Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Autoras: Profa. Nilsa Sumie Yamashita Wadt Profa. Ivana Barbosa Suffredini Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Fitoterapia Clínica Professoras conteudistas: Nilsa Sumie Yamashita Wadt / Ivana Barbosa Suffredini Nilsa Sumie Yamashita Wadt Farmacêutica-bioquímica, formada pela Universidade de São Paulo (USP), em 1988. Fez doutorado direto em Fármacos e Medicamentos, na área de insumos farmacêuticos (Farmacognosia) que estuda as plantas medicinais, também na USP, finalizado em 2000. Atualmente é professora de Farmacognosia e Controle de Qualidade. Coordena a pesquisa clínica nos municípios de Valinhos e Jundiaí utilizando folhas de goiaba e pitanga em processos de cicatrização, além de óleo e hidrolato de melaleuca. Realiza outras pesquisas com plantas e seus derivados e desenvolve estudos na área agrícola. É consultora na área de plantas medicinais e fitoterápicos, principalmente na implantação da fitoterapia nos municípios do estado de São Paulo, com elaboração de mementos e formulários fitoterápicos. Coordena o Grupo de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Conselho Regional de Farmácia em São Paulo (CRF-SP). Ivana Barbosa Suffredini Farmacêutica com mestrado (1997) e doutorado (2000) em Fármaco e Medicamento pela Universidade de São Paulo (USP), e pós-doutorado (2011) em Toxicologia, pela UNIP. Professora titular da UNIP, docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Patologia Ambiental e Experimental (Conceito Capes 5), responsável pelo Núcleo de Pesquisas Biodiversidade (NPBio) da UNIP, membro da Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua-UNIP). Atua na área de Farmacognosia, Microbiologia, Farmacologia e Toxicologia de Plantas Medicinais, nos temas de avaliação da atividade antitumoral, antimicrobiana, antioxidante, da toxicidade geral e alterações comportamentais de extratos vegetais e óleos essenciais, aplicados à medicina veterinária e humana e em odontologia. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) W125f Wadt, Nilsa Sumie Yamashita. Fitoterapia Clínica / Nilsa Sumie Yamashita Wadt, Ivana Barbosa Suffredini. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 144 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Fitoterapia. 2. Patologia. 3. Tratamento. I. Wadt, Nilsa Sumie Yamashita. II. Suffredini, Ivana Barbosa. III. CDU 615.32 U514.95 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Leonardo do Carmo Vera Saad Sumário Fitoterapia Clínica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 DEFINIÇÕES E LEGISLAÇÃO ......................................................................................................................... 11 2 METABÓLITOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS........................................................................................ 33 2.1 Polissacarídeos ....................................................................................................................................... 33 2.2 Taninos ...................................................................................................................................................... 35 2.3 Flavonoides ............................................................................................................................................. 38 2.4 Glicosídeos de isotiocianato ............................................................................................................ 39 2.5 Antraquinonas ....................................................................................................................................... 40 2.6 Glicosídeos cardioativos .................................................................................................................... 42 2.7 Saponinas ................................................................................................................................................ 43 2.8 Alcaloides ................................................................................................................................................. 45 2.9 Metilxantinas ......................................................................................................................................... 47 2.10 Óleos voláteis ....................................................................................................................................... 47 2.11 Óleos fixos ............................................................................................................................................. 48 3 FITOTERAPIA APLICADA AO SISTEMA NERVOSO ................................................................................. 49 3.1 Ansiolíticos, sedativos — hipnóticos ............................................................................................. 51 3.2 Antidepressivos ..................................................................................................................................... 61 3.3 Psicoestimulantes e moduladores de atenção ......................................................................... 62 3.3.1 Anti-estresse (adaptógenos) .............................................................................................................. 63 3.3.2 Estimulantes ............................................................................................................................................. 65 4 FITOTERAPIA APLICADA AO SISTEMA DIGESTÓRIO ............................................................................ 66 4.1 Dispepsia .................................................................................................................................................. 67 4.1.1 Princípios amargos ................................................................................................................................. 69 4.1.2 Carminativos ............................................................................................................................................. 76 4.2 Constipação e flatulência ................................................................................................................. 78 4.3 Diarreia ..................................................................................................................................................... 86 4.4 Emese ........................................................................................................................................................ 88 Unidade II 5 FITOTERÁPICOS APLICADOSAO SISTEMA CARDIOVASCULAR ...................................................... 94 5.1 Hipertensão............................................................................................................................................. 94 5.2 Diuréticos ................................................................................................................................................. 97 5.3 Circulatórios .........................................................................................................................................101 6 FITOTERÁPICOS APLICADOS AO SISTEMA RESPIRATÓRIO ............................................................111 7 FITOTERÁPICOS PARA ATIVIDADE MÚSCULO ESQUELÉTICO E DERMATOLÓGICOS .............119 7.1 Fisiologia da pele ................................................................................................................................120 8 FITOTERÁPICOS APLICADOS AO SISTEMA GENITURINÁRIO .........................................................125 7 APRESENTAÇÃO Olá, aluno! Neste livro vamos abordar a fitoterapia, que é a terapia à base de plantas — isto é, a utilização de plantas medicinais, drogas vegetais e seus derivados, no tratamento de doenças —, bem como as legislações vigentes e os grupos de metabólitos mais importantes. O livro será dividido por sistemas, por exemplo o digestório, que vai explicar a aplicação da fitoterapia em processos como inflamações gástricas e problemas intestinais, laxantes e fitoterápicos utilizados no controle da diarreia, gases etc. O sistema nervoso também será aqui abordado, com as plantas mais utilizadas em suas diversas patologias, bem como o sistema respiratório e o cardiovascular (neste caso a abordagem vai incluir plantas com atividade diurética, circulatória, entre outros), de tal forma que você aprenda a entender a planta e seus derivados dentro de um sistema fisiológico e a aplicá-las em um tratamento. Há também um tópico sobre plantas utilizadas em dermatologia, e nele incluímos a parte musculoesquelética, pois tais áreas estão relacionadas. O sistema respiratório e o geniturinário são contemplados com os fitoterápicos mais importantes. Em suma, abordaremos diversos fitoterápicos aplicados às várias patologias e seus tratamentos. Esperamos que vocês se apaixonem pela fitoterapia, assim como nós. INTRODUÇÃO A primeira pergunta que propomos a você é: qual a “medicação” mais antiga que você conhece? Tenho certeza que, ao parar para pensar, pode ter lembrado da ácido acetilsalicílico, dipirona, ópio, penicilina, entre outros. Mas aí vai uma dica, e também a justificativa deste livro: a “medicação” mais antiga (na verdade, as “medicações” mais antigas) são as plantas. Veja, desde os tempos antigos, as plantas são utilizadas com finalidade curativa, como registrado há cerca de 5 mil anos, nas tábuas de argila, pelos sumérios. Obviamente que eles não tinham ideia do que havia dentro das plantas, mas já as relacionavam com atividade curativa e até usavam algumas plantas como veneno. Por exemplo, se um animal comesse determinada planta e começasse a passar mal, os seres humanos não a utilizavam, pois a relacionavam com a morte; contudo, se um animal que estivesse passando mal ingerisse uma planta e, depois de um tempo, se “curasse”, os humanos iriam utilizar aquela planta com a esperança de serem também curados. 8 A utilização medicamentosa das plantas foi iniciada baseando-se em observação, e em muitos contextos é assim até hoje. Quando vamos a um curso de sobrevivência, um dos primeiros ensinamentos é observar o que os animais comem, pois o que eles consomem podemos consumir também, na maioria das vezes. A World Health Organization (WHO), ou Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1978, na Declaração de Alma-Ata sobre cuidados primários à saúde, fez várias recomendações aos governos de todos os países, entre as quais que a medicina tradicional local seja incentivada, pois assim há condições econômicas e sociais para que esses cuidados à saúde persistam. Mas, afinal, o que é saúde para a OMS? [Saúde é] estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade — é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial (OMS, 1979). Vamos pensar um pouco sobre a saúde no conceito da OMS. Para ser saudável não basta não estarmos doentes fisicamente, mas temos que estar bem em todas as condições, sejam físicas, psíquicas e mentais. Para atingirmos esse objetivo, precisamos ter uma alimentação saudável, condições de higiene, moradia, entre outros quesitos. Segundo a OMS, a medicina tradicional deve ser incentivada, pois cerca de 80% da população, principalmente de países em desenvolvimento, utiliza as práticas tradicionais (WHO, 2019). E o que seria a medicina tradicional, neste contexto? Seria a utilização das plantas medicinais e seus derivados, pois nossa tradição inicia-se com os povos indígenas que utilizavam e utilizam plantas e derivados naturais como fonte de cura e bem-estar. A OMS tem uma estratégia para a implantação dessa medicina tradicional no mundo em um período de 2014 até 2023 (WHO, 2013). As plantas produzem metabólitos primários, essenciais à sobrevivência da planta, e metabólitos secundários, ou não essenciais, mas que auxiliam muito a sobrevivência da planta ao ambiente. Esses metabólitos secundários serão o foco principal para os estudos da fitoterapia, pois são eles que têm maior utilização farmacológica. Mas o que é fitoterapia? É o “tratamento ou prevenção de doenças por meio do uso de plantas medicinais” (FITOTERAPIA, 2022). A etimologia da palavra vem do grego Phyton, “planta”, e Therapeia, “cuidar, tratar” (PANIZZA, 2010). Portanto, fitoterapia é o tratamento com plantas medicinais e seus derivados — ou, numa definição mais completa, como a que nos é dada na Portaria n. 971, de maio de 2006, “é um recurso terapêutico caracterizado pelo uso de plantas medicinais em suas diferentes formas farmacêuticas e que tal abordagem incentiva o desenvolvimento comunitário, a solidariedade e a participação social” (BRASIL, 2006a). 9 O tratamento com plantas medicinais é uma terapia que tem milhares de anos, sendo a medicina chinesa, tibetana e ayurvédica (indiana) as descritas há mais tempo (BRASIL, 2012). A fitoterapia tem uma particularidade, que é o amplo espectro de indicações, pois as plantas possuem várias substâncias envolvidas que resultam nesse amplo espectro de indicações terapêuticas; muitas vezes, quando se isola uma substância, a eficácia terapêutica é comprometida (FINTELMANN; WEISS, 2014). A Portaria n. 971/2006 é a que instituiu a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2006a), isto é, ela incluiu e reconheceu a fitoterapia como uma terapêutica a ser aceita e adotada pelo SUS. Muito interessante, não é mesmo? Para dar embasamento a essa política, em 2006 ainda, foi promulgada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) (BRASIL, 2006b), pois haveria a necessidade de fornecimento de plantas e derivados de alta qualidade para fabricação de medicamentos para o SUS. Infelizmente, apesar de vários anos terem-se passado, ainda falta muito para essa política ser realmente implantada. 11 FITOTERAPIA CLÍNICA Unidade I 1 DEFINIÇÕES E LEGISLAÇÃO Com a PNPIC e a PNPMF (BRASIL, 2006a, 2006b), houve a necessidade de legislações que dessem suporte a essas políticas. A Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011 (BRASIL, 2011a), aprova a Política Nacional de Atenção Básica, focada principalmente na organização da atenção básica para a estratégia da saúde da família (ESF) e o programa de agentes comunitários de saúde (Pacs). Essa lei acaba por incentivar o fortalecimento da ligação da comunidade com as equipes de saúde por meio da adoção da fitoterapia, pois incentivaa participação popular, promove a autonomia dos usuários, facilitando os cuidados em saúde (BRASIL, 2012). Essa estratégia é interessante, pois considera os costumes relativos ao uso de plantas medicinais nas comunidades de diferentes localidades, bem como considera as formas específicas de utilização delas por essas comunidades, e, quando integradas à atenção básica, mais conhecimento é adquirido e aliado ao uso racional dessas plantas, valorizando, assim, os saberes dos povos originais. A Portaria Interministerial n. 2.960, de 9 de dezembro de 2008, aprovou o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e criou o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que auxiliaram na implantação de novas políticas, bem como na elaboração de literaturas técnicas sobre o tema. Em 2010, por meio da Portaria n. 866, foi instituído o Programa Farmácia Viva no âmbito do SUS, de modo a se incentivar a realização das etapas de cultivo, coleta, processamento, armazenamento, manipulação e dispensação de plantas medicinais e seus derivados, principalmente aquelas destinadas às preparações magistrais e oficinais. Hoje esse programa é a porta de entrada dos municípios no âmbito do SUS para a fitoterapia. Mas, para que as equipes multidisciplinares (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, fisioterapeutas etc.) tivessem melhor respaldo para a prescrição de fitoterápicos, foram promulgadas instruções normativas, formulários, entre outros, que auxiliam a prática da fitoterapia com segurança. A Farmacopeia brasileira, em sua sexta edição (2019), nos fornece os parâmetros para o controle de qualidade de 83 drogas vegetais, 22 tinturas, 19 extratos fluidos, 25 classificados como óleos e ceras, e mostra-nos uma maior quantidade de drogas e derivados vegetais quando comparada às farmacopeias anteriores. TatianaG Realce TatianaG Realce TatianaG Realce TatianaG Realce TatianaG Realce TatianaG Realce 12 Unidade I E por que é importante sabermos os parâmetros de controle de qualidade de uma droga vegetal? Se não tivermos a droga verdadeira, com a quantidade de ativos (metabólitos secundários) e pureza necessárias, não poderemos garantir a atividade farmacológica, nem a ausência de toxicidade quando formos utilizar essa droga, ou mesmo o derivado dela. Aqui cabe uma explicação sobre a farmacopeia, para que você não se perca ao realizar as pesquisas de determinada droga vegetal. Perceba que estamos sempre nos referindo à droga vegetal, que é a planta medicinal seca, isto é, que sofreu processo de estabilização e conservação, pois a farmacopeia entende que é para utilização em larga escala, em indústrias, farmácias de manipulação ou mesmo farmácias vivas. Observem a monografia do guaraná: GUARANÁ, semente Paulliniae semen A droga vegetal consiste de sementes secas, desprovidas de arilo e tegumento (casquilho) de Paullinia cupana Kunth, contendo, no mínimo, 4,0% de taninos totais, no mínimo, 5,0% de metilxantinas, e, no mínimo, 3,5% de cafeína (C8H10N4O2, 194,19). IDENTIFICAÇÃO A. Descrição macroscópica A semente é globosa, quando única no fruto, ou subglobosa a elipsoide e levemente comprimida lateralmente, quando duas ou três no fruto, desigualmente convexas nos dois lados, geralmente apresentando uma curta projeção apical. Em regra, tem 0,6 a 0,8 cm de diâmetro e é coberta por um tegumento, denominado de casquilho, que deve ser descartado. A semente sem o tegumento é exalbuminada e contém dois grandes cotilédones carnosos, espessos e firmes, desiguais, plano-convexos, de coloração castanho-escura. A cicatriz do arilo mantém-se nos cotilédones e é enegrecida. O embrião é pouco desenvolvido e possui um curto eixo radículo-caulinar inferior. B. Descrição microscópica Os cotilédones apresentam externamente uma epiderme unisseriada, formada por células alongadas tangencialmente, seguida por um parênquima cotiledonar de células arredondadas ou arredondado-poliédricas, de 40 a 80 μm de diâmetro. Contêm grãos de amido simples e compostos, de formas variadas, globosos, poligonais, ovalados ou elípticos, de 10 a 25 μm de diâmetro. O hilo é central e por vezes ramificado. A maioria dos grãos encontra-se aglutinada e deformada devido ao aquecimento durante a dessecação. TatianaG Realce 13 FITOTERAPIA CLÍNICA C. Descrição microscópica do pó A amostra satisfaz a todas as exigências estabelecidas para a espécie, menos os caracteres macroscópicos. São características: coloração castanho-clara a castanho-avermelhada; porções de células do parênquima cotiledonar, em geral isodiamétricas, amareladas, com ou sem massas de grãos de amido aglutinados; grãos de amido isolados, com hilo central; massas de grãos de amido aglutinados. Fragmentos do tegumento, quando presentes até o limite permitido, formados por células em paliçada de paredes muito espessas e pouco pontoadas, sinuosas em vista frontal; células pétreas agrupadas ou isoladas. D. Descrição macroscópica das impurezas O tegumento, se presente como impureza, denominado de casquilho, apresenta testa brilhante, glabra, castanho-avermelhada ou pardo-negra, com um largo hilo guarnecido de um arilo carnoso, membranoso e esbranquiçado, que cobre a semente até, no máximo, sua porção mediana. Na ocasião da coleta ou dessecação, o arilo é retirado, deixando uma cicatriz de coloração parda-creme opaca, em forma de cúpula, que ocupa até 1/3 do eixo longitudinal da semente. Na dessecação, o tegumento torna-se quebradiço e separa-se facilmente dos cotilédones. E. Descrição microscópica das impurezas O tegumento, se presente como impureza, apresenta, em secção transversal, uma epiderme formada por grandes células, dispostas em paliçada, de paredes espessas, com poucas pontoações. Essas apresentam paredes sinuosas, em vista frontal. Abaixo da epiderme encontram-se várias camadas de um parênquima com células irregularmente espessadas, de aparência parda. Ocorrem numerosas células pétreas, de paredes nitidamente pontoadas. Fonte: BRASIL (2019, PM050-00). Como vocês podem observar nesta primeira parte da monografia, há a informação do órgão utilizado, que tem atividade farmacológica, bem como são apresentadas as concentrações mínimas do metabólito secundário principal, ou dos principais marcadores. Também podemos ver as características farmacognósticas que permitem identificar essa droga vegetal seja na forma íntegra ou na forma de pó, pois várias drogas vegetais só estão disponíveis para a venda moídas. Ao final da monografia, encontram-se as figuras ilustrativas correspondentes (BRASIL, 2019). 14 Unidade I A ga pct C E cp epc DB ep F HG Figura 1 – Aspectos macroscópicos, microscópicos e microscópicos do pó em Paullinia cupana Kunth Fonte: BRASIL (2019, PM050-00). Há ainda a identificação fitoquímica dos principais metabólitos, como caracterização da presença de taninos e caracterização da presença de metilxantinas, além do método de doseamento desses dois metabólitos. Observe o exemplo a seguir: Caracterização da presença de metilxantinas G. Proceder conforme descrito em Cromatografia em camada delgada (5.2.17.1). Fase estacionária: sílica-gel GF254 Fase móvel: acetato de etila, álcool metílico e água (10:1,4:1). 15 FITOTERAPIA CLÍNICA Solução amostra: agitar 1 g da droga em 3 mL de hidróxido de amônio a 25% (v/v) e 40 mL de cloreto de metileno durante 15 minutos. Filtrar e levar à secura uma alíquota de 5 mL, em banho-maria. Suspender o resíduo em 1 mL de álcool metílico e proceder a análise cromatográfica. Solução referência: solução a 1 mg/mL de cafeína em álcool metílico. Revelador (1): solução de ácido clorídrico a 25% (v/v) em álcool etílico. Revelador (2): iodo SR. Procedimento: aplicar na cromatoplaca, separadamente, em forma de banda, 5 a 10 μL da Solução amostra e 10 μL da Solução referência. Desenvolver o cromatograma. Remover a cromatoplaca e deixar secar ao ar. Examinar sob a luz ultravioleta em 254 nm. Nebulizar a placa com soluçãode ácido clorídrico a 25% (v/v) em álcool etílico, e, em seguida, com solução de iodo SR. Resultados: no esquema a seguir há as sequências de zonas obtidas com a Solução referência e a Solução amostra. Outras zonas podem, ocasionalmente, aparecer. Cafeína: zona de coloração pardo-castanha Parte superior da placa Solução referência Solução amostra Zona de coloração pardo-castanha Figura 2 Fonte: BRASIL (2019, PM050-00). 16 Unidade I Como é possível observar nessa caracterização, a farmacopeia nos mostra a posição do metabólito na placa de cromatografia em camada delgada (CCD); com isso, já nos fornece uma opção para caso tenhamos problema com o padrão de referência. Outros parâmetros (testes) importantes: Perda por dessecação (5.2.9.1). Método gravimétrico. No máximo 12,0%. Metais pesados (5.4.5). Cumpre o teste. Matéria estranha (5.4.1.3). No máximo 3,0%, incluindo o casquilho. Cinzas totais (5.4.1.5.1). No máximo 2,0%, incluindo o casquilho. Contagem do número total de micro-organismos mesófilos (5.5.3.1.2). Cumpre o teste. Pesquisa de micro-organismos patogênicos (5.5.3.1.3). Cumpre o teste. Resíduos de agrotóxicos (5.4.3). Cumpre o teste. Fonte: BRASIL (2019, PM050-00). Notem que nesses testes há um número entre parênteses, por exemplo, “Metais pesados (5.4.5)”. O que significa? São métodos gerais realizados para vários ativos, ou drogas vegetais, que são encontrados em um volume à parte da monografia na farmacopeia — nesta sexta edição, é o volume 1. Saiba mais Acesse a sexta edição da Farmacopeia brasileira: BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Farmacopeia brasileira. 6. ed. Brasília: Anvisa, 2019. Disponível em: https://cutt.ly/PADjWTw. Acesso em: 8 mar. 2022. Outra literatura que nos auxilia muito na aplicação da fitoterapia são os Formulários de fitoterápicos: farmacopeia brasileira, publicados em 2011, 2018 e 2021. O formulário de fitoterápicos abrange formulações com drogas vegetais e derivados vegetais, como o exemplo a seguir (BRASIL, 2021a): TatianaG Realce 17 FITOTERAPIA CLÍNICA Achyrocline satureioides (Lam.) DC. NOMENCLATURA POPULAR Macela. PREPARAÇÃO EXTEMPORÂNEA Fórmula 1 (ALONSO, 2007; PEREIRA et al., 2017) Componentes Quantidade Inflorescência 0,5 a 1,5 g Água q.s.p. 150 mL TINTURA Fórmula 2 (PEREIRA et al., 2014) Componentes Quantidade Inflorescência 10 g Álcool etílico 70% q.s.p. 100 mL ORIENTAÇÕES PARA O PREPARO Fórmula 1: preparar por infusão, durante 5 a 10 minutos, considerando a proporção indicada na fórmula. Utilizar as inflorescências secas (ALONSO, 2007; PEREIRA et al., 2017). Fórmula 2: seguir as técnicas de secagem do material vegetal e preparo de tintura descritas em Informações gerais em Generalidades. EMBALAGEM E ARMAZENAMENTO A embalagem deve garantir proteção do fitoterápico contra contaminações, efeitos da luz e umidade e apresentar lacre ou selo de segurança que garanta a inviolabilidade do produto. Para a forma farmacêutica preparação extemporânea: a embalagem deverá ser confeccionada em material que não reaja com os componentes da droga vegetal. Para a forma farmacêutica tintura: acondicionar em frasco de vidro âmbar. ADVERTÊNCIAS Uso adulto. 18 Unidade I Uso contraindicado para pessoas que apresentam hipersensibilidade aos componentes da formulação e às espécies da família Asteraceae. Ao persistirem os sintomas durante o uso do fitoterápico, um médico deverá ser consultado. O uso é contraindicado durante agestação e lactação (PEREIRA et al., 2017), e para menores de 18 anos, devido à falta de dados adequados que comprovem a segurança nessas situações. O uso da preparação de tintura é especialmente contraindicado para gestantes, lactantes, alcoolistas e diabéticos, em função do teor alcoólico na formulação. Pode, em casos raros, provocar vertigem, cefaleia, alergia ocular e fitofotodermatose (dermatite de contato pós exposição solar) (PEREIRA et al., 2017). Pessoas que apresentam episódios de hipoglicemia devem solicitar orientação médica antes do uso desse produto. Pode potencializar o efeito da insulina, barbitúricos e outros sedativos (DUKE, 2009). Não utilizar em doses acima das recomendadas. Em caso de aparecimento de eventos adversos, suspender o uso do produto e consultar um médico. INDICAÇÕES Fórmula 1: como auxiliar no alívio de sintomas dispépticos; como antiespasmódico; e como antiinflamatório (SIMÕES et al., 1998; NOGUEIRA, 2000; GUPTA, 2008; CARVALHO & SILVEIRA, 2010; PEREIRA et al., 2017). Fórmula 2: como auxiliar no alívio sintomático em afecções leves das vias aéreas superiores (SIMÕES et al., 1986; GUPTA, 1995; LORENZI; MATOS, 2008; DUKE, 2009; PEREIRA et al., 2014; ALERICO et al., 2015). MODO DE USAR Uso oral. Fórmula 1: tomar 150 mL do infuso, logo após o preparo, duas a três vezes ao dia (ALONSO, 2007; CARVALHO & SILVEIRA, 2010; PEREIRA et al., 2017). Fórmula 2: tomar 3 a 9 mL da tintura, diluídos em 50 mL de água, três vezes ao dia. Fonte: Brasil (2021a, p. 21-23). Observe que, no formulário, as quantidades de droga vegetal a serem usadas são dadas em grama, e a forma de preparo do derivado vegetal — produto da extração da planta medicinal in natura ou da droga vegetal — para utilização é descrita detalhadamente, conforme consta nos “Métodos gerais” da armacopeia brasileira. A via de administração e a posologia estão indicadas em “Modo de usar”. Há também as advertências, pois muitas drogas vegetais não podem ser administradas para pessoas com gastrite, diabetes, entre outras patologias, e a atenção a essa informação é de suma importância para uma prescrição adequada. 19 FITOTERAPIA CLÍNICA Observação Infusão é a “preparação que consiste em verter água fervente sobre a droga vegetal e, em seguida, se aplicável, tampar ou abafar o recipiente por tempo determinado. Método indicado para drogas vegetais de consistência menos rígida tais como folhas, flores, inflorescências e frutos, ou que contenham substâncias ativas voláteis” (BRASIL, 2021a, p. 9). A tintura, só para recordar, é um derivado vegetal alcoólico ou hidroalcoólico que resulta da extração de drogas vegetais ou da diluição de seu extrato, utilizando-se 1 parte (massa) da droga vegetal e quantidade suficiente de solvente de extração para produzir 5 partes de tintura (massa ou volume). Pode também ter a proporção 1:10, isto é, 1 parte de droga vegetal e volume final de tintura de 10 partes (massa ou volume) (BRASIL, 2019), isto quando se tratar de drogas com potencial tóxico mais elevado. No campo “Embalagem e armazenamento” do formulário menciona-se a preparação extemporânea. Mas o que é mesmo preparação extemporânea? “É a preparação para uso imediato, ou de acordo com o descrito na monografia específica, contida neste formulário, a ser realizada pelo usuário, por infusão, decocção ou maceração” (BRASIL, 2021a, p. 11). Você pode notar que as informações oferecidas pela farmacopeia e pelo formulário são complementares, pois qualidade é de fundamental importância para que possamos garantir a eficácia farmacológica e a ausência de toxicidade, desde que obedecida a posologia indicada. Porém, e quanto aos medicamentos fitoterápicos ou mesmo os fitoterápicos que são aviados pelas farmácias de manipulação? Na maioria dos casos o insumo farmacêutico ativo vegetal (IFAV) não é a droga vegetal, mas sim o fitocomplexo, na forma de derivado vegetal, como tinturas ou extratos. Observação Fitocomplexo é o “conjunto de todas as substâncias, originadas do metabolismo primário e/ou secundário, responsáveis, em conjunto, pelos efeitos biológicos de uma planta medicinal ou de suas preparações” (BRASIL, 2021a, p. 9). Os extratos são preparações que seguem a proporção 1:1 — isto é, para 1 g de droga vegetal, obtêm-se 1mL (g) de extrato. Eles podem ser fluidos, moles, secos, ou, ainda, conforme os conceitos mais recentes, extratos padronizados, quantificados e nativos (genuíno) (BRASIL, 2019, GN-00): TatianaG Realce TatianaG Realce TatianaGRealce TatianaG Realce TatianaG Realce TatianaG Realce 20 Unidade I • Extrato fluido “é a preparação líquida obtida por extração com líquido apropriado em que, em geral, uma parte do extrato, em massa ou volume corresponde a uma parte, em massa, da droga vegetal seca utilizada na sua preparação. Podem ainda ser adicionados conservantes. Devem apresentar especificações quanto ao teor de marcadores e resíduo seco”. • Extrato mole “é a preparação de consistência semissólida obtida por evaporação parcial do líquido extrator empregado, podendo ser utilizado como solventes, unicamente, álcool etílico, água, ou misturas de álcool etílico e água em proporção adequada. Apresentam, no mínimo, 70% (p/p) de resíduo seco. Se necessário podem ser adicionados conservantes”. • Extrato seco “é a preparação sólida obtida por evaporação do solvente utilizado no processo de extração. Podem ser adicionados de materiais inertes adequado e possuem especificações quanto ao teor de marcadores. Em geral, possuem uma perda por dessecação não superior a 5% (p/p)”. • Extratos padronizados “correspondem àqueles extratos ajustados a um conteúdo definido de um ou mais constituintes responsáveis pela atividade terapêutica. O ajuste do conteúdo é obtido pela adição de excipientes inertes ou pela mistura de outros lotes de extrato”. • Extratos quantificados “correspondem àqueles extratos ajustados para uma faixa de conteúdo de um ou mais marcadores ativos. O ajuste da faixa de conteúdo é obtido pela mistura de lotes de extrato”. • Extrato ativo (genuíno) “corresponde àqueles extratos preparados sem adição de excipientes (extratos simples ou brutos). Contudo, para os extratos moles e preparações líquidas, o extrato nativo pode apresentar quantidades variáveis de líquido extrator”. Para que se possa diferenciar bem os tipos de extratos, os padronizados ou quantificados estão relacionados aos marcadores com atividade terapêutica, já nos outros o controle de qualidade se dá pelos marcadores analíticos, isto é, controle de dosagem, mas não necessariamente associados à atividade terapêutica. A Instrução Normativa n. 2, de 13 de maio de 2014 (IN2/2014), publicou a lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado e a lista de produtos tradicionais fitoterápicos de registro simplificado; nessa lista as plantas listadas estão relacionadas aos seus marcadores analíticos, como ilustram os exemplos a seguir (BRASIL, 2014a): Exemplo 1 • Nomenclatura botânica: Aesculus hippocastanum L. • Nome popular: castanha-da-índia. • Parte usada: sementes. TatianaG Realce 21 FITOTERAPIA CLÍNICA • Padronização/marcador: glicosídeos triterpênicos expressos em escina anidra. • Derivado vegetal: extratos. • Indicações/ações terapêuticas: fragilidade capilar, insuficiência venosa. • Dose diária: 32 a 120 mg de glicosídeos triterpênicos expressos em escina anidra. • Via de administração: oral. • Restrição de uso: venda sem prescrição médica. Exemplo 2 • Nomenclatura botânica: Mentha x piperita L. • Nome popular: hortelã-pimenta. • Parte usada: folhas. • Padronização/marcador: 35% a 55% de mentol e 14% a 32% de mentona. • Derivado vegetal: óleo essencial. • Indicações/ações terapêuticas: expectorante, carminativo e antiespasmódico; tratamento da síndrome do cólon irritável. • Dose diária: 60 a 440 mg de mentol e 28 a 256 mg de mentona. • Via de administração: oral. • Restrição de uso: — Venda sem prescrição médica: expectorante, carminativo e antiespasmódico. — Venda sob prescrição médica: tratamento da síndrome do cólon irritável. No exemplo 1, castanha-da-índia, pode-se ver que a indicação de uso é a quantidade de extrato que contenha dose de 32 a 120 mg por dia de escina. Mas por que há essa diferença de dose? Porque depende do estado clínico do paciente, isto é, se a fragilidade capilar for muito severa ou não. O interessante é que a padronização se dá em glicosídeos triterpênicos (as saponinas), principalmente em escina. Neste caso, a indicação de uso é oral e é livre de prescrição médica, então, o próprio farmacêutico pode fazer a prescrição da castanha-da-índia. 22 Unidade I A hortelã-pimenta, no exemplo 2, possui o óleo essencial (ou volátil) como o derivado vegetal a ser ingerido, pois seu uso é oral. Observe que, neste caso, o marcador é composto por duas substâncias, mentol e mentona, em doses de 60 a 440 mg de mentol e 28 a 256 mg de mentona. Essa dosagem é um pouco mais difícil de se obter, pois a maioria dos óleos não especifica todos os seus componentes. Em relação à indicação terapêutica, a Mentha x piperita é livre de prescrição médica quando a indicação é como expectorante, carminativo (gases) e antiespasmódico; porém, se o paciente tiver síndrome do cólon irritável, o farmacêutico não poderá realizar a prescrição, pois a legislação menciona que, para este uso, apenas o médico pode indicar a hortelã-pimenta. Observe agora como a IN2/2014 trata o caso do gengibre (BRASIL, 2014a): Exemplo 3 • Nomenclatura botânica: Zingiber officinale Roscoe. • Nome popular: gengibre. • Parte usada: rizomas. • Padronização/marcador: gingeróis (6-gingerol, 8-gingerol, 10-gingerol, 6-shogaol). • Derivado vegetal: extratos. • Indicações/ações terapêuticas: profilaxia de náuseas causadas por movimento (cinetose) e pós-cirúrgicas. • Dose diária: crianças acima de 6 anos, 4 a 16 mg de gingeróis; adulto, 16 a 32 mg de gingeróis. • Via de administração: oral. • Restrição de uso: venda sem prescrição médica. Exemplo 4 • Nomenclatura botânica: Zingiber officinale Roscoe. • Nome popular: gengibre. • Parte usada: rizomas. • Padronização/marcador: gingeróis (gingerol, gingerdionas e shogaol). • Droga vegetal: droga, fresca ou seca, pulverizada (pó). 23 FITOTERAPIA CLÍNICA • Indicações/ações terapêuticas: profilaxia de náuseas e vômitos durante a gravidez. • Dose diária: adulto, 1 a 2 g do rizoma em pó (equivalente a 8 a 16 mg de gingeróis na droga vegetal). • Via de administração: oral. • Restrição de uso: venda sem prescrição médica. Em ambos os casos, o gengibre não há restrição de uso, isto é, venda sem prescrição médica. Porém, observe que no exemplo 3 o derivado vegetal é o extrato, já no exemplo 4 não se tem mais o extrato, mas sim a planta fresca ou a droga seca ou pulverizada. Por isso, então, as doses são diferentes, pois o extrato é mais concentrado que a droga. Outro detalhe é que as indicações são para náuseas e vômitos, mas, quando o caso é vômitos na gravidez, apenas se recomenda a utilização da planta ou da droga vegetal. Na IN2/2014 há também a “Lista de produtos tradicionais fitoterápicos de registro simplificado”. Nesta lista estão os produtos de uso tradicional, isto é, com literatura que comprove sua utilização com eficácia e segurança há mais de 30 anos. Os exemplos a seguir ilustram tal lista (BRASIL, 2014a): • Nomenclatura botânica: Arnica montana L. • Nome popular: arnica. • Parte usada: capítulo floral. • Padronização/marcador: lactonas sesquiterpênicas totais expressas em tiglato de di-idrohelenalina. • Derivado vegetal: extratos. • Indicações/ações terapêuticas: equimoses, hematomas e contusões. • Concentração da forma farmacêutica: 0,16 a 0,20 mg de lactonas sesquiterpênicas totais expressas em tiglato de di-idrohelenalina por grama ou 0,08 mg de lactonas sesquiterpênicas totais expressas em tiglato de di-idrohelenalina por mililitro. • Via de administração: tópica. • Restrição de uso: venda sem prescrição médica; não usar em ferimentos abertos. A arnica é uma planta tradicional, utilizada na Europa e no mundo há centenas de anos. Sua utilização em casos de inflamação é bem comprovada (ALONSO, 2004), porém, observe que a restrição de uso menciona “não utilizar em ferimentos abertos”. Isso acontece porque a arnica possui alcaloides que são hepatotóxicos, e, se for aplicada em ferimentos abertos, pode haver a absorção e a consequente toxicidade hepática. 24 Unidade I Veja a seguir o caso do alcaçuz, que possuiindicação como expectorante. Observe que a restrição de uso é “sem prescrição médica”, mas não se deve utilizar continuamente por mais de seis semanas, pois há probabilidade de efeito mineralocorticoide. • Nomenclatura botânica: Glycyrrhiza glabra L. • Nome popular: alcaçuz. • Parte usada: raízes. • Padronização/marcador: ácido glicirrizínico. • Derivado vegetal: extratos. • Alegação de uso: expectorante. • Dose diária: 60 a 200 mg de ácido glicirrizínico. • Via de administração: oral. • Restrição de uso: venda sem prescrição médica; não utilizar continuamente por mais de seis semanas sem acompanhamento médico. Lembrete Derivado vegetal é o produto da extração da planta medicinal in natura ou da droga vegetal, podendo ocorrer na forma de extrato, tintura, alcoolatura, óleo fixo e volátil, cera, exsudado e outros. Utilizam-se métodos mais sofisticados. Para compreendermos melhor a IN2/2014, elaboramos um resumo com todas as drogas vegetais listadas, com a dosagem diária do derivado vegetal, bem como principais atividades farmacológicas. Tabela 1 – Medicamentos fitoterápicos da IN2/2014 Fitoterápico Posologia Principais atividades farmacológicas Alcachofra 24 a 48 mg (ácido clorogênico) Colerético, colagogo, tratamento de hiperlipidemia Alcaçuz 200 a 600 mg (ácido glicirrizínico) Obs: não utilizar continuamente por mais de seis semanas sem acompanhamento médico Tratamento de úlceras gástricas e duodenais Alho 3 a 5 mg de alicina Tratamento da hiperlipidemia 25 FITOTERAPIA CLÍNICA Fitoterápico Posologia Principais atividades farmacológicas Anis (erva doce) 0 a 1 ano: 16 a 45 mg de trans-anetol 1 a 4 anos: 32 a 90 mg de trans-anetol Adultos: 80 a 225 mg trans-anetol Expectorante, antiespasmódico, dispepsias funcionais Cáscara-sagrada 20 a 30 mg (cascarosídeo A) Obs: não utilizar continuamente por mais de uma semana Constipação ocasional Castanha-da-índia 32 a 120 mg (escina) Fragilidade capilar, insuficiência venosa Centela 36 a 144 mg (asiaticosídeo) Insuficiência venosa Cimicífuga* 2 a 7 mg (23-epi-26-desoxiacteína) Sintomas do climatério Equinácea* 13 a 36 mg (ácido caftárico e chicórico) Preventivo e coadjuvante no tratamento de sintomas de resfriados e infecção urinária Gengibre (droga vegetal) Adulto: 1 a 2 g do rizoma em pó (8 a 16 mg de gingeróis na droga vegetal) Gravidez (náusea e vômito) Gengibre (extrato) Crianças acima de 6 anos: 4 a 16 mg (gingeróis) Adulto: 16 a 32 mg (gingeróis) Náuseas Ginkgo* 26,4 a 64,8 mg de ginkgoflavonoides e 6 a 16,8 mg de terpenolactonas Vertigens, insuficiência vascular cerebral Ginseng 8 a 16 mg de ginsenosídeos, por no máximo três meses Adaptógeno Guaraná 15 a 70 mg (cafeína) Psicoestimulante e astenia Hortelã-pimenta 60 a 440 mg de mentol e 28 a 256 mg de mentona Expectorante, carminativo e antiespasmódico; síndrome do cólon irritável Hipérico* 0,9 a 2,7 mg (hipericina) Antidepressivo leve a moderado Kava-kava* 60 a 210 mg (kavalactonas) Ansiolítico e insônia Mirtilo 110 a 170 mg (antocianosídeos) Insuficiência venosa Polígala 18 a 33 mg (saponinas triterpênicas) Bronquite crônica, faringite Plantago 3 a 30 g do pó Coadjuvante no tratamento de obstipação intestinal; síndrome do cólon irritável Salgueiro 60 a 240 mg (salicina) Antitérmico, anti-inflamatório Saw palmetto* 272 a 304 mg (ácidos graxos) Hiperplasia benigna da próstata Sene 10 a 30 mg (senosídeo B) Laxativo Soja 50 a 120 mg (isoflavonas) Sintomas do climatério Tanaceto* 0,2 a 0,6 mg (partenolídeos) Enxaqueca Uva-ursi* 400 a 840 mg (arbutina) Infecção urinária Valeriana* 1 a 7,5 mg (ácido valerênico) Sedativo, hipnótico * Drogas vegetais prescritas com restrição, isto é, que necessitam de receituário médico. Adaptado de: BRASIL (2014a). 26 Unidade I Tabela 2 – Produtos tradicionais fitoterápicos da IN2/2014 Produto Posologia Principais atividades farmacológicas Alcaçuz 60 a 200 mg de ácido glicirrizínico Obs: não utilizar continuamente por mais de seis semanas sem acompanhamento médico Expectorante Arnica Uso tópico: 0,16 a 0,20 mg (lactonas sesquiterpênicas totais em tiglato de di idrohelenalina/g) ou 0,08 mg (tiglato de di idrohelenalina/mL) Obs: não usar em ferimentos abertos Equimoses, hematomas, contusões Boldo 2 a 5 mg alcaloides totais (boldina) Colagogo, colerético, dispepsias funcionais e distúrbios gastrointestinais espásticos Calêndula Uso tópico: 1,6 a 5 mg de flavonoides totais — hiperosídeos por 100 g ou 0,8 a 1 mg de hiperosídeos/mL Cicatrizante, anti-inflamatório Camomila Uso oral: 4 a 24 mg de apigenina-7-glicosídeo Uso tópico: 0,005 a 0,05 mg de apigenina-7- glicosídeo por 100 g ou 100 mL e 0,004 a 0,07 mg de derivados bisabolônicos por 100 g ou 100 mL Antiespasmódico intestinal, dispepsias funcionais (uso oral); anti-inflamatório (uso tópico) Cardo-mariano 200 a 400 mg de silimarina (silibinina [por UV]), 154 a 324 mg de silimarina (silibinina [por HPLC]) Hepatoprotetor Confrei Uso tópico: 0,03 a 0,16 mg de alantoína por 100 mg Obs: utilizar por no máximo 4 a 6 semanas/ano; não utilizar em lesões abertas Cicatrizante, equimoses, hematomas e contusões Espinheira-santa 60 a 90 mg taninos totais (pirogalol) Dispepsias, coadjuvante no tratamento de gastrite e úlcera gastroduodenal Eucalipto Uso oral e inalatório: 14 a 42,5 mg de cineol Expectorante, anti-séptico das vias aéreas superiores Garra-do-diabo 30 a 100 mg de harpagosídeo ou 45 a 150 mg de iridoides totais (harpagosídeos) Obs: comprimido revestido gastrorresistente Alívio de dores articulares moderadas e dor lombar baixa aguda Guaco 0,5 a 5 mg de cumarina Expectorante e broncodilatador Hamamélis Uso interno: 420 a 900 mg de taninos totais (pirogalol) Uso tópico: 0,35 a 1 mg por 100 mg ou 3,5 a 10 mg/mL Alívio sintomático de prurido e ardor associado a hemorroidas (uso interno); hemorroidas externas e equimoses (uso tópico) Maracujá 30 a 120 mg de flavonoides totais (vitexina) Ansiolítico leve Melissa 60 a 180 mg de ácidos hidroxicinâmicos (ácido rosmarínico) Carminativo, antiespasmódico e ansiolítico leve Sabugueiro 80 a 120 mg de flavonoides totais (isoquercitrina) Mucolítico/expectorante, tratamento sintomático de gripe e resfriado Unha-de-gato Uso oral: 0,9 mg de alcaloides oxindólicos pentaclíclicos Obs: não utilizar em gestantes, lactantes e lactentes Anti-inflamatório Adaptado de: BRASIL (2014a). 27 FITOTERAPIA CLÍNICA Saiba mais Para ler a versão completa da IN2/2014, acesse: BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa n. 2, de 13 de maio de 2014. Publica a “Lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado” e a “Lista de produtos tradicionais fitoterápicos de registro simplificado”. Brasília, 2014a. Disponível em: https://cutt.ly/7AFqdy0. Acesso em: 8 mar. 2022. Em 2016, a Anvisa aprovou o Memento fitoterápico, que apresenta informações auxiliares sobre a prescrição dos fitoterápicos, a parte utilizada da planta, indicações terapêuticas, contraindicações, precauções, formas farmacêuticas, posologia, tempo de utilização, mas visando principalmente os ensaios farmacológicos clínicos e os dados sobre toxicidade. Vejamos o exemplo: Aesculus hippocastanum L. IDENTIFICAÇÃO Família Sapindaceae.(1) Nomenclatura popular Castanha-da-índia.(2) Parte utilizada/órgão vegetal Semente.(2) INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Para o tratamento da insuficiência venosa e fragilidade capilar.(3,4,5) CONTRAINDICAÇÕES Pacientes com histórico de hipersensibilidade e alergia a qualquer um dos componentes do fitoterápico não devem fazer uso do produto. Esse fitoterápico é contraindicado para pessoas com hipersensibilidade a escina ou a extratos de A. hippocastanum e pacientes com TatianaG Realce 28 Unidade I insuficiência renal ou hepática.(6) Há indícios de que a absorção de escina seja maior em crianças, predispondo-as a maior toxicidade.(7) PRECAUÇÕES DE USO Toxicidade renal e hepática foram relatadas com o uso de preparados a basede A. hippocastanum em pacientes propensos a esse tipo de distúrbios.(6) Embora não existam restrições, pacientes idosos só devem utilizar o fitoterápico com orientação médica. De acordo com a categoria de risco de fármacos destinados às mulheres grávidas, esse fitoterápico está incluído na categoria de risco C: não foram realizados estudos em animais e em mulheres grávidas; ou então, os estudos em animais revelaram risco, mas não existem estudos disponíveis realizados em mulheres grávidas. Esse fitoterápico não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica, assim como por crianças e adolescentes.(18) EFEITOS ADVERSOS Após ingestão do fitoterápico podem ocorrer, em casos isolados, prurido, náuseas e desconforto gátrico.(8,9) Raramente podem ocorrer irritação da mucosa gástrica e refluxo.(7) INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Esse fitoterápico não deve ser administrado com anticoagulantes orais, pois pode potencializar seu efeito anticoagulante.(7) Cerca de 90% de escina ligam-se às proteínas plasmáticas, podendo interferir com a distribuição de outras drogas.(6,7) Um caso de insuficiência renal foi relatado após administração concomitante de escina e o antibiótico gentamicina.(10) FORMAS FARMACÊUTICAS Cápsulas ou comprimidos contendo extrato etanólico seco padronizado e gel.(3) Armazenar ao abrigo da luz e de umidade.(3) VIAS DE ADMINISTRAÇÃO E POSOLOGIA (DOSE E INTERVALO) Oral. Dose diária: 250 a 312 mg (dividida em duas vezes ao dia) do extrato padronizado contendo 16 a 20% de glicosídeos triterpênicos (equivalente a 100 mg de escina).(3) Tópico. Gel para uso tópico contendo 2% de escina.(3) 29 FITOTERAPIA CLÍNICA TEMPO DE UTILIZAÇÃO Não foram encontrados dados descritos na literatura consultada sobre o tempo máximo de utilização. O tempo de uso depende da indicação terapêutica e da evolução do quadro acompanhado pelo profissional prescritor. SUPERDOSAGEM Se ingerido em altas doses esse fitoterápico pode causar vômitos, diarreia, fraqueza, espasmos musculares, dilatação da pupila, falta de coordenação e distúrbios da visão e da consciência.(11) Assim como todos os extratos vegetais ricos em saponinas, podem ocorrer irritação da mucosa gástrica e refluxo. Quando grande quantidade de escina é absorvida através da mucosa gastrointestinal irritada ou lesionada, pode ocorrer hemólise, associada a dano renal.(12,13) Em caso de superdosagem, suspender o fitoterápico imediatamente. Recomenda-se tratamento de suporte sintomático com medidas habituais de apoio e controle das funções vitais. PRESCRIÇÃO Fitoterápico, isento de prescrição médica. PRINCIPAIS CLASSES QUÍMICAS Cumarinas, flavonoides e saponinas.(2,3) INFORMAÇÕES SOBRE SEGURANÇA E EFICÁCIA Ensaios não clínicos Farmacológicos A administração intravenosa do extrato etanólico 95% das sementes de castanha-da-índia em cobaia (0,2–0,4 mL/kg) provocou redução do eritema induzido por histamina. Foi observado que o extrato etanólico 30% por via oral produziu efeito protetor em ratos, nos ensaios de edema de pata e artrite induzida por carragenina. Após a administração intraperitoneal da fração contendo saponinas isoladas do extrato das sementes da castanha-da-índia produziu atividades analgésica, anti-inflamatória e antipirética in vivo. Além disso, essa fração foi capaz de inibir a enzima prostaglandina sintetase in vitro. Ensaio realizado em ratos indicou que a administração intravenosa de escina (0,5–120 mg/kg) inibiu o edema de pata de rato e a formação de granuloma.(3) 30 Unidade I Toxicológicos Turolla e Nascimento(15) apresentam vários estudos sobre preparações a base de A. hippocastanum e relatam que nessas pesquisas houve baixa ou nenhuma toxicidade aguda e crônica, e terato e genotoxidade, em diferentes espécies animais. Ensaios clínicos Farmacológicos De 23 estudos realizados em humanos com administração oral do extrato de Aesculus hippocastanum, num total de 4.339 pacientes participantes, para comprovação da sua ação sobre as desordens venosas, todos apresentaram resultados positivos com melhora do estado do paciente.(7) Em estudos de metanálises e revisões de alguns ensaios randomizados, duplo-cegos e controlados verificou-se que o extrato das sementes de A. hippocastanum foi eficaz no tratamento da insuficiência venosa crônica.(16,17) Toxicológicos Em estudos com oito espécies do gênero Aesculus foram relatados que 3.099 casos analisados de 1985 a 1994, cerca de 50% das exposições ocorreram com crianças entre 0 e 5 anos de idade. Em 77% dos casos (2374) não foram detectados quaisquer efeitos tóxicos; em 11,5% dos casos (356) ocorreram efeitos mínimos a moderados. Nos demais 11,5% (359) dos casos, os efeitos foram classificados como de toxicidade potencialmente desconhecida(14). Fonte: BRASIL (2016, p. 21-22). A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) foi criada como uma forma de garantir acesso aos medicamentos, bem como à assistência farmacêutica e ao uso racional de medicamentos, fortalecendo assim o SUS (BRASIL, 2020). A lista da Rename é construída a partir de avaliações que considerem as evidências científicas, tais como eficácia, segurança, efetividade, disponibilidade, custo, entre outros (BRASIL, 2020). Segundo a Rename 2020: Em relação aos medicamentos fitoterápicos, na coluna concentração/ composição é apresentada a quantidade de marcador. Para alguns casos, esse valor refere-se à dose diária, conforme consta na Instrução Normativa n. 2, de 13 de maio de 2014, da Anvisa, que publica a “Lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado” e a “Lista de produtos 31 FITOTERAPIA CLÍNICA tradicionais fitoterápicos de registro simplificado”. Nos demais fitoterápicos, a concentração é apresentada por forma farmacêutica, também baseada na IN n. 2/2014. Ressalta-se que os medicamentos fitoterápicos podem ser industrializados ou manipulados, sendo que os últimos podem ser obtidos em farmácias de manipulação do SUS, Farmácias Vivas ou farmácias de manipulação conveniadas (BRASIL, 2020, p. 14-15). A lista da Rename inclui 12 fitoterápicos: • Alcachofra (Cynara scolymus L.). • Aroeira (Schinus terebinthifolia Raddi). • Babosa [Aloe vera (L.) Burm. f.]. • Cáscara-sagrada (Rhamnus purshiana DC.). • Espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek). • Garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens DC. ex Meissn.). • Guaco (Mikania glomerata Spreng.). • Hortelã (Mentha x piperita L.). • Isoflavona-de-soja [Glycine max (L.) Merr.]. • Plantago (Plantago ovata Forssk.). • Salgueiro (Salix alba L.). • Unha-de-gato [Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. & Schult.)]. Esses medicamentos fazem parte da Relação Nacional de Medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica e suas dosagens estão na IN2/2014. Isso significa que eles são oferecidos pelo SUS. Outra legislação que nos auxilia na prescrição de fitoterápicos é a Instrução Normativa n. 86, de 12 de março de 2021 (IN86/2021), que define a lista de medicamentos isentos de prescrição médica. Nela há uma lista de fitoterápicos, bem como sua utilização. Veja no quadro a seguir alguns exemplos de seu conteúdo: 32 Unidade I Quadro 1 – Exemplos de conteúdo da IN86/2021 n Espécie Classe terapêutica Parte empregada Indicações terapêuticas e via de administração 1 Aesculus hippocastanum Produtos com ação sobre o aparelho cardiovascular Sementes Alívio dos sintomas relacionados a inchaços nas pernas, veias varicosas, sensação de peso, dor, cansaço, coceira, tensão nas pernas e câimbras na panturrilha. Restrições: uso oral 2 Aloe ferox + Gentiana lutea Digestivos, hepatoprotetores, colagogos e coleréticos com ou sem efeito antiespasmódico Rizoma + folhas Auxiliar no funcionamento da vesícula biliar. Auxiliar no tratamento dos sintomas da dispepsia funcional. Prevenção e tratamento auxiliar de distúrbios hepáticos e dos distúrbios gastrointestinais espásticos. Digestivo. Uso oral 3 Aloe vera Anti-inflamatórios. Cicatrizantescom ação anti-inflamatória Folhas Cicatrizante, destinado ao tratamento de queimaduras térmicas leves. Anti-inflamatório. Auxiliar no tratamento dos sintomas das dispepsias funcionais e dos distúrbios gastrointestinais espásticos (uso oral). Anti-inflamatório (uso tópico). 4 Arnica montana Produtos com ação na pele e mucosas Capítulo floral Alívio dos sintomas de equimoses, hematomas e contusões. Uso tópico. 5 Atropa belladona Antiespasmódicos e anticolinérgicos gastrointestinais Folhas Alívio dos sintomas de cólicas e espasmos gastrintestinais. Uso oral. Fonte: BRASIL (2021b). Repare que nessa instrução normativa temos a classe terapêutica, as indicações terapêuticas e a via de administração, porém, não temos as dosagens, então temos que verificar em outras literaturas. Saiba mais Acesse a versão completa da IN86/2021 em: BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa n. 86, de 12 de março de 2021. Define a Lista de Medicamentos Isentos de Prescrição. Brasília: Anvisa, 2021b. Disponível em: https://cutt.ly/GAF2CDv. Acesso em: 8 mar. 2022. O conjunto dessas legislações faz com que tenhamos um arcabouço que nos dá sustentação para a utilização e prescrição de fitoterápicos; contudo, é evidente que sempre teremos que estudar, pois esta é uma área em que sempre surgem novas descobertas e atualizações. Outro tópico que devemos recordar é que, para a produção de plantas medicinais com qualidade, de maneira a se atingir alta concentração de metabólitos de interesse, o preparo da droga vegetal e o controle de qualidade são etapas essenciais. Além disso, a preparação dos derivados vegetais é de fundamental importância para que se alcancem neles as concentrações de metabólitos de interesse. 33 FITOTERAPIA CLÍNICA Na fitoterapia, as doses corretas devem ser obedecidas, e é importante que se tenha noção de quantidades (massa) relacionadas a várias medidas caseiras para as preparações extemporâneas, como decoctos, infusos e inalação. Observação Decocção é o método no qual se coloca a droga vegetal ou a planta medicinal com solvente e leva-se à fervura, podendo ser tampada ou não, a depender da estrutura vegetal. Listamos a seguir algumas medidas-padrão: • 1 colher de sopa = 12 a 15 mL • 1 colher de chá = 3 a 5 mL • 1 colher de café = 1,5 a 2 mL • 1 xícara de chá = 150 mL Há algumas variações com relação a essas quantidades, por isso, sugerimos estas como uma forma de padronização (MORAES; WADT; JESUS, 2020; PEREIRA; DONEIDA, 2020; PLANTAS MEDICINAIS, 2018). Como já deu para perceber, a fitoterapia é uma disciplina complexa, que envolve diversas disciplinas e legislações, mas é também muito gratificante. 2 METABÓLITOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS Já estudamos anteriormente as definições de metabólitos primários e secundários, neste livro; agora vamos trazer uma abordagem mais geral, com enfoque na fitoterapia e nos potenciais mecanismos de ação. 2.1 Polissacarídeos Os polissacarídeos são metabólitos considerados primários (em alguns casos são considerados secundários). Mas o que são metabólitos primários e secundários, mesmo? Metabólitos primários são produtos do metabolismo vegetal essenciais à sobrevivência da planta, como a glicose produzida na fotossíntese. Já os metabólitos secundários são produtos do metabolismo vegetal que não são essenciais à sobrevivência da planta, mas auxiliam muito a adaptação e sobrevivência ao meio ambiente. Por exemplo, um óleo volátil (ou essencial) atrai polinizadores ou repele predadores, mas a planta poderia sobreviver sem odor, porém com maior dificuldade, sendo atacada com mais facilidade pelos predadores ou reproduzindo menos, pois não teria tanta polinização pelos insetos e pássaros. 34 Unidade I No caso, os polissacarídeos são considerados metabólitos primários, pois são, na verdade, polímeros de carboidratos (açúcares), sendo esses carboidratos essenciais à sobrevivência da planta. Os polissacarídeos de maior importância farmacológica são os polissacarídeos heteroglicanos ou heterogêneos, pois são compostos por diferentes açúcares e/ou por seus ácidos. São chamados de fibras solúveis (BRUNETON, 2001). Os polissacarídeos heterogêneos principais são as gomas, formações resultantes de uma lesão na planta, as mucilagens e as pectinas, que são da própria constituição do vegetal e ocorrem normalmente na planta. Estes polissacarídeos possuem importância farmacêutica por conta da propriedade de adsorção de substâncias, que faz com que muitas substâncias fiquem adsorvidas em sua estrutura, como é o caso das gorduras. Figura 3 – Estrutura química da pectina Disponível em: https://cutt.ly/2AIprWt. Acesso em: 8 mar. 2022. A) B) C) Figura 4 – Goma (A), mucilagem (B) e pectina (C) Fonte: C) Disponível em: https://cutt.ly/8AIaiIw. Acesso em: 8 mar. 2022. Outra propriedade que essas substâncias possuem em comum é a capacidade de intumescer, isto é, “absorver” líquidos do meio onde estiverem; por isso são utilizadas em regimes de emagrecimento, pois absorvem líquidos e intumescem, provocando sensação de saciedade (WILLIS; SLAVIN, 2020). Também são utilizadas como laxativos avolumantes, porque absorvem água no intestino, intumescem e auxiliam a formação do bolo fecal; dessa forma, facilitam o trânsito intestinal e a excreção das fezes, que ficam menos ressecadas. Essa propriedade é interessante por ser um mecanismo físico, então, se a 35 FITOTERAPIA CLÍNICA pessoa ingerir as fibras solúveis, mas não ingerir líquidos, vai haver uma constipação intestinal, e não uma ação laxativa, pois os polissacarídeos vão absorver a água da mucosa intestinal, fazendo com que ela perca lubrificação. Sem a lubrificação, fica mais difícil a excreção do bolo fecal. As fibras contribuem para a manutenção da flora intestinal (FULLER et al., 2016). Os polissacarídeos podem, ainda, provocar a diminuição dos níveis de glicose sanguínea. Dependendo do tipo de polissacarídeos, esses efeitos são diferentes (LATTIMER; HAUB, 2010). Lembrete Gomas são formações resultantes de uma lesão na planta, podendo esta ser de origem física, química ou microbiológica. As mucilagens e as pectinas ocorrem normalmente na planta, são da própria constituição do vegetal. 2.2 Taninos Os taninos são metabólitos secundários, isto é, auxiliam na sobrevivência do vegetal. São metabólitos muito difundidos entre as plantas, por servirem como proteção do vegetal, e são encontrados em vários órgãos, em diferentes concentrações (PIZZI, 2021). Dividem-se em taninos hidrolisados, também chamados de gálicos, ou taninos condensados, conhecidos também como catequínicos (COSTA, 1994). Grupos (S)-hexa-hidróxi-difenoila Ácido gálico Ácido elágico Figura 5 – Taninos hidrolisados Fonte: SIMÕES et al. (2004, p. 617). 36 Unidade I R=H cianidina R=OH delfinidina Figura 6 – Taninos condensados Fonte: SIMÕES et al. (2004, p. 620). Como podemos observar, os taninos hidrolisados e os taninos condensados possuem estruturas poliméricas de alto peso molecular. Por apresentarem muitas hidroxilas em sua estrutura, são considerados polifenóis. Os taninos hidrolisados são mais fáceis de serem quebrados, por hidrólise, em moléculas de ácido gálico e ácido elágico do que os taninos condensados. Estes, por serem polímeros de cianidina ou delfinidina (flavonoides), exigem maior energia para que possam ser quebrados, e são chamados muitas vezes de proantocianidinas (RITTO; OLIVEIRA; AKISUE, 2019). Diversas ações farmacológicas são atribuídas aos taninos, por exemplo, a atividade antioxidante, pois os taninos sequestram radicais livres, impedindo danos celulares causados por esses radicais que são altamente reativos. Essa atividade antioxidante está relacionada, por exemplo, à atividade cardioprotetora do vinho e do bagaço da uva, compostos ricos em taninos, compostos polifenólicos encontrados principalmente nas cascas da uva. Como são antioxidantes, inibem a oxidação das gorduras, impedindo que elas se depositemnas artérias e veias, de modo que evitam a formação de ateromas. Também possuem atividade antiagregante plaquetária, evitando a formação de trombos (MUÑOZ-BERNAL et al., 2021; VACCARI et al., 2009). 37 FITOTERAPIA CLÍNICA Há vários trabalhos relacionando os taninos à prevenção da formação de células tumorais, já que evitam a malformação celular por impedirem a ação dos radicais livres, que podem provocar lesões no DNA celular. Wang et al. (2019) comprovaram a diminuição da proliferação de células cancerígenas, bem como a promoção de apoptose celular em células de câncer cervical após tratamento com taninos. Taninos também possuem atividade antimicrobiana, pois complexam com proteínas da parede (ou membrana) do microrganismo, impedindo que ele se reproduza. Veja que este caso possui atividade bacteriostática, se pensarmos em uma bactéria — lembrando que, se utilizarmos um tempo maior, de bacteriostática a atividade passa a ser bactericida, matando o microrganismo (BRUNETON, 2001). Outro mecanismo antimicrobiano dos taninos reside no fato de que eles complexam com metais de modo a inibir rotas metabólicas. Vários metais são catalizadores de reações enzimáticas, dando origem a determinadas rotas metabólicas; nesse sentido, se eles estão complexados, impedem o início da reação e, consequentemente, da rota metabólica microbiana (ALONSO, 2004). Em diversos países, os taninos são utilizados na prevenção de placas e cáries dentais pela propriedade antimicrobiana, além de inibir a glicosiltransferase, enzima que estabelece ligações glicosídicas que propiciam às bactérias de mucosa oral capacidade de adesão às superfícies (dentes e gengivas); com isso, a bactéria perde capacidade de adesão, além da atividade antimicrobiana (PIZZI, 2021; SIMÕES et al., 2004). Ainda pensando na complexação tanino-proteína, a atividade cicatrizante e antiúlcera (gástrica e duodenal) pode ser bem explorada farmacologicamente (CAVALINI et al., 2017; SIMOES et al., 2017; WADT, N. S. Y. et al., 2019; WADT, M. et al., 2019), em casos de feridas de origem venosa ou não, pois formam uma camada de proteção composta pela complexação do tanino com a proteína, e esta camada protege de agressões, permitindo que haja a proliferação de fibroblastos no local ferido, além da atividade antimicrobiana (PIZZI, 2021; WADT et al., 2017). A atividade antidiarreica é outra que se baseia na complexação tanino-proteína, visto que a diarreia pode ocorrer devido a toxinas virais ou bacterianas, que irritam a mucosa intestinal, provocando aumento de histamina e contração intestinal, com aumento de movimentos peristálticos. Os taninos complexam-se com essas toxinas, que são proteínas, e diminuem o processo irritativo, diminuindo assim os movimentos peristálticos, além de terem atividade antimicrobiana, atuando no agente causador da diarreia (MATOS, 2007). Os taninos são também anti-inflamatórios, mas não muito potentes; eles agem nas primeiras etapas da inflamação como degranulação de mastócitos e bloqueio da hialuronidase (SIMÕES et al., 2017). Os taninos são estruturas polares, pois formam pontes de hidrogênio com a água, sendo muito solúveis em água, etanol, entre outros solventes polares. Precipitam com metais e macromoléculas como proteínas e polissacarídeos, estando aí suas incompatibilidades (COSTA, 2002). Na nutrição são conhecidos como antinutricionais, exatamente por precipitarem com as proteínas, diminuindo sua absorção, e precipitando com metais, diminuindo disponibilidade deles (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). 38 Unidade I 2.3 Flavonoides Flavonoides são estruturas bem difundidas em plantas, que tiveram seu nome originado de Flavus, que significa “amarelo”, e oide, que significa “forma”; mas, na verdade, o que se iniciou como estudo de estruturas amarelas, viu-se que essas estruturas englobavam outras cores, como o branco, o laranja e até o roxo (RITTO; OLIVEIRA; AKISUE, 2019; ROBBERS; SPEEDIE; TYLER, 1997). Os flavonoides encontram-se, normalmente, na forma de glicosídeos; ou seja, possuem açúcar (açúcares) em sua estrutura fundamental, e são, nesta forma, mais solúveis em solventes polares. Rutina Figura 7 – Glicosídeo flavonoídico A genina, ou aglicona, ou núcleo fundamental dos flavonoides, é o 2-fenilbenzopirano. Nesta forma, a estrutura é mais solúvel em solventes apolares. Vale lembrar que a solubilidade também depende dos radicais a ela ligados; por exemplo, hidroxilas acopladas à genina vão aumentar a polaridade dessa estrutura. Figura 8 – Estrutura fundamental de flavonoide 39 FITOTERAPIA CLÍNICA Os flavonoides são responsáveis por várias atividades farmacológicas, dependendo da estrutura flavonoídica que a planta possui. Por exemplo, na figura 7 temos a rutina, que é um flavonoide muito utilizado em problemas vasculares, como varizes, pois aumenta a resistência vascular, diminuindo a permeabilidade vascular (ALONSO, 2018; RITTO; OLIVEIRA; AKISUE, 2019). Interessante lembrar que os flavonoides não provocam nem vasoconstricção, nem vasodilatação; nesse caso, agem na elasticidade vascular, auxiliando a circulação. Podem ser anti-inflamatórios, inibindo a ciclo-oxigenase; alguns inibem até a lipo-oxigenase, apresentando atividade anti-inflamatória, semelhante aos corticoides, porém sem os efeitos colaterais destes (ALONSO, 2004). As isoflavonas são utilizadas nos “fogachos” do climatério, pois se encaixam em receptores hormonais, e estruturalmente são semelhantes aos hormônios. Como possuem muitas hidroxilas em sua estrutura, assim como os taninos, são antioxidantes, sequestradores de radicais livres, tendo então atividade antienvelhecimento, pois impedem degradação celular. São preventivos de doenças degenerativas, como hipertensão e aterosclerose, pois impedem a oxidação de gorduras e sua deposição em artérias e veias, evitando, assim, a diminuição do calibre dos vasos e hipertensão arterial. No caso de tumores também são preventivos, pois evitam danos celulares e a malformação das células. Os flavonoides absorvem a luz nos comprimentos de onda da faixa da luz ultravioleta, protegendo as plantas dessa radiação e evitando danos a elas (SIMÕES et al., 2004). 2.4 Glicosídeos de isotiocianato Esses glicosídeos são chamados também de glicosinolatos, e estão presentes em poucas famílias vegetais como as Brassicaceae; como exemplo de plantas dessa família temos brócolis, mostarda, repolho, colza etc. (ROBBERS; SPEEDIE; TYLER, 1997). Possuem odor característicos, porque em sua estrutura há um átomo de enxofre conjugado à glicose; para as plantas são como inseticidas, pois seu odor afasta os insetos. Farmacologicamente esses compostos reduzem o risco de formação de células cancerígenas, principalmente aos cânceres ligados ao estradiol (ROBBERS; SPEEDIE; TYLER, 1997). Há outros compostos organossulforados, com átomos de enxofre em sua estrutura, como o caso da aliina, que é encontrado no alho. O alho quando esmagado, libera a aliinase, enzima que vai converter a aliina em alicina, responsável pelo odor e sabor do alho, bem como suas atividades farmacológicas como antimicrobiano, antiagregante plaquetário (ALONSO, 2008; ROBBERS; SPEEDIE; TYLER, 1997). 40 Unidade I Aliina (inodora) Ácido pirúvico 2 mols espontaneamente Alicina (odor característico do alho) Aliinase Figura 9 – Formação de alicina Fonte: Robbers, Speedie e Tyler (1997, p. 68). 2.5 Antraquinonas As antraquinonas são estruturas derivadas da oxidação de fenóis — no caso, do antraceno, daí o nome antraquinona — que atuam no trato gastrintestinal. Veja sua estrutura na figura a seguir: 9,10-antraquinona 1,8-di-hidroxi-antraquinona 1,8-di-hidroxi-oxantrona Figura 10 – Estrutura de antraquinonas As antraquinonas também podem ter sua estrutura acoplada a açúcares, chamadas de glicosídeos antraquinônicos (BARNES; ANDERSON; PHILLIPSON, 2012), como ilustra a figura a seguir. 41 FITOTERAPIA CLÍNICA Crisofanol Senosídeo A Figura 11 – Antraquinonas O-glicosídicas Essasantraquinonas estão relacionadas principalmente à atividade laxativa ou catártica (laxativo drástico), a depender da dose e da forma que se encontram (oxidada ou reduzida), pois atuam “irritando” a mucosa intestinal e aumentando a histamina, o que provoca aumento de movimento peristáltico. Outros dois mecanismos de ação estão relacionados às antraquinonas. Um deles é a inibição dos canais de cloreto (ou cloro), que faz com que se diminua a reabsorção de água da luz intestinal e, consequentemente, se formem fezes mais fluidas, mais fáceis de serem excretadas (FALKENBERG, 2017). A inibição da bomba Na+/K+ATPase é outro mecanismo que justifica a atividade laxativa das antraquinonas, pois, quando se tem a inibição da bomba, há alteração de sódio e potássio, ativando um segundo mecanismo — a inibição da bomba Na+/Ca+2 — que promoverá um aumento de Ca+2 e, consequente, da contração muscular, além da diminuição de reabsorção de água da luz intestinal (GUYTON; HALL, 1997; MALIK; MULLER, 2016). Unindo-se esses mecanismos, que são diminuição na reabsorção de água da luz intestinal e aumento de movimentos peristálticos, teremos uma ação laxativa, que pode ser mais drástica (catártica) se tivermos uma dose mais elevada ou a estrutura antraquinônica na forma reduzida; isto ocorre quando a planta é recém-colhida — porém, se ficar exposta ao ambiente, sofrerá oxidação, tornando sua ação mais branda (COSTA, 1994). Os compostos antraquinônicos não devem ser utilizados continuamente, devido ao risco de provocar inflamações severas no intestino com escurecimento da mucosa intestinal, prolapso retal e até câncer de cólon (SIMÕES et al., 2017). 42 Unidade I 2.6 Glicosídeos cardioativos Os glicosídeos cardioativos são encontrados em pequena quantidade nas plantas. Esses compostos são responsáveis por várias intoxicações involuntárias, pois possuem dose tóxica muito próxima da dose efetiva, e tempo de meia-vida longo — por exemplo, a digoxina possui tempo de meia-vida entre 30 e 40 horas (COSTA, 2002). Possuem açúcares em sua estrutura, cuja genina é composta por núcleo esteroidal e anel lactônico, sendo que este último pode ser pentagonal, denominado cardenolídeos, ou hexagonal, denominado bufadienolídeos, como ilustra a figura a seguir. Cardenolídeos Bufanolídeos Porção açúcar - desoxiaçúcares Anel lactônico pentagonal a-β insaturado Anel lactônico hexagonal a-β insaturado Figura 12 – Glicosídeos cardioativos Os glicosídeos cardioativos são indicados em casos de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), pois aumentam força de contração cardíaca, diminuem frequência cardíaca e aumentam o débito cardíaco. Possuem alta afinidade pelo miocárdio, concentrando-se nesse músculo (COSTA, 2002). Seu mecanismo de ação inibe a bomba Na+/K+ATPase, havendo aumento de Ca+2 e formação do complexo actina-miosina, que promoverá a contração cardíaca (SIMÕES et al., 2004). 43 FITOTERAPIA CLÍNICA Os chás com plantas ou drogas que contenham glicosídeos cardioativos não são recomendados devido ao seu potencial tóxico (ALONSO, 2008). Pacientes que façam uso de cardioativos, como digoxina (princípio ativo extraído da dedaleira), devem ter especial atenção, pois há várias interações medicamentosas. Por exemplo, com diuréticos que não sejam poupadores de potássio: eles provocam perda de água, sódio e potássio, além de um aumento de cálcio, o que estimula a contração cardíaca — como os glicosídeos cardioativos também aumentam o cálcio e a contração cardíaca, pode haver uma potencialização da ação, com intoxicação e possível parada cardíaca em sístole. Outra interação dos glicosídeos cardioativos que demanda atenção é com medicamentos para emagrecer cuja composição inclua plantas ou drogas vegetais que tenham antraquinonas: como visto anteriormente, as antraquinonas inibem a bomba Na+/K+ATPase, que ativa a inibição da bomba Na+/Ca+2, com posterior aumento na concentração de cálcio intracelular, o que também pode aumentar a contração cardíaca. Por fim, outra interação a se destacar, não menos importante, é com medicamentos para osteoporose, que contêm cálcio absorvível, com glicosídeos cardioativos. Nesse caso, haverá aumento de cálcio no organismo, podendo gerar um aumento da contração cardíaca e parada cardíaca em sístole (BRUNETON, 2001; SIMÕES et al., 2004). 2.7 Saponinas As saponinas são estruturas semelhantes a sabões, possuem como genina dois núcleos, o triterpeno ou o núcleo esteroidal; como são tensoativas, possuem cadeia de açúcares ligada à genina. São os glicosídeos saponínicos. Saponina monodesmosídica Saponina bidesmosídica Figura 13 – Saponinas triterpênicas 44 Unidade I Solaviasídeo Sarsaparrilosídeo Figura 14 – Saponinas esteroidais As saponinas, como tensoativos, formam espuma persistente, por pelo menos 15 minutos, e é muito utilizada em processos de lavagem, limpeza. São tóxicos para os peixes, pois alteram a tensão superficial da água, fazendo com que os peixes não consigam realizar as trocas gasosas, morrendo afogados. Também são utilizados como estabilizantes de emulsões, e as saponinas esteroidais são matéria-prima para medicamentos como os hormônios e os anti-inflamatórios esteroidais, pois delas é extraído o núcleo esteroidal (GENNARO, 2004). As saponinas se complexam com lipídeos e possuem atividade hipocolesterolemiante, pois complexam com gorduras exógenas (ingeridas na alimentação). Um estudo demonstrou, em laboratório, que saponinas são capazes de facilitar a retirada de colesterol da membrana de células tumorais de bexiga, o que demonstra uma possível ação tóxica direta das saponinas sobre as membanas celulares; esses mesmos autores descobriram que as saponinas não influenciam a quantidade de colesterol nas membranas endossômicas ou lipossômicas dessas células (BOTTGER; MELZIG, 2013). Por complexarem com lipídeos, a atividade antimicrobiana das saponinas é bem notada, pois, dependendo da concentração de saponina, ela pode ser bacteriostática ou bactericida. Esse mecanismo explica a atividade hemolítica das saponinas (ALONSO, 1998). A complexação com lipídeos também está sendo utilizada na elaboração de medicamentos quimioterápicos e vacinas, pois as saponinas abrirão poros nas células, facilitando a entrada do quimioterápico nas células cancerígenas. Os complexos imunoestumulantes (Iscom) são utilizados na fabricação de vacinas. As saponinas, preparadas com as técnicas adequadas para serem usadas nos Iscom, “envolvem” o antígeno; quando tais complexos são aplicados, as saponinas serão liberadas primeiro, provocando uma irritação no local que aumentará a migração de anticorpos e, consequentemente, a resposta imunológica (CIBULSKI et al., 2016; SIMÕES et al., 2004). Além disso, as saponinas têm atividade expectorante, pois irritam as vias aéreas superiores, provocando estímulo de tosse, e mucolítica, já que alteram a tensão superficial do muco, fazendo com que fique mais fino e, portanto, mais fácil de ser expectorado (SINMISOLA; OLUWASESAN; CHUKWUEMEKA, 2019). 45 FITOTERAPIA CLÍNICA Podem, ainda, ter atividade diurética, e até laxativa, por serem irritativas (sabões), mas não devem ser ingeridas a longo prazo (GENNARO, 2004). Como facilitam a entrada de substâncias nas células, podem aumentar a concentração de alguns fármacos dentro delas, provocando reações indesejadas (SIMÕES et al., 2017). As saponinas esteroidais podem ser anti-inflamatórias, porém, deve-se ter cuidado com a dose e o tempo de utilização, pois, ao serem hidrolisadas no organismo, elas liberam o núcleo esteroidal que pode ir para a formação de hormônios e cortisol no organismo. O uso contínuo pode provocar, entre outros efeitos, um efeito mineralocorticoide, com aumento de pressão arterial, e rash cutâneo (SIMÕES et al., 2017). 2.8 Alcaloides Alcaloides são substâncias que têm sua origem biossintética nos aminoácidos; devido à variedade de aminoácidos que podem lhes dar origem, os alcaloides possuem diversas atividades farmacológicas
Compartilhar