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INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL Interpretar significa dar sentido, explicar alguma coisa. A interpretação da lei penal visa dar sentido a ela buscando o seu significado e seu alcance. A lei penal pode ser interpretada basicamente de três formas: considerando ao sujeito que interpreta, ao modo usado pelo intérprete ou ao resultado a que se chega por meio da interpretação. Cada uma dessas formas de interpretação possui seus modos próprios, veja o quadro-resumo a seguir: INTERPRETAÇÃO QUANTO AO SUJEITO INTERPRETAÇÃO QUANTO AO MODO INTERPRETAÇÃO QUANTO AO RESULTADO Autêntica Doutrinária Jurisprudencial Literal/Gramatical Teleológica Histórica Restritiva Extensiva Interpretação quanto ao sujeito A interpretação quanto ao sujeito tem como objeto a fonte da norma. Assim, sua interpretação pode ser: autêntica, doutrinária e jurisprudencial. A interpretação autêntica é fornecida pela própria lei. Como exemplo, podemos citar o art. 327 do Código Penal, que traz o conceito de funcionário público: Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. Veja que não há necessidade de se interpretar o conceito de funcionário público, pois a própria lei já fez esse trabalho, portanto, essa interpretação busca saber o sentido de funcionário público fornecido pela própria lei. A interpretação doutrinária é aquela realizada pelos doutos, pelos doutrinadores, especialistas/estudiosos na área penal. Já a interpretação jurisprudencial é aquela realizada pelos tribunais. Interpretação quanto ao modo A interpretação quanto ao modo pode ser: literal ou gramática, teleológica e histórica. Na interpretação literal ou gramatical considera-se o sentido literal das palavras. Dizendo de outra forma: deve-se seguir exatamente o texto legal. Na teleológica, busca-se analisar a intenção da lei, ou seja, a sua finalidade. E na histórica, procura-se interpretá-la pela sua origem histórica. Interpretação quanto ao resultado A interpretação quanto ao resultado pode ser: declaratória, extensiva e restritiva. A declaratória é aquela em que a letra da lei corresponde exatamente àquilo que o legislador quis dizer, sem acréscimos ou reduções. Na Extensiva a interpretação amplia o alcance das palavras da lei para corresponder à vontade do texto legal. Devemos entender bem essa espécie de interpretação, pois essa ampliação é muito particular a determinados tipos penais. Nesses o legislador quis dizer algo, mas é como se ele houvesse ficado subentendido. Vejamos um exemplo: O delito de bigamia, art. 235, CP: Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Repare que se usássemos a interpretação literal entenderíamos que somente cometeria bigamia quem, já casado, casasse novamente, ou seja, contraísse um segundo casamento. Mas e se o sujeito contraísse um terceiro casamento, não cometeria bigamia, já que o tipo literalmente só prevê um segundo casamento? Claro que não. Por isso temos que nesse caso utilizarmos da interpretação extensiva para ampliar o sentido da lei de forma que aquele que case pela terceira, quarta .... vez também responda pelo delito. Por fim a interpretação restritiva é aquela que reduz o alcance das palavras da lei para corresponder à vontade do texto legal. Interpretação analógica Há, ainda, essa espécie de interpretação chamada de analógica. Ela é utilizada somente em tipos penais cujo legislador utilizou-se de uma fórmula casuística seguida de uma fórmula genérica. Significa dizer que ele prevê no tipo algumas circunstâncias que ocorrendo podem fazer com que aquele crime se torne mais grave, e logo após, como não há como ele prever todas as hipóteses possíveis de acorrer na vida real, ele permite que hipótese embora não previstas expressamente, mas que sejam similares as que estão previstas possam também serem incluídas. Um exemplo deixará mais claro. O crime de homicídio, art. 121, § 2°, III do CP, prevê entre outras hipóteses que, aquele que mata se utilizando de “veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (...)”, terá sua pena em abstrato maior do que a prevista pelo Caput, ou seja, responderá pelo homicídio qualificado. Agora vejamos, quando o legislador prevê a utilização de “veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura” ele está utilizando uma fórmula casuística, pois elenca hipóteses. Mais adiante ele usa a expressão: “ou outro meio insidioso ou cruel”, essa expressão é uma fórmula genérica, a qual permite incluir como hipótese qualificadora uma circunstância que, embora, não elencada, enquadra-se como insidiosa ou cruel. A exemplo daquele que mato o outro fazendo-o ingerir água até sua morte. Assim, muito embora essa forma de homicídio não esteja elencada nas circunstâncias que o qualificam, ela caracteriza-se como uma maneira cruel de provocar a morte de alguém, portanto, pela interpretação analógica podemos incluir essa circunstância como uma qualificadora. Importante salientar que a interpretação analógica não se confunde com analogia. Há duas espécies de analogia no Direito Penal: a analogia in bonan parten (a favor o réu) e a in malan partem (contra o réu), esta última não é permitida ser utilizada. Analogia significa: uma r elação de semelhança entre objetos diferentes. Quer dizer que ao se fazer analogia in malan partem se fere o princípio da legalidade. Pois, este ao postular que o sujeito somente pode ser acusado de um crime se a sua conduta for idêntica a descrita no tipo penal (Lei), ao se fazer analogia pretende-se imputar ao sujeito uma conduta semelhante e não idêntica a determinado tipo penal, o que proibido. Não obstante, a analogia in bonan partem é permitida, posto se tratar de benéfica ao réu, não ferindo, assim, o principio da legalidade. Vejamos um exemplo: No caso do delito do art. 128, CP, que trata do aborto para salvar a vida da gestante. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante Imagine uma gestante que necessita fazer o aborto para salvar sua vida e ela se encontra em um lugar que não há médico e a enfermeira local faz o aborto. Nesse caso, haveria o crime de aborto praticado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 124 e 126, CP), a gestante e a enfermeira responderiam pelo delito, porque a Lei exige que o aborto seja realizado por médico. Utilizando-se a analogia in bonan partem, ambas, a gestante e a enfermeira não seriam responsabilizadas, visto que a enfermeira, por não haver médico, teria relação de semelhança a este, sendo ela equiparada ao médico, caso contrário haveria uma situação totalmente injusta. Conflito aparente de normas O conflito aparente de normas penais – antinomia -, ocorre quando há duas ou mais normas incriminadoras descrevendo o mesmo fato. Sendo assim, existe o conflito, pois mais de uma norma pretende regular o fato, mas é aparente, porque, apenas uma norma é aplicada à hipótese. Para se resolver o aparente conflito, utilizamos como principais soluções, os seguintes princípios: a) Princípio da especialidade : a norma especial prevalece sobre a norma geral. Como exemplo podemos citar um homicídio ocorrido em virtude de um acidente de trânsito. Temos a norma do art. 121, § 3º do código penal e do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro. Ambas normas regulam a conduta, quem deve então prevalecer? A resposta é o art. 302 do CTB, pois o Código de Trânsito é norma especial em relação ao CP. b) Princípio da consunção : quando um crime é meio necessário para o outro, Exemplo de lesão corporal e homicídio.Todo homicídio requer que haja lesão corporal, ela é meio necessário para a produção da morte, dessa forma, aquele que mata o outro somente responde pelo crime de homicídio e não pelos dois. c) Princípio da alternatividade: para crimes plurinucleares denominados de ação múltipla ou conteúdo variado. Significa dizer que, naqueles delitos que preveem vários verbos, o agente, embora possa praticar mais de um, somente responderá pelo delito uma única vez. Como exemplo podemos citar o crime de tráfico de drogas. O artigo 33 da lei 11.343/06 possui 18 verbos. Contudo, aquele que, por exemplo, “traz consigo” e “oferece” a droga, mesmo realizando dois verbos, irá responde por apenas um crime e não duas vezes por ele. Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Desta forma, resolvemos o problema da antinomia das normas penais.