Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
0 TEMA DO DOUTORANDO EM DIREITO ECONÓMICO E EMPRESARIAL FASE I : AULA INTRODUTÓRIA 1 1. METODOLOGIA DE PESQUISA CIENTÍFICA – DOUTORADO Categoria é “a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia.” Conceito Operacional (=Cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos. Conceito Operacional : é a conexão entre Métodos e Técnicas para a realização de Pesquisa Científica. Método é a forma lógico- comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados. Técnica é um conjunto diferenciado de informações, reunidas e acionadas em forma instrumental, para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias. Ciência é a atividade de Pesquisa vinculada a Objeto próprio, voltada para Objetivo(s) específico(s) ,operacionalizada através de Metodologia compatível ao respectivo Objeto e ao(s) seu(s) Objetivo(s) e comprometida com o desenvolvimento e a evolução do ser humano, na dimensão física e/ou na dimensão social e/ ou na dimensão intelectual. Conceito de ciência com cinco categorias fundamentais, que são: PESQUISA OBJETO OBJETIVO METODOLOGIA DESENVOLVIMENTO EVOLUTIVO DO SER HUMANO NAS DIMENSÕES FÍSICA, SOCIAL E INTELECTUAL. Ciência Jurídica é a atividade de Pesquisa que tem como Objeto o Direito, como Objetivo principal a descrição e/ou prescrição sobre o Direito ou fração 2 temática dele, acionada Metodologia que se compatibilize com o Objeto e o Objetivo e sob o compromisso da contribuição para a consecução da Justiça.” Ao resultado de uma Pesquisa de Ciência Jurídica (com o cumprimento de seus requisitos) denominamos PRODUTO JURÍDICO CIENTÍFICO. Destaque como exemplo de Produto Jurídico Científico: A Tese de Doutorado em Direito, que obrigatoriamente deve ser resultante de uma operação rigorosa de Ciência Jurídica. Quando uma pessoa resolve realizar efetivamente uma Pesquisa Científica com elevada qualidade ela precisa ter consciência de que deverá vivenciar cinco fases, a saber: PRIMEIRA FASE = DECISÃO: é o momento no qual o Pesquisador necessita equacionar-se devidamente para a empreitada que pretende iniciar; aqui ele estabelece e explicita o seu Projeto de Pesquisa; SEGUNDA FASE = INVESTIGAÇÃO: é o momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido, para o que acionará a Metodologia necessária; TERCEIRA FASE=TRATAMENTO DOS DADOS RECOLHIDOS: os frutos da investigação são os dados recolhidos (no caso da Ciência Jurídica, são os elementos legais, jurisprudenciais e as formulações doutrinárias, em função do Projeto); neste momento o Pesquisador deve prosseguir mantendo o zelo metodológico, com o mesmo cuidado que ocorreu na Fase de Investigação; QUARTA FASE= RELATÓRIO DA PESQUISA: esta é a fase na qual o Pesquisador tornará públicos os resultados de sua investigação e do tratamento que conferiu aos dados colhidos, elaborando e apresentando seu Relatório de Pesquisa. Aqui, recomendo cuidados com a forma e com o conteúdo; QUINTA FASE=AVALIAÇÃO DO PRODUTO CIENTÍFICO: neste momento o Pesquisador vivenciará a “fase de julgamento”, isto é, o seu Relatório de Pesquisa será avaliado pela comunidade científica respectiva ( Banca Examinadora). 3 Aqui, como, aliás, em todas as fases, o Pesquisador deve cultivar a Humildade Científica, para ponderar devidamente as críticas e contribuições que advierem daqueles que estão apreciando o seu trabalho. Para cada fase há alternativas de Métodos Específicos. No caso da pesquisa em ciência jurídica, a qualidade se amplia sempre que o pesquisador trabalha com a tríade: Legislação Jurisprudência Doutrina sempre recomendada a interdisciplinariedade quando o tema pressupõe condições essenciais à tese de doutorado, além do aprumo metodológico: “ O ineditismo,[...], isoladamente, nada significa. O fato de um estudo não ter sido antes publicado, não é elemento justificativo a que, por isso, ele deva ser divulgado. Estritamente considerando, todo trabalho que não seja de republicação, ou cópia de outro, é inédito. Originalidade, implica desvendamento de dúvidas, apresentação de perspectivas à abordagem de problemas, revelação de resoluções, explicitação de correlações importantes, enfim, descrição de novidades que enriqueçam o conhecimento sobre um assunto. É, portanto, a condição nuclear pela qual os limites da ciência se expandem [...]”. 4 2. MÉTODO DE PESQUISA EM DIREITO COMPARADO O direito comparado é um campo de estudo que vem recebendo cada vez mais novos entusiastas. Observa-se que o recurso a tal campo também se faz presente na área jurisdicional, o que se dá mediante a utilização do direito comparado em decisões jurídicas. Ocorre que este uso nem sempre se acautela com questões metodológicas importantes, acarretando, assim, numa abordagem desmedida e muitas vezes falha do direito comparado. O que se expõe no presente artigo é justamente a necessidade de se atentar para os pontos basilares que norteiam o uso do direito comparado, possibilitando, somente assim, uma abordagem escorreita do tema. Para tanto, algumas contribuições de estudiosos da área se apresentam com o fito de influir em devidas e necessárias reflexões acerca da matéria, intencionando-se despertar a atenção para a necessidade de método para o uso do direito comparado ou de precedentes estrangeiros, evitando-se meros transplantes de ideias constitucionais. É fundamental pensar o direito comparado dentro de uma perspectiva epistemológica investigativa, driblando a perspectiva da autoridade normativa que é marca dos trabalhos de pesquisa que analisam o direito num panorama interno (DUTRA, 2016, p.190). Por se tratar de uma atividade interpretativa-normativa, o jurista se obriga a utilizar variadas técnicas, mas não são as técnicas que decidem sobre o caráter científico da investigação, e sim o método (FERRAZ JÚNIOR, 2015, p.202-203). Tanto é assim que pode se dizer que “existe efetivamente uma relação direta e imediata entre o rigor metodológico e a qualidade do Produto Científico gerado numa determinada pesquisa” (PASOLD, 2015. p. 19), razão pela qual esse ‘rigor metodológico’ deve se fazer presente quando do uso do direito comparado, proporcionando assim a qualidade no conteúdo decisório que busca em tal prática argumentos embasadores da ratio decidendi. Dessa maneira, é preciso que o uso do direito estrangeiro seja feito com alguma metodologia. Exige-se, comparabilidade, no sentido de similaridade, quando fontes estrangeiras são invocadas como autoridades persuasivas positivas ou negativas. Uma fonte possui autoridade persuasiva positiva quando ela tem alguma força argumentativa que oriente um tribunal a tomar uma determinada decisão e porque ela os ensina algo que eles não sabem ou os ajudam a ver um problema com 5 um foco diferente ou mais tratável. A análise comparativa fornece um âmbito mais amplo de ideias e de experiência que tornam as decisões melhores e mais refletidas (FREIRE, 2016, p.64). Em todas as disciplinas sociais os problemas mais complexos estão exatamente na questão do método, que é a maneira de observar, de compreender e de explicar. No âmbito do direito, o método está em construir e oferecer modelos ou guias que permitam apurar a fundamentação das decisões de diversos sujeitos que são responsáveis por produzir normas jurídicas, como legisladorese juízes. Esses modelos são descritos como rotas para encontrar um determinado resultado pretendido, sendo a expressão metodologia entendida como o estudo científico para encontrar essas rotas. A metodologia jurídica, contudo, não oferece à ciência jurídica um catálogo conclusivo de técnicas de trabalho inquestionavelmente confiáveis, nem um sistema de hipóteses de trabalho que podem ser aplicadas genericamente e devem ser tratadas canonicamente (DUTRA, 2016, p.191-193). O estudo da metodologia científica está conectado intrinsecamente ao do direito comparado. A metodologia é um dos objetos centrais da disciplina ao mesmo tempo, o estudo do método também é objeto de atenção dos comparatistas. As palavras método e metodologia aparecem fundamentalmente conectadas com seu aspecto prático, contudo, o método e a metodologia devem ser entendidos de forma distinta da substância da disciplina. Método significaria a maneira pela qual alguém empreende uma pesquisa científica, a escolha de certos métodos implica a escolha de certa perspectiva teórica, dessa maneira, o estudo da metodologia não estaria situado exclusivamente no campo da epistemologia, mas também no campo da teoria e, por consequência, estudar diferentes teorias requer lidar com diferentes métodos (DUTRA, 2016, p.193). O método também pode ser entendido como “esquemas de explicação” que podem se colocar de maneira mais ou menos expandida e situarem-se num nível de profundidade diferente. No direito comparado, o método se destaca como parte integrante de um processo de pesquisa que necessita de sua utilização para encontrar as respostas pretendidas. Não é possível exercer um estudo de direito comparado sem a identificação, escolha e aplicação de um determinado método. A importância do método não é contestada por nenhum autor sério do direito comparado. O problema surge porque alguns autores insistem em condicionar a disciplina do direito 6 comparado como expressão apenas de um método exclusivo, mas não conseguem oferecer a resposta sobre qual seria o método do direito comparado (DUTRA, 2016, p.193-194). A crítica, portanto, quando feita, dá-se no sentido de se apontar justamente para o problema da ausência de método quando do trato do direito comparado. As abordagens comparatistas, quando feitas, muitas vezes assim o são de maneira desatenciosa, resultando em problemas que muitas vezes também passam despercebidos caso não se efetive uma análise mais acurada sobre a questão. Por assim ocorrer, o cenário que se observa é o de um avanço que apenas é aparente, pois justamente diante da inobservância de um rigoroso critério de base que dê suporte e oriente as abordagens constitucionais comparatistas, acaba-se apenas andando em círculos. Alonso Freire aponta alguns critérios que podem ser utilizados no estudo do direito comparado. Inicialmente, deve haver alguma seleção, por meio da qual se deve separar nações adequadas daquelas não adequadas. O critério mais consensual é o regime político. “É, de fato, muito importante considerar, sobretudo quando se busca uma autoridade persuasiva positiva, se o regime político do país de cuja fonte legal ou institucional estamos recorrendo é democrático”, pois, este é o regime mais apropriado a se considerar como produtor de fontes persuasivas positivas (FREIRE, 2016, p.64). É preciso buscar fontes de países comprometidos com formas democráticas de governo, que respeitem os direitos humanos e o Estado Democrático de Direito. As constituições dos países envolvidos sequer precisam ser semelhantes, mas deve-se atentar se suas instituições são genuinamente democráticas. O segundo critério que precisa ser considerado são as características da sociedade. Muitas nações e suas respectivas instituições podem ser genuinamente democráticas, mas suas respectivas sociedades e a cultura podem não ser semelhantes às do país consultante. O direito comparado não é apenas a comparação de leis. A comparação útil só pode existir se os sistemas jurídicos têm uma base ideológica comum e o juiz deve ser sensível à singularidade de cada sistema jurídico (FREIRE, 2016, p.66-67). Embora a cultura seja importante, o que mais importa na comparação são os aspectos sociais, o foco deve ser direcionado às afinidades entre as sociedades em comparação. Deve-se analisar se na sociedade em questão os 7 cidadãos são livres para professarem suas crenças e para expressarem seus pensamentos e quais pontos de vista prevalecem em relação a questões polêmicas. Outra consideração a ser feita, diz respeito aos aspectos situacionais que justificaram a decisão judicial que estabeleceu o precedente invocado, ou seja, na utilização de fontes estrangeiras, deve-se considerar o contexto específico e as situações relevantes contempladas pela argumentação do tribunal de origem e pelos legisladores, sob pena de se incorrer em grave omissão (FREIRE, 2016, p.67). Entende-se que o Direito Constitucional Comparado não entra no quadro das ciências jurisprudenciais, normativas e dogmáticas, mas no campo das ciências descritivas, sendo mais um método do que propriamente uma ciência, constitui principalmente uma forma de conhecimento propedêutico ou conjunto auxiliar de subsídios (BONAVIDES, 2008, p.42.). Hirschl (2007, p. 40-47) aponta que existiriam quatro diferentes tipos de estudos comparativos, elencando-os em ordem crescente de acordo com a acurácia e criteriosidade metodológica no trato do tema. O primeiro e o segundo seriam níveis descuidados, os quais não levam em conta o rigor metodológico necessário para a abordagem. Já o terceiro e o quarto nível seriam aqueles em que essa preocupação passaria a estar presente. O primeiro nível seria aquele que Hirschl (2007, p. 41) chama de ‘livre’. A partir do estudo “comparativo” de um único país (sua legislação, suas decisões, sua doutrina jurídica...) é que a abordagem comparatista é realizada. Eis justamente aqui o tropeço ao se entender esse tipo de abordagem como sendo comparativa, vez que não leva em conta diversos fatores importantes, tais como o fato de o país analisado ser outro que não aquele a que se pertence, de modo que diferenças em mais variados níveis acabam deixando de ser levadas em conta. Daí que se diz que o erro nesse tipo de abordagem consiste na realização de leituras diretas e descontextualizadas dos institutos estrangeiros, fazendo-se uma comparação parcial enquanto o todo acaba sendo considerado. Desta feita, o que pode ser aproveitado nesse tipo de abordagem é o mapeamento que se realiza, o qual consiste num apanhado informativo sobre determinados temas e o modo pelos quais esses são tratados pelo direito de outros países. Nada muito abrangente, mas algo bastante pontual e, consequentemente, superficial. 8 O segundo nível seria aquele em que ocorre uma reflexão daquele que realiza a abordagem, ocasionando um possível aperfeiçoamento de vindouras abordagens comparatistas. Isso ocorre diante do fato de que a intenção daquele que procede a análise é a de utilizar esse método visando estabelecer qual seria a melhor ou mais adequada regra em diferentes sistemas jurídicos. A questão aqui não seria meramente pontual, mas acabaria se lavando em conta também o aspecto estrutural daqueles países analisados no que tange ao exercício jurisdicional, a saber, os mecanismos de desenvolvimento político, o modo de formulação de regras, além de uma mais efetiva compreensão a partir da jurisprudência constitucional (HIRSCHL, 2007, p. 41-43). Tem-se aqui uma visão mais holística, de modo que um discurso judicial globalizado é o que se intenta nesse nível de abordagem . O terceiro nível de estudo do direito comparado seria aquele que se busca construir concretas e robustas conceituações e estruturas analíticas, a fim de que assim se possibilite o pensamento crítico sobre a parte práticado direito comparado. O modo com a qual esse tipo de análise mais profunda e detalhada se dá é pela procura de uma maior compreensão sobre o contexto cultural no qual está inserido o sistema jurídico analisado. Além disso, também se faz presente o debruçar sobre os diversos fenômenos políticos e sociais existentes naquele país em que o sistema é analisado. Tratando-se de uma abordagem que acaba geralmente recebendo contornos universalistas, as semelhanças e diferenças entre os sistemas comparados são enfatizadas não apenas em seu viés jurídico, mas também se levando em conta a maior parte possível de um todo (HIRSCHL, 2007, p. 43-46). Trata-se de uma abordagem mais sofisticada, já que é mais detalhista e analítica, o que acaba por possibilitar algo além de um mapeamento, pois também permite a criação de estruturas conceituais para um estudo mais efetivo da jurisdição constitucional comparada. Já o quarto nível de abordagem do direito comparado busca ir além do nível das descrições conceituais que estabelecem a base das análises comparatistas. Nesse nível se situa um objetivo que vai além da mera descrição, já que também existe uma intenção de criação de uma teoria de inferência causal. A abordagem se dá de tal modo pelo fato de se entender que uma teoria de qualidade anseia por conceitos não meramente descritivos, mas também explanativos acerca dos fenômenos dos quais se observa e trata. A abordagem nesse nível precisa da 9 formulação de hipóteses testáveis e verificáveis, a fim de que ocorram a confirmação ou o afastamento das hipóteses (premissas) mediante testes e formulações de conclusões, as quais acabarão se tomando como verdadeiras por inferência (indutiva) – confirmando-se ou não a premissa hipotética. Assim, a seleção dos casos a serem analisados no direito comparado, além de a formalização concreta da pesquisa são importantíssimos elementos e fatores desse método de abordagem (HIRSCHL, 2007, p. 46-47). Hirschl busca demonstrar através de suas preocupações que é possível a realização de um estudo unificado da migração de ideias constitucionais. É por tal razão que procede o estabelecimento de critérios e especificidades formais no trato da matéria, uma vez que essa seria uma condição necessária para que a abordagem sobre o direito comparado fosse eficaz num plano qualitativo. O autor ainda pontua que existe atualmente um bordão modista no cenário do constitucionalismo comparatista, tamanha a quantidade de entusiastas sobre o tema. “Agora somos todos comparatistas” (HIRSCHL, 2007, p. 63), seria o bordão, e isso de dá em decorrência do boom que o estudo do direito comparado vem tendo nos últimos anos, ensejando no aumento dramático da produção de artigos, ensaios, livros e disciplinas que se debruçam sobre a matéria – algumas sérias, outras pecando em algum nível. Talvez a maioria, uma vez que essa atenção demasiada voltada sobre o tema acaba deixando de se levar em conta os importantes aspectos metodológicos necessários para que se tenha um estudo coerente e criterioso. É diante disso que Hirschl acaba reconhecendo que em que pese todo o potencial existente para a construção de uma teoria comparatista coesa, dados os tropeços metodológicos apontados, permanece- se a proposta de uma teoria geral, em grande parte, não cumprida. Faz-se aqui ainda menção às contribuições de Mark Tushnet sobre a temática, que muito tem se dedicado ao estabelecimento de uma observância criteriológica nos estudos do direito constitucional comparado. Tushnet aponta como uma das complexidades na análise da matéria a sua íntima conexão com diversos outros campos e disciplinas (TUSHNET, 2014. p. 2). Quando da realização de uma abordagem funcional sobre a estrutura de um governo, por exemplo, a direção que a condução da análise tenderá a rumar será para o campo de estudos existente sobre política comparada, onde já estabelecidos, por um viés próprio, as determinações e os efeitos das diferenças de estruturas entre governos. 10 Tushnet ainda aponta que existem muitos bons trabalhos cujo enfoque é o direito comparativo, zelando-se pelo método nesses estudos. O autor elenca que dentre as principais preocupações a serem observadas no estabelecimento do método do trabalho estariam: a linguagem, uma vez que cada nação possui a sua; as unidades de comparação, quando se atém para as razões das escolhas dos países que serão objeto do estudo comparativo; a classificação dos regramentos estudados em países diferentes, pois um mesmo direito pode estar previsto em partes topologicamente diversas de Constituições comparadas, podendo significar com isso que o grau de prevalência desses sejam diferentes; a bagagem ideológica existente em cada abordagem comparatista (TUSHNET, 2014. p. 5-9). Assim sendo, tem-se que já é tempo de superar aquelas restrições tradicionais no trato do tema, passando deste modo a existir uma contribuição efetiva com o estabelecimento de um método firme e coerente, onde se resguardem aspectos principiológicos que devem nortear o estudo e uso do direito comparado, objetivando com isso que as abordagens futuras levem em conta todas as nuances que permeiam o estudo do direito constitucional comparado, principalmente no cenário atual, onde as informações sobre o mundo todo são de fácil acesso – incluindo o direito comparado, podendo levar à criação de uma falsa aparência de facilidade na pesquisa, cujo engodo acaba por suprimir a complexidade que abarca uma pesquisa séria sobre a temática. Conforme pode ser observado nas singelas linhas do presente artigo, o método é algo que falta nas atuais abordagens do direito comparado. Resta silente uma necessária coerência metodológica nos estudos e uso da temática aqui tratada. Hirschl defende que a comparação é uma ferramenta fundamental de análise acadêmica (2017, p. 63). E aqui também se diz que o é para a jurisdição. Com o estudo do direito comparado é que são incrementadas as possibilidades de se estabelecer um discurso jurisdicional conglobante. Daí a necessidade da observância de um “kit básico do comparatista”, o qual deve conter determinadas ferramentas indispensáveis para o trato da temática: conhecimento detalhado dos sistemas jurídicos estrangeiros; competências jurídicas e linguísticas pertinentes; capacidade de se manter constantemente atualizado e informado acerca dos desenvolvimentos constitucionais no exterior; familiaridade com as metodologias comparativas básicas; sensibilidade cultural; disponibilidade de passar longos períodos de tempo fazendo 11 trabalho de campo, além da vontade para tanto (HIRSCHL, 2007, p. 66). Desta forma, parte significativa do problema, conforme menciona Hirschl, é reflexo de uma matriz metodológica desfocada do direito comparado. Muito do uso do direito comparado acaba pecando pela aderência a uma abordagem mais conveniente (ou seja, mais fácil), negligenciando (ou desconhecendo) assim os princípios metodológicos basilares de uma comparação controlada e do formato de pesquisa criteriológico costumeiramente utilizados nas ciências sociais. Mudar esse cenário geral é preciso, e o primeiro passo para tanto deve ser dado na e pela academia, fazendo voz para que o alerta seja ouvido e compreendido, principalmente, no exercício da jurisdição constitucional, a fim de que se possibilite uma mudança concreta no campo da prática jurídica. 12 3. METODOLOGIA, INTERPRETAÇÃO E ARGUMENTAÇÃO PARA PESQUISA JURÍDICA AVANÇADA Metodologia, Interpretação e argumentação jurídica avançada e o Direito foi o mote da recepção do Professor Manuel Atienza no ambiente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica (PPCJ) da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, em evento patrocinado pela CAPES, na linha da Escolade Altos Estudos, no segundo semestre de 2015. Reconhecido internacionalmente como teórico analítico, Manuel Atienza nos brindou com textos e seminários sobre a importância da Filosofia Analítica, bem assim sobre a relevância de se construir teorias adequadas à realidade local. Por isso, no texto que segue, busco reavivar a importância do discurso analítico em cotejo com o ambiente de compreensão do Direito, justamente dialogando com a obra de Manuel Atienza, para entender a importância do trajeto argumentativo em face de auditórios reais. Quando se fala em argumentação jurídica avançada, verifica-se que entre a teoria e a prática aplicada nos Tribunais, e em unanimidade entre os juristas, há ao menos quatro razões para o cabimento da teoria da argumentação jurídica, quais são a imprecisão da linguagem do direito, a possibilidade de conflitos entre as normas, o fato de que é possível haver casos que requeiram uma regulamentação jurídica, que não cabem sob nenhuma norma válida existente, e a possibilidade, em casos especiais, de uma decisão que contraria textualmente um estatuto. Em que pese proposições e respectivas decisões serem sempre fundamentadas, ou, ao menos assim deva ser, a teórica da argumentação jurídica revela-se de suma importância ao passo em que a ótica jurídico-prática se converge na grande maioria dos casos na necessidade da pronta resposta do Poder Judiciário ao pleito. Ainda, em conta, a diversidade e o excessivo volume de ações que tramitam e congestionam os órgãos da prestação jurisdicional, buscando-se (ou almejando-se) hodiernamente o cabimento de decisões prontas a casos idênticos ou bastante similares. A teoria da argumentação jurídica avançada formulada por Robert Alexy, em sua Theorie der juristischen Argumentation. Die Theorie des rationalen Diskurses 13 als Theorie der juristischen Begrundung, coloca-se como resultado de um projeto de prática de sua própria construção, recaindo no discurso de argumentação jurídica como um caso especial do discurso prático geral, inclusive moral. Vale citar: Em uma grande quantidade de casos de aplicação das normas jurídicas resultantes do procedimento da criação do Direito, para uma mesma questão jurídica particular, várias proposições normativas são possíveis. Com isso, está colocada a necessidade de uma teoria da argumentação jurídica para dar conta de que a proposição normativa particular seja acompanhada das melhores razões e, assim, melhor justificada racionalmente. Isso somente pode ser alcançado no marco do discurso jurídico racional entendido, então, como um caso especial (Sonderfall) do discurso prático geral. O presente artigo objetiva o resultado do ponto de vista estrutural da teoria de Alexy para a argumentação jurídica, buscando como fundamento de entendimento aquele em que referida teoria se posiciona, junto a outra de MacCornick, como aquela que se pode chamar ou denominar (atualmente) de padrão da argumentação jurídica. Entre fontes variadas, Alexy utiliza Hare, Toulmin, Baier, Habermas, Erlangen e Perelman. Contudo, a influência fundamental é de Habermas. A Ciência Jurídica impõe aos seus operadores o “dever” de argumentar, mas não só na ciência jurídica, em diversas profissões e situações da vida, argumentar é necessário. Pessoas que saibam fazer o bom uso das palavras e do efeito persuasivo na colocação de suas ideias acabam sempre saindo na frente. No mundo jurídico, especialmente, o uso do argumento certo, no momento certo e do jeito certo é decisivo. Dessa forma, a linguagem torna-se objeto e ferramenta de trabalho para o profissional do direito, que em diversas áreas de atuação, coloca em uso o recurso da língua e do discurso. A presente pesquisa, portanto, objetiva exatamente o destaque dessa importância de maneira que se possa fazer a análise da teoria da argumentação e seu 14 reflexo para a solução justa de casos, visando compreender essa importante ferramenta, para tanto o objetivo deste artigo é estudar a relevância do assunto presente na vida dos juristas. Qualquer situação, os meios de persuasão disponíveis”, pode-se considerar, como o autor, que os argumentos são essenciais para o convencimento tornando-se substancial para o raciocínio jurídico, uma vez que a pratica do Direito consiste fundamentalmente na argumentação. Assim sendo o presente estudo oferece recursos para entender essa ligação da necessidade de persuadir com o Direito. A reflexão que se espera da presente pesquisa, é a evidencia do discurso jurídico, particularmente no que se refere à argumentação, uma vez que o profissional jurídico leva o Direito a ganhar força na atuação sobre os conflitos sociais, quando se posiciona de maneira coerente com o discurso. Não há dúvida que a presente pesquisa não conseguirá exaurir o assunto, visto que o tema exige um estudo aprofundado em muitos aspectos, porém a proposta da pesquisa é expor a eficácia da boa argumentação, uma vez que, é de extrema importância a lógica aplicada em busca da justiça ideal para a prática e aplicação das normas presentes no ordenamento. Na metodologia foi utilizado o método indutivo na fase de investigação; na fase de tratamento de dados o método cartesiano e no relatório da pesquisa foi empregada a base indutiva. Foram também acionadas as técnicas do referente, da categoria6, dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica8 e do fichamento. Para entender a ligação do direito com a argumentação é necessário a compreensão da retórica, que iniciou-se na época clássica, na Grécia, por volta do ano IV a.C. Para que se compreenda sua origem, destaca-se que quem utilizava desses meios, eram os sofistas. Além disso, pode-se iniciar por Aristóteles, filósofo com uma grande visão da Retórica e fundamental para a sua implantação. De acordo com Aristóteles, define-se como arte retórica “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão”. Nesse 15 sentido, pode-se afirmar que cada situação envolve um indivíduo que carrega consigo a intenção de convencimento, sendo necessário nesse caso o uso da argumentação. Dessa forma a Retórica de Aristóteles apresenta uma simetria triádica em razão da apresentação do processo retórico da perspectiva de três segmentos interligados: o de quem fala, o que se fala e, finalmente, o para quem se fala14. Ou, segundo a classificação aristotélica, o ethos, o logos e o pathos: o orador, o discurso e o auditório; os quais, por sua vez, geram três tipos diferentes de discurso, o jurídico, o epidítico e o deliberativo. Por ora, na presente pesquisa irá se fixar no discurso jurídico. Já na Retórica de Roma, existente desde o século II A.C, destaca-se Cícero, pois afirma que as regras têm sua utilidade, porém restrita. Ainda, destaca a importância da cultura geral para o orador, é a reivindicação do homem honesto contra a especialização precoce nos estudos, como se fazia na época, quando a retórica era ensinada desde o berço. Esse filósofo valoriza a retórica, pois é muito mais do que a arte de falar; é a arte de pensar. Adiante, na Idade Média os principais autores foram Donato e Prisciano, nessa época a retórica teve um papel fundamental, tendo em vista as invasões. Pode- se destacar ainda que “o pensador da Idade Média vai procurar descobrir a ordem escondida que preside a articulação. conceitual de uma prática científica”. Na nova Retórica que teve como percursor Chaim Perelman, também filósofo e ainda lógico, resgatou esse pensamento aristotélico com o intuito de inserir o raciocínio jurídico, evidenciando a argumentação: Não é por acaso, portanto, que, Perelman, ao revitalizar a retórica aristotélica no século xx, procure apresentá-la como “a arte de bem falar, de mostrar eloquência diante de um público para o ganharpara a nossa causa”. Trata-se de uma arte que, para persuadir, utiliza meios de ordem racional, mas também de ordem afetiva, como acentua Aristóteles, porque a formação de um juízo envolve não apenas a razão, mas também a alma e as paixões da alma. 16 Nesse sentido “pode-se dizer, se a nova retórica busca atingir todo e qualquer auditório, é preciso pensar no tipo de linguagem a utilizar para esse feito”19. No esmo pensamento do autor entende-se que o domínio sobre o tema para o profissional jurídico é crucial, visto que a lógica aplicada nas várias formas de argumentar pode ser decisiva no convencimento. O exemplo da nova retórica apresentada por Perelman traz a argumentação como um instrumento para chegar a acordos. Dessa forma, conforme as mudanças apresentadas pela sociedade, é necessário que haja também uma atuação significativa no ensino jurídico, tendo em vista a formação de um profissional instruído na área jurídica, principalmente no que diz respeito à argumentação, uma das principais ferramentas utilizada por juristas. Diante do histórico apresentado pode ser verificado que o estudo da argumentação não é um estudo moderno, mas que na verdade ele vem sendo aperfeiçoado ao longo dos séculos de Aristóteles, um dos mais famosos fomentadores dessa ideia, aos profissionais do direito, nos dias atuais. Porém não só no direito, mas na vida prática, seja no fórum ou em uma compra e venda, a utilização da argumentação e da retórica é fundamental. Todavia, o presente trabalho se limitará na abordagem, atentando-se apenas a argumentação no mundo jurídico, sendo assim, a pergunta sobre o que seja “argumentação jurídica” não é pronta e de fácil resposta, como adverte Manuel Atienza, que ensina: [...] A teoria da argumentação não pode admitir que toda prova seja reduzida à evidência, pois, caso se admita a teoria da argumentação como estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou acrescer a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento, está-se a pressupor a adesão dos espíritos ser de intensidade variável. Não se debate ou discute sobre o evidente e sobre as questões em torno das quais impera consenso, compreensão comum ou unanimidade de juízos. A função da retórica reside na organização do discurso visando à deliberação e não se delibera sobre o que se tem certeza. A retórica é a arte de persuadir pelo discurso. Conforme explica o autor, a argumentação é uma arte que consiste, dentro do Direito, em administrar informações, ou seja, analisar livremente e 17 convencer o outro de determinada coisa no plano das ideias, é dar elementos, fatos, premissas de que aquela pessoa que está argumentando tem razão. Dentro do campo da argumentação jurídica é importante que aquele que deseja persuadir possua uma boa retórica que segundo M. F. Carneiro, no mundo jurídico consiste em: sabedoria, virtude de saber sopesar os argumentos, confrontar opiniões e decidir com equilíbrio no espaço dos juízos de valor das operações lógicas, o que exige do aplicador do Direito o mesmo discurso para um grupo de doutorandos. Logo, vencer a luta retórica, nada mais é do que obter resultados fundamentados na palavra. É importante a identificação do destinatário, pois conforme afirma Niklas Luhmann: Assim, a retórica, tal como propunha Aristóteles, consiste na “[...] arte de raciocinar a partir de opiniões geralmente aceitas ou de, sobre qualquer problema proposto, argumentar a partir de premissas prováveis”, sem esquecer-se, por óbvio do sistema jurídico da localidade e dos costumes e tradições do lugar em que se profere o discurso. Segundo Aristóteles a retórica poderia ser dividida em quatro partes: a invenção, a disposição, a elocução e a ação. A invenção consistia na busca empreendida pelo orador de todos os argumentos e outros meios de persuasão relativos ao tema do discurso. A disposição, por sua vez, consistia na elaboração de um plano discursivo. A elocução dizia respeito à redação escrita do discurso, e, por fim, a ação referia-se ao discurso em si. 18 4.PENSAMENTO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO Os caminhos dos pensamentos jurídicos serão divididos em três partes; e, em seguida, faremos uma explanação a respeito das correntes filosóficas do Juspositivismo, do Não juspositivismo e da Crítica. Esses temas são essenciais para entendermos o pensamento filosófico a respeito de Direito e Justiça, desde a época do regime Escravocrata, passando pelo Feudalismo, indo para o Absolutismo da Idade Moderna, até chegarmos ao Capitalismo, da Idade Contemporânea. Essas três divisões foram criadas, didaticamente, pelo professor e jurista Dr. Alisson Leandro Mascaro. Essas teorias são as mais avançadas e explicativas, para entendermos o mundo do Direito e as suas aplicações, na prática, no momento atual, do nosso século XXI. De acordo Mascaro (2015), o Direito não é um fenômeno da natureza e nem algo biológico ou químico, ele é uma inteiração social e histórica. Para entender o Direito, temos que depender de como nós o analisamos, de que ângulo, o vemos. O primeiro ponto é o do Juspositivismo, que é o Direito posto pelo Estado, através de normas estatais, como, por exemplo, os poderes internos do Estado, tais como os poderes Legislativo, Executivo e o Judiciário. Neste primeiro caminho, o do Juspositivismo, há um grande campo de legitimação e de aceitação do direito e das instituições políticas e jurídicas, que poderíamos denominar de visão estatal, formalista, institucional e liberal. Neste campo do saber, concentram-se os maiores números de teóricos do direito na atualidade. Mas, por outro lado, há aqueles juspositivistas que são ecléticos, há os que pensam de maneira estrita e aqueles que pensam eticamente. Podemos dizer que no juspositivismo há uma série de compilações jurídicas reunidas que formam o direito material e positivo. Tudo isto baseado em Leis e ordenamentos jurídicos. Segundo a obra de Mascaro (2015), a maioria dos operadores do direito comunga com o juspositivismo, talvez pela limitação teórica, pela prática e pelas estruturas institucionais do direito contemporâneo. E, o dia-a-dia do operador do direito (advogado, por exemplo), torna-se um ofício, cujo pensamento é adstrito às normas jurídicas do Estado. O que o torna alienado ao sistema de regras e normas rígidas, tais como pregava Hans Kelsen, em sua obra denominada “Teoria Pura do 19 Direito”. Este caminho filosófico está ligado diretamente às filosofias orientadas ao conservadorismo. O fundamento metodológico mais requisitado, atualmente, no juspositivismo, é o da filosofia analítica, com fortes representes de pensadores da teoria geral do direito, tais como Hans Kelsen, Alf Ross, Herbert Hart e Norberto Bobbio, como os principais e mais atuantes, nesta linha de raciocínio filosófico. Esse caminho defendido pelos pensadores que acabamos de citar, reduz o direito à norma e passam a tratá-la de modo autônomo e fragmentado. Isto faz com que o conhecimento torna-se recortado no todo, da realidade social. O juspositivismo torna- se, por assim dizer, em analítica reducionista. Na prática, o jurista juspositivista manipula as normas jurídicas estatais, e, em termos filosóficos, lhe dá um tratamento analítico, lingüístico e lógico, valendo-se de filosofias da comunicação. Segundo Mascaro, 2016: Kelsen é o ápice da redução analítica. Miguel Reale é o exemplo de uma resistência romântica a essa redução total. Jürgen Habermas é o exemplo do proveito dessa redução em benefício de sua posterior reelaborarão e extensão à política, à economia, à cultura e à sociedade. Assim sendo, pode-se falar de uma filosofia do direito juspositivista préreducionista, outra plenamente reducionista e outra pós- reducionista. (MASCARO, 2016, p. 314). Em oposiçãoao Juspositivismo, temos a leitura do Não juspositivismo, que nos ensina que o Direito não é aquela norma jurídica estatal rígida, ele é, nas palavras de Foucault, uma prática social e se estrutura num poder além das normas estatais, pregadas pelo Juspositivismo. Nesta via não juspositivista Carl Schmitt também tornou-se um aliado a esse campo do saber filosófico, defendendo outras leituras a respeito dos poderes emanados pelas normas estabelecidas pela sociedade mercantilista. Já nas filosofias do direito não juspositivistas e não marxistas há uma multiplicidade de conotações políticas que se pode vislumbrar, apontando diretamente para o reacionarismo, tomando-se como pensadores, sem um uso crítico, tendo como estudiosos mais brilhantes, na época, Heidegger, Gadamer e Schmitt. Estes não apresentam, de forma alguma, um pensamento conservador, na medida em que são antimodernos e antiliberais. Suas filosofias não são construídas a partir de uma base de classes, em razão dos oprimidos. Os pensadores que acabamos de citar tem uma filosofia que não são construídas a partir de uma base de classes, em razão dos 20 oprimidos. Portanto, as suas orientações são reativas, que vão muito além das reações proativas ou conservadoras. Em alguns casos, há a sensação de que os seus pensamentos filosóficos tratam-se mesmo de uma falta de orientação político-social. Michel Foucault tem uma peculiaridade e um peso próprio dentro da filosofia do direito não juspositivista, não marxista. Ele é um pensador com olhar político crítico, muito próximo do marxismo. Mascaro (2016), disserta que o pensamento de Foucault é tomado por um prisma crítico, que se junta com o marxismo, numa perspectiva de futuro, tentando fazer das leituras das obras de Michel Foucault um pós-moderno que é impulsionado para um presente fragmentado ou a um futuro fragmentado, conforme o grau de leitura pós-moderna que se lhe aplique. Nas palavras de Michel Foucault, (1987), na obra: “Vigiar e punir: nascimento da prisão” - temos uma clara mudança de paradigmas na visão de punir aos infratores que cometiam crimes, sejam eles bárbaros ou não, conforme o autor escreve: Dentre tantas modificações, atenho-me a uma: o desaparecimento dos suplícios. Hoje existe a tendência a desconsiderá-lo; talvez, em seu tempo, tal desaparecimento tenha sido visto com muita superficialidade ou com exagerada ênfase como “humanização” que autorizava a não analisá-lo. De qualquer forma, qual é sua importância, comparando-o às grandes transformações institucionais, com códigos explícitos e gerais, com regras unificadas de procedimento; o júri adotado quase em toda parte, a definição do caráter essencialmente corretivo da pena, e essa tendência que se vem acentuando sempre mais desde o século XIX a modular os castigos segundo os indivíduos culpados? Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação, merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de novos arranjos com maior profundidade? No entanto, um fato é certo: em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal. (FOUCAULT, 1987, p. 12). 21 Constatamos que o Direito juspositivista passa por uma mudança e ganha adeptos, como Foucault, na visão não juspositivista. É a nova dinâmica social quem faz a aplicação da Lei nos delitos sociais. Com o passar dos tempos e dos anos, surgem novos olhares e paradigmas na aplicação da Lei às punições aos crimes praticados pelos homens na sociedade. E, com isso, surgem novas maneiras de pensar e ver o mundo. Sendo assim, o não juspositivismo aparece como uma nova modalidade filosófica de encarar as novas realidades do mundo, no fazer e no pensar jurídico e filosófico. Por fim, temos a leitura Crítica, que vai estabelecer a compreensão mais profunda a respeito das relações concretas, práticas e materiais, que fazem a sociedade ser o que é, nos dias atuais. Essa leitura Crítica do Direito permite-nos entender as razões pelas quais são aplicadas as normas e as técnicas do Direito contemporâneo. Na verdade, o Estado não cria o Direito, Ele apenas ratifica as normas jurídicas e as aperfeiçoa aos seus interesses, por meio dos Entes Públicos, por meio dos seus governantes, desde os vereadores, até ao Presidente da República e o Congresso Nacional. Essa corrente de direito crítica tem, no marxismo, o seu mais importante e pleno caminho de observação e criticidade. Essa corrente marxista procura representar a crítica mais profunda e o horizonte mais amplo da transformação social, política e jurídica, porque procura investigar os nexos históricos e estruturais do direito com o todo social. Com esse exercício de capacidade de criticidade, chega- se à plenitude para a análise da filosofia do Direito. A filosofia do direito crítica nos orienta para a transformação social. Essa transformação que foi uma divisa maior de Marx, na Tese XI, tem como horizonte para o pensamento jurídico crítico marxista. E, na filosofia do direito crítica, não há possibilidade de enxergar no passado, précapitalista, uma solução melhor do que o presente, não se conformando, em contrapartida, com o momento presente. Em suma, o marxismo é a filosofia que aponta para a superação e para o futuro. De acordo com Mascaro, temos que: Os três caminhos da filosofia do direito contemporânea representam, também, três abordagens quanto à extensão do fenômeno jurídico. Na primeira trilha, juspositivista, há uma tentativa de redução do direito apenas aos limites da sua 22 manifestação e elaboração estatal. O jurídico se confina ao normativo estatal. O juspositivismo é a mais reducionista das visões jusfilosóficas contemporâneas. No segundo campo, não juspositista, a compreensão do direito dá um salto qualitativo. O direito não é mais tido no mero limite das normas jurídicas estatais. Por detrás das normas jurídicas, há as relações de poder, que são concretas, históricas, sociais, desde as maiores decisões da vontade estatal até a microfísica do poder. As filosofias do direito não juspositivistas buscam, então, escapar do reducionismo formalista. (MASCARO, 2016, p. 312). No marxismo, podemos perceber a ampliação de análise do direito no campo da norma jurídica para o poder, fazendo-nos compreender os nexos mais profundos das relações de poder na sociedade. Este é o mais vasto e pleno caminho jusfilosófico contemporâneo para estudar e compreender as relações sociais pós capitalismo mercantilista. Procurando demonstrar as estruturas dos três caminhos da filosofia do direito contemporâneo, Mascaro (2016) define bem esses caminhos, apontando as diferenças e distinções de cada um deles; assim, vejamos: Então, pelo ângulo das possibilidades de compreensão do fenômeno jurídico, destaca-se uma visão amplamente reducionista – o juspositivismo -, uma visão atrelada ao poder – as filosofias do direito não juspositivistas – e uma visão plena da totalidade – o marxismo. Para o juspositivismo, o direito é uma esfera autônoma, imediatamente dada e limitada pelas normas estatais. Para as filosofias do direito não juspositivistas, o direito não é uma esfera desconectada ou autônoma, pois já se pensa no poder como sua base. Mas, muitas vezes, o não juspositivismo apenas transfere a autonomia do campo normativo para o campo político. O marxismo é quem liberta totalmente o fenômeno jurídico de seu confinamento nas visões reducionistas, seja no reducionismo normativista, ou seja, no reducionismo político estatal. O direito é pensado a partir das estruturas do todo históricosocial. (MARCARO,2016, p.312). Temos como percussores do juspositivismo, como inspiradores, os maiores filósofos e não necessariamente os juristas. A presença das ideias de Kant é marcante, somando-se às ideias de Hegel. Eles têm as normas jurídicas como sólidas, materializadas nas leis e nos códigos, em geral. Assim, mediante as explanações que demonstram as diferenças entre os três caminhos, podemos também dizer que, no 23 campo não juspositivista, e não marxista, temos o grande estudioso Heidegger, como sendo o seu grande paradigma e precursor. Foucault também é adepto a essa linha de pensamento. Agora, no campo da visão crítica, que é o terceiro caminho da filosofia contemporânea, temos Marx, como o seu maior teórico e filósofo crítico das últimas décadas. E, dos três caminhos filosóficos, esse último, no plano da filosofia crítica é a mais alta dos três. O marxismo é a corrente filosófica que mais se apropria ao direito crítica. Nele, há um encaminhamento para a compreensão da situação do direito relativo ao seu patamar histórico e social, denominado de capitalismo. O marxismo procura buscar e compreender a manifestação histórica, existencial e decisionista do poder emanado do capitalismo e que atinge o direito. Entender os vínculos estabelecidos entre Estado, direito e reprodução econômica e social é a tarefa mais árdua e mais ampla da teoria marxista junto à filosofia do direito. Para entendermos a dinâmica essencial de cada um dos caminhos da filosofia do Direito, elaborado pelo jurista e estudioso Mascaro (2016), vamos nos aprofundar nas principais correntes de pensamentos de cada um dos três caminhos, assim vejamos: Em primeiro lugar, falemos das filosofias do Direito Juspositivistas. Correntes dos pensamentos juspositivistas: Esta filosofia apresenta o direito contido nos limites do Estado, é o direito posto pelo Estado. Afirma que o Direito só pode ser entendido como norma jurídica, com uma posição social e uma política conservadora, se pautando apenas na análise da norma. O jurista juspositivista é indiferente, pois rege sua opinião na norma válida, apenas no presente e não se preocupa com as mudanças de fatos sociais. Há variados pensamentos que se vinculam nesta linha de estudo, havendo, no entanto, três grandes correntes que podem ser distinguidas dentro dos positivismos. A sua compreensão se dá por meio da relevância que são aplicadas às técnicas normativas estatal, sendo esta parcial ou total. Nas palavras de Mascaro, (2016), temos: 24 Desde o século XIX – e, de algum modo, passando por todo o século XX e vivo até hoje – a primeira grande afirmação do direito positivo estatal se dá a partir de referenciais ainda extranormativos, na medida em que a esterilidade de uma mera analítica normativa estatal é chocante ao espírito jurídico que ainda há pouco, no século XVIII, era jusnaturalista. Tal visão que já é juspositivista, mas o funda em razões extraestatais pode ser chamada de juspositivismo eclético, justamente por mesclar o campo da normatividade estatal a valorações sociais. O caminho filosófico que situa o direito numa técnica normativa estatal mitigada está presente nas variadas manifestações de ecletismo jurídico, como o culturalismo jurídico, do qual Miguel Reale é certamente o seu maior expoente, e que foram típicas de um modo de pensar que chega até os meados do século XX. (MASCARO, 2016, p.322). Neste caminho estritamente técnico, na escola juspositivista, temos como o maior representante, o seu maior pensador, denominado de Hans Kelsen. O lastro de tal visão juspositivista pode ser denominado de filosofia analítica, uma vez que o autor tem as leis como algo rígido, que são as leis compiladas e frias, que são aplicadas ao cidadão infrator. Ou seja, o Direito Positivista assume a aplicação da Lei. Somente com o passar dos anos, especificamente no Século XX, e com o desgaste do juspositivismo surge uma visão ética liberal, passando a valorizar os valores éticos e sociais. Nesta época, os seus maiores defensores são: Ronald Dworkin, John Rawls, Robert Alexy e Jürgen Habermas. Eles são os filósofos, do direito, mais conhecidos e respeitados nesta nova fase de entendimento intelectual a respeito da aplicação da lei. O juspositivismo foi dividido em três correntes: O juspositivismo eclético: o juspositivismo, rompendo com o jusnaturalismo, privilegia o trabalho com normas estatais, limitando a ciência do direito somente ao posto por elas. Mas, os princípios juspositivistas consideram que o direito positivo resulta de fontes externas ao próprio estado, como a moral, a cultura ou valores sociais. Para eles, o direito é norma, normas que surgiram das tradições do 25 povo. Essas normas devem refletir as tradições, a cultura e o espírito do povo. Cada povo possuía sua própria cultura e seus valores; o direito exprime exatamente esse espírito. Com o surgimento da tomada do poder estatal, por parte da burguesia, a partir do Século XIX, o pensamento jurídico se assenta em bases juspositivismo. E, o seguimento desta corrente filosófica está muito ligado ao direito natural positivado. Segundo Mascaro, (2016): O mito de entrada da contemporaneidade jurídica é a chamada positivação do direito natural. Creu-se que o direito positivo deveria ser seguido porque, no fundo, ele era apenas o direito natural positivado. Assim argumentou o pensamento burguês liberal em início do Século XIX. (MASCARO, 2016, p.322). Com o caminhar dos anos, surgem outros juristas que se aproximaram do juspositivismo, insistindo em encontrar outros fundamentos que explicassem as leis postas pelo Estado e as leis exteriores ao mundo estatal. O positivismo eclético teve o seu início no juspositivimos na chamada Escola histórica do direito. Tendo como os seus grandes estudiosos, Karl Von Savigny e Volksgeist, no Século XIX. Savigny, a partir da sua obra Sistema do direito romano atual, propõem que o direito não fosse compreendido, apenas, a partir de normas jurídicas, mas sim, que esta se impõe por representar o espírito do povo. E, estes conceitos, embora vagos, explicam a manifestação de institutos históricos e sociais defendidos, como, o da família e o da propriedade, que depois passaram a ser consubstanciados na lei. O ecletismo se dá, aqui, porque os filósofos defendiam que, embora o direito fosse haurido do Estado, não o teria como sua fonte inicial. Com a sociedade burguesa em acomodação, com classes as mais distintas em conflito, o juspositivismo procura fazer um jogo para atender ao Estado e à classe burguesa que se ascendia. Essa acomodação entre a normativa estatal é uma espécie de institucionalização do espírito do povo demonstrando esse ecletismo. 26 Ao dissertarmos a respeito do ecletismo juspositivista, Miguel Reale, o grande precursor e disseminador do ecletismo jurídico. Havia, nesta época, visões psicologistas do direito que o situavam no seio da cultura do povo, com abordagens que insistiam em valores morais intrínsecos ao direito positivo. Segundo Mascaro (2016), temos: Por não ser uma visão estritamente normativa, o ecletismo alcança um número infinito de possíveis composições. Para Hans Kelsen, o direito se reduz, enquanto fenômeno científico, ao um, isto é, ao número único da norma jurídica como base de sua ciência do direito. Para os pensadores ecléticos, no entanto, o fenômeno jurídico é mais que um. Alguns outros aspectos da vida social entram em cena, somando-se à norma, para construir o fenômeno jurídico segundo tais jusfilósofos. Miguel Reale consolida o modelo mais relevante de tridimensionalidade. (MARSCARO, 2016, p.324). Juspositivismo estrito: esta corrente explica que o Direito é o próprio Direito. Estuda e analisa apenas a norma jurídica. A teoria de Kelsen abstrai de valores, considerações morais,culturais e ideológicas, pois trata apenas da identificação estrita do fenômeno do direito à forma estatal. E, o método de Kelsen é analítico, ou seja, é a quebra do todo. Vai esmiuçando a norma, parte por parte, comparando-a e estabelecendo semelhanças e diferenças. Juspositivismo ético: essa corrente jurídica se preocupa com questões éticas na constituição do fenômeno jurídico. Começa a valorizar alguns princípios e horizontes éticos mínimos, não afastando a ordem estatal, nem a estrutura técnica do direito positivo, todos extraídos do consenso social. Miguel Reale (2000) é um dos mais importantes estudiosos da filosofia do direito positivista, da sua época, a denominada eclética. Tendo esse autor lançado a sua grande obra, denominada Fundamentos do direito, que lança a teoria tridimensional do direito, trazendo à baila uma visão tridimensional de toda a filosofia e do mundo da cultura. A obra deste autor é um grande marco para os estudos a respeito deste tema, o que dá margens para outros estudiosos ampliarem e completarem o raciocínio pregado por Reale. 27 Reale (2000) propôs um conjunto de normas filosóficas postas pelo Estado em uma de suas análises do direito. E, estas normas propostas por ele, transcendem os limites juspositivistas. Na tríplice estrutura fenomenal de norma, fato e valor, Reale situa o acontecer jurídico. Para ele, o direito não pode ser analisado apenas por um único padrão, normativista. Para a filosofia de Reale, a norma jurídica é um dos pilares para se identificar o fenômeno jurídico. E, nesta análise, temos que levar em conta a realidade social, constituinte fundamental do direito. Reale (2000), dizia que o conhecimento dos fatos, definidos pelas ciências humanas, diferia do conhecimento dos fatos, para os cientistas da natureza. Ele define bem estas duas vertentes de pesquisa, porque as formas e olhares para a análise, em pesquisa, são diferentes entre as duas ciências citadas. Um pesquisador, nas áreas da química ou da física, analisa os dados contidos na natureza, não tomando posição positiva ou negativa sobre o objeto estudado, mas analisa os fatos ali, como estão. Já nas ciências humanas, o homem toma uma posição e julga os valores contidos no objeto estudado. O que nos dá a entender que as duas vertentes de pesquisas são completamente diferentes, com relação à pesquisa. Para Reale, fatos, valores e normas abarcam uma visão a respeito da origem das normas jurídicas, o que ele denomina de nomogênese jurídica. Esse processo de formação de normas se faz por meio da junção de um complexo axiológico, que são os valores, com o complexo fático, que representam os fatos. Ou seja, a junção de fatos e valores traz uma série de combinações que surgem com várias proposições normativas possíveis. A ontognoseologia - Essa teoria trata-se de um tipo de peculiaridade de dialética que é distinta daquelas consagradas por Hegel e Marx. Para estes últimos, a dialética pressupunha a contradição, e, nessa vinculação entre tese e antítese, levantava-se a síntese como superação. Já para Miguel Reale, a dialética de implicações e polaridades representavam um tipo específico de relação entre opostos, na medida em que não se excluem, mas que se integram dinamicamente. Mascaro (2016), define a ontognoseologia na obra de Reale: Tal junção de conhecimento e realidade em uma dialética própria resulta, em Miguel Reale, numa peculiar teoria do conhecimento, a ontognoseologia. A ontologia, enquanto especulação sobre o ser, para Reale remonta à clássica filosofia, 28 como a aristotélica. A gnosiologia, como problema do conhecimento, é a problemática da filosofia moderna. Ocorre que o mundo contemporâneo também faz uma chamada ao ser, como no caso do existencialismo. No século XX, Martin Heidegger e mesmo Nicolai Hartmann lançam mão de teorias que se dirigem ao ser (MASCARO, 2016, p. 331-332). Segundo o que já estudamos, pode-se dizer que a tridimensionalidade do direito nos leva a crer que a ontognoseologia representa uma apreensão do fenômeno jurídico enquanto manifestação da realidade e do conhecimento. O direito não é produto de uma subjetividade que crie valores e normas, nem tampouco de uma relação direta entre fatos e normas, ao nível mecânico. Há uma tensão entre a razão e a realidade, processual e dinâmica. Nos seus livros Experiência e cultura e Verdade e conjectura, Reale se debruça a estudar os caminhos epistemológicos, tendo por fulcro, a compreensão do direito a partir da experiência. Aqui o autor expõe o caráter histórico do direito. Os valores são históricos, no entanto, em determinado momento dessa mesma história, deixando transparecer que alguns valores despontam como um núcleo cuja referência não mais se alterará com a passagem futura do tempo. Neste sentido, o pensamento conjectural não pode ser compreendido apenas como um excesso para além da ciência. O que as ciências humanas e exatas têm como verdades, muitas vezes, são apenas conjecturas que condicionam as convicções e atitudes sociais históricas, no dizer de Reale. Por outro lado, temos o juspositivismo estrito, que tem como seu símbolo, Hans Kelsen, mas não se refere apenas a ele. Vários pensadores, na época, no final do Século XX, tais como Alf Ross, Herbert Hart e Norberto Bobbio são alguns dos mais exemplares juspositivistas que criticam, secundam ou dialogam com Kelsen. Os juspositivismos estritos não assumem tal crítica, na medida em que não fundam um discurso sobre a igualdade do direito positivo à justiça. O pensamento de Hans Kelsen (1986) representa o máximo engenho e o auge da construção do modelo juspositivista, segundo os estudos de Mascaro, (2016). No pensamento deste sábio autor está a possibilidade de compreensão mais singela e mais espraiada do fenômeno jurídico. A sua identidade científica é total e inexorável com a norma estatal. 29 Para complementar o pensamento de Kelsen, (1986) a respeito da dinâmica do Direito na sociedade, citamos Mascaro (2016): Ao mesmo tempo, para Kelsen, os atos brutos constituiriam simplesmente uma manifestação imediata do direito: um juiz prolata uma sentença, um guarda apita em meio ao trânsito. Mas esses atos somente são entendidos como jurídicos porque há uma mediação de sentido que provém das normas estatais. Num teatro, um ator vestido com toga passa-se por juiz; no entanto, ele não é juiz para o direito, porque as normas estatais não lhe doaram o sentido da competência formal para o julgamento. (MASCARO, 2016, p.341). Pode-se perceber que deve haver uma legitimidade, para que os efeitos do Direito surtam resultados na sociedade. Aquele que o exerce, deve estar emanado em um poder legítimo. Os atores sociais devem estar legitimados para atuar, cada qual, com o seu papel. Aquele que é juiz investiu toda a sua capacidade para estudar as leis e compilações jurídicas, para ser um juiz. O mesmo se dá para o ator, enquanto ator, que realiza a sua peça teatral. Ele também está emanado na sua arte, baseado na sua formação teatral e cênica. São os efeitos de sentido que dão sustentabilidade a cada caso. Para Mascaro (2016), temos: É importante que se faça a distinção entre o direito e ciência do direito para entender que Kelsen não apregoa, como o vulgo imagina, que o direito seja puro, somente normativo. Pelo contrário, o direito é contraditório, haurido imediatamente das contradições sociais e de seus operadores. A postulação de Kelsen é menor que isso: a ciência do direito é que deve ser entendida como pura. Claro, menor que a pretensão a um direito puro, mas, ainda assim, vítima de uma pureza teórica que, ao final, torna a ciência do direito aquilo que o direito não é. (MASCARO, 2016, p.342). Para Kelsen (1986), o direito só poderá ser entendido cientificamente a partir do olhar normativo, isto é, nodever-ser. E, o direito não é analisado pelo campo de sua manifestação concreta, como o ser. O que pode haver é uma reflexão sociológica ou histórica sobre os fatos, mas não ao ponto de vista da ciência do direito. Para o autor, a norma jurídica é o que distingue a pureza do conhecimento jurídico. 30 Kelsen (1985) faz uma diferenciação entre as normas jurídicas e as normas da natureza. Segundo ele, as normas jurídicas têm um funcionamento lógico similar ao das demais normas sociais. Já as normas éticas e morais são semelhantes, com um pequeno detalhe: as normas jurídicas têm um substrato estatal. As normas sociais e as normas jurídicas não são regidas por relações de causalidade, como o caso das regras da natureza. Em segundo lugar, temos as Filosofias do Direito Não juspositivistas: Essa corrente filosófica busca compreender o direito por meio da observação direta da realidade social e das manifestações dos fenômenos jurídicos. Os autores desta corrente não se contentam com a técnica normativa do direito, ao contrário, eles fazem crítica à técnica. A partir de Martin Heidegger (2002) a consideração do direito se faz por meio da compreensão das situações concretas e existenciais. O direito se manifesta e se compreende a partir de uma hermenêutica situacional. Enquanto o direito juspositivista pregava a certeza, reduzindo o direto à técnica normativa, aqui no não positivismo analisa os fatos por uma espécie de humildade e reverência ao oculto e às profundezas do existencial. Trata-se de uma crítica ampla ao direito e à sociedade. Para os autores desta corrente, o não juspositivismo, o direito não é expressão limitada e automática do comando normativo. Ele manifesta-se socialmente como uma expressão de poder. A visão de que as análises partam da norma jurídica é um mero ato burocrático. Carl Schmitt é o teórico mais importante dessa visão do poder para além do direito. Mascaro (2016), disserta a respeito de alguns autores desta corrente, vejamos: Como o marxismo é a outra grande vertente filosófica não juspositivista, os caminhos de Heidegger, Gadamer, Schmitt, Foucault e outros próximos poderiam ser identificados, com mais propriedade, como caminhos não juspositivistas não marxistas, pois, quanto ao direito, não procedem como o marxismo, que quererá 31 desvendar as especificidades históricas e sociais do fenômeno jurídico. Pelo contrário, as visões existenciais e o decisionismo jurídico parecem privilegiar esferas gerais da abertura existencial em detrimento de esferas sociais históricas específicas. O direito, assim, é assemelhado a uma espécie de manifestação do problema existencial genérico, ou do poder em geral. Para o marxismo, que mergulha nas estruturas sociais históricas, além da sua perspectiva a partir da totalidade, o direito se revela também um fenômeno social específico. Mas, muitas vezes, para uma perspectiva existencial, o que sobra em largueza lhe falta em especificidade (MASCARO, 2016, p.375). Foucault (2005) é outro responsável por uma investigação do poder, esquecidos pela filosofia juspositivista. Em suas obras, arqueologia do saber e sua genealogia do poder jogam por terra as boas intenções das instituições e de seus operadores. Quando as ideias de Foucault são atreladas ao próprio marxismo, produz uma das mais vigorosas vias da filosofia do direito crítica. Sendo assim, esse respeitável pensador coopera com essas duas últimas correntes filosóficas, trazendo para nós um momento de muita reflexão. O pensamento foucaultiano tem o seu apogeu nas décadas de 1960 a 1980, e sua reflexão buscou compreender e apontar os nexos estruturais do poder e da dominação em suas amplas manifestações sociais. As obras de Foucault abrangem temas, tais como: a loucura, a sexualidade, a linguagem, a tortura e o direito. Em todas as obras do autor, temos apontamentos e orientações em busca do entendimento dos mecanismos do poder, dos modos de estabelecimento e funcionamento das divisões, das opressões, das dominações. Por isso, o pensamento de Foucault é extremamente crítico e fundamental para entendermos a harmonia social e seu funcionamento contratual, mediante a concordância dos sujeitos. Para Carl Schmitt, as investigações devem perceber as causas concretas do fenômeno jurídico na sociedade. Ele dizia que o direito é uma decisão, só aparece quando é aplicado por alguém que tem poder. É um existencialista – quem tem o poder cria as coisas. Para o autor Schmitt, a verdade do direito não está nas normas jurídicas, acima delas há o poder que tanto as instaura quanto rompe com elas. A norma é uma criação do poder e quem tem o poder, vence a norma. Outro autor muito importante para a época, segundo Mascaro (2016): 32 Carl Schmitt (1888-1985) é um dos maiores pensadores do direito da contemporaneidade, e tal condição se assegura pelo modo muito original e radical pelo qual compreende o fenômeno jurídico. Liberto das amarras do estrito jus- positivismo, Carl Schmitt situa o fenômeno jurídico nos quadrantes da exceção. A decisão que não está limitada à regra – e não o automatismo do cumprimento da norma jurídica – é o momento fundamental da filosofia do direito schmittiana. (MASCARO, 2016, p.414). Schmitt (2009) implantou uma mudança de compreensão fenomênica do direito, o que lhe fez ultrapassar a barreira formal, que era meramente normativa, para se chegar a um núcleo decisional, que concentra o poder enquanto ato originário de seguir a regra ou de rompê-la, criando, assim, a exceção. Baseado neste conceito, o Direito passa a ser tomado como sendo um fenômeno distinto daquele previsto pelo caminho juspositivista de outrora. Segundo Schmitt, a compreensão do direito não está limitada às normas jurídicas, uma vez que ela está situada no eixo de gravidade do poder. Já para Foucault (2005) o direito não se revela nas normas, mas sim, o direito penal, onde o poder se manifesta na sua forma mais bruta. Afirma que, embora o direito positivo fale ao contrário, a tortura, por exemplo, é a prática dos agentes do Estado, portanto, uma verdade do direito. Mascaro (2016) descreve que: A mudança paradigmática de compreensão do direito em Carl Schmitt leva-o, imediatamente, a uma dissociação fenomênica muito incomum na tradição do pensamento jurídico contemporâneo. Pela maioria liberal dos juristas, os limites do direito são os limites do próprio Estado. Assim pregoava Kelsen, para quem direito e Estado se confundem. No entanto, para Carl Schmitt, lastreado na exceção como anunciação do soberano e como compreensão do próprio direito, passa a ser clara a distinção entre dois níveis de fenômenos: de um lado, o direito e a norma; de outro, o soberano e a política. O Estado paira sobre o direito, e lhe é superior. O poder está acima da norma jurídica. O Estado é maior que as normas jurídicas. A exceção é o elo entre o poder soberano e o direito. O direito não se revela numa unidade, como um 33 dado monístico, puramente normativo. Ao contrário da pureza proposta por Kelsen, Carl Schmitt “existencializa” o direito, exprimindo-o num todo situacional. A decisão, fora da norma, é que dá sentido à própria norma e ao direito (MASCARO, 2016, p.417). Outro pensador muito importante para a corrente filosófica do não juspositivismo é o Heidegger. Ele opera uma grande cisão em relação à tradição do pensamento ocidental. A compreensão da filosofia se assentou sobre as bases da metafísicas, embora o autor desconfiasse dela, vinculando-se às ideais absolutas, aos conceitos predefinidos, a realidades divinas ou de uma razão plena. A metafísica, ao contrário de buscar compreender os fenômenos e as realidades tal qual se manifesta, liga-se a um conceito ideal, uma espécie de duplo da realidade, ou, em muitas vezes, um completo estranho à própria realidade.Pode-se dizer que a metafísica é uma filosofia do dever-ser, porque há um tipo ideal em relação ao qual o pensamento deve se ajustar. Uma nova perspectiva da filosofia de Heidegger (2002) está relacionada à compreensão do ser, que é uma busca do sentido do ser. Segundo ele, há seres, há entes, há a existência. Essa busca é totalmente distinta daquela da metafísica. A pergunta da metafísica é a respeito das razões finais. A de Heidegger não. Segundo ele, é o próprio ser que descobre a sua verdade. Nas palavras de Mascaro (2016), a definição do sentido do ser é: A descoberta do sentido do ser é a própria clareira que se abre para a compreensão do ser. Esse sentido não é uma orientação finalística, como se o ser tivesse um pendor ou um destino já dados. O sentido do ser é o próprio âmago do ser, na sua abertura para a existência. (MASCARO, 2016, p.385). A verdade do ser, para Heidegger (2002) rompe definitivamente com toda a história da filosofia medieval e dos tempos modernos. A compreensão da verdade, por Heidegger, não é concluída a partir de um método prévio. É o próprio ser, em sua temporalidade e história, que se desvenda, descobrindo seu sentido e sua verdade existencial. 34 A filosofia de Heidegger preocupa-se com as questões da autenticidade e inautenticidade humana. Para ele, toda existência é social e todo ser está mergulhado no mundo com os seus demais pares. A inautenticidade é a marca da banalidade e da utensiliaridade. A existência se apresenta sem qualquer cuidado maior que aquele do quotidiano e de seus afazeres. Já a autenticidade, é compreendida pelo autor, como as preocupações com o outro, como existência e cuidado. Para Heidegger, se a banalidade é a característica da existência inautêntica, a cura é a marca da existência autêntica. A partir do raciocínio de Heidegger, Mascaro (2016), disserta que: É a partir da abertura do ser na sua imediatitude e na sua impessoalidade que vai-se revelando o modo inautêntico da existência. Nessa abertura, o quotidiano revela a banalidade, um abandono existencial. E justamente tal derrelicção existencial é a marca da liberdade do ser. Não há para Heidegger, uma trilha prévia do que seja correto ou incorreto na existência. Derrelicto, o ser constrói suas sendas livremente. O caminho não é previsto à existência; faz-se caminhando. Por sua vez, o autêntico se caracteriza pela preocupação-com-o-outro. O cuidado é a sua manifestação. Trata-se da existência que supera a sua banalidade quotidiana e que se lança a partir da tomada nas mãos da própria socialidade. Todo ser é ser-com. O banal é um modo de existir social, mas sem tal compreensão dos vínculos sociais. (MASCARO, 2016, p.388). A relação de autenticidade ou de inautenticidade para Heidegger é uma questão muito mais ligada ao ser do que à ética, propriamente dita. Para o autor, fazer a descoberta do ser, da sua compreensão, fazendo o desvelamento do ser, que, por meio desta observação pode ou não revelar a verdade e sua autenticidade. Tudo isso trata-se de um caminho que desvenda o autêntico, e, portanto, não de uma dedução ética que se queira aplicar ao ser, mas sim, de um melhor modo de compreendê-lo. A verdade para Heidegger se desvela e se abre a partir de uma concessão do ser. O pensamento marxista reconheceu em Heidegger, um grande proveito crítico, de tal maneira que o Autor em tela mergulha nas profundezas do ser e da técnica, tecendo críticas à metafísica e ao mundo do sujeito. Incluindo uma crítica severa ao próprio capitalismo. 35 Em terceiro lugar, temos as filosofias do Direito Críticas: É um pensamento baseado no marxismo e os seus teóricos afirmam que o direito não se limita ao juspositivismo, investigam os fundamentos dos poderes que põem e quebram o direito positivo, buscando entender as específicas relações sociais com o direito. Marx mostra que há injustiça por causa do direito, o qual faz parte do capitalismo. Ele se Poe a indagar a respeito do porquê dessa mesma forma jurídica estatal. Afirma ainda que o direito não pode ser entendido a partir de definições vagas e idealistas. A verdade do direito é a sua real manifestação a partir da lógica da reprodução concreta das relações sociais capitalistas. Não só o Estado é controlado pela burguesia, como a própria forma estatal do domínio é expressão do tipo específico de exploração capitalista. Não apresenta um discurso ético, apenas explica como funciona o capitalismo, que constrói necessariamente, um conjunto de instancias de tipo jurídico, que lhe serve de fundamento. O direito é determinado pela forma mercantil e sobre determinado pela própria estrutura geral das relações de produção. Nos estudos desta nova filosofia, podemos perceber que há uma influência profunda do marxismo. Este fará as investigações mais funda e críticas, de toda a filosofia contemporânea, a respeito das origens e manifestações do direito. Neste sentido, temos que o fenômeno jurídico será tomado pela perspectiva de suas manifestações sociais efetivas, concretas e existenciais. Ao contrário da filosofia do direito juspositivista que encontrava nos limites do Estado uma fonte de redução do fenômeno jurídico, e que traz à baila, a maioria dos juristas conservadores, também tínhamos o direito não juspositivista, que também transpunham estes limites. O direito se vê a partir do poder, da exceção, e não da regra em si, mas, por outro lado, não se pode considerar a decisão como sendo um mero ato voluntário do soberano. Segundo o professor Mascaro (2016), o direito é expressão de uma situação existencial, e nisso, o existencialismo jurídico tem um ponto alto de seu pensamento. Identificar o fenômeno jurídico em suas especificidades, nessa situação existencial, e nesse momento o marxismo é a única ferramenta filosófica necessária e capaz de penetrar profundamente nas contradições do tecido histórico-social. 36 A revolução, a transformação da sociedade capitalista e o socialismo são os limites apontados pelo pensamento marxista. O capitalismo é uma forma de domínio severo por parte daquele que detém o poder de produção e distribuição da mercadoria. É o dono do capital quem detém o poder de fazer isto ou aquilo, na sociedade. Para Mascaro (2016), temos: O primeiro grande debate reside em torno da própria noção do que é o direito para Marx e o marxismo, e sua intimidade ou distância com o fenômeno estatal e, ao mesmo tempo, a intimidade ou distância de ambos com o próprio sistema capitalista. Nesse sentido, levantase a grande corrente do debate soviético, que pioneiramente, a partir da Revolução Russa, teve que tratar do fenômeno do direito estatal numa sociedade que buscava romper com o capitalismo (MASCARO, 2016, p.451). O segundo grande debate desta filosofia trata-se das questões dos meios revolucionários e do papel do direito como intermediador no cerne do capitalismo e na transição ao socialismo. Há uma influência clara do direito à realidade política dos tempos presentes. O Estado intervencionista e desenvolvimentista, o planejamento capitalista, a democracia, a hegemonia, a associação dos comunistas com a burguesia progressista são formas de abordagens possíveis a partir destes momentos de transição política, filosófica e jurídica do Estado. O terceiro grande debate jurídico, nas palavras de Mascaro (2016), está profundamente ligado ao marxismo à fenomenologia do direito num grau mais abstrato. Aqui, trata-se da pergunta a respeito da razão técnica e da razão crítica no direito e no jurista. É um debate originário da Escola de Frankfurt, que, inclusive, abre as portas à relação do direito com a psicanálise. Em quarto lugar, temos a questão que gira em torno da questão metodológica da filosofia marxista, que nos leva a possíveis desenhos do fenômeno jurídico e às abordagens
Compartilhar