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Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 1 de 7 Fosforilação oxidativa 1- A maior parte do ATP formado durante a oxidação dos nutrientes ocorre nas mitocôndrias que contém duas membranas: uma externa e outra interna. A membrana externa, porque contém uma proteína denominada porina, permite a passagem livre e inespecífica de moléculas com massa molecular relativamente elevada (5-10 kDa). Este facto permite compreender que o espaço intermembranar seja, funcionalmente, considerado como pertencendo ao citoplasma. A membrana interna é mais selectiva e o transporte de muitas substâncias (como, por exemplo, o piruvato, o malato, o aspartato, o glutamato, o -cetoglutarato, o citrato, o fosfato, os protões, o ATP e o ADP) depende da presença de transportadores específicos e ocorre a velocidades limitadas pela actividade destes transportadores. 2- A oxidação do piruvato (desidrogénase do piruvato), dos ácidos gordos (oxidação em ), da acetil- CoA (ciclo de Krebs) e de muitos outros compostos dá-se à custa da redução do NAD+ ou do FAD (a NADH e FADH2)1 e ocorre na matriz mitocondrial ou na face interna da mitocôndria. As concentrações fisiológicas de NAD+ e de FAD são muito baixas e, na ausência de regeneração rápida das suas formas oxidadas, a oxidação dos nutrientes seria interrompida. A cadeia respiratória é formada por uma série de oxiredútases organizadas em complexos proteicos na membrana interna da mitocôndria e possibilita a regeneração do NAD+ e do FAD. Esses complexos catalisam, no seu conjunto, a oxidação do NADH a NAD+ e do FADH2 a FAD pelo O2 que se reduz a H2O. 3- O potencial de oxi-redução padrão (ou potencial de eléctrodo padrão) de um determinado par oxidante/redutor é uma medida da estabilidade termodinâmica relativa das formas oxidada e reduzida: quanto maior o seu valor maior a estabilidade da forma reduzida relativamente à forma oxidada desse par. O seu valor é, em muitos casos, conhecido e pode ser obtido consultando tabelas. Dentre os compostos envolvidos na cadeia respiratória merecem especial destaque o O2 e o NADH. O valor positivo e elevado do potencial redox padrão do par O2/H2O (Eº’ = +0,815) significa que o O2 é um potente oxidante e tem tendência a aceitar electrões de outros compostos reduzindo-se a H2O. No outro extremo da escala está o par NAD+/NADH cujo baixo (muito negativo; Eº’ = -0,315) potencial redox padrão significa que o NADH tem uma grande tendência a ceder electrões oxidando-se a NAD+. O valor da diferença entre o potencial de oxi-redução padrão do par O2/H2O e o do par NAD +/NADH é de +1,13 V o que permite calcular a Keq (Keq = e(nFEº’/RT); log Keq = n Eº’/0,059) para a reacção esquematizada na equação 1 como sendo de cerca de 1,7 1038 atm-1/2. O valor de Gº’ (energia de Gibbs padrão) associado à mesma reacção é de -224 kJ por mole de NADH oxidado. Estes dados permitem compreender que o processo de oxidação do NADH pelo O2 tem tendência a ocorrer até ao esgotamento do reagente limitante. A velocidade a que o processo ocorre é uma questão diferente e depende da actividade de catalisadores; no caso, a actividade dos complexos proteicos I, III e IV da cadeia respiratória. NADH + ½ O2 NAD+ + H2O (1) 4- Catalisadas pelos complexos da cadeia respiratória ocorrem na membrana mitocondrial interna uma série de reacções de oxi-redução através das quais o oxigénio oxida o NADH. Cada um destes complexos é formado por muitas subunidades proteicas, tem massa molecular muito elevada, tem mobilidade lateral e atravessa a membrana interna da mitocôndria no plano transversal mantendo uma orientação fixa nesse plano. Estes catalisadores não são apenas enzimas pois também catalisam o transporte de protões da matriz da mitocôndria para o citoplasma. Os dois processos (oxidação e transporte direccional de 1 Há uma diferença importante entre estes dois dinucleotídeos. Enquanto as moléculas de NAD+ (e da sua forma reduzida, o NADH) estão maioritariamente desligadas das enzimas apenas se ligando no decurso do ciclo catalítico, o FAD (e da sua forma reduzida, o FADH2) faz parte intrínseca da estrutura das enzimas e, por isso, designa-se de grupo prostético. Tomando como exemplo a desidrogénase do piruvato (piruvato + NAD+ + CoA acetil-CoA + NADH + CO2), enquanto o NAD+ é, a par com o piruvato e o CoA, um verdadeiro substrato da enzima, o FAD é um intermediário no ciclo catalítico da enzima. Na intimidade da desidrogénase do piruvato existe uma mini-cadeia de transferência de electrões em que os electrões fluem sequencialmente do piruvato para o lipoato (outro grupo prostético), do dihidro-lipoato formado para o FAD e do FADH2 formado para o NAD+ presente transitoriamente no centro activo. Apesar da tradição que persiste em apontar o FAD e o FMN como substratos de algumas enzimas, quer o FAD (dinucleotídeo de flavina e adenina) quer o FMN (mononucleotídeo de flavina) são sempre grupos prostéticos das enzimas onde existem. Se observarmos a actividade global dessas enzimas é fácil reconhecer que o verdadeiro substrato aceitador de electrões é sempre outra substância que não o FAD (ou o FMN). Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 2 de 7 protões) estão acoplados: os complexos I, III e IV são bombas que fazem a acoplagem de processos de oxidação específicos (processo exergónico) com o transporte de protões da matriz da mitocôndria para o espaço inter-membranar (contra-gradiente electroquímico; processo endergónico). O transporte de protões é activo (contra gradiente electroquímico) e diz-se primário porque a componente exergónica do processo é uma reacção química. O gradiente é eléctrico porque existe uma diferença de potencial entre a matriz (carga negativa) e o espaço inter-membranar (carga positiva) mas é também químico porque a concentração de protões é maior (o pH é menor) no espaço inter-membranar que na matriz; daí a expressão gradiente electroquímico. O valor da energia de Gibbs mínima necessária para bombear um protão da matriz para o espaço inter-membranar pode ser calculado conhecendo o valor da diferença de potencial (cerca de 0,15 V) e as concentrações de protões dentro e fora da mitocôndria (cerca de 10-7,6 M e 10-7,0 M, respectivamente) e é cerca de 18 kJ / mole de protões bombeados2. Usando o Gº’ da reacção representada pela equação 1 (-224 kJ / mole de NADH oxidado) como a estimativa possível para o valor da energia disponibilizada durante a oxidação de 1 mole de NADH nas condições das células vivas, pode calcular-se teoricamente que o máximo de protões que, acoplados aos processo oxidativo, poderiam ser bombeados seria de 12 moles (224 kJ / 18 kJ; ver à frente, pontos nº 9, 10 e 11). 5- O complexo I (que também se designa desidrogénase do NADH ou oxiredútase do NADH:ubiquinona) contém como grupos prostéticos FMN e complexos ferro-enxofre e catalisa a transferência de dois electrões do NADH para a ubiquinona (ou coenzima Q) formando-se NAD+ e ubiquinol (ou coenzima QH2). A coenzima Q é uma substância hidrofóbica presente na membrana interna da mitocôndria. De forma acoplada com a reacção de oxi-redução o complexo I também catalisa o bombeamento de protões da matriz para o citoplasma. Embora não seja ainda consensual entre os investigadores que estudam esta problemática [1], o número de protões bombeados quando um par de electrões reduz a coenzima Q poderá ser de 4; paralelamente dois protões (um cedido pelo NADH e outro com origem na matriz) ligam-se à coenzima Q reduzida. Aceitando estes números, a equação 2 descreveria as actividades acopladas de oxi-redução e de bombeamento do complexo I. NADH + Q + 5 H+ (dentro) NAD+ + QH2 + 4 H+ (fora) (2) O complexo III (que também se designa complexo b-c1 ou redútase do citocromo c) contém como grupos prostéticos hemes de tipo c e de tipo idêntico ao existente na hemoglobina (tipo b) assim como complexos ferro-enxofre. O complexo III catalisa a transferênciade dois electrões do ubiquinol (QH2) para o citocromo c (uma proteína hemínica presente na face externa da membrana interna da mitocôndria) e, de forma acoplada com o processo oxidativo, o bombeamento de 2 protões da matriz para o citoplasma; os 2 protões que se libertam do ubiquinol quando este se oxida também são vertidos na face citoplasmática da membrana interna da mitocôndria (ver equação 3). QH2 + 2 Cyt c (Fe3+) + 2H+ (dentro) Q + 2 Cyt c (Fe2+) + 4 H+ (fora) (3) Por último, o complexo IV (que também se designa como oxídase do citocromo c ou oxiredútase do ferrocitocromo c:oxigénio) contém como grupos prostéticos hemes de tipo a assim como iões de cobre. O complexo IV catalisa a transferência de dois electrões da forma reduzida do citocromo c para o oxigénio e, de forma acoplada com o processo oxidativo, o bombeamento de 2 protões; outros 2 protões da matriz são consumidos na formação de água (ver equação 4). 2 Cyt c (Fe2+) + ½ O2 + 4 H + (dentro) H2O + 2 Cyt c (Fe3+) + 2 H+ (fora) (4) 2 O G associado ao transporte de um mole de protões contra gradiente eléctrico e contra gradiente químico é o que corresponde ao somatório dos dois componentes em causa. No caso do gradiente eléctrico o valor pode ser calculado usando a fórmula: G = Z F ; sendo Z a carga do ião (+1, no caso), F a constante de Faraday (96500 Coulomb / mole de electrões) e a diferença de potencial em Volts. No caso do gradiente químico a fórmula adequada será G = - RT ln ([H+](matriz)/ [H+](fora); sendo R a constante dos gazes perfeitos (8,314 J /mol Kelvin) e T a temperatura em graus Kelvin. Assim, aceitando os valores apontados, o valor da energia mínima para transportar um mole de protões seria de +18,1 kJ; (1 96500 Coulomb 0,14 V) + (-8,314 J mol-1 K-1 310 K ln (10-7,6 / 10-7,0). Obviamente que a energia de Gibbs associada à entrada de 1 mole de protões, nas mesmas condições, tem o mesmo valor absoluto e sinal negativo, correspondendo a libertação de energia. Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 3 de 7 O mecanismo de bombeamento envolve alterações conformacionais cíclicas nos complexos que ocorrem aquando dos processos de oxidação e de redução dos seus grupos prostéticos. Estas alterações cíclicas decorrem com aumento da afinidade para os protões na face matricial dos complexos seguida de exposição desses protões na face citoplasmática e diminuição da afinidade para os protões nesta fase do processo. 6- O processo oxidativo está acoplado com o transporte de protões da matriz mitocondrial para o citoplasma e o processo de bombeamento cria um gradiente electroquímico: maior número de cargas positivas (“gradiente eléctrico”) e maior concentração de protões (“gradiente químico”) no lado citoplasmático da membrana mitocondrial interna. As equações 2, 3 e 4 descrevem os processos reactivos e de transporte de protões catalisados pelos complexos I, III e IV e o somatório destas equações é a equação 5: NADH + ½ O2 + 11 H + (dentro) NAD+ + H2O + 10 H+ (fora) (5) O NADH forma-se em reacções de oxi-redução catalisadas por várias desidrogénases mitocondriais que podem ser esquematizadas pela equação 6: XH23 + NAD+ X + NADH + H+ (dentro) (6) O somatório das equações 5 e 6 mostra que a transferência de um par de electrões entre os intermediários do metabolismo oxidativo dos nutrientes e o oxigénio está acoplado com o bombeamento de 10 protões da matriz para o citoplasma: XH2 + ½ O2 + 10 H + (dentro) X + H2O + 10 H+ (fora) (7) 7- Tal como em muitos outros processos celulares (como o catalisado pela ATPase do Na+/K+, por exemplo) um processo com uma enorme tendência para ocorrer num determinado sentido (a oxidação do NADH pelo O2) está acoplado com um processo que não ocorreria na ausência deste acoplamento (o transporte de protões contra gradiente). Ou dito de outro modo, a energia libertada no processo de oxidação do NADH pelo O2 (processo exergónico) permite o bombeamento de protões contra- gradiente (processo endergónico). 8- A desidrogénase do succinato é a única enzima do ciclo de Krebs que não está situada na matriz mas sim na face interna da membrana interna da mitocôndria. Esta enzima contém, como grupos prostéticos, FAD (que é o aceitador primário dos electrões) e complexos ferro-enxofre e também é designada como complexo II. Dois electrões do succinato são transferidos para a coenzima Q e não existe, neste caso, transporte acoplado de protões (ver equação 8). Existem outras enzimas que, tal como o complexo II, também catalisam a redução da coenzima Q pelos respectivos substratos e que também não são bombas de protões. Uma delas é uma desidrogénase do glicerol-3-P que também contém FAD (que é o aceitador primário dos electrões) como grupo prostético e que se situa na face externa da membrana interna da mitocôndria (ver equação 9)4. succinato + Q fumarato + QH2 (8) glicerol-3-fosfato + Q dihidroxiacetona-fosfato + QH2 (9) A oxidação do QH2 pelo oxigénio envolve, como já referido, os complexos III e IV que, de forma acoplada, catalisam também o bombeamento de protões. O facto de a oxidação do succinato (e do glicerol-3-P) pelo oxigénio não envolver o complexo I explica que, nestes casos, apenas 6 protões sejam bombeados para o citoplasma (ver equações 3 e 4). 9- Criado o gradiente electroquímico acima referido, os protões têm tendência a passar do citoplasma para a matriz mitocondrial mas, apesar da pequenez da partícula, o processo não ocorre por difusão simples: a carga positiva dos protões impede a sua dissolução nos lipídeos da membrana. No entanto, existem proteínas da membrana mitocondrial interna que permitem a entrada de protões acoplando este movimento (a favor de gradiente electroquímico) com processos reactivos que, tendo em conta a razão Keq/QR, não poderiam ocorrer na célula na ausência dessa acoplagem. O mais importante (mas não o único) destes processos é a síntese de ATP que é catalisada pela síntase do ATP (também designada de 3 XH2 pode ser o piruvato, o isocitrato, o -cetoglutaro, o malato, etc. 4 Para além desta, existe uma outra desidrogénase do glicerol-3-P a que faremos referência neste texto (ver equação 14). Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 4 de 7 complexo V). No actual estádio do conhecimento, uma aproximação aceitável para a estequiometria do processo de acoplagem entre o transporte de protões e a síntese de ATP na síntase do ATP poderá ser 3 protões por ATP [1]; assim, a equação que descreve o processo pode ser escrita: ADP + Pi + 3 H+ (fora) ATP + H2O + 3 H+ (dentro) (10)5 10- O ATP gerado na matriz da mitocôndria é, na sua maior parte, hidrolisado no citoplasma da célula. Dado que é na face citoplasmática da membrana citoplasmática que ocorre a hidrólise do ATP catalisada pela bomba de Na+/K+ e é também no citoplasma que ocorre a hidrólise do ATP aquando da contracção muscular é de concluir que é no citoplasma que se gera a maior parte do ADP e o do Pi. O transporte de ADP (para dentro da mitocôndria) e de ATP (para fora da mitocôndria) ocorrem por acção de um transportador da membrana interna da mitocôndria que é um “antiporter”. O transporte de ADP3- (para dentro) e de ATP4- (para fora) corresponde à saída de uma carga positiva e envolve, por isso, consumo de energia do gradiente eléctrico criado pela cadeia respiratória (ver nota de rodapé nº 5). O transporte de Pi (para dentro da mitocôndria) é mediado por um “simporter” sendo o Pi co- transportado com um protão (a favor do gradiente químico) e, neste caso, o transporte envolve consumo de energia do gradiente químico criado pela cadeia respiratória. Assim, o processo de transporte de 1 Pi e 1 ADP do citoplasma para a matriz da mitocôndria (e a saída de 1 ATP) implica a entrada de 1 protão e envolve gasto do gradiente electroquímico formado pela actividade dos complexosI, III e IV. 11- Se entrarmos em linha de conta com o protão que é transportado para dentro da mitocôndria por acção do transportador de Pi (indispensável para a síntese de ATP intra-mitocondrial) o número de protões que entram para a matriz aquando da síntese de 1 molécula de ATP é 1 se esta síntese ocorrer a “nível do substrato” (acção da sintétase de succinil-CoA). No entanto, no caso de envolver a síntase do ATP, tendo em conta a equação 10, o número de protões que entram para a mitocôndria para que 1 ATP possa ser sintetizados será de 4 (= 3+1; 3 que entram na actividade de transporte da síntase do ATP e 1 que entra com o Pi). A razão entre o número de ATPs formados e o número de átomos de oxigénio que são reduzidos na cadeia respiratória designa-se de razão P:O. Durante muitos anos admitiu-se que o valor desta razão era 3 quando o composto oxidado era o NADH e que era 2 quando o processo oxidativo não envolvia o complexo I. No entanto, com os dados que temos vindo a apresentar, podemos calcular valores diferentes para a razão P:O. Se, durante a oxidação de um NADH por um átomo de oxigénio, 10 protões são transportados para o citoplasma e têm de regressar 4 para que se forme 1 ATP, então a saída de 10 protões sustenta a síntese de 2,5 ATPs: quando o complexo I está envolvido a razão P:O seria, assim, 2,5. Um raciocínio semelhante leva-nos à conclusão que, no caso de não estar envolvido o complexo I, a razão P:O é de 1,5. Estes valores são semelhantes às médias obtidas experimentalmente com mitocôndrias isoladas e são também apontados em alguns livros de texto [2-3]. 12- Todos os processos atrás referidos tais como a hidrólise de ATP, o transporte de ADP/ATP, a síntese de ATP e o transporte de protões para a matriz, o transporte de protões para o citoplasma e o conjunto de oxidações e reduções da cadeia respiratória assim como as vias metabólicas em que o NAD+ ou o FAD se reduzem estão intimamente relacionados. Quando a velocidade de hidrólise de ATP aumenta (exercício físico, por exemplo) a sua velocidade de síntese também aumenta de tal modo que a sua concentração se mantém estacionária. Ou seja, quando a velocidade de hidrólise de ATP aumenta também aumenta a velocidade de oxidação de nutrientes e do consumo de oxigénio na cadeia respiratória. A activação da cadeia respiratória quando há aumento da hidrólise de ATP poderá ser, em parte, uma consequência de uma cadeia de fenómenos originados pelo aumento da síntese de ADP e Pi no citoplasma. O aumento da concentração de ADP e Pi estimularia (i) a velocidade de troca ADP/ATP na membrana da mitocôndria (antiporter) e a entrada de Pi (simporter) que estimularia (ii) a velocidade de síntese de ATP e de entrada de protões para a matriz (síntase de ATP) que estimularia (iii) a velocidade de consumo de O2 e a velocidade de saída dos protões para o citoplasma (cadeia respiratória). 5 Porque a troca ADP / ATP (ver ponto 10) é um processo que envolve gasto do gradiente eléctrico a razão entre a concentração de ADP e a de ATP é maior na mitocôndria que no citoplasma (ver equação 10). Esta razão favorece a síntese de ATP na mitocôndria, ou seja, a energia de Gibbs necessária para a síntese de um mole de ATP na mitocôndria é menor que a que se liberta aquando da hidrólise de ATP no citoplasma. De qualquer forma mesmo que usemos o valor de 50 kJ / mole para a síntese de ATP (o habitualmente utilizado quando se pensa nas condições citoplasmáticas) a energia libertada aquando da entrada de 3 protões é superior à energia utilizada na síntese de 1 mole de ATP (3 18 kJ /mole de protões que entra > 50 kJ /mole de ATP sintetizado). Ou seja, entendido como um todo o processo global catalisado pela síntase de ATP tem, como não podia deixar de ser, G´ negativo; o processo exergónico (neste caso a entrada de protões) é mais negativo (-54 kJ) que a reacção inversa à de hidrólise do ATP (+50 kJ). Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 5 de 7 O aumento da concentração de ADP (e o consequente aumento na concentração de AMP, via acção catalítica da cínase do adenilato; ver equação 11) também estimularia enzimas chave do ciclo de Krebs e da glicólise. 2 ADP ATP + AMP (11) 13- Um outro factor envolvido na regulação da actividade da cadeia respiratória poderá ser o ião Ca2+ cuja concentração aumenta dentro da mitocôndria quando as células são estimuladas (por exemplo, estimulação do músculo pelo nervo motor). É o aumento da concentração de Ca2+ que induz o músculo a contrair-se e a hidrolisar ATP mas o Ca2+ também activa os complexos I e IV e a síntase do ATP, promovendo paralelamente a síntese de ATP [4-6]. 14- Nos músculos a distância entre o espaço inter-membranar das mitocôndrias (para onde o ATP é vertido e onde o ATP é captado pelo trocador ATP/ADP) e as miofibrilas (onde maioritariamente ocorre a hidrólise do ATP e a formação do ADP) é, tendo em conta a velocidade do difusão do ATP e do ADP, demasiado grande. Contudo, no caso da fosfocreatina e da creatina (que existem no músculo em concentrações muito mais elevadas que as de ATP e ADP) a velocidade de difusão é muito superior. No espaço inter-membranar a cínase da creatina catalisa a fosforilação da creatina sendo o ATP o dador do fosfato (ver equação 12). À semelhança do ATP, a fosfocreatina também contém uma ligação “rica em energia” (no caso é uma ligação fosfamida) e a fosfocreatina formada difunde através da porina para o citoplasma. Junto das miofibrilas também existe cínase de creatina mas, neste local, a razão Keq/QR favorece a reacção inversa: a fosforilação do ADP pela fosfocreatina (ver equação 12). A creatina formada difunde da vizinhança das miofibrilas para o espaço inter-membranar completando o ciclo. Para além deste papel no “transporte de ligações ricas em energia” a fosfocreatina também tem um papel na manutenção da concentração estacionária de ATP no músculo. Quando a velocidade de hidrólise do ATP acelera aquando do início da actividade contráctil o mais rápido sistema de resposta na manutenção da concentração de ATP é o sistema fosfocreatina/creatina. Imediatamente após o início da contracção a actividade da cínase da creatina junto das miofibrilas aumenta fazendo com que a razão fosfocreatina/creatina baixe mas a concentração de ATP mantém-se praticamente inalterada (ver equação 12). creatina + ATP fosfocreatina + ADP (12) 15- É fácil de compreender que drogas (como por exemplo a rotenona) capazes de bloquear a transferência de electrões do NADH para a coenzima Q (inibidores do complexo I) impeçam a oxidação dos nutrientes e a síntese de ATP. Adicionada a uma preparação isolada de mitocôndrias a rotenona impede a oxidação do piruvato mas não a de succinato ou de glicerol-3-P. Outras drogas (como a antimicina A e o cianeto) que bloqueiam a cadeia respiratória num local a jusante da coenzima Q impedem a oxidação do piruvato, do succinato e do glicerol-3-P. O cianeto é um veneno que provoca morte fulminante: ao ligar-se ao complexo IV impedindo a oxidação dos nutrientes (e a redução do O2) impede a síntese de ATP. Em condições basais todo o ATP da célula se esgota em menos de 3 minutos e muito antes de se esgotar já pararam todos os processos que dependem do ATP como as actividades das bombas de Na+/K+ e de Ca2+ e a de contracção muscular (como a do coração e diafragma). 16- A oligomicina e o atractilosídeo são drogas usadas em trabalhos experimentais sobre fosforilação oxidativa. A oligomicina liga-se à subunidade Fo da síntase do ATP bloqueando a transferência de protões através da síntase. O atractilosídeo liga-se ao antiporter ADP/ATP impedindo a sua acção. Tendo um efeito directo nestes locais, a oligomicina e o atractilosídeo, quando adicionados a preparações de mitocôndrias isoladas, bloqueiam indirectamente a cadeia respiratória. A oligomicina ao impedir o regresso dos protões à matriz faz com que os processos de reacção/transportecatalisados pela cadeia respiratória (ver equação 5) atinjam um estado de equilíbrio parando os processos envolvidos. Na ausência de ADP não há síntese de ATP e o processo de transporte de protões está acoplado com o da síntese de ATP pelo que o efeito final do atractilosídeo acaba por ser idêntico ao da oligomicina. 17- O dinitrofenol é uma droga que, adicionada a uma preparação de mitocôndrias isoladas, permite a oxidação dos nutrientes adicionados ao sistema (piruvato ou succinato) na presença de oligomicina ou atractilosídeo porque permite a passagem de protões para a matriz (a favor do gradiente) através de um mecanismo independente da síntase do ATP. O dinitrofenol é um desacoplador da fosforilação oxidativa porque permite que a cadeia respiratória funcione e a oxidação dos nutrientes tenha lugar na ausência de fosforilação do ADP. A intoxicação com dinitrofenol provoca febre altíssima (podendo Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 6 de 7 chegar aos 46ºC) e a morte [7]. Na ausência de síntese de ATP há activação da cadeia respiratória, das enzimas que são inibidas pelo ATP e estimuladas pelo ADP (como a cínase da frutose-6-P, a desidrogénase do piruvato, a síntase do citrato e as desidrogénases do isocitrato e do -cetoglutarato) e aumento da velocidade de oxidação dos nutrientes. A febre é uma consequência do aumento da velocidade de oxidação dos nutrientes que é um processo exotérmico. A morte sobrevém porque deixa de haver síntese de ATP (ou/e porque a temperatura é demasiado elevada para que se mantenham funcionando de forma adequada os sistemas próprios de um organismo vivo). 18- Na membrana interna das mitocôndrias do tecido adiposo castanho dos bebés humanos existe uma proteína (termogenina ou Uncoupling Protein 1 – UCP1) que têm um papel semelhante ao do dinitrofenol e permite dissociar a oxidação dos nutrientes do consumo de ATP. A designação de termogenina tem origem no facto de a activação da termogenina que ocorre como resposta ao frio (via hormonas tiroideias e sistema nervoso simpático) permitir a produção de calor de forma desproporcional ao gasto de “ligações ricas em energia” do ATP. Até há poucos anos pensava-se que, nos seres humanos adultos, o tecido adiposo castanho era praticamente inexistente mas dados experimentais recentes têm desafiado esta ideia [8-11]. O aumento do metabolismo que ocorre como resposta ao frio ou nas situações em que as hormonas tiroideias estão aumentadas (quer situações patológicas quer fisiológicas) implica activação da UCP1 via activação do sistema nervoso simpático [9, 11]. Para além da UCP1 do tecido adiposo castanho, na membrana interna das mitocôndrias dos músculos e de outros órgãos, existem proteínas que funcionam de forma semelhante à UCP1 mas cujo papel fisiológico é ainda controverso: são a UCP2 e a UCP3. À semelhança do que acontece com a UCP1 as actividades da UCP2 e da UCP3 são estimuladas pelas hormonas tiroideias e pelo sistema nervoso simpático mas não parecem participar na resposta fisiológica ao frio [1, 12-13]. A activação das UCPs pelas hormonas tiroideias permite explicar porque é que no hipertiroidismo a temperatura corporal está cronicamente aumentada (e diminuída no hipotiroidismo). A temperatura corporal também aumenta quando há estimulação do sistema nervoso simpático; pensa-se que a febre (e a morte) que ocorre na intoxicação com ectasy (3,4- dimetilenedioximetanfetamina) resulta da hiper-estimulação do sistema simpático e do consequente aumento de actividade da UCP3 [13]. Associada à actividade das UCPs está a palavra leak (“pingar”): as UCPs deixam “pingar” para dentro das mitocôndrias protões que de outra forma só poderiam entrar para a matriz via síntase do ATP6. 19- O complexo I (ver equação 2) tem o seu centro activo voltado para a matriz da mitocôndria e não existe nenhum sistema de transporte para o NADH na membrana mitocondrial interna. A oxidação do NADH formado no citoplasma durante a glicólise é mediado por sistemas chamados lançadeiras (ou shuttles) que permitem oxidar o NADH citosólico e apresentar os equivalentes redutores ao sistema dos complexos proteicos da membrana interna da mitocôndria. Existem duas lançadeiras designadas de lançadeira do glicerol-3-P e lançadeira do malato. (i) Esta última, mais importante no fígado, rim e coração, envolve a redução do oxalacetato (a malato) do citoplasma pelo NADH, o transporte do malato (“antiporte” com o -cetoglutarato) para a matriz da mitocôndria e a re-oxidação do malato (a oxalacetato) pelo NAD+ da matriz. Desta maneira os equivalentes redutores do NADH formado no citoplasma são transferidos (via malato) para a matriz e o NADH formado na matriz pode ser oxidado por acção catalítica dos complexos I, III e IV. A enzima que catalisa a redução do oxalacetato no citoplasma e a oxidação do malato na mitocôndria é a desidrogénase do malato (ver equação 13)7. (ii) A lançadeira do glicerol-3-P, mais importante no cérebro e tecido muscular, implica a redução pelo NADH da dihidroxiacetona-P do citoplasma e consequente formação de glicerol-3-P; a enzima que catalisa esta reacção é uma desidrogénase do glicerol-3-P presente no citoplasma (ver equação 14). O glicerol-3-P 6 Esta frase não é completamente verdadeira pois sabe-se que existe “leak” de protões por outros mecanismos que não os descritos acima mas o seu papel fisiológico e as proteínas que os medeiam são ainda desconhecidos. 7 O sistema da lançadeira do malato como o descrito acima não poderia funcionar porque levaria ao consumo contínuo do oxalacetato citoplasmático e ao acumular de oxalacetato na mitocôndria. De facto, para compreender o processo, temos de “fechar o ciclo” e entender que o oxalacetato, de alguma forma, regressa ao citoplasma. Não existe transportador para o oxalacetato na membrana interna das mitocôndrias e o processo é complexo. O oxalacetato mitocondrial converte-se em aspartato por acção da transamínase do aspartato (oxalacetato + glutamato aspartato + -cetoglutarato) e este aspartato regressa ao citoplasma onde, por acção da mesma transamínase (catalisando a reacção inversa), volta a converter-se em oxalacetato. Nestas reacções de transaminação o glutamato é consumido na matriz e forma-se no citoplasma acontecendo o contrário no caso do -cetoglutarato. Um transportador da membrana (um antiporter que troca o aspartato que sai por glutamato que entra) catalisa a entrada do glutamato para a matriz impedindo que este se acumule no citoplasma e se esgote na matriz. O -cetoglutarato também não se acumula na matriz porque um outro transportador da membrana (um antiporter que troca -cetoglutarato que sai pelo malato que entra) catalisa a sua saída para o citoplasma. Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 7 de 7 formado transfere os electrões para a coenzima Q através da acção catalítica doutra desidrogénase do glicerol-3-P presente na face externa da membrana interna da mitocôndria a que já fizemos referência (ver equação 9). As desidrogénases do glicerol-3-P do citoplasma (dependente do NADH) e a da face externa da membrana interna da mitocôndria (que tem como grupo prostético o FAD) são isoenzimas8. oxalacetato + NADH malato + NAD+ (13) dihidroxiacetona-P + NADH glicerol-3-P + NAD+ (14) 20- Os valores de 2,5 e 1,5 (referidos acima como as razões P:O quando, respectivamente, estão envolvidas os complexos I, III e IV ou apenas os complexos III e IV) seriam os valores máximos para a razão P:O: obviamente que a actividade das UCPs (e de outros processos que não abordámos) fará baixar a razão P:O para valores mais baixos [1, 12]. Se houver acoplamento perfeito entre oxidação e fosforilação, a razão P:O é 2,5 quando o redutor é o NADH e é 1,5 quando o redutor é o FADH2 (via desidrogénases do succinato ou do glicerol-3-P). Admitindo estes números e o funcionamento predominante da lançadeira do glicerol-3-P (como acontece, por exemplo,no músculo esquelético e no cérebro) a oxidação completa de uma molécula de glicose poderia render algo como 30 “ligações ricas em energia” do ATP9. Admitindo a acção predominante da lançadeira do malato, a oxidação completa de uma molécula de glicose poderia render 32 “ligações ricas em energia” do ATP. 1. Brand, M. D. (2005) The efficiency and plasticity of mitochondrial energy transduction, Biochem Soc Trans. 33, 897- 904. 2. Hinkle, P. C., Kumar, M. A., Resetar, A. & Harris, D. L. (1991) Mechanistic stoichiometry of mitochondrial oxidative phosphorylation, Biochemistry. 30, 3576-82. 3. Nelson, D. L. & Cox, M. M. (2005) Lenhinger principles of biochemistry, 4ª edn, W.H. Freeman and Company, New York. 4. Balaban, R. S. (2002) Cardiac energy metabolism homeostasis: role of cytosolic calcium, J Mol Cell Cardiol. 34, 1259- 71. 5. Kadenbach, B., Ramzan, R., Wen, L. & Vogt, S. (2010) New extension of the Mitchell Theory for oxidative phosphorylation in mitochondria of living organisms, Biochim Biophys Acta. 1800, 205-12. 6. Korzeniewski, B. (2006) Oxygen consumption and metabolite concentrations during transitions between different work intensities in heart, Am J Physiol Heart Circ Physiol. 291, H1466-74. 7. Mills, E. M., Rusyniak, D. E. & Sprague, J. E. (2004) The role of the sympathetic nervous system and uncoupling proteins in the thermogenesis induced by 3,4-methylenedioxymethamphetamine, J Mol Med. 82, 787-99. 8. Nedergaard, J., Bengtsson, T. & Cannon, B. (2007) Unexpected evidence for active brown adipose tissue in adult humans, Am J Physiol Endocrinol Metab. 293, E444-52. 9. Cannon, B. & Nedergaard, J. (2010) Thyroid hormones: igniting brown fat via the brain, Nat Med. 16, 965-7. 10. Zingaretti, M. C., Crosta, F., Vitali, A., Guerrieri, M., Frontini, A., Cannon, B., Nedergaard, J. & Cinti, S. 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(2007) Roles of norepinephrine, free Fatty acids, thyroid status, and skeletal muscle uncoupling protein 3 expression in sympathomimetic-induced thermogenesis, J Pharmacol Exp Ther. 320, 274-80. 8 É de sublinhar que embora a desidrogénase do glicerol-3-P da membrana mitocondrial externa contenha FAD não é o complexo II: o complexo II é uma enzima da face interna da membrana interna da mitocôndria e também se pode designar de desidrogénase do succinato. 9 Este resultado resulta do seguinte cálculo: ATPs formados “a nível do substrato” (4; 2 na glicólise + 2 via cínase do succinato/cínase dos nucleosídeos difosfato) + ATPs formados via “lançadeira do glicerol-3-P” (1,5 2 = 3) + ATPs formados via “oxidação do succinato” (1,5 2 = 3) + ATPs formados via “oxidação do NADH mitocondrial” (4 2 2,5 = 20). As enzimas directamente envolvidas na formação do NADH mitocondrial são as desidrogénases do piruvato, do isocitrato, do -cetoglutarato e do malato.
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