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Críticas à aplicabilidade do Direito Civil Constitucional

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Nessa aula, o principal objetivo é apresentar aos discentes críticas que parte da doutrina traçou em relação ao tema em
que estamos nos baseando: o Direito Civil Constitucional. Após analisarmos os principais aspectos desse “movimento”, é
importante considerarmos também o “outro lado da moeda”. Quais são as críticas a essa corrente jurídica? O que deve ser
considerado para além dos aspectos positivos dessa mesma corrente? Sabe-se que o Direito possui diferentes visões
sobre um mesmo fenômeno jurídico, e aqui não é diferente. Desse modo, consideramos importante também apresentar
uma outra visão sobre pontos que, ao menos, levem a pensar ou refletir sobre a mencionada aproximação entre Direito
Civil (Direito Privado) e o Direito Constitucional, em um procedimento crítico.  Ao final, espera-se que o/a aluno/a seja
capaz de identificar os pontos positivos ou factuais sobre esse entrelaçamento de matérias, mas que também saiba ter
um olhar crítico ou que conheça a existência de outros posicionamentos sobre esse tema.
Identificar aspectos da aproximação entre Direito Civil e Direito Constitucional passíveis de críticas.
Apontar possíveis consequências do movimento do Direito Civil Constitucional sobre tradições jurídicas.
Nas aulas vistas até agora, foram abordados aspectos introdutórios e elementos importantes que demonstram o
alinhamento do Direito Civil e do Direito Constitucional. O fenômeno da aproximação dessas áreas também é denominado
de constitucionalização do Direito Civil. Assim, destacamos aspectos principais que demonstram as características desse
comportamento jurídico, trazendo o viés para a realidade brasileira.
Nesse sentido, vimos temas como a aplicação horizontal do direito constitucional, breves considerações sobre
hermenêutica constitucional e os fatores reais de poder segundo a visão sociológica da constituição de Ferdinand
Lassalle. Ademais, foram comparadas e vislumbradas mudanças na realidade brasileira desse mesmo movimento, ao
estudarmos a Constituição Federal de 1988 e os códigos civis de 1916 e o atual de 2002, trazendo elementos
contemporâneos e de mudanças de perspectivas.
Ocorre que, nesta aula, o objetivo é realizarmos uma reflexão sobre o movimento aqui estudado. Em um primeiro
momento, aparenta ser um aspecto positivo essa aproximação de áreas, considerando o Direito Civil como uma
substância, e também a mudança de um direito “do agente para o direito das pessoas”, traduzindo a essencialidade e o
novo papel de relevância do Direito Civil para o viés neoconstitucionalista. Em aulas futuras, analisaremos mais
profundamente pontos exemplificativos e casos específicos em que podemos traduzir essa constitucionalização do
Direito Civil. Por agora, reservamo-nos a tecer algumas reflexões sobre as consequências desse fenômeno. O que essa
aproximação gerou na aplicação do Direito? Quais os resultados?
Assim, podemos listar alguns problemas advindos desse movimento civil constitucionalista, segundo consulta feita à
literatura especializada, como Leal (2015) e Mota (2017):
1. aumento dos hard cases (casos difíceis);
2. protagonismo judicial;
3. carência metodológica;
4. trivialização da dignidade humana;
5. excesso de paternalismo estatal;
6. problemas institucionais;
7. expansão dos limites do direito, dentre outros.
Elementos do direito civil constitucional
Aula 5 - Críticas à aplicabilidade do Direito Civil Constitucional
APRESENTAÇÃO DA AULA
Objetivos
CONTEÚDO ONLINE
Figura 5.1 – Direito civil e constituição
Fonte: Sora Shimazaki/pexels.com
Em relação ao aumento dos hard cases (1) – alguns exemplos serão mais explorados em aulas posteriores, bem como um
aprofundamento na sua conceituação – é importante brevemente entendê-los como “casos difíceis”. Por que casos
difíceis? Na perspectiva do Direito Civil Constitucional, alinham-se aspectos da supremacia da constituição e seus
princípios e valores inerentes aos casos concretos analisados por um tribunal. Assim, essa necessidade de aferição
permanente de aplicação do Direito conforme os elementos constitucionais leva a uma complexidade de variáveis a
serem consideradas na justificação da aplicação da norma, em proferir as decisões. Tais variáveis envolvem não a mera
aplicação do fato à norma, mas também a reflexão sobre princípios constitucionais, por vezes com conceituação vaga, ao
mesmo caso também. E, como sabemos, pode haver conflitos entre alguns desses princípios. Como relacionar, por
exemplo, o direito à informação com a privacidade de dados, em uma dada situação concreta? Logo,
Construir a melhor solução para casos específicos não passa a depender [...] apenas da subsunção de fatos aos
predicados fáticos de regras, por exemplo, do Código Civil. Ao contrário, questões concretas de direito civil são
vistas, na verdade, como oportunidades para o empreendimento de esforços de concretização da Constituição.
(LEAL, 2017, p. 132).
São exemplos também de conceitos abertos que se envolvem nesse debate: dignidade, autonomia, melhor interesse da
criança, função social, solidariedade, dentre outros.
A expressão casos difíceis é aprofundada por Alexy (2008). Neste momento, o importante é constatarmos que os casos de
Direito Civil Constitucional, diante dessas caracterizações, aumentam a incerteza vinculada ao desfecho dos casos.
Consideramos também que tais realidades seriam todas potencialmente difíceis. Tal fato, por conseguinte, nos leva ao
protagonismo do juiz, que “[...] precisa ser compreendido como um ator institucional capaz de conhecer e processar todos
aqueles dados para fornecer respostas constitucionalmente adequadas” (LEAL, 2017, p. 135). Isso nos leva ao próximo
tópico, que diz respeito ao protagonismo de cortes e tribunais, ao realizarem julgamentos desses casos difíceis.
No que se refere ao protagonismo judicial (2), como grande parte das situações e problemas envolvem um controle de
constitucionalidade (verificação do caso e lei à luz das normas constitucionais), o Judiciário (em especial a suprema corte
brasileira, o STF) é chamado a se pronunciar e interpretar as normas infraconstitucionais (Direito Privado) conforme a
https://stecine.azureedge.net/webaula/pos.estacio/MLC059/aula5/img/05-1.jpg
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Constituição. Nesse debate estão envolvidos outros assuntos de igual importância, como o ativismo judicial e até mesmo
questionamentos sobre o princípio da separação de poderes, uma vez que um argumento muito utilizado é o de que o
Judiciário, ao interpretar a nova e conferir novo sentido/interpretação, estaria atuando com a função de um legislador.
Ademais, o subjetivismo que circunda a ponderação de princípios também é visto como uma das consequências dessa
relação, ocasionando possível pluralidade de soluções para casos semelhantes.
Em relação à carência metodológica (3), o debate gira em torno da falta de um ambiente doutrinário que permita
interpretação e segurança jurídica diante da forma de racionalidade do Direito Civil Constitucional. Assim,
Para que se possa, porém, problematizar as pretensões de racionalidade, em qualquer sentido, de métodos de
decisão, é preciso que critérios de interpretação sejam previamente fixados. Sem isso, não há o que se criticar.
No caso do direito civil constitucional, as apostas costumam ser feitas em expressões vagas ou métodos já
conhecidos, contra os quais já foram formuladas críticas, que, por sua vez, não são enfrentadas pelos autores do
movimento. (LEAL, 2015, p. 137).
Somado a isso, defende parte da doutrina que o Direito Civil Constitucional também não traz novidade sobre o controle
da subjetividade judicial.
Sobre a trivialização da dignidade humana (4), sabe-se que essa aproximação de áreas promoveu a irradiação da
proeminência da dignidade da pessoa humana para toda ordem jurídica, e isso influenciaria o conceito de vontade, típico
do direito privado. A crítica referente a este ponto, por sua vez, corresponde a utilizar a dignidade humana para
fundamentar toda decisão. SegundoLeal (2015, p. 141), “Ela está em todo o lugar, mas não se sabe o que ela significa; ela
serve para explicar tudo, mas é incapaz de orientar efetivamente processos de interpretação e aplicação do direito
privado”.
Quanto ao excesso de paternalismo estatal (5), essa crítica ou característica analisada decorre também do debate da
dignidade humana. Com o deslocamento do foco da “vontade” para a “tutela da dignidade humana”, depreende-se, a
partir dessa abordagem, que o protagonismo deixa de estar no indivíduo e passa a estar no Estado. Nessa linha de
raciocínio, entende-se que o Judiciário e os intérpretes passam a guiar o indivíduo naquilo que é melhor para ele ou
passam a protegê-lo de si mesmo (LEAL, 2015, p. 146).
O direito civil constitucional, se, por um lado, escancara as complexidades subjacentes aos problemas de
legitimidade de escolhas individuais em uma ordem jurídica como a nossa, por outro, ao oferecer poucos
critérios para lidar com essa complexidade, acaba por conceder amplíssimas margens de discricionariedade ao
julgador. Assim, não é claro até que ponto o discurso civil constitucional pode evitar algum tipo de paternalismo
judicial forte. (LEAL, 2015, p. 147).
Acerca dos problemas institucionais (6), eles estariam relacionados, conforme a doutrina, com o choque de atuação entre
Poder Judiciário (mais ativo e protagonista com as decisões particularistas na aplicação de princípios constitucionais em
casos de direito privado) e Poder Legislativo: os legisladores ficariam, nesta visão crítica, com margem de atuação
limitada.
O papel das instituições democráticas seria apenas o de descobrir o sentido das disposições constitucionais,
notadamente dos seus valores fundamentais. Nesta hipótese, o legislador praticamente não possui margens de
conformação e o Judiciário se torna um controlador permanente da qualidade das decisões legislativas [...]
otimismo ingênuo sobre as capacidades judiciais para construir respostas tão boas ou melhores do que as
legislativas para casos concretos, não só do ponto de vista da adequação constitucional das soluções propostas
para problemas específicos, como também da possibilidade de promoção de virtudes dinâmicas do Estado de
Direito. (LEAL, 2015, p. 149-150).
Por fim, sabendo que podem existir diversas outras críticas ou temas de reflexão, a expansão dos limites do Direito (7)
desenvolve a relação entre o Direito e a moral. Os conceitos abertos presentes na Constituição dão margem para uma
leitura moral mais acentuada, permeando o direito por padrões de moralidade, o que poderia de certo modo, nesta visão,
afetar o lado formal do Direito. (LEAL, 2015, p. 154).
Nesse sentido, apresentamos alguns pontos que retratam a relação do Direito Civil Constitucional sob um viés mais
crítico. Por meio deles, reflete-se sobre possíveis consequências sobre o próprio Direito, sobre protagonismo de
julgadores e cortes constitucionais e sobre a relação do Judiciário com o Legislativo. Há de se falar, ainda, do próprio
Estado Democrático de Direito, de conceitos abertos como a dignidade humana, bem como da essência do direito
privado (voluntarismo) associada a uma visão mais social, e não mais tão individualista.
Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online
Exercícios de fixação
1 – O Direito Civil Constitucional possui diversas características, dentre as quais não se pode mencionar:
a) Decisões particularistas judiciais.
b) Utilização de princípios constitucionais para guiar a voluntariedade/vontade do indivíduo.
Nesta aula: 
Identificaram-se elementos críticos da perspectiva que aproxima Direito Civil e Direito Constitucional.
Apontaram-se formas e casos para se refletir sobre a aproximação entre Direito Civil e Direito Constitucional.
Na próxima aula, você estudará os seguintes assuntos:
c) Centralidade da Constituição, e não mais apenas do Direito Privado.
d) Permanência do indivíduo como centro do olhar do ordenamento jurídico, e não mais a Constituição.
e) Foco no coletivo em detrimento do individual.
2 – Podemos dizer que as críticas ao Direito Civil Constitucional são relacionadas
a) à redução de hard cases.
b) ao protagonismo do Legislativo.
c) à grande produção metodológica.
d) a problemas institucionais relacionados ao protagonismo do julgador para os casos difíceis que aumentam nesse
comportamento.
e) ao desprestígio de casos constitucionais.
3 – Quanto aos casos difíceis, eles:
a) não possuem relação com o movimento do direito civil constitucional.
b) foram mais intensificados a partir do movimento de aproximação entre Direito Civil e Direito Constitucional,
aplicando-se conceitos e ponderando princípios.
c) não têm relação com as produções de Alexy.
d) não dizem respeito ao conflito de princípios.
e) tratam-se de mecanismos judiciais para culpabilizar o réu.
4 - Algumas críticas em relação ao Direito Civil Constitucional podem se relacionar
a) a conceitos abertos que demandam subjetividade do julgador, como no caso da dignidade da pessoa humana.
b) a conceitos precisos presentes na Constituição.
c) à robusta produção doutrinária que fundamenta as decisões dessa área de estudos.
d) à dignidade da pessoa humana fora do centro da compreensão do Direito Privado.
e) à perfeita harmonia entre Judiciário e Legislativo.
5 – A Constituição Federal de 1988 foi um marco no sistema jurídico brasileiro em diferentes aspectos. Destes, podemos
citar como relacionados à matéria:
a) Relação do indivíduo e sua vontade, relacionados com aspectos sociais e coletivos.
b) Separação de matérias públicas e privadas, sem vínculo algum entre si.
c) Convergência de entendimentos jurisprudenciais e de interpretação uniforme sobre conceitos e princípios
constitucionais.
d) Ausência de conflitos de princípios.
e) Reafirmação do indivíduo como autônomo em sua vontade, sem interferência ou regulação estatal em qualquer
aspecto.
Síntese
Próxima aula
Conceituação de hard cases.
Elementos do ativismo judicial e protagonismo de cortes constitucionais a partir da visão do Direito Civil
Constitucional.
Início de estudos exemplificativos dessas modalidades relacionados ao Direito Civil Constitucional.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
ALVES, José Augusto Lindgren. Direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 1994.
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Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 17, n. 65, p. 21-32, jul./set., 1993.
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Referências

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