÓPICO 1 | DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 5 2 O QUE É MODERNIDADE? encontrada novamente na obra “Diálogo dos mortos” de Fontenelle (1657-1757), e, posteriormente, utilizada e ampliada pelo historiador Giambattista Vico (1668- 1774). PROGRESSO A ideia de progresso, tanto na história, na filosofia, na cultura e na sociedade, encontra-se relacionada à visão de acúmulo e síntese do passado; e como profecia a se cumprir no futuro. A concepção de progresso interpreta a humanidade como uma grande estrutura que ao longo das eras e épocas caminha árdua e constantemente em direção a um desenvolvimento glorioso e triunfante e que para se cumprir precisa estar associada ao campo técnico e científico. ATENCAO O termo “moderno” foi utilizado pela primeira vez pelo estudioso suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). “A terminologia moderniste (modernista) ocorria antes ainda da Revolução Francesa e da independência americana; porém recebeu maior projeção com as reflexões feitas no campo da psicanálise e da democracia participativa ao longo dos séculos XIX e XX”. (BERMAN, 1986, p. 11). A modernidade pode ser entendida como o equivalente ao "mundo industrializado" especialmente aos aspectos do uso de máquinas na extração das matérias-primas, nos meios de produção e elaboração da matéria-prima no interior das fábricas e nos processos de controle da natureza (GIDDENS, 2002). Este processo representou um dos projetos mais impactantes da modernidade. O outro foi representado pela capitalização da economia, ou seja, a implantação do sistema de produção de mercadorias envolvendo tanto mercados competitivos de produtos (a livre concorrência) como a mercantilização da força de trabalho (o trabalho assalariado). No campo da cultura a concepção de modernidade aparece nas análises do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), que é amplamente reconhecido como o profeta e um dos principais testemunhos daquele período. Baudelaire (1996), com sua sensibilidade poética, escreve que a modernidade é a união de duas partes, uma metade que representa o transitório, o efêmero, o contingente, sendo que a outra metade é composta pelo eterno e pelo imutável. Ou seja, como modernidade pode-se entender a combinação de fatores e circunstâncias diferentes, novas, não duradouras, instantâneas e momentâneas; com as perguntas, expectativas e os sonhos que acompanham o homem desde as épocas mais antigas, que estavam presentes também no imaginário do homem da modernidade, e que por sua vez o provocavam a reagir com os pés no presente. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 6 Na Figura 1 tem-se uma espécie de combinação da técnica de retrato com fotografia do poeta Charles Baudelaire e, na Figura 2, a capa de uma das edições brasileiras para o livro “Sobre a modernidade”, do qual foi extraída a definição de modernidade mencionada acima: FIGURA 1 – CHARLES BAUDELAIRE FONTE: Disponível em: <http://paulofernandomonteiroferraz. blogspot.com.br/2010/05/embriague-se-charles-baudelaire. html>. Acesso em: 2 jun. 2013. FIGURA 2 – CAPA DO LIVRO SOBRE A MODERNIDADE FONTE: Disponível em: <http://ebooksgratis.com.br/livros-e- books-gratis/tecnicos-e-cientificos/historia-da-arte-charles- -baudelaire-sobre-a-modernidade/>. Acesso em: 2 jun. 2013. O conceito apresentado por Baudelaire pretende romper com as explicações que eram encontradas na antiguidade clássicas e nos tempos pré- modernos (sociedade do antigo regime) que por sua vez dominavam a cultura e a sociedade francesa. TÓPICO 1 | DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 7 “Os modelos pré-modernos se caracterizavam por imitar e reproduzir as construções nas suas formas de edificação e as teorias proferidas pelos antigos pensadores, e que eram responsáveis por esvaziar as potencialidades do presente e o que estas poderiam apresentar como originalidade e inovação”. (BERMAN, 1986, p. 131). Deduz-se assim que a modernidade pretendia amenizar as obrigações com o passado em termos de moral, valores, cultura e tradições. A nova proposta foi a de perceber os eventos e o momento histórico presente, com novo e o inovador, no intuito de revestir e reconfigurar a cultura e a sociedade europeia da época. Diante disto ser moderno e existir na modernidade significava que o homem deveria colocar-se diante do novo e do presente por inteiro, e isso exigia ruptura com as estruturas nas quais havia se sustentado até então; a partir disto, projetar-se na dimensão do momento e descobrir as possibilidades do novo, aventurar-se em direção ao desconhecido e do não explorado. Como um estudante curioso e atento, você deve se perguntar: “mas que novo desconhecido e não explorado seriam estes”? Calma, aos poucos, cada aspecto destes será melhor discutido. Mas, conserve esta indagação, que servirá como âncora ao entendimento dos processos de modernidadeque serão apresentados a seguir. Outro conceito que é pertinente aos estudos de cultura e sociedade na modernidade é o de belle époque. A belle époque se desenvolve do final do século XIX e no começo do século XX, em especial entre os anos de 1870 e 1914. Neste período, os resultados das políticas de progresso e modernização já eram bastante nítidos e já se encontravam assimilados pela população europeia, e era possível identificar com facilidade mudança nos comportamentos, nas posturas, na moral e nos estilos de vida da população (ROSSI, 2003). Foi momento da expansão das forças produtivas, do consumo de artigos de luxo e pelo progresso material. Com as conquistas da industrialização, a evolução dos meios de transporte e das comunicações, a expansão dos mercados e o aumento populacional. Instaurou-se um tempo e espírito de euforia, uma espécie de joie de vivre (o entusiasmo de viver), que caracterizaria a vida cotidiana antes da crise que culminou com a Primeira Guerra Mundial. É comum também encontrar os conceitos de “modernização” e “modernismo”, porém ambos apresentam aplicações e usos distintos. A modernização é relacionada aos fenômenos do liberalismo econômico, que é marcado pelo recuo do poder do estado e do governo tanto na esfera da economia como da política. “Já o modernismo é associado ao movimento e escola que influenciou a produção das artes plásticas e da cultura a partir dos anos de 1900 e transcorreu ao longo das primeiras décadas do século XX”. (BERMAN, 1986, p. 86). UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 8 Portanto, para localizar a produção cultural e artística que corresponde mais precisamente o momento da modernidade, deve-se levar em conta o movimento do Romantismo. Por Romantismo entende-se o movimento filosófico, literário e artístico que iniciou nos últimos anos do século XVIII e que se fortaleceu ao longo do século XIX. Caro(a) acadêmico(a)! Tanto o tema da belle époque como o do Romantismo serão abordados e exemplificados com maior profundidade na Unidade 2 deste Caderno de Estudos. Como síntese deste debate teórico pontuam-se como conceito de modernidade os processos, os mecanismos, as instituições, os agentes que pretendiam superar a cultura religiosa católica cristã; a sociedade agrícola e servil; a política estamental e monárquica, e em seu lugar implantar uma cultura e sociedade urbana, democrática, secular, científica e industrial. 3 O QUE É CULTURA? A origem da palavra cultura é colo. Isto é, local do corpo feminino onde o bebê é amamentado. O termo colo, local onde se retira o alimento, se relaciona com a plantação, isto é, com a agricultura, com a terra que permite ao homem se alimentar. Da terra, que se retira o alimento, também é o local onde se enterram os mortos. Por isso, nas sociedades primitivas, se faziam os cultos aos mortos, através de rituais fúnebres que envolviam diversos aspectos das sociedades primitivas. Do culto aos antepassados, também surge o respeito e a utilização da sabedoria que estes deixavam para as comunidades (BOSI, 1992). O termo cultura no contexto da modernidade pode ser compreendido em duas dimensões complementares. Uma que indica o aspecto da formação do homem, no que tange a seu refinamento e sofisticação, próximo do que o pensador inglês Francis Bacon (1561- 1626), considerado o pai da ciência moderna, propõe uma concepção de cultura no sentido de representar o cultivo, elevação e o aprimoramento do espírito. E outra dimensão, a que trata dos hábitos e modos de viver no cotidiano e em sociedade, “que acaba por receber a terminologia de civilização, pois se refere a formas de viver, pensar, portar e manifestar no interior de um determinado grupo e sociedade”. (ABBAGNANO, 2007, p. 225). TÓPICO 1 | DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 9 3 O QUE É CULTURA? 4 O QUE É SOCIEDADE? Sociedade é uma palavra que pode designar a maneira que determinado grupo humano interage com o meio ambiente, com a natureza e com o próximo. Isto é demonstrado através da diversidade dos grupos humanos. Podemos refletir, através da origem etimológica, que a palavra cultura é uma síntese de um longo processo humano. A sociedade na qual estamos inseridos resulta de um todo e processo continuum, que por um lado é marcada por permanências, rupturas e descontinuidades, que, muitas vezes, somente, recebe novas combinações roupagens e por outro lado também se apresenta como complexa, plural e híbrida, que pretende abarcar as mais novas expressões e manifestações dos sujeitos, grupos, produtores, atores e públicos no interior de uma dada sociedade. Grande parte das explicações que se tem para as definições de sociedade converge à ideia de um todo coletivo que congrega as múltiplas ações de indivíduos, que por sua vez são reguladas por leis, regras e valores. Que transcorrem em diversas instâncias e âmbitos, que são legitimadas por instituições, governos, regimes e modelos. Que apresentam mudanças e alterações conforme as épocas, os momentos históricos, os contextos, as culturas, os locais e regiões. Abaixo se procurou elaborar um quadro-síntese para as principais características que definem e diferenciam a sociedade pré-moderna/feudal da sociedade moderna: SOCIEDADE PRÉ-MODERNA/FEUDAL 1) Mundo rural/agrícola 2) Sociedade de ordens/estamental 3) Trocas naturais, ausência de comércio e da moeda 4) Explicações religiosas para os fenômenos da natureza 5) Elaboração de produtos de forma artesanal 6) Descentralização do poder político dos senhores feudais 7) Centralização do poder religioso na figura do papa 8) Relações de trabalho não assalariado/servil. SOCIEDADE MODERNA 1) Mundo urbano/cidades 2) Sociedade de classes 3) Trocas monetárias 4) Explicações científicas para os fenômenos da natureza 5) Elaboração de produtos de modo industrial 6) Centralização do poder político 7) Descentralização do poder religioso com a Reforma Protestante 8) O indivíduo é o centro do poder político (cidadão) 9) Relações de trabalho assalariadas – ideia de liberdade de escolha e iniciativa. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 10 4.1 SOCIEDADE PRÉ-MODERNA OU FEUDAL A sociedade europeia dos séculos XI-XIII era composta por uma população extremamente ligada às atividades rurais. Nestes séculos, que alguns historiadores denominam como Idade Média Central, tivemos o auge do feudalismo. O feudalismo é um sistema social baseado na unidade produtiva do feudo. Por feudo se compreende uma unidade de produção rural autossustentada (JÚNIOR, 1986). Nas unidades de produção rural, a elaboração de produtos e objetos era constituída no interior do próprio feudo. Roupas e utensílios para o trabalho ou lazer eram fabricados de modo rudimentar pelos próprios trabalhadores rurais. Ocorria uma pequena especialização do trabalho. Não havia a necessidade ou mesmo um incentivo para a produção do excedente, isto é, de se produzir e estocar mais alimentos de que se precisava. Tratava-se de uma sociedade composta por três ordens sociais. Oratores, Belattores e Laboratores, isto é, sacerdotes, guerreiros e servos. Tal composição social é classificada por historiadores e sociólogos de sociedade estamental. Isto porque as camadas sociais não eram classificadas pelo dinheiro que possuíam, mas, sim, pelos status que determinado indivíduo possuía na sociedade. Isto é, status, neste contexto específico, deve ser compreendido como a condição que o indivíduo possuía na sociedade. Estamento pode ser compreendido como um “grupo social, garantido por convenções e leis, mantido através da honra e de um estilo de vida específico” (WEBER, 1982). Neste sentido, as trocas comerciais não eram mediadas pelo dinheiro, mas pelas trocas naturais. Isto é, as trocas econômicas não erammediadas por moedas, mas sim como troca de produto por produto: por exemplo, uma vaca por um cavalo. Assim, as relações de trabalho não eram assalariadas, mas vinculadas a um ideal de fidelidade. Isto é, a economia era funcional. Cada ente social possuía uma função específica em relação ao corpo social. Os guerreiros protegiam a sociedade dos invasores, como os muçulmanos e os vikings. Os servos permitiam que a sociedade tivesse alimentos para a manutenção da vida. Os sacerdotes (os religiosos) rogavam a Deus que abençoasse aos demais membros do corpo social. Os sacerdotes tinham uma função importante para a sociedade, pois a igreja era a principal instituição política do mundo medieval. Os padres e monges eram considerados pontes que ligavam o ser humano até Deus. O papado possuiu no interior desta sociedade grande prestígio, ao ser considerado o Sumo Pontífice. Isto é, a principal ponte do homem e Deus. Muitas das guerras medievais tinham como mediadores os religiosos, a ponto do papado instituir a Trégua de Deus e a Paz de Deus, visando diminuir os conflitos na Europa Ocidental. Portanto, o poder que a Igreja possuía na TÓPICO 1 | DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 11 4.1 SOCIEDADE PRÉ-MODERNA OU FEUDAL Idade Média não era apenas religioso, como também econômico, sendo a mesma detentora de uma grande quantidade de terras. Costuma-se afirmar que o papa possuía tanto o poder temporal quanto o poder espiritual. Era a denominada tese dos dois gládios, isto é, o papa era considerado Sacerdote e Rei concomitantemente. O poder político do papa demonstrava um grande processo de descentralização política na Europa. O Sacro Império Romano Germânico era um grupo formado por vários senhores feudais, porém, sem poder em uma grande extensão territorial. Tratava-se de uma sociedade onde o analfabetismo era constante, inclusive entre os nobres. Por isso, eram ausentes no cotidiano social os contratos escritos. Por isso, temos uma grande presença na mentalidade medieval da noção de fidelidade aos compromissos. Todos os indivíduos eram perpassados em uma série de deveres para com superiores na hierarquia social. Os servos deviam obrigações aos senhores, assim como os vassalos deveriam obedecer aos suseranos, os padres aos bispos. A hierarquia e as obrigações eram uma das características desta sociedade. A noção de hierarquia e fé também perpassava as explicações que os medievos ofertavam aos fenômenos da natureza. A magia fazia parte do cotidiano, assim como os temores pela presença do diabo. Assim, muitas das pessoas que possuam algumas formas de compreender a natureza de forma empírica, experimental, ou mesmo que conseguiam manipular plantas para a cura de doenças, eram acusadas do crime de bruxaria. A natureza era explicada através da filosofia escolástica, que tinha como pressuposto um mundo plano, no qual o homem era o centro da criação e a terra era o centro do universo. O Universo, por sua vez, era compreendido de modo hierarquizado, assim como hierarquizada era a sociedade na qual os principais filósofos escolásticos, como São Tomás de Aquino, vivera. Por explicação religiosa/mágica podemos compreender que Deus era considerado como a primeira causa dos fenômenos. Os santos também eram invocados. Assim, podemos entender que uma boa pesca, nos períodos pré- modernos, era considerada como dádiva de Nossa Senhora dos Navegantes, de Iemanjá ou Janaína. Toda a natureza é encarada de modo encantado, mítico. Porém, como iremos observar a lenta desagregação do mundo feudal também acarretou uma alteração na mentalidade. Em grande parte, a técnica passa a ser o ponto central para explicar a natureza, algo que a ciência fez a partir da segunda metade do século XIX. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 12 4.2 A LENTA DESAGREGAÇÃO DO MUNDO FEUDAL O mundo feudal entra em desagregação em um processo lento, que demorou séculos. Um dos principais motivos que possibilitou a desagregação do feudalismo foram As Cruzadas. O papa Urbano II, no Concílio de Clemont, conclamou a cristandade para as cruzadas. O preparo para As Cruzadas mobilizou grande parte da população europeia. Foram criadas ordens militares-religiosas. Entre estas, algumas se destacaram, como os Cavaleiros Teutônicos e a Ordem dos Templários. Neste período, a cristandade entra em contato com a cultura muçulmana, e por ela é extremamente influenciada. Assim, surge o gosto e o interesse pelas especiarias, isto é, pelos temperos que possibilitam melhorar o gosto das comidas, além da tapeçaria persa e de outros produtos que encantaram o mercado consumidor europeu, que ficava maravilhado com a presença de produtos com um grau tecnológico muito maior que a tecnologia desenvolvida na Europa feudal. Além disto, o Oriente vivia em uma economia organizada monetariamente. Isto é, ao invés de termos a presença de uma economia marcada por trocas naturais, temos a presença da moeda mediando às trocas de produtos e objetos. O interesse por estes produtos possibilitou o surgimento de feiras livres em algumas cidades europeias, que ficavam nos caminhos de peregrinação. Assim, algumas regiões, como é o caso de Champanhe, na França, foram beneficiadas como pontos específicos de intercâmbio de mercadorias. Além deste intercâmbio, podemos notar a presença de uma nova figura social: o burguês (PIRRENE, 1969). A burguesia era um grupo social cujo nome deriva de burgo. Os burgos eram castelos fortificados que ficavam nas fronteiras da cristandade latina e que serviam de postos militares para a defesa contra os inimigos. Por ser uma região com forte presença de soldados, esta proteção ofertava segurança para o comércio. Assim, podemos compreender que os burgueses se comportaram como uma classe de comerciantes. Porém, o mundo medieval a partir do século XIV acompanhou algumas novidades na civilização europeia. Uma das primeiras fora o chamado renascimento comercial e urbano. Por renascimento comercial e urbano, podemos relacionar um ressurgimento das cidades nos anos finais da Idade Média. Uma das principais instituições criadas nas cidades do final da Idade Média foram as Corporações de Ofício. Tratava-se de instituições que de forma artesanal produziam objetos, como roupas e sapatos. Uma máxima medieval afirmava que o Ar da Cidade era o Ar da Liberdade. Isto porque nas cidades os indivíduos poderiam viver sem ter a presença opressora de um senhor feudal. TÓPICO 1 | DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 13 4.2 A LENTA DESAGREGAÇÃO DO MUNDO FEUDAL Com a presença das corporações e de um mundo urbano, em que as trocas eram monetárias, uma verdadeira revolução social ocorreu com a aplicação do assalariamento nas relações de trabalho. Com isso, temos uma nova disposição das formas das relações trabalhistas, pois não eram apenas mediadas por uma relação de fidelidade ou tradição, mas sim mediadas através de uma remuneração sistemática. Com a urbanização e o comércio em rotas de alcance intercontinental estiveram presentes na Europa, nos séculos finais da Idade Média, alguns problemas sociopolíticos, em especial, o problema da insegurança das rotas e caravanas ao longo da Europa, da África e da Ásia. Podemos lembrar Marco Polo, um aventureiro italiano que nos deixou os relatos de suas viagens para a Ásia. Era da antiga China que os europeus buscavam matérias-primas para algumas vestimentas, mais notadamente a seda. A famosa Rota da Seda, ao lado das rotas de especiarias, foi presença marcante na história das relações macroeconômicas da Europa, África e Ásia. Assim, podemos considerar que a diversidade de Estados na Europa feudal era um enorme entrave ao comércio. Isto porque os comerciantes não possuíam uma instituição que garantisse o monopólioda violência, fundamental para evitar ações de contrabando e o ataque de piratas ao longo do Mar Mediterrâneo, além de a cada aduana, os preços das mercadorias aumentarem devido à soma de diferentes impostos. Neste contexto de expansão comercial, o poderio do papado começa e ser relativizado. Em grande parte, pelo surgimento de uma nova entidade política na Europa feudal: o Estado. A insegurança das caravanas e a necessidade da unificação das moedas e dos impostos foi uma das principais motivações para o surgimento dos Estados, uma instituição que detém o monopólio do uso da violência em um território determinado por suas fronteiras (GUENEE, 1981). A necessidade de novas rotas para o comércio motivou que os então recentes países Espanha e Portugal se lançassem ao mar em busca de um caminho marítimo para as Índias, que não necessitasse passar pelas caravanas muçulmanas do norte da África. Uma necessidade que ficou maior após 1453, ano em que os turcos otomanos conquistaram a cidade de Constantinopla, a antiga capital do Império Bizantino. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 14 Assim, ao se lançarem ao mar, em meados do século XV, se descobriram duas rotas navais que possibilitaram uma ampliação sem precedentes do comércio mundial, possibilitando uma melhor compreensão dos homens sobre a forma do globo, e sobre a extensão real do planeta terra. Do ponto de vista econômico, se formou um sistema mundial de trocas comerciais, porém, quando pensamos em um sistema de trocas, devemos ter claro que as trocas não se restringem às questões comerciais. Os conhecimentos de diversos povos, como os asiáticos, os africanos e as populações nativas da América, formaram a sociedade e a cultura da modernidade, a cultura em diálogo com a miscigenação. Em alguns lugares foi vista como positiva e em outros, negativa. E por fim, o colonialismo foi o ponto culminante da dominação europeia ao redor do mundo. O sistema de colonização durou muitos séculos. Iniciou-se em 1415, quando os portugueses tomaram Ceuta, uma cidade do norte da África. Esta cidade ainda hoje se mantém apesar do forte surto de descolonização que ocorreu na África e na Ásia após a Segunda Guerra Mundial. Uma das principais características dos colonialismos foi a transposição da cultura europeia para os demais povos do mundo. Processo que pode ser compreendido através do termo “ocidentalização”. Isto é, os demais povos do mundo se sujeitaram aos ditames europeus. A expansão europeia pelo mundo passou por dois momentos distintos. O primeiro foi o colonialismo, com uma primeira expansão, que durou dos séculos XV a XVIII. Nos séculos XVIII e XIX, as colônias europeias na América se tornaram independentes. O Neocolonialismo, ou Imperialismo, se pautou em uma nova corrida por territórios. Porém, o imperialismo dos séculos XIX e XX apresentou como novidade a presença de dois países não europeus: os Estados Unidos da América e o Japão. O colonialismo teve como principal motivação o lucro de produtos no comércio mundial. Teve como ideologia o cristianismo, e foi a América o principal continente alvo das investidas coloniais. No Neocolonialismo, a principal ideologia foi o nacionalismo. As principais áreas de ação foram a África e a Ásia. A economia foi movida por busca de matérias-primas e expansão do mercado consumidor dos produtos industrializados. Assim, aos poucos, os laços feudais existentes na Europa foram rompidos. Um dos principais símbolos do fim das relações estamentais na Europa foi a Revolução Francesa. Pois, a partir do Código Civil Napoleônico, todos os cidadãos passaram a ser considerados iguais perante a lei. Algo distinto do ideário legal do chamado Antigo Regime, no qual os seres humanos eram considerados naturalmente desiguais. TÓPICO 1 | DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 15 5 DEBATE HISTORIOGRÁFICO SOBRE A CRONOLOGIA DA MODERNIDADE Quando inicia ou termina a modernidade? Eis uma das perguntas difíceis de responder. Isto porque na maioria das vezes, as periodizações são impostas por diversos historiadores e visões de mundo distintas. Apresentamos alguns eventos que mostram o tipo ideal da sociedade pré-moderna e da sociedade moderna. Porém, não temos como precisar datas de quando um processo histórico inicia ou finda. Na história política, isto é, nas histórias dos países, as datações podem ser mais precisas. Os Estados Unidos da América se transformaram em nação independente no dia 4 de julho de 1776. O Brasil se tornou independente do ponto de vista político em 7 de setembro de 1822. Porém, quando analisamos processos culturais, como fora a modernidade, não se tem a precisão de uma data, mas um debate aberto entre distintas escolas historiográficas. No rol da periodização oficial e tradicional da História ocidental, em especial na historiografia francesa, tem-se que a Idade Moderna se iniciou em 29 de maio de 1453, quando ocorreu a tomada da cidade de Constantinopla pelos turcos otomanos; e o término a data de 14 de julho de 1798, quando a Bastilha foi tomada, que era constituída de uma fortaleza medieval utilizada como prisão, fato que passou a ser identificado como símbolo/marco da Revolução Francesa. Durante o século XVIII, na Inglaterra, tivemos uma nova forma de produção fabril: a Revolução Industrial. Com ela, as relações sociais foram alteradas, pois, apesar do ideal de isonomia, isto é, todos devem ser regidos pelas mesmas leis. Assim temos uma profunda desigualdade no mundo moderno. Isto porque a concentração da renda na mão de poucos é uma constante nos países do sistema capitalista de produção. De um lado, temos os burgueses, donos do capital e dos meios de produção. De outro, o proletariado, isto é, a classe trabalhadora, que depende do salário pago pelos burgueses para a sua sobrevivência (HOBSBAWN, 2009). Esta sociedade, disciplinada pelos apitos das fábricas, composta de burgueses e proletários, em que a tecnologia tem uma importância vital para o desenvolvimento social, é o tipo ideal da sociedade moderna. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 16 Entretanto, outras vertentes historiográficas mencionam o caso da Conquista de Ceuta pelos portugueses em 1415, ou a viagem de Cristóvão Colombo ao continente americano em 1492, ou a viagem à Índia de Vasco da Gama em 1498, como marcos iniciais da época moderna. De acordo com Gandillac (1995) foi em torno do início do século V ao início do século XVII quando progressivamente se construiu uma civilização “moderna”, ou seja, uma periodização de longa duração. Transcorreu na Europa Ocidental, nas margens do Mar Mediterrâneo e gradualmente se estendeu em direção às águas do Oceano Atlântico, em especial às novas terras. Para Gumbrecht (1998) o início da Idade Moderna está relacionado aos acontecimentos da “descoberta do Novo Mundo, mas aponta que a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg, por volta de 1450, foi outro grande marco”. No processo de constituição da modernidade, ocorreram duas fases: uma, situada no início do século XVI, na qual ocorre a experimentação e ambientação da vida moderna; e uma segunda, a partir de segunda metade do século XVIII, quando a sociedade é surpreendida com ondas revolucionárias e convulsivas de modernidade (representadas pela Revolução Francesa, Revolução Industrial e pela urbanização) (BERMAN, 1986). O autor enfatiza também que ao longo do processo de modernização ocorreram percalços, sobressaltos e descaminhos, ao ponto que em pleno correr do século XIX, era possível encontrar grupos e regiões parcialmente caracterizados pelas formas de vida e tradições conforme ocorria na Idade Média. Através das referências encontradas percebe-se que existem desacordos entre os estudiosos e as abordagens que são os marcos quedelimitam o início e o término da modernidade. Mesmo procurando levar em conta os diferentes momentos em que foram encontrados, tanto para o início como do término da modernidade, não conseguem atender às preocupações de uma periodização rígida e estanque. Diante deste impasse, a título de organização dos estudos, estipula-se aproximadamente o tempo transcorrido entre os anos de 1820 e 1930; ou seja, os primórdios do século XIX como período aproximado do auge da modernidade; e as primeiras décadas do século XX como declínio/término. Em vista desta grande gama de informações a respeito, definimos a modernidade como um período em que temos uma desagregação das relações feudais. Este processo de desagregação possuiu uma primeira fase, durante o período do Renascimento, e tem como auge o período que inicia no século XIX e vai até meados do século XX. TÓPICO 1 | DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: MODERNIDADE, SOCIEDADE E CULTURA 17 Neste período da história temos a construção de uma sociedade urbana, ligada às atividades industriais na produção de artefatos, e que tem nas trocas monetárias o padrão da economia, racionalização do pensamento e das mentalidades, e afastamento da Igreja das decisões políticas e dos cargos de governo. 18 Cara(o) acadêmico(a)! A longo deste tópico, intitulado de “As dimensões dos conceitos e dos contextos”, você pôde estudar os seguintes temas: • As concepções de moderno/modernidade, muitas vezes, são empregadas no sentido de desmerecer o antigo, porém, deve-se ter em mente que tanto o antigo como o moderno são indispensáveis à melhoria e superação a qualquer sociedade em qualquer tempo. • No interior da cultura e da sociedade europeia da modernidade surgiu a necessidade de transformar e modificar as formas políticas, econômicas e sociais caracterizadas como medievais e/ou pré-modernas. • Que a transição da produção artesanal para a manufatureira e desta para a produção fabril são considerados como fatores primordiais no processamento e à consolidação da Revolução Industrial e do capitalismo no interior da economia europeia. • A decadência da nobreza feudal (primórdios das monarquias nacionais), os movimentos das Cruzadas, o enfraquecimento do latim, o desenvolvimento das escolas (primeiros esboços do que viriam a ser as universidades) representavam condições favoráveis aos projetos de modernidade. • Na esfera social, associada a atividades econômicas e financeiras, surge o empresário capitalista, que concentrou as máquinas, as terras e as ferramentas de trabalho; e o proletariado, que foi submetido à disciplina nos espaços de trabalho. • Os marcos cronológicos para o início e o término da modernidade são bastante discutidos, diante disto optou-se pelo período entre os anos de 1820 e 1930, ou seja, os primeiros anos do século XIX até os primeiros do século XX, como o momento de auge e de declínio respectivamente. RESUMO DO TÓPICO 1 19 Agora, procure realizar as autoatividades propostas a seguir. A realização destas será fundamental para o entendimento e fixação dos temas aqui abordados. Também representam um exercício preparatório às avaliações que estão previstas ao longo da disciplina. 1 A partir dos estudos dos autores e dos respectivos conceitos o que é possível entender como modernidade? 2 A revisão bibliográfica indica que existem impasses e dificuldades em se estabelecer marcos cronológicos precisos sobre o início e o declínio da modernidade. A partir das referências relacionadas no Tópico 1, que período pode ser considerado como o de maior intensidade e de declínio da modernidade? 3 Visite um site eletrônico de algum museu, e descreva de modo resumido as principais alterações tecnológicas (formato, funcionamento, funções) que um mesmo objeto sofreu com o passar dos tempos. AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução da questão 1 20 21 TÓPICO 2 OS ANTECEDENTES DA MODERNIDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico serão apresentados três aspectos que procuram representar as condições favoráveis que a modernidade encontrou quando ainda não contava com projetos e técnicas claros e bem definidos, de certa forma, aspectos que somados fornecem as condições para se questionar a ordem e a moral estabelecida, propor e divulgar as novas ideias, a reformulação do conceito de trabalho, o movimento do trovadorismo e a invenção da prensa de tipos móveis. Cada um destes pontos contribuiu para que outras condições e estruturas se formassem posteriormente. A reformulação da concepção de trabalho consistiu na agregação de valor positivo e realização humana nesta atividade, o que por sua vez atendia à demanda dos processos de elaboração da matéria-prima e produção de objetos e ferramentas pela manufatura e indústria. O Trovadorismo fazendo críticas aos dogmas católicos e aos membros da Igreja, que alguns anos depois foram endossados e aprofundados pelas teses de Martinho Lutero, através da Reforma Protestante, o que por sua vez foi responsável pelo enfraquecimento do poder da Igreja Católica em meio à sociedade e os surgimentos de outras vertentes religiosas. Os trovadores em grande parte viviam relacionados às cortes das realezas feudais, escarnecendo ou louvando membros da nobreza (MONGELLI, 2001). A prensa de tipos móveis favoreceu uma forma mais eficiente nos registros, impressão e divulgação de ideias, teorias, documentos e na popularização dos mesmos. Pois até então ficavam restritos aos espaços dos mosteiros e bibliotecas muito distantes do acesso livre ao público. Então, vamos estudar um pouco melhor como cada um destes aspectos surgiu e contribuiu com os projetos de modernidade. 2 A NOVA CONCEPÇÃO DE TRABALHO O missionário católico Raimundo Lélio (1232-1315), que atuou entre os povos catalães no século XIII, foi o responsável por reabilitar a expressão e concepção ‘trabalho’, que foi amplamente difundida na sociedade moderna industrial e capitalista (GANDILLAC, 1995). UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 22 A concepção mais antiga de trabalho é oriunda de tripalium, que foi extraída do latim e designava um instrumento de tortura reservado aos escravos. Lúllio a substituiu pela expressão treballan, que é oriunda do idioma catalão, que designa a habilidade em elaborar a matéria bruta, transformando-a em obra, realização e propriedade humana, e dignificadora do próprio homem. Durante muitos séculos, a moral e a ética do “trabalho” e da “conquista” permaneceram, em grande parte, como um fato circunscrito ao universo rural, em lavrar e semear a terra, colher e armazenar alimentos, domesticar e tratar animais, construir pontes, moinhos, celeiros, castelos, palácios, igrejas, minerais, metais preciosos, entre outros. As concepções foram alteradas, inclusive as mais antigas, como, por exemplo, a encontrada na Bíblia em que o trabalho não é mais visto como um indício da maldição de Deus a Adão e Eva, com a expulsão do paraíso, sendo que teriam que ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Ou como na Antiguidade, ou como na Idade Média, trabalhar com as mãos era sinônimo de ser escravo ou servo, um indício de que o indivíduo pertencia aos grupos inferiores da sociedade. Uma das principais alterações que a modernidade realizou foi a de apropriar-se da concepção positiva de trabalho e mudar o ambiente de realização do trabalho propriamente dito, que passou a ser realizado nas cidades, no interior dos espaços das fábricas. O trabalho passa a ser visto como parte fundamental da natureza humana. O trabalho é ainda hoje visto como um valor social, sendo o trabalhador, um personagem social merecedor de respeito, admiração e dignidade pelas obras que faz a si, seus familiares e semelhantes. A nova concepção que foi atribuída ao trabalho combinará com os valores das mudançasno interior da produção de produtos. O homem reconhecendo que o trabalho não era mais motivo de sofrimento e castigo, mas sim uma atividade que o tornaria socialmente reconhecido, se sentiu motivado e disposto a se dedicar e doar a fim de preencher as oportunidades e a demanda da manufatura e indústria nascente, bem como o campo das invenções de máquinas e técnicas e o próprio sistema capitalista que estavam exigindo. 3 TROVADORISMO O Trovadorismo foi um movimento musical e literário que surgiu na época medieval e se caracterizava por apresentar temas relacionados ao amor, ao prazer, à natureza, entre outros. Na sociedade pré-moderna na qual a Igreja Católica detinha grande poder de influência nas mentalidades e no imaginário das populações, sustentada nas ideias de purgatório, inferno e paraíso, e que por sua vez eram utilizadas TÓPICO 2 | OS ANTECEDENTES DA MODERNIDADE 23 3 TROVADORISMO para intermediar interesses políticos também dos senhores feudais, favoreciam obtenção de tributos e rendas, e na prática da repressão e censura das formas de pensamento, na produção artística, intelectual e científica da época, garantindo assim uma espécie de paz e tranquilidade social. Porém manifestações de desobediência e transgressões a este cenário assim como aos membros do clero eram registradas, a exemplo disto tem-se a trajetória de Guilherme IX (1071-1126), o duque de Aquitânia. O duque era um trovador medieval que com as letras de suas cantigas/músicas insultava publicamente os prelados (membros da Igreja), que por sua vez reagiam ameaçando-o de excomunhão, ou seja, de perder a tutela e proteção que a Igreja oferecia diante das incertezas da vida, do purgatório e do inferno, ou ainda da salvação da alma e do final feliz junto ao criador no paraíso (GUMBRECHT, 1988). FIGURA 3 – GUILHERME IX DA AQUITÂNIA, O TROVADOR FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fichei- ro:William_IX_of_Aquitaine_-_BN_MS_fr_12473.jpg>. Acesso em: 8 maio 2013. As críticas que Guilherme IX dirigia à Igreja eram em especial sobre a moral e ao conservadorismo que pregava. Nas composições do trovador fazia alusão a festas, às mulheres, ao sexo e demais prazeres da vida, temas considerados tabus (que não deveriam ser mencionados) na época, pois o homem era tido como pecador original e deveria se privar destas formas de vida. A ameaça não intimidava o trovador. Até fazia questão de se mostrar indiferente e inclusive retribuía ameaçando os dignitários da Igreja; ridiculariza- os e considerava-os nem mesmo dignos de serem feridos pela sua espada. (GUMBRECHT, 1998, p. 59). UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 24 Durante a Idade Média, a autoimagem predominante do homem era de um ser resultante da criação divina, cuja verdade ou estava além da compreensão humana, ou só poderia ser dada a conhecer pela revelação e iluminação de Deus, ou seja, a que se encontrava contida na Bíblia (GUMBRECHT, 1998). Os acontecimentos relacionados às provocações de Guilherme IX indicam o enfraquecimento dos poderes da Igreja na sociedade, de que existiam limites e fragilidades das relações de poder que a Igreja mantinha com os senhores feudais, das negociações de cargos políticos no interior da Igreja, em especial do poder real de a Igreja intervir em vida ou diante da morte de seus fiéis (temporal-vida e atemporal-morte). Aponta também que talvez estas práticas tenham favorecido o horizonte da dúvida e da especulação de dogmas e explicações com as quais se poderia pensar – de modo seletivo e significativo – séculos mais tarde em especial a partir da Reforma Protestante e no aprofundamento dos estudos no campo da astronomia, anatomia entre outros (GUMBRECHT, 1998). Hoje em dia o movimento do Trovadorismo não subsiste ou não possui muitos apreciadores, mas é possível encontrar alguns grupos que estudam e interpretam as poesias desta época, como é o caso do Conjunto de Câmara de Porto Alegre, que segue: DICAS A partir do uso de instrumentos e os temas relacionados aos trovadores medievais, o Conjunto de Câmara de Porto Alegre traz em suas composições o cenário e o contexto do final da Idade Média e da época moderna, quando interpretam e musicam as composições dos trovadores medievais e dos poetas modernos. TÓPICO 2 | OS ANTECEDENTES DA MODERNIDADE 25 FIGURA 4 – CONJUNTO DE CÂMARA DE PORTO ALEGRE FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Conjunto_de_C%C3%A2ma- ra_de_Porto_Alegre>. Acesso em: 23 out. 2013. UNI CONJUNTO DE CÂMARA DE PORTO ALEGRE Procure conhecer os trabalhos do Conjunto de Câmara de Porto Alegre que com os discos “Trovadores Medievais” de 1995, “Tempo de Descobertas” de 2001 e “Divina Decadência”, de 2003, abordam e recompõem o cenário musical e poético do final de Idade Média, do Renascimento e do início da modernidade, fazem isto se utilizando de instrumentos, composições e poemas da época. Para ouvir acesse os endereços a seguir: • Dom Afonso X - “Quen a Omagen da Virgen”. Conjunto de Câmara de Porto Alegre. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=1VdT79UaVhM>. Acesso em: 23 set. 2013. • Laudario di Cortona - “Onne Homo”. Conjunto de Câmara de Porto Alegre. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=58v7UN4ku7M>. Acesso em: 23 set. 2013. 4 A PRENSA DE TIPOS MÓVEIS A leitura e a escrita ao longo da Idade Média estavam restritas a poucos membros da sociedade. Estima-se que 98% da população não sabia ler ou escrever. A escolarização destinava-se somente aos filhos de nobres, sobretudo à formação de clérigos e a preencher as vagas e cargos no interior da Igreja. E ao mesmo tempo em que estes indivíduos se alfabetizavam, também assumiam a função/poder de detentores do “saber/conhecimento” e a responsabilidade pelos registros oficiais no interior da sociedade da época. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 26 Porém a partir do século XIII, este quadro passou por alterações, especialmente com a formação dos primeiros estudantes em finanças, contabilidade e técnicas de navegações, que foram rapidamente solicitados e procurados por reis, comerciantes, banqueiros, comerciantes e negociadores. Outro momento foi também quando, a partir do final do século XIII, a transcrição dos manuscritos passou a ser feitas também em línguas vernáculas, ou seja, nas línguas além do latim, como o italiano, o francês, o alemão, entre outras. Este fato acaba por apontar um sintoma de crise maior, o gradual desequilíbrio e a perda de controle da Igreja sobre o saber e o conhecimento (GUMBRECHT, 1998). Uma vez que o conhecimento e o saber não se encontravam exclusivamente sob domínio dos clérigos e passou a estar ao alcance dos leigos e demais interessados, ocorreu um significativo enfraquecimento do poder que a Igreja exercia sobre a sociedade. Os novos letrados, que já não se dedicavam somente aos temas religiosos, passaram a estudar e formular teorias e atividades que seriam utilizadas em escritórios contábeis, bancários, nos registros de tesouro dos reis, em cálculos de custos e lucros, formulações de cartilhas ao comércio entre outras atividades. Este momento de mudanças em relação aos interesses pelos campos do saber e conhecimento foi potencializado com a invenção de Johann Gensfleish Gutenberg (1397-1468) que é a impressão por tipos móveis, realizada por volta do ano de 1450, no interior da Alemanha. A prensa possibilitou a produção e a reprodução de livros em maior quantidade, em menor tempo e além de descentralizar esta tarefa que antes somente era feita por copistas, domínios que se resignavam no interior dos mosteiros e das igrejas (GUMBRECHT, 1998). Outras consequências podem ser deduzidas ainda como a confecção das bíblias que foram utilizadas na difusão da Reforma Protestante, agora traduzidas e impressas fora dosdomínios católicos. Por outro lado, logo a prensa foi utilizada na emissão de notas bancárias, cédulas, cartas de crédito, normas, leis, salvo- condutos, entre outros. Tem-se a seguir uma réplica da estrutura adaptada por Gutemberg: TÓPICO 2 | OS ANTECEDENTES DA MODERNIDADE 27 FIGURA 5 – RÉPLICA DA PRENSA DE GUTEMBERG FONTE: Disponível em: <http://historiadatipografia.files.wordpress. com/2012/05/imprensa-de-gutenberg.jpg?w=418&h=430>. Acesso em: 5 dez. 2012. A gravura a seguir procura ilustrar o sistema de operação e o funcionamento da prensa propriamente dita: FIGURA 6 – O FUNCIONAMENTO DA PRENSA FONTE: Disponível em: <http://etc.usf.edu/clipart/11300/11358/gu- tenberg_11358_lg.gif>. Acesso em: 5 dez. 2012. UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 28 Gradualmente, além das traduções da Bíblia para as línguas regionais, documentos de governo e até obras literárias foram impressas, o que acabou por despertar o interesse pelo conhecimento e pela leitura em meio à população de um modo geral. A leitura complementar que segue traz informações mais precisas sobre o processo de criação e adaptação que Gutemberg desenvolveu, e como funcionou a tipografia e os primeiros materiais que foram impressos: LEITURA COMPLEMENTAR 1 A PRENSA DE TIPOS MÓVEIS Pedro João Gaspar É a Gutenberg, Johann Gensfleish (1397-1468), nascido na cidade de Mogúncia (Alemanha), que a história atribui o mérito principal da invenção da imprensa, não só pela ideia dos tipos móveis “a tipografia”, mas também pelo aperfeiçoamento da prensa, que já era conhecida e utilizada para cunhar moedas, espremer uvas, fazer impressões em tecido e acetinar o papel. Pode ter sido na Casa da Moeda do arcebispo de Mogúncia, onde tanto o pai como o tio eram funcionários, que Gutenberg aprendeu a arte da precisão em trabalhos de metal. Em 1428 parte para Estrasburgo onde procedeu às primeiras tentativas de imprimir com caracteres móveis, onde deu a conhecer a sua ideia e que, provavelmente em 1442, realizou a impressão do primeiro exemplar na sua prensa original – um pedaço de papel, com onze linhas. Vinte anos mais tarde regressou a Mogúncia, conheceu Johann Fust, ourives abastado que lhe emprestou 800 ducados, e juntos formaram a Fábrica de Livros (Das Werk der Bücher). Pouco tempo depois esta sociedade ganhou um novo sócio, Pedro Schoffer, e teria sido este que descobriu o modo de fundir e fabricar caracteres, aliando o chumbo ao antimônio, e teria também descoberto uma tinta composta de negro de fumo. Nos primeiros documentos impressos e produzidos contam-se várias edições do “Donato” e bulas de indulgências concedidas pelo Papa Nicolau V. No início da década de 1450, Gutenberg iniciou a impressão da célebre Bíblia de quarenta e duas linhas (em duas colunas), publicada cinco anos mais tarde. Das cerca de trezentas cópias da Bíblia então produzidas, ainda existem cerca de quarenta (1). Posteriormente a imprensa expande-se graças às guerras, que por sua vez acabaram por forçar a fuga e dispersão dos primeiros impressores, e já em 1465 reaparece em Subiaco, perto de Roma, e pouco depois em Cracóvia, Basileia, TÓPICO 2 | OS ANTECEDENTES DA MODERNIDADE 29 Viena e Paris. Em Portugal, pensa-se que foi a partir do ano de 1487, em Faro, que apareceu a primeira oficina de impressão (2). (1): Instituto Multimédia - Museu Virtual da Imprensa, <http://www.imultimedia. pt/museuvirtpress/port/persona/g-h.html>. (2): Encarta Online encyclopedia - Gutemberg, Johannes, <http://www.encarta. msn.com/encyclopedia_761564055/Gutenberg_Johannes.html>. FONTE: GASPAR, Pedro João. O Milénio de Gutenberg: do desenvolvimento da Im- prensa à popularização da Ciência. Disponível em: <https://iconline.ipleiria.pt/bitstre- am/10400.8/112/1/O%20Mil%C3%A9nio%20de%20Gutenberg%20-do%20desenvolvimento%20 da%20Imprensa%20%C3%A0.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2013. 5 NOÇÕES DE TEMPO E ESPAÇO As noções de tempo e espaço também sofreram alterações, no sentido de que ocorreu uma espécie de esvaziamento das mesmas, fazendo com que emergissem as experiências e formas de vida regionais e locais regidas e ditadas por outras referências como os relógios mecânicos e os espaços das novas regiões e terras ainda não exploradas. A seguir relaciona-se o texto do estudioso Antony Giddens (1991), que aborda as mudanças que aconteceram a partir da modernidade no sentido de alterar a relação e o sentido entre tempo e espaço, aspectos considerados fundamentais ao desenrolar desta época na história da humanidade. LEITURA COMPLEMENTAR 2 MODERNIDADE, TEMPO E ESPAÇO Antony Giddens Para compreender as conexões entre a modernidade e a transformação do tempo e do espaço, precisamos começar traçando alguns contrastes com a relação ao tempo espaço no mundo ainda pré-moderno. Todas as culturas pré-modernas possuíam maneiras de calcular o tempo. O calendário, por exemplo, foi uma característica tão distintiva dos estados agrários quanto a invenção da escrita. Mas o cálculo do tempo que constituía a base da vida cotidiana, certamente para a maioria da população, sempre vinculou tempo e lugar – que era geralmente impreciso e variável. Ninguém poderia dizer a hora do dia sem referência a outros marcadores socioespaciais: "quando" era quase, universalmente, ou conectado a "onde" ou identificado por ocorrências naturais regulares. A invenção do relógio mecânico UNIDADE 1 | CONCEITOS E CONTEXTOS DA MODERNIDADE 30 e sua difusão entre todos os membros da população (um fenômeno que data em seus primórdios do final do século XVIII) constituiu a chave explicativa e compreensiva na separação entre o tempo e o espaço. O relógio expressou uma dimensão uniforme de tempo "vazio" quantificado de uma maneira que permitisse a designação precisa de "zonas" do dia (a "jornada de trabalho", por exemplo). O tempo ainda estava conectado com o espaço (e o lugar) até que a uniformidade de mensuração do tempo pelo relógio mecânico correspondeu à uniformidade na organização social do tempo. Esta mudança coincidiu com a expansão da modernidade e não foi completada até o corrente século. Um de seus principais aspectos foi a padronização em escala mundial dos calendários. O "esvaziamento do tempo" é em grande parte a pré-condição para o "esvaziamento do espaço" e se tem assim prioridade causal sobre ele. Pois, a coordenação através do tempo é a base do controle do espaço. O desenvolvimento de "espaço vazio" pode ser compreendido em termos da separação entre espaço e lugar. É importante enfatizar a distinção entre estas duas noções, pois elas são frequentemente usadas, mais ou menos, como sinônimos. "Lugar" é melhor conceitualizado por meio da ideia de localidade, que se refere ao cenário físico da atividade social como situado geograficamente. Nas sociedades pré-modernas, espaço e tempo coincidem amplamente, na medida em que as dimensões espaciais da vida social são, para a maioria da população, e para quase todos os efeitos, dominadas pela "presença" por atividades localizadas. A "descoberta" de regiões "remotas" do mundo por viajantes e exploradores ocidentais foi a base necessária para ambos. O mapeamento progressivo do globo que levou à criação de mapas universais, nos quais a perspectiva desempenhava um pequeno papel de representação da posição e forma geográficas, estabeleceu o espaço como "independente" de qualquer lugar ou região particular. A separação entre o tempo e o espaço não deve ser vista como um desenvolvimento unilinear, no qual não há reversões ou que é todo abrangente. Pelo contrário, como todas as tendências de desenvolvimento, ela tem traços dialéticos provocando características opostas. Além do mais, o rompimento entre tempo e espaço forneceu uma base à recombinação em relação à atividade social. Isto é facilmente
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