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SEGURANÇA INTERNACIONAL E ESTUDOS ESTRATÉGICOS

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SEGURANÇA INTERNACIONAL E ESTUDOS ESTRATÉGICOS
1. INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS ESTRATÉGICOS E AOS ESTUDOS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL
A própria origem das relações internacionais como área do conhecimento pode ser traçada ao fim da Primeira Guerra Mundial, sendo as primeiras abordagens muito preocupadas com os problemas da guerra e as vias para a paz. Além disso, há um aumento de diversificação dos temas pertencentes à agenda de segurança internacional, envolvendo terrorismo, narcotráfico, crime organizado transnacional, migrações, ciberespaço, entre outros.
1.1 Os Estudos Estratégicos
A estratégia refere-se ao modo que a força é empregada para perseguir objetivos políticos, incluindo a ameaça de uso da força.
São marcos do pensamento as obras História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides, e A arte da guerra, de Sun Tzu. Pode-se afirmar que a ideia de estratégia atravessou a Idade Média até chegar à Idade Moderna como “a arte da guerra”, também título de famosa obra de Maquiavel. Com o advento do Iluminismo, o pensamento sobre estratégia foi dominado pela busca da racionalidade, sendo a estratégia militar pautada a partir da experiência prática, com Carl von Clausewitz e Antoine-Henri Jomini como grandes expoentes. Entre o fim do século XIX e o início do XX, os estudos sobre estratégia se desenvolveram com mais vigor na Alemanha, na França, no Reino Unido e nos Estados Unidos. As primeiras abordagens estavam voltadas ao estudo da direção e da execução das operações militares.
Em seu significado tradicional, estratégia implica possibilidade de uso da força, mas não se confunde com a tática.
Observação: A tática é o “emprego e arranjo de forças militares em relação a outras no campo de batalha. Constitui-se no nível mais básico e prático do planejamento militar. O objetivo da tática é determinar a melhor forma de emprego das forças em pequena escala para alcançar metas de valor imediato.
Os Estudos Estratégicos têm como foco um problema essencial: “como fazer da força um instrumento racional da política em vez de assassinato gratuito – como integrar política e guerra?”. Interessa, desse modo, analisar o antes, o durante e o depois da guerra, considerando que essas fases são interdependentes.
A área possui grande afinidade com a teoria realista das relações internacionais. Pode-se considerar que o quadro de análise envolve a interligação da preocupação do Estado à segurança de suas questões políticas, geográficas, econômicas e de poder militar. 
Após a Guerra Fria, perspectivas que indicavam a perda de relevância desse tipo de análise ganharam destaque. Os seguintes pontos expressam a importância das discussões realizadas nesse campo:
• necessidade de expertise caso ocorra um novo grande conflito; • confusão acerca das possibilidades da força militar como instrumento de política externa; • influência na composição do orçamento; • relações civis-militares.
1.2 Os Estudos de Segurança Internacional
Os Estudos de Segurança Internacional são mais amplos do que os Estudos Estratégicos, podendo ser entendidos como tudo que se refere à segurança de uma política – incluindo aspectos além da preocupação militar, como formação política, mobilização social e econômica, controle de armamentos e terrorismo.
Surgiram a partir de debates sobre como proteger o Estado contra ameaças internas e externas após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não existindo uma definição universal do campo.
Dominaram o pensamento sobre segurança entre as décadas de 1940 e 1980, especialmente em um contexto de disputa ideológica entre superpotências. Porém, como já dito, surgiram pesquisas sobre a necessidade de expansão de tal leque de preocupações– tanto em termos do que necessitaria ser protegido como das questões abordadas. A expansão ganhou força no contexto pós-Guerra Fria.
É importante ressaltar que os Estudos de Segurança Internacional são, em suas origens, uma disciplina anglo-americana, o que significa que suas bases estão assentadas em uma visão ocidental sobre o Estado. São estruturados a partir de quatro questões:
• privilégio do Estado como objeto de referência; • inclusão de ameaças internas e externas; • expansão da segurança para além do setor militar; • ligação com dinâmicas de ameaça e urgência.
Observação: O conceito de segurança humana surge no contexto de alargamento que o paradigma de segurança sofre no pós-Guerra Fria, em que a referência deixa de ser o Estado e passa a ser o indivíduo.
Observação: Os princípios de soberania e de não intervenção em assuntos internos, que estão no cerne do sistema dos Estados modernos e das relações internacionais, foram estabelecidos pelo Tratado de Vestfália de 1648, que colocou um ponto final nas guerras religiosas da época.
A ameaça pode ser entendida como “algo que indica, que mostra, que anuncia ou prenuncia um dano, uma desgraça. Não é a própria desgraça ou dano, mas seu anúncio, seu indicativo, seu sinal”.
Buzan e Hansen identificam cinco forças por trás da evolução dos Estudos de Segurança Internacional: • a política das grandes potências; • o imperativo tecnológico; • os eventos-chave; • a dinâmica interna dos debates acadêmicos; • a institucionalização.
O primeiro ponto envolve a questão da polaridade do sistema era estruturante da Guerra Fria para a compreensão não só do relacionamento entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas também da forma como o restante dos países era afetado pela competição. Além disso, a relevância, valendo destacar o foco na possibilidade de ascensão de novos focos de poder, como a China.
O segundo ponto diz respeito aos impactos dos desenvolvimentos tecnológicos para a segurança internacional. A tecnologia nuclear teve grande importância. Porém, não devemos considerar apenas tecnologias exclusivamente militares.
O terceiro ponto são os eventos-chave. Eles podem ser tanto crises específicas, que se tornam objetos de estudo e mudam compreensões e modelos existentes (como a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962 e os ataques terroristas contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001) como processos que se desenrolam ao longo do tempo e mudam entendimentos e prioridades (como a consciência ambiental).
O quarto ponto, da dinâmica interna dos debates acadêmicos, refere-se à construção do conhecimento e aos debates sobre epistemologia, metodologia e foco. Isso porque não são somente eventos concretos que influenciam a área de estudos, mas os desenvolvimentos teórico/conceituais e metodológicos.
No último ponto, estão a alocação de recursos e a organização burocrática. A institucionalização é composta por quatro elementos entrelaçados: estruturas organizacionais (universidades, centros de pesquisas e think tanks); financiamento (governos, fundações, universidades e think tanks); disseminação do conhecimento (academia, publicações, conferências, aparições de especialistas, entre outros); e redes de pesquisa (conferências, redes digitais, pesquisadores visitantes, empregabilidade de doutores etc.).
1.3 O conceito de segurança
Uma das contribuições de maior destaque sobre o tema é a reflexão de Wolfers (1952) sobre a segurança nacional. De acordo com o autor, “segurança aponta a algum grau de proteção de valores previamente adquiridos”. Em termos objetivos, a segurança “mede a ausência de ameaças a valores adquiridos, em um sentido subjetivo, a ausência de medo de que tais valores sejam atacados”. De qualquer forma, a segurança é um valor, uma vez que um país pode ter mais ou menos segurança.
Baldwin (1997) parte da formulação de Wolfers e reformula a proposição como uma baixa probabilidade de dano a um valor adquirido. Porém, é necessário fazer especificações ao se referir à segurança, especialmente sobre para quem é a segurança, quais valores estão em questão, por quais meios, a qual custo e qual o período.
A razão disso é que a segurança é só um de vários objetivos políticos que competem por recursos escassos. Dessa forma, o tema é compreendido por meio da abordagem do valor marginal, que relaciona os valores à leida utilidade marginal decrescente (BALDWIN, 1997). Isso significa que uma determinada quantidade de segurança é necessária, mas que está sujeita a variações de acordo com a situação e, além disso, o valor de um incremento de segurança depende do quanto já se tem e do contexto histórico.
Buzan e Hansen (2012) propõem compreender a segurança como apoiada ou conduzida por outros conceitos. Para os autores, existem três tipos de conceitos adjacentes: complementares, paralelos e opositores. Os primeiros referem-se a um conjunto restrito de questões, sendo possível citar como exemplo dissuasão, estratégia ou humanitarismo. Os conceitos paralelos, por sua vez, apontam para um conjunto mais amplo de questões das relações internacionais ou da ciência política, como poder, soberania e identidade. Já os conceitos opositores dizem respeito a perspectivas que trabalham com a noção de segurança, mas defendem sua substituição por outros conceitos, como paz, risco ou exceção.
A defesa pode ser compreendida como algo dinâmico em vez de uma situação estabelecida, tratando-se do planejamento e das ações dos Estados para se protegerem diante de situações de risco.
É necessário realizar uma distinção entre segurança interna/pública e defesa. No âmbito doméstico, o emprego da força é protetor e conservador da ordem, enquanto no cenário externo é caracterizada pela letalidade defensiva.
Pode-se apontar que muitas vezes tal divisão – Forças Armadas destinadas ao âmbito externo e as polícias ao interno – não ocorre de fato, havendo situações em que as Forças Armadas são autorizadas a atuar internamente.
2. DA GUERRA
O debate em torno da guerra, suas causas, métodos e consequências sempre esteve presente na história da humanidade, remontando ao relato de Tucídides sobre a guerra entre Atenas e Esparta, ainda no período da Grécia Antiga.
2.1 A concepção clássica de guerra
A guerra é, antes de tudo, um instrumento político.
De acordo com Raymond Aron, as relações internacionais podem ser associadas a duas figuras. De um lado, está a figura do diplomata representando a cooperação e as negociações não violentas, ou seja, a diplomacia. Do outro lado da moeda, está a figura do soldado, que representa a competição e os meios coercitivos e violentos.
Tipologia da guerra: 
A opção pela guerra usualmente ocorre quando os instrumentos diplomáticos se mostram insuficientes para defender os interesses de um determinado ator. No entanto, existem alguns níveis específicos sobre o processo decisório de entrar em uma guerra e como conduzi-la.
• Nível político: decisão de entrar em guerra com o país Y, com o objetivo final de deter controle sobre o acesso ao mar na região Z. 
• Nível estratégico: a partir do levantamento sobre os recursos disponíveis, opta-se por um conflito ofensivo e de decisão rápida, onde se tentará defender a posição territorial a qualquer custo. 
• Nível táticooperacional: mobilizar cinco batalhões para essa guerra, disponibilizando cem armas e três canhões no total. Cada batalhão terá o mesmo número de armas e três batalhões contarão também com um canhão. Um batalhão será direcionado para a linha de frente de batalha, enquanto dois serão posicionados à esquerda do inimigo.
2.1.1 O debate sobre política e estratégia
De acordo com a perspectiva francesa, diferentemente do ambiente tático que envolve o campo de batalha, o âmbito estratégico é aquele que está além do alcance de um tiro de canhão.
Enquanto para Clausewitz (1996), a estratégia representa o meio a fim de garantir a vitória, o líder da revolução chinesa Mao Tsé-Tung define o termo afirmando que a estratégia é uma ciência que estuda “as leis da direção das operações militares que influenciam a situação da guerra como um todo”. Porém, é o general francês André Beaufre que elabora uma acepção mais abrangente ao afirmar que a estratégia representa “o meio específico da ação na política internacional”.
De acordo com Beaufre (2002), a estratégia não deve ser uma doutrina única, mas sim um exercício complexo que permita classificar e hierarquizar os acontecimentos para que escolhas procedimentais mais eficazes sejam feitas.
Argumenta que ela não deve se concentrar apenas no aparato técnico-militar, tendo em vista que as escolhas procedimentais abarcam também as dimensões política, econômica e diplomática.
Vale destacar que os objetivos fixados pela política podem ser ofensivos, defensivos ou de manutenção do status quo. Entretanto, comum a todos esses objetivos, está a busca pela aceitação, por parte do adversário, das condições que se quer impor.
Em suma, a estratégia envolve o jogo abstrato da oposição de duas vontades, a arte da dialética das vontades que emprega a força para resolver o conflito. Na dialética das vontades, a decisão é um fenômeno de natureza psicológica que se quer induzir no adversário: convencê-lo de que prosseguir ou empreender a luta é inútil. 
Para alcançar a decisão, a estratégia dispõe de meios materiais e morais que vão desde o bombardeio nuclear até a propaganda. Os meios da estratégia devem ser selecionados e combinados para que suas ações comovam o psicológico do adversário suficientemente para produzir o efeito moral decisivo. A escolha dos meios para tanto dependerá da relação entre as possibilidades disponíveis e as vulnerabilidades do adversário. 
A elaboração do plano estratégico demanda considerar as possibilidades de reação do adversário a qualquer ação. Por isso, é importante dividir a arte militar em três níveis: estratégia, tática e logística. Enquanto a tática é empregar as armas no combate, a logística é a ciência das movimentações e dos abastecimentos.
Se os meios dispostos são muito potentes e o objetivo é modesto, a ameaça basta para fazer com que o adversário aceite as condições impostas. Em um contexto em que estão envolvidas armas nucleares, por exemplo, o modelo de ameaça direta serve de base para a estratégia da dissuasão. Em contrapartida, se mesmo com objetivos modestos, os meios disponíveis forem insuficientes para uma ameaça decisiva, se buscará a resolução por ações de natureza econômica, diplomática ou política.
Por outro lado, se o objetivo for importante, mas a margem de liberdade de ação, estreita; e os meios, limitados, se buscará a decisão por ações que combinem a ameaça direta e a pressão indireta. Em contraponto, se a margem de liberdade de ação for grande, mas os meios disponíveis para obter a decisão militar forem escassos, pode-se recorrer a uma estratégia de conflito de grande duração a fim de afetar moralmente o adversário.
Por último, se os meios militares disponíveis forem potentes, se buscará uma vitória militar por conflito direto, preferencialmente, curto. A destruição das forças adversárias em batalha pode bastar para que se admitam as condições impostas; caso contrário, a ocupação territorial pode ser necessária.
2.1.2 As “velhas guerras”
Nos estágios iniciais da formação do Estado europeu, os monarcas organizavam exércitos a partir da coalização de líderes feudais e, gradualmente, consolidavam fronteiras territoriais e centralizavam o poder por meio de suas capacidades econômicas, provenientes de taxações ao povo, para organizar um exército de mercenários. Contudo, a manutenção de exércitos mercenários mostrou-se inviável pelos altos custos envolvidos e os riscos derivados da falta de comprometimento dos mercenários.
A partir de então, foram criados exércitos fixos, o que possibilitou a especialização e profissionalização das forças militares. Um aspecto interessante foi a introdução de uniformes para distinguir os militares dos civis, além de aproximá-los da figura do monarca.
Para promover a manutenção dos exércitos permanentes, os Estados passaram a regulamentar a administração e a taxação. Ou seja, em troca da garantia de proteção aos indivíduos, o monarca garantia o fluxo positivo dos impostos.
A evolução das guerras entre o século XVII e o século XX
Também intitulados de conflitos armados tradicionais ou guerras clássicas, a autora Mary Kaldor nomeia esses conflitos de velhasguerras, que estariam ligados a partir de algumas características em comum, a saber: 
• envolvimento de Estados como principais atores políticos e, portanto, pelo embate entre Forças Armadas regulares; 
• conflitos iniciados a partir de declarações de guerra e finalizados por meio de tratados de paz; 
• clara distinção entre os militares e a população civil durante os conflitos; 
• campos de batalha geograficamente bem delimitados; 
• relativa simetria entre as relações de força das partes envolvidas.
Como exemplo de velhas guerras, podemos destacar a Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870, que envolveu de um lado o Paraguai e de outro a chamada Tríplice Aliança, composta por Argentina, Brasil e Uruguai. Para além das questões políticas desse conflito, cabe ressaltar o interesse pelo controle territorial por parte do Paraguai em razão da possibilidade de ganhar acesso ao mar.
Outro exemplo de guerra clássica foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Em mesma medida, a Segunda Guerra Mundial também representa um bom exemplo de conflito armado tradicional, estendendo-se entre 1939 e 1945.
2.2 Transformação dos conflitos contemporâneos: as “novas guerras”
Diante do contexto pós Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) designou uma comissão para debater as novas ameaças à segurança internacional. Sem descartar as ameaças tradicionais, a agenda de segurança passou a incorporar as novas ameaças de natureza internacional e transnacional. Segundo Saint-Pierre, uma das respostas a essa nova realidade global foi conhecida como Consenso de Washington, que propunha a redução do Estado e o acatamento a uma pauta de segurança comum – amplamente influenciada pelas percepções e preocupações estratégicas da superpotência estadunidense.
No continente americano, propôs-se uma agenda de segurança em que o narcotráfico e as migrações eram as principais ameaças, e a reação militarizada era a resposta para todos os problemas. A associação entre esse entendimento – sintetizado no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) – e o Consenso de Washington “sugeria ajustar os orçamentos da Defesa, adequar as Forças Armadas nacionais à segurança interna, como forças policiais, e deixar as tarefas de defesa aos cuidados da potência hegemônica do hemisfério”.
Observação: O Tiar foi assinado em 1947 por 19 países do continente americano com o intuito de garantir “uma resposta concertada a qualquer ameaça exógena à região”. Consenso de Washington é o nome usualmente atribuído ao conjunto de medidas econômicas formuladas ao fim da Guerra Fria, incluindo questões de disciplina fiscal, livre-comércio e outros.
A maior parte dos conflitos armados contemporâneos não se enquadram na definição clausewitziana de impor a vontade política ao inimigo a partir da vitória política. O autor indaga se a reflexão estratégica deve ater-se às concepções de Clausewitz e classificar a maior parte desses conflitos como “não guerras”, ou considerá-los guerras e abandonar a definição clausewitziana.
Segundo o autor Saint-Pierre, duas características se encontram e se complementam para fornecer os limites conceituais das ameaças contemporâneas. Por um lado, “a emergência de formas ancestrais de conflito de múltiplas faces e aparência difusa, e, por outro, a forma tecnologicamente mais sofisticada da violência institucional concentrada unilateralmente”. 
A primeira diferença é que os objetivos das novas guerras têm relação com políticas de identidade, ao passo que as guerras convencionais tinham objetivos geopolíticos e ideológicos. A segunda diferença é que, no período das duas guerras mundiais, a economia da guerra era centralizada, enquanto no contexto da globalização, a economia de guerra é descentralizada. A terceira diferença é que em guerras convencionais são empregadas concentrações militares para buscar a vitória em um campo de batalha específico, ao passo que as novas guerras se utilizam de táticas de guerrilha contra a insurgência. Ainda, a autora pontua que esse tipo de técnica de guerra frequentemente envolve a expulsão de populações por meio de genocídio e intimidação psicológica, política ou econômica.
Além disso, ainda que a maior parte dessas novas guerras seja localizada, é possível identificar uma característica transnacional que dificulta a distinção entre o interno e o externo a partir da perspectiva do Estado.
Saint-Pierre argumenta que as tensões e crises que acarretam os fenômenos bélicos intraestatais são majoritariamente produtos das limitações do Estado-Nação que, ao ter seu modelo ocidental exportado para outras regiões do mundo, é implantado sobre contextos socioculturais muito diferentes. Dessas circunstâncias, emergem dificuldades de manutenção do Estado de Direito em âmbito interno e de reconhecimento por parte de outros Estados do sistema internacional, e temas como violação dos direitos humanos, genocídio, limpeza étnica, fluxos migratórios e de refugiados passaram a ocupar lugar de destaque na agenda internacional.
Por esse motivo, a ONU assumiu a liderança institucional de amparo às regiões afetadas por esse fenômeno. A década de 1990 testemunhou a proliferação das operações de manutenção da paz autorizadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), mas relevaram-se alguns limites às atividades de manutenção da paz – sobretudo as relacionadas aos princípios tradicionais do sistema westfaliano: soberania, independência e não intervenção nos assuntos internos.
Lembrete:
 Velhas guerras são os conflitos interestatais, usualmente iniciados a partir de declarações de guerra oficiais, em que os campos de batalha são bem delimitados e existe relativa simetria entre as relações de força das partes envolvidas. 
Novas guerras são os conflitos intraestatais complexos com contornos regionais e reflexos transnacionais, nas quais a distinção entre interno (repressão) e externo (agressão) se torna difusa. Elas são geralmente decorrentes de pautas identitárias, que envolvem e afetam a população civil de modo mais proeminente.
2.2.1 As “novíssimas guerras”
Esses conflitos apresentam uma violência armada organizada que ocorre em nível cada vez mais micro, porém com uma grande capacidade de se manifestar em nível global.
Essas novíssimas guerras seriam complexas por definição, pois apresentam características mistas de crime organizado e novas guerras. Trata-se de uma situação bastante presente nas chamadas zonas de indefinição, ou seja, quando mesmo sem uma guerra declarada, as características se assemelham a uma zona de conflito – inclusive no que se refere aos âmbitos político, econômico e social.
2.3 Principais desafios dos conflitos contemporâneos
2.3.1 Os aspectos políticos e sociais da guerra
Partindo da definição clausewitziana da guerra como uma continuação das relações políticas por outros meios e levando em consideração que as atividades políticas são determinadas pela ação dos atores sociais, nota-se que a guerra se dá nos âmbitos político e social, não sendo possível reduzir as análises sobre a guerra a aspectos puramente tático-operacionais. Tendo em vista que se trata de um fenômeno protagonizado por atores organizados em sociedade, é fundamental levar em consideração variáveis como comportamento humano e aspectos psicológico-subjetivos.
O primeiro ponto é que as Forças Armadas constituem-se como assessoria nessa estrutura, ou seja, não lhes cabe a decisão política da guerra. Portanto, quem deve optar pela guerra como um meio para o alcance desse fim é o decisor político. Essa ideia relaciona-se com a noção de pirâmide da estratégia apontada por Beaufre (1998), na qual, mesmo a estratégia total, que subordina as estratégicas específicas e operacionais, está subordinada à política.
Por esse motivo, é importante problematizar autores como Sun Tzu (2014), que aponta que os generais não devem obedecer cegamente às ordens políticas do soberano, uma vez que eles detêm o conhecimento técnico e prático da guerra. Em mesma medida, vale problematizar o argumento defendido por Jomini(2008) de que a suposta irracionalidade da política faz com que os objetivos políticos devam estar subjugados aos objetivos militares.
O segundo ponto a ser analisado diz respeito ao aspecto social da guerra. A esse respeito, Clausewitz é um dos autores que aponta a fragilidade de uma visão parcial e quase materialista sobre a guerra e critica a abordagem cientificista relativa aos preparativos para o confronto, uma vez que essa visão os reduz a um conjunto de conclusões categóricas e plenamente calculáveis.
O autor também critica a falta de atenção aos fatores psicológicos, intersubjetivos e aos valores morais, afirmando que a guerra “é sobretudo parte da existência social do homem”.
Embora Liddell Hart (1967) apresente uma crítica problemática a respeito do trabalho de Clausewitz – afirmando que o conceito de estratégia clausewitziano invade um campo que deve pertencer exclusivamente à política –, o autor também levanta alguns pontos interessantes para a sua análise: a questão da racionalidade, a importância do indivíduo e o âmbito psicológico. Hart argumenta que a guerra deve ocorrer principalmente na esfera psicológica, na mente do inimigo, colocando a estratégia como uma ação diversionária destinada a desequilibrar o adversário com o objetivo de privá-lo de sua liberdade de ação, confundindo-o, desorientando-o e surpreendendo-o.
Em meio a uma ampla literatura que aborda a paz a partir da guerra, Aron (2002) destoa um pouco ao afirmar que a guerra é a forma de retorno à paz, sendo necessário pensar no tipo de paz que se almeja para, a partir disso, definir o tipo de vitória militar necessária.
Já Florestan Fernandes aborda com maior assertividade a função social da guerra, como contraponto à literatura supracitada, compreendendo a guerra como um ato de vingança.
Tendo em vista esses dois pontos, cabe aprofundar a oposição existente entre as obras com abordagem mais “clássica” – de viés mais militarista e que buscam definir uma metanarrativa da guerra – e a abordagem trazida por Florestan Fernandes –, que aponta a ramificação da guerra por toda a estrutura social e procura ressaltar as especificidades de cada sociedade. Mais especificamente, vale tensionar as diferenças na forma de caracterizar o inimigo, a diferença entre soldados e guerreiros, a importância das armas e a própria noção de guerra.
Ao passo que a aqui denominada “literatura clássica” compreende a desumanização do inimigo como um método de mobilizar a sociedade em prol da guerra, a análise sociológica dos tupinambás estabelece o contrário: a valorização do inimigo. Todos os ritos de tratamento do escravo, desde o aprisionamento até sua execução, revelam uma grande preocupação em identificar o prisioneiro com o seu próprio grupo e transferir para a sua pessoa as culpas da coletividade à qual ele pertencia. O inimigo é valorizado ao ponto de ser considerado uma riqueza para a sociedade tupinambá.
Também é importante notar a diferença entre as análises que definem soldado como função e a análise de Florestan Fernandes, que afirma que ser guerreiro está atrelado à identidade e à própria organização social da coletividade. Ademais, a questão das armas utilizadas abarca as diferenças entre tais análises: enquanto o conflito armado se confinava a uma das fases do conjunto de situações criadas pela guerra tupinambá, a literatura clássica, quase de forma complementar, atribui grande importância ao armamento disponível e aos efetivos capacitados para o seu manuseio. No entanto, cabe traçar um paralelo entre a sociedade tupinambá e o argumento de Clausewitz sobre a relação entre luta e natureza das armas.
Ainda que seja importante questionar a relação unidirecional defendida pelo autor, uma vez que a natureza das armas também influencia a forma de luta, é possível afirmar que os fins aos quais a guerra serve impõem limites às técnicas e condições militares. Em virtude das crenças relacionadas ao poder mágico, os tupinambás não buscam a aniquilação total da comunidade inimiga; portanto as técnicas mais rudimentares são suficientes.
Por fim, é importante salientar que a ciência da guerra, ou polemologia, considera o fenômeno como uma enfermidade que pode ser medicada ou tratada preventivamente. Em suma, a polemologia almeja construir uma sociologia da guerra e compreendê-la enquanto fenômeno social, analisando seus ciclos, funções e formas de resolução.
O principal desafio da polemologia é compreender por que se escolhe a guerra dentre as opções à disposição.
2.3.2 Desafios em relação às “novas ameaças”
O conceito de segurança designa um estado estático de coisas, enquanto o conceito de ameaça é anterior à formulação estratégica que objetiva a segurança. Dessa forma, Saint-Pierre (2010) argumenta que a segurança, enquanto objetivo da defesa, é insuficiente para orientar uma concepção estratégica que se pretenda autônoma, ao passo que a determinação independente da ameaça permite uma ação estratégica efetivamente autônoma.
Saint-Pierre (2010) faz algumas considerações sobre uma proposta de agenda hemisférica de ameaças: se a percepção depende das particularidades do sujeito perceptivo, questiona-se a ideia de percepções regionais das ameaças; e ainda que seja admitida a existência de uma percepção comum a um conjunto de unidades políticas, as respostas estratégicas articuladas por cada agente podem ser distintas.
Ao englobarem temas de diversos âmbitos, indo desde o crime organizado transnacional até as mudanças climáticas, a qualificação de determinado evento ou temática como uma nova ameaça pode ser instrumentalizada por determinados atores para alcançarem objetivos individuais, buscando apenas camuflar esses interesses numa narrativa de benefício coletivo.
3. LIDANDO COM A INSEGURANÇA: SEGURANÇA COLETIVA E SEGURANÇA COOPERATIVA
No que se refere às organizações internacionais que têm como objetivo a promoção da paz e segurança – seja em âmbito global ou mais específico, como entre os Estados-membros que a compõem –, foram cunhados termos para caracterizar esse esforço intergovernamental. Assim como existe a noção de segurança nacional, também existem outros três termos para se referir ao esforço intergovernamental em prol da defesa e segurança: segurança coletiva, defesa coletiva e segurança cooperativa.
O conceito de segurança coletiva remonta à Primeira Guerra Mundial, com a criação da Liga das Nações. Embora tenha sido posteriormente incorporada pela ONU, criada no fim da Segunda Guerra Mundial em razão da ineficácia da Liga das Nações, o mecanismo de segurança coletiva não conseguiu ser totalmente acionado devido ao travamento observado no Conselho de Segurança a partir do início da Guerra Fria.
3.1 A segurança coletiva
A partir dos horrores observados na Primeira Guerra Mundial, passam a surgir discussões sobre como evitar guerras de grandes escalas. Entre os principais articuladores de propostas que visavam a paz internacional, é possível destacar a figura de Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos na época. Em 1918, ainda antes do fim da Primeira Guerra Mundial, Wilson realizou um discurso para o congresso estadunidense com diversas propostas estruturais que buscavam promover uma ordem internacional mais pacífica. Esse discurso ficou conhecido como “Os quatorze pontos de Wilson”, que podem ser sintetizados da seguinte forma:
• diplomacia aberta; 
• liberdade de navegação dos mares na paz e na guerra; 
• remoção das barreiras econômicas ao comércio; 
• desarmamento; 
• reajuste das demandas coloniais; 
• evacuação do território da Rússia e determinação russa de promover seu desenvolvimento e sua política nacional; 
• evacuação e restauração da Bélgica; 
• evacuação e restauração da França e retorno da Alsácia-Lorena; 
• reajuste das fronteiras da Itália; 
• autodeterminação para os povos da Áustria-Hungria; 
• redefinição das fronteiras dos Estados balcânicos de acordo com linhas historicamente estabelecidas de nacionalidades; 
• autodeterminação para os povos sob domínio turco; 
• independência da Polônia com livre acesso aomar; • formação de uma associação geral de nações sob tratados específicos com o objetivo de oferecer garantias mútuas de independência política e integridade territorial para Estados grandes e pequenos.
Essas propostas inspiraram a criação de uma organização internacional que buscasse estabelecer meios jurídicos de promover a paz. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a partir da assinatura do Tratado de Versalhes, em 1919, cria-se também a chamada Liga das Nações – ou Sociedade das Nações.
Entretanto, apesar da mediação bem-sucedida em alguns casos, a Liga das Nações não foi capaz de impedir algumas invasões. Além disso, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a organização sofreu um golpe final de descrédito. A partir disso, sem a presença dos Estados Unidos – que nunca ratificou sua entrada – e com a saída de diversos membros, a Liga das Nações se tornou cada vez mais esvaziada. Posteriormente, a organização foi desativada e suas instalações e acervos foram transferidos para a ONU.
A ONU foi criada ao final da Segunda Guerra Mundial a partir da ratificação da Carta de São Francisco (também conhecida como Carta das Nações Unidas) em 1945. Boa parte da estrutura da ONU foi inspirada na Liga das Nações, também contando com uma Assembleia Geral – órgão deliberativo composto por todos os Estados-membros –, além de um Conselho Econômico e Social (Ecosoc), responsável por formular recomendações e iniciar atividades relacionadas a questões econômicas e sociais; um Secretariado, responsável pela administração dos programas e políticas elaborados pelos demais órgãos; e uma Corte Internacional de Justiça, que representa o órgão judiciário da instituição.
Além disso, a ONU também estabelece a criação do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), responsável pelas questões relativas à manutenção da paz e segurança internacional. Porém, com o objetivo de evitar os mesmos erros e fracassos de sua antecessora, é estabelecido que os Estados-membros com assento permanente no CSNU teriam poder de veto nas questões ali debatidas. Os países com esse poder de veto eram China, Estados Unidos, França, Reino Unido e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – atualmente representada pela Rússia.
Tanto a Liga das Nações quanto a ONU estabeleceram que o mecanismo a ser utilizado para garantir a promoção da paz e da segurança internacional seria a segurança coletiva – ou seja, a articulação cooperativa entre os Estados-membros.
Em outras palavras, apesar de compreenderem que em um ambiente internacional anárquico as tensões são prováveis, os Estados se uniriam para evitar uma nova guerra de grandes escalas, por meio da dissuasão ou mesmo da imposição de sanções econômicas.
Em suma, segurança coletiva é um mecanismo de cooperação interestatal baseado no compromisso de uma reação coletiva e coordenada dos Estados nos casos em que existam ameaças à paz ou à segurança internacional. Entretanto, trata-se de um mecanismo que demanda a participação dos Estados para que seja colocado em prática, o que não ocorreu no período posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Apesar dos benefícios que a segurança coletiva pode oferecer em prol da paz internacional, é importante assinalar que ela também recebe críticas, especialmente no que se refere à sua capacidade de promover a manutenção do status quo dos Estados que já ocupam posições mais altas na correlação de forças. Além disso, existe a possibilidade de atores hegemônicos instrumentalizarem esse mecanismo a fim de legitimar determinadas ações e beneficiar interesses individuais.
3.2 A defesa coletiva
Como visto, a Guerra Fria marcou o período de tensões entre Estados Unidos e a antiga União Soviética, estendendo-se de 1947 até 1990.
Observação: Aliança militar é uma coalização de Estados formada para enfrentar um inimigo real ou potencial, agregando forças militares e outros recursos para a defesa dos Estados que a compõem, seja de modo defensivo ou ofensivo.
Entre eles, destaca-se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), criada em 1949 a partir do Tratado de Washington. Também conhecida como Pacto do Atlântico, a Otan é “uma aliança militar multinacional, formada a partir da institucionalização das diversas alianças militares entre Estados Unidos e países europeus ocidentais”. Embora apenas 12 Estados tenham assinado o Tratado em 1949, diversos países aderiram à organização posteriormente e hoje ela conta com 29 integrantes.
Uma vez que a Segunda Guerra Mundial deixou o continente europeu bastante fragilizado, a Otan foi criada para garantir a segurança na região do Atlântico Norte especialmente ao evitar a expansão da antiga União Soviética sobre os países ocidentais do continente europeu. Para tanto, a organização foi sediada em Bruxelas, na Bélgica, e estruturada da seguinte forma: Conselho do Atlântico Norte (NAC), que define as diretrizes de atuação da organização; Grupo de Planos Nucleares (NPG), que aborda questões políticas envolvendo a temática nuclear, como controle e não proliferação de armas nucleares; Secretariado Geral, responsável por questões administrativas; além de diversos Comitês Subordinados que abordam temáticas mais técnicas, com destaque para o Comitê Militar (MC), responsável por oferecer assessoria política e estratégica nas decisões que possuem implicações militares.
Em resposta à criação da Otan, os Estados socialistas do leste europeu também formaram uma aliança militar em 1955. Conhecido como Pacto de Varsóvia, esse acordo reuniu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia e Tchecoslováquia. A aliança recebeu esse nome por ter sido firmada na cidade de Varsóvia, capital da Polônia, e tinha objetivos espelhados aos da Otan, uma vez que buscava principalmente promover esforços coordenados em caso de ameaça externa. Vale ressaltar que, com exceção da Rússia, todos os antigos membros do Pacto de Varsóvia atualmente fazem parte da Otan.
Porém, com o desmantelamento da URSS e o consequente fim da Guerra Fria, a Otan perdeu seu principal motivo de existência. É nesse contexto de novos desafios e reordenamento mundial que os Estados-membros da organização redefiniram seu plano estratégico em 1991, atualizando diretrizes e objetivos.
No entanto, os mecanismos da organização até então estavam mais baseados em táticas preventivas. Ao alterar o Conceito Estratégico da Aliança Atlântica – que passou a compreender que as instabilidades econômicas, políticas e sociais geradas a partir do desmantelamento da URSS representavam uma ameaça à segurança dos Estados-membros –, a organização demandaria mecanismos de atuação mais propositivos para situações que já estavam em curso.
Para lidar com esse entrave, a Otan elaborou em 1999 um documento que dissociava uso da força exclusivamente das questões de autodefesa. Em suma, o documento intitulado “Conceito estratégico” criava um respaldo normativo para o emprego de instrumentos militares no gerenciamento de crises de cunho político, econômico e social.
De modo sintético, defesa coletiva significa o compromisso de uma resposta conjunta nos casos de agressão a qualquer uma das partes que compõem o acordo. Diferentemente da noção de segurança coletiva – que buscava promover a paz internacional de modo abrangente –.
Embora os conceitos sejam distintos, segurança coletiva e defesa coletiva acabam sofrendo críticas parecidas. Assim como no caso da segurança coletiva, a flexibilização do que representa ou não uma ameaça pode legitimar um escopo muito diverso de ações como se fossem justificadas pela prerrogativa da defesa coletiva.
3.3 A segurança cooperativa
Para abordar o conceito de segurança cooperativa, primeiro, é preciso resgatar o contexto em que a OEA foi criada.
Embora tenha entrado em vigor apenas em 1951, a OEA foi criada em 1948 com o objetivo de alcançar “uma ordem de paz e de justiça, para promover solidariedade, intensificar colaboração e defender a soberania, a integridade territorial e a independência” dos Estadosque compõem o continente americano. Atualmente, a organização reúne 35 Estados-membros e sua estrutura é composta por Assembleia Geral; Conselho Permanente; Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral; Comissão Jurídica Interamericana; Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Secretaria Geral, além dos demais organismos especializados e conferências.
Mais especificamente, vale destacar que as Conferências de Ministros de Defesa das Américas (CMDA) representam o foro de discussão para as questões de defesa e segurança na OEA e foram especialmente responsáveis pela aprovação da agenda hemisférica de segurança.
Princípios que embasaram a agenda hemisférica de segurança nas Américas
O contexto observado durante a Guerra Fria nos ajuda a compreender o anseio estadunidense em promover essa coesão entre os países do continente americano sobre o que representaria ou não uma ameaça. Entretanto, é principalmente a partir da década de 1990, que o debate se aproxima do conceito de segurança cooperativa.
Em 1991, a Assembleia Geral da OEA criou a Comissão de Segurança Hemisférica com o objetivo de conduzir consultas sobre o tema levando em consideração as novas circunstâncias regionais e mundiais. Esse processo buscava ampliar o conceito de segurança para além do âmbito militar estático – incluindo questões como extrema pobreza, desigualdade e barreiras ao livre comércio –, ao mesmo tempo que restringia o emprego dos componentes militares aos casos em que fosse necessário o uso da força.
São nessas circunstâncias que a Comissão adota o mecanismo de segurança cooperativa, ou seja, situação em que a segurança de cada membro é “garantida por todos, o que implica valores e interesses compartilhados, a decisão comum de protegê-los e enfrentar situações antagônicas e as agressões que possam afetá-los”.
No entanto, é importante destacar também as problematizações que circundam esse processo de segurança cooperativa. Parte da literatura especializada pondera sobre o fato de organizações como a OEA serem amplamente moldadas pelos interesses de grandes potências e, por esse motivo, não representarem de modo suficiente a pluralidade de percepções que marcam os Estados que a compõem.
Lembrete: Enquanto a segurança coletiva corresponde à reação coletiva e coordenada dos Estados em nível geral (nos casos em que existam ameaças à paz ou à segurança internacional), a segurança cooperativa aborda os esforços de prevenção para que esses conflitos não ocorram entre os Estados que compõem a organização.
4. A QUESTÃO NUCLEAR
Devido ao seu potencial de destruição, foram concebidas iniciativas a fim de conter a difusão da tecnologia nuclear para a fabricação de armas ou dispositivos explosivos ao mesmo tempo em que se reconhece o direito dos Estados às suas aplicações pacíficas.
4.1 Mudança qualitativa nos meios de guerra e estratégia da dissuasão
Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os Estados Unidos realizaram bombardeios atômicos nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki com a justificativa de forçar a rendição do Império japonês. Foi a primeira e única situação em que bombas atômicas foram utilizadas em um conflito.
Observação: Além das armas nucleares, as armas químicas e biológicas são consideradas de destruição em massa.
Em 1952 foi o Reino Unido que entrou para o clube das potências nucleares. Atualmente conta com um arsenal nuclear relativamente pequeno, uma vez que sua doutrina indica que armas nucleares só seriam empregadas em casos extemos de necessidade de autodefesa, incluindo a defesa de aliados da Otan.
A França, por sua vez, realizou seu primeiro teste em 1960. No século XXI, o país continua apresentando sua capacidade nuclear como essencial para garantir sua segurança.
A China conduziu seu primeiro teste nuclear em 1964. Sua doutrina atual declara que as armas nucleares do país são destinadas a evitar chantagem nuclear, e não para ganhar uma guerra nuclear ou coagir outros.
Observação: O “não primeiro uso” (no-first-use) refere-se ao compromisso de um país nuclearmente armado de não ser o primeiro, em uma situação de crise ou conflito, a utilizar armas nucleares.
A Índia conduziu seu primeiro teste nuclear em 1974, declarando se tratar de uma explosão nuclear pacífica. Houve então uma pausa na construção de dispositivos explosivos no país até 1998, quando foram realizados novos testes e a Índia se declarou um país nuclearmente armado. A doutrina do país estabelece que o objetivo é atingir uma capacidade mínima de dissuasão acreditável, sendo resguardada a possibilidade de uso de armas nucleares como resposta a ataques com outras armas.
O Paquistão conduziu seu primeiro teste em 1998, sendo a posse de armas nucleares concebida como essencial para contrabalancear a inferioridade do país em termos de forças convencionais com relação à Índia, mantendo o equilíbrio de poder no Sul Asiático.
O mais recente país a desenvolver armas nucleares foi a Coreia do Norte, em 2006. O país possui um arsenal nuclear pequeno, mas mesmo assim gera preocupação na comunidade internacional.
Além dos casos já citados, existe mais um país nuclearmente armado: Israel. O país, porém, não admite a posse de armas nucleares, adotando uma política de opacidade nuclear.
Dessa forma, hoje são nove os países nuclearmente armados. Cabe notar que as armas nucleares continuam importantes para os Estados Unidos na atualidade, havendo programas de modernização de seu arsenal em curso.
A literatura sobre os motivos que levam os Estados a buscarem o desenvolvimento de armas nucleares é bastante extensa. Gontijo organiza os principais argumentos em quatro tópicos: o imperativo da segurança, as normas e ideias compartilhadas, a política doméstica e o imperativo tecnológico.
De qualquer modo, com o desenvolvimento de armas nucleares, tornou-se imperativo repensar aspectos importantes da temática da guerra. Foi colocada a imprescindibilidade da reflexão sobre estratégia, incorporando as mudanças produzidas pela potência científica e tecnológica. 
Assim, a dissuasão consiste em uma dinâmica de enfraquecer a vontade do adversário de iniciar um confronto, seja para impedir que ele tome uma ação ou para que ele se oponha a uma iniciativa a ser promovida.
Apesar de a arma nuclear ser uma grande transformação em termos de armamentos, em razão de seu potencial de destruição e dos efeitos de longa duração resultantes da exposição do ambiente ou de pessoas à contaminação pela radiação liberada pelas bombas, aponta que esses aspectos não tornam impensável uma guerra nuclear, como popularmente é difundido, e nem implicam danos tão altos que uma comunidade política não possa se recuperar. Há fatores envolvidos, como o tamanho da população, do território e a capacidade da bomba em questão. Por essas particularidades, a impensabilidade de uma guerra nuclear estaria mais relacionada a um fator moral do que a um limite que não deve ser ultrapassado. Ademais, não é sempre possível estabelecer um cálculo claro de custos e benefícios de se engajar em uma ação militar.
De qualquer forma, já podemos indicar que a sobrevivência é um aspecto fundamental da dissuasão, dado que seu fundamento reside na possibilidade de que o arsenal do adversário não seja totalmente aniquilado e esteja resguardada a hipótese de contra-ataque. Assim, a capacidade de sobreviver ao primeiro ataque e revidar, impondo custos intoleráveis, é a chave para o entendimento da dissuasão. Porém, para que a ameaça seja crível, é também essencial o fator psicológico, pois o objetivo é impressionar o adversário de forma a convencê-lo a não usar ofensivamente sua força.
Cabe destacar que a dissuasão nuclear pode ser encarada como mais absoluta do que a clássica, pois na primeira está colocada a noção de mútua destruição assegurada (MAD, louco em inglês), ou de suicídio mútuo. Porém, Beaufre (2002) afirma que a dissuasão nuclear não é de fato absoluta, uma vez que não extingue totalmente a liberdade de ação da parte oposta. O objeto da estratégia da dissuasão é reduzi-la, diminuindoa margem que o adversário tem para atuar e fazer seus movimentos – e por mais que a bomba nuclear diminua essa liberdade pelos pontos já discutidos, a redução não é total.
4.2 Regime de não proliferação nuclear
A tecnologia nuclear não serve apenas para aplicações militares; pelo contrário, pode ser utilizada em uma série de atividades com finalidade pacífica, como geração de energia e aplicações na medicina e na agricultura, caracterizando-se como uma tecnologia de uso dual.
Diante da capacidade de destruição das armas nucleares, foi gradualmente erigido um regime internacional contra sua proliferação. De qualquer maneira, os Estados são soberanos e têm o direito de utilizar a energia nuclear para finalidades pacíficas.
A dualidade da energia nuclear foi exposta em 1953 no discurso intitulado “Átomos para a paz” do então presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower, na 8a Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas.
O célebre discurso é apontado como a base para as negociações que resultaram na criação da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) em 1957. O objetivo central da Aiea é garantir que a energia nuclear seja difundida de forma segura, apenas para fins pacíficos, por meio da implementação de um esquema de salvaguardas.
Contudo, as salvaguardas da Aiea foram raramente ativadas durante a primeira década do funcionamento da Agência, pois somente eram acionadas quando a própria Aiea intermediava um acordo de transferência de tecnologia ou quando um acordo bilateral assim o exigia.
Para fortalecer a não proliferação, foi estabelecido o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1968. O compromisso entrou em vigor em 1970, representando um ponto de convergências entre as duas superpotências do período da Guerra Fria..
O compromisso central do TNP é expresso nos artigos 1° e 2° de seu texto. O art. 1° dirige-se aos países possuidores de armas nucleares, estabelecendo a obrigação de não transferir dispositivos explosivos ou facilitar seu desenvolvimento por países nuclearmente desarmados. Por sua vez, o art. 2° refere-se ao compromisso dos países nuclearmente desarmados de não desenvolver ou adquirir artefatos explosivos nucleares.
Dessa forma, o TNP criou duas categorias de países. Os primeiros são os países que desenvolveram a arma nuclear antes de 1967 e foram reconhecidos como países nuclearmente armados, preservando seus arsenais. Apenas cinco países estavam nessa condição: China, EUA, França, Reino Unido e URSS. Como citado anteriormente, desde então, os países Coreia do Norte, Índia, Israel e Paquistão também obtiveram sucesso em criar seus arsenais. Porém, eles não são reconhecidos pelo TNP e não são signatários do tratado. Apenas a Coreia do Norte já foi um Estado-parte do compromisso, mas denunciou o TNP em 2003.
A outra categoria estabelecida é a dos países nuclearmente desarmados, que abdicam de pretensões de desenvolvimento de dispositivos explosivos e submetem-se à verificação por parte da Aiea por meio da formulação de acordos de salvaguardas totais, que abrangem a totalidade dos materiais e instalações nucleares existentes em um país.
Porém, falhas no sistema estabelecido pelo TNP para garantir a não proliferação foram constatadas no início dos anos 1990, quando foi descoberto o programa nuclear do Iraque com fins militares. As dificuldades estavam, em grande parte, relacionadas ao fato de que as atividades de inspeção da Aiea eram restritas às instalações declaradas pelos países, o que restringia as informações disponíveis à Agência. Buscando robustecer o regime de não proliferação, a Aiea lançou o Programa 93+2, que buscava garantir um volume maior de informações. Para isso, foi formulado o Protocolo Adicional do TNP, aberto para assinaturas em 1997. O compromisso, baseado em princípios de transparência, visa assegurar que as informações apresentadas pelos países sobre seus programas nucleares são completas e verdadeiras, ampliando as possibilidades de atuação da Aiea.
Apesar de o TNP ser a peça-chave do regime de não proliferação, não é seu único componente. Em termos de arranjos regionais, é possível destacar as Zonas Livres de Armas Nucleares (ZLAN), que expressam o compromisso de um conjunto de países em manter uma região desnuclearizada. São cinco as regiões com status de ZLAN: 
• América Latina e Caribe (Tratado de Tlatelolco, de 1962); • Pacífico Sul (Tratado de Rarotonga, de 1985); • Sudeste asiático (Tratado de Bangkok, de 1995); • África (Tratado de Pelindaba, de 1996); • Ásia Central (Tratado de Semipalatinsk, de 2006).
As ZLAN são estabelecidas por meio de tratados em que os países se comprometem a não produzir, adquirir, possuir ou testar armas nucleares. Há também um protocolo adicional, destinado às potências nucleares reconhecidas pelo TNP. O intuito é que os países nuclearmente armados se comprometem a respeitar o status de ZLAN e não utilizar ou ameaçar usar seus arsenais nucleares contra os participantes da iniciativa.
Outra iniciativa que deve ser lembrada é o Tratado de Banimento Completo de Testes Nucleares (CTBT). Como seu próprio nome indica, o objetivo é proibir a realização de testes nucleares. O compromisso, aberto para assinaturas em 1996, até este momento, não entrou em vigor. Ele determina que, para que isso aconteça, é necessária sua ratificação por parte dos 44 países que dispõem de reatores nucleares para pesquisa ou geração de energia. Coreia do Norte, Índia e Paquistão ainda não assinaram nem ratificaram o tratado, enquanto Estados Unidos, China, Egito, Irã e Israel ainda não o ratificaram.
O Tratado prevê a criação do Mecanismo de Monitoramento Internacional e do Centro Internacional de Dados, que juntos comporiam o Regime Global de Verificação.
4.3 O desarmamento nuclear
Historicamente, podem ser identificadas duas tendências: por um lado, após uma guerra, o desarmamento pode ser imposto pelos vencedores aos perdedores; por outro, há o desarmamento voluntário, em que os Estados negociam a redução e eliminação de seus arsenais.
A questão do desarmamento não se refere exclusivamente às armas nucleares, visto que a busca da paz, o desarmamento e o controle de armamentos são preocupações antigas da humanidade. A condução de negociações sobre a questão constitui um compromisso do TNP, mas é um ponto de frustração para vários países em razão da sensação de que não foram empreendidos esforços suficientes a seu favor. Como já citado, apesar de os arsenais nucleares terem sido reduzidos em termos numéricos desde o pico dos anos 1980, as armas nucleares estão cada vez mais sofisticadas e permanecem como um ponto basilar das estratégias dos países nuclearmente armados.
Um primeiro ponto é sustentado pelo entendimento que os efeitos seriam indiscriminados – ou seja, que não seriam restritos aos combatentes, atingindo também a população civil – e catastróficos. A questão da ilegalidade refere-se à perspectiva de que o uso de armas nucleares seria contrário às regras do Direito Internacional, especialmente àquelas que se referem a conflitos armados, dado que seus efeitos seriam indiscriminados e incontroláveis em razão da persistência da radiação. Por fim, há o argumento que, enquanto as armas nucleares existirem, seu uso é possível, seja de forma proposital ou acidental.
Existem perspectivas céticas acerca da viabilidade do banimento das armas nucleares. Elas indicam que a eliminação das armas nucleares não implica eliminação da tecnologia nelas empregada, e não se teria, necessariamente, maior estabilidade no cenário mundial.
De qualquer modo, a preocupação com o desarmamento está presente no âmbito internacional desde os momentos iniciais da era nuclear.
Mais recentemente, a conscientização sobre as consequências humanitárias do uso de armas nucleares ganhou destaque. No documento final da Conferência de Revisão do TNP de 2010, foi expressa preocupação com as consequências humanitárias catastróficas de seu possível uso, tema que continuou em pauta nos anos seguintes.
Como resultado desseesforço, em 2017, foi aberto para assinaturas o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN), que entrou em vigor em 2021. O compromisso versa sobre a total eliminação das armas nucleares, buscando preencher uma lacuna existente do Direito Internacional, uma vez que não existiam instrumentos relativos ao banimento delas. Os signatários do tratado comprometem-se a não desenvolver, testar, produzir, adquirir, possuir ou armazenar armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares. Além disso, os termos incluem a obrigação de não utilizar, ou ameaçar empregar, armas nucleares e de não permitir a instalação desses dispositivos em território nacional.
O TPAN foi aprovado com 122 votos favoráveis. Porém, os nove países nuclearmente armados boicotaram as negociações. Os representantes permanentes Estados Unidos, França e Reino Unido na ONU emitiram um comunicado conjunto em que afirmavam que o compromisso ignora a realidade do ambiente de segurança internacional e que seus países nunca adeririam ao tratado.
Perspectivas críticas ao tratado salientam que se trata de uma iniciativa ineficaz que não atingirá os resultados pretendidos, uma vez que os países nuclearmente armados dificilmente renunciarão a um importante recurso de poder. Por outro lado, há perspectivas que enfatizam que, na verdade, o ponto central do TPAN reside no reenquadramento do debate sobre as armas nucleares.
5. OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU
5.1. Definição e histórico das operações de paz
Conforme visto anteriormente, a própria estrutura da ONU com o CSNU representando o órgão decisório responsável pelas questões que envolvem atos de agressão ou ameaças à paz. 
Caso um desses Estados membros demonstrasse o intuito de iniciar um novo conflito, os demais membros do CSNU poderiam contêlo. Essa contenção associase a um “mecanismo de segurança coletiva”.
Entretanto, o que não se poderia prever é que justamente dois Estados que compunham o CSNU – Estados Unidos da América (EUA) e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – A GUERRA FRIA-. Com o objetivo de evitar a inação da ONU – que repetiria o fracasso de sua predecessora, a Liga das Nações –, foi pensado um mecanismo alternativo para a resolução de conflitos internacionais. Esse mecanismo extrarregular foi chamado de operações de paz.
Para tanto, foi utilizado como base jurídica das operações de paz dois capítulos da Carta de São Francisco: o capítulo 6, que aborda os meios pacíficos para a solução de controvérsias, incluindo técnicas de negociação, mediação, conciliação e arbitragem; e o capítulo 7, que abarca as medidas coercitivas, incluindo o uso da força, para a resolução de conflitos que envolvessem ameaças à segurança internacional.
Ficou estabelecido que essas operações de paz deveriam se basear em três pressupostos básicos: o consentimento das partes em litígio, a imparcialidade da ONU e o emprego da força apenas em casos de autodefesa da própria missão. Esses três princípios ficaram comumente conhecidos como a santíssima trindade das operações de paz.
Entretanto, por não se tratar de um mecanismo previsto logo na fundação da ONU, sua própria definição é alvo de diversos debates.
Uma vez compreendido o contexto que levou ao surgimento das operações de paz e sua própria definição, podemos avançar para o processo de estabelecimento de uma operação de paz. Quando um determinado conflito demonstra possibilidades de expandirse, ou quando as partes envolvidas nesse conflito demonstram interesse em mediações para estabelecer um acordo mútuo de cessação das hostilidades, é comum que a ONU arquitete consultas iniciais.
Durante essa fase de consultas iniciais, o secretáriogeral das Nações Unidas pode solicitar o envio de uma equipe técnica para o local do conflito com o objetivo de reunir informações detalhadas sobre a situação e, a partir disso, observar as melhores opções de ação da comunidade internacional.
Essa equipe técnica analisa a situação política geral, as questões de segurança, militares, humanitárias e de direitos humanos no local, bem como as implicações de uma possível operação de paz. O resultado dessas análises é organizado em um relatório em nome do secretáriogeral que, posteriormente, é encaminhado para o CSNU com “opções para o estabelecimento de uma operação de paz conforme apropriado, incluindo seu tamanho e recursos […], além de incluir implicações financeiras e declaração de custos estimados preliminares”.
Caso os membros do CSNU decidam pelo estabelecimento de uma operação de paz sob a égide da ONU, o Conselho elabora uma resolução com o mandato dessa operação, incluindo os principais objetivos, as características gerais e o tempo de duração. Vale destacar que as questões envolvendo orçamento e recursos ficam a encargo da Assembleia Geral, ao passo que a escolha do alto comissariado da operação – como o chefe da missão, o comandante e o comissário de polícia – fica sob responsabilidade do secretáriogeral.
Tendo em vista que a ONU não tem um exército próprio, os Estadosmembros são convidados a contribuir com forças militares, policiais e civis para a operação. O componente militar e policial das operações de paz usam o emblema da ONU, mas também a bandeira do seu país de origem, nos uniformes, sendo geralmente associados ao nome capacetes azuis, em razão da cor em comum de seus capacetes.
Após a fase de planejamento, que envolve diversos departamentos para analisar os aspectos políticos, militares e operacionais, a missão é de fato iniciada e, em intervalos regulares, são enviados relatórios para o Conselho de Segurança sobre seu andamento. A partir desses relatórios, o CSNU pode optar pelo fim da operação ou por extendê-la e eventuais ajustes no mandato da missão.
5.1.1 As operações de paz durante a Guerra Fria
A primeira operação de paz foi estabelecida pela ONU em 1948. Essa missão ficou conhecida como Organismo das Nações Unidas para a Vigilância da Trégua (UNTSO, na sigla em inglês) e tinha o objetivo de monitorar o armistício no Oriente Médio. Tratavase de uma operação de monitoramento sem o emprego da força, assim como boa parte das demais operações estabelecidas durante toda a Guerra Fria.
As principais características das operações de paz nesse período eram a atuação em conflitos interestatais, iniciadas após o fim das hostilidades, envolvendo efetivos predominantemente militares responsáveis por atividades como supervisão de cessarfogo e garantia de zonas tampão.
A primeira operação de paz com efetivos armados ocorreu apenas em 1956, com o estabelecimento da Força de Emergência das Nações Unidas I (UNEF I), que buscava assegurar o fim das hostilidades na Crise de Suez, incluindo a retirada das Forças Armadas de França, Israel e Reino Unido do território egípcio. Além disso, é importante destacar as duas principais exceções em relação ao padrão das operações de paz estabelecidas durante a Guerra Fria.
A primeira exceção referese à Missão das Nações Unidas no Congo (ONUC) que, além do alto número de especialistas civis enviados, incluiu um mandato muito mais alargado em relação às atividades desempenhadas. Entre essas atividades, destacamse a busca pela manutenção da independência política e integridade territorial do Congo; a tentativa de impedir a ocorrência de uma guerra civil; e as medidas para assegurar a retirada de todo quadro militar, paramilitar e consultivo estrangeiro, incluindo mercenários, que não estivessem sob o comando das Nações Unidas.
A segunda grande exceção foi a Força de Segurança das Nações Unidas na Nova Guiné Ocidental (UNSF).
Em mais de 40 anos foram estabelecidas apenas 18 operações de paz pela ONU, estabelecidas durante a Guerra Fria, entre 1948 e 1989, detalhando suas respectivas siglas.
Para compreender esse baixo número de operações de paz, é preciso situar o próprio contexto de tensões. Diferentemente da maioria dos conflitos internacionais – em que ocorrem embates diretos entre as partes envolvidas –, os Estados Unidos e a antiga União Soviética atuavam principalmente a partir de conflitos indiretos.Ou seja, em vez de iniciarem um confronto direto entre seus próprios exércitos, EUA e URSS atuavam em outras regiões do globo com o intuito de aumentar suas respectivas áreas de influência. 
5.1.2 As operações de paz durante a década de 1990
Após o fim da Guerra Fria houve um aumento exponencial no número de operações de paz estabelecidas pela ONU. Esse aumento pôde ser observado em decorrência do destravamento do CSNU, mas também pelo próprio reordenamento do sistema internacional. Com o fim das disputas por zonas de influência, foi possível observar o afloramento de diversas instabilidades que antes eram controladas, em alguma medida, pelas duas grandes potências.
As mudanças na ordem internacional após a Guerra Fria expuseram vulnerabilidades nos países recémindependentes e “o processo de endividamento internacional dos países em desenvolvimento durante a década de 1980 contribuiu, ademais, para a desestabilização política de muitas regiões do ‘Terceiro Mundo’”.
Enquanto durante todo o período da Guerra Fria foram estabelecidas menos de 20 missões, apenas na década de 1990 foram 35 operações de paz.
O fim da Guerra Fria trouxe também uma mudança nas características dos conflitos internacionais. Se antes a maior parte dos conflitos ocorria entre Estados, com exércitos bem delimitados em cada lado – os chamados conflitos tradicionais ou velhas guerras –, agora a grande maioria dos conflitos contemporâneos era interestatal e com um impacto muito maior sobre a população civil.
Essas novas características deixaram à mostra fragilidades nas operações de paz estabelecidas pela ONU. Ou seja, fica mais perceptível que continuar conduzindo as operações de paz nos mesmos moldes que eram estabelecidos durante a Guerra Fria não era mais suficiente. 
Essas operações de paz mais complexas são comumente intituladas de “operações de paz multidimensionais”. Essas operações passaram a englobar tarefas adicionais como: prover assistência humanitária; verificar e monitorar o respeito aos direitos humanos; auxiliar o governo local em atividades administrativas; apoiar a restauração e extensão da autoridade estatal; auxiliar o governo local em reformas de segurança pública e no cumprimento das leis locais; entre outros.
Entretanto, em mesma medida, incluir tarefas mais multidimensionais – que transbordassem o simples aspecto militar –, sem uma análise mais crítica sobre os recursos e princípios dessas operações de paz, também era uma receita para experiências desastrosas. Como exemplo, podemos citar os casos da Somália, de Ruanda e da Bósnia.
Essas sequências de experiências desastrosas deixaram clara a necessidade de repensar as operações de paz e deram início a um extenso processo de reforma dentro da ONU, que teve início no final da década de 1990 e que se estende até os dias atuais.
5.1.3 Institucionalização e reforma das operações de paz
Cronologicamente, é possível definir o princípio do processo de institucionalização das operações de paz pela ONU ainda no início da década de 1990, com a criação do Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO, na sigla em inglês). Órgão específico ligado ao Secretariado das Nações Unidas criado em 1992, o DPKO atualmente é intitulado apenas Departamento de Operações de Paz (DPO).
Além disso, ainda sob a gestão do secretáriogeral das Nações Unidas BoutrosGhali, foram elaborados dois documentos importantes. Em 1992, foi publicado o documento “Uma Agenda para a Paz” que ressaltava que as condições básicas para o sucesso permaneciam inalteradas, devendo incluir: um mandato claro e factível; a cooperação entre as partes para a implementação de tal mandato; o apoio continuado do Conselho de Segurança; a prontidão dos Estadosmembros em contribuir com pessoal militar, policial e civil, incluindo especialistas; comando efetivo das Nações Unidas nas sedes e em campo; e apoio financeiro e logístico adequados.
Ademais, o documento apontou a necessidade de adaptar as operações de paz levando em consideração as novas demandas, sendo o primeiro documento formal a conceitualizar as atividades de manutenção da paz da ONU. A partir dele, foram estabelecidas as cinco técnicas de resolução de conflitos que deveriam orientar os trabalhos da ONU:
• diplomacia preventiva, ou preventive diplomacy, que abarca a prevenção do surgimento de disputas com o objetivo de evitar a deflagração ou alastramento de conflitos armados; 
• promoção da paz, ou peacemaking, que engloba ações diplomáticas após o início do conflito visando a negociação entre as partes e a suspensão das hostilidades; 
• manutenção da paz, ou peacekeeping, que abarca ações empreendidas no território do conflito com o objetivo de estabelecer uma resolução pacífica e duradoura para o litígio; 
• consolidação da paz, ou postconflict peacebuilding, que engloba ações após a assinatura de um acordo de paz com o objetivo de fortalecer o processo de reconciliação nacional por meio da reconstrução das instituições; 
• imposição da paz, ou peaceenforcement, que abarca operações que incluem o emprego da força armada na manutenção ou restauração da paz.
Em 1995, foi publicado o documento “Suplemento de uma Agenda para a Paz”, que acrescentava alguns dos novos desafios das operações de paz após o fim da Guerra Fria. No entanto, foi após o secretáriogeral Kofi Annan solicitar análises detalhadas sobre os erros cometidos em Ruanda e na Bósnia que o processo de reforma das operações de paz na ONU se tornou mais profundo. Entre esses relatórios, destacamse o “Carlsson Report” (1999) e o “The Fall of Srebrenica” (1999).
Após a publicação desses relatórios, Annan seguiu a recomendação de que era necessário promover um processo de reflexão crítico sobre as operações de paz e convocou um painel de especialistas. O resultado desses debates foi reunido no intitulado Relatório Brahimi (em referência ao diretor do painel, o diplomata argelino Lakhdar Brahimi), divulgado em 2000.
Além do Relatório Brahimi, outros documentos que embasam o processo de reforma das operações de paz na ONU são: 1) a “Doutrina Capstone”, publicada em 2008 com o objetivo de reunir os princípios e orientações que deveriam ser adotados em campo; 2) o documento “Peace Operations 2010”, que definiu estratégias de reforma para o Departamento de Operações de Paz da ONU; 3) o “Relatório do Painel Independente de Alto Nível sobre Operações de Paz das Nações Unidas”, publicado em 2015, com diversas recomendações sobre processos e atividades em áreas como performance, parcerias e liderança; e 4) o “Relatório Cruz”, publicado em 2018, com o objetivo de analisar as causas para a elevação no número de mortes de integrantes das forças de paz e indicar possíveis alternativas.
Em meio a esse processo de institucionalização e reforma, as duas primeiras décadas do século XXI demonstraram uma proporção muito maior que a observada durante a Guerra Fria, mas não apresentaram um número tão alto de operações de paz quanto a década de 1990.
Por fim, o orçamento da ONU destinado às operações de paz também demonstra esse processo de institucionalização, tendo em vista que passou de 230 milhões de dólares em 1988 para 6,58 bilhões de dólares em 2020. Em mesma medida, destacase o aumento no número total de efetivos, ou seja, o número total de pessoas que estão atuando em operações de paz sob a égide da ONU.
5.2 Principais desafios contemporâneos
O processo de reforma das operações de paz incluiu também uma revisão do princípio de uso da força apenas em casos de autodefesa, passando agora a representar um instrumento para a proteção de civis e para a conclusão da própria missão.
Exemplo disso pode ser observado com a Missão da Organização das Nações Unidas para a Estabilização da República Democrático do Congo (Monusco). Com início em 2010, a Monusco representa uma inflexão nos mandatos das operações de paz da ONU “uma vez que inclui não apenas a autorização do uso da força, mas também a aprovação de uma Brigada de Intervenção – especificamente voltada para ações ofensivas de neutralização e desarmamento”.No entanto, a ampliação das prerrogativas para o uso da força trouxe consigo novos obstáculos à manutenção da paz, tendo em vista a necessidade de se considerar o preparo técnico dos efetivos, os recursos disponíveis, assim como as particularidades de cada conflito. O emprego da força por si só não garante resultados positivos, pois, como visto anteriormente, os capacetes azuis na Bósnia possuíam autorização para empregar a força em casos de proteção da população civil e, ainda assim, o resultado foi a morte de milhares de homens e meninos muçulmanos no Massacre de Srebrenica.
É necessário lembrar que as operações de paz multidimensionais são muitas vezes estabelecidas em locais em que o conflito ainda está ocorrendo, portanto adicionar mais um ator violento em um cenário já em combustão pode levar a resultados catastróficos.
Esse aspecto está ligado a outro importante desafio contemporâneo: a instrumentalização das operações de paz para atender a interesses individuais. Se existem conflitos e violações aos direitos humanos em diversos locais, por que a maioria das missões estão localizadas apenas na África ou no Oriente Médio?
Alguns autores questionam se essa predominância em países da África e do Oriente Médio não representaria um sinal de que as operações de paz são instrumentalizadas pelas grandes potências para atender interesses individuais. Nesse caso, em vez de essas grandes potências intervirem de modo direto nesses locais, elas se utilizam da legitimidade atribuída às operações de paz – como instrumento coletivo e imparcial – para atender a demandas próprias.
Questionase, inclusive, se essa instrumentalização também estaria associada a um processo de uma espécie de terceirização das operações de paz, tendo em vista que essas grandes potências são responsáveis por boa parte da contribuição orçamentária destinada às operações de paz, mas contribuem muito pouco com efetivos humanos.
Outro grande desafio se refere ao próprio conceito de paz utilizado no desenho dessas missões. É possível pensar em dois tipos de paz: a paz negativa, que se refere à ausência de conflito; e a paz positiva, que representa a presença de igualdade, justiça, bemestar e união.
Durante muito tempo, os mandatos das operações de paz da ONU estiveram baseados no primeiro tipo. Em um primeiro momento, isso pode parecer suficiente, mas conforme os conflitos se tornam cada vez mais complexos, com impactos cada vez mais diretos à população civil, essa definição se mostra insuficiente.
Isso porque, em grande medida, ainda que a violência física tivesse fim – as armas deixassem de ser disparadas e as bombas parassem de cair do céu –, outros tipos de violência velada poderiam continuar.
A tipificação de Galtung sobre a violência auxilia a compreensão da complexidade desses cenários. Segundo o autor, para além da chamada violência direta – caracterizada pelo ato violento que busca agredir ou aniquilar determinado indivíduo ou grupos específicos –, existe também a violência estrutural, associada a um tipo de violência indireta. A violência estrutural não é um ato em si, mas um processo que promove chances desiguais a determinados grupos sociais e gera injustiças.
Por fim, a violência cultural é aquela que legitima os demais tipos de violência por meio da linguagem ou mesmo das leis, podendo ser exemplificada pela cultura do racismo e etnocentrismo.
Dessa forma, uma vez que os conflitos contemporâneos se tornaram mais complexos, de modo a extrapolar o âmbito militar. Em 1994, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) introduziu o conceito de segurança humana.
Em consonância com esse debate, surge um novo desafio para as operações de paz da ONU: se a segurança humana deve estar no foco, como promover uma virada local? Em outras palavras, como incorporar a população local no processo de recondução ou reconstrução da paz?
Entretanto, apesar de diversas análises sobre a importância de incorporar a população local para garantir maior estabilidade no pósconflito, inclusive com alguns casos de sucesso como no Timor Leste, esse continua sendo um obstáculo a ser superado pelas missões contemporâneas.
Por fim, embora já existam diversos documentos elaborados pela ONU, a incorporação das temáticas sobre igualdade de gênero no processo de recondução da paz também tem se mostrado um grande desafio – tanto no que se refere à participação quantitativa de mulheres (militares, policiais e civis).
Essa temática passou a ser debatida pela ONU com maior profundidade a partir de 2000 com a aprovação unânime da Resolução n. 1.325 do CSNU, que inaugurou a agenda “Mulheres, Paz e Segurança”.
Após ela, outras nove resoluções foram adotadas sobre a temática, embora de modo mais tangencial. No entanto, é possível notar que muitos desses avanços permanecem restritos ao âmbito da retórica e que a maior presença nesses documentos não tem se refletido em ações e informações consistentes para garantir o monitoramento ou mesmo a revisão das estratégias adotadas.
Além disso, de acordo com a Liga Internacional das Mulheres para a Paz e Liberdade (WILPF, na sigla em inglês), existe um alto volume de gastos em termos de exércitos e segurança militar, mas pouco se avançou na busca por igualdade de gênero e participação efetiva das mulheres nas operações de paz da ONU. Segundo a WILPF, esse quadro acaba promovendo a manutenção de violências sexuais e baseadas em gênero como um fenômeno endêmico, além da impunidade nos casos de estupro em contextos de conflitos.
Diante desses desafios, o secretáriogeral das Nações Unidas, António Guterres, lançou em 2018 a iniciativa Action for Peacekeeping – Ação pela Manutenção da Paz, em tradução livre. Usualmente abreviada pela sigla A4P, a iniciativa busca fortalecer as operações de paz a partir de uma parceria global que renove o engajamento coletivo em oito áreas principais:
• soluções políticas para conflitos, por meio da promoção de diálogo e engajamento para acordos de paz, períodos de transição e cessarfogo; 
• representação de mulheres nos esforços de manutenção da paz, promovendo uma participação igualitária e significativa das mulheres nos processos de paz; 
• proteção de civis, a partir de patrulhamentos mais robustos e do engajamento da comunidade local; 
• segurança dos efetivos em operações de paz, por meio de melhores treinamentos e equipamentos para os efetivos uniformizados (militares e policiais), assim como melhores cuidados médicos para os casos de ferimentos ou doenças; 
• performance e transparência das operações de paz, inclusive por meio da diminuição dos impactos ambientais das missões; 
• paz sustentável, a partir do fortalecimento das instituições nacionais e no desenvolvimento de estratégias conjuntas para o período de transição no final das missões;
• parcerias, por meio do fortalecimento de cooperações com organizações regionais como a União Africana, União Europeia, entre outras; 
• padrão de conduta dos efetivos em operações de paz, a partir do engajamento dos Estadosmembros, efetivos e comunidades em respeito às normas de conduta, incluindo questões sobre exploração e abuso sexual.
6. CRIME ORGANIZADO E NARCOTRÁFICO
6.1 Novas ameaças
A lista dessas ameaças é variável, mas, comumente, são encontrados temas como atividades do narcotráfico, crime organizado transnacional, tráfico ilegal de armas, terrorismo, degradação do meio ambiente e pobreza extrema.
A definição da agenda das novas ameaças pode ser associada à necessidade de encontrar novas questões centrais para justificar as prerrogativas e o orçamento da área de defesa e para estabelecer um novo papel para as Forças Armadas após o fim da Guerra Fria.
6.2 Crime organizado
Em primeiro lugar, há a noção de crime, que remete a uma violação de uma lei escrita. Assim, a realização de atividades ilícitas é essencial para pensar o fenômeno. O segundo ponto é a existência de um objetivo econômico ou de ganho material que caracterize a atividade, que não é, portanto, motivada por questões essencialmente políticas ou ideológicas.
O crime

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