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FUGAS | Público N.º 12.268 | Sábado 2 Dezembro 2023 Uganda O segredo dos olhos dos gorilas de Bwindi Comboios Uma viagem ao Douro (e ao passado) no Presidencial Casa da Guitarra Alfredo Teixeira, um dos últimos violeiros do Porto Superbrand Portugal 2023 NotíciasFlix 4 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 África Há 30 anos, o Uganda recebia os primeiros turistas em busca dos gorilas de montanha, nesse lugar remoto que continua a despertar o imaginário chamado Floresta Impenetrável de Bwindi. Sousa Ribeiro (texto e fotogra a) O segredo dos olhos de Kavuyo Uganda Sábado, 2 de Dezembro de 2023 | FUGAS | 5 a Adelaide Mulo nasceu em Kampa- la em 1992. Um ano antes, uma antiga reserva era transformada em parque nacional. Um ano depois do seu nas- cimento, essa densa oresta, alega- damente impenetrável, situada nos vales de Kabale que não raras vezes se deixam envolver pelas brumas, recebia os primeiros turistas em bus- ca de um encontro com os gorilas, com a família Mubare. Situado a uma altitude entre os 1160 e os 2600 metros acima do nível das águas do mar e cobrindo uma área que se estende ao longo de 330 km2, Bwindi continua a despertar o imagi- nário dos turistas e dos mais intrépi- dos viajantes – Bwindi, o nome soa exótico. E mais ainda deveria soar para todos aqueles que o abarcavam nos seus sonhos em 1993, pouco antes de ser integrado na lista de Patrimó- nio da UNESCO. Trinta anos se passa- ram. Adelaide Mulo nunca viu um gorila a escassos metros e, naquela noite, véspera de percorrer os trilhos que, mais tarde ou mais cedo, podem conduzir a um deles, parecia nervosa, mais inquieta do que nunca. - Desde que me lembro, sempre tive medo de animais, desde o mais frágil pintainho ao mais fo nho dos cães. Toda a gente me diz que é mági- co o momento em que camos cara a cara com um gorila, no meio da o- resta. Fico com a sensação de que algo pode correr mal, que um deles decide, de repente, caçar um ser humano – e esse ser humano posso ser eu. Parece, mesmo agora, à dis- tância, que o único som que consigo escutar é o do meu coração a bater fortemente. A chuva caía incessantemente, os relâmpagos iluminavam a noite de todas as trevas, os trovões eram como um castigo sobre a terra, tudo contri- buindo, no seu conjunto, para desas- sossegar Adelaide Mulo. Eu olhava para ela, sem que ela se apercebesse. Por momentos, afundado no sofá, revia a tarde, os nomes das aldeias por onde passara, os rostos, a paisa- gem, enquanto aguardava, sem qual- quer ansiedade, a convocatória do sono que tardava em anunciar-se. A manhã despertou, não era a chu- va que caía, era o rio que corria, cheio de pressa, chegando aos meus ouvi- dos como uma melodia. Escutei o silvo de um pássaro e, desde o meu quarto, por entre as cortinas, de um tecido de cores suaves, senti os pri- meiros raios de sol insinuarem-se. A sala, mais além, abria-se para um pequeno-almoço generoso. Ade- laide Mulo não sorria e desviara, neste ou naquele momento, o olhar do meu, como alguém que atribui a mim a culpa por provavelmente não ter descansado. - Tenho receio e sinto uma tremen- da ansiedade. O meu estômago revol- ve-se, quero vomitar e chorar ao mes- mo tempo. Daniel Mjawulo, sempre tão pro s- sional, atento, já nos esperava no jipe pintado com as cores da oresta. Uganda, a pérola de África, como de niu o país Winston Churchill, cati- vava-me a cada instante. Eu começa- va a gostar do Uganda, daquele verde, tão verde, que o caracterizava. As perguntas dos turistas Um gorila em betão domina a entra- da, há uma certa agitação, há rangers por aqui e por ali, alguns militares. Numa sala, contra uma parede quase nua vestida de verde, mulheres vão dançando a um ritmo que parece que- brar aquela sonolência matinal entre os turistas, sentados em cadeiras sobre as quais incidem os primeiros raios de sol, enquanto escutam os conselhos que precedem a imersão na oresta. O jipe, sempre conduzido por Daniel Mjawulo, percorre trilhos de terra batida durante pouco mais de meia hora. O cenário não difere mui- to de qualquer outro em África, são as primeiras horas do dia, as povoa- ções que abandonam a sua letargia, homens e mulheres que partem, as crianças que, deixando a aldeia, rumam às escolas, as plantações de banana, de chá, de milho, a vegetação mais densa ainda, por onde, depois, a pé, se embrenha o grupo. Um ramo parte-se quando lhe dei- to a mão para me segurar. Caminho como se o zesse sobre um trapézio, num circo, num equilíbrio instável. Adelaide Mulo estremece perante o silêncio e receia os sons da oresta; e pergunta-me se estou bem. Eu sei que ela não está bem. Que teme o próxi- mo passo. Parece recuperar alguma serenidade quando recebe um sorri- so. Mas é efémera. Há não muito tempo, Adelaide Mulo estudava ciência biomédica no Canadá. Agora, uns anos depois, esta- va na iminência de se cruzar, pela primeira vez durante a sua existência, com um gorila. Ao meu lado, apercebendo-se daquele receio que teima em não se afastar, ele ri-se. Amos Nduhukire, que começou a desenvolver a paixão pelos gorilas quando era ainda estu- dante, em 2007, é um ranger com experiência. E fala-me, quase em segredo, de turistas, de homens e de mulheres que, num tempo ou noutro, expressaram o desejo de uma fami- liaridade com “os nossos primos”, como ele os de ne, impossível de materializar. - As perguntas mais bizarras que me zeram, desde que comecei a tra- balhar com os gorilas, em 2012, foi se podiam abraçar os bebés, se podiam oferecer uma banana, se podiam estender o cabelo para os bebés lhe tocarem, se podiam colocar-se atrás deles para uma fotogra a. Rimo-nos muito os dois mas c 6 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 Adelaide Mulo não consegue perce- ber aquele estado de espírito. As horas de espera Ela está mais tensa do que nunca enquanto espreita, temerosa, os gori- las em cima das árvores, alimentan- do-se. - Agora, o melhor é sentarem-se e esperarem até que os gorilas desçam das árvores. Pode demorar uma hora, três horas ou oito horas. Há, no rosto de Osbert Akampuri- ra, outro ranger, a trabalhar em Bwin- di desde 2011, um sorriso. Um sorriso malandro, atrevo-me a pensar e a escrever. Na oresta, a vida não é fei- ta de pressa. Ele tem uma grande paixão pelos gorilas que já se estende aos seus lhos, que o enchem de per- guntas mal chega a casa. mensagem em modo de vibração. Chego a um espaço em parte aberto, sob árvores de troncos esguios, como vassouras, acolhendo um gorila que, correspondendo ao som que emito, levanta a cabeça e se deixa car por ali, sereno, como alguém que nada tem mais para fazer durante o resto do dia. Ele é Makara. De repente sou assaltado pelos ruí- dos, de galhos partidos, de vozes. O grupo aproxima-se e um dos elemen- tos pede-me que lhe deixe ocupar a minha posição privilegiada para foto- grafar. Eu permito e parto, novamen- te atrás de Osbert Akampurira, até ao limite da oresta, de onde já quase se consegue avistar a aldeia onde os gorilas, de quando em quando, gos- tam de assomar. Amos Nduhukire tem conhecimen- África to dessas incursões. - Eles procuram mudar um pouco a sua alimentação, comer bananas e folhas de eucalipto, importantes para sua dieta e para estabilizar pos- síveis dores de estômago de que pos- sam ser alvo. É bom não esquecer que há muitos anos os gorilas ocupa- vam um extenso habitat que foi tre- mendamente destruído pelo homem para dar lugar à construção e ao cul- tivo das terras. O gorila espreita por entre a vege- tação. Ele é Kavuyo. - Kavuyo tem entre 30 e 35 anos, é um dos mais velhos da família Habinyanja e o vice-líder. Habinyanja signi ca um lugar com muita água, deriva da palavra Enyanja, que quer dizerlago, um lago no meio da ores- ta impenetrável. Amos Nduhukire revela sempre prazer na conversa, em falar dos gori- las, de uma das mais de duas dezenas de famílias que habitam a Floresta Impenetrável de Bwindi. De acordo com os últimos números haverá 459 gorilas em Bwindi, o que corresponde a mais ou menos metade da popula- ção mundial (o resto encontra-se no vizinho Parque Nacional Virunga, no Ruanda) e representa um forte incre- mento quando comparado com o censo de 2006, que apontava para a existência de 340 gorilas. - Há muitos anos, os gorilas eram chamados de acordo com o lugar onde haviam sido avistados pela primeira vez. E, individualmente, recebiam nomes que tinham a ver com o seu carácter, a sua principal característica e também com o lugar de nascimento. É muito fácil perceber quem é quem. O gorila corre paralelo aos meus passos, há um arame farpado e alguma vegetação que nos separa. Não sinto qualquer receio. Ele também não. Mais à frente, há um buraco que sepa- ra a oresta do descampado que con- duz à aldeia. Osbert Akampurira espe- ra por ele; eu também. O gorila faz a sua aparição e continua, na sua passa- da vagarosa, ao encontro de uma árvo- re, da qual parte um ramo com a faci- lidade com que eu quebro um palito. Eu olho para ele, ele olha para mim. Os nossos olhares cruzam-se a cada instante. Um pouco atrás de mim, recortan- do-se contra a paisagem verde onde se destaca uma árvore despida, avisto Adelaide Mulo. Por instantes não sei se o gorila olha para mim ou para ela. - Pensei que fossem maiores, gran- des como elefantes. Naquele olhar, agora por cima do ombro, há um segredo. Talvez ele se sinta grato pelo comentário de Ade- laide Mulo. Por parecer mais magro do que os 200 quilos que pesa. É o segredo dos seus olhos. Desses olhos e desse olhar que guardarei na memória até que a memória desse encontro feliz com Kavuyo me falhe. - Eles querem ser guias e proteger os gorilas. Eu falo-lhes deles da minha experiência, de como gosto da forma como eles se alimentam, como se movem, como interagem connosco. Os gorilas são criaturas adoráveis e pací cas. Tenho todo o tempo do mundo mas dois ingleses, tendo apenas per- cebido na noite anterior que o voo de regresso a Inglaterra era às três da manhã e não às três da tarde do dia seguinte, sentiam-se pressionados. Abandono o grupo e, obedecendo ao gesto de Osbert Akampurira, sigo os seus passos, sempre em silêncio. Ele detém-me por uns segundos para me explicar, sussurrando, como devo fazer para tranquilizar um gorila caso o aviste a curta distância. O som semelha-se, em parte, ao de um telemóvel quando recebe uma O verde é uma constante na paisagem, com as suas plantações de banana, de chá, de milho, retratos de um país que seduz a cada instante Sábado, 2 de Dezembro de 2023 | FUGAS | 7 No início era a bicicleta, o m era a mulher a Ninguém se ri como ele. Cada con- versa, cada pergunta, cada resposta, tudo provoca em Simplicious Gessa uma gargalhada, como uma felicida- de que ultrapassa qualquer outra felicidade. Conheci-o em Kampala, uns minutos antes de ele abrir a porta para Abigail Hambers entrar no jipe de oito lugares conduzido por Daniel Mjawulo. Ele ligara para ela e ela, a poucos metros de distância, numa estação de serviço, respondera-lhe: - Estou aqui a olhar para vocês. E ele respondeu: - Não é para estares a olhar para nós, é para vires para o carro. E riu-se muito. Ela também se iria rir muito ao lon- go dos dias seguintes mas, naquele momento, quando a tarde se extin- guia, Abigail Hambers dormia com a cabeça encostada ao vidro da viatura no exacto instante que precedeu mais uma gargalhada de Simplicious Ges- sa, quando eu, na minha ingenuida- de, comentei que, por estes lados, já tão perto de Bwindi, havia muitas crianças. - É a única actividade recreativa por estes lados. Ri-se com vontade e recorda os tempos, há uns 13 anos, quando foi enviado, como representante da Uganda Wildlife Authorithy (UWA), desde Kampala para a oresta, num trajecto, feito de carro, que lhe rou- bou um dia inteiro. - Dormi durante dois dias e, no ter- ceiro, regressei a Kampala. Resignei ao cargo que me fora oferecido na área da conservação dos gorilas. Haveria de voltar. Quando chega ao local que acolhe os turistas na antecâmara do trekking, Simplicious Gessa volta a sorrir quan- do alguém, também por entre um sorriso, lhe bate a pala. Mais do que o respeito ou a existência de uma hie- rarquia militar, sobressai a amizade, a mesma que me despertara a aten- ção quando ele assomara, na véspera, ao Ride 4 a Woman, quase desapare- cendo no meio daquele amplexo de Evelyn Habasa. - É assim que sou recebido aqui. Eu brinco com Simplicious Gessa e digo-lhe que também eu sou acolhido da mesma forma. Ele olha-me, na expectativa. Evelyn Habasa não me desilude e envolve-me num forte abraço, com um sorriso dócil encai- xando-se na moldura da sua cara. - Esta é também a tua casa. Ela sabe quem está a abraçar, alguém com quem mantivera contac- to nos dias que antecederam a minha chegada a Buhoma. Corria o ano de 2009 quando Evelyn Habasa, natural de Bwindi- Buhoma, decidiu criar o Ride 4 a Woman, uma organização não gover- namental focada em fortalecer, antes de mais, o papel das mulheres, social e económico, de uma dúzia de aldeias próximas, mulheres solteiras, viúvas, mulheres vítimas de abusos, mulhe- res infectadas com sida, mulheres que não tiveram oportunidade de frequentar a escola. William e Lillian Katarihwa eram os nomes dos pais de Evelyn Habasa. - Tenho vagas memórias da minha mãe com um vestido vermelho do qual toda a aldeia falava. Num tempo da sua vida, c PUBLICIDADE As mulheres, agora tantas vezes sorridentes, mais respeitadas pelos homens, dedicam-se à costura e a outras actividades que conferem outro estímulo aos seus dias 8 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 150km Kampala EntebbeFloresta Impenetrável de Bwindi Lag o V itória Lago Albe rt Branco Rio Nilo Q U É N I A S U D Ã O D O S U L R E P. D E M . D O C O N G O T A N Z Â N I AR U A N D A EnteEntebestata ávell indi Lag T AR U A N D AAAAAAAAAA UGANDA África Lillian Katarihwa, mãe de mais sete lhos, não possuía outro. Lavava o vestido vermelho mal o sol se punha e logo o ajustava ao corpo na manhã seguinte. Evelyn Habasa está sentada à mesa com o marido, Denis Rubalema, reti- rando prazer do almoço confecciona- do por ela. Eu ganho coragem para a provocar. - Aqui mandam as mulheres. E em casa? Ela responde sempre com uma expressão terna desenhando-se no rosto. - Quem cozinha. Eu cozinho, se não cozinhar ele não come. O marido sorri. Parece satisfeito com o que tem à sua frente, no prato. A conversa torna-se mais séria. Ela recupera o tema: - A minha mãe sempre me falava dos direitos das mulheres, sempre me disse que eu precisava de ir para a escola para ajudar as mulheres, as minhas amigas da aldeia. E encho-me ainda mais de coragem para tentar perceber e situar o momento em que Evelyn Habasa sen- tiu necessidade de patrocinar as mulheres. - A relação entre os meus pais era boa, apenas um pouco de abuso ver- bal mas sem violência física. Diferente era aquela que marcava a das mulheres da aldeia com os seus maridos, pelo menos daquelas de quem lhe chegava o eco. - Tantos traumas, especialmente das mulheres que ajudamos actual- mente. Algumas das histórias que elas nos contavam eram terríveis. Uns olhos que por vezes parecem mortiços e doridos, como que conta- giados pelo sofrimento dessas mulhe- res anónimas, brilham de repente, como um raio de sol pelo meio de um aguaceiro no instante em que Evelyn Habasa recorda os primeiros dias do Ride 4 a Woman, o projecto solidárioque teve o seu início com o aluguer de bicicletas, cujas receitas eram des- tinadas a apoiar as mulheres. - A primeira pessoa foi uma senho- ra que nos perguntou se podíamos alugar a bicicleta para ela andar pelo meio da oresta. Tínhamos cinco quando ainda estávamos a dar os pri- meiros passos e lembro-me bem de que pagámos 150 dólares americanos pela primeira. Não era fácil: as estra- das, as chuvas, a oresta, era um pro- duto que não era fácil de vender. Escapando dos abusos A bicicleta presidiu à base em termos comerciais mas a ideia original, falan- do da guesthouse, residia num hostel que acolhia pessoas vítimas de violên- cia doméstica. - Um lugar para onde uma mulher podia fugir dos seus problemas e per- manecer por uma noite. Mas no momento em que a aldeia percebeu que as mulheres tinham um lugar para fugir, os homens, temendo as consequências, deixaram de agredir as mulheres. E foi nessa altura que tivemos de transformar o hostel numa guesthouse. Evelyn Habasa concede-me liber- dade para errar por ali, para ver as mulheres atrás das suas máquinas de costura, algumas delas da marca Sin- ger, fazendo-me lembrar a minha avó materna e a minha infância feliz. E, num outro extremo, para onde sou encaminhado pela simpática Shallon Twijukye, um outro grupo cria, manualmente, bonitos cestos. - Fico muito feliz por ver as mulhe- res a trabalhar ao meu lado. Elas sen- tem-se reconhecidas, importantes mesmo, no seio das suas comunida- des, reconhece Evelyn Habasa. Estas mulheres, pouco mais de 60 nos dias de hoje, aprenderam a cos- turar e a produzir outros materiais e têm garantida, diariamente, uma refeição, bem como as suas remune- rações de 15 em 15 dias – 50% da recei- ta da guesthouse destina-se aos paga- mentos e diferentes apoios. No total, o projecto Ride 4 a Woman, que começou com 16 pessoas, tem agora três centenas de membros registados, incluindo 15 homens. Outros, fora de portas, começam a assimilar a impor- tância desta ideia materializada aos poucos por Evelyn Habasa. - No início não eram apoiadas mas, mais tarde, os homens perceberam Não há qualquer ligação aérea directa entre Portugal e o Uganda. Será obrigado a algum trabalho de pesquisa para encontrar o voo que mais lhe convém, até descobrir a melhor relação entre duração total do mesmo e a tarifa mais económica. Uma das melhores opções passa pela Emirates, com uma única escala, no Dubai, até chegar (voo operado pela Fly Dubai) a Entebbe, com preços (ida e volta) a rondar os mil euros. De resto, as alternativas implicam sempre duas escalas, que podem ser, após uma primeira numa cidade europeia, em Adis Abeba (com a Ethiopian Airlines), no Cairo (a Egyptair voa duas vezes por semana para Entebbe), em Nairobi (servida, entre outras, pela KLM, Air France e British Airways), com ligações a Entebbe com a Kenya Airways e a Uganda Airlines – conciliar um voo com esta última é outra possibilidade, uma vez que serve aeroportos como Joanesburgo, Dar es Salaam e Dubai, por exemplo. Do aeroporto de Entebbe são pouco mais de 40 quilómetros ao longo de uma auto-estrada de construção recente até Kampala. Pode optar por um táxi (cerca de 30 euros) ou pelo transporte público, as minivans conhecidas por matatus (entre três e quatro euros) ou motorizadas localmente designadas boda boda (ideais para se mover em Kampala mas não para grandes distâncias porque tornam-se mais caras que uma matatu). A partir da capital do Uganda, com os seus 1,8 milhões de habitantes, pode recorrer a um voo interno até Kihihi, o aeródromo mais próximo de Bwindi (um pouco mais de uma hora), devendo para tal consultar os horários e as tarifas com a Aerolink (www.aerolinkuganda. com) ou, se não se incomodar com umas dez horas de viagem, aos autocarros que, duas vezes por dia, cumprem o trajecto entre Buhoma e Kampala e vice-versa. A melhor época para visitar o país, com poucas variações de temperatura (entre os 24 e os 30 graus), é durante as estações secas, entre Dezembro e Fevereiro e entre Junho e Agosto. Esses são os meses ideais, aqueles que oferecem melhores condições climatéricas para caminhadas e observação dos gorilas e de outras espécies. A temporada das chuvas confere, ainda assim, algumas vantagens, revelando-se mesmo uma opção inteligente: entre Setembro e a primeira quinzena de Dezembro – e entre finais de Fevereiro e Maio – os gorilas não têm necessidade de procurar comida nas zonas mais altas e podem ser avistados mais facilmente, enquanto a floresta se veste de um verde exuberante e acolhe as aves migratórias que chegam nessa época. Shaka Zulu Plot 5, Campeling Road, Kiswa - Bugolobi Kampala Tel.: 00 256 702 649 999 Cozinha tradicional de excelência na capital do Uganda, com deliciosos estufados (entre 3,50 e 6€) e o famoso luwombo, um guisado cozinhado em folhas de banana (6€). Dolphin Suites Plot 36, Princess Anne Drive - Bugolobi Kampala Tel.: 00 256 752 711 277 www.dolphinsuites.co.ug E-mail: info@dolphinsuites.com.ug Preço: a partir de 80€ por um quarto duplo. Ride 4 a Woman 156, Kanungu Buhoma Tel.: 00 256 785 999 112 www.ride4awoman.org E-mail: ride4awoman@gmail.com Preço: desde 100€ por um quarto duplo mas pode optar também por meia pensão (120) ou pensão completa (150) – e não deixe de experimentar, ao almoço (10€) ou ao jantar (12€), os pratos confeccionados por Evelyne Hasaba. Os portugueses carecem de um passaporte com validade de pelo menos seis meses e de um visto. Este, no valor de 50 dólares americanos, deve ser obtido online (https:// visas.immigration.go.ug/). Entre os documentos solicitados está o da vacinação contra a febre amarela e, uma vez aprovado o visto, deve imprimi-lo e munir-se dele – as próprias companhias aéreas solicitam-no por vezes na altura do check-in e o mesmo acontece na chegada ao país. As línguas oficiais do Uganda são o inglês e o suaíli. A moeda é o xelim ugandês – um euro equivale a 4150 xelins. Diferença horária: às 12h em Lisboa são 15h em Kampala. que, garantindo elas receitas a partir do projecto por nós criado, eles pró- prios começaram a manifestar o seu apoio; e, neste momento, quando uma mulher não vai trabalhar, o mari- do é o primeiro a perguntar por que razão a mulher ca em casa. Graças aos esforços desenvolvidos por Evelyn Habasa, mais de mil famí- lias dispõem já de água potável dentro da comunidade, um outro programa promove a educação entre as crian- ças cujos pais, vivendo numa pobreza extrema, não têm capacidade para os enviar para a escola – o apoio estende- se a todos com cinco ou mais lhos. As mulheres carregam agora, ao nal da manhã, alguns instrumentos musi- cais. Não tardam estão a cantar e a dançar sob um céu que se vai enchen- do de nuvens ameaçadoras. Evelyn Habasa não quer car por aqui. Enquanto se desdobra nas suas tarefas, entre elas cozinhar perante o olhar de alguns turistas, vai enume- rando os novos projectos que tem em mente, como uma escola primária, instalação de painéis solares nas casas, microempréstimos, doação de cabritos. As mulheres, sorridentes, conti- nuam a cantar e a dançar no exte- rior e, não tarda, a elas se junta Abigail Hambers, feliz, como uma criança. Simplicious Gessa, sentado numa cadeira de plástico sobre aquele relvado verde, assiste. E ri-se. Ri-se muito. 10 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 Passeio Uma experiência gastronómica ancorada em produtos regionais, num comboio dos anos de 1930 que transportou chefes de Estado (incluindo uma rainha). Pode demorar um dia inteiro e nunca cansar se tiver como cenário o magní co vale do Douro. Carlos Cipriano O Comboio Presidencial leva-nos a viajar no tempo pelo vale do Douro a “A paisagem do Douro é uma das belas do mundo.” Quem o diz é o presidente da CP, Pedro Moreira,ele próprio duriense (é natural de Mesão Frio) e, por isso, suspeito de uma declaração tão apaixonada. Mas muitos dos passageiros que no dia 15 de Novembro participaram na viagem de apresentação do Com- boio Presidencial entre o Porto e o Pocinho, acabariam por lhe dar razão. Uma viagem pela linha do Douro é uma experiência deslum- brante, mais ainda se for realizada num comboio vintage, degustando um menu preparado por um chef famoso, Chakall, e que vai sendo servido – calmamente – durante o percurso. Começa-se com uma “Bye bye francesinha”, servida nos comparti- mentos, pouco depois de o comboio sair do Porto. Já não há carruagens assim, com cabines com alcatifa, estofos aveludados, abas para encos- tar a cabeça, cortinas presas por DR Sábado, 2 de Dezembro de 2023 | FUGAS | 11 concelho o único do país a acomodar dois Patrimónios da UNESCO. Fá-lo-á no Pocinho, durante uma conferência de imprensa no edifício da estação. Mas, por enquanto, ain- da estamos no Pinhão, uma bonita estação, famosa pelos seus azulejos com motivos durienses e cujo inte- rior foi transformado numa wine house, que poderia também cha- mar-se loja de vinhos, mas que é nome pomposo que faz jus ao turis- mo e à histórica presença britânica no sector do Vinho do Porto. Aproximamo-nos do Tua, de onde se avista a polémica barragem e o que resta de uma via-férrea icono- grá ca que desta estação subia até Mirandela e Bragança. Fechou, víti- ma de décadas de desinvestimento e da barragem que lhe ditou a sen- tença de morte. A estação do Tua está igualmente bem preservada. As umbreiras das suas portas assinalam os gabinetes do “chefe” e do “telégrafo”, tes- cintas de couro, espelhos e rede para pousar a bagagem. Uma autêntica viagem no tempo, que em breve prossegue noutra carruagem quan- do os passageiros são convidados para se dirigirem aos salões-restau- rante onde, no m de contas, acaba- rão por passar a maior parte do dia. O Comboio Presidencial é requin- tado e surpreendente. Tem compar- timentos que se transformam em quartos de dormir, salões, cozinhas, recantos. A decoração dos anos de 1930 recorda-nos que estamos, de facto, a bordo de uma peça de museu. Em duas das carruagens o mobiliário é novo, mas não parece. Foi desenhado pela Antarte, uma empresa de móveis e decoração que concebeu várias peças em exclusivo para este comboio, com um design perfeitamente enquadrado no espí- rito da época. Degusta-se uma entrada de azei- tonas, manteiga frita e pão. Não há pressa. Este é um dos sítios onde não nos importamos que o serviço seja moroso porque as cadeiras são confortáveis, não há urgência em chegar a lado nenhum e a paisagem é um encanto para os sentidos, sobretudo agora que, atravessado o túnel do Juncal (concelho de Marco de Canavezes), descemos para Mos- teiró (concelho de Baião) avistando à direita o rio Douro, do qual não nos separamos até ao m da via- gem. O menu prossegue com uma sopa de castanhas com pato des ado. Segue-se um duo de croquetes de polvo e rabo de boi e um terceiro prato – tartar de vitela mirandesa, fortuna e couves asadas das encostas do Douro. Por esta altura já passámos a Régua e a barragem de Bagaúste, graças à qual o Douro, que até há pouco se avistava uns metros lá em baixo, voltou a car ao nível da via- férrea transformado num caudal imenso, domesticado, onde se espe- lham as cores outonais dos vinhedos que, em socalcos, se avistam nas suas encostas. As quintas por entre os socalcos E com as vinhas avistam-se as quin- tas. São muitas as que se podem ver desde a janela do comboio. A Quin- ta da Pacheca, a do Vallado, a de Vale Abraão, morada do Six Senses Hotel, a da Vacaria, a do Crasto, a do Caleiro, a Quinta Nova, a do Sei- xo, a da Bela Vista, a de la Rosa, a do Bon m, a de Ventozelo, a da Roma- neira, a Quinta Vale Meão, a Quinta do Vesúvio. O vale do Douro é um espectáculo. Já aqui foi dito. E João Paulo Sousa, presidente da Câmara de Foz Côa, recordará que é por isso, graças à sua paisagem, aos seus vinhos e vinhas, que o Douro é Património da Huma- nidade, tal como, de resto, o são as pinturas rupestres, fazendo do seu Uma viagem pela linha do Douro é uma experiência deslumbrante, mais ainda se for realizada num comboio vintage c ELISA PINTO DE FREITAS 12 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 Passeio temunhos de um tempo em que nas estações trabalhavam dezenas de ferroviários a prestar vassalagem aos monstros de aço que eram os pesa- dos comboios de passageiros e mer- cadorias, rebocados por locomotivas a vapor que faziam ecoar o seu silvo no vale do Douro. O telégrafo permitia comunicar entre estações. O chefe de estação pedia à estação seguinte o avanço para o comboio seguir, antes de lhe dar a partida. Pelo telégrafo fazia-se, assim, a gestão dos cruzamentos pois a linha é de via única e a segu- rança assentava totalmente em meios humanos. A maioria dos pas- sageiros deste comboio – essencial- mente jornalistas e agentes de via- gens – desconhece que pouco mudou desde o século XIX. Apenas o telégrafo foi substituído pelo tele- fone. No resto tudo continua igual. O agente de circulação da IP da esta- ção do Tua pede ao seu colega da estação de Vargelas avanço para o comboio número 13815 e dá a parti- da erguendo uma bandeira e soprando num apito. À linha do Douro a modernização tarda em chegar. Continua sem electri cação e sem a instalação de modernos sis- temas de sinalização (apesar da pro- messa que tal ocorreria até 2020) A paisagem muda. É mais escar- pada, xistosa, selvagem. O rio volta a afundar-se: avista-se lá em baixo, deixando adivinhar remoinhos e uma corrente mais forte. Voltará a subir na próxima barragem, a da Valeira, que não se vê do comboio porque entramos no túnel homóni- mo, à saída do qual se avista uma paisagem inaudita. Há exclamações de espanto perante este imenso espelho de água e a larga curva que o caminho-de-ferro ali faz, com o rio a beijar a linha, a escassos centíme- tros dos carris. É um dos sítios mais emblemáticos da linha do Douro e a este local está também associado o famoso naufrágio do Cachão da Valeira onde a Ferreirinha quase perdeu a vida. O Pocinho. Fim de linha. Apetece continuar, fazer o percurso até Bar- ca de Alva, de onde também se seguia para Salamanca e para Madrid. Os 28 quilómetros de rio Douro entre Pocinho e Barca de Alva merecem ser observados desde as janelas dos comboios por turistas ávidos de experiências, emoções e sensações. É isso que é dito a bordo pelos agentes de viagens, que repe- tem serem estas as características do turismo do século XXI. Um negócio a três com uma “chave de receitas” Na conferência de imprensa realiza- da na estação do Pocinho, o presi- dente da CP anuncia que o Presiden- cial vai ser comercializado na Pri- mavera durante dez ns-de-semana (20 viagens) entre Março e Maio. Custa 750 euros e incluirá ainda uma visita à Quinta do Vale Meão com prova de vinhos. Depois este comboio regressa à sua “casa” – o museu ferroviário do Entroncamento. A nal, esta compo- sição é uma peça de museu, como Na verdade, esta composição já fez mais viagens enquanto comboio turístico do que ao serviço dos três chefes do Estado que o utilizaram: Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomaz. Mas também foi com esse objectivo que em 2011 foi alvo de uma minuciosa reconstrução nas o cinas da CP em Contumil. O chef Chakall, parceiro da CP e do Museu Nacional Ferroviário nes- te projecto, contou que viajou pelo Douro para se inspirar nas receitas locais que quer apresentar no Com- boio Presidencial, bem como res- taurantes, provavelmente pouco conhecidos e com cozinheiros anó- nimos, mas que têm o reconheci- mento dos seusclientes e que vão ser convidados a apresentar os seus pratos neste projecto sobre carris. Um projecto cujos custos o presi- dente da CP não quis divulgar. Ques- tionado pelos jornalistas, Pedro Moreira explicou que o investimen- to era partilhado entre a sua empre- sa, a Fundação Museu Nacional Ferroviário e Chakall, sendo os pro- veitos distribuídos entre os três “tendo em conta uma chave de receitas em função da sua participa- ção”. Sobre o facto de o projecto ser idêntico ao desenhado pelo anterior promotor – o empresário Gonçalo Castelo Branco – , respondeu que este projecto não é uma cópia do explica o presidente da Fundação Museu Nacional Ferroviário, Manuel Novaes Cabral. “Há peças estáticas, destinadas apenas a gurar no museu e outras, como o Comboio Presidencial, que foi alvo de uma restauração dinâmica que lhe per- mite sair à linha e fazer várias via- gens por ano”, disse. O chef Chakall aproveitou a viagem inaugural para afinar alguns detalhes no menu que será servido nos próximos passeios do Presidencial DR DR Sábado, 2 de Dezembro de 2023 | FUGAS | 13 Conversas Exposições Performances Programação Infantil Workshops 4 a 9 de dezembro Biblioteca Municipal Florbela Espanca © J o ã o T u n a © R a fa e la R a m o s © D R © D R © D io g o G a n d ra © D R © M a rt a C a ld a s B a rr e ir o © D R © D R © A fo n s o A ze ve d o N e ve s © V it o ri n o C o ra g e m © D R © L u ís M o n te ir o © D R © J o rg e S im ã o © M o rs zi n s k i © D R © A n d ré F e rr e ir o que já foi feito e que “uma experiên- cia gastronómica a bordo de um comboio turístico é algo que se faz em todos os países do mundo”. Reforçou, por outro lado, que este Comboio Presidencial tem uma maior relação com vários actores da região, de que é exemplo a partici- pação de dez quintas do Douro, quando anteriormente era só uma. Nesta viagem os convidados podem escolher entre oito marcas de vinhos: Vale Dona Maria, Valla- do, Quinta do Grifo, Duorum, Quin- ta da Corte, Quinta do Valbom, Vale Meão e Ventozelo. Uma oferta vasta para acompanhar um menu de 11 pratos, incluindo as sobremesas. Quando os Presidentes viajavam de comboio Agora que iniciámos a viagem de regresso – por volta das quatro da tarde – saímos do Pocinho a comer alheira com vinho do Porto, prosse- guindo o repasto com polvo nipotu- ga, migas de tomate e coentros. A gastronomia não é uma novidade neste comboio. Os Presidentes da República que dele se serviram e as suas comitivas eram bons comen- sais, tal como contou em 2010 ao PÚBLICO Manuel Silveiro, a última testemunha viva da brigada de fer- roviários e funcionários da Wagons Lits que acompanhava o Presiden- cial. “Cinco minutos depois de sairmos de Lisboa, já ia tudo nas bebidas nas e nos petiscos. E antes de Coimbra já estavam todos a almo- çar. Era comer e beber a viagem toda”, contava o revisor de material, responsável pelo bom funciona- mento das carruagens. No regresso da Invicta (a maioria das viagens presidenciais eram entre Lisboa e Porto), que se realizava sem uma única paragem (e obrigava a que os comboios que seguiam à frente tivessem de encostar em linhas des- viadas para deixar passar o Presiden- cial), mandava-se o maquinista afrouxar a marcha para que os dig- nitários melhor pudessem apreciar a refeição a bordo. Américo Thomaz era um claro apreciador da gastronomia sobre carris e foi o chefe de Estado que mais usou o Presidencial. Consta que Marcelo Caetano, após a morte de Salazar, terá alertado para os ele- vados custos destas deslocações, recomendando que o Presidente viajasse de carro. É que o comboio tinha uma tripulação de 15 pessoas mais um maquinista e dois inspec- tores que seguiam na locomotiva. Na véspera de uma viagem presi- dencial, a composição era retirada da sua “garagem”, na estação da Cruz da Pedra, e ia e vinha até ao Entroncamento em viagem de ensaios. No dia seguinte, com o Pre- sidente a bordo, era precedida de uma locomotiva, designada “bate- dora”, que abria caminho prevenin- do um eventual atentado. Durante todo o percurso, patrulhas da GNR asseguravam a vigilância das pontes sobre a via-férrea e os operários de via eram dispostos ao longo da linha por forma a verem-se uns aos outros e não deixar um metro de carril que não estivesse vigiado. Manuel Silveira conta que Améri- co Thomaz almoçava com um gru- pinho restrito na carruagem presi- dencial, que tinha cozinha própria e à qual estavam afectos um cozi- nheiro, um ajudante e dois criados de mesa. E que os ministros e outros convidados jantavam noutra carrua- gem. Jornalistas e pides, que viaja- vam na última carruagem, não tinham direito a comer a bordo. Em 2023 também não se pára de degustar a bordo. Regressa o com- boio ao Pinhão, à Régua, o Sol já se pôs e ataca-se um cabrito mirandês com batatas. Servem-se as sobreme- sas: cavacas de laranja, roça de maçãs de Moimenta da Beira e, para terminar, um piccole de Porto ruby, o mesmo é dizer, um gelado de vinho do Porto. Uma peça de museu dinâmica Nesta viagem nunca se ultrapassou os 70 km/h. Não que a linha não des- se para mais, mas porque este com- boio – recorde-se – é uma peça de museu. Cinco das seis carruagens datam de 1890 e faziam parte do Comboio Real, tendo sido salvas dos excessos revolucionários da I Repú- blica pelos próprios ferroviários que, prudentemente, as parquea- ram num sítio discreto. É já no Esta- do Novo, nos anos de 1930, que serão modernizadas e a elas se jun- ta uma nova carruagem comprada na Alemanha. É com este formato que chegará aos dias de hoje, cons- tituindo uma das mais importantes peças do espólio do Museu Nacional Ferroviário. Quando sai à linha, merece cuida- dos especiais, sobretudo nas o ci- nas onde, de acordo com o presi- dente da CP, os operários capricham em tratá-lo bem. Não é caso para menos. Neste comboio, além dos chefes de Estado e altos cargos do Estado Novo, via- jou também a Rainha Isabel II e um importante cardeal do Vaticano. E a ele está também associado um episódio relevante da História de Portugal – o funeral de Salazar, em 30 de Julho de 1970, entre Belém e Santa Comba Dão, se bem que, nes- te caso, foi atrelada à composição mais uma carruagem para levar a urna, veículo esse que está hoje pre- servado no Museu Ferroviário no Entroncamento. Entre os ferroviá- rios dizia-se então que este foi o comboio mais atrasado da história da CP. À estação de São Bento o Presi- dencial de 15 de Novembro chegou às 20h09, com 19 minutos de atraso. Nada de grave. Ninguém mostrou impaciência para chegar mais cedo ao Porto. Esta é uma daquelas via- gens que não apetece que termine, até porque foi sempre acompanha- da pelo trio musical feminino Adlib Strings (duas violinistas e uma vio- loncelo) que actuou nas várias car- ruagens. Em declarações à Fugas, Chakall diz que esta viagem de apresentação lhe foi extremamente útil porque lhe permitirá corrigir alguns proble- mas detectados. O chef que foi res- ponsável pelo premiado restauran- te do Pavilhão de Portugal da Expo Dubai 2020, conta que é um autên- tico desa o logístico cozinhar num comboio, mas não tem dúvidas que conseguirá manter um patamar de qualidade à altura daquilo que é a tradição do Presidencial desde o tempo em que nele viajavam os che- fes de Estado. PUBLICIDADE EL IS A P IN TO D E FR EI TA S 14 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 Motores O pioneiro do segmento dos MVP soube adaptar-se ao que o mercado exige e, apesar do estilo SUV, apresenta-se tão espaçoso e funcional como sempre. E consegue convencer nos parcos consumos. Carla B. Ribeiro Renault Espace, um automóvel(poupado) para todo o serviço a Há 40 anos, a Renault tirou da manga uma solução pensada para as famílias numerosas, fazendo nascer o segmento dos MPV (multi purpose vehicles). E, não obstante o facto de a primeira geração ter tido alguma di culdade a penetrar em certos mercados, depressa se tornou objec- to de desejo de famílias com mais do que quatro elementos, ansiosas por fazer do carro também um espaço de convívio. Quatro décadas volvidas, o Espace não teve a vida facilitada. É que, quando já tinha conquistado uma boa fatia de fãs, surgiram os SUV (sport utility vehicles), mais robustos, para lhe roubar uma quota de adep- tos. A fabricante francesa, porém, não deixou cair o Espace e, nas últi- mas gerações, dedicou-se a apetre- char o modelo com trejeitos de cros- sover, deixando cair em parte o con- ceito de monovolume. A machadada nal dá-se com a última geração, em que o Espace se apresenta como um Austral esticado. Assente na mesma plataforma CMF-CD, que também dá vida ao Austral, o Espace apresenta-se com 4722mm, mais 21,2cm que o Austral (mas menos 13,5cm que a geração de 2015), folga que lhe permitiu esticar a distância entre eixos até aos 2738mm, para tornar possível a inclusão de uma terceira la de ban- cos. Montada, permite transportar sete pessoas (sim!, um adulto tam- bém consegue sentar-se na terceira la – ainda que não o aconselhemos durante longas viagens), sobrando espaço de carga de apenas 159 litros; recolhida, admite arrumar na mala entre 477 e 677 litros, dependendo da posição da segunda la, que des- liza longitudinalmente, permitindo escolher entre dar mais espaço a car- ga ou a passageiros. Com ambas as las recolhidas, o espaço de carga permite transportar até 1714 litros. Sendo ligeiramente menor do que o seu antecessor (embora isso não se note tanto na habitabilidade, mas mais no espaço disponível para car- ga), o Espace é também mais leve. E o emagrecimento de mais de 200 quilos não é de encarar de ânimo leve. A nal, este é um dos proble- mas com que a indústria se tem debatido, à medida que é obrigada a equipar os carros com mais e mais tecnologia. Certo é que, sendo mais leve, também se torna mais poupa- do, quer em combustível, quer em emissões. O Espace é servido pelo E-Tech full hybrid 200, já conhecido do Austral: 1.2 a gasolina, dois motores eléctri- cos e uma caixa multimodo com- põem o grupo propulsor. O conjunto admite acelerações de 0 a 100 km/h em 8,8 segundos, atingindo uma velocidade máxima de 175 km/h. O que faz com que, em estrada, quase nos esqueçamos de estarmos aos comandos de um automóvel tão grande. Os consumos também são alician- tes: com sete lugares, a marca con- seguiu um consumo médio homolo- gado de 4,8 l/100km, sendo muito fácil cumprir esta métrica, sobretu- do quando se dá uso aos modos (Eco, Comfort, Sport e Personalizável) dis- poníveis com o sistema Multi-Sense. E mais ainda quando se aprende a usar as patilhas no volante para gerir a travagem regenerativa. (Em duas viagens, com exactamente o mesmo percurso, foi notória a diferença de consumos na segunda, depois de me habituar às patilhas; o registo do computador de bordo apontou para um decréscimo de quase um litro por cada cem quilómetros.) Menos combustível, menores emissões: a marca aponta para os 106 gramas por quilómetro. De volta ao interior, a habitabilida- de desafogada é sublinhada por mui- tas superfícies vidradas e nem a necessidade de arrumar a bateria beliscou as cotas interiores. Não há, porém, bela sem senão e os conhe- cidos assentos individuais na segun- da la desapareceram, o que permi- tiu poupar espaço su ciente para encolher o exterior do carro sem interferir com o interior. Tanto por fora como por dentro, é possível encontrar muitos parale- los com o Austral. E tendo sido este Carro do Ano não pode ser uma coi- sa má. Os materiais são agradáveis e a qualidade percebida é muito boa, ao mesmo tempo que mantém uma sensação de durabilidade que é imprescindível num automóvel como o Espace. O sistema de informação e entre- tenimento também vem da Austral: existe um ecrã vertical de 12,0 pole- gadas com grá cos nítidos na con- sola central e um ecrã de 12,3 pole- gadas igualmente vibrante para o condutor. Ambos funcionam bem. (E na versão ensaiada incluía mas- sagens para os ocupantes da la da frente, o que é sempre um extra bem-vindo em viagens mais lon- gas). A forma como o grande automóvel se deixa manobrar também é impres- sionante, muito por causa do sistema 4Control Advanced, que ajuda nas curvas em velocidade (acima dos 50 km/h, as rodas de trás giram até um grau no mesmo sentido) e também torna as manobras mais fáceis (a bai- xa velocidade, giram até 5º no senti- do oposto). Numa garagem de curvas apertadas, o Espace mais se asseme- lha a um pequeno citadino, sem necessidade de recorrer à marcha- atrás. Pelas curvas, também se com- porta de forma muito moldável – mas o melhor é desligar o sistema se as las traseiras estiverem ocupadas. É que, mesmo quem não enjoa, pode acabar por car indisposto… Renault Espace E-Tech Full Hybrid 200 Iconic Motor: HEV Tracção: Dianteira Potência máxima: 146 kW (200cv) Binário máximo: 205 Nm Ac. 0 a 100 km/h: 8,8 segundos Vel. máxima: 175 km/h Consumo: 4,8 l/100 km* Emissões: 109 g/km* Lugares: 7 Bagageira: 159-1714 litros Preço: 50.300€ (desde) i FOTOS DR temáticos ou aquários para agradar miú- dos e graúdos. E o que dizer do espírito que se sente neste país? A vida nas cida- com sensações fortes e intensas que tor- nam cada dia em Espanha numa expe- riência única. Em poucas horas de carro ou de boa disposição é lei e as esplanadas das “plazas” estão sempre cheias e prontas a servir “tapas” e bebidas em - mente conservados que nos sentimos numa viagem no tempo. Espanha está repleta de cidades vibrantes de cultura e Com um vasto património histórico-cul- jardins ou praias e programas para toda Basta atravessar a fronteira para perceber que estamos num lugar diferente. Não são emoção que a todos contagia e a certeza: típica da época natalícia oferecem ainda - ra ideal para levar toda a família numa viagem que nunca mais vão esquecer. Aproveite os feriados de Dezembro ou memoráveis. Emolduradas pelas cores e luzes da quadra natalícia, as cidades do país vizinho ganham ainda mais vida e emoção. É o plano perfeito para umas inesquecíveis férias de Natal em família. Vamos até Espanha? CELEBRAR A MAGIA DO NATAL, DO OUTRO LADO DA FRONTEIRA CONTEÚDO COMERCIAL Madrid, A APAIXONANTE CAPITAL COSMOPOLITA Barcelona, ONDE A ARTE E A ARQUITECTURA CONHECEM A PERFEIÇÃO Madrid é uma cidade em que a tradição e a modernidade convivem na perfeição, e onde não há receios de receber e incorporar influências de todo o mundo. Cidade virada para o mar, ganhou cor e poesia com as criações de Gaudi, que actualmente são um dos pontos altos de quem a visita. Madrid é o coração de Espanha e co- nhecê-la é essencial para compreender a alma deste país. Nesta capital há pa- lácios e fachadas com séculos de Histó- vanguardistas. É uma cidade em que a tradição e a modernidade convivem na - mundo. Madrid é cosmopolita e diver- sa: aqui encontramos restaurantes de cada canto do globo ao lado de outros - tronomia do país. mas para descobrir esta cidade em todo a partir do centro e por todos os seus re- cantos. Contemple as fachadas históri- pode almoçar com vista para a praça principal de Madrid; para sobremesa peça churros com chocolate na icónica Barcelona é o museu a céu aberto de - ganhou cor e poesia com as criações pontos altos de quem a visita. em 1883 que o arquitecto catalão aceitou cada recanto. Gaudi perdeu a vida antes de conseguir ver a sua obra-prima ter- minada e os trabalhos seguem até hoje. A Casa Batllóé outro dos postais da cida- - remodelou por completo. É considerada - centro interpretativo da sua arte e outro dos exemplos da sua criatividade. O edi- foi a última obra civil do arquitecto. - paixão pela natureza e os animais. As crianças vão adorar esta parte do pas- cortar a respiração. Mas Barcelona também é História e viagem por outros tempos: não pode deixar a cidade sem conhecer o centro dos mais bonitos parques naturais da de moda no bairro Chueca e aproveite para tomar um copo num dos lugares mais animados da cidade. - casa de algumas das melhores obras - Outros lugares a não perder em Ma- - - de Debod. O QUE NÃO PODE PERDER EM MADRID NO NATAL? • De 23 de No- vembro a 7 de Janeiro deixe-se deslumbrar pelas iluminações natalícias das pode fazê-lo no - carro natalício. • de Artesanato da • - dicional corrida • Conte as últimas badaladas do ano • Não perca a famo- sa cavalgada de reis a 5 de Janeiro O QUE NÃO PODE PERDER EM BARCELONA NO NATAL? • • principais ruas e veja as luzes de Natal. • Não perca a CONTEÚDO COMERCIAL Sevilha DA COR DO SOL E DO FLAMENCO Valência, CIDADE DE CONTRASTES E DA PAELLA Envolvida pelo rio Guadalquivir, Sevilha é, por cada rua e varanda florida, tradição e alma espanhola. - cada canto há alguém que dança sobre um pedaço improvisado de madeira acompanhado por uma multidão que se junta batendo palmas (da maneira cidades quentes do sul que nasceu esta - - España é uma das mais bonitas pra- ças principais em todo o país e em seu redor é possível passear de barco dos mais pequenos. A poucos quiló- outra atracção que lhes vai agradar: o e com grande variedade de criaturas - que em túnel com tubarões. - presas mais recentes da arquitectura - - pectáculo. - da região e que sabe bem em qualquer altura do ano. e descoberta. Um belíssimo centro his- tórico convive lado a lado com edifícios - nia. Alguns dos pontos de visita obriga- - tedral e a torre do Miguelete (onde vale mesmo a pena subir os 207 degraus para conseguir uma incrível vista sobre a cidade). No centro encontramos tam- - - dutos frescos da Europa. A poucos pas- sos estão também o Museu Nacional de - muitos recantos que surpreendem pela sua arte urbana. Mas é fora do centro histórico que en- contramos a face mais moderna de - - maior aquário da Europa. É impossível formas deste edifício. - provar este incontornável prato da co- - terrânea com grandes areais e paisa- paella é mesmo com vista para o mar. Outra das experiências a não perder em - ao Jardim do Turia e é um dos edifícios transparência é uma das suas princi- pais características. A sua acústica é - rado um dos auditórios mais impor- tantes da Europa. O QUE NÃO PODE PERDER EM SEVILHA NO NATAL? • Avenida de la Constitución e deslumbre-se com as luzes de Natal. • Compre os últimos presentes - de Belen. • Encontre um livro • procissão de Natal. O QUE NÃO PODE PERDER EM VALÊNCIA NO NATAL? • dos presépios artesanais. • Divirta-se como uma criança na pista de gelo ou no carrossel • Assista aos concertos de Ano de Congressos ou no renovado Música. CONTEÚDO COMERCIAL MAIS ENCANTO, FORA DO ROTEIRO HABITUAL - viagem na quadra natalícia. É que mercados de Natal mais iluminados e animados da Europa. O mercado de Compostela e reúne as mais variadas - to mais. O evento já começou e decorre até 5 de Janeiro. A apenas um pulinho da nossa frontei- uma óptima ideia de escapadinha para aproveitar os feriados de Dezembro ou - - contramos outra das mais belas praças um autêntico deleite para os olhos e perfeita para amantes de História. uma sugestão de roteiro para quem - dade histórica espanhola tão pitoresca - espanhola mais conhecida pela sua impressionante muralha. Numa via- - nhecido quatro maravilhosas cidades espanholas. Uma viagem de automóvel não tem um dos lugares na Europa onde o le- gado romano está melhor conservado. Mérida foi fundada pelos romanos no séc. I a.C. e ainda há vestígios da cidade - - relembram um tempo (distante) em que - VIGO, UM DESTINO DE NATAL UMA VIAGEM À ÉPOCA MEDIEVAL EM SALAMANCA ROTEIRO DE CARRO DO PORTO A MADRID UMA VIAGEM NO TEMPO ENTRE LISBOA E MADRID Saiba mais como criar memórias natalícias sem igual, na página do Turismo de Espanha W W W. S PA I N . I N FO CONTEÚDO COMERCIAL CONTEÚDO COMERCIAL Sábado, 2 de Dezembro de 2023 | FUGAS | 19 Motores O pequeno SUV sul-coreano cresceu em tamanho, mas também em ambições. No caso da variante híbrida, destaca-se pela economia de consumos, sobretudo em percursos urbanos. Carla B. Ribeiro Hyundai Kauai HEV Aposta na economia familiar a Não é difícil olhar para o actual Kauai e para a geração anterior e encontrar diferenças. Desde logo nas dimensões: de 4205mm passou a apresentar-se agora com 4,35 metros (4385mm, nas versões de cariz des- portivo N Line), com ganhos na dis- tância entre eixos, mas também na capacidade de arrumação, com qua- se mais 100 litros disponíveis na bagageira, sendo agora mais capaz de atrair clientes que procuram um familiar compacto, sem comprome- ter a facilidade com que se move pelo perímetro urbano. O espaço no habitáculo, aliás, será a sua melhor mais-valia, passando a ser fácil a um adulto usar a segunda la de bancos. E se dois continuam a encontrar maior conforto, não será inconcebível transportar três pessoas no banco traseiro, sendo que o espa- ço para joelhos está praticamente ao nível do maior Tucson. É, aliás, neste modelo que o Kauai parece ter ido buscar parte da sua inspiração, desde logo pela inclusão de luzes de pixéis paramétricos na dianteira, na qual se destaca ainda a grelha do radiador inferior com Air Flaps. No interior, este Kauai é o primeiro modelo da Hyundai a aplicar o Con- nected Car Navigation Cockpit, que incorpora um ecrã panorâmico duplo, com o painel de instrumenta- ção digital e o ecrã táctil, ambos de 12,3 polegadas, a criarem a sensação de estarem unidos. Mas, importante, os botões físicos, tanto para a clima- tização como para o sistema de infoentretenimento, não foram elimi- nados, o que responde a uma das críticas mais audíveis por parte de quem segue a indústria. Outro ponto a seu favor é a funcio- nalidade, com bancos traseiros reba- tíveis na proporção de 40/20/40 (mais comum em segmentos supe- riores) e vários espaços de arruma- ção, tanto à frente como atrás. Na dianteira, o selector de velocidades eléctrico shift-by-wire, montado na coluna de direcção, permitiu criar um espaço mais desafogado. No caso da variante HEV, o grupo propulsor reúne um bloco a gasolina de quatro cilindros de ciclo Atkinson de 1,6 litros, um motor eléctrico, que produz 43cv e 170 Nm de binário, e uma pequena bateria de 1,32 kWh. Em conjunto, permitem desenvolver 141cv e binário máximo de 265 Nm, números que garantem um bom desempenho em praticamente todos os regimes. Mas a cereja é mesmo aquela pequena bateria que regenera tão depressa que nunca dá a sensação de ser insu ciente. E o resultado é cruzar a cidade de ponta a ponta sem praticamente ouvir o motor térmico a entrar em acção. É, aliás, na cidade que o Kauai HEV consegue as melhores prestações, com o bem construído sistema híbri- do a privilegiar a corrente eléctrica, o que resulta numa signi cativa pou- pança de combustível. A marca fala num consumo combinado de 4,5 l/100 km, e não é difícil até veri car valores inferiores. Fora da malha urbana, o Kauai HEV não se porta mal, respondendo de forma positiva a praticamente todas as solicitações, mas não será o mais expedito: tem uma velocidade máxi- ma de 160 km/h e acelera de 0 a 100 km/h em 11 segundos. Ou seja, o melhor é não entrar em picardias ou em ultrapassagens demasiado aper- tadas; quaisquer manobras deste géneroexigem algum estudo prévio, mesmo quando accionado o modo Sport, que se nota mais nos primeiros metros percorridos, perdendo o fôle- go demasiado depressa. Na coluna dos prós, está o conforto com que transporta os seus ocupan- tes e a forma segura com que encara a tarefa, não sendo expectável que perca as cinco estrelas do Euro NCAP conquistadas em 2017. O Kauai integra o pacote Hyundai Smart Sense, que inclui uma câmara no habitáculo para analisar a aten- ção do condutor, além de uma série de sistemas de assistência, nomea- damente cruise control inteligente, que recorre às informações da nave- gação para actuar, radar de ângulo morto e prevenção de colisão e sen- sores de estacionamento traseiros e dianteiros. Hyundai Kauai HEV Motor: HEV Tracção: Dianteira Potência máxima: 104 kW (141cv) Binário máximo: 265 Nm Ac. 0 a 100 km/h: 11 segundos Vel. máxima: 160 km/h Consumo: 4,5 l/100 km* Emissões: 103 g/km* Lugares: 5 Bagageira: 466-1300 litros Preço: 36.500€ (desde, com campanha) i FOTOS: DR 20 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 Montebelo Vista Alegre Lisboa Chiado Em jeito de prelúdio à comemoração dos seus 200 anos, a marca Vista Alegre passou a morar, também, num hotel de cinco estrelas, em pleno coração de Lisboa. À semelhança do que acontece com o seu “irmão mais velho”, ao mais recente Montebelo Vista Alegre não faltam peças de porcelana exclusivas. Maria José Santana (texto) e Nuno Ferreira Santos ( fotogra a) Um hotel de cidade com toque de veludo e porcelana a Se dúvidas houvesse quanto à genética daquele edifício azul plan- tado de frente para o Largo Barão Quintela, em pleno coração de Lis- boa, elas cam desfeitas assim que a nossa vista alcança o quadríptico em biscuit que decora a recepção e que se vê obrigado a repartir o pro- tagonismo com os elefantes de por- celana dos candeeiros pousados em cima do balcão. É, com certeza, uma casa com a marca Vista Alegre e, por mais que esteja a 250 quilómetros de distância da fábrica que dá corpo e forma às suas peças, não lhe faltam testemunhos dessa ligação umbili- cal. Aberto há poucos meses, o hotel Montebelo Vista Alegre Lisboa Chia- do surge como uma espécie de pre- lúdio, e em grande estilo, para a comemoração do bicentenário da marca fundada em 1824. Dotado com 58 quartos, este novo hotel de cinco estrelas ocupa um imóvel onde outrora esteve ins- c 22 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 Montebelo Vista Alegre Lisboa Chiado talada a sede da Vista Alegre em Lisboa, precisamente a poucos metros da principal loja da marca na capital. Depois de ter tido vários usos, o edifício precisava de ser recuperado, recorda Jorge Costa, administrador da Visabeira Turis- mo, destacando o desa o que os arquitectos do grupo, Paula Nunes e Tiago Araújo, tiveram nas suas mãos. “Era preciso ter um hotel con- fortável, salvaguardando as várias pré-existências”, acrescenta. O resultado aí está, à vista de todos. O imóvel preservou a facha- da, assim como a escadaria, a clara- bóia e os tectos trabalhados da sala onde está agora localizada a suíte principal. Na decoração, o veludo e as peças de porcelana surgem como elementos dominantes, sendo parte destas últimas pintadas à mão pelos artistas da Vista Alegre – que, num ou noutro ponto, também estende- ram a sua arte para além da louça. À imagem do que já tinha aconteci- do no outro Montebelo Vista Alegre – que está localizado em Ílhavo, no bairro onde nasceu e funciona a fábrica –, os artesãos da o cina de pintura foram chamados a pintar vários elementos decorativos nas próprias paredes, materializando aquele que era o propósito principal para este novo hotel: “Criar uma atmosfera da Vista Alegre, mas que para o Largo Barão Quintela estão decorados com guras em biscuit, os que estão de frente para a Rua do Alecrim exibem pinturas deste arbusto aromático e os quartos vol- tados para a Rua das Flores apostam nos motivos orais. O toque de requinte estende-se, também, à sala onde, a cada manhã, são servidos os pequenos-almoços, com uma grande variedade de fruta, pães, queijos, doces e ovos (desde os estrelados aos benedict). Tudo devidamente servido, como não podia deixar de ser, em louça Vista Alegre. O Montebelo Vista Alegre Lisboa Chiado assume-se como um hotel de cidade – ao contrário do seu “irmão mais velho”, não tem spa –, convi- dando os seus hóspedes a aproveitar o que a vizinhança (Bairro Alto e a Baixa) tem para oferecer. No rés-do-chão, e aberto a hóspe- des e não-hóspedes, funciona o Pon- ja Nikkei Chiado, um bar e restauran- te de gastronomia nikkei, que mistu- ra as cozinhas japonesa e peruana. “O mais óbvio seria a gastronomia portuguesa, mas procurámos ter um restaurante com comida so sticada e muita cor”, declara Jorge Costa, antecipando a nossa pergunta. Além do mais, acrescenta, a ideia passa por “proporcionar uma experiência completamente diferente aos hóspe- Montebelo Vista Alegre Lisboa Chiado Hotel Largo Barão Quintela, 3, Lisboa Tel.: 210 548 480 Email: montebelovistaalegrelisboa @montebelohotels.com https://montebelohotels.com/ montebelo-vista-alegre-lisboa- chiado-hotel/pt/home Preços: A partir de 275 euros Restaurante Ponja Nikkei Largo Barão Quintela, 1 Tel.: 964 752 105 Email: lisboa@ponjanikkei.es https://www.ponjanikkei.pt/ pt#ponjaexperience Horário: De terça-feira a domingo, das 12h30 às 15h, e das 19h30 às 23h (encerra à segunda-feira). Preços: Sours a 12€, ceviche clássico a 22€, tiradito dos tempos a 18€, sashimi a partir de 12€, bao de chicharrón a 10€, costeletas de churrasco Ponja a 20€ e cheesecake de lúcuma a 8€. des que também visitam o hotel de Ílhavo”, onde o prato forte são, mes- mo, os sabores nacionais. Na unidade de alojamento do Chiado optou-se por uma parceria com o grupo de restauração espa- nhol Quispe, que trouxe o seu Pon- ja Nikkei, já presente em Madrid, também para Lisboa. Para quem chega em hora de cocktails é obrigatório tomar o pisco sour da casa – a carta de bebidas tam- bém contempla várias opções de chilcanos e sake, para além de vinhos nacionais e estrangeiros (espuman- tes, brancos, rosés e tintos). Ao almo- ço e ao jantar, há várias propostas imperdíveis, começando pelas opções de ostras, ceviches, tiraditos, nigiris e sashimi que preenchem a lista de aperitivos. Entre as propostas de entradas contam-se as gyozas de santola achu- petadas e o bao de chicharrón. Nos pratos principais, destaque para o udón achupetado e as costeletas de churrasco Ponja. Para nalizar, bas- ta escolher entre o cheesecake de lúcuma e o suspiro limenho de che- rimóia. Tudo sabores de outras para- gens, é um facto, mas servidos na mais na louça nacional. A Fugas esteve alojada a convite do Montebelo Vista Alegre Lisboa Chiado não fosse excessivamente vista como uma montra da marca”, nota- va Jorge Costa. Motivos decorativos a combinar com a envolvente Este que é o mais recente elemento da família Montebelo conta com quatro diferentes tipologias de quar- tos, que vão desde o single à suíte principal, a Signature Suite Vista Alegre – a Fugas cou alojada num quarto Vista Alegre com vista para a Rua do Alecrim. Para cada ala, foram escolhidos temas diferentes: os quartos virados i Algumas das porcelanas que se destacam na decoração foram pintadas à mão pelos artistas da Vista Alegre Vila Real | Penafiel | Santarém | Almada (Feijó) | Faro Carby A sua opção Volkswagen. volkswagen.carby.pt | geral.vw@carby.pt | 217 652 765 (chamada para a rede fixa nacional) 24 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 No Porto, todos os caminhos vão dar à Ponte Luiz I e à Avenida Vímara Peres. Lá encontramos a Melhor Pedra Preciosa Escondida de Portugal. Luís Octávio Costa (texto) e Adriano Miranda(fotogra a) Casa da Guitarra a No chão, junto à entrada da o cina, está um cesto de nozes miúdas colhi- das da base da nogueira, altiva no pátio húmido e romântico. Não foge à regra do espaço “abandalhado” — “Não acredito na simetria, gosto mais da assimetria”, confessar-nos-ia mais tarde o violeiro (”No Porto cidade, acho que sou o único construtor”) — e cheio de esqueletos de instrumentos musicais, de cordofones, de violas e de violões que “essencialmente são guitarras” esventradas até ao tutano, reparadas, construídas e reconstruí- das, pedaços de madeira mais ou menos nobre torcidos, grampos bem rmes, braços e moldes, ilhargas, cos- tas e travessas, tampos e escalas, uma “bandalheira” que tão bem soa. Existe uma parte da história da Casa da Guitarra que já só está pen- durada nas paredes da Casa ou nas entrelinhas da Casa, que está espar- ramada, dispersa, ao acaso, em várias direcções, nas bancadas de trabalho da o cina do violeiro, lá para os lados de Monte dos Burgos, e na cabeça de Alfredo Teixeira (1965), tocador de cordo- fones desde os 13 anos, construtor “mais ou menos autodidacta” desde 2007, “memória péssima para datas”, mãos de ouro moldadas livro após livro, manual após manual, guitarras desmembradas — e outra e mais outra — que tanto lhe ensi- nam. “Não sonhava que as soubesse fazer”, diz. “Li muito. Aprendi inglês às custas de ler aquelas coisas todas”, conta Alfredo, que começou por construir um cavaquinho, um ban- dolim e dois ou três violinos (”Tam- bém toco”) até chegar à sua pri- meira guitarra portuguesa. “Havia um construtor em Cos- ta Cabral que era uma referên- cia. Eu era miúdo, comprei uma viola muito fraqui- nha e alguém me disse ‘Vai ali a um senhor que ta arranja para poderes tocar’. E eu lembro-me de ir lá e de car completamente maravilhado. Havia gente a tocar e a construir e aquilo deixou-me mesmo maravilha- do. Nunca mais me saiu da cabeça.” A ideia foi nascendo daí. Disse para o irmão: “ Fixe era termos um sítio onde pudéssemos juntar tudo: cons- trução, músicos a testar os instrumen- tos e a falar de instrumentos tradicio- nais portugueses.” Nasce em 2012 a Casa da Guitarra, também testemunha activa da histó- ria recente do Porto e das suas muta- ções, que obrigaram a Casa a andar de casa às costas e a adaptar-se às circunstâncias de forma camaleóni- ca. Abriu na Praça das Cardosas, mudou-se para uma loja de rés-do- chão na Avenida Vímara Peres e este- ve na Praça de Guilherme Gomes Fernandes até encontrar poiso nova- mente na Vímara Peres, naquele que já fora um “espaço de má-fama”, como nos contou Sera m Teixeira, o irmão que é hoje o frontman desta casa de espectáculos, recentemente vencedora do prémio Best Hidden Gem (Melhor Pedra Preciosa Escon- dida) de Portugal atribuído pela Tiqets no âmbito dos seus Remarka- ble Venue Awards 2023. “Quando viemos para aqui, esta era a zona mais barata da cidade”, conta Sera m. “Hoje, é das mais caras e pro- curadas.” Resta pouco dessa Vímara Peres, hoje pejada de turistas e de lojas “monocórdicas” e de passagem obrigatória para a trend do pôr-do-sol desde a Serra do Pilar, na margem sul do Douro. Muitos dos visitantes efé- meros acabam por bater à porta da Casa da Guitarra, entalada entre muros históricos e onde hoje, entre sessões de fado (40 lugares sentados para, pelo menos, dois espectáculos diários, às 18h e às 19h30), se conta a história dos violeiros do Porto e um pouco das guitarras portuguesas. Com o passar dos anos, e com o escalar das rendas, a Casa perdeu metros quadrados e perdeu as aulas de música (de guitarra portuguesa, braguesa, cavaquinho e bandolim) e os concertos acústicos gratuitos, bem como a construção e restauro de ins- trumentos ao vivo. Por isso, o projec- to inicial, admitem os proprietários, está “um bocadinho desvirtuado”. No meio da evolução forçada, salva-se a viabilidade e a independência, garan- tidas pelas receitas do fado (adultos, 18 euros) e di cilmente pela venda de instrumentos. “Era preciso vender muitos instrumentos”, calcula Alfre- do, com clientes “bons músicos e compositores (até de Hollywood) que cam encantados”. “Um instrumen- to novo dá novos rumos quando as pessoas estão vazias de ideias. É sem- pre inspirador.” Guitarras que não têm preço Na o cina, Alfredo vive rodeado de guitarras de Lisboa, cujo braço termi- na em forma de caracol; de Coimbra, em forma de lágrima; e do modelo do Porto, com decoração variada, ores, caras, animais, “coisas incríveis” que o violeiro já apanhou. “Esta guitarra desapareceu quando apareceu a de Coimbra. Tínhamos uma zona na Sé com muitos construtores, um grande pólo que enviava para outros sítios do país. Aparecem assinadas pelo Antó- nio Durante, que não há muitos anos fechou a última loja na Mouzinho da Silveira”, explica Alfredo, com uma Castanheira (Rua do Almada) na mão. “Estão a fechar todas. Não é sustentá- vel vender instrumentos no Porto. É uma pena. Porque o Porto era um mundo. Tinha muitas lojas de instru- mentos e boas. E infelizmente estão fechar uma a uma.” Quando começou a fazer reparações, apareciam-lhe muitas dessas guitarras, 90% eram do Porto. “Comecei a construí-las tam- bém... estas pequeninas.” Alfredo não faz réplicas. Inspira-se nos modelos que lhe passam pelas mãos e aplica pequenas alterações aos seus desenhos. “Regras matemá- ticas”, explica. Divisão e comporta- mento da corda, harmónicos, inter- valos de oitava... “Não percebe de música, pois não...? É o meu gozo, tentar fazer coisas que soem cada vez melhor e explorar estas coisas.” Há quem construa guitarras sem as saber tocar. “Mas que facilita um “Estes instrumentos dão-me Sábado, 2 de Dezembro de 2023 | FUGAS | 25 bocado a vida saber tocar, facilita. Procurar um som que temos na cabe- ça. Quem não toca, não explora o instrumento na sua extensão toda. Penso ‘Esta zona está morta e quero mais intensidade’, ‘quero mais madei- ra ou menos’. Tocando, tenho mais facilidade em criar uma cor”, justi ca, rodeado de pedacinhos de madei- ra com destino bem traçado. Noguei- ra, pau-santo, acer... Respiga-os aqui e ali, como se fossem nozes no quin- tal. Como aquela madeira que com- prou ao “senhor marceneiro” que se reformou com noventa e tal anos e deixou um espólio com quarenta e tal anos (”Tinha o preço a que comprou a madeira escrito em escudos na pró- pria madeira”, sorri). Ou os pedaços que poderia ter terminado numa urna (”por muito respeito que tenha pelo falecido”). Muitas vezes, se a madeira é “preciosa” e o retalho pequeno, faz as costas em mais do que um bocado. “Um remendo com efeito estético que me permite aproveitar madeira que não servia para nada e que tem um som incrível. Os truques não são meus. Não fui eu que os inventei.” Desde o século XV documentada em Portugal, a violaria, pode ler-se na exposição permanente na Casa da Guitarra, é uma “actividade de carac- terísticas artesanais cujos conheci- mentos foram sendo passados ao longo do tempo de forma oral e de geração em geração. Exige grande perícia, habilidade manual e profun- do conhecimento de áreas tão espe- cí cas como a botânica e a geome- tria.” “É apaixonante. Cada instru- mento é um mundo. O tédio não existe”, orgulha-se Sera m a minutos do espectáculo das 18h que evoluirá entre memórias de uma guitarra sem cabeça (construída nas o cinas de rações. Aparecem muitas coisas, mui- tas coisas sem interesse nenhum (cabeças partidas ou cavaletes desco- lados; não me dá muito prazer repa- rar, mas não há quase ninguém a reparar e acho um crime não reparar e deitar para o lixo) e depois os bas- tante velhinhos, como este modelo de Lisboa (faz-me pena chamar de Porto, Lisboa ou Coimbra... nomes que se dão) sem data, mas,quando vejo este pedaço de osso colocado para não ferir a madeira, percebo que deve ser de 1870.” Sempre que tinha dinheiro, o jovem Alfredo comprava instrumentos. Demorou até perceber “o milagre de fazer um instrumento inteiro com pedaços de madeira”. Cirurgia de barriga aberta. Guitarras em pêlo com recados do mestre aos aprendi- zes rabiscados nas entranhas. Traba- lho de paciência, humidade e calor, reforço e estabilização, cola e acaba- mento em goma-laca, pedra-pomes, plainas e almofariz. Para a maioria, uma guitarra não passa disso mesmo. “Aparecem-me pessoas com crianças que estão a aprender e partem as gui- tarras que não valem nada e não têm muito dinheiro. Temos arranjado estratégias rápidas e baratas com entalhes que têm funcionado muito bem.” Para outros, a sua guitarra “não tem preço”. “São os mais inte- ressantes, onde eu aprendo mais. A minha motivação é o som. É o que me dá pica para fazer instrumentos. Aprendo muito com estes instrumen- tos. Dão-me muitas lições.” Alfredo Teixeira na sua oficina, rodeado de guitarras de Lisboa, de Coimbra e do modelo do Porto Joaquim da Cunha Mello, que terá chegado ao Porto nos anos de 1960), de uma rabeca chuleira (do Baixo Douro), de um bandurrinho (”persis- tia a prática de alguns violeiros de arrancar os rótulos de instrumentos construídos por outros artesãos ou de sobrepor etiquetas como forma de publicitar o seu trabalho”) e de mui- tos outros retalhos da vida dos cordo- fones (como aquele que nos diz que o número de trabalhadores nas fábri- cas de instrumentos musicais era de tal ordem que se promovia a consti- tuição de grupos musicais entre os trabalhadores ). “O [Antonio de] Torres, pai da gui- tarra clássica moderna, desfazia móveis e aproveitava o que podia”, conta-nos Alfredo. “Tem que se pro- curar coisas novas. E neste caso são coisas novas muito velhas. Tenho aprendido muitas coisas com as repa- e muitas lições” Casa da Guitarra Avenida de Vímara Peres, 49, Porto Tel.: 222 010 033 casadaguitarra.pt i 26 | FUGAS | Sábado, 2 de Dezembro de 2023 Azeites Esporão O Esporão é a única empresa que, todos os anos, mostra os seus azeites novos de variedades tradicionais. É uma festa. Edgardo Pacheco “É um luxo trabalhar com variedades tradicionais” a No mundo do vinho, a apresenta- ção de colheitas novas é o pão nosso de cada dia; no mundo do azeite, tal prática não faz parte da nossa cultura e até parece estranha aos consumido- res que acham que o azeite é, de ano para ano, todo igual e não se fala mais nisso. Os consumidores já sabem que, no universo do vinho, cada colheita que não siga a regra dos protocolos (vinhos padronizados como se fossem refrigerantes) revela um per l resul- tante das condições climáticas. Chu- va, temperatura, humidade, vento ou granizo são factores que afectam directamente o per l de um vinho (aromas, texturas, taninos, acidez, sabores e potencial de duração ao longo do tempo). Ora, no mundo do azeite acontece o mesmo porque o sumo da azeitona muda de per l con- soante o tempo. Num ano os azeites de Galega cheiram com maior inten- sidade a maçã e no ano seguinte cami- nham para lados dos frutos secos ou da alfazema; num ano um azeite de Cordovil pode cheirar a rúcula ou mizuna e no outro a grãos de café ver- de ou casca de lima. Esta riqueza dife- renciadora não interessa à generali- dade dos consumidores. E isto tem causas variadas. Em primeiro lugar ninguém ensi- nou os portugueses a provar azeite; em segundo lugar, a restauração faz um péssimo serviço nesta matéria; em terceiro lugar, ainda temos a cul- tura do azeite que vem lá da terra e aqui o que manda é o preço e, em quarto lugar, os consumidores urba- nos que compram os azeites dos gran- des embaladores nacionais conso- mem — para regressarmos à cultura do vinho — azeites padrão. Todos cor- rectos e sem defeitos, sim senhor, mas iguais de ano para ano e de déca- da para década. Não são azeites de terroir, são azeites padrão, como os refrigerantes e muitos vinhos. É por isso que quando os consu- midores descobrem, numa prova de análise sensorial, que os azeites podem cheirar a frutos diversos, a canela, grãos de café verde, a rosma- ninho e demais ervas aromáticas, a tomate e rama de tomate, a giesta, a rosas ou framboesas cam maravi- lhados. E é nessa altura que perce- bem que o azeite funciona como um tempero, como uma especiaria, por- que melhora aquilo que já bom: uma salada, peixe, carne, sopas ou sobre- mesas. Assim sendo, há que reconhecer e agradecer o trabalho do Esporão em matéria de azeites. Nem é sequer pela qualidade das oito referências que coloca no mercado. É, sim, pela cul- tura organizacional da empresa. No Esporão há uma preocupação na pre- servação das variedades tradicionais, parte-se para cada campanha à pro- cura de azeites que testemunhem o ano climático e existem diferentes projectos educacionais sobre azeite. Por exemplo, enquanto os grandes lagares estão em funcionamento, Ana Carrilho esteve recentemente em Lis- boa para mostrar a um público diver- so meia dúzia de azeites desta cam- panha – o chamado azeite novo por- que o azeite deve ser apreciado novo, sempre. Depois de fazer o enquadra- mento das questões climáticas, a oleóloga do Esporão fez a descrição sensorial de cada azeite (Galega, DOP, Seleção, Arrifes e Biológico) e, no nal, os convidados tiveram a opor- tunidade de provar diferentes cria- ções gastronómicas com os azeites provados. E isto porque os azeites têm aptidões diferenciadas em fun- ção dos produtos ou das receitas que nos calham (tal qual os vinhos). Que outra empresa de azeites em Portugal faz semelhante coisa com variedades tradicionais e com diferentes per s de azeites? Nenhuma. Azeite a 50€? Portugal não é Itália Dir-se-á que o Esporão faz isso porque tem músculo nanceiro, coisa que não existe na maioria dos pequenos produtores de azeite de grande qua- lidade que existem de Trás-os-Montes ao Algarve. Certo. Mas, caramba, com tanto dinheiro que vem de Bruxelas, não se desviam uns poucos milhares de euros para se fazer eventos de apresentação do azeite novo, todos os anos, de todo o país, em Lisboa e no Porto, como se faz com vinhos, alheiras, salpicões, fogaças, castanha, mel ou queijo? Embora com alterações em função das variedades, os azeites do Esporão da campanha de 2023 estão todos com notas vegetais e frutadas intensas e com o interessante equilíbrio entre os amargos e picantes. São, como se diz na gíria, harmoniosos. Entre os azeites provados destaca- mos o Seleção Esporão, não só pela sua riqueza aromática, mas, acima de tudo por revelar um trabalho meticu- loso da equipa do Esporão. Esta refe- rência é, por assim dizer, uma espécie de Esporão Torre (o vinho ícone da herdade), visto que resulta de um blend que a referida equipa de oleó- logos entende ser o melhor espelho do ano. Só que, para chegar a este resultado que se quer perfeito, a equi- pa do lagar criou um lote a partir de nove variedades de azeitona (Azeitei- ra, Carrasquenha, Maçanilha, Galega, Blanqueta, Redondil, Picual e um pouco de Arbequina). “Estas varieda- des – mesmo as duas espanholas – estão plantadas em olivais tradicio- nais com idades muito variáveis e espalhados no Norte alentejano, pelo que acompanhar os agricultores ao longo do ano e decidir o momento óptimo de colheita dá um trabalho imenso. Só para o Seleção temos 21 fornecedores de azeitona”, salienta Ana Carrilho. Por outro lado, a feitura de um azei- te com tanta variedade implica uma logística de depósitos do lagar que é um quebra-cabeças: “Todos os dias temos de ter muitos depósitos livres para recebermos cada variedade que chega ao lagar. Como não
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