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1 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO FILOSOFIA 2 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO A Faculdade Multivix está presente de norte a sul do Estado do Espírito Santo, com unidades em Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999 atua no mercado capixaba, des- tacando-se pela oferta de cursos de gradua- ção, técnico, pós-graduação e extensão, com qualidade nas quatro áreas do conhecimen- to: Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, sem- pre primando pela qualidade de seu ensino e pela formação de profissionais com cons- ciência cidadã para o mercado de trabalho. Atualmente, a Multivix está entre o seleto grupo de Instituições de Ensino Superior que possuem conceito de excelência junto ao Ministério da Educação (MEC). Das 2109 institui- ções avaliadas no Brasil, apenas 15% conquistaram notas 4 e 5, que são consideradas conceitos de excelência em ensino. Estes resultados acadêmicos colocam todas as unidades da Multivix entre as melhores do Estado do Espírito Santo e entre as 50 melhores do país. MissÃo Formar profissionais com consciência cida- dã para o mercado de trabalho, com ele- vado padrão de qualidade, sempre mantendo a credibilidade, segurança e modernidade, visando à satisfação dos clientes e colaboradores. VisÃo Ser uma Instituição de Ensino Superior reconheci- da nacionalmente como referência em qualidade educacional. GRUPO MULTIVIX 3 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO BiBlioTECa MUlTiViX (Dados de publicação na fonte) As imagens e ilustrações utilizadas nesta apostila foram obtidas no site: http://br.freepik.com Santos, Aloísio Andre dos. Sistema de Informação / Aloísio Andre dos Santos. – Serra: Multivix, 2018. EDiToRial FaCUlDaDE CaPiXaBa Da sERRa • MUlTiViX Catalogação: Biblioteca Central Anisio Teixeira – Multivix Serra 2017 • Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. Diretor Executivo Tadeu Antônio de Oliveira Penina Diretora Acadêmica Eliene Maria Gava Ferrão Penina Diretor Administrativo Financeiro Fernando Bom Costalonga Diretor Geral Helber Barcellos da Costa Conselho Editorial Eliene Maria Gava Ferrão Penina (presidente do Conselho Editorial) Kessya Penitente Fabiano Costalonga Carina Sabadim Veloso Patrícia de Oliveira Penina Roberta Caldas Simões Revisão de Língua Portuguesa Leandro Siqueira Lima Revisão Técnica Alexandra Oliveira Alessandro Ventorin Graziela Vieira Carneiro Juliana Lima Barboza Tatiana de Santana Vieira Design Editorial e Controle de Produção de Conteúdo Carina Sabadim Veloso Maico Pagani Roncatto Ednilson José Roncatto Aline Ximenes Fragoso Genivaldo Felix Soares NEAD – Núcleo de Educação à Distância Gestão Acadêmica - Coord. Didático Pedagógico Gestão Acadêmica - Coord. Didático Semipresencial Gestão de Materiais Pedagógicos e Metodologia Coordenação Geral de EAD 4 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO Aluno (a) Multivix, Estamos muito felizes por você agora fazer parte do maior grupo educacional de Ensino Superior do Espírito Santo e principalmente por ter escolhido a Multivix para fazer parte da sua trajetória profissional. A Faculdade Multivix possui unidades em Cachoei- ro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999, no mercado capixaba, destaca-se pela oferta de cursos de graduação, pós-graduação e extensão de qualidade nas quatro áreas do conhecimento: Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, tanto na mo- dalidade presencial quanto a distância. Além da qualidade de ensino já comprova- da pelo MEC, que coloca todas as unidades do Grupo Multivix como parte do seleto grupo das Instituições de Ensino Superior de excelência no Brasil, contando com sete unidades do Grupo en- tre as 100 melhores do País, a Multivix preocupa- -se bastante com o contexto da realidade local e com o desenvolvimento do país. E para isso, pro- cura fazer a sua parte, investindo em projetos so- ciais, ambientais e na promoção de oportunida- des para os que sonham em fazer uma faculdade de qualidade mas que precisam superar alguns obstáculos. Buscamos a cada dia cumprir nossa missão que é: “Formar profissionais com consciência cidadã para o mercado de trabalho, com elevado padrão de quali- dade, sempre mantendo a credibilidade, segurança e modernidade, visando à satisfação dos clientes e colaboradores.” Entendemos que a educação de qualidade sempre foi a melhor resposta para um país crescer. Para a Multivix, educar é mais que ensinar. É transformar o mundo à sua volta. Seja bem-vindo! APRESENTAÇÃO DA DIREÇÃO EXECUTIVA Prof. Tadeu Antônio de Oliveira Penina Diretor Executivo do Grupo Multivix 5 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO lisTa DE FiGURas > FIGURA 1 - Pablo Picasso 12 > FIGURA 2 - O Homem primitivo 15 > FIGURA 3 - Teorema de Pitágoras 17 > FIGURA 4 - Cena da mitologia grega na antiguidade 19 > FIGURA 5 - Cena da mitologia grega na antiguidade 22 > FIGURA 6 - Acelerador de partículas, Suíça 28 > FIGURA 9 - Castelo medieval na Itália 39 > FIGURA 8 - Thomas Hobbes 39 > FIGURA 10 - Monge escrevendo 40 > FIGURA 11 - Enciclopédias 47 > FIGURA 12 - Leonardo Da Vinci (1452 – 1519) 54 > FIGURA 13 - Linha de produção 64 > FIGURA 15 - Homens primitivos Neanderthals, nossos ancestrais 69 > FIGURA 17 - Professor ensinando para crianças 74 > FIGURA 18 - A socialização é um Fator Determinante no Processo Educativo 76 > FIGURA 19 - Pensar fora da caixa 79 > FIGURA 20 - Estátua do deus grego Apolo 80 > FIGURA 22 - O corpo como um objeto de estudo 86 > FIGURA 23 - Sala de aula medieval em BUNRATTY, Irlanda. 88 > FIGURA 24 - Jean Paul Sartre 93 > FIGURA 25 - Vacas na rua na Índia 99 > FIGURA 26 - Mulheres de burca na Turquia 100 > FIGURA 27 - Arma 102 > FIGURA 28 - Kant 104 > FIGURA 29 - Família real britânica 106 > FIGURA 30 - Casal homoafetivo 108 > FIGURA 31 - O Papa 109 > FIGURA 32 - Thomas Hobbes 110 > FIGURA 33 - Rousseau 111 > FIGURA 34 - Primatas 112 6 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO sUMÁRio 2UNIDADE 3UNIDADE 1UNIDADE 1 o QUE É FilosoFia? 12 1.1 O FILÓSOFO QUE CAIU NO POÇO 13 1.2 AMOR À SABEDORIA 14 1.3 NECESSIDADE E CONTINGÊNCIA 16 1.4 O SENSO CRÍTICO 18 1.4.1 O SENSO CRÍTICO E A ATUALIDADE 18 1.5 MITO E FILOSOFIA 19 1.6 FILOSOFIA E IDEOLOGIA 21 CoNClUsÃo 24 2 a FilosoFia aTRaVÉs Da HisTÓRia: PRiNCiPais CoRRENTEs FilosÓFiCas (FilosoFia aNTiGa E MEDiEVal) 27 2.1 A ANTIGUIDADE GREGA: O INÍCIO DE TUDO 27 2.1.1 DO ÁTOMO DE DEMÓCRITO AO BÓSON DE HIGGS 27 2.1.2 CONHECE-TE A TI MESMO 29 2.1.3 HERÁCLITO VERSUS PARMÊNIDES 30 2.1.4 DAR À LUZ AS IDEIAS 32 2.1.5 SÓ SEI QUE NADA SEI 33 2.1.6 PLATÃO E A CAVERNA 35 2.2 O DECLÍNIO DA RAZÃO 38 CoNClUsÃo 42 3 a FilosoFia aTRaVÉs Da HisTÓRia: PRiNCiPais CoRRENTEs FilosÓFiCas E a EDUCaÇÃo (FilosoFia MoDERNa E CoNTEMPoRaNEiDaDE) 45 3.1 IDADE MODERNA 45 3.1.1 MODERNIDADE E DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO 45 3.2 DESCARTES E O MÉTODO 47 3.2.1 COGITO ERGO SUM 48 7 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO 4UNIDADE 5UNIDADE 3.2.2 DEMOLINDO A CASA 49 3.3 ILUMINISMO E EDUCAÇÃO 51 3.4 FILOSOFIA, ARTE E EDUCAÇÃO 53 3.5 O QUE É O CONTEMPORÂNEO? 55 3.5.1 A REVOLUÇÃODIGITAL 57 CoNClUsÃo 59 4 o CoNTEÚDo E a FoRMa Da EDUCaÇÃo. EDUCaÇÃo PRoBlEMaTiZaDoRa. 63 4.1 RAZÃO E SENSIBILIDADE 63 4.1.1 A ESCOLA E A LINHA DE PRODUÇÃO 64 4.2 NIETZSCHE E O CONCEITO DE VERDADE 67 4.2.1 A EXPULSÃO DOS POETAS 71 4.3 O PROFESSOR E A SENSIBILIDADE 74 CoNClUsÃo 77 5 FilosoFia, CoRPoREiDaDE E EDUCaÇÃo 80 5.1 O CORPO DA FILOSOFIA 80 5.1.1 O CORPO NA IDADE ANTIGA 80 5.1.2 AGOSTINHO E A “CRISTIANIZAÇÃO” DE PLATÃO 83 5.1.3 DESCARTES E A DESSACRALIZAÇÃO DO CORPO 85 5.2 SALA DE AULA: ESPAÇO PARA O FILOSOFAR 88 5.2.1 OS PERIPATÉTICOS 89 5.2.2 A FILOSOFIA É PARA POUCOS 90 5.2.3 OS FILÓSOFOS MIDIÁTICOS 93 CoNClUsÃo 95 8 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO 6 ÉTiCa, MoRal E soCiaBiliDaDE 98 6.1 ÉTICA E MORAL 98 6.1.1 ÉTICA, MORAL E FILOSOFIA 98 6.1.2 ÉTICA, MORAL E ESTADO LAICO 99 6.1.3 ÉTICA UNIVERSAL E MORAL CAMBIANTE 100 6.1.4 DEMOCRACIA, VIOLÊNCIA, PUDOR E SEXUALIDADE 101 6.2 KANT E O ESCLARECIMENTO 104 6.2.1 ÉTICA PROFISSIONAL 107 6.2.2 RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE 109 6.3 ÉTICA, NATUREZA E CULTURA 110 CoNClUsÃo 114 GlossÁRio 115 REFERÊNCias 117 6UNIDADE 9 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO iCoNoGRaFia ATENÇÃO PARA SABER SAIBA MAIS ONDE PESQUISAR DICAS LEITURA COMPLEMENTAR GLOSSÁRIO ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM CURIOSIDADES QUESTÕES ÁUDIOSMÍDIAS INTEGRADAS ANOTAÇÕES EXEMPLOS CITAÇÕES DOWNLOADS 10 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DA UNIDADE Nesta unidade discutiremos o significado do termo ‘Filosofia’. Por se tratar de um termo que não tem uma única definição, desenhamos um itinerário conceitual, que começa nas possibilidades de percepção da filosofia na experiência cotidiana, até a compreensão da filosofia como origem de todo o pensamento científico, passando por temas como a do sujeito filosofante, a admiração ou espanto como princípio da filosofia e a relação entre filosofia e ideologia. 11 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO OBJETIVO Ao final desta unidade, esperamos que possa: > Explicar os conceitos de mito e filosofia. > Diferenciar os conceitos de necessidade e contingência. > Explicar a importância da filosofia para sua formação. > Explicar a relação entre a filosofia e ciência. > Problematizar sobre a relação entre filosofia e ideologia. UNIDADE 1 12 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO INTRODUÇÃO Quando entramos para uma faculdade, passamos a ter contato com a ciência, seus métodos e sua história. Todas as diversas formas de fazer ciência que conhecemos hoje, têm uma origem em comum: a Filosofia. Por isso, esta disciplina está presente em praticamente todos os cursos superiores, desde Medicina, Engenharia até Peda- gogia e Administração, por exemplo. É importante lembrar que esta divisão atual das ciências em exatas, biológicas e humanas é algo relativamente recente que ocor- reu no séc. XIX. Antes disso todas as ciências se confundiam com a própria filosofia. Acessar o ensino superior é se tornar um acadêmico, ou seja, entrar em contato com a produção científica, e há uma trajetória histórica percorrida por todo este conheci- mento que tem seu início coincidindo com o advento da Filosofia. Por isso, dizemos que a Filosofia é a mãe de todas as ciências. Compreender o que é a Filosofia é de suma importância para qualquer formação acadêmica e esta unidade vai problematizar estas questões, a fim de fornecer subsí- dios teóricos, de modo que sua formação permita uma visão crítica e reflexiva de sua profissão, no intuito de formar sujeitos pensantes e não apenas técnicos. A Filosofia é capaz de te mostrar a origem do próprio pensamento científico, além de estar na base de muitas teorias de áreas específicas, ou seja, quem conhece um pouco de filosofia tem facilidade com muitas teorias de sua própria área. A Filosofia tem a capa- cidade de aprimorar o pensamento, estimulando a reflexão, desenvolvendo o senso crítico e promovendo criatividade e inovação. A Filosofia tem a capacidade de te fazer pensar “fora da caixa” e te levar para um lugar diferenciado. Apaixone-se pela Filosofia e se torne um amante do conhecimento! 13 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO 1 O QUE É FILOSOFIA? Você, alguma vez, já “parou para pensar”? Em nossa vida diária estamos imersos na realidade de tal modo, que nossas ações tendem a uma automatização. Acordamos, tomamos banho, café, saímos de casa, pegamos o ônibus, chegamos ao trabalho e nem percebemos como fizemos tudo isso. O cotidiano se impõe e os dias vão se so- brepondo, repletos de demandas de toda ordem. Estamos imersos nesse turbilhão de coisas que fazem a expressão: “parar para pensar” ter todo o sentido. De fato, o pensa- mento é algo inerente ao ser humano, mas podemos dizer que existem formas de pensar que são diferentes umas das outras. Aqui já podemos começar a definir a filo- sofia como uma forma específica de pensar o mundo, ou como uma busca por uma melhor maneira de pensar. Afinal, tanto faz como se pensa ou existe a melhor manei- ra de pensar? Normalmente, quando “paramos para pensar” estamos em busca de um tipo de pensamento mais reflexivo, ou seja, aquele que volta-se para si mesmo. Uma reflexão é um gesto essencialmente filosófico, mas a filosofia é mais que isso. Platão, famoso filósofo grego da anti- guidade, afirma que a filosofia nasce do espanto, da admiração. O que ele quer dizer com isso? Segundo Platão, o filósofo seria aquele que consegue ver o que poucos veem, conseguindo até mesmo se admirar com algo simples e banal. Como uma criança de dois anos de idade, que fica encantada com o fato de uma torneira lançar esse tubo mágico de água que cai e se dissipa provocando uma poça. Para nós, adul- tos, o fato de sair água de uma torneira é algo óbvio e banal, porém, as crianças conservam este espanto pela eterna novidade do mundo e se deixam levar por ele. Nós, adultos, tendemos a per- der esse modo de percepção do mun- do e a filosofia busca recuperá-lo. O famoso pintor espanhol Pablo Picasso sempre afirmava que demorou a vida inteira para conseguir desenhar como uma criança. Nesse sentido a filosofia seria esse exercício de sensibilização que humaniza e é capaz de desautomatizar nossos gestos. Mas a Filosofia ainda é mais que isso. FIGURA 1 - PABLO PICASSO FONTE: SHUTTERSTOCK, 2018 14 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO 1.1 O FILÓSOFO QUE CAIU NO POÇO Como você pode perceber, a definição de filosofia é algo complexo, ou seja, ela não pode ser definida em uma única resposta. A Filosofia é um campo do conhecimento humano que lida com as perguntas desprovidas de respostas simples ou que têm muitas possibilidades de serem respondidas de formas diferentes. À Filosofia inte- ressa muito mais a pergunta que a própria resposta, pois esta acaba por encerrar a atitude filosófica que, para se manter ativa, sempre desconfia e duvida das respostas definitivas. Na verdade, a resposta que dá um fim à uma questão acaba com a pró- pria filosofia, que busca muito mais formular perguntas, problematizar e questionar do que apenas responder. Nesse sentido a Filosofia é uma atitude diante do mundo, mas sua definição não se limita a essa resposta. A Filosofia ainda é mais que isso. Na história do pensamento ocidental, a Filosofia surgecomo o momento em que o homem rompe com o mito e busca respostas próprias para suas inquietações. O filó- sofo é aquele que tenta enxergar a realidade de uma maneira diferente da maioria, buscando a totalidade, a universalidade. Existe, em nosso imaginário, um estereótipo de filósofo que é aquela pessoa desligada das coisas cotidianas, que fica imerso em pensamentos e não se importa tanto com questões materiais, preferindo as questões abstratas e reflexivas. Pensemos em nosso cotidiano, repleto de pequenas urgências como contas a pagar, compras de mantimentos, cuidar dos filhos, etc. Quando esta- mos nesse grau de envolvimento com a realidade, normalmente não conseguimos uma condição adequada para uma reflexão sobre o sentido das coisas, então a maio- ria das pessoas estabelece uma relação com a vida que implica essa proximidade com os afazeres diários que pode ser simbolizada pela imagem de uma pessoa com o nariz encostado em uma parede. O filósofo é aquele que tenta se afastar da parede no intuito de ter uma visão mais ampla do todo e, consequentemente, se afasta da própria realidade cotidiana. O filósofo grego Platão, nos diz, em um de seus diálogos, que Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo e um dos sete sábios da antigui- dade, teria se distraído ao olhar para o céu e caído em um poço: “Foi o caso de Tales, quando observava os astros; porque olhava para o céu, caiu num poço. Contam que uma decidida e espirituosa rapariga da Trácia zombou dele, com dizer-lhe que ele procurava conhecer o que passava no céu, mas não via o que estava junto dos próprios pés. Essa pilhéria se aplica a todos os que vivem para a filosofia. ” (Platão, 2001) Talvez por isso este estereótipo do filósofo como alguém que fica “viajando” sobre as coisas, mas a filosofia ainda é mais que isso. 15 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO 1.2 AMOR À SABEDORIA A palavra filosofia vem dos termos gregos philo e sophia e tem um significado muito interessante. Philo vem de philia, que significa amor, amizade, identificação. O termo em português ‘filiação’ tem origem etimológica no termo grego philia, portanto quando você se filia a um partido ou a uma torcida organizada você está compartilhando interesses, valores, etc. ou seja, está se identificando com isto. Já o termo sophia significa sabedoria. Portanto, filosofia significa amor à sabedoria. Este termo foi utilizado pela primeira vez pelo filósofo grego Pitágoras de Samos, que viveu no séc. V a.C. Pitágoras dizia que o verdadeiro sábio nunca teria a sabedoria por completo, nunca seria dono da sabedoria, mas sim deveria desejá-la, amá-la. Por isso, ao ser chamado de sábio por seus contemporâneos, Pitágoras recusou este título, se dizendo, não um sábio, mas sim, um amante da sabedoria. Este termo ganhou noto- riedade com Sócrates, famoso filósofo grego que o adotou e o consagrou até os dias de hoje. Mas, antes mesmo de existir o termo ‘filosofia’, ou essa atitude específica de lidar com o pensamento, podemos dizer que, isto que veio a se chamar filosofia, teve uma época e um lugar de nascimento distintos: a Grécia antiga, no séc. VI a.C. Mais preci- samente no dia 28 de maio do ano de 585 a.C., mas como é possível sabermos essa data tão precisa? Na verdade, a filosofia nasce com uma previsão de um eclipse e, como a física contemporânea consegue prever todos os eclipses por meio de cálcu- los, podemos saber exatamente como ocorreu este famoso episódio. Tales de Mileto, filósofo grego do séc. VI a.C, nasceu em um contexto no qual as coisas eram explicadas pelas narrativas míticas. O mito é esse conjunto de narrativas que oferece explicações para questões difíceis, tais como a origem do mundo, a vida após a morte, a existência das divindades etc. O mito foi a primeira forma que o homo sa- piens criou para tentar explicar o mundo e, de certo modo, é também uma forma de iniciar uma relação de domínio da natureza. Podemos inferir que o homem primitivo estava muito mais sujeito às forças da natureza e, por isso, as temia. As explicações mitológicas são uma forma de tentar dar conta desses fenômenos e, de certo modo, 16 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO tentar dominá-los. O mito é uma característica de todas as formas de existência hu- mana no planeta terra em todas as épocas, desde as hordas mais primitivas, tribos e civilizações mais diversas, até a atualidade, na qual a mitologia cristã, por exemplo, ainda é muito importante para nossa cultura ocidental. FIGURA 2 - O HOMEM PRIMITIVO FONTE: SHUTTERSTOCK, 2018 Hoje temos, ao mesmo tempo, as explicações mitológicas, como o criacionismo cris- tão, as explicações filosóficas e as explicações científicas convivendo concomitante- mente. Mas Tales, em sua época, só tinha a mitologia grega. Portanto, todas as pes- soas com as quais Tales convivia, confiavam nas explicações mitológicas e uma dessas explicações dizia que o eclipse seria provocado por Zeus, o principal deus da mitolo- gia grega, que, ao reprovar algo nos homens, taparia o sol com sua mão para expres- sar esta reprovação. Tales, em uma atitude diferente de todos seus contemporâneos, busca uma explicação alternativa e, por meio da matemática (sim! Este é o mesmo Tales do teorema!), de muita disciplina e de muita observação dos movimentos dos astros, Tales levanta uma possibilidade, uma hipótese: Será que luz da lua provém do próprio sol? Será que o eclipse é a lua passando na frente do sol? E busca com- preender este fenômeno por meio de sua possibilidade de ser previsto, a partir de sua ciclicidade, repetição, ou seja, de sua necessidade. 17 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO 1.3 NECESSIDADE E CONTINGÊNCIA Aqui podemos entrar com dois conceitos muito importantes para a filosofia nascente, são eles: necessidade e contingência. Necessidade é aquilo que necessariamente vai acontecer, ou seja que tem um ciclo, que tem um padrão de repetição, diferente do significado de contingência, que está ligado ao acaso, ou seja, aquilo que é imprevisí- vel. Por exemplo: todos nós vamos morrer, necessariamente. Isto é uma necessidade, é inevitável, vai acontecer, mas o modo como vamos morrer é uma contingência, é algo não previsível, é algo que não pode ser calculado. Ou ainda, se eu soltar um vaso pela janela do sétimo andar, necessariamente ele vai cair, mas se vai acertar alguém, aí já é uma contingência. A questão é que, para a mitologia, todos os fenômenos da natureza eram contingências, pois dependiam da vontade dos deuses, por exemplo, se uma chuva de granizo devasta uma plantação, isso seria um castigo divino, ou se um ipê amanhece florido, isto seria uma dádiva dos deuses, mas ambos fenômenos poderiam acontecer a qualquer momento, sendo considerados imprevisíveis, assim como o eclipse. O que Tales fez foi demonstrar que o eclipse era algo possível de ser previsto, já que se tratava de um ciclo natural passível de compreensão por meio da razão. O eclipse é algo necessário e não contingente, ou seja, acontece necessaria- mente, de tanto em tanto tempo, e a matemática aliada à observação sistemática, deu a Tales a possibilidade de prever este acontecimento. A matemática já era um instrumento amplamente utilizado por várias civilizações antes de Tales, por exemplo, os egípcios, que surgem antes dos gregos, já dominavam técnicas impressionantes de construção de pirâmides alinhadas com o movimento dos astros, ou os maias, que aqui nas américas, já haviam formulado um calendário de treze meses que resolveu a questão do ano bissexto muito antes dos europeus. Porém, nestas civilizações, a matemática era considerada sempreuma espécie de conhecimento divino, estava sempre relacionada a um ritual. A construção de uma pirâmide, por exemplo, além de levar gerações para ser concluída, estava totalmente ligada a uma questão que transcende todos os homens. Uma pirâmide é o túmulo de um faraó, que era considerado um deus encarnado. Ou seja, o conhecimento mate- mático de sua construção estava totalmente vinculado a este fato e somente pessoas específicas, espécies de sacerdotes, tinham acesso a esse conhecimento matemático, que tinha sua utilidade restrita a esta função divina. Não havia autonomia nem inte- resse no uso da matemática para outros fins. Não era qualquer um que a utilizava do modo que quisesse, mas sim, apenas os indivíduos específicos que a tratavam como algo mágico, que teria uma função determinada pelos deuses. 18 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO TEoREMa DE PiTÁGoRas FIGURA 3 - TEOREMA DE PITÁGORAS o TEoREMa DE PiTÁGoRas FONTE: SHUTTERSTOCK, 2018 Portanto, Tales de Mileto promove uma ruptura inédita na história do pensamen- to ocidental. Tales tem uma atitude antropocêntrica ao utilizar a matemática como uma ferramenta de modo autônomo e, por meio dela, desmistificar um fenômeno que era tido como algo misterioso e repleto de maus presságios. O eclipse agora po- deria ser visto como um fenômeno natural e previsível, por meio de um gesto huma- no de compreensão de seu mecanismo. Assim, Tales inaugura a filosofia e a própria ciência. Por isso, a maioria dos filósofos gregos era formada também de matemáticos, pois este recurso se mostrou muito poderoso no processo de compreensão de ques- tões da natureza e do próprio homem. A escola filosófica de Platão, a Academia, tinha em sua entrada a inscrição: “Não entre aqui quem não souber matemática”. É claro que quando Tales fez a previsão do eclipse e esse ocorreu conforme previsto, a maioria das pessoas de Mileto, cidade de Tales, certamente não conseguiu com- preender como Tales havia conseguido aquele feito, pois para esse entendimento, se fazia necessário um conhecimento de matemática, de astronomia e muita discipli- na, esforço e dedicação. Então, podemos inferir que a maioria das pessoas preferiu respostas mais simples de assimilar, tais como considerar Tales um semideus, dizer 19 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO que foi Zeus que contou para Tales quando o eclipse aconteceria, dizer que Tales fre- quentava o Olimpo quando estava aparentemente desaparecido em suas constantes e sistemáticas noites de observações do firmamento. Há uma tendência do senso comum em optar pelas formas mais simples de entendimento das coisas e a filosofia já nasce abrindo esta nova perspectiva de compreensão. 1.4 O SENSO CRÍTICO Porém Tales sempre se mostrou aberto e disposto a ensinar seu método para quem estivesse também disposto a se dedicar aos estudos e, naturalmente, a grande maio- ria das pessoas preferiu continuar acreditando que Tales era uma espécie de “semi- deus”, do que se esforçar para compreender este fenômeno com a profundidade que Tales alcançou. De qualquer forma, os poucos que se aproximaram de Tales se torna- ram seus discípulos e Tales, ao invés de se dizer o dono da verdade, estimula seus alu- nos a pensarem por si mesmos, inclusive discordando do próprio Tales, inaugurando também o senso crítico, elemento fundamental da filosofia e da ciência até os dias de hoje. Você já deve ter ouvido que algum colega vai ‘defender’ seu TCC (trabalho de conclusão de curso) ou sua dissertação de mestrado ou tese de doutorado. O ter- mo ‘defesa’ explicita esse senso crítico, por meio do qual os pesquisadores podem e devem questionar uns aos outros buscando sempre, por meio da comprovação, de- monstração e método, a veracidade de suas ideias. 1.4.1 O SENSO CRÍTICO E A ATUALIDADE Atualmente vivenciamos uma situação semelhante entre o conhecimento aprofun- dado e as opiniões das pessoas no âmbito do senso comum. Ainda mais em um mundo que está presenciando a revolução digital, repleto de fake news, que as pes- soas compartilham e reproduzem sem nenhum critério. Por isso, a filosofia se faz mais necessária do que nunca nesse mundo pós-moderno, no qual a mídia nos fornece as informações já processadas e prontas, com uma opinião já formada. Pensemos em um telejornal que, antes mesmo de anunciar o assunto de determinada notí- cia, já induz o espectador a receber esta notícia com sentimentos pré-estabelecidos. Por exemplo, o jornal anuncia o mote: Corrupção! Já aparece uma imagem de um uma tubulação repleta de notas sujas, sugerindo o dinheiro sujo de propinas, e tudo 20 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO isso antes mesmo de dizer quem é o político ou quais são as circunstâncias disso. Em outro exemplo o apresentador anuncia, por meio de seu semblante, uma notí- cia ruim: “Os pátios das montadoras estão lotados, as vendas de carros caíram” Esta notícia é ruim para os empresários, mas para a maioria da população que utiliza transporte público, seria mais interessante que houvesse menos carros nas ruas e um transporte público acessível e de qualidade. Portanto, o estudo da filosofia é capaz de promover a cidadania e a consciência crítica necessárias para a prática da legítima democracia. 1.5 MITO E FILOSOFIA O mito é um modo de compreensão do mundo que envolve a crença, mais que a razão, mas não deixando de tê-la em certa medida, pois somente o homem se- ria capaz de inventar mitos. O mito está associado a uma tradição que já existe em uma sociedade. O mito tende a ser dogmático, ou seja, não há como questioná-lo. Os mitos mudam de lugar para lugar e de época para época. FIGURA 4 - CENA DA MITOLOGIA GREGA NA ANTIGUIDADE FONTE: SHUTTERSTOCK, 2018 21 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO Já a filosofia também é um modo de compreensão do mundo, mas, ao nascer no seio do mito, tenta se desvencilhar dele buscando uma ruptura. A filosofia coincide com a invenção da razão, esta busca pela comprovação, demonstração, pelo pensamento sistemático, pela verdade objetiva e universal das coisas. A filosofia, diferentemente do mito que está sempre ligado a uma tradição, nasce de uma atitude antropocêntri- ca. É Tales de Mileto que se coloca no centro do mundo e afirma que o eclipse é algo passível de previsão, por meio de cálculos e observações sistemáticas. Tales rompe com toda uma tradição, inventando este novo modo de compreensão do mundo que veio a se chamar filosofia. Tales, desde o início de suas pesquisas, sempre incen- tivou seus discípulos a pensarem por si próprios. Tales já exercitava o senso crítico, ou seja, o direito de questionar tudo, sem se prender a dogmas. A filosofia busca respos- tas que sejam universais, diferentemente dos mitos, que mudam de lugar para lugar e de época para época, a filosofia busca verdades que possam valer em qualquer época e lugar. A filosofia, portanto, é esse modo de compreensão do mundo que nasce em contra- posição ao mito, mas com o mesmo intuito de busca por respostas para os fenôme- nos da natureza e para as questões humanas. A filosofia originou o que hoje conhe- cemos como ciência. Na verdade, ciência e filosofia eram uma coisa só até o século XIX, quando se separam em decorrência da Revolução Industrial, por meio da qual a ciência se aproxima da técnica e do mundo prático, gerando tecnologia e produtos a partir de uma perspectiva utilitária, enquanto a filosofia se mantém nesse lugar especulativo e reflexivo, inclusive vendo com desconfiança os movimentos da ciência na modernidade.Normalmente mito e filosofia são apresentados de modo antitético, ou seja, como opostos, mas trata-se de um recurso didático para facilitar a compreensão, porém, aqui, já é possível problematizarmos esta questão e reconhecermos as diferenças e semelhanças entre mito, filosofia e ciência, lembrando que é descabido falarmos em hierarquia, no sentido de dizer que uma forma de compreender o mundo é superior à outra, ou melhor que a outra. A própria filosofia problematiza esta questão, ao apon- tar as limitações do conhecimento científico, como faz a Epistemologia, este campo do conhecimento filosófico que tem como objeto de estudo o próprio conhecimen- to, suas limitações e aplicações e, até mesmo, o irracionalismo, corrente filosófica que critica a própria racionalidade, ressaltando o modo como a filosofia e a ciência se tornaram demasiadamente racionalistas em uma pretensiosa ilusão de domínio da natureza, como afirmou o filósofo alemão do séc. XIX, Friedrich Nietzsche, ao valorizar 22 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO a linguagem poética e metafórica, assim como eram os mitos na antiguidade. O filó- sofo Paulo Ghiraldelli Junior, ao comentar a função social do mito, afirma que: O papel do mito é o de informar as pessoas e dar sentido à existência delas, as que creem nele, mas, principalmente, o mito deve socializar os que vivem em uma comunidade que é mantida unida, em grande parte, por tal função de agregação que ele proporciona. A comunidade que forma o “nós”, os que se organizam socialmente da mesma forma e se tomam como “semelhantes”, possui em comum, exatamente, o mito. Assim, o mito é um elemento forte na Grécia Antiga porque fornece cimento interno e, além disso, é a narrativa (única) que diz o que é comum para este “nós” – os gregos. (Ghiraldelli Junior, 2003.) A filosofia mantém um diálogo intenso com o mito, principalmente em seu início. Este diálogo se reflete no estilo de escrita da produção de ideias filosóficas. O mito sempre se utiliza de uma linguagem metafórica, repleta de símbolos e imagens. A filosofia inicial é escrita em versos poéticos, assim como a mitologia, porém vale ressaltar a ruptura que a filosofia provoca, pois, no caso do mito, essas alegorias vêm de uma tradição que é maior que qualquer indivíduo, que só pode acreditar nelas e reproduzi-las sem a possibilidade de questioná-las. Já a filosofia permite que um indivíduo formule suas próprias ideias, seja em forma de alegorias ou com a lógica e, individualmente, proponha sua explicação. Platão, por exemplo, é um filósofo que rompe com o mito ao buscar respostas por meio da razão, mas seu estilo de escrita se assemelha ao mito no que tange à forma, pois Platão utiliza-se de uma linguagem alegórica em vários momentos de seus diálogos, como na famosa passagem do livro VII da A República, mais conhecida como o “Mito da Caverna”. 1.6 FILOSOFIA E IDEOLOGIA O termo ideologia pode ser definido como um conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas, estéticas etc. de um indivíduo ou grupo de indivíduos. Atualmente nosso país vive um momento conturbado em termos ideológicos. Desde as jornadas de junho de 2013, nossas redes sociais passaram a ter o elemento político presente de modo eminente e as ideologias emergiram nesse contexto de revolução digital. Direita, esquerda, conservadorismo, liberalismo, socialismo, anarquismo, comunismo e tantos outros “ismos” passaram a integrar as postagens e compartilhamentos. 23 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO FIGURA 5 - CENA DA MITOLOGIA GREGA NA ANTIGUIDADE FONTE: SHUTTERSTOCK, 2018 A filosofia nos mostra que a história não necessariamente segue uma linha reta, em uma direção progressista, pois há sempre momentos de reacionarismo que nos dão a impressão que a sociedade também recua em certos aspectos. Na verdade, o próprio conceito de progresso pode ser considerado uma espécie de ideologia, pois, desde a revolução industrial, no séc. XIX, ouviu-se que a modernidade estaria se efetivando e que as sociedades percorreriam um caminho pelo viés do progresso até o desen- volvimento. Um exemplo disso é o fato de que, na década de 80 do século passado, era comum a utilização de uma nomenclatura que classificava os países em desen- volvidos e subdesenvolvidos, porém atualmente, o termo ‘progresso’ está desgastado e já não corresponde mais às nossas demandas e anseios do séc. XXI. Em nome do progresso se fez muitas coisas consideradas hoje desastrosas, como destruição de florestas, aterros e até destruição da memória por meio de atitudes que podem ser sintetizadas em frases como: Vamos derrubar essa mata em nome do progresso, ou aterrar este pântano em nome do progresso, ou derrubar este prédio para construir- mos um novo e mais moderno, tudo em nome do progresso. 24 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO Hoje o termo mais adequado para pensarmos o futuro não é mais progresso, mas sim sustentabilidade. Por meio dela estamos enfrentando este desafio de nos compreen- dermos parte do ecossistema e do meio ambiente, não encarando a natureza como algo a ser vencido ou dominado, mas sim, nos compreendendo como integrantes da natureza, mais uma espécie que depende de outras espécies e necessita do mesmo oxigênio, dos mesmos nutrientes e do mesmo planeta. A filosofia nos auxilia a questionar, perceber e buscar atitudes que possibilitem as- similar as ideologias de nosso tempo e a utilizá-las como lentes de aumento para a compreensão do mundo e não como fatores limitadores e bitolantes. 25 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO CONCLUSÃO Nesta unidade, começamos a compreender o significado do termo Filosofia, seu sur- gimento e sua importância para sua formação acadêmica e também para sua pró- pria vida como um todo. Como você pôde perceber, os temas tratados na disciplina de Filosofia não são técnicos, aplicáveis diretamente em sua profissão, nem procedi- mentos que serão de imediato colocados em prática. O curso de filosofia almeja te despertar para este lugar que você, na condição de acadêmico, passa a ocupar em nossa sociedade, fornecendo novas perspectivas de leitura do mundo, ampliando sua capacidade de lidar com a complexidade dos saberes, no sentido de humanizar sua prática profissional. Um curso superior não forma apenas técnicos, mas bacharéis e licenciados, que devem ser capazes, não apenas de executar técnicas e procedi- mentos, mas sim, de pensá-las e, até mesmo, reinventar sua própria profissão. Ter um curso superior é acessar a origem de determinado conhecimento e, como você pôde perceber, a origem de todo o conhecimento científico é a filosofia. O percentual de pessoas que estão no ensino superior no Brasil ainda é muito pe- queno e você certamente está em uma condição privilegiada por ter este acesso. Você será visto como uma referência e passará a ser um formador de opinião, pois, na condição de graduando, você passa a ter acesso ao conhecimento científico e a compreender seus métodos, conquistas e limites. Sua capacidade de discernimento e senso crítico serão, certamente, ampliados e a disciplina de Filosofia é a porta de entrada para esse universo de novas perspectivas e visões de mundo. Portanto os temas tratados aqui te ajudarão inicialmente a compreender de onde veio a perspectiva científica, como sua profissão se relaciona com isso e como você vai construir este profissional dentro de você. Apaixone-se pela sabedoria e venha ser também um filósofo! 26 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pelaportaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO OBJETIVO Ao final desta unidade, esperamos que possa: > Explique a guinada antropológica de Sócrates. > Explique o conceito de maiêutica. > Identifique o lugar que a filosofia ocupa em nosso tempo. > Interprete as metáforas da “A alegoria da caverna”, de Platão. > Descreva a guinada teológica medieval. UNIDADE 2 27 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO INTRODUÇÃO A filosofia antiga é marcada por uma multiplicidade de pensadores que vivenciaram uma efervescência cultural a que chamamos de período clássico. Esse período se transformou em uma referência para toda a história ocidental. São os filósofos gregos a base da teologia medieval, depois, na renascença, temos o classicismo, que é um movimento cultural que valoriza e resgata elementos artísticos da cultura clássica (greco-romana) que inspirou o iluminismo no séc. XVIII. Este é a base de todas as nos- sas instituições contemporâneas, desde as ideias de democracia, república, estado laico e divisão de poderes até o liberalismo e a liberdade de expressão. Compreender essa trajetória histórica que nos traz até os dias de hoje é de suma importância para uma formação profissional abrangente, que permita ao estudante conciliar seus conhecimentos com as circunstâncias históricas nas quais está inseri- do, de modo que se possa pensar o mundo criticamente, ser inovador e ter uma visão ampla de seu próprio tempo. Perceber esse itinerário conceitual que se estabeleceu no decorrer da história da filosofia é de suma importância para uma formação aca- dêmica sólida. Nesta unidade, veremos algumas das principais ideias filosóficas da antiguidade e da idade média. A filosofia antiga e a filosofia medieval apresentam um diálogo muito explícito. Podemos dizer que a filosofia medieval é um desdobramento da filosofia antiga, mas por um caminho bem diferente do que aquele que os gregos iniciaram. Os gregos in- ventaram a razão, e a filosofia grega apresenta, como característica indelével, o senso crítico e a postura antropocêntrica. As circunstâncias históricas da idade média aca- bam por retirar essas características, colocando a filosofia a serviço da teologia. Mas a base dessa teologia é, nitidamente, a filosofia antiga. Há uma nítida relação entre a corrente filosófica medieval intitulada patrística, que tem como principal representante o filósofo Agostinho, e a filosofia platônica. Ou, ainda, entre a escolástica, corrente filosófica da alta idade média, que tem como principal representante São Tomás de Aquino, e a filosofia aristotélica. Nesta unidade, perpassaremos algumas das principais ideias filosóficas da idade an- tiga e comentaremos a transição para a idade média. Prepare-se para esta inesque- cível viagem no tempo! 28 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO 2 A FILOSOFIA ATRAVÉS DA HISTÓRIA: PRINCIPAIS CORRENTES FILOSÓFICAS (FILOSOFIA ANTIGA E MEDIEVAL) Veremos nesta unidade as principais correntes filosóficas da antiguidade e da ida- de média por meio de dois momentos considerados cruciais: a antiguidade clássica, com Sócrates, Platão e Aristóteles, e a idade média, com Agostinho. 2.1 A ANTIGUIDADE GREGA: O INÍCIO DE TUDO 2.1.1 DO ÁTOMO DE DEMÓCRITO AO BÓSON DE HIGGS A filosofia inicia-se com Tales de Mileto, que, por meio da previsão de um eclipse, deu início a um novo modo de explicar os fenômenos naturais, antes compreendidos pelo viés do mito, encontraram então uma outra possibilidade de interpretação. Tales fez isso de um modo profundamente inovador. Além de abrir essa outra janela para ver- mos o mundo, Tales também se perguntou pela essência de todas as coisas, em gre- go arché. Tales buscou esse elemento essencial que seria a base de toda a existência, partindo do pressuposto segundo o qual tudo é um. Existiria uma única substância, base de todas as outras existentes? Aquela a partir da qual tudo é feito? Por detrás dos quatro elementos essenciais, água, fogo, terra e ar, haveria algo que estaria em todos esses outros elementos? A partir dessas perguntas, a filosofia tem seu início e os pri- meiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos, tentam responder a esta questão: qual é a arché do mundo? Ou, de modo mais direto: do que o mundo é feito? Pode parecer uma pergunta simples ou pueril, mas trata-se de uma questão muito profunda e desprovida ainda de resposta. Demócrito de Abdera, filósofo 29 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO pré-socrático, por exemplo, desenvolveu uma teoria que, até hoje, é a base da física contemporânea: o atomismo (CHAUÍ, 2005). Demócrito parte do seguinte pressuposto: se dividirmos a matéria em partículas cada vez menores e repetirmos essa operação até o infinito, as partículas deixariam de existir e se tornariam o nada? Segundo ele, para que o mundo seja como ele é, a divisão da matéria não poderia ser infinita. Cer- tamente existiria um limite indivisível, que ele chamou de átomo, ou seja, a menor partícula divisível. Depois de vinte e seis séculos de pensamento filosófico e científico, esta pergunta ainda não foi respondida. Passamos pela física aristotélica, por Newton, Einstein e a física quântica atual, que também não respondeu a essa pergunta feita pelos pré-socráticos. Hoje os aceleradores de partículas, gigantescas construções que têm o objetivo de fazer com que micropartículas se choquem na velocidade da luz, foram construídas com a mesma verve indagadora de Demócrito: descobrir essa me- nor partícula da matéria. FIGURA 6 - ACELERADOR DE PARTÍCULAS, SUÍÇA Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. Pesquise sobre os aceleradores de partículas. Há uma organi- zação chamada “European Organization for Nuclear Research”. Você vai encontrar informações incríveis! 30 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO 2.1.2 CONHECE-TE A TI MESMO Por todas as cidades gregas, vários filósofos se dedicam a essa tarefa e desenvolvem suas teorias, sempre com aqueles princípios que distinguiram a filosofia do mito: sen- so crítico, atitude antropocêntrica, busca pela universalidade e a razão começando a se tornar um elemento crucial nessas novas formas de leitura do mundo. Os primei- ros filósofos são chamados de naturalistas, por se dedicarem a buscar a essência das coisas na natureza. Essa classificação feita pelos historiadores da filosofia, por meio da qual chamamos os primeiros filósofos de pré-socráticos, se deve ao advento de Sócrates em Atenas. Sócrates se tornou um marco divisório no pensamento ocidental pelo fato de redi- recionar os questionamentos, que antes tinham a natureza como objeto de estudo, para o homem como centro das reflexões. Enquanto os filósofos pré-socráticos esta- vam se dedicando a essa busca pela essência da natureza, Sócrates considerou essas questões menores e se dedicou a conhecer a si mesmo. Perguntas, como: o que é a coragem? O que é a justiça? Qual a melhor maneira de se viver? São muito importan- tes para Sócrates. Paul Strathern, em seu livro intitulado “Sócrates”, afirma que: Em vez de questionar o mundo, Sócrates preferia acreditar que faríamos mui- to melhor questionando primeiramente a nós mesmos, tendo adotado a cé- lebre máxima gnothi seauton (conhece-te a ti mesmo). Esse ditado é algumas vezes erroneamente atribuído a Sócrates. Na verdade, pode ter sido divulgado pelo primeiro de todos os filósofos, Tales; sabe-se também que estava inscrito no Oráculo de Delfos (STRATHERN, 1997). Essa divisão histórica da filosofia antiga em pré e pós-socráticos encontra muitosopo- sitores que veem nela uma simplificação. Por exemplo, o próprio Demócrito foi con- temporâneo de Sócrates e não escreveu apenas sobre a natureza, pois há relatos de que ele também escreveu sobre temas ligados à ética. De qualquer forma, o que acon- teceu depois de Sócrates influenciou sobremaneira todo o pensamento ocidental até os dias de hoje. Sócrates foi mestre de Platão, que foi mestre de Aristóteles. Essa tríade representa as mais importantes e influentes correntes filosóficas da antiguidade. leitura complementar Leia o livro intitulado “Sócrates em 90 minutos”, de Paul Strathern! 31 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO 2.1.3 HERÁCLITO VERSUS PARMÊNIDES Para começarmos a conhecer o pensamento filosófico da antiguidade, é importante compreendermos os motivos das desavenças entre dois dos principais pré-socráticos: Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia. Heráclito, assim como seus contemporâneos pré-socráticos, também buscou respon- der qual seria a essência de todas as coisas e, para ele, essa essência seria o fogo. Mas você pode se perguntar: o fogo não é um dos quatro elementos? A busca não é por aquele elemento que estaria por detrás de todos os outros? Na verdade, quando Heráclito fala do fogo, ele está se referindo a uma outra coisa, que tem o fogo como um símbolo. Heráclito utilizou uma metáfora. Diferentemente de Tales, que se refere à água de modo literal, Heráclito utilizou a figura do fogo para representar aquilo que ele considerava a característica essencial do mundo: o devir. Devir significa mudança constante. Aquilo que nunca permanece da mesma forma. Aquilo que está se trans- formando constantemente. Segundo Heráclito, tudo o que existe está sujeito ao devir. Em um dos famosos fragmentos de sua obra, Heráclito afirma, em um verso, que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, ou seja, pelo fato de o rio ser um constante fluxo de água, ele nunca é idêntico a si mesmo, então quando entramos uma vez no rio, ele é um, quando entramos novamente, ele já é outro completamente diferente. Isso vale também para o nosso próprio pensamento, que, segundo Heráclito, tam- bém é fluxo. Portanto, Heráclito afirma que o ser não existe. O termo ser, nesse contexto filosófico, tem um significado mais profundo que apenas o verbo no particípio. Ser aqui significa a existência. Aquilo por meio do qual somos capazes de perceber o mundo, ou seja, o fato de existirmos no mundo. Chamamos esse campo do conhecimento filosófico de ontologia ou metafísica. Onto, em grego, quer dizer ser, e logia significa estudo aprofun- dado, portanto ontologia é o estudo aprofundado da existência como um todo. O termo metafísica também se refere ao mesmo objeto de estudo: meta sugere que algo está além, e física vem do termo grego physis e quer dizer natureza. Metafísica estuda o que está além da natureza, ou, no senso comum, o sobrenatural. 32 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO Para Heráclito, essa imutabilidade do ser não existe, pois, segundo ele, tudo é um vir a ser. Na medida em que nada é idêntico a si mesmo, essa ideia de algo que é igual a si mesmo, portanto, seria impossível. Sua tese parte do pressuposto que as coisas sempre estão em mudança e mudam de acordo com seus opostos. Por exemplo: o devir faz com que o seu café quente sempre tenda a esfriar e sua água gelada sempre tenda a esquentar. Ouça a canção de Lulu Santos e Nelson Motta “Como uma onda no mar” e preste atenção na letra! Essa canção trata justamente do tema heraclitiano do devir! Aqui entra Parmênides, em oposição a Heráclito. Segundo Parmênides, o ser é idên- tico a si mesmo, e essa impressão de que as coisas estão em constante mudança seria uma ilusão de nossos sentidos. Por meio do pensamento, seríamos capazes de chegar a uma ideia que é idêntica a si mesma, mas não por meio dos sentidos. Aqui temos a primeira grande questão epistemológica da filosofia: o que é mais ver- dadeiro, o que eu vejo ou o que eu penso? O que é físico, sensível, perceptível pelos sentidos - tato, olfato, audição, visão e paladar -, ou o que eu penso, minha consciên- cia das coisas, as abstrações que a mente humana é capaz de fazer? Paul Strathern nos fala sobre a aproximação entre Sócrates e Parmênides Sócrates logo compreendeu que tais especulações a respeito da natureza do mundo não traziam benefício algum para a humanidade. Para um pensador ostensivamente apoiado na razão, Sócrates era curiosamente anticientífico. Neste ponto é bastante provável que tenha sido influenciado por um dos mais importantes filósofos pré-socráticos, Parmênides de Eléia. Diz-se que, em sua juventude, Sócrates encontrou-se muitas vezes com o ancião Parmênides, “com quem muito aprendeu”. Parmênides solucionou o conflito entre aqueles que acreditavam ser o mundo feito de uma única substância (como água ou fogo) e os que, como Anaxágoras, defendiam que ele consistia em uma grande variedade de substâncias. Superou esse conflito simplesmente ignorando-o. Segundo Parmênides, o mundo como o conhecemos não passa de mera ilu- são. Não importa de quantas coisas pensamos que é feito, porque ele não existe. A verdade única consiste no Ser eterno, que é infinito, imutável e indivi- sível. Para este Ser não existe passado nem futuro. Ele inclui todo o universo e tudo o que nele possa acontecer. “Tudo é um” era o princípio fundamental de Parmênides. A constante multiplicidade que somos capazes de observar é tão somente a aparência desse Ser estático, onipresente. Tal atitude em relação ao mundo não traz nenhum benefício para a ciência. Por que então devería- mos nos preocupar com as transformações do mundo se não passam de mera ilusão? (STRATHERN, 1997). 33 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO Sócrates, influenciado por Parmênides, inaugura um tipo de pensamento filosófico: o racionalismo. Portanto, Sócrates foi um herdeiro dos filósofos que o antecederam e levou às últimas consequências o senso crítico, afirmando nada saber. Colocou-se antropocentricamente, ou seja, como homem, colocou-se no centro do mundo, ne- gando a tradição para responder às questões filosóficas que ele, de modo original e inédito até então, redirecionou da natureza para o homem. Mas, ao mesmo tempo, Sócrates se diferenciava da maioria dos pensadores anteriores a ele, pois estes esta- vam interessados em descobrir a essência das coisas da natureza. Já a Sócrates, in- teressam as questões sobre a vida, virtudes, vícios, coragem, sabedoria, honestidade, etc., ou seja, questões sempre relativas ao homem. É nesse sentido que Paul Stra- thern afirma que Sócrates era anticientífico. 2.1.4 DAR À LUZ AS IDEIAS Sócrates inventou um modo próprio de fazer filosofia, que ele intitulou de “maiêutica”. Em grego, pode ser traduzido literalmente por “dar à luz as ideias”. A mãe de Sócra- tes era uma parteira, e ele ficava maravilhado com o fato de, do ventre das mulheres, pela mão de sua mãe, saírem novas pessoas, totalmente desconhecidas e inéditas. Ele imaginou que o mesmo poderia acontecer com as ideias. Por meio de um diá- logo questionador, seria possível chegar a ideias que ninguém nunca pensou, ideias inéditas, assim como as pessoas que sua mãe fazia nascer por seu gesto obstétrico. Portanto, maiêutica seria uma espécie de parto de ideias. Mas como Sócrates fazia esse parto? A maiêutica consiste em um processo de desconstrução. Desconstruir é diferente de destruir. Pensemos em um muro. Para destruí-lo, bastam alguns golpes de marreta e ele vai ao chão, mas para desconstruí-lo seria necessário retirar, tijolo por tijolo, cuidadosamente, lentamente, perfazendo o próprio gestoda construção, porém ao inverso. O gesto da destruição é violento e rápido. Já a desconstrução envolve uma série de sutilezas que Sócrates desenvolveu como ninguém. A maiêutica é uma des- construção dos argumentos doxológicos, das opiniões, certezas ligadas às tradições e costumes dos gregos. Sócrates combinava um misto de ironia e talento retórico para demonstrar que seus interlocutores, apesar de se dizerem sabedores dos assuntos que tratavam, não os conheciam a fundo. 34 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO Sócrates nunca propunha uma tese, ele deixava que seus interlocutores a propuses- sem e a desconstruía com questionamentos de teor legitimamente filosófico, por serem profundos e chegarem ao limite do conhecimento humano. Por meio de sua técnica, Sócrates chegou à conclusão que todos seus contemporâneos não tinham o conhecimento que afirmavam ter. Inclusive o próprio Sócrates reconhecia sua igno- rância, se dizendo sempre alguém que não detinha a sabedoria, cunhando o termo philo sophos (filósofo: amante da sabedoria). Em um dos diálogos platônicos, Sócrates recebe dois nobres interessados em saber se aulas de esgrima seriam uma prática eficiente para a formação de jovens corajosos. A coragem era uma virtude muito admirada pelos gregos. Todo ateniense deveria estar disposto a morrer por sua cidade. Nas guerras, a coragem era crucial. Sócrates, antes de responder sobre a eficiência da esgrima, faz uma pergunta aparentemente sim- ples aos seus interlocutores: o que é a coragem? Ambos respondem com convicção coisas como: a coragem seria pular de um penhasco sem se machucar, ou dizer o que pensa, ou não ter medo da morte e tal. Sócrates ouve calmamente cada argumento e, depois, vem desconstruindo cada um deles. Por exemplo, Sócrates diz que pular de um penhasco pode ser algo corajoso se for uma situação de guerra, para honrar sua cidade, mas, pular sem motivos e se machucar, seria ignorância, e não coragem. Dessa forma, os nobres reconhecem sua ignorância no que tange o conceito de coragem, e Sócrates demonstra a dificuldade de responder sobre a esgrima. Quando questiona- do sobre o conceito de coragem, Sócrates afirmava ser ignorante e nada saber. Sócrates nunca escreveu. Tudo o que sabemos sobre ele foi escrito por contemporâ- neos seus, como Platão (aluno dedicado que escreveu toda uma obra filosófica tendo Sócrates como um personagem), Aristófanes (comediante que escreveu uma peça de teatro que ridicularizava Sócrates) e Xenofontes (general do exército que também es- creveu uma apologia de Sócrates quando ele foi condenado à morte pelos atenienses). 2.1.5 SÓ SEI QUE NADA SEI A famosa assertiva “só sei que nada sei” é fruto, justamente, da aplicação da maiêutica, que revelou para Sócrates o fato de todos seus contemporâneos serem ignorantes, assim como ele se considerava. Houve um episódio muito importante na vida de Sócrates, no qual o Oráculo de Delphos – local onde se faziam oferendas ao deus 35 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO Apolo, e, por meio do qual, o referido deus fazia revelações usando pessoas que di- ziam ter uma sensibilidade extraordinária – foi consultado com a seguinte questão: existe alguém mais sábio que Sócrates? A resposta foi: não. Sócrates, portanto, seria o mais sábio de toda a Grécia. Diante do exposto paradoxo – este, segundo o qual Sócrates se dizia ignorante, mas era tido como o mais sábio – Sócrates encarou essa questão como se fosse uma es- pécie de enigma. Na cultura grega, baseada na mitologia, o tema do enigma é recor- rente. Por exemplo, Édipo tem de desvendar o enigma da esfinge. O significado do termo enigma se diferencia do significado do termo mistério. Enigma é algo que pode ser desvendado, e mistério é algo, por excelência, indecifrá- vel. No cristianismo, o conceito de fé envolve a questão da aceitação do mistério como indecifrável e da incapacidade da razão de dar conta de explicar a existência. Sócrates, que era um seguidor do deus Apolo, aceitou sua co- locação, mas entendeu que o deus estaria tentando pregar- -lhe uma peça. Dessa forma, Só- crates buscou desvendar esse paradoxo e entrevistou, utilizan- do a maiêutica, todos as pessoas tidas como sábias em Atenas, desde poderosos políticos, pas- sando por poetas e artesãos, e chegou à conclusão de que nenhum homem era detentor da sabedoria. Esse gesto gerou muitos inimigos, que acabaram por condenar Sócrates à morte em Atenas por corrom- per a juventude, inventar novos deuses e não acreditar nos deuses oficiais. Sócrates teve um julgamento que, apesar de seguir à risca a lei ateniense, foi injusto. Mesmo sabendo de sua inocência e da injustiça de seu julgamento, Sócrates se recusou a fugir para se exilar, pois, segundo ele, não se poderia responder a uma injustiça com outra injustiça. As leis são a base da sociedade e Sócrates sempre teve um estilo de vida impecável em termos éticos. Recusá-las, portanto, seria colocar em jogo a própria civilização, e não era esse o legado que Sócrates gostaria de deixar para a humanidade. FIGURA 7 - “A MORTE DE SÓCRATES”, DE JACQUES LOUIS DAVID, 1787. Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. 36 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO Não deixe de assistir ao filme “Sócrates”, de Roberto Rossellini. Fácil de encontrar no YouTube! 2.1.6 PLATÃO E A CAVERNA Sócrates então inaugurou o racionalismo, e seu discípulo mais famoso, Platão, entrou em cena e escreveu o primeiro grande sistema filosófico. Lembra-se daquela disputa entre Heráclito e Parmênides da qual falamos? A questão que estava em jogo nessa disputa era: o que é mais verdadeiro, o que eu penso, ou o que eu vejo? Heráclito dizia que a es- sência das coisas era justamente o fato de tudo no mundo estar em constante mudança, nunca permanecer idêntico a si mesmo, e Parmênides dizia que tem de existir algo que prevalece, do qual tudo provém. Este algo seria imutável. A grosso modo, podemos dizer que Parmênides entendia que é impossível “desintegrar” a matéria. Por mais que tente- mos destruir algo até que este passe a inexistir, sempre haverá algo que sobra e persiste. Por exemplo, se tentarmos destruir uma mesa, podemos atear fogo, esmagar as cin- zas, mas estas irão para a terra e servirão de adubo para uma semente que gerará outra árvore, que será a matéria-prima de outra mesa. Nesse sentido há, por detrás da transformação, algo que prevalece. Parmênides vai dizer que todo o movimento é ilusório e que os sentidos nos enganam. Portanto, para ele, o que nós pensamos é mais verdadeiro do que o que vemos. Platão, diante dessa querela, criou uma teoria que divide a existência em dois mun- dos. Chamamos isso de dualismo psicofísico, ou seja, divisão de corpo e mente. O mundo das ideias (alma/mente/consciência) seria o mundo verdadeiro, e o mundo sensível (corpo) seria o mundo das cópias imperfeitas dessas verdades ideais. Aquilo que Heráclito colocou sobre a impermanência de todas as coisas e seres, se aplicaria ao mundo sensível, este, segundo Platão, perceptível pelo corpo, que passa a ser con- siderado uma prisão da alma. E a imutabilidade, aquela característica essencial que Parmênides reivindicava para o ser, Platão afirma ser acessível apenas por meio do intelecto. Ela pertenceria ao mundo das ideias. leitura complementar Leia o texto “A alegoria da caverna”, de Marilena Chauí, em: CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. 37 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO No livro VII de “A república”, obra fundamental da filosofiaplatônica, existe uma pas- sagem na qual Sócrates está conversando com Glauco, um irmão mais novo de Pla- tão, músico, que faz uma pergunta, pedindo uma espécie de síntese dos assuntos tratados por Sócrates anteriormente. Esse livro contém uma exposição do que Platão chamava de cidade ideal, aquela organização política que seria perfeita. A pergunta que Glauco faz à Sócrates versa sobre o conhecimento e a ignorância. Para responder, Sócrates recorreu a uma alegoria e narrou uma história estranha, mas repleta de sig- nificados muito profundos. Imagine uma caverna na qual estão acorrentados prisioneiros de costas para a en- trada e de frente para o fundo da caverna. Estes estão acorrentados de tal forma que não podem se mexer. Na entrada existe um feixe de luz que projeta no fundo da caverna uma série de sombras. Essas sombras são produzidas por estatuetas carrega- das por pessoas que estão do lado de fora e que, ao passarem na entrada, fazem com que o sol projete uma sombra no fundo da caverna. Após descrever esse estranho cenário, Sócrates questiona Glauco sobre o conceito de realidade. Se os prisioneiros nunca saíram, estão acorrentados ali desde sempre e a vida inteira só viram as sombras, o que seria a realidade para eles? Glauco responde: as sombras. Se nunca viram nada diferente, eles terão convicção de que aquelas som- bras distorcidas, efêmeras e fugazes são a única realidade possível. Sócrates prossegue pedindo a Glacou para imaginar: se um dos prisioneiros conse- gue se desacorrentar e, com muito esforço se levanta, para onde ele iria? Certamente seguiria a luz do sol e subiria a rampa íngreme que leva à entrada da caverna. Depois de enfrentar toda a dor dos músculos atrofiados, conseguir se equilibrar para andar, enfrentar a luz intensa do sol, que também provocaria dor nos olhos, e sua pupila se adaptar à intensidade luminosa, ele teria uma esplêndida experiência, vislumbrando as estatuetas em sua perfeição, cada detalhe daquele objeto iluminado pelo sol ali, imóvel, na frente dele. Imediatamente ele reconheceria que o que viu a vida inteira foram apenas sombras e que agora ele estaria enxergando a essência dessas som- bras, uma realidade primeira, uma espécie de matriz única que origina aquilo que eles viam dentro da caverna. Seu desejo é voltar à caverna e contar a seus antigos companheiros tudo o que viu e viveu. Ele retornaria à caverna com a novidade e chamaria seus companheiros para saírem também, porém, sair da caverna é algo doloroso e os prisioneiros nem sequer sabem que estão presos. Eles têm convicção que as sombras que veem são a única realidade possível e inicialmente zombaram do prisioneiro fugitivo. Ele insiste e diz que todos estão presos, que só veem sombras, que a realidade é outra, que ele a 38 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO conhece, que ele a viu e que lá fora é mais bonito, melhor e mais verdadeiro. Aqui chegamos a um conceito importante da filosofia platônica, segundo o qual, belo, bom e verdadeiro coincidem. Ao insistir, o ex-prisioneiro acabaria se tornando um incômodo e seria até mesmo morto por seus companheiros. Certamente, Platão, ao escrever esse texto, faz uma menção ao próprio Sócrates, que foi condenado injusta- mente em Atenas e se tornou uma espécie de mártir da filosofia. Mas, mais do que denunciar a injustiça cometida contra Sócrates, Platão, com essa alegoria, consegue sinte- tizar sua filosofia dualista. Segundo Platão, este mundo que percebe- mos por meio dos sentidos de nos- so corpo é um mundo ilusório, cópia imperfeita do mundo ideal, acessí- vel apenas por meio do intelecto. A tarefa do filósofo seria desapegar deste mundo material em busca do verdadeiro sen- tido das coisas, que seria aquilo que está fora do tempo e do espaço, fora da mutabili- dade, do devir. Por isso, Platão tinha muito gosto pela matemática, pois, por meio dela, somos capazes de chegar a verdades imutáveis. Portanto, para Platão, existe um mundo ideal, origem de tudo o que existe. Esse mun- do seria acessível somente por meio do intelecto e da razão. A dialética seria o ins- trumento do filósofo para acessar esse mundo. O pensamento platônico influencia sobremaneira nossa forma de perceber o mundo ainda hoje, pois, nós, ocidentais, vemos o mundo a partir desse dualismo. É fácil perceber que, em nossa cultura, há essa divisão entre o exterior e interior do ser humano, como se a aparência fosse me- nos verdadeira que a essência. Há vários ditados populares que corroboram essa ideia como: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”, ou ainda “Beleza não põe mesa”. Esses ditados sugerem que a sedução exercida pela beleza física é ilusória e a verda- deira essência estaria em elementos menos explícitos, como o caráter, valores, etc. Fica clara aqui a divisão entre corpo e alma e a hierarquia que se impõe colocando a alma como algo mais verdadeiro e, portanto mais importante que o corpo. Qual- quer semelhança com o cristianismo não é mera coincidência. A filosofia platônica é a base da teologia cristã e, consequentemente, a base da própria cultura ocidental. Nietzsche afirmou no prólogo de seu texto intitulado “Além do bem e do mal” que o cristianismo seria uma espécie de platonismo para as massas. A soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus. Essa verdade, segundo Platão, transcende tempo e espaço. Vale em qualquer época e lu- gar, ou seja, é universal, essa categoria tão desejada pelos primeiros filósofos. 39 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO 2.2 O DECLÍNIO DA RAZÃO Aquela efervescência cultural, política e artística vivida pela Grécia no período clás- sico tem sua decadência com uma série de fatores, como guerras dos gregos com outros povos, guerras entre gregos e gregos, como a guerra entre Esparta e Atenas, e a invasão romana no séc. III a.C, por meio da qual a península grega é anexada ao império. Há uma grande influência da cultura grega entre os romanos, desde a arqui- tetura até a correspondência de deuses em suas mitologias por meio de complexos sincretismos. Por exemplo, é possível associarmos o deus grego Dionísio ao deus ro- mano Baco, ou a deusa grega Atena à romana Minerva. Como o império romano se estendeu por quase toda a Europa, oeste da Ásia e norte da África, a cultura grega acabou se tornando o berço da civilização ocidental. Ideias como a própria demo- cracia, nossa base linguística e nossa forma mais essencial de ver o mundo têm uma influência inegável desse legado greco-romano. No séc. V d.C. assistimos à queda do império romano do ocidente. Várias etnias inva- diram o império e provocaram seu colapso. A este episódio chamamos de invasões bárbaras. O termo bárbaro significa estrangeiro. Etnias, como hunos, os vândalos, os visigodos, os ostrogodos, os francos, os lombardos e os anglo-saxões invadiram siste- maticamente as principais cidades do império até que não houve mais como resistir, e o império deixou de existir como uma organização social. É o que chamamos de barbárie, ou seja, a falência da civilização, uma espécie de retorno a uma condição anterior ao próprio pacto social. O termo barbárie se diferencia do termo selvageria. Entende- mos por selvageria aquele momento de existência do homem que antecede a civilização, ou seja, é o homem inserido na natureza, em estado de natureza, como diria Thomas Hobbes, para o qual o homem seria o lobo do homem nessa condição. Em algum momento, o homem cria a civilização por meio do pacto social. A barbárie seria o fracasso da civilização. 40 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO Nessa condição, a filosofiase viu em um momento de decadên- cia, pois foi concebida em pleno auge da civilização, nas cidades, nas praças públicas. E com esse movimento de êxodo urbano, por meio do qual as pessoas abandonaram as cidades, que são normalmente os alvos das invasões bárbaras, e se dirigiram para o campo, onde existiam os feudos. Também haviam gran- des latifúndios administrados por nobres, que estavam demandando pessoas para comporem seus exércitos pró- prios e se protegerem, pois, na ausência do estado com a decadência do império, não havia, oficialmente, mais leis a serem seguidas. Então a sociedade se fragmentou em propriedades privadas que se tornaram o cerne do sistema medieval. Observe este castelo medieval e repare na necessidade de proteção com altos mu- ros, torres de vigilância, etc. Em nosso imaginário e em desenhos animados, temos sempre a imagem de castelos com lagos circundantes com crocodilos saltitantes e pontes levadiças. FIGURA 9 - CASTELO MEDIEVAL NA ITÁLIA Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. FIGURA 8 - THOMAS HOBBES Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. 41 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO Mas uma instituição prevaleceu com a queda do império romano: a Igreja Católica Apostólica Romana, que herdou do império a organização hierárquica em torno de um único papa, que, lentamente foi se tornando hegemônica e onipresente em to- dos os feudos, organizando a vida social e impondo os valores cristãos de modo tru- culento e opressivo no decorrer dos dez séculos de idade média. A filosofia, nesse contexto medieval, perdeu sua característica mais essencial: o sen- so crítico. Assim, se tornou teologia. Inicialmente, com esse contexto de invasões bárbaras, insegurança e violência, os pensadores se isolaram do mundo e buscaram as respostas em si mesmos. O termo monge vem do latim monachus, que quer dizer solitário. FIGURA 10 - MONGE ESCREVENDO Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. Os filósofos se isolam do mundo e buscam respostas em suas imersões individuais. Agostinho é um bom exemplo de filósofo medieval. Canonizado pela igreja católica, Santo Agostinho era um neoplatônico que promoveu o que chamamos de “cristiani- zação de Platão”, ou seja, mesclou os conceitos platônicos ao cristianismo nascente. O próprio Agostinho, antes de se converter ao cristianismo, considerava essa uma religião vulgar, desprovida de embasamento, baseada em textos contraditórios re- unidos na Bíblia. Agostinho fez essa tarefa intelectual de embasar filosoficamente o cristianismo, dando a essa doutrina uma linha racionalista, mas que reconhecia um déficit da razão que, segundo ele, só poderia ser preenchido pela fé. 42 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO A grosso modo, a filosofia medieval ficou presa ao dogmatismo cristão e partia-se do pressuposto de que toda verdade filosófica só poderia decorrer da verdade revelada por deus aos homens por meio de Cristo. Esse fato impediu que a filosofia prosseguis- se por aquele caminho esboçado na antiguidade e fez com que a historiografia tra- dicional compreendesse a idade média como a idade das trevas, pelo fato de a razão ficar submetida à fé. Por isso, no séc. XV, quando a estrutura social e a fragmentação política da idade média começaram a se dissolver, o grande movimento artístico, cultural, político e econômico que temos é o renascimento. Quando dizemos renas- cimento, estamos nos referindo à antiguidade clássica. É uma proposta de retorno ao antropocentrismo e ao racionalismo da antiguidade que está em jogo. Também foi assim com o termo iluminismo, que, no séc. XVIII, sugeriu essa ideia de luzes da razão contra as trevas da idade média. leitura complementar Leia o romance de Umberto Eco intitulado “O nome da rosa”. Há também uma famosa versão cinematográfica dessa obra. 43 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO CONCLUSÃO A idade antiga foi um momento crucial para nossa cultura ocidental. Compreender suas principais ideias filosóficas é muito importante para se conseguir uma visão am- pla de nossa própria condição civilizatória. Como você pôde perceber, há um nítido itinerário conceitual que a filosofia traçou desde Tales de Mileto até os nossos dias. Nesta unidade, pudemos verificar o início dessa trajetória, dos gloriosos tempos clás- sicos até a grande crise que a queda do império romano do ocidente causou, origi- nando a idade média. O que chamamos de idade média, foi um período repleto de complexos aconteci- mentos e transformações que resumimos nessa expressão. Um período enorme de tempo, que durou mil anos na Europa e que, certamente, ainda tem seus legados nos dias de hoje, mesmo aqui em nosso país. Quando observamos uma cidadezinha do interior, que tem aquela igreja matriz no final da rua principal e uma praça na qual praticamente todos os ritos sociais acontecem, vemos nitidamente uma herança me- dieval, pois este é o formato de uma vila na idade média. A força do cristianismo e a culpa cristã que ainda permeiam nossa moral, também são outro legado nítido desse período. Compreender as relações que se estabelecem entre os conceitos e pensadores desses períodos nos auxilia a perceber melhor o nosso próprio tempo. 44 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO OBJETIVO Ao final desta unidade, esperamos que possa: > Adquirir subsídios teóricos para pensar criticamente a modernidade > Explicar o cogito cartesiano > Identificar os paradigmas da educação > Apreciar a arte como um vetor de quebra de paradigmas > Explicar a contemporaneidade a partir de Giorgio Agamben UNIDADE 3 45 FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017 FilosoFia SUMÁRIO INTRODUÇÃO DA UNIDADE O que é ser contemporâneo? O que é a modernidade? Como a filosofia lida com estas questões? Nesta unidade veremos a transição da idade média para a modernidade, a partir de René Descartes (1596 - 1650), discutiremos os paradigmas da educação oriundos do racionalismo cientificista e refletiremos a contemporaneidade por meio do pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben (1942). Nosso objetivo, nesta unidade, é trazer a filosofia para a nossa realidade, de modo que os conceitos filosóficos possam ser utilizados como ferramentas intelectuais de pensamento do tempo que estamos vivendo. Faremos uma reflexão sobre a moder- nidade, a partir de Descartes e seu método e veremos como seu pensamento ainda influencia muito a nossa época. Faremos uma crítica ao cartesianismo, demonstran- do sua influência na educação contemporânea e a necessidade de quebrar paradig- mas da educação tradicional, ainda vigentes. Discutiremos a contemporaneidade, passando pela revolução digital e a diversidade de identidades, discursos e ideologias que marcam a nossa época. Preparado para mais uma viagem? 46 FilosoFia FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017SUMÁRIO 3 A FILOSOFIA ATRAVÉS DA HISTÓRIA: PRINCIPAIS CORRENTES FILOSÓFICAS E A EDUCAÇÃO (FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORANEIDADE) O que é a modernidade? Como lidar com este termo tão desgastado na atualidade? Como relacionar modernidade e contemporaneidade? Como se dá a ruptura entre medieval e moderno? E como podemos pensar a transição entre moderno e pós mo- derno? Como fica a educação diante de tantas mudanças? Esta unidade busca refle- tir nossa condição histórica no sentido de busca por pertencimento em uma época de fragmentação, descontinuidade e diversidade. 3.1 IDADE MODERNA 3.1.1
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