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PASSO-A-PASSO HUMANÍSTICAS VOLUME 3 - NOÇÕES DE SOCIOLOGIA JURÍDICA CONTEÚDO E ROTEIRO DE ESTUDOS DE ACORDO COM O EDITAL DO VI CONCURSO PARA O CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL www.cursocliquejuris.com.br De acordo com o Edital nº 2, de 29.6.2017 Material elaborado pelo Curso Clique Juris Vedada a comercialização e compartilhamento 1 CPF Sumário Orientações Gerais .................................................................................... 2 PASSO-A-PASSO SOCIOLOGIA JURÍDICA ............................................. 11 1. Perspectivas sociológicas do Direito ................................................ 14 1.1 O Direito como Ciência. ................................................................... 30 1.2 O Direito como Ideologia. ................................................................ 35 2. A ciência jurídica como ciência social. .......................................... 39 3. Positivismo, Marxismo e Historicismo. ............................................... 43 4. Fundamentos sociais da ordem jurídica. ........................................ 47 5. Os grupos sociais e o Direito. ............................................................. 51 6. Direito estatal e direito extra-estatal. ............................................... 57 6.1 Controle social. ................................................................................... 62 6.2 Estratificação social. .......................................................................... 72 7. Conflito social e conflito jurídico. ...................................................... 78 8. A função simbólica do Direito. .......................................................... 86 9. Eficácia do Direito e legitimidade da ordem jurídica. .................. 90 10. Opinião pública. ................................................................................ 99 11. Direito e Revolução. ........................................................................ 107 2 CPF Orientações Gerais Queridos alunos. É com grande satisfação que apresentamos a vocês o Passo- a-Passo – Humanísticas (PAP HUMANÍSTICAS). O material foi elaborado pelo professor Igor Peçanha Frota Vasconcellos, bacharel em Direito pela UFF, advogado e mestrando em Ciências Jurídicas e Sociais (PPGSD/UFF). No material apresentado selecionamos o que é fundamental para fazer a prova da DPU/CESPE no que tange às humanísticas que englobam três disciplinas do grupo IV do edital, a saber: (1) noções de ciência política; (2) noções de sociologia jurídica; e (3) filosofia do direito. São basicamente as disciplinas consideradas da área de Humanas, à exceção daquelas estritamente jurídicas. O que são as humanísticas (aonde vivem, o que comem)? É bem verdade que durante a faculdade costumamos não dar muita atenção para as matérias chamadas propedêuticas ou zetéticas (dois nomes que podem aparecer nas provas como sinônimos desse conjunto de disciplinas). Por aqui já fica uma primeira dica, no sentido de que a denominação propedêutica não é uma unanimidade porque refere-se à ideia de “conhecimentos mínimos” (ou “conhecimentos introdutórios”), e para muitos estudiosos dessas disciplinas, 3 CPF considerar que elas são apenas introdutórias e não centrais para o entendimento do direito já revela uma visão distanciada dos saberes críticos ou não dogmáticos. Assim, antes de entrar nos conteúdos propriamente ditos temos que dar dois passos: a) entender como abordar os temas que são essenciais para a prova; e b) aprender a diferença entre as disciplinas. O conteúdo do edital A maneira como o edital é construído, incluindo essas disciplinas na mesma lógica que as disciplinas jurídicas, amplia a dificuldade de estudo delas, uma vez que os temas são muito amplos e, ao contrário das disciplinas dogmáticas (opõe-se a zetéticas), não é habitual a produção de manuais sobre elas. Costumo dizer em sala de aula que poderia abordar cada tema do edital com pelo menos 10 autores diferentes e por um semestre inteiro num curso universitário. No que diz respeito à extensão do conteúdo podemos comparar com a Faculdade de Direito: já pensou de uma vez só (e pela primeira vez na vida) aprender todo o Direito Privado (que em muitas faculdades estudamos por dez períodos), com o agravante de que tanto na filosofia quanto nas ciências sociais (aqui incluídas a ciência política, a sociologia e alguns temas de antropologia que adentram o edital de sociologia) 4 CPF cada autor costuma cunhar seu próprio conceito sobre um assunto ou criar novos conceitos a partir de conceitos de autores pré-existentes, os quais não estão sistematizados em manuais e não há uma bibliografia-base para a prova o que seria o mais adequado para esse tipo de prova para essas disciplinas (como acontece na Defensoria de São Paulo, v.g.) Nesse sentido, fica uma segunda dica de que ao invés de se propor a decorar todos os conceitos específicos para as “categorias”1, autores e obras, busque organizar os seus estudos relacionando uns aos outros, porque o que a banca tentará fazer é confundir a ideia principal sobre aquele tema, tornando possível deduzir as questões que estão erradas ou certas quando se compreende como é o pensamento do autor ou em que contexto se mobiliza determinado conceito ou categoria. Um outro ponto importante a ser destacado novamente é ficar atento aos temas que atravessam as diferentes disciplinas, especialmente aqueles que estão no mesmo grupo das humanísticas (Constitucional, Direitos Humanos e Internacional). É bastante possível que nas questões discursivas 1Conceito muito importante para as ciências sociais, pois são os recursos explicativos utilizados para construir determinada teoria ou explicar uma determinada situação fática observada pelo cientista social – por exemplo, “trabalho” é uma categoria utilizada por Marx para explicar a sociedade capitalista. Ou ainda, “dominação” é uma categoria utilizada por Weber para explicar o estado e a sociedade burocrático-legal em que vivemos. 5 CPF os temas das humanísticas estejam articulados com temas dessa disciplina. Sobre as disciplinas que abordaremos a seguir, dentro das humanísticas temos “noções de sociologia jurídica” e “noções de ciência política”, ao passo que “filosofia do direito” não vem com essa ideia de conceitos introdutórios (a disciplina não é noções de Filosofia do Direito), o que pode implicar numa cobrança mais aprofundada dessa disciplina. Por fim, chamo a atenção para o momento político que vivemos, com “golpes”, “crises”, “impeachment”, reparem que todos os tópicos incluídos nos programas de humanísticas tem alguma relação com essa temática (direito e revolução em sociologia jurídica, as origens do poder político do estado em ciência política e desobediência civil em filosofia do direito, entre outros em que essa associação não é tão evidente, mas nos parece bastante claro que os examinadores estão com essa questão da legitimidade e da ruptura democrática em mente. Fiquemos atentos!) O que é o que é: Noções de Ciência Política (NCP), Noções de Sociologia Jurídica (NSJ) e Filosofia do Direito (FD)? Como diferenciar o objeto de estudos das nossas disciplinas? Distinguir as disciplinas é essencial e nos serve primordialmente para duas coisas, são elas: 1) organizar os conteúdos na nossa 6 CPF cabeça (como se fosse guardar o arquivo na pastinha certa), o que nos ajuda a aglutinar os assuntos em um mesmo grupo de conceitos e saber quais são mais facilmente associáveis a outros, ou não são possíveis de serem associados. Conhecer a organização temática da disciplina é maisum recurso que facilita o processo de associação de conteúdos e rememoração destes. Isto é, melhor que saber o conteúdo de uma disciplina é “saber de uma forma organizada”. 2) orientar a utilização dos conceitos e interpretação das questões, pois quando aprendemos a diferença entre as disciplinas fazemos associações que nos permitem recorrer aos conceitos, categorias e institutos mais adequados para compreender aquele contexto (no caso do concurso, a questão). As três disciplinas que estamos aprendendo juntos tem objetos distintos e, portanto, abordam os problemas colocados para elas de formas diferentes, muito embora esses objetos e reflexões se atravessem. A (I) Ciência Política (CP), dessa forma, preocupa-se com o estudo do poder e com o Estado (sua organização, divisão em poderes, etc.), uma vez que é neste que o poder é exercido “oficialmente” e com todas questões que daí decorrem: “soberania”, “território” e “povo”, “sistemas de governo”, “regimes de governo”, etc. Essa ciência, portanto, comumente 7 CPF estuda os partidos políticos, os sistemas eleitorais, as eleições, bem como os processos de governo. Há um sentido mais amplo do termo “política” - além do que estamos acostumados a utilizar ligado a política institucional- partidária – que pode ser simplificada na ideia de gestão da coletividade e das diferentes opiniões na sociedade (como saber qual prevalece, de que forma é legítimo que uma prevaleça sobre a outra, como chegar a consensos, consensos são necessários, não são necessários). Reitero: são sempre questões orientadas para como o poder é colocado e exercido na sociedade. Pois bem, se a CP está preocupada com o “poder” e o Estado, com que está majoritariamente preocupada a Filosofia do Direito? Existe uma ideia básica que aprendemos desde a escola de que a Filosofia é “amor à sabedoria” e como tal seu propósito seria o próprio exercício do pensamento. Desse modo, a (II) Filosofia do Direito tem por objetivo constituir um saber crítico (contrário à dogmática, portanto) sobre as construções jurídicas (sejam elas ideias ou práticas de atores do direito), buscando seus fundamentos, sua natureza, procurando entender suas estruturas. Outra importante dica é que para a Filosofia, ao contrário da Ciência Política e da Sociologia, o aspecto do “axiológico” (relativo ao valor) é deveras importante, de forma que para o conhecimento filosófico será importante questionar-se acerca 8 CPF do que seria justo, injusto, sobre as dimensões da moral no direito e vice-versa. Neste passo, quase todas (senão todas) as ciências modernas têm alguma âncora em alguma reflexão da filosofia grega - boa parte das grandes teorias explicativas do mundo (atomística na química, a física newtoniana, entre outras) constituíram-se a partir das concepções aristotélicas ou de outros filósofos gregos, ainda que para desconstituí-las. Por fim, vamos caracterizar a (III) Sociologia Jurídica como aquela ciência que está preocupada com a ordem social, isto é, preocupada com explicar a sociedade moderna. Como existimos enquanto sociedade, porque continuamos a viver juntos, reproduzindo comportamentos, hábitos, o quê de exterior (fora do campo da psicologia, por exemplo) é possível verificar que faz as sociedades, os grupos sociais existirem enquanto tais, o que o fundador da Sociologia enquanto disciplina, Émile Durkheim (“as regras do método sociológico”), chamou de “fato social”, por exemplo. A Sociologia Jurídica, portanto, vai preocupar-se com essas questões com relação ao mundo jurídico ou a respeito de qual é o papel que o Direito exerce nessa conformação social mais ampla. É essencial distinguir essa “ordem social” da “ordem jurídica”, definitivamente não se trata da mesma coisa. A referência ao conceito de “ordem pública” está relacionada ao Direito e ao campo normativo, preocupando-se com o que o Direito diz 9 CPF que é a ordem, com o cumprimento das leis ou não (ou com o que determinados agentes autorizados dizem que é o [des] respeito a elas). Por outro lado, a Sociologia preocupa-se com como se dá a reprodução das práticas sociais, como os atores/sujeitos sociais as interpretam e se adequam ou opõe- se a elas, como as compreendem, e ainda como são constituídas as ações desses sujeitos, como eles escolhem e orientam suas ações e reproduzem e/ou adaptam seu modo de vida. É claro que há muitas nuances em cada uma dessas disciplinas as quais vão, inclusive, depender de que linha de pensamento/pesquisa orienta as percepções que temos sobre cada um desses campo, mas por ora e para o nosso objetivo essas diferenciações permitem que possamos interpretar melhor as questões que nos sejam apresentadas na prova! Vamos ao edital Finalizando o começo, eu gostaria de lembrá-los que a maioria dos concorrentes não tem aptidão com essas matérias, não tem disposição para estudá-las e comumente deixam elas ao sabor da sorte ou as ignora, colocando na conta do que não vai ser marcado ou será chutado. Estudando adequadamente para elas você terá um diferencial e é isso que nós estamos propondo no CURSO CLIQUE JURIS: uma preparação 10 CPF adequada nessas disciplinas como vocês fariam em qualquer uma das outras. Como eu já disse no blog em outra oportunidade, o que esperamos, honestamente, é fazer diferença na preparação de vocês para que vocês façam diferença na vida de todas as pessoas que vão lhes encontrar nas defensorias da vida! Igor Peçanha Frota Vasconcellos 11 CPF PASSO-A-PASSO SOCIOLOGIA JURÍDICA Especificamente em relação ao tempo que se deve destinar ao estudo da disciplina Noções de Sociologia Jurídica, cujos principais aspectos de cada um dos pontos do Edital 02, de 29.6.2017, foram tratados adiante, orientamos que sejam destinadas, no mínimo, 7 horas de estudos, divididos da seguinte forma: Dia 1 - 2 horas de estudos. Páginas 11 a 42. Pontos 1 e 2. Dia 2 – 2 horas de estudos. Páginas 42 a 77. Pontos 3 a 6. Apesar de serem muitas páginas, temos muitas questões comentadas. A leitura é mais rápida. Dia 3 – 3 horas de estudos. Páginas 77 a 114. Pontos 7 a 11. Muitas páginas também, mas de temas instigantes e de leitura bastante dinâmica. 12 CPF NOÇÕES DE SOCIOLOGIA JURÍDICA Breve panorama do surgimento da Sociologia Inicialmente, precisamos associar que a ideia de Sociologia como uma ciência, compreendida, então como um campo delimitado do saber científico, surge na Europa na metade do século XIX. O termo Sociologia (o estudo da sociedade) foi anteriormente usado em outros sentidos (mais amplos sobretudo) e mais, o termo “ciências sociais” era utilizado para falar de qualquer coisa relacionado ao ser-humano, sua dimensão social aglutinando discussões relacionadas a Filosofia, história, em suma reflexões acerca das origens e da natureza do “viver em sociedade”. Auguste Comte (1798-1857) foi quem cunhou o termo Sociologia ou “física social” - o estudo dos “movimentos” da sociedade (física é o estudo do movimento dos corpos, em linguagem genérica) -, que logo veio a se generalizar, contribuindo para que alguns o percebessem como o fundador da própria ciência. Tratava-se de conhecer as leis sociais para poder prever racionalmente os fenômenos e agir com eficácia. Essa noção estava associada a ideia de explicar e antever o comportamento das sociedades (tal qual a ciência vinha fazendo com a física, campo do saber científico já consolidados a essa altura), combinando a estabilidade e a 13 CPF atividade, necessidades simultâneas de ordem e progresso – lema do Positivismo de Comte e condições fundamentais da civilização moderna, segundo ele. Assim, defendia que “ciência,daí previdência, previdência, daí ação”. Sua questão era: “qual a ordem contida na história humana”. Por isso dizemos que a Sociologia se preocupa com o fenômeno da ordem (não no sentido jurídico), mas no sentido de como a sociedade reproduz seu modo de vida e os indivíduos continuam vivendo juntos, o que proporciona isso (para Comte: quais seriam as leis que regem esse fenômeno). Neste passo, cabe caracterizar brevemente que o método positivo de conhecimento das sociedades para o autor em comento atingiria o estado positivo, o grau máximo de complexidade da ciência, pois para ele o progresso era algo inevitável, sendo, contudo, o princípio dinâmico do progresso subordinado ao princípio estático da ordem. Nesse sentido, essas ideias são muitas vezes apropriadas por pensadores do Direito, especialmente quando esse é entendido como tendo por função “criar” a ordem na sociedade (um argumento hoje pouco – senão inexistente – aderido pela Sociologia) Para finalizar este tópico inicial vamos lembrar que a nossa disciplina é de Sociologia Jurídica, então devemos nos preocupar fundamentalmente com as questões relacionadas 14 CPF ao Direito, seus atores, suas práticas e instituições, contudo é impossível falar desses conceitos sem abordar os conceitos de teoria social/sociológica de maneira que vamos encerrar trazendo a vocês um conceito de Sociologia possível utilizado pela própria CESPE, qual seja: [Concurso CESPE-DPU-2016_Sociólogo] “A perspectiva sociológica pode ser entendida como o ponto de vista teórico segundo o qual se deve, no estudo empírico das crenças e das práticas dos seres humanos, considerar sempre as influências do ambiente social, as limitações e possibilidades colocadas por esse ambiente. Sem negar dogmaticamente as determinações que resultam de fatores físicos e biológicos, a abordagem sociológica sublinha os condicionamentos sociais do comportamento humano”. [grifei]. 1. Perspectivas sociológicas do Direito Dentre as perspectivas sociológicas sobre o Direito há um aparente consenso, segundo o qual “O Direito é um fenômeno social”, mesmo porque não faria sentido estudá-lo numa abordagem sociológica se fosse o contrário, contudo é 15 CPF importante entender a trajetória dessas explicações sobre o que é o Direito. Sobre o Jusnaturalismo. A dicotomia jusnaturalismo e juspositivismo dividiu os juristas durante muito tempo. O “jusnaturalismo” pode ser “monista” ou “dualista”. Monista, quando se afirma que existe um único direito: o direito natural. Dualista, quando admite a possibilidade de um direito positivo que esteja ao lado ou abaixo do direito natural, devendo estar adequado a ele. Já no que diz respeito ao conteúdo discute se as normas são justas ou injustas. Sobre a Escola Histórica Surgida na Alemanha entre os séculos XVIII e XIX como oposição a teoria do direito natural, defendendo o direito está ligado a “realidade histórica” de cada povo, de maneira que não é fruto da vontade divina ou da razão (jusnaturalismo) nem da vontade arbitrária dos homens. As bases dessa corrente foram lançadas pelo jurista alemão Gustavo Hugo – que escreveu “Tratado de Direito Natural como filosofia do Direito Positivo” - quem em seus estudos mostrou que o direito de Roma e o common law da Inglaterra se formaram com larga independência dos legisladores. A partir disso, concluiu que o direito, tal como a 16 CPF linguagem, “tende a se constituir naturalmente –impulsionado pelas necessidades de comunicação e pelos usos dos povos. Sobre o título do livro de Hugo, Bobbio assevera que o direito positivo para ele é aquele posto pelo estado, mas “(...)direito posto pelo Estado não significa necessária e exclusivamente direito posto pelo legislador (como sustentará o positivismo jurídico no sentido estrito e estreito do termo) ”. Sobre o Positivismo jurídico. O Positivismo Jurídico, segundo Bobbio, tem diversas acepções: a) um método acerca do Direito – inspirado nas ciências naturais; b) uma teoria do direito segundo a qual o Direito é um conjunto de normas coativas advindas e garantidas pelo Estado através de sanções; e c) uma ideologia segundo a qual o direito posto é justo, baseado na ideia de que como não existe critério objetivo de justiça, ela estaria no conhecimento prévio da “regra do jogo”, ele é justo exatamente porque é posto. O positivismo jurídico é anterior ao positivismo em sentido científico/sociológico (aquele do qual falamos na introdução). Os chamados “positivistas jurídicos” são usualmente apresentados como defensores da noção de direito como um conjunto de normas coerentemente ordenadas, de forma que inexistam divergências e contradições internas (antinomias), sendo essas regras 17 CPF afastadas de considerações morais, pois, em princípio, de caráter estritamente lógico-formal ou de “direito puro” (sem considerações externas ao direito instituído). Contrapõem-se aos defensores de um direito natural (sob qualquer forma). Então, positivo (no sentido de posto) opõe-se a natural. Hans Kelsen (1881-1973) é o mais célebre positivista jurídico, ele considerava que a tarefa do jurista deveria construir uma teoria do jurídico, entendida tão somente como uma descrição vinculada às prescrições do direito positivo. Na “Teoria pura do direito” ele assevera que o jurista deveria livrar o estudo do Direito das impurezas filosóficas, sociológicas, tais “impurezas” precisam ser estudadas pelo filósofo, pelo sociólogo e pelo historiador, e não deixam de ser importantes: só não cabem, porém, no campo de estudo do “cientista jurídico”. Sobre a Escola da Exegese A Escola da Exegese – que defendia que o direito era a expressão da vontade do legislador, portanto esforçava- se (a partir de um método historicamente construído pelos estudiosos bíblicos) a interpretar para estudar a lei e extrair do texto a vontade do legislador, guarda relações com os glosadores, surge na modernidade com a interpretação do Código Civil Napoleônico no pós-revolução francesa e, 18 CPF contemporaneamente, com a maneira como construímos nosso conhecimento doutrinário. Veja como esse conteúdo foi exigido no concurso para Defensoria Pública de São Paulo: No panorama histórico da Ciência do Direito, realizado por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, na obra A Ciência do Direito, o autor caracteriza a prática dos glosadores da seguinte forma: “Tomando como base assentada os textos de Justiniano, os juristas da época passaram a dar-lhes um tratamento metódico, cujas raízes estavam nas técnicas explicativas usadas em aulas, sobretudo no chamado Trivium, composto de gramática, retórica e dialética, que compunham as artes liberales de então. Com isto, eles desenvolveram uma técnica especial de abordagem de textos pré- fabricados e aceitos por sua autoridade, caracterizada pela glosa gramatical e filológica, pela exegese ou explicação do sentido, pela concordância, pela distinção". Neste sentido, o autor considera que neste confronto do texto estabelecido e do seu 19 CPF tratamento explicativo, presente na prática dos glosadores, é que nasce a: a. Jurisprudência medieval com seu caráter eminentemente dialético. b. Ciência do Direito com seu caráter eminentemente dogmático. c. Ciência do Direito com seu caráter eminentemente zetético. d. Ciência do Direito com seu caráter exclusivamente interpretativo. e. Jurisprudência romana com seu caráter prioritariamente comparativo. Os clássicos da Sociologia e o Direito. Esse tópico neste tópico vamos abordar aqueles que são considerados os três grandes clássicos da Sociologia: Durkheim, Weber e Marx. Os três clássicos têm produções interessantes sobreo Direito, justamente porque se estão preocupados em explicar o que/como se caracteriza a sociedade moderna e o Direito é reconhecido para muitos como um fenômeno tipicamente moderno, inevitavelmente as explicações deles passaram pelo papel do Direito. 20 CPF Sobre Durkheim. O autor francês, Emile Durkheim “1858-1917) foi o fundador da Sociologia, enquanto disciplina e como ciência empírica, ao criar a primeira cátedra, em 1910. Antes, contudo, já havia publicado três dos seus grandes trabalhos (nos quais podemos encontrar muitos conceitos que poderão ser articulados na prova), são eles: a) Da Divisão do Trabalho Social; b) Das Regras do Método Sociológico; c) O suicídio. No próprio título dessas obras temos “dicas” de conceitos importantes para a Sociologia do autor, primeiro porque para Durkheim a divisão do trabalho social (cada vez mais específica e complexa) era uma das principais características diferenciadoras das “sociedades simples” para as “complexas” (as modernas). Segundo porque, como fundador da disciplina, sua preocupação fundamental era diferenciar o objeto de estudo da Sociologia de outras disciplinas (um esforço muito similar ao que Kelsen se propôs para o Direito alguns anos mais tarde – embora do ponto de vista substancial seja muito diferente). Segundo Durkheim, a Sociologia é a ciência “das instituições, da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de “toda crença, todo comportamento instituído pela coletividade” (instituição aqui deve ser entendida num sentido amplo e não só formal, por 21 CPF exemplo, a família é uma instituição da sociedade, o casamento também, etc.). Neste sentido, formulou a ideia de que a Sociologia deveria se preocupar com o “fato social”, pois nas sociedades existia um fenômeno externo aos indivíduos que conformavam suas ações, independentemente de sua vontade. O fato social seria, portanto: 1) exterior; 2) coercitivo; 3) geral. Repito: ele existe independentemente do indivíduo, contudo sente-se obrigado a conformar suas ações a ele. Além disso, esse fato social deveria ser estudado por um método sociológico constituindo-se desse modo a disciplina científica (com objeto próprio e método próprio). Na medida em que Durkheim estava preocupado com a “ordem social” (em palavras simples e objetiva: como a sociedade existe enquanto sociedade e continua existindo sem se desagregar – como já dissemos na introdução), explicando-a pelo “fato social”, o qual garantia a reprodução social, formulou a ideia de que a “solidariedade social” é um fenômeno de ordem moral, utilizando o Direito como um retrato da moral de uma determinada sociedade, isto é, as regras que ganham a qualidade de Direito representam aquelas que são consideradas mais essenciais e, consequentemente, são mais estáveis e definidas, um 22 CPF fenômeno (diferenciar um grupo de regras como jurídicas) reiterado nas sociedades modernas. Então, se o Direito é símbolo porque representa um conjunto de regras consideradas essenciais ele não pode corresponder a todas as regras de costume, assim que o direito não é idêntico ao costume. As características fundamentais do fato social são: a) Coercitividade; b) Generalidade; c) exterioridade, são comportamentos instituídos pela coletividade. Vamos explorar um pouco mais cada uma dessas características: 1) Coercitividade É a coerção social, ou seja, os fatos sociais exercem uma força tal sobre os indivíduos que eles tendem a se adequar às regras da sociedade em que vivem, independentemente de suas vontades e escolhas. Veja que esse é um fenômeno que, embora descritível (como tem de ser na Sociologia, isso tem a ver com exterioridade), é sutil manifestando-se quando ele fala determinado idioma, quando se submete a um determinado tipo de formação familiar ou quando está subordinado a determinado código de leis. O grau de coerção fica evidente pelas sanções, as quais para nosso estudo podem ser legais ou morais/espontâneas. 23 CPF 2) Exterioridade A segunda característica dos fatos sociais é que eles existem e atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade ou de sua adesão consciente, ou seja, eles são exteriores aos indivíduos. As regras sociais, os costumes, as leis, já existem antes do nascimento das pessoas, são a elas impostos por mecanismos de coerção social, como a educação. 3) Generalidade A terceira característica apontada por Durkheim é a generalidade. É social todo fato que é geral, que se repete em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles. Desse modo, os fatos sociais manifestam sua natureza coletiva ou um estado comum ao grupo, como as formas de habitação, de comunicação, os sentimentos e a moral. Mais especificamente sobre o Direito ele formulou que as normas jurídicas, diferentemente de quaisquer outras [como as morais, por exemplo], implicam sanções organizadas, uma vez que não tenham sido observadas. Tais sanções podem, no entanto, ser a) repressivas ou b) restitutivas. E é dessa classificação que derivam os dois tipos de direito para Durkheim (repressivo e restitutivo) ”, para ele as sociedades mais simples (com menor divisão do trabalho/especialização) tenderão a ter um direito mais 24 CPF repressivo ao passo que aquelas mais complexas tenderão a um direito mais restitutivo. Sobre Marx. Sobre Karl Marx (1818-1883) é importante salientar, de plano, duas coisas, primeiro que ele nunca se reivindicou como cientista de nenhuma das áreas do saber, não tendo produzido sua obra intelectual na universidade (talvez por isso tenha produzido obras tão profundas e estudadas em diversos campos do saber atualmente). Assim, apesar de ter estudado Direito, desde o início de seus trabalhos demonstrou grande interesse pela Filosofia (escreveu “Crítica a Filosofia do Direito de Hegel) e História (desenvolveu o “materialismo histórico”), posteriormente passando a Economia (O capital), entre outros. O que importa é que suas formulações teóricas acerca da vida social (quando por exemplo propõe que a infraestrutura “prevalece” sobre a superestrutura), especialmente a análise que faz da sociedade capitalista e de sua superação, orientaram (e ainda orientam) muitas das discussões a respeito da vida social (econômica, política etc.). Em Marx o Direito é ideologia a serviço da exploração capitalista uma vez que tem uma razão estrutural, ou seja, a infraestrutura (relações de produção, com a propriedade, relacionadas a reprodução da vida material, portanto capitalistas com a burguesia sendo detentora dos 25 CPF modos de produção) criando (e sendo recriada) superestruturas (estado, direito, cultura etc.) de modo que essas superestruturas (o Direito, inclusive, sustentam essas relações). Outro ponto importante é que ideologia deve ser entendida aqui como falsa representação da realidade, contudo iremos abordar melhor isso no ponto sobre “Direito como ideologia”. Por ora, cabe ficar com a ideia de que o Direito dificulta a compreensão da real estrutura social, porque trata das coisas em termos idealistas. Sobre Weber Max weber desenvolveu o uma sociologia baseada no procedimento analítico que parte de uma definição rigorosa de seu objeto. Cunhou também o que se chama de individualismo metodológico, ou seja, baseia-se, pois, na ação dos indivíduos (do indivíduo para os grupos sociais, e destes para a sociedade). Chama-se sociologia compreensiva aquela produzida inspirada nos trabalhos weberianos, ele atribuiu esse nome porque sugeriu que os dados empíricos precisam ser trabalhados/elaborados pela compreensão do sociólogo (o sociólogo caracteriza, por exemplo, as ações dos sujeitos como racionais ou não. Weber,tal qual Marx, formou-se em Direito, preocupando-se então com estruturas tipicamente jurídicas e 26 CPF com a burocracia do Estado, cunhou uma definição sociológica formal de direito dizendo que uma ordem é denominada: (...) direito, quando está garantida externamente pela probabilidade da coação (física ou psíquica) exercida por determinado quadro de pessoas cuja função específica consiste em forçar a observação dessa ordem ou castigar sua violação” O interesse teórico fundamental de Weber era compreender a modernidade ocidental, fez com que ele lançasse mão da “racionalidade” como “ferramenta” analítica, a qual pode ser compreendida como “escolha dos meios apropriados para atingir determinados fins ou contemplar determinados valores eleitos”. Em suma, uma relação entre meios e fins (ou valores cuja preservação não deixa de ser um fim). Disso decorre a ideia acerca do Direito de que um sistema jurídico racional é aquele no qual os meios mais efetivos são os selecionados para realizar os valores, ou fins. Outro ponto importante sobre a concepção weberiana é que ele sustenta a objetividade na produção do conhecimento, o quem, em apertada síntese quer dizer que os juízos de valor, ou os juízes morais do observador, devem ser afastados quando da elaboração de um trabalho científico. 27 CPF Dessa forma dois detalhes merecem destaque: 1) essa posição acerca da ciência não implica em deduzir que a atividade é neutra ou imparcial (como muitas vezes atribuímos, por exemplo, ao papel do juiz), ao contrário disso é dizer que quanto mais explícito essas preferências puderem ficar maior objetividade será possível no conhecimento produzido. 2) A Sociologia não julga se esses valores/fins são bons, justos, melhores ou piores, ela descreve-os e os relaciona. Weber, como já dito, foi um jurista e historiador do Direito, de forma que quando se propôs a estudar especificamente o Direito ele contrastou sua forma de abordar o Direito como outras duas formas, de maneira a caracterizá- la. Essa diferenciação é importante para nós. As regras e instituições jurídicas podem ser estudadas numa: 1) Abordagem moralista (ou política) - consiste na avaliação da qualidade moral (ou adequação política) de regras jurídicas, para Weber há uma clara distinção entre os padrões jurídicos e os padrões morais (por isso ele afirma que essa abordagem se faz de um ponto de vista externo a ordem jurídica), produzindo uma visão avaliativa extrajurídica do próprio direito; 28 CPF 2) Abordagem dogmática - utiliza as regras como um parâmetro de avaliação da adequação ou não de determinada conduta diante das regras em questão, essa é tipicamente a abordagem dos especialistas [os nossos doutrinadores] que não adota uma postura avaliativa em relação às regras jurídicas em termos morais, mas ainda assim de um juízo de valor acerca do significado correto dessas normas. Weber em contraposição a essas formas de estudar o Direito não pretendia avaliar nem do ponto de vista moral, nem do ponto de vista das próprias regras, ele optou por realizar uma abordagem sociológica, tal qual fazia com todos os outros aspectos da sociedade moderna, isto é, ele estava preocupado em entender quais as características peculiares aos sistemas de direito ocidentais que foram especialmente favoráveis a consolidação do Capitalismo. Outro ponto muito importante da abordagem weberiana, o qual inclusive, caiu no Concurso DPU 2010 são as formas de Dominação, que são as seguintes: a) tradicional; b) carismática; c) Racional-legal. Vamos abordá-las a seguir: 1) Dominação tradicional É um tipo de dominação tradicional que se dá em virtude de algo que existe há muito tempo na qual o conteúdo das ordens é regido pela tradição (associado também a inexistência 29 CPF de mobilidade social), considera-se impossível criar um novo direito, ocorrendo principalmente nas sociedades ditas primitivas (economias pré-capitalistas). Weber diria que sua característica marcante é fidelidade ao modelo, podemos associá-la ao patriarcado ou as Monarquias. 2) Dominação carismática Essa forma de dominação depende do carisma do líder, da sua grande personalidade (ou pelo menos a atribuição desse caráter aos “dominados”. Tem um caráter fortemente comunitário associado a uma devoção afetiva por dotes sobrenaturais, na forma de arrebatamento emotivo. Em geral associada a ditadores e líderes religiosos (tipos puros: profetas, heróis, grandes demagogos). Segundo Weber, nessa forma de dominação falta o preceito racional da competência, baseando-se na crença. 3) Dominação racional-legal Guarda relação com a institucionalização do Estado e com a dominação econômica capitalista (surge, portanto, na Modernidade), pois quem garante o capital é o Estado de forma que o aparelho burocrático respalda a lógica econômica mercantil e impessoal em virtude de estatuto, de lei. O burocrata é um homem da forma. ATENÇÃO nesse ponto Weber e Marx se aproximam muito, pois o que ele formula é que a organização política da sociedade se molda a de uma empresa (a empresa é 30 CPF uma organização burocrática). O Direito, como nós o conhecemos, é um tipo de dominação burocrático- legal. O jurista se legitima pelas normas e leis. Veja como esses conceitos foram abordados pela CESPE no concurso DPU: 196 A forma legítima de dominação carismática, de acordo com Max Weber, está baseada na designação do líder pela virtude da fé na validade do estatuto legal. [Gabarito: ERRADO – Vejam, meus caros, que o examinador “confundiu” dois conceitos de dominação. É a clássica pegadinha de prova. Ele associa dominação carismática com designação do líder (o que está correto) com fé na validade do estatuto legal (o que está errado porque essa parte do conceito refere-se à dominação burocrático-racional- legal). 1.1 O Direito como Ciência. Fizemos um ponto bem amplo no início para situar as correntes de entendimento do Direito a partir da Sociologia ou de investigações sociais (naquelas que são pretéritas a própria Sociologia), agora vamos especificar cada ponto procurando entender como o examinador pode cobrá-los. 31 CPF Então vamos ao trabalho. Diz-se que foi Montesquieu (muito conhecido por ter formulado a teoria da separação de poderes em “O espírito das Leis”) – falamos bastante dele na disciplina de Noções de Ciência Política - quem primeiro sugeriu, de forma muito intuitiva, a ideia de que o Direito poderia ser uma ciência. Ele abriu sua célebre obra asseverando “As leis são […] relações necessárias que derivam da natureza das coisas.”. Quando ele diz que decorrem da natureza das coisas ele afirma que há um caráter social nas leis o qual, portanto, pode ser investigado. O debate colocado neste ponto é o seguinte: o Direito é um conjunto de preceitos de caráter normativo, sendo assim é possível toma-lo como objeto de investigação científica? Alguns defendem a ideia de que não se pode falar em Direito como ciência porque sua manifestação não é passível de uma determinação/objetividade que dê a essa investigação caráter de ciência. Outros defendem o Direito como uma ciência autônoma (aos moldes de Kelsen) sustentam uma “teoria pura do direito”, isto é, a possibilidade do Direito ser investigado a partir do próprio Direito, apartado de suas causas sociais, políticas ou de reflexões filosóficas. Nas palavras do próprio Kelsen: 32 CPF A necessidade de distinguir o Direito da Moral e a ciência jurídica da Ética significa que, do ponto de vista de um conhecimento científico do Direito positivo, a legitimação deste por uma ordem moral distinta da ordem jurídica é irrelevante, pois a ciênciajurídica não tem de aprovar ou desaprovar o seu objeto, mas apenas tem de o conhecer e descrever (...) a tarefa da ciência jurídica não é de forma alguma uma valoração ou apreciação do seu objeto, mas uma descrição do mesmo alheia a valores Para nós, contudo, a compreensão do direito como ciência social é mais importante, uma vez que está alinhada com o conhecimento construído na Sociologia. “Os fenômenos sociais, e entre eles, em primeiro lugar, os fenômenos jurídicos, têm causas sociais, que as normas do direito (...), neles se reconhece, por isso mesmo, uma objetividade que os subordina a uma pesquisa científica (Lévy- Bruhl).”. Mas, veja, há um pressuposto nessa ideia a de que o Direito é produzido (em todos os seus aspectos) por grupos e não por indivíduos, por isso ele é social. Em linguagem mais simples, faz sentido existir direito em um lugar onde exista/viva apenas uma pessoa? Então, a formulação de uma 33 CPF normatividade que passamos a denominar jurídica pressupõe o grupo ou grupos. Outro aspecto importante já bastante mencionado na disciplina de Filosofia do Direito e na primeira parte desta é o formalismo jurídico, associado a ideia de que o Direito compreendido como uma ciência totalmente apartada das outras ciências sociais privilegia esse formalismo porque olha para o aspecto próprio do direito que é a forma na qual ele é produzido pelo Estado. Vamos ver uma questão sobre esse ponto que caiu no concurso da DPU 2015: Quanto à sociologia jurídica, julgue o item subsequente. No que se refere à ideia de direito como ciência, o formalismo jurídico, que surgiu no século XIX e serviu para constituir a ciência jurídica, teve seus fundamentos a partir da ciência empírica da realidade social, ou seja, da sociologia. [Gabarito: CERTO, o gabarito desse enunciado, a meu ver é bem controverso, mas vamos entender o raciocínio do examinador. A pegadinha que está colocada 34 CPF é que: a) o formalismo jurídico é uma concepção do Direito afastada da Sociologia que entende que o Direito é uma ciência autônoma; b) MAS ao mesmo tempo o movimento de “defender” o Direito enquanto uma ciência/campo científico autônomo (encarnado na figura de Kelsen) assemelha- se e inspirou-se no movimento feito pela Sociologia (encarnado em Emile Durkheim). Sacaram? Formalismo não tem nada a ver com Sociologia, mas a lógica de dizer que não tem nada a ver é similar à que a Sociologia fez para se autonomizar enquanto disciplina. Esse postulado constante na questão é em alguma medida questionável, mas o raciocínio é esse! Assim, seria o formalismo jurídico um retrato do Direito como um mero sistema de normas (regras e decisões judiciais) encadeadas logicamente umas às outras, sendo a norma aplicável unicamente resultado de uma dedução a partir do silogismo As Escolas americanas oriundas do pensamento de Oliver Wendel Holmes são a jurisprudência sociológica e a escola realista, não as mencionamos no primeiro item, refutam 35 CPF de forma interessante esse postulado, uma afirmando que os motivos da decisão judicial que são explicitados não são todos, mas apenas aqueles que são socialmente aceitáveis e outra afirmando que a realidade do direito é aquilo que o juiz decide, não é a lei, não é o precedente e sim o que o juiz decide, nesse sentido o único critério de previsibilidade (ainda assim relativo) seria o próprio histórico do juiz. Nesse sentido, para os formalistas, o direito é uma disciplina autônoma, isolada. Há uma distância em relação à sociologia e não uma aproximação, refutando as abordagens sociológicas do Direito. 1.2 O Direito como Ideologia. Consoante já alertei, explorei o máximo de questões fundamentais possíveis no tópico a respeito das “perspectivas sociológicas do Direito”, de modo que falamos dessa abordagem no tópico sobre Marx. Ideologia, portanto, é uma falsa representação da realidade por isso quando as relações são construídas a partir de conceitos e ideias que não são verificáveis no mundo material (lembrem-se que o método marxiano é o materialismo dialético) ou no mundo histórico (construídas, pois, no mundo das ideias/idealisticamente) há um processo de alienação. 36 CPF Nesse sentido, o Direito dificulta a compreensão da realidade, servindo como um instrumento de dominação da classe burguesa sobre o proletariado. O Direito (e o Estado) exerce esse papel. Vamos pensar em termos marxistas, confiram as duas assertivas abaixo: O Art. 3º da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro exemplifica o conceito marxiano de que o Direito dificulta a compreensão da realidade, uma vez que trata as situações concretas em termos idealistas e não em termos do que é verificável no mundo empírico. Qual o papel de justiça que o Direito exerce quando ele presume que todos conhecem as milhares de leis que possuímos? Ele reforça o poder de quem está no aparelho estatal que é majoritariamente oriundo de classes mais abastadas (ou ainda de um setor da sociedade corporativo que domina a burocracia estatal). Contudo, tome cuidado com uma pegadinha que a CESPE já pregou nos candidatos, esse reforço de poder não significa que a dominação exercida, em termos marxistas é feita pelos agentes de estado, porque ele constrói a ideia da 37 CPF dominação através dos conceitos das classes sociais. Isto é, quem exerce a dominação é o detentor do capital/classe burguesa. Vamos conferir isso na questão: [Questão CESPE-DPU 2015 Defensor] “Sob o ponto de vista da teoria marxista, a ideologia pode ser compreendida como uma falsa representação. De acordo com esse entendimento, a ideologia jurídica pode ser um instrumento de dominação exercido pelo Poder Judiciário em relação aos seus jurisdicionados” [Gabarito: ERRADO, veja que a dominação se dá em termos de classe social para Marx]. Para ficar mais claro a relação vamos utilizar um exemplo da relação capital-trabalho: a quem interessa a presunção de que o trabalhador e o “capitalista” são sujeitos de direito com exatamente as mesmas condições de negociar os termos do contrato? A quem está na posse dos meios de produção ou quem precisa vender a força de trabalho para sobreviver? Nesses termos, o direito ao trata-los com uma igualdade que existe apenas em tese é ideológico e 38 CPF superestrutural em termos de manutenção da dominação explicitada. Outro caso bastante interessante é um artigo jornalístico que Marx escreveu sobre uma lei editada na Alemanha que proibia as pessoas de catarem madeiras nas florestas. Para contextualizar é preciso saber que essa era uma prática reconhecida como costumeira pelos camponeses, utilizando-a como lenha. Além disso o mercado para esse tipo de madeira está em processo de valorização de modo que a sanção prevista pela lei era o camponês trabalhar para o “dono da floresta”. A primeira crítica de Marx é considerar a lei apenas pelo fato de apenas ter ela compatibilidade com a ordem jurídica por emanar de um poder competente produzir tal norma. Com essa postura está se distanciado da postura formalista-dogmática do Direito, pela qual está lei teria validade jurídica, não aceitando como roubo de lenha a simples colheita de galhos caídos no chão para fazer fogo. MARX afirma que tal prática é um atentado ao “princípio da adequação e verdade” ao qual se deve submeter também o Direito, por mais que se utilize de ficções ou analogias para cumprir sua função. 39 CPF Articule, na medida do possível, esses conceitos com os outros trabalhados sobre Marx na seção de Noções de Ciência Política. 2. A ciência jurídica como ciência social. A cientificidade do Direito está ligada a aplicaçãodas normas no cotidiano - no mundo real. Sendo assim, a concepção que pensará o Direito a partir do diálogo com as ciências sociais refutará a tese do formalismo jurídico de que o é uma ciência autônoma. Em verdade, pode se dizer que a análise do chamado “mundo jurídico” não pode alienar-se às considerações das outras ciências, de modo que assim se torna um instrumento capaz de averiguar a importância e o papel do direito numa sociedade. Nesse caso, a ciência jurídica seria não uma suposta “ciência autônoma”, mas, sim, uma ciência social que, apesar de possuir especificidades, forçosamente dialoga com as demais. Veja que essa temática foi abordada pela CESPE em 2015 no concurso para Defensor Federal: [QUESTÃO CESPE -DPU 2015] Quanto à sociologia jurídica, julgue o item subsequente. 40 CPF Apesar de suas singularidades, o direito é uma ciência social aplicada, e sua aplicação depende de outras ciências sociais; entretanto, essa dependência recai, em sua quase totalidade, sobre a sociologia. [Gabarito: ERRADA, sempre essa ideia de totalidade (ainda que mitigada pelo quase) é complicada, mas seria contraditório a abordagem da Sociologia Jurídica dizer que o Direito é um fenômeno social complexo criticando seu insulamento e, por outro lado, afirmar que apenas ela é necessária para superar essa problemática. A Sociologia Jurídica reconhece o imprescindível papel de diversas áreas do conhecimento na compreensão do Direito (a exemplo da Antropologia, Ciência Política, Economia, História etc.). As maneiras pelas quais o direito é formulado, percebido, representado e aplicado produzem consequências sociais, econômicas e políticas mais ou menos variadas. Os chamados “operadores do direito” pertencem, de forma e em posições distintas, à sociedade e possuem, portanto, diferentes visões acerca da realidade. Ou seja, a 41 CPF aplicação dessa ciência é condição para sua própria existência. Sendo assim, o Direito é uma ciência social aplicada porque, embora tenha como objeto de estudo a norma jurídica, ela só pode ser observada no contexto de sua aplicação ainda que hipotética. Por isso, é constitutivo da sociedade (influencia nas dinâmicas sociais) e é construído por ela (constituído pela sociedade). Sobre isso vamos conferir essa afirmação bastante interessante sobre a compreensão do direito como ciência social: “é [a concepção (...)] tema sobre o qual muito se escreveu, mas que ainda envolve certas dificuldades. Por um lado, sublinha-se veementemente que o “direito” não equivale à lei estatal, que ele é produto da sociedade ao mesmo tempo que a regula (informando como ela deve se estruturar). Por outro lado, e para além desse “aparente consenso ”, é possível encontrar um significativo número de estudantes e profissionais do direito que não consegue articular essas afirmações com suas práticas, esvaziando as potencialidades daquele discurso, que se transforma em mera 42 CPF “retórica”. Ou seja, essa afirmação (“ o direito é criado pela sociedade ao mesmo tempo que a regula e estrutura”) espelha algo que parece ser óbvio e que, por isso, acaba encontrando uma “fácil” aceitação. Entretanto, quais são as efetivas implicações dessa atitude? Quais portas podem ser abertas? Quais são os instrumentais que podem ser acionados em função dessa concepção? E complementa o raciocínio dizendo que é por isso que a análise do chamado “mundo jurídico” deve considerar outros campos do saber. Essa interação, representa, por exemplo, uma possível utilização de seus dados e teorias. Outro ponto importante é recordar a questão a respeito que está na seção sobre Filosofia do Direito (ITEM 2 – A História da Filosofia do Direito no Brasil). Voltem lá rapidinho para contextualizar essa discussão (páginas 14 e seguintes, do PAP Humanísticas, Volume 1, Filosofia do Direito). Confiram! Por fim, vamos conhecer quais os possíveis objetos da Sociologia Jurídica para a CESPE: [CESPE – DPU - Sociólogo (2010)] 43 CPF Os objetos de estudo da sociologia jurídica incluem a) os mesmos objetos de estudo do direito. b) as circunstâncias jurídicas. c) a consolidação da legislação, da jurisprudência e da dogmática jurídica. d) as formas com que o direito opera socialmente e a explicação sociológica do direito. e) a designação dos valores e ideologias não explicitados e que estão contidos na legislação, na jurisprudência e na dogmática jurídica. 3. Positivismo, Marxismo e Historicismo. Bem, já abordamos bastante o positivismo (também na disciplina de Filosofia do Direito (dá uma “confere” lá naquele mesmo do CRTL+F, vão ter 29 resultados para “positivismo”)! O mesmo podemos dizer sobre o marxismo (é como temos falado em todas as disciplinas dos cursos CCJ, o edital é infinito e não tem bibliografia, então, há muitos outros conceitos que poderiam ser mencionados, mas os principais já foram abordados ao longo do material). 44 CPF Vejam como os concursos para defensorias gostam de cobrar esse tema, vamos conferir outras questões: [QUESTÃO DPE-SC 2012] Nas formações sociais capitalistas, segundo a perspectiva marxista histórico-crítica, a superestrutura jurídica e política exerce o papel complexo de: A) Expressão do grau de desenvolvimento da solidariedade social orgânica, própria das sociedades em que se observa o incremento da divisão do trabalho social, como fato característico da evolução social. B) Processamento das expectativas normativas de conduta, através dos mecanismos internos de seletividade funcional do sistema do direito, gerando generalizações congruentes. C) Definição objetiva das garantias em relação à probabilidade de orientação da ação social de tipo racional, mediante os mecanismos coativos sistematicamente organizados e dispostos para tal finalidade. 45 CPF D) Intermediação dialética entre os interesses econômicos antagonicamente confrontados, no seio das relações materiais de produção, e as formas de consciência social ou ideologia. [Observem que o gabarito está dizendo que as superestruturas exercem o papel de “sublimar” os interesses confrontados na “luta de classes”, é como se fosse dizer que o Direito mascara a realidade (por exemplo, da desigualdade existente nessa relação)] E) Identificação dos valores positivos atrelados a ideais morais de justiça, conforme a função exercida pelos juristas, através da identificação dos mesmos pela intuição dos fatos normativos. Sobre o Historicismo, inicialmente, duas associações podem ser importantes para a prova: 1) Com a escola histórica (veja o item do material nesta seção de sociologia); 2) Com o historicismo-axiológico de Miguel Reale que concebeu a Teoria Tridimensional do Direito (vejam nas páginas 16 e seguintes, do PAP Humanísticas, Volume 1, Filosofia do Direito, para contextualizar – especialmente no item sobre a História da Filosofia do Direito no Brasil e da Teoria Tridimensional do Direito). 46 CPF Após a pesquisa vamos fazer algumas conexões. Como vimos o historicismo e/ou a escola histórica está muito ligado a ideia de que o Direito é fenômeno que decorre dos grupos sociais (tal qual a linguagem), quase como se fosse algo inevitável, fruto da evolução da organização humana (inspirado pelo Iluminismo). Neste sentido, esse tema tem uma forte conexão com a Filosofia do Direito (além da teoria realiana mencionada) com temas atuais como a Dignidade Humana que significa, para Kant, a impossibilidade de se atribuir valores, preços, aos seres humanos. Assim, não podemos mensurar um ser humano, relativizando-o e, portanto, podendo-o utilizar como meio. Por que isso é importante? PorqueKant é um autor que influenciou o pensamento de Reale. Assim, com Kant e Arendt, podemos dizer que (i) axiologicamente, os direitos humanos residem na ideia de dignidade humana, a qual reflete a singularidade de cada indivíduo; e (ii) que, historicamente, os direitos humanos precisam ser não apenas reconhecidos, mas, acima de tudo, garantidos, pois dar vigência a eles e, consequentemente, para a dignidade humana, significa, justamente, tornar a proteção de tais direitos viável. 47 CPF A contribuição do Historicismo permite compreender que os valores não são imutáveis, como no esquema kantiano, mas que eles são construídos no tempo, sendo afirmados historicamente, como no esquema da Filosofia do Direito de Miguel Reale (historicismo axiológico). 4. Fundamentos sociais da ordem jurídica. Nós tratamos da maior parte dos conceitos necessários nesse tópico quando falamos dos autores e escolas de pensamento no primeiro tópico. Vamos recordá-los brevemente. O que caracteriza a ordem jurídica para Max Weber (1864-1920) é a possibilidade de utilização da coação como instrumento de garantia da ordem. Isto é, não é necessário que de fato a coação seja colocada em prática para que a ordem seja reconhecida como jurídica, mas a possibilidade de utilização da violência por parte do Estado para que as normas sejam cumpridas. A violência é o garante da ordem jurídica. Em geral essa característica é chamada coerção, ou seja, a obrigatoriedade da norma, a qual em última instância pode ser exigida violentamente, desde que pelos meios legítimos, cuja definição encontra-se no próprio estatuto legal. 48 CPF Vale lembrar também que os meios legítimos devem ser exercidos por um corpo de funcionários autorizados cuja função específica é forçar o cumprimento dessa ordem ou castigar sua violação. Fiquem atentos! Pois para esse autor (e para a sociologia de modo geral) a ordem social não se confunde com a ordem jurídica. De modo que a ordem para a Sociologia, em um sentido weberiano, representa a reprodução dos padrões e interações sociais, em outras palavras, há uma ordem social porque as pessoas vivem em sociedade e compartilham significados. Então, o que fundamenta a ordem jurídica para Weber é a dominação e a consequente possibilidade legítima de uso da coação (voltar ao tópico que exploramos bem essa questão da dominação). No mesmo passo, o fundamento da ordem jurídica para Marx é dominação da classe burguesa sobre o proletariado pela detenção dos meios de produção, bem como a ideologia que é produzida de forma superestrutural para mascarar essas relações de classe. Durkheim, por sua vez, formulou a ideia de função, de modo que as funções da sociedade tinham o intuito de mantê-la, com a finalidade de salvaguardar a ordem social. Anteriormente a estes clássicos várias foram as fundamentações para a ordem jurídica a maior parte delas já 49 CPF mencionamos em outros tópicos (dessa ou de outras disciplinas), vamos inventaria-los como forma de revisão: 1) Jusnaturalistas “teológicos”: o Direito existe na natureza (teoria dos direitos naturais), decorrentes da vontade divina. Em Hobbes a finalidade do Direito é evitar a guerra, ou seja, manter a guerra. Para Locke é administrar a justiça, protegendo os direitos naturais. Isto é, para ambos o papel do Direito é garantir estabilidade e regularidades sociais. 2) Para Rousseau a finalidade é restaurar a liberdade natural agora em termos de liberdade civil, sendo o fundamento a soberania do povo. 3) Para Immanuel Kant o fundamento era a razão humana que haveria de libertar o homem, sendo a finalidade do Direito garantir as liberdades privadas (não falamos dele até o momento, mas é um filósofo pré-revolução francesa). 4) Hegel (já falamos em filosofia) entendia que o fundamento a realização do espírito do povo (porque o todo deveria prevalecer sobre a 50 CPF parte), dando azo a ideia que mais tarde tornar- se-á a realização do interesse público. 5) Savigny (nosso conhecido dos direitos reais) é um dos importantes representantes da Escola Histórica e defendia que o fundamento como os costumes (a realidade histórica). 6) Ihering defendia um código com normas que não se limitassem a realidade histórica, mas que positivassem normas superiores (o direito tem uma finalidade). 7) No decorrer do século XX temos a ideia de um Estado liberal – cujo fundamento é a segurança jurídica -, um Estado Social cujo fundamento é a promoção do bem-estar coletivo, e atualmente em formação um novo modelo de Estado que se de um lado incorpora novos direitos coletivos subjetivos, de outro exacerba seu aparato penal e repressivo. Veja, elencamos várias concepções sobre o fundamento e a finalidade do direito, mas perceba que afora os três autores iniciais (que são os clássicos da sociologia) os 51 CPF outros e suas concepções são mais próximas a ciência política ou mesmo a filosofia do direito. Para fechar o raciocínio, retomando do início, é preciso entender que, sociologicamente, entende-se que nenhum poder é forte o suficiente para se manter durante o suficiente apenas por meio da força/coerção por si, há sempre um processo de legitimidade/reconhecimento. Nesse sentido, Weber é um dos autores centrais porque veja que ele foca suas compreensões nos “motivos de submissão dos dominados”, a qual está no reconhecimento/fé na ordem estabelecida através do estatuto legal (o que decorre também de sua racionalidade, isto é, não tem a ver com conteúdo da norma ser bom ou ruim, mas como ela foi “feita”) 5. Os grupos sociais e o Direito. Como já dissemos em outro momento a preocupação inicial da Sociologia é com a sociedade moderna, sua ordem, suas leis (no sentido positivista que a deu origem), como ela se mantem no tempo. Neste sentido, várias são as abordagens possíveis para explicar esse fenômeno. Há autores que olham para questão da estrutura [ver ITEM 6.1 sobre socialização e controle social] refletindo sobre como as estruturas sociais conformam as ações individuais; outros focam nas ações individuais procurando compreender como 52 CPF essas ações refletem e ao mesmo tempo produzem aquela ordem. De uma forma ou de outra o sociólogo sempre estará preocupado em maior medida com uma situação configurada com mais de um indivíduo, há sempre que se falar de um grupo ou referenciar a observação a um grupo, consequentemente preocupa-se com os grupos sociais. Esses grupos sociais podem ser: a) Primários: caracterizados por laços orientados precipuamente pela intimidade, como a família, por exemplo. Com relação especificamente a família, alguns autores pensam que, embora seja ainda uma instituição muito forte, especialmente no processo de socialização primária, ela tenha sido bastante esvaziada pela Modernidade uma vez que muitas funções/poderes que a ela cabiam foram destinadas a outras instituições. b) Secundários: marcados por relações orientadas de maneira mais formal (podemos mencionar os grupos religiosos). Sobre a religião podemos comentar que há formulações relevantes no sentido do papel que o grupo religioso exerce no reforço quanto ao compartilhamento de valores daquela comunidade/sociedade no “espaço público”; 53 CPF c) Intermediários: nos quais esses laços são alternados ou mistos (a intimidade ou formalidade vai depender de quem e que contexto, por exemplo, a escola). Sobre a escola vale apontar que a Sociologia reconhece vários papeis importantes, apesar de em larga medida reforçar a estratificação social, além de uma etapa de socialização (no intuito de gerar uma cultura cívica, v.g.) também de inserir osindivíduos em ritos de passagem (saída da infância, entrada no mundo profissional – aquela segunda etapa do processo de socialização comentado no item 6.1), O que precisa ficar claro é que os grupos sociais expressam relações sociais em que os indivíduos estão mutuamente em interação. Algumas características desses grupos são: 1) Existe uma consciência grupal, ou seja, os indivíduos têm um sentimento de pertencimento e de conexão/ligação. 2) Eles possuem alguma forma de organização, não necessariamente uma liderança [isso caiu no último concurso!], mas alguma forma de organização onde as pessoas têm papéis a serem desempenhados. 54 CPF 3) Tem um caráter de objetividade e exterioridade, isto é, tal qual o fato social durkheminiano (voltar ao item 1) eles são passíveis de serem descritos e possuem manifestações exteriores que os permitem identificar enquanto grupo (não é algo que se limita a dimensão psicológica, esse é o ponto). 4) Existe algum tipo de objetivo comum entre os membros 5) Existe uma pretensão de continuidade Outra abordagem que podemos fazer desse tema no edital é a previsão normativa da Defensoria Pública da União prestar auxílio a diversos grupos sociais (o termo tecnicamente adequado é “categorias” – que são pessoas com características comuns mas que não necessariamente interagem), equivalentes aos titulares de direitos coletivos/difusos) como “em situação de vulnerabilidade”, isto incluiria a previsão constante no ECA que garante o acesso de toda criança e adolescente aos serviços da Defensoria Pública, por qualquer de seus órgãos com isenção de custas. E a esse exemplo do ECA poderíamos acrescer: a) Estatuto do Idoso b) Decreto nº 6.949, /2009 com natureza de EC (Direitos das Pessoas com Deficiência) 55 CPF c) Lei Maria da Penha articulado com Art. 226, § 8º CF/88(Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher) Além é claro de estarem previstos na LC Federal 132/2009 (“Art. 4.º São funções institucionais da Defensoria Pública...), mas é muito mais provável que esse tema seja cobrado na disciplina de princípios institucionais. Destaco que esse rol do Art. 4º não é exaustivo podendo incluir “alcoólatras”, comunidades carentes desassistidas de infraestrutura sanitária, viciados em drogas ilícitas, vítimas de enchentes/atingidos por barragens, sem- terras, trabalhadores assalariados, grevistas. E aqui podemos fazer outra associação que pode ser cobrada que é desses grupos organizados em prol de uma causa como grupos sociais definidos no início deste tópico. São os chamados movimentos sociais. Para fechar este tópico vamos a questão que caiu no último concurso da DPU: [CESPE – DPU - Defensor Público Federal de Segunda Categoria 2015] 56 CPF Por ocasião de um grande evento nacional, muitos jovens criticaram a organização desse evento nas redes sociais e, por fim, também nessas redes, combinaram manifestações de rua em grandes cidades do Brasil. Durante essas manifestações, houve depredação de prédios públicos sem que se identificasse quem teria causado os prejuízos, mas ainda assim as forças de segurança pública detiveram alguns jovens e feriram outros tantos. A mídia realizou ampla cobertura, inclusive da ação das forças de repressão. Com referência a essa situação hipotética e tendo por base o conceito de grupos sociais, julgue o item abaixo. Grupos que não tenham liderança organizada não podem ser considerados grupos sociais. Dessa forma, os problemas ocorridos nas citadas manifestações enquadram-se no conceito de turba e os que nelas cometeram infrações deverão ser responsabilizados individualmente 57 CPF [Gabarito: ERRADO, são duas coisas fundamentalmente. Primeiro, os grupos sociais não pressupõem liderança organizada. Em segundo lugar, o grupo também não se enquadraria no conceito de turba). O conceito de turba está ligado ao conceito de multidão, esta sendo um agregado social de existência efêmera (espontâneo, desorganizado) com um sentimento comum), isto é, podem até existir laços sociais na multidão, mas eles são muito frágeis e a tendência é que se dissolvam rapidamente. A turba é uma espécie de multidão ainda mais volátil que se juntou por um motivo inesperado (surgiu alguém famoso, um corpo no chão fugindo de um arrastão, etc.). 6. Direito estatal e direito extra-estatal. Essa caracterização é tipicamente weberiana, de modo que o primeiro passo para abordá-la é lembrar o que dissemos no primeiro tópico sobre a abordagem sociológica (que ele propõe) do Direito – em oposição ao enfoque moralista/político e do enfoque dogmático. A abordagem sociológica, portanto, não possui um enfoque político-moralista, e sim um enfoque que poderíamos denominar como analítico e compreensivo [lembrem-se que a Sociologia weberiana é conhecida como sociologia 58 CPF compreensiva], pois não compartilha da qualidade avaliativa das outras abordagens. Ela se interessa pela maneira como os integrantes de uma sociedade veem as normas jurídicas e moldam, ou não, sua conduta de acordo com elas. É uma ciência empírica por definição, preocupada com fatos e não valores. Como as categorias são estatal e extra-estatal, vamos recordar a percepção de Weber sobre o estado, vamos conferir essa questão para DPE-SP. (FCC DPE-SP Defensor Público 2012) “O Estado moderno é um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e procurou (com êxito) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão. Equivale isso a dizer que o Estado moderno expropriou todos os funcionários que, segundo o princípio dos “Estados” dispunham outrora, por direito próprio, de meios de gestão, substituindo-se a tais funcionários, inclusive no topo da hierarquia”. No trecho acima, extraído do ensaio "A 59 CPF Política como Vocação", Max Weber refere-se ao Estado moderno, resultante de seu desenvolvimento racional. Para o autor, este Estado é caracterizado como um estado a) burocrático; b) autoritário; c) autocrático; d) democrático; e) nação. Weber, por conseguinte, distingue: a) “direito estatal” O direito garantido/exigido pelo Estado, quando e na medida em que a garantia (a coação jurídica) se estabelece por meios específicos e institucionalizados; b) “Direito extra-estatal” quando entram outros meios coativos distintos dos da autoridade política e constituem a garantia de um direito. Neste ponto podemos pensar o seguinte, imagine que um determinado balcão de uma serventia judicial exista a prática de se pagar R$50,00 para agilizar o processo, uma análise sociológica poderá considerar essa uma regra jurídica extra-estatal, ou ainda que não seja pagar dinheiro, mas seja levar um presente no final do ano para os servidores. Ou, mudando de exemplo, imaginemos que para entrar numa determinada favela seja necessário pedir autorização ao gerente da boca. Todas são regras que podem ser 60 CPF compreendidas como direito extra-estatal a depender de qual análise que estamos fazendo delas do que queremos compreender com sua análise. Outro assunto de importante relação com esse tópico é a questão do Pluralismo Jurídico (vamos revisitar esse assunto lá em Filosofia do Direito – está no tópico sobre a História da Filosofia do Direito no Brasil). Vamos conferir uma questão sobre esse assunto: [QUESTÃO CESPE Analista Judiciário - CNJ 2013] No que se refere a monismo e a pluralismojurídico, julgue os itens subsecutivos. O pluralismo jurídico propõe um novo paradigma na cultura jurídica embasado no pressuposto de que são insuficientes os modelos jurídicos oficiais em termos de participação. [Gabarito: CERTO, o pluralismo pressupõe (ou descreve) uma multiplicidade de fontes normativas e mesmo diferentes juridicidades “dentro de um mesmo Estado”, por isso propõe uma modificação na cultura jurídica 61 CPF para que ultrapassemos a referência do Estado monopolizador, centralizador, autoritário, reconhecendo nas práticas sociais fontes de juridicidade, de modo que a participação “nos termos” do Estado não é suficiente]. Daí decorre a classificação das interações dentre atores jurídicos: 1) Como dogmática (estatal) quando observamos a presença de meios e formas garantidos pelo Estado 2) Como informal quando se verificam relacionamentos independentes entre os operadores jurídicos. Além da divisão acima explicitada, Weber classificou as leis em racionais e irracionais, com relação ao aspecto formal e ao aspecto material. Embora aparente simplicidade, essa distinção é complexa e pode ser aplicada de forma ambígua. De acordo com Weber, a criação e a aplicação do direito são “formalmente irracionais quando, para a regulamentação da criação do direito e dos problemas de aplicação do direito, são empregados meios que não podem 62 CPF ser racionalmente controlados – por exemplo, a consulta a oráculos ou sucedâneos deste. Elas são materialmente irracionais, na medida em que a decisão é determinada por avaliações totalmente concretas de cada caso, sejam estas de natureza ‘ética emocional ou política, em vez de depender de normas gerais. 6.1 Controle social. Preliminarmente, cabe um esclarecimento sobre esse ponto, qual seja, há duas dimensões que podem ser entendidas como controle social, uma está ligada aos instrumentos/formas/práticas de controle do Estado por parte da sociedade [tratamos muitas delas (audiências, conferência, ouvidorias) na seção de Ciência Política – Tópico 8.2]; a outra dimensão, ao revés, trata-se das formas como a sociedade se autorregula (por ela mesma), relativa a adequação as normas impostas, a normalização de práticas e condutas. Neste último sentido, a educação, por exemplo, é uma das formas de controle social, por excelência. Vamos avançar. Podemos definir controle social, então, como a: “capacidade da sociedade de se autorregular bem como os meios que ela utiliza para induzir a submissão a seus próprios 63 CPF padrões. Repousa na crença de que a ordem não é mantida apenas, nem sequer principalmente, por sistemas jurídicos ou sanções formais, mas é, sim o produto de instituições, relações e processos sociais mais amplos (Lúcia Zedner). Vamos compreender um pouco melhor esse debate e a utilização desse termo começando pela noção do que é “estrutura social” que, segundo Rodrigo de Azevedo, pode ser definido como “o sistema de restrições que balizam a ação individual, delimitando os espaços de atuação e escolha do indivíduo no interior da sociedade”, o autor ainda assevera que a Sociologia sempre esteve preocupada com essa questão em termos de qual a relação que se estabelece entre a ação individual e a estrutura social. Sendo que para os autores clássicos a questão residia em explicar a passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas, ao passo que contemporaneamente o mote é compreender a dinâmica e transformação social da sociedade global que despertam analises no sentido de esgotamento das estruturas modernas (fala-se em pós-modernidade, modernidade liquida, modernidade radicalizada). Para Giddens, vivemos a Modernidade Reflexiva, pois o mundo social deve ser compreendido como realização 64 CPF de sujeitos humanos ativos, de modo que os significados dependem da Linguagem (não como um mero sistema de signos), mas como um meio de atuação prática. Então, estruturação das relações sociais decorre da dualidade existente da relação estrutura social/ação individual no sentido de que a estrutura organiza (limita, condiciona) a ação individual, mas ao mesmo tempo é produzida, por estar em constante produção e reprodução – ATENÇÃO é a esse processo que se refere o termo reflexivo que Giddens emprega. Outro autor importante para entender a questão é Pierre Bourdieu que compreendeu isto em termos de “campo” e “habitus”. Para ele o social é constituído por campos - espaços de relações objetivas que possuem sua lógica interna, então, que existe o campo do direito. Esse campo é um campo de forças (portanto, uma estrutura que constrange os agentes nele envolvidos) mas é também um campo de lutas (no qual os agentes, conforme sua posição de poder, atuam em prol de conservar ou modificar essa estrutura). O "habitus", segundo Rodrigo de Azevedo, é um "sistema de disposições, modos de perceber, se sentir, de fazer, de pensar, que nos leva a agir de determinada forma em 65 CPF uma circunstância dada”. Neste sentido, a consciência dos atores do campo será fundamental na mudança e/ou reprodução da rotina. Assim, uma nova configuração (estrutura) só se consolida quando se conforma nas mentes e nos hábitos de quem faz funcionar o campo. Outro termo/categoria que pode aparecer na prova é “socialização”, que é entendido como o processo através do qual os indivíduos passam a adotar os valores e padrões de comportamento do seu entorno social. Começa na infância, possuindo mecanismos formais e informais de aprendizagem. Isto está ligado, em verdade, ao grande debate da Sociologia que é a natureza da ordem social (voltar ao primeiro tópico) e os mecanismos de poder que são utilizados para mantê-la e adequar (controlar/por isso controle social) os comportamentos as regras e normas institucionalizadas (não apenas formalmente ou pela via do direito - lembrem-se que instituição para a Sociologia não é igual a instituição formal). Durkheim, por exemplo, fez uma abordagem desse problema que se denomina funcionalista, pois a socialização teria uma função de integrar a sociedade, de modo a garantir/manter a ordem social. Outro importante autor desta abordagem é Talcot Parsons segundo quem "a socialização é 66 CPF o processo pelo qual as pessoas aprendem a cumprir os papéis que lhes são prescritos pelo sistema social”. Essa abordagem é especialmente importante para a sociologia jurídica porque ela foi aderida por muitos juristas que a partir dela construíram pensamentos sobre a "função do direito na sociedade". Aprofundando brevemente a questão da socialização podemos falar de anomia (termo da teoria durkheimiana que significa não se sentir vinculado aquelas regras sociais), mas no sentido que Merton emprestou asseverando que a socialização para os objetivos de sucesso dominantes em uma sociedade (objetivos culturais) é disfuncional para os indivíduos aos quais são negados os meios institucionais adequados para a obtenção desses objetivos (Merton). Essa reflexão pode ser associada ao próximo tópico (estratificação social), pois é um fenômeno muito comum que se exijam condutas sociais de pessoas que não foram socializadas com elas ou que tem uma outra socialização com o Estado (como por exemplo os moradores de favelas). Rodrigo de Azevedo lembra que a socialização nunca está pronta e acabada, nunca é total é um processo contínuo, está acontecendo o tempo todo, sendo ela primária (criança com a família) que é a própria percepção da realidade de que existe um mundo social e a secundária se dá 67 CPF na incorporação de saberes profissionais. Podem ser considerados importantes mecanismos de socialização: família, escola,
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