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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA Trabalho de Graduação Individual Rogério de Mambro A Produção de Cerveja Caseira: Entre a Autonomia e a Precarização do Trabalho. SÃO PAULO 2019 Rogério de Mambro A Produção de Cerveja Caseira: Entre a Autonomia e a Precarização do trabalho Trabalho de Graduação Integrada (TGI) apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Geografia. Área de concentração: Geografia Humana Orientador: Prof. Dr. Eduardo Donizetti Girotto Banca Examinadora ______________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Donizetti Girotto (Orientador) Universidade de São Paulo _______________________________________________________ Prof. Dr. Bernardo Parodi Svartman Universidade de São Paulo _______________________________________________________ Mestre Adriano Gonçalves Skoda Universidade de São Paulo 1 O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas Que cresceram com a força de pedreiros suicidas Cavaleiros circulam vigiando as pessoas Não importa se são ruins, nem importa se são boas E a cidade se apresenta centro das ambições Para mendigos ou ricos e outras armações Coletivos, automóveis, motos e metrôs Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade se encontra prostituída Por aqueles que a usaram em busca de saída Ilusora de pessoas de outros lugares A cidade e sua fama vai além dos mares No meio da esperteza internacional A cidade até que não está tão mal E a situação sempre mais ou menos Sempre uns com mais e outros com menos A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu Pra a gente sair da lama e enfrentar os urubu Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu Pra a gente sair da lama e enfrentar os urubu Num dia de sol, Recife acordou Com a mesma fedentina do dia anterior A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce. Chico Science e Nação Zumbi - A Cidade. 2 De pé, ó vítimas da fome De pé, famélicos da terra Da idéia a chama já consome A crosta bruta que a soterra Cortai o mal bem pelo fundo De pé de pé, não mais senhores Se nada somos em tal mundo Sejamos tudo, ó produtores Senhores patrões chefes supremos Nada esperamos de nenhum Sejamos nós que conquistemos A terra mãe livre e comum Para não ter protestos vãos Para sair desse antro estreito Façamos nós com nossas mãos Tudo o que a nós nos diz respeito O Crime do rico, a lei e o cobre O estado esmaga o oprimido Não há direitos para o pobre Ao rico tudo é permitido A opressão não mais sujeitos Somos iguais todos os seres Não mais deveres sem direitos Não mais direitos sem deveres Abomináveis na grandeza Os reis da mina e da fornalha Edificaram a riqueza Sobre o suor de quem trabalha Todo o produto de quem sua A corja rica o recolheu Queremos que nos restituam O povo quer só o que é seu Nós fomos de fumo embriagados Paz entre nós guerra aos senhores Façamos greve de soldados Somos irmãos trabalhadores Se a raça vil cheia de galas Nos quer à força canibais Logo verás que as nossas balas São para os nossos generais Pois somos do povo os ativos Trabalhador forte e fecundo Pertence a terra aos produtivos Ó parasita deixa o mundo Ó parasita que te nutres Do nosso sangue a gotejar Se nos faltarem os abutres Não deixa o sol te fulgurar Bem unidos façamos Nesta luta final Uma terra sem amos A internacional Bem unidos façamos Nesta luta final Uma terra sem amos A internacional A Internacional Versão Garotos Podres. 3 Dedicatória À Giovanna que me acompanhou em todas as minhas subjetividades em todo meu processo de graduação e me fez ver que se aprofundar no conhecimento tem um grande potencial transformador e anticapitalista. Você me trouxe uma grande confiança em chegar até aqui e é parte fundamental desse trabalho. Esse trabalho é sobre a nossa sobrevivência em tempos de precarização do trabalho e do nosso apoio mútuo e cooperação no meio dessa cidade caótica e individualista. É sobre amor e companheirismo em meio a superficialidade. É sobre ternura, em meio a rigidez, é sobre alegria e é sobre utopia. Ao Professor Girotto, professor que inspira. Obrigado pela orientação de TGI, por dar voz aos estudantes, lutar pela educação e para que a geografia possa ser feita com os pés. Ao Skoda, pela leitura atentíssima e pelos apontamentos tão certeiros acerca deste trabalho. Ao Bernardo, por dar especial atenção aos aspectos trabalhistas e sobre a psicologia do trabalho. O cooperativismo pode sim construir relações mais justas. Ao Pequi, meu companheiro de alquimia, onde aprendemos juntos que têm política em nossa brisa e ainda têm inúmeras receitas que não fizemos ainda. Em cada produção uma prosa amiga. Obrigado pelos aprendizados de engenharia química, sem eles eu jamais me formaria em geografia. À minha Mãe Cida que sempre me incentivou no que eu decidi fazer e sempre fortaleceu para que eu pudesse chegar até aqui. Você é uma verdadeira uma guardiã do conhecimento, grato pela existência, pelas memórias dos antigos e pela indignação com um mundo tão injusto. Ao meu Pai João que me ensinou a andar de bicicleta e a gostar de sair andando o dia inteiro por aí. 4 As minhas irmãs Kátia e Sônia por me incentivarem a fazer faculdade e a estudar. À Olívia pelas noites de prosa e Boemia e pela palavra amiga. À toda nossa coletiva de cerveja caseira e todas as pessoas que participaram dela: Alê, Fabi, Bruninho, May e Paquê. Ao Lucca, a Mayara e a Cesi, por incentivar nossa ideia e nos acolher com tanto amor e carinho. à ITCP-USP por ter me aprofundado no cooperativismo e refletir sobre a prática e sobre a economia solidária. E também a todo mundo que já passou por lá: LuS, May, Oli, Lucca, Deia, Mel, Gabs, Isa, LuP, PedroL, PedroN, Pablo, Tainá, Henrique, Ana Lu, Diego, Aninha, Léo, Vitória, Melissa, Wagner, Chaves, entre muitos. Aos professores Bernardo Parodi Svartman e Reinaldo Pacheco da Costa por dar apoio ao coletivo da ITCP-USP e acreditar no nosso potencial acadêmico a partir da extensão, onde o nosso conhecimento tem fim social. Aos professores Marcinho e Carlão por estarem na luta com a gente. Ao coletivo Urbana Selva, do “faça você mesmo” à busca de autonomia de nossas vidas. Juh Comitto, Nati, Juh Costal, Fabiü, Mari Reinach, Ciola, e Glaucio. Aos Degradados Punk Rock. Paulo, Lks, Mick, Cauã e Arthur, que permitiram gritar todo o ódio ao sistema através do Punk. Aos meus parça de Osasco: Latino, Pardal, Guedes, Pqno, Alê e Steven. Por tantas prosas e loucuras. Àqueles que foram excluídos pelo vestibular e que não tiveram a oportunidade de estudar em universidade pública e gratuita como eu. Assim a maioria do meu bairro, da minha cidade e da escola pública - E.E. Glória Azedia Bonetti, Osasco - 5 que eu estudei. O estado quer o povo pobre apenas como mão de obra barata e o “sucesso escolar” é um concurso da Tele-Sena. Ao povo latino-americano que vêm sofrendo as piores consequências do imperialismo, sistema capitalista e neoliberalismo: desemprego, fome, saque colonial, aumento da jornada de trabalho e exploração. As pessoas pobres e periféricas. Aos negros e povos originários que são constantemente marginalizados pela política racista deste país. Ao trabalhador(a) sem-terra,que luta por dignidade e pela vida. À luta da classe trabalhadora que enfrenta as consequências dos monopólios que saqueiam nossos bens naturais e nossa mão de obra para transformar em lucro privado, além de acabar com os recursos naturais, devastam terras e promovem genocídios. Apesar do discurso do crescimento econômico e da geração de emprego, são nossos exploradores, verdadeiros parasitas! Às cervejeiras(os) caseiros e autônomas(os). Aos trabalhadores e trabalhadoras informais. Aos trabalhadores e trabalhadoras da economia solidária. Àqueles e àquelas que constroem a autogestão. À todas as pessoas que fazem trabalhos invisibilizados nessa sociedade. 6 RESUMO: O presente trabalho de graduação individual mostra as diferentes produções de cerveja no Brasil. O objetivo é mostrar a diversidade do setor para além do oligopólio formado por apenas três empresas: as microcervejarias legais e os cervejeiros caseiros/microcervejarias informais. O número de cervejarias e o número de rótulos de cerveja cresceram em ritmo exponencial do país do ano de 2017 para o ano de 2018 e este trabalho disserta sobre a diversificação deste mercado e ascensão das microcervejarias. As empresas monopolísticas têm grande influência sobre a produção e distribuição de cervejas através do sistema tributário e sobre a legislação cervejeira, o que muitas vezes cria dificuldades para a entrada no mercado. Isso comprova diversas teorias de Santos (2008) sobre os circuitos superiores e inferiores da economia urbana e também sobre as estruturas monopolísticas e a forte relação que essas estabelecem com o estado quando dispõem de seus recursos públicos para o incentivo das atividades monopolísticas, concomitantemente dificultando a criação de pequenas e médias empresas. Descobri que com os altos custos de legalização há cervejeiros que, para se legalizar, optam por terceirizarem suas produções em cervejarias “ciganas” que realizam serviços de produção, ficando a cargo do contratante somente a comercialização e distribuição, porém existem ainda aquelas microcervejarias informais que se encontram no circuito inferior da economia urbana: as cervejarias caseiras, que são pequenas produções realizadas no ambiente familiar ou em pequenas cooperativas. Este trabalho está entre a precariedade e a autonomia. Precário na medida em que não são reconhecidas pelo estado por suas práticas e não têm direitos fundamentais garantidos, porém, ao não separarem a posse e uso dos meios de produção, os cervejeiros caseiros constroem um caminho de autonomia através da economia solidária e da autogestão. Neste trabalho consta um relato da minha própria experiência como produtor de cerveja. Palavras-Chave: Oligopólio Cervejeiro, Cerveja Caseira, Circuito Inferior da Economia Urbana; Autonomia; Trabalho Informal. 7 Sumário 1. Introdução--------------------------------------------------------------------------------------------------9 2. As produções de Cerveja: Oligopólio, Microcervejarias e Cerveja Caseira-12 2.1. Distribuição das cervejarias “legais” em território nacional.-------------------------12 2.2. A produção do oligopólio brasileiro de cerveja-----------------------------------------17 2.3. Microcervejarias: A produção de cervejas especiais e cervejarias "ciganas”--22 2.4 A cerveja caseira e microcervejarias informais-----------------------------------------26 3. Considerações Finais-------------------------------------------------------------------------35 4. Referências---------------------------------------------------------------------------------------39 8 1. Introdução A cerveja é uma bebida de cereais fermentados que geralmente contém 4 ingredientes principais: água, malte de cevada, flores de lúpulo e fermento biológico. O uso desses ingredientes, que ficou popularmente conhecido no mundo todo, vem de um lugar e tempo específico: a Alemanha do século XVI, que criou a lei de pureza alemã (REINHEITSGEBOT - 1516), um marco da intervenção estatal sobre a produção de alimentos: A Lei da Cerveja é uma influência política, ao ser utilizada como um dos fatores principais na unificação da Alemanha, e determinou o caminho do segmento de cervejas na Alemanha e mais tarde no Brasil. A Reinheitsgebot também teve influência direta na produção de bebidas pelo mundo, principalmente nas cervejarias artesanais (microcervejarias), que ainda buscam na Lei da Pureza um sinônimo de bom gosto para a fabricação de seus produtos. No Brasil, além da forte relação com a legislação brasileira sobre a produção de Cerveja, a Reinheitsgebot constantemente é associada à qualidade, pois determina quais são os requisitos para se produzir uma bebida conforme as tradições cervejeiras. (PEREIRA, 2015, p.7) A “Reinheitsgebot” tem relação com o Brasil atual. Ela direciona algumas cervejarias a realizarem produções de cervejas que sejam ‘’puro-malte’’. Existe um grande número de rótulos dessa categoria nas prateleiras dos supermercado, porém estes coexistem com as cervejas que utilizam “carboidratos” ou “cereais não maltados” - derivados de milho, arroz ou açúcar - em suas receitas, cervejas essas direcionadas ao consumo das classes mais populares. A utilização desses insumos se dá por conta do Brasil ser um grande produtor de milho, arroz e açúcar, insumos que são mais baratos do que o malte de cevada, que é um produto que exige maior processamento por conta do processo de malteação. Como a lei de pureza é somente sinônimo de qualidade e não uma lei de fato, utiliza-se ingredientes de qualidade reduzida como os acima descritos acima. Porém não é o foco principal desse trabalho discutir a estrutura agrária da cadeia cervejeira no Brasil e sim como se dá produções de cerveja em território nacional em suas diversas escalas e como essas se relacionam com a legislação. A intervenção estatal sobre a produção de alimentos, sob o qual a lei é referência, se dá de maneira severa pelos órgãos reguladores, e o seu aspecto mais perverso é que esses órgãos privilegiam o setor dominante. A produção de cerveja no Brasil é oligopolística. Os monopólios têm grande apoio do estado no Brasil sob uma política que os 9 privilegiam. Esse privilégio se dá pela utilização de infraestruturas construídas com recursos públicos para fins privados, ou seja, se beneficiam do esforço coletivo sem devido retorno a sociedade e também a associação entre estado e monopólio tem influência direta sobre as produções de média, pequena, micro e nano empresas, as inviabilizando por conta do sistema tributário. A generosidade oficial para com os Monopólios e corporações ocorre em detrimento da população, particularmente das camadas mais desfavorecidas. Entre as formas de apoio do Estado ao nascimento e ao desenvolvimento do circuito moderno, encontramos a proteção concedida à concentração e aos monopólios, financiamento direto ou indireto das grandes firmas através da construção de infra-estruturas caras, a formação profissional, a promoção de indústria de base, os subsídios à produção e a exportação e todas as formas e acordos com as firmas dominantes da economia, tais como legislações fiscais discriminatórias, leis de investimento e planos de desenvolvimento. Tudo isso certamente reduz a capacidade de investimento dos Estados nacionais nos setores que interessam diretamente à população (SANTOS, 2008, p. 161). Neste trabalho será discutido as produções de cerveja no Brasil em três diferentes níveis: a produção do oligopólio - responsável por 98% da produção nacional-; das microcervejarias - que são oficialmente chamadas de artesanais1, que correspondem a cerca dos outros 2% e vêm crescendo em ritmo acelerado por conta da demanda por cervejas especiais-; e o terceiro nível, que se refere à produção e comercializaçãode cerveja informal, aqui identificados como cerveja caseira, sendo este um novo conceito que será discutido neste trabalho. A cerveja caseira carece de uma legislação própria e possui limites de comercialização. Estes pequenos produtores muitas vezes não têm investimento inicial para abrir uma cervejaria legalizada, ou mesmo não possuem capital de giro para terceirizarem a produção, pois são simples artesãos e não capitalistas, e/ou fazem a opção política de defender seus meios de produção e não terceirizar sua produção. Estas produções estão inclusas no circuito inferior da economia urbana e nesse circuito muitas pessoas cervejeiras permanecem pois são prejudicadas pela estruturas monopolísticas perpetuadas pelo estado, que fazem com que seja muito custoso legalizar-se e a tributação faz com que o preço desse produto muitas vezes tenha baixa concorrência no mercado. 1 ‘‘o termo artesanal’’ atualmente está associado ao que consideramos como um processo de gourmetização inventado pela indústria cervejeira, e que em nada se relaciona com uma fabricação em processo artesanal. 10 As situações de pobreza no Terceiro Mundo são devidas, em grande parte, à ação conjugada das estruturas monopolísticas e do Estado. Os monopólios de qualquer natureza repercutem negativamente no nível de vida das populações. O estado, como vimos, participa do agravamento do fenômeno através de sua política econômica e fiscal. O atual modelo de crescimento econômico é responsável por uma distribuição de rendas cada vez mais injustas (Santos, 2008, p.187 apud Robirosa et al., 1971, pp. 21-24) e impede a expansão do emprego, assim o desenvolvimento de um mercado interno para produtos modernos. A existência do circuito inferior da economia urbana é uma das consequências principais dessa situação (SANTOS, 2008, p. 187). O Oligopólio, a microcervejaria e a cerveja caseira seguem diferentes padrões de produção, relações de trabalho e relação com a legislação do estado, aspectos que serão abordados mais a fundo nos capítulos seguintes. A produção e comercialização de cerveja informal, muitas vezes feita em casa, ainda é pouco estudada pela academia, fato não estranho, já que o circuito inferior da economia urbana carece de pesquisas. Este trabalho pretende compreender o que é a atividade de produção e comercialização de cerveja caseira a partir de um estudo de caso da região metropolitana de São Paulo. As bases teóricas para a investigação são a teoria dos dois circuitos da economia urbana de Milton Santos e a perspectiva da Economia Solidária. Para isso foi realizada uma investigação sobre o mercado cervejeiro a partir de dados oficiais do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA)2, onde constam os dados de cervejarias com registro no órgão, a evolução do número de cervejarias no Brasil e a incidência desse fenômeno no espaço. Nos dados do MAPA não se distinguem o tamanho das cervejarias e não há informações sobre cervejarias informais. Para realizar esta distinção, distingui quais são as principais empresas do setor, entre elas as do oligopólio brasileiro, que possuem um histórico de fusões e inserção no mercado mundial; as microcervejarias formais, sobre cujo setor são relatadas as imposições para a legalização; e o avanço da venda de serviços de produção pelas cervejarias ciganas. Em relação às cervejarias caseiras, informais, são analisados o tamanho de suas produções, a geração de renda e se a informalidade é uma escolha ou uma imposição. Sobre este setor ainda farei um relato de minha própria 2 O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) é o órgão que realiza o registro de cada rótulo de cerveja formalizada no Brasil. 11 experiência na produção e comercialização em uma cooperativa autônoma de produção e comércio na região metropolitana de São Paulo. 2. As produções de Cerveja: Oligopólio, Microcervejarias e Cerveja Caseira 2.1. Distribuição das cervejarias “legais” em território nacional. A partir dos dados oficiais produzidos pelo anuário da cerveja no Brasil de 2018, podemos observar que a distribuição das cervejarias com registro no MAPA, sejam elas microcervejarias ou integrantes do oligopólio, se dá no eixo sul-sudeste, onde se encontram 80% das cervejarias em território nacional. A tabela 1 nos mostra o crescimento de cervejarias por estado entre os anos de 2017 e 2018. Tabela 1 - Distribuição das Cervejarias/Estado. Fonte: Marcusso e Müller, 2018, p.4 No geral do território nacional os estabelecimentos de fabricação de cerveja cresceram exponencialmente em 2018, chegando a 889 cervejarias, 210 delas abriram suas portas no ano de 2018: Gráfico 1. Crescimento das Cervejarias por Ano 12 Fonte: Marcusso e Muller, 2018, p.4. Para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), as cervejarias devem registrar todos os seus produtos, ou seja, cada nova receita de cerveja e rótulo devem ser registrados como novo produto para assim serem comercializados legalmente. Ainda segundo o anuário, o setor cervejeiro no Brasil está em expansão e no ano de 2018 foram concedidos 6800 novos registros para produtos de cerveja e chopp no Brasil. Os estados de MG, SP e RS são os estados que mais registraram novos produtos. Gráfico 2. Marcas registradas no MAPA por estado . Fonte: Marcusso e Muller, 2018, p.4. 13 O anuário de 2018 não descreve o total de produtos registrados no MAPA até então, porém, o anuário de 2017 nos fornece este dado: o total de produtos registrados de cervejas e chopes em 2017 chegava a 8903 produtos. Portanto, se somarmos os 6800 registros encontrados no ano de 2018 com os registros já existentes registrados pelo MAPA, o número de produtos registrados chega ao final de 2018 a 15.703, um crescimento de 76% apenas de um ano para outro. Algumas informações do anuário de 2018 nos levam a uma grande hipótese de que esse aumento exponencial do número de cervejas/chopp registradas ocorre devido à expansão das cervejarias ciganas, que são cervejarias que alugam seus meios de produção ou mesmo produzem cervejas a partir do gosto de quem encomenda. Isso fica evidente quando o anuário amplia a escala de análise para as cidades: a cidade de Capim Branco, localizada próxima a Belo Horizonte, possui apenas 1 cervejaria e 193 cervejas/chopps registrados. Tabela 2. Tabela de marcas registradas por cidade. Fonte: Marcusso e Müller, 2018, p.4. As cidades que mais registraram produtos mostram uma configuração específica do setor cervejeiro. Nas três primeiras posições temos cidades com tradição na produção de cerveja, leis de incentivo e polos cervejeiros constituídos, ao passo que Capim Branco nunca é lembrada como centro cervejeiro. Existe apenas uma cervejaria registrada neste município, porém é uma fábrica destinada apenas para receber cervejarias ciganas, assim o número de registro de produto é exponencialmente maior que uma cervejaria que produz apenas para o seu proprietário, ou algumas ciganas apenas. (MARCUSSO e MÜLLER, 2018, p.3) Por fim, estes dados produzidos pelos anuários da cerveja do Brasil não nos fornecem base alguma do tamanho de tais cervejarias e nem da produção em 14 hectolitros. Para saber tais informações é preciso saber a produção em hectolitros. Desta forma, os relatórios do MAPA colocam na mesma estatística microcervejarias e grandes cervejarias que têm capacidades produtivas imensamente distintas. Para uma investigação mais criteriosa e detalhada são necessários estudos estatísticos que façam essa distinção. O fato desse estudo apontado acima não realizar esta distinção nada tem de causalidade, já que os monopólios têm a tendência de invisibilizar as produções de cervejarias não ligadas a eles, fato que se refletena legislação para o pequenos produtores. Segundo Garbin (2017, p.48) a lei para produção e comercialização de cerveja no Brasil foi regulamentada pelo Decreto nº 2.314/97, porém sem a definição sobre cervejas artesanais. Em 2009, o decreto anterior foi substituído pelo Decreto nº 6.871/09, e nele foram impostos diversos aspectos reguladores à cerveja, como os tipos de insumos que podem ser utilizados, os tipos de bebidas que podem ser fabricados e quais métodos podem ser realizados. A regulamentação de legislação própria para a cerveja artesanal ainda está em tramitação no congresso pela PL n° 5.191. 15 Mapa 1. Distribuição das Cervejarias em Território Nacional. Fonte: Marcusso e Müller, 2018 16 2.2. A produção do oligopólio brasileiro de cerveja A maior parte da ç produção e distribuição de cerveja em território nacional é feita pelo oligopólio formado por alguns grandes grupos internacionais que têm alcances mundiais e empregam capital intensivo neste processo. Esses grandes grupos detêm a maioria da produção e distribuição de cervejas no Brasil, além de participarem de outros setores econômicos como o de refrigerantes. Esses grandes monopólios vem se formando no Brasil desde o final do século XIX, e atingem hoje uma grande dimensão territorial, onde encontramos seus produtos em praticamente todos os supermercados e bares do país. Praticam uma concorrência entre marcas da mesma empresa, que são conhecidas popularmente por serem muito parecidas. Essas empresas são todas internacionais, e os seus lucros vão da periferia do capitalismo ao capital financeiro, onde poucos atores são beneficiados com a riqueza produzida. O que nos importa aqui, além de descrevê-los, é demonstrar o impacto que esses grandes monopólios têm na economia nacional e na industrialização. Santos (2008, p.92) nos mostra que construir indústrias não é necessariamente industrializar o país: se essas indústrias não se integram num plano de desenvolvimento nacional, elas são parte de estratégias imperialistas em benefício de capitais privados. Apesar de gerarem capitais públicos através do recolhimento de impostos, por exemplo, estes são reinvestidos e benefício dos monopólios e utilizados para fins privados, já que as multinacionais utilizam toda uma infraestrutura do estado para seu funcionamento. Em contrapartida, o monopólio se utiliza do discurso político da geração de muitos empregos, que diga-se de passagem hoje são em sua maioria terceirizados, e também do fornecimento de produtos de qualidade, algo também pode ser questionado. Em questão de dimensão, o Brasil é o terceiro maior consumidor de cervejas e refrigerantes do mundo, estando atrás apenas dos Estados Unidos da América (EUA) e China: 17 Gráfico 3. Principais países consumidores de Cerveja e Refrigerante no ano de 2011. Fonte: Cervieri Junior, 2017, p.71 Gráfico 4. Produção nacional de cerveja em milhões de hectolitros por ano: Fonte:Marcusso, 2015. Segundo o relatório, o Brasil é responsável pelo consumo de cerca 300 milhões de hectolitros entre cervejas e refrigerantes, e destes, 43% são cerveja. Logo, estimativamente 129 milhões de hectolitros de cerveja foram consumidos por ano no Brasil em 2011. O gráfico abaixo nos mostra que a produção de cerveja nacional é crescente nos últimos 30 anos. Tomando como base o ano de 2011, a comparação entre o consumo, no gráfico 3, e a produção, no gráfico 4, nota-se que 18 a maioria da cerveja consumida no brasil é também produzida no país, já que em relação ao produto geral, pouca cerveja é exportada. O grau de participação das principais empresas no mercado interno brasileiro de cerveja em termos de vendas EM 2015 é o seguinte: ‘‘...cervejas Ambev/Brasil – 67%; Grupo Petrópolis/Brasil – 13%; Heineken/Holanda – 10%; Brasil Kirin/Japão – 8%; e outras – 2% (Cervieri Junior, 2017, p.72 apud Flanders Investment & Trade, 2015). Com esses dados conseguimos visualizar que este oligopólio é formado por poucas empresas. Essas empresas historicamente no Brasil se fundem, e essas fusões diminuem os produtores, criando estruturas monopolísticas que exercem na prática um maior controle de preços. Segundo Santos (2008), os preços constituem uma fonte de poder dos conglomerados e dos monopólios. O autor cita Smith (2017) que diz que quando o número de produtores é pequeno, eles podem estabelecer entre si a fixação de preços e este é um dado fundamental do funcionamento do monopólio. Tabela 3. Maiores produtores mundiais de cerveja - cervejarias e países. Produtores - 2015 Fonte: Cervieri Junior, 2017, p.73. Os dados acima nos mostram que a principal empresa de produção do mundo é a AB InBev, principal acionista do grupo AmBev, que teve uma produção mundial de 409,9 hectolitros no ano de 2016. A história da AB InBev se origina no Brasil, da fusão entre a Brahma e Antarctica que originou a AmBev e, a partir daí, uma série de fusões ocorreram. 19 A união entre a Companhia Antárctica Paulista e a Companhia Cervejaria Brahma em julho de 1999, criando a AmBev – American Beverage Company ou Companhia de Bebidas das Américas –, foi apresentada como uma fusão entre iguais para aumentar a competitividade, ganhar escala para crescer e internacionalizar-se. (CAMARGOS e BARBOSA, 2005, p.51). Após esta fusão a AmBev comprou diversas outras empresas do setor, se fundiu com outros grupos e se expandiu no território da América Latina, cada vez comprando empresas maiores do setor de bebidas e concentrando cada vez mais seu capital3. Segunda Alves e Paixão (2018, p.47) em 2003 a empresa comprou 40,5% das ações do grupo QUINSA, fabricante da argentina Quilmes, e começou a expandir seu território na América Latina, chegando a 2006 com 91% das ações da empresa. Em 2004 a AmBev inicia uma relação com o grupo belga InterBrew S. A: No ano de 2004, a Ambev e uma cervejaria belga denominada InterBrew S.A/ N.V fizeram uma negociação com empresas que envolveu a fusão de uma controladora indireta da Labatt, uma das cervejarias líderes do Canadá, na AmBev. Ainda no mesmo ano, alguns dos controladores da AmBev saíram da sociedade ao venderem para a Interbrew S.A a Braco S.A, empresa que detinha 52,8% do capital votante da cervejaria brasileira. Em troca, os donos do Grupo Braco receberam 24,64% do capital da Interbrew e o direito de participar das decisões do grupo europeu com 50% dos votos do conselho de administração. Isso significa que, a fatia brasileira das ações da cervejaria belga não estava nas mãos da Ambev, mas sim, de seus ex-controladores. (Alves e Paixão 2018, p.47 apud EXAME, 2004). Logo após o ocorrido a InterBrew se tornou acionista majoritário do grupo Ambev, alterando seu nome social para InBev S.A. Em 2005 a Companhia Brasileira de Bebidas (CBB) fundiu-se a AmBev. Em 2008, a InBev compra a Anheuser-Busch, dona da marca Budweiser e com a aquisição se torna líder mundial na indústria cervejeira, passando a se chamar AB InBev S.A, nome atual da empresa. Desde a fusão entre a Brahma e a Antártica até 2012, o faturamento do grupo já tinha se multiplicado por seis e o seu faturamento chegou a 33 bilhões de reais. Em 2015, a AB-InBev comprou o segundo maior grupo de cervejas, a SABMiller, e juntas hoje produzem um terço de toda a cerveja do mundo. Então a Companhia de Bebidas das Américas – Ambev S.A., que é somente uma dos 3 Aqui é explicado somente o histórico de fusões e aquisições no setor de cerveja, mas a empresa possui outras marcas no setor de bebidas, como refrigerantes. 20 grupos AB InBev, encontra-se sediada em São Paulo, e, atualmente está presente em 19 países das Américas: Canadá, Argentina, Uruguai, Bolívia, Paraguai, Chile, Peru, Equador e Colômbia, Brasil, El Salvador, Guatemala, Nicarágua,República Dominicana, São Vicente, Dominica, Antígua, Cuba e Barbados.(Alves & Paixão, 2018, p.48) Segundo a CERVEJARIA AMBEV (2019) a empresa possui 32 fábricas de produção em território nacional e 2 maltarias, 30 marcas de bebidas, 35 mil “colaboradores” no Brasil, 100 centros de distribuição direta e 6 centros de excelência no Brasil. O processo de consolidação monopolista impacta tanto os padrões de produção e consumo, como implica em uma série de fenômenos de reconfiguração de trabalho que fica evidente no uso da terminologia "colaborador", quando a própria empresa se refere aos seus trabalhadores. Na literatura sobre as condições de trabalho e valores da empresa Ambev encontramos uma cultura de exacerbada dedicação a empresa, onde existe competição entre funcionários, que são comumente substituídos por outros: A eficiência na gestão da empresa advém de um quadro funcional qualificado e da forte influência dos seus três principais executivos, Lemann, Teles e Sicupira, que implementaram uma cultura de resultados a curto prazo, um ambiente de trabalho informal, competição entre os funcionários, dedicação exaustiva à empresa. Para isso, pagam prêmios maiores que os do mercado, a fim de que seus executivos superem os resultados esperados, mas são firmes na substituição de funcionários que não se adaptam ao seu estilo de competição. (CAMARGOS & BARBOSA, 2005, p.53). As humilhações no ambiente de trabalho altamente hierarquizado acontecem como no relato abaixo que investiga o modelo de gestão "Gente ambev" em uma fábrica de Jacareí no interior do estado de São Paulo: ao contratar e demitir, a Ambev impõe sobre todos os funcionários a permanente ameaça de desemprego, forçando todos a correrem atrás de suas pesadas metas. Os que estão na base da pirâmide querem crescer, pressionando os que estão acima, que pressionam os que estão acima, e assim por diante. Ao trazer, anualmente, “sangue novo” para dentro da Companhia, a Ambev acelera a competição e é sabido, que aquele que não der resultado será demitido, não sem antes passarem por alguma situação vexatória e humilhante. Na Filial Jacareí, essa permanente ameaça recai, principalmente, sobre os ombros dos trabalhadores em cargo de supervisão, de quem é exigido, além do cumprimento das metas, a reprodução e repercussão do ideário da Cultura Ambev. Os supervisores, porém, não têm a quem recorrer. Submetidos aos desmandos da empresa tornam-se algozes dos seus subordinados, 21 muitas vezes assumindo posturas autoritárias e violentas. (BATISTA, 2017, p.9). Este ambiente de competição e constante ameaça de desemprego com a constante substituição de mão de obra são reflexos para Singer e Souza (2000) do efeito da terceira revolução industrial e da globalização somados, que contribuem para a deterioração do mercado de trabalho para quem precisa vender sua força de trabalho. Foram os trabalhadores industriais que conseguiram o direito de se sindicalizar, de barganhar coletivamente com os empregados, de fazer greve sem correr o risco de demissão, de ter representação junto a direção da empresa. Na medida em que foram exatamente estes os trabalhadores mais atingidos pelo desemprego tecnológico e pelo desemprego estrutural, a correlação de força entre compradores e vendedores de força de trabalho, em cada país, tornou-se muito mais favorável aos primeiros. (SINGER e SOUZA, 2000, p.23). Estas pessoas que sofrem humilhações trabalhistas e ameaças constante da perda do emprego são tratadas pela empresa, segundo Singer e Souza (2000) como exército funcional de reserva. Elas desempenham o mesmo papel que as mercadorias que sobram nas prateleiras: Elas evitam que os salários subam. 2.3. Microcervejarias: A produção de cervejas especiais e cervejarias "ciganas". O consumo de cervejas “artesanais” aumenta no Brasil. A qualidade do produto é muito elevada. O lema “beba menos, beba melhor” é espalhado por alguns apreciadores da bebida. A diversidade de estilos possíveis e novos rótulos crescem a cada ano como vimos no tópico 2.1. Porém o preço que se paga pela bebida ainda é elevado em alguns casos, bem como os custos de produção também são altos e existe uma dificuldade para o ingresso de novos atores. Isso se dá porque o oligopólio exerce forte influência sobre o sistema tributário e ditam as condições de entrada no mercado. Podem ser consideradas microcervejarias qualquer produção formal ou informal de cerveja, mas a categoria informal fica para o próximo capítulo. Não há dados confiáveis sobre a real participação das produções de microcervejarias formais e independentes no mercado brasileiro, mas como vimos na divisão das empresas no setor cervejeiro em 2015, 98% da produção é feita pelo oligopólio. O 22 setor das microcervejarias independentes se encontra entre esses 2%. Em 2018, apesar dos dados sobre o aumento das microcervejarias e rótulos citado acima, não encontrei informações sobre a participação dessas na produção total em hectolitros e em porcentagens sobre a produção total, e também não se pode afirmar que essas cervejas não são parte do oligopólio. Apenas podemos afirmar que o setor vem crescendo em ritmo acelerado por conta da demanda por cervejas especiais o que é evidenciado na expansão exponencial das cervejarias e da variedade de novos produtos que vimos nos gráficos 1 e 2. O setor das microcervejarias é diverso. Existem cervejarias que são independentes, ou seja, vendem o que produzem nos próprios meios de produção e são essas as que mais reclamam das altas taxas e do sistema tributário. Outras foram compradas recentemente por oligopólios, como é o caso da Baden Baden e da Eisenbahn compradas pela Heineken. Após a compra, essas empresas colocaram no mercado produtos de categorias mais comerciais, com presença de cervejas pilsen - a mais consumida no país - mais baratas, ainda mantendo as cervejas especiais de outras categorias. Em fevereiro de 2017, a Heineken anunciou a aquisição da Brasil Kirin por R$ 2,2 bilhões. Com isso, além de expandir sua capacidade, a empresa holandesa aumentou seu portfólio de cervejas premium (com as marcas Baden Baden e Eisenbahn), segmento que vem apresentando clara tendência de crescimento no Brasil. A partir de agora, com um mercado mais consolidado, espera-se algum arrefecimento nas disputas de preço e promoções, fazendo com que as empresas do setor pratiquem preços mais estáveis e obtenham margens um pouco maiores. (LIMBERGER e ÁVILA, 2018, p.57) Não há uma definição clara do tamanho de uma microcervejaria, simplesmente é referenciado dentro dessa categoria as produções de cervejarias menores que as produções das cervejas mais populares. O tamanho das marcas de cerveja que fazem cervejas especiais é muito variado, então há muitas controvérsias entre a litragem/mês que uma cervejaria deva produzir para ser considerada uma microcervejaria. Na tabela abaixo estão dispostas algumas microcervejarias e a quantidade produzida por elas, observamos, na mesma categoria, produções de 5 mil litros/mês até de mais de 1milhão de litros/mês: 23 Tabela 4. Produções de algumas microcervejarias no Brasil. Fonte:(Limberger e Ávila 2018, p.60) Para entender o porquê de todas essas configurações, Limberger e Ávila, 2018, sugere que devemos entender que a legislação que incide sobre uma microcervejaria no Brasil impõe uma carga tributária robusta, além de que elas devem obedecer diversos parâmetros e critérios da Vigilância Sanitária(Anvisa) e do MAPA, que em outras palavras obriga o processo de fabricação da cerveja “artesanal” a ser industrial. Se conquistado a autorização para produção pelo MAPA, ainda a alta cargatributária desestimula a criação de novas cervejarias 24 independentes. Em um estudo de análise econômica para ampliação de microcervejaria em Canelas - RS, observou-se tal constatação: A partir da conclusão da análise, pode-se verificar que uma das principais dificuldades de se obter lucro, especialmente em negócios de cervejarias e microcervejarias, são os impostos, que no Brasil são bem elevados. Os principais impostos cobrados sobre a receita bruta da venda de cervejas e chope são IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), ICMS (Imposto sobre Comercialização de Mercadorias e Serviços), PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), porém são os dois primeiros que dificultam a obtenção de lucro, pois estes representam 40% e 25%, respectivamente, que é praticamente metade do valor da receita bruta.(GADOTTI, 2015, p.12). Existem também microcervejarias chamadas de "ciganas", que realizam serviços de produção para quem não possui seus próprios equipamentos ou não tem equipamentos suficientes para legalização no MAPA pois produzindo em uma cervejaria cigana é possível realizar o registro do produto no órgão. Muitas marcas pequenas vem optado por terceirizar a produção em uma cervejaria cigana, já que não conseguem adquirir meios de produção próprios que estejam dentro das exigências dos órgãos reguladores. Funciona assim: uma pessoa física ou jurídica contrata o serviço de uma cervejaria cigana, enviando a receita e o rótulo para que a cervejaria execute a produção, ficando assim o contratante a cargo somente da distribuição e comercialização do produto ou se o contratante do serviço for cervejeiro, o mesmo pode participar do processo sob subversão do mestre cervejeiro da cervejaria cigana. É de imaginar que alguns cervejeiros caseiros com grande capacidade técnica que querem se formalizar procuram as cervejarias ciganas como maneira de viabilizar a legalização de sua produção. Porém como basta contratar o serviço de executar receitas, qualquer empreendedor sem capacidade técnica entra no ramo apenas para a comercialização e distribuição de tais produtos, explorando as demandas do mercado de cervejas especiais, o que desvaloriza o conhecimento do cervejeiro. Como mostrado pelo anuário da cerveja no Brasil, de 2017 para 2018 houve um crescimento de 76% do número de rótulos de cerveja cadastrados no MAPA, e isso se dá pelo aumento significativo de rótulos produzidos em cervejarias ciganas. 25 A cervejaria LandBier localizada em Presidente Prudente nos elucida o que é uma cerveja cigana: Produzir cerveja sem ter uma fábrica é possível. O modelo é o das chamadas “cervejarias ciganas”, também conhecidas como “colaborativas” ou “associadas”. Funciona assim: cervejeiros que não podem ou querem montar sua cervejaria, pegam “emprestados” os tanques de uma outra cervejaria para produzir e comercializar os rótulos no mercado. Daí nasce o termo “cigano”, inventado por um cervejeiro dinamarquês. (CERVEJAS CIGANAS LANDBIER, 2019) A cervejaria Landbier, segundo CERVEJAS CIGANAS LANDBIER, 2019, a empresa aluga seus equipamentos para produções a partir 500 litros. Ela analisa previamente os custos da produção e, se o orçamento é aprovado pelo solicitante, a empresa compra os ingredientes e realiza a moagem do malte. O processo de produção fica por conta do mestre cervejeiro, porém a cervejaria permite que o ‘’cigano’’ participe da produção. Como a cervejaria é legalizada é possível a criação do registro de produto no MAPA e a empresa orienta como realizar o procedimento legalmente. Mostrado este panorama das microcervejarias no Brasil e de seus dilemas, podemos constatar como a presença de uma estrutura oligopolista presente no país é legitimada pelo estado e influencia e estanca o crescimento do setor de novas microcervejarias independentes - pequenas e médias empresas - por conta do sistema tributário e das dificuldades de legalização no setor. Tal constatação dialoga com o que Santos (2008) diz sobre a influência que os monopólios exercem sobre as pequenas e médios empresas, as quais segundo o autor têm maior potencial empregatício. 2.4. A cerveja caseira e microcervejarias informais O conceito de cerveja caseira não é encontrado nas literaturas acadêmicas. Comumente, quem produz cerveja em casa chama seu produto de artesanal, porém o uso do termo artesanal para cervejas que são feitas em escala industrial confunde o termo, então chamarei de “cerveja caseira” àquela produzida em pequena escala e de maneira informal, para distinguir da cerveja artesanal feita por microcervejarias industriais. 26 O processo de fabricação em casa que descrevo é um artesanato feito à mão: geralmente não utiliza aparatos industriais, ou utiliza equipamentos industriais de baixa produtividade4. A pessoa que produz cerveja em casa geralmente é dona de seus próprios meios de produção, utiliza a própria cozinha ou tem um local próprio de produção na casa. Produzem com familiares e amigos, realizam a prática para autoconsumo e há aqueles que comercializam parte da produção para ajudar nos custos da produção e como complemento de renda, e também aqueles que têm na cerveja sua principal fonte de renda. O comércio da cerveja caseira pode ser entendido como simples produção de mercadoria: modo de produção da economia solidária, onde não se separam a posse e uso dos meios de produção e distribuição. (na simples produção de mercadoria) o agente é quase sempre uma família ou um domicílio, cujos membros trabalham em conjunto, usufruindo coletivamente dos resultados de sua atividade. A agricultura familiar, o artesanato e o pequeno comércio são exemplos de atividades integrantes deste modo de produção O capitalismo se originou da produção simples produção de mercadoria, negando-a ao separar a posse dos meios de produção e distribuição… A economia solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição. (SINGER e SOUZA, 2000, p.71). Muitos artesãos encontram na economia solidária um caminho possível para a comercialização de suas pequenas produções. Estes produzem simples mercadorias para a sobrevivência e defendem suas produções do tamanho que são. Outra leitura, de Santos (2008), vê estes produtores como pertencentes ao circuito inferior da economia urbana, reflexo da pobreza dos países subdesenvolvidos. Muitos pequenos produtores não possuem condições de legalização e se perpetuam na informalidade. Isso se dá porque possuem capital 4 Uma descrição simples de como se faz o processo mais básico de produção em casa é, quando o malte não vem já moído da loja, precisa moê-lo em moedor de cereais, depois cozinhar com malte e água para extração de açúcares fermentáveis com panelas grandes e um fogareiro ou fogão de cozinha convencional, depois filtrá-la, fervê-la com o lúpulo para esterilização e aromatização, resfria-la para o fermentador, com um trocador de calor# para chegar a uma temperatura mais baixa para que o fermento se reproduza e consiga fermentar a cerveja. Após a fermentação, vem a maturação e filtragem da cerveja. A cerveja então é engarrafada com um pouco de açúcar para que obtenha gás naturalmente após uma semana mais ou menos, devendo após esse período ser conservada na geladeira para melhor conservação do produto, pois o mesmo não é pasteurizado. 27 suficiente para investir, além de lhes faltarem capital de giro e a garantia de um mercado mais elitizado que sustente sua prática, jáque a carga tributária obriga que as cervejas legalizadas sejam vendidas a um alto preço. Para a melhor compreensão de como se dá na prática a reprodução de uma cervejaria caseira, entre a economia solidária e o circuito inferior da economia urbana, exemplifico abaixo, baseando-me na pesquisa de Piáto e Révillion (2013) como é realizada a comercialização deste produto, quem é o público consumidor e qual a dependência da renda dessas pessoas. Piáto e Révillion (2013) estudaram 4 microcervejarias informais em diversas partes do país. A microcervejaria A se originou em 2003, localizada no Vale do Taquari no Rio Grande do Sul e produz 60/litros mês. A microcervejaria B, localizada na região litorânea de São Paulo, se originou em 2010 e produz cerca de 1000 litros/mês. A microcervejaria C se originou em 1999 e está localizada na região metropolitana de Porto Alegre, produz 80 litros por mês, o local de produção é em um salão de festas na própria residência. A microcervejaria D, localizada na região da Chapada dos Veadeiros em Goiás, tem uma produção média de 750 litros/mês, é uma agroindústria de pequeno porte e além do proprietário conta com a ajuda de seus irmãos no processo. Em relação à renda, as microcervejarias menores A e C, não contam com a renda da cerveja para a sobrevivência, seus mercados são compostos pela vizinhança, feiras locais e vendas diretas ao consumidor final. Já as microcervejarias B e D produzem uma quantidade considerável de cerveja, contam em parte com a renda da produção da cerveja, mas realizam também outras atividades para sua sobrevivência. A produção é vendida em feiras de pequeno e médio porte e também há a venda direta ao consumidor final. Segundo Piáto e Révillion (2013, p.13), os entrevistados possuem perfil empreendedor, pois realizam atividades que envolvem a descoberta, avaliação e exploração de uma nova oportunidade de mercado, que é atendida como a introdução de novos bens e serviços, que apresentam singularidade e originalidade. Porém, quanto à possibilidade de formalização, os entrevistados afirmam que há grandes riscos para a expansão dos negócios devido aos altos custos, preponderantemente de ordem fiscal e tarifária, e riscos também em relação aos efetivos benefícios dessa escolha quando se aumenta a escala de produção e faturamento. Para os empreendedores das cervejarias A e C a principal 28 dificuldade é a falta de crédito para compra de equipamentos e matéria prima, enquanto para os da B é obter o registro no MAPA, e para os da D, a falta de assistência técnica. Os empreendedores de cervejarias caseiras que produzem pouco, neste estudo de caso, não tem muitas ambições com a prática apesar de possuir perfil empreendedor. Os que possuem produções maiores, apesar de um deles possuir uma pequena agroindústria, enfrentam dificuldades de legalização por conta de suas produções serem limitadas. Dentro deste quadro novamente percebemos a ausência de incentivo do estado para a prática, que na dificulta o empreendedorismo de pequenos produtores pobres. O estudo de caso relatado acima dialoga com a minha própria prática como produtor de cerveja caseira então, a partir daqui realizo um depoimento que se refere a cooperativa ao qual faço parte. A cooperativa surgiu em março de 2014 a partir de diversas reflexões no movimento estudantil, onde pensávamos em como ter autonomia sobre a cerveja que consumimos e também em como obter renda a partir do trabalho autônomo. Inicialmente éramos três membros, eu e mais um amigo da geografia, e um estudante de engenharia química. Iniciamos a produção no intuito do autoconsumo da bebida. Estudamos juntos o processo durante o mês de março e resolvemos comprar os equipamentos. Contamos com investimento inicial de R$400, pedimos panelas emprestadas para familiares e compramos demais equipamentos na R. Paula Souza na região da Luz. O dinheiro não deu para tudo, mas adaptamos, utilizando noções básicas de física. Um exemplo foi o uso da teoria dos vasos comunicantes para transferência de líquidos, quando utilizamos apenas uma mangueira atóxica de plástico alimentício para realizar sifão de gravidade. Outro exemplo de adaptação técnica, ocorrida em consequência da escassez de recursos, foi a utilização de um fogão da cozinha convencional para a produção. Iniciamos a produção de 20 litros na cozinha de um apartamento de dimensões de 2,5mx5m e assim realizamos cerca de 10 produções, fermentadas em galões de água de 20L e engarrafadas em garrafas recicladas sanitizadas e rotuladas com rótulos - feitos em software livre - baseados no momento político de truculência vivenciado na copa do mundo de 2014. Neste período, aprendemos juntos o processo produtivo, descobrimos receitas, e nos aperfeiçoamos, além de 29 estudarmos juntos o mercado cervejeiro nacional e a origem dos insumos, provindos em sua maioria do agronegócio. Passado este primeiro período de aprendizagem nosso coletivo resolveu comercializar parte de sua produção em um grupo de consumo responsável (GCR), onde pudemos ter contato direto com o consumidor final. A escolha de vender a um GCR foi baseada em aspectos econômicos por conta da venda ocorrer sem atravessadores, e também em aspectos políticos, pois acreditávamos que a relação próxima entre produção e consumo levam a conscientização e desalienação do processo. Como o produto foi bem aceito e a bolsa de auxílio aluguel da universidade não supria minhas necessidades básicas, comecei a depender mais da renda da cerveja por uma questão de permanência estudantil, necessitando assim expandir as vendas. Neste mesmo ano realizamos formações de como fazer cerveja em casa - a baixo custo - em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e a partir dessas formações surgiram novas cooperativas autônomas que passaram a gerar renda com a cerveja. Aumentamos a produção para 60L no final de 2014, e realizamos a primeira venda grande no Encontro Nacional de Agroecologia (ENGA) em São Carlos - SP decidimos que toda cerveja fosse produzida de forma caseira e vendida a preço popular. O resultado foi a participação de 10 coletivos de cerveja de diversas partes do país que forneceram o produto para 400 pessoas durante 5 dias de festas, o que mostrou a potencialidade da prática e a conectividade de ideias em torno da cerveja e da agroecologia. O coletivo cresceu em 2015, quando passamos a morar em uma república e novas pessoas se engajaram na produção e passaram a depender da renda da cerveja para pagar o aluguel e contas da casa. Passou então a ter 5 membros que dependiam diretamente da renda obtida da produção de 100L mensais. Nos dividimos nas tarefas de compra de insumos, produção, engarrafamento e venda, e nos reuníamos uma vez por mês. Nossa estrutura era autogestionária e, apesar de haver no coletivo uma pessoa com grande apropriação técnica (mestre cervejeira), era evidente que o grau de apropriação das pessoas era diferente devido a experiência e tempo de dedicação de cada um. Após um ano o coletivo se desmembrou em 2 coletivos distintos. E o coletivo o qual eu faço parte, continuou a depender da renda das produções e aumentou para 200L/mês a produção. O retorno financeiro era de mais ou menos 4 30 vezes mais do que os custos totais da produção, e esse retorno ocorria no período de um mês e meio devido ao tempo de produção da cerveja. O valor da hora geralmente equivalia a uma hora de professor de escola pública, de um estágio ou de uma bolsa universitária. Diversos colegas de graduação participaram de produções pontuais quando precisavam de renda. A renda obtida era geralmente utilizada para pagamento de aluguéis de imóveis próximo a universidade, contas, alimentação e investimento em meiosde produção que deixassem o processo mais eficiente. Em tempos de corte de verbas na universidade a atividade ainda é, e hoje mais do que nunca, uma das nossas principais fontes de renda. Não há perspectivas de formalizar o negócio, pois não temos capacidade de pagar a alta carga tributária, e tão pouco para adquirir a estrutura mínima necessária requerida. No entanto continuamos vendendo diretamente para amigos e familiares que conhecem nosso produto e o aprovam. No trabalho de fazer cerveja caseira para obtenção de renda podemos observar diversos fatores: a apropriação técnica, a experiência, o tempo de trabalho em cada processo, a ergonomia e as cargas mentais. Nesta cooperativa parte-se do princípio que todas as pessoas participam de todos os processos, buscando assim a desalienação dos processos de trabalho. A apropriação técnica do processo depende de um período de aprendizagem e acontece quando um iniciante acompanha quem já possui mais experiência. Geralmente a pessoa que está aprendendo participa de todos os processos do início ao fim e o valor de sua hora é equivalente a de quem ensina. Uma pessoa pode se dizer apropriada do processo quando consegue focalizar todas as etapas do processo: decidir a receita, comprar os insumos, produzir, transferir para a maturação, filtrar, reciclar garrafas, engarrafar e vender. O tempo de trabalho varia conforme os meios de produção que se possui. No início da cooperativa, para produzir 20L o tempo médio de produção era alto, pois o fogão era o convencional da cozinha, o método de resfriamento era demorado, e também havia muito tempo de estudo para decidir a receita e planejar a produção. Após haver a apropriação técnica, foi preciso apropriar-se também da venda. Era realizada divulgação pela internet e a venda era para amigos e familiares, a maioria delas no varejo, além do escoamento no grupo de consumo 31 responsável. Na tabela abaixo estipulei as horas que se gastava para se concluir todo o processo e dividir pela quantidade de litros produzidos. Tabela 5. Horas de Produção para processo de 20 litros por pessoa. Decidir Receita/ Planejar a Produção Comprar Insumos Produzir Reciclar Garrafas Engarrafar Vender Total 5 horas 5 horas 8 horas 4 horas 5 horas 24 horas. 51 horas Fonte: elaborado pelo autor a partir da prática. Como eram produzidos 20 litros, e haviam 3 pessoas no processo isso quer dizer que para uma pessoa produzir cada litro de cerveja caseira eram gastos 2 horas e 33 minutos por pessoa. Como existiam 3 pessoas no processo, eram necessários 7 horas e 39 minutos para se produzir cada litro de cerveja. Conforme adquirimos experiência, aperfeiçoamos os meios de produção e aumentamos a produção, formamos duplas responsáveis por todos os processos de suas próprias produções, porém as instâncias deliberativas eram realizadas com todos os membros. As vendas passaram a acontecer em volumes de atacado o que diminuiu as horas gastas com vendas, porém ainda diretamente para o consumidor final. Essas medidas fizeram com que o tempo fosse otimizado e aumentasse a retirada mensal gerando assim maior viabilidade econômica. A Tabela abaixo se refere a uma produção de 100L, com nossa capacidade atual. Tabela 6. Horas de produção para processo de 100 litros por pessoa. Decidir Receita/ Planejar a Produção Comprar Insumos Produzir Reciclar Garrafas Maturar Engarrafa r Vende r Tota l 1hora 2 horas 8horas 4 horas 3 horas 16 horas 30 horas. 64 hora s Fonte: elaborado pelo autor a partir da prática. 32 Hoje cada pessoa utiliza 38 minutos para produzir cada litro de cerveja. Como o processo é feito por 2 pessoas, são gastos 1 hora e 16 minutos totais para produzir cada litro. Essa otimização do tempo pode ser explicada pelo aumento da produção; pelo planejar, decidir receitas e comprar insumos para diversas produções de uma única vez; por possuir melhores meios de produção e principalmente por conta da experiência adquirida. O processo de produção é todo manual5, com isso enfrenta-se dilemas em relação a ergonomia, exatamente pela capacidade limitada de investimento e agilidade na distribuição. Para realizar o processo é necessário carregar sacas de malte de 25kg, moer manualmente os grãos e colocá-los na panela, transportar baldes de 10 litros até encher toda a panela de fervura, depois resfriar e transportar dois fermentadores de 90 litros. Após a produção é necessário levar as cascas de malte à composteira. Após esse processo é necessário coletar garrafas e lavar todas as garrafas uma a uma, sanitizá-las e engarrafar. O processo de engarrafamento é bem repetitivo, pois uma produção de 100 litros resulta em 160 garrafas. Após o engarrafamento é necessário transportar as garrafas para o carro e entregá-las em engradados de 24 garrafas. Então o processo de produção manual envolve uma quantidade de esforços físicos aos quais é preciso ter consciência para pensar a segurança do trabalho. Além do esforço físico, o trabalho de vender envolve cargas mentais em relação ao contato com o comprador e divulgação em redes sociais, que são tempos subjetivos relacionados ao trabalho. Essas condições nos colocam no limite entre a autonomia e a precarização do trabalho. Souza (2000) define os empreendimentos informais como aqueles que se organizam com baixa produção de capital, técnicas pouco complexas e intensivas de trabalho e com pequeno número de trabalhadores, sendo estes remunerados ou membros da família. O autor faz uma interessante reflexão sobre os trabalhadores informais que acessam clientelas mais abastadas que a dos trabalhadores ‘’ambulantes’’ por exemplo, como é o caso da cerveja caseira: Há que se ressaltar ainda que os trabalhadores engajados em algumas atividades informais de prestação de serviços qualificados a clientelas de média e alta renda, costumam obter maior remuneração do que poderiam obter na condição de assalariados com carteira assinada. Aliás, o 5 Em nosso processo não utilizamos bombas para transporte de líquido e sim utilizamos a gravidade ao nosso favor. 33 emprego em inúmeras firmas do setor formal também se caracteriza pelo excesso de horas trabalhadas e pelos baixos salários auferidos. A debilidade não seria, portanto do setor informal em si, mas das condições econômicas gerais do país (Souza, 2000, p.245-286 apud Cacciamali, 1983). Ademais, existe a possibilidade de esse setor se desenvolver, elevando a renda gerada, por meio de intervenção governamental. Os governos poderiam derrubar empecilhos burocráticos, facilitar o acesso dos microprodutores a recursos técnicos e financeiros (crédito subsidiado) e assim estaria contribuindo para trazê-lo para a formalidade (SOUZA, 2000, p.245-286). A fala do autor dialoga com a ideia de que a regularização da atividade de produção de cerveja em níveis muito pequenos, na consolidação de pequenas unidades produtivas, traria benefícios aos trabalhadores que possui capacitação técnica para a produção de cerveja. Esta regularização fortaleceria o comércio local, gerando maior emprego e renda, além de uma maior proximidade de quem produz com quem consome, propagando também a cultura cervejeira. Hoje para se tornar um microempreendedor individual (MEI) do setor cervejeiro, que é a menor forma jurídica para realizar a atividade, na prática é necessário que se terceirize a produção em uma cervejaria cigana, devido aos altos custos dos meios de produção exigidos como seguros pela vigilância sanitária, isso desvaloriza os conhecimentos técnicos do produtor e inviabiliza a conquistas dos meios de produção, mantendo a separação entre posse e uso dosmeios de produção, própria do sistema capitalista. A ausência de legislação própria e simples para a prática faz com que não se tenha nenhuma segurança sobre a qualidade deste produto ao consumidor final. É imposto pela carência de incentivos - por conta dificuldades de se conseguir um local próprio somente para a produção - que a condição que nos resta é trabalhar em uma cozinha residencial, e a produção da cerveja se confunde com a reprodução de nossas próprias vidas. Na minha experiência com produção de cerveja houveram diversos momentos em que o espaço e tempo dedicados ao trabalho com a atividade e à própria reprodução da vida se imbricavam de forma mais ou menos intensa, o que corresponde com o fato de pertencermos à geração do General Intellect (Negri, 2016), cuja tendência é que a produção tome formas cada vez mais biopolíticas: ”quando por político se compreenda uma vida indistinguível da atividade produtiva, na totalidade do tempo e do espaço de uma determinada sociedade. Esta condição metamorfoseia e reconfigura a estrutura do “dia útil”, sobrepondo trabalho e vida’’(Negri, 2016, p.6). Contudo manter a 34 produção em nossa cozinha quer dizer manter a nossa autonomia, já que as outras opções seriam ou terceirizar a produção, ou vender nossa mão de obra barata no mercado de trabalho. Nos submetemos a altas cargas mentais quanto a comercialização dos nossos produtos, que é incerta tanto em termos de suficiência financeira, quanto em tempo gasto em trabalho cognitivo. Uma ideia para uma legislação possível seria investigar a possibilidade das produções de cerveja muito pequenas serem incluídas em um processo certificação participativa, dentro de uma Organização de Controle Social (OCS) a exemplo das certificações de produtos orgânicos, onde os pequenos produtores formam uma rede cooperativa e certificam outros pequenos produtores sobre a qualidade de seus produtos e permitem a visita dos consumidores nas unidades produtivas: para efetivar práticas de controle social, as famílias rurais ecologistas e suas respectivas instituições devem buscar ações coletivas, principalmente de proximidade e territorialidade, não desmerecendo as ações solidárias e complementares. Outrossim, para exercer o controle social na venda direta, o agricultor familiar ecologista deve participar de uma Organização de Controle Social (OCS), cadastrada em um órgão fiscalizador, ou seja, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Por OCS são aceitos grupos, associações, cooperativas ou consórcios, com ou sem personalidade jurídica, que congreguem agricultores familiares ecologistas. Contudo, a OCS deve ter processo próprio de controle, estar ativa e garantir o direito de visita pelos consumidores, assim como o livre acesso do MAPA. Além disso, a OCS tem a obrigação de manter atualizadas as listas dos principais produtos e quantidades estimadas por unidade de produção familiar (ANDERSSON, 2013, p.65). Essa forma de comercialização e uma melhora nas condições de trabalho por exemplo é uma forma de aproximar mais o trabalha do setor informal da cerveja para o lado da autonomia. Porém existem barreiras estruturais que são condições de existência de países subdesenvolvidos devido a ligação do estado com os monopólios. A busca por autonomia é um horizonte para o setor, mas sofre com todas as questões do circuito informal da economia urbana. 3. Considerações Finais O mercado de cervejas especiais, ou chamadas de microcervejarias é crescente no Brasil. Do ano de 2017 para 2018 houve um aumento de 76% nos 35 registros de cerveja no MAPA. Cabe para uma investigação mais aprofundada distinguir qual é a origem dessas marcas, se elas vêm do oligopólio, se elas são marcas independentes ou se são marcas que realizam produções em cervejarias chamadas de “ciganas”. Apesar da diversificação do setor cervejeiro, os dados nos mostram que o oligopólio formado pela AB InBev, Heineken e Grupo Petrópolis detêm uma fatia em torno de 98% do mercado no Brasil e esses grupos compram também cervejarias menores, como é o caso da Baden Baden e Eisenbahn comprados pela Heineken. O Brasil é terceiro maior consumidor de cerveja do mundo e ele é basicamente abastecido pela produção interna. A AB InBev, a principal acionista do grupo AmBev, detém a maior parte da produção do mercado de cerveja no Brasil, e ela é resultado de fusões e aquisições, conformando um grande monopólio mundial no setor de bebidas. Seu crescimento no Brasil é sustentado por uma forte ideologia de superação de metas e uma constante substituição de seu quadro funcional, o que nos indica a formação de um grande exército funcional de reserva. Cabe para uma investigação posterior aprofundar quais são as condições de trabalho e como são os contratos trabalhistas na empresa, porém a precarização do trabalho na empresa é evidente. As estruturas monopolísticas por si só levam a uma precariedade do trabalho e diminuição do emprego devido a modernização tecnológica, onde o próprio estado cria estruturas para a instalação de indústrias que têm baixa empregabilidade e estanca o crescimento de pequenas e médias indústrias: ...as estruturas monopolísticas tendem a se afirmar mais, visando a criar uma estrutura de produção capaz de se alinhar na competição do mercado internacional, mas as empresas do centro se reservam certos domínios da produção industrial, nas quais elas freiam o desenvolvimento local… ... Esse movimento de concentração e a política de crédito imposta pelo governo, em acordo com o Fundo Monetário Internacional, levam a destruição de numerosas indústrias pequenas e médias, enquanto o salário real dos trabalhadores, tanto o salário mínimo, quanto o salário médio, baixa (Santos, 2008, p.165). Os mecanismos para o domínio monopolista são a legislação e o sistema tributário. O MAPA ainda privilegia as empresas oligopolísticas, na medida em que 36 não dispões de um decreto próprio para o setor de cerveja artesanal. O setor, no entanto, abre muitos precedentes que beneficiam o grande setor como o decreto do MAPA nº 6.871/09 sobre a regulamentação da cerveja no Brasil que abriu um grande precedente para a utilização de insumos de qualidade duvidosa na cerveja em até 45% da receita, o principal deles é o milho transgênico. A lei de pureza alemã, ainda que tenha sido criada para a dominação do Império Germânico e imponha uma regra limitada do que deva ser cerveja (eurocêntrica), ainda serve de referência mundial para a intervenção estatal na produção de alimentos e por, isso, tem um papel de influência de garantir a utilização de ingredientes tradicionais na cerveja, o que acarreta em garantir uma melhor qualidade do produto nas microcervejarias, já que as grandes cervejarias raramente utilizam produtos locais mostrando a diversidade alimentar brasileira e utilizam demais ingredientes como milho, arroz e açúcar para baratear os custos. Contudo, o preço do produto produzido por microcervejarias independentes é muito elevado ao consumidor final devido aos altos impostos de PIS e COFINS aferido aos produtos. 6 As microcervejarias são compostas por cervejarias do oligopólio, cervejarias independentes e cervejarias ciganas, que são aquelas que alugam seus meios de produção e também prestam serviços de produção. Muitas cervejarias independentes se incorporam as cervejarias do oligopólio devido às facilidades logísticas e de distribuição. As que permanecem independentes reclamam das dificuldades de permanecer no mercado devido às altas cargas tributárias. Muitas cervejarias estão alugando seus meios de produção, possivelmente tanto para viabilizar suas cervejarias, quando para viabilizar pequenas produções de quem não possui os meios de produção necessáriospara legalização. Porém muitas cervejarias ainda continuam informais. Neste trabalho houve 4 relatos breves de pessoas que produzem cerveja caseira e informal e um relato mais aprofundado feito por mim mesmo na experiência da produção e comercialização, e a partir disso, concluo que existe grande potencialidade e capacidade técnica de produção neste setor. No estudo de caso a problematização da ergometria e das cargas mentais decorrentes da 6 Como este trabalho deu um enfoque maior ao cervejeiro caseiro ainda cabe para uma investigação posterior para estudar como funciona esse sistema tributário para um microempreendedor legalizado. 37 incapacidade de investimento e de incentivo são exemplos de como a legislação do estado privilegia pessoas que já possuem certas capacidades de investir em detrimento de profissionais competentes, sem capacidade de investir, que estão na informalidade. Por outro lado, a produção de cerveja caseira, quando permanece informal, pode se inserir dentro do circuito da economia solidária, onde certos comércios informais são valorizados pelo seu poder de produção, pela geração de autonomia, pela conquista dos meios de produção, pela organização de trabalhadores desempregados e pela autogestão. Com isso a atividade consegue muitas vezes o apoio de pessoas que fazem opções políticas sobre o consumo e optam por fortalecer produções locais que mantêm relação próxima com o território. Então as pessoas que realizam comercialização dentro dos circuitos da economia solidária encontram consumidores engajados e politizados que valorizam a organização de pequenos produtores. Estes produtores estão inseridos no circuito inferior da economia urbana, setor formado de atividades de pequena dimensão e bem enraizado no território, mantendo relações privilegiadas em sua região. Esta relação com o território populariza a cultura cervejeira, devido ao preço da cerveja caseira ser muitas vezes mais acessível que os produtos provindos das microcervejarias formais, que são mais caros. Há muitos segmentos da economia solidária que encontram nas legislações um aparato para suas atividades. Muitos são formalizados como microempreendedores individuais na produção de comida, por exemplo, porém não há nenhuma legislação similar para a produção de cerveja7, o que acarreta em uma precarização do trabalho, devido a carência de direitos trabalhistas, assistência técnicas e, por não poderem possuir um CNPJ, não conseguem incentivos para a compra de insumos e de equipamentos. O pequeno produtor que estabelece esta relação com o território pratica preços mais baixos que o das microcervejarias legalizadas devido a facilidade de distribuição local, logo, o preço de seu produto com a alta carga tributária tornaria a venda de seu produto muito mais caro e com baixa competitividade. Adquirir os meios de produção conforme a legislação também é muito custoso. Como o MAPA não regulariza a prática de pequenas produções de cerveja caseira, isso acarreta em informalidade e precarização para quem trabalha no 7 Existem MEI’s que realizam o comércio de cervejas feitas em cervejarias ciganas, porém não há relatos de MEI’s que realizam suas próprias produções em nano cervejarias. 38 setor. Uma alternativa a ser investigada é se a certificação participativa de Organização de Controle Social (OCS) pode servir como base para uma certificação participativa cervejeira onde um grupo de produtores da comunidade certifica a qualidade do produto dos demais produtores e permitem o acesso dos consumidores às cervejarias. Resta saber como o MAPA reagiria a tal idéia. Contudo a explicação para a precariedade do setor cervejeiro está na própŕia ausência e incentivo do estado e até mesmo a dificuldade que ele impõe aos pequenos produtores que são prejudicados com os privilégios dados aos grandes monopólios, quando grande parte do investimento público é destinado para fins privados de grandes empresas. 4. Referências ALVES, E.; PAIXÃO, R. S. Análise econômico-financeira da Ambev S/A durante o período de 2008 a 2015. Conhecimento em Destaque, v.6, n.16, 43-79, 2008. ANDERSSON, F. D. S. et al. 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