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Autores: Prof. Ricardo Muotri Profa. Ronilda Iyakemi Ribeiro Prof. Eduardo Ribeiro Frias Colaboradora: Profa. Vanessa Santhiago Psicologia Aplicada ao Esporte Professores conteudistas: Ricardo Muotri / Ronilda Iyakemi Ribeiro / Eduardo Ribeiro Frias Ricardo Muotri Mestre e doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – Rio Claro. Especialista em Educação Física Adaptada e Saúde e docente da Universidade Paulista (UNIP). Possui experiência na área de educação física, com ênfase em educação física adaptada, treinamento personalizado e psicoterapia, atuando, principalmente, nos seguintes temas: psicologia esportiva, transtornos mentais, transtornos de ansiedade, obesidade e depressão. Ronilda Iyakemi Ribeiro Etnopsicóloga. Doutora em Psicologia e em Antropologia da África Negra pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora e Membro da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos da Universidade Paulista (CQA-UNIP), importante núcleo que produz material pedagógico destinado a alunos e professores de todos os cursos e campi dessa universidade. Professora sênior da USP. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da Herança Africana (CNPq-UNIP). Membro do Grupo de Trabalho Psicologia e Religião (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP) e do Coletivo Coalizão Inter-Fé em Saúde e Espiritualidade. Representante da UNIP no Fórum Inter-religioso para uma Cultura de Paz e Liberdade de Crença (Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo). Patronesse do Egbé Omó Oduduwa no Brasil. Eduardo Ribeiro Frias Etnopsicólogo. Mestre e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador e membro da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos da Universidade Paulista (CQA-UNIP), importante núcleo que produz material pedagógico destinado a alunos e professores de todos os cursos e campi dessa universidade. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da Herança Africana (CNPq-UNIP). Idealizador e coordenador de projetos de intervenção socioeducacional e socioambiental, com larga experiência em ações do terceiro setor, muitas das quais realizadas na Serra da Cantareira, Mata Atlântica de São Paulo. Realiza pesquisas de cunho ecopsicológico e etnopsicológico, privilegiando estudos relativos à etnia iorubá em seu continente de origem (África Ocidental) e em sua diáspora nas Américas, particularmente no Brasil. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U507.16 – 20 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M971p Muotri, Ricardo. Psicologia Aplicada ao Esporte / Ricardo Muotri. Ronilda Iyakemi Ribeiro. Eduardo Ribeiro Frias – São Paulo: Editora Sol, 2020. 164 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Psicologia do esporte. 2. Treinamento psicológico 3. Comportamento. I. Ribeiro, Ronilda Iyakemi. II. Frias, Eduardo Ribeiro. III. Título. CDU 796.011.1 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Willians Calazans Elaine Pires Sumário Psicologia Aplicada ao Esporte APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 11 Unidade I 1 EM BUSCA DE COMPREENSÃO .................................................................................................................. 21 1.1 Buscando compreender o humano – alguns conceitos básicos de psicologia ........... 21 1.1.1 Tópicos de psicologia do desenvolvimento .................................................................................. 21 1.1.2 Tópicos de psicologia da aprendizagem ........................................................................................ 28 1.1.3 Tópicos de psicologia da personalidade ........................................................................................ 34 2 ABORDAGENS CORPORAIS EM PSICOTERAPIA E POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES COM A EDUCAÇÃO FÍSICA ............................................................................................................................... 53 3 DINAMISMOS PSÍQUICOS QUE INFLUENCIAM O RENDIMENTO DO ATLETA E INTERFEREM NA PERFORMANCE ESPORTIVA – ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICOLOGIA DO ESPORTE ......................................................................................................................... 57 3.1 Entendendo a psicologia do esporte e do exercício ............................................................... 57 3.2 Psicologia do esporte e psicologia no esporte ......................................................................... 59 4 O PSIQUISMO – FATORES COGNITIVOS, SENSORIAIS, AFETIVOS E EMOCIONAIS QUE INTERFEREM NO RENDIMENTO ESPORTIVO ............................................................................................. 60 4.1 Fatores cognitivos e sensoriais que interferem no rendimento esportivo ................... 60 4.1.1 Atenção ....................................................................................................................................................... 60 4.1.2 Atenção concentrada ............................................................................................................................ 62 4.1.3 Atenção seletiva ...................................................................................................................................... 62 4.1.4 Atenção alternada (ou flutuante) .................................................................................................... 62 4.1.5 Atenção sustentada ............................................................................................................................... 63 4.1.6 Concentração ........................................................................................................................................... 63 4.1.7 Percepção ................................................................................................................................................... 64 4.2 Fatores afetivos e emocionais que interferem no rendimento esportivo ..................... 66 4.2.1 Atitude ........................................................................................................................................................ 67 4.2.2 Motivação .................................................................................................................................................. 68 4.2.3 Estresse ........................................................................................................................................................ 77 4.2.4 Ansiedade................................................................................................................................................... 80 4.2.5 Medo ............................................................................................................................................................ 82 4.2.6 Autoeficácia e autoconfiança ............................................................................................................ 84 Unidade II 5 EM BUSCA DE RECURSOS DE INTERVENÇÃO ...................................................................................... 92 5.1 Preparando psicologicamente os atletas .................................................................................... 92 5.1.1 Influências externas no preparo psicológico de atletas .......................................................... 92 5.2 Programa de treinamento psicológico ......................................................................................104 6 ÂMBITOS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO DO ESPORTE ....................................................................110 6.1 Atuando no âmbito escolar............................................................................................................110 6.1.1 A tríade da psicologia esportiva ......................................................................................................111 6.2 Atuando no âmbito da recreação ................................................................................................112 6.3 Atuando no âmbito da reabilitação ............................................................................................112 6.4 Atuando no âmbito de esportes de rendimento ...................................................................114 6.5 Atuando na atenção básica em saúde .......................................................................................117 7 PRÉ-REQUISITOS PARA ATUAR EM GRUPOS E EQUIPES ...............................................................122 7.1 Conhecimentos básicos de estrutura e dinâmica de grupos ............................................122 7.1.1 Tópicos de psicologia social ............................................................................................................. 122 7.1.2 Espírito de equipe e espírito esportivo.........................................................................................131 7.1.3 Metas individuais e metas da equipe .......................................................................................... 134 8 INICIAÇÃO ESPORTIVA: INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO E DE SOCIALIZAÇÃO .....................135 8.1 A tríade da psicologia esportiva ...................................................................................................136 8.1.1 O papel do professor de educação física – vértice escola................................................... 137 8.1.2 O papel da família – vértice família ............................................................................................. 138 8.1.3 O papel ativo da criança – vértice aluno ................................................................................... 139 8.2 Algumas reflexões sobre o papel do psicólogo do esporte na educação ....................140 8.3 Iniciação esportiva precoce (IEP) e treinamento especializado precoce (TEP) ..........141 7 APRESENTAÇÃO Nenhuma obra é de autoria exclusiva daqueles que assinam como autores. Toda obra escrita resulta sempre de um esforço coletivo do qual muitas pessoas participam, a maioria das quais transitando na invisibilidade, embora estejam sempre de plantão, sempre atuantes em produções dessa natureza. Este livro-texto não escapa à regra: ele não existiria se não houvesse na Universidade Paulista (UNIP) e fora dela pessoas disponíveis para dialogar e para pôr a mão na massa. Impossível mencionar todos os que participam da produção de nossos livros-textos – os docentes que preparam textos e o amplo suporte técnico para sua efetiva produção gráfica e distribuição. Nós, autores deste livro-texto que você tem agora em mãos, queremos expressar nossa especial gratidão à Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez, Vice-Reitora de Graduação da UNIP; a todos os docentes da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos (CQA-UNIP), na pessoa da Profa. Dra. Christiane Mazur; a todos os demais integrantes da CQA-UNIP, na pessoa de Gladys Pierrobon e de Elaine Silva de Almeida Rodrigues; ao corpo técnico da produção material e virtual das obras, nas pessoas de Cláudia Meucci Andreatini, Betisa Malaman, Alexandre Ponzetto, Ana Fazzio, Cláudia Regina Baptista e Willians Calazans; e, finalmente, a todos os alunos, nossos grandes motivadores e nossa esperança no futuro. Ao tratarmos do tema psicologia aplicada ao esporte, a primeira questão a ser colocada é a seguinte: por que é recomendável a graduandos de Educação Física o aprendizado de noções de psicologia? Como a graduação em Educação Física prepara profissionais para atuarem na promoção da saúde e na ampliação da capacidade física por meio de atividades corporais, essa profissão, situada na interface das áreas da educação e da saúde, possui caráter preventivo e terapêutico, o que exige conhecimentos relativos a fatores subjetivos presentes na interação profissional. Além disso, esse conhecimento favorece o desenvolvimento de habilidades pessoais que contribuem para a eficácia de sua ação. Alguns temas da psicologia são particularmente relevantes na formação de profissionais de educação física: compreensão de si e do outro; compreensão de processos próprios das interações interpessoais e reflexões sobre ética na prática profissional. Do extenso campo da psicologia, a psicologia do esporte é particularmente útil à formação em educação física por dispor de conceitos capazes de relacionar o bem-estar humano com práticas esportivas e por contribuir com recursos técnicos a serem utilizados em contexto esportivo, seja no âmbito do alto rendimento, no âmbito do esporte do jogo/lazer ou, ainda, em outros âmbitos de atuação desse profissional. De modo geral, em todas as profissões do cuidado, a interação humana inevitavelmente mobiliza questões existenciais, além de exigir conhecimentos teóricos e preparo técnico em seu manejo. Dos profissionais incumbidos de cuidar de pessoas é exigida a capacidade de escuta – escuta de si e escuta do outro –, e, uma vez mobilizados emocionalmente, os cuidadores, como se sabe, também passam a requerer cuidados. O profissional de educação física acessa o corpo de outra pessoa e essa aproximação exige, muitas vezes, a renúncia de si em favor da singularidade do outro. A construção teórico-técnica da psicologia pode ser posta a serviço de práticas profissionais que privilegiam a interação humana, assim como 8 pode indicar caminhos para a reintegração pessoal de profissionais do cuidado, continuamente mobilizados pelo contato com seus semelhantes. Todo profissional da educação e da saúde é convidado a compreender cada ser humano em seu modo particular de existir, reconhecendo que a organização do psiquismo resulta da ação de agentes externos e, simultaneamente, de um processo de atribuição de sentidos e significados por parte das pessoas. Não podemos ignorar o fato de que em nosso país, multicultural e plurirracial, convivem distintas concepções de universo, de tempo e de pessoa. Na área da saúde, por exemplo, vemos práticas médicas e paramédicas inspiradas no chamado paradigma vitalista, de caráter holístico, convivendo com práticas médicas e paramédicas próprias da medicina ocidental contemporânea, que se inspira no paradigma cartesiano da mecânica clássica e é crescentemente estimulada por avanços tecnológicos que priorizam o diagnóstico em detrimento da terapêutica. Na interação de um profissional de educação física com um atleta ou um aluno ocorre um encontro de universos de experiências pessoais, pois cada qual carrega consigo um mundo de vivências no qual estásubmerso, e, inevitavelmente, durante esse encontro humano, haverá influência mútua. Como veremos, a psicologia é múltipla e diversa e, quando aplicada à educação física, demanda a abordagem de temas que possam auxiliar o profissional dessa área a estabelecer boa relação com as pessoas que estarão sob seus cuidados e com os contextos de atendimento. A perspectiva adotada neste livro-texto é, pois, apenas uma das perspectivas possíveis, e, certamente, outras visões poderão mostrar-se úteis, caso haja o propósito de expandir e aprofundar conhecimentos a respeito da interface dessas duas disciplinas do cuidado humano. Enlace Na fronteira Os limites Se encontram. E_FR!@s Fonte: Frias (2016). O cuidar-se exige respeito por si mesmo, o que implica estabelecer uma interação harmoniosa entre a alimentação, a movimentação corporal, as atividades de trabalho e de lazer, a convivência familiar e as demais interações sociais. Dessa forma, uma boa qualidade de vida se estabelece em função de diversos fatores, entre os quais, o esporte. O conhecimento em psicologia nos parece útil para sermos capazes de estabelecer equilíbrio entre a prática dos esportes e a qualidade de vida. Nesse contexto e na lida com fatores estressores, poderíamos nos perguntar: em que momento devemos tomar decisões técnicas de atuação a fim de obtermos a melhor performance possível? Poderiam os conhecimentos relativos a alterações do funcionamento cerebral decorrentes do desequilíbrio de neurotransmissores serem úteis à prática desportiva? O estudo de estados emocionais, como os produzidos por ansiedade ou medo, é fundamental para sabermos como agir quando nos vemos diante da necessidade de auxiliar nas escolhas de pessoas que 9 buscam bem-estar e desenvolvimento esportivo, seja amador ou profissional. A interdisciplinaridade da qual resulta a psicologia do esporte nos proporciona um recurso sólido a ser explorado para favorecermos o fluxo de um desenvolvimento saudável, seja nas atividades de lazer ou em esportes de alto rendimento. Este livro-texto tem por objetivos contribuir para a compreensão: • da personalidade e do desenvolvimento humanos; • de dinamismos psíquicos e fatores ambientais que influenciam o rendimento do atleta e podem interferir em sua performance esportiva; • do processo de socialização por meio do esporte em distintos contextos sociais – escola, espaços de lazer, âmbitos de atividades físicas e esportivas. Ao considerar de modo holístico as potencialidades e limitações do corpo e do psiquismo humano, a psicologia do esporte favorece a compreensão de fatores extrínsecos e intrínsecos que interferem na formação e na atuação profissional do atleta. Para o efetivo sucesso da interdisciplinaridade, é preciso haver aproximação entre pessoas de distintas áreas do saber e de distintos níveis de desenvolvimento profissional. Quando nós do corpo docente (professores) convivemos entre nós e convivemos com pessoas do corpo discente (alunos), temos aí uma excelente oportunidade, em nosso caso proporcionada pela Universidade Paulista (UNIP), de estabelecermos vínculos, mesmo em cursos ministrados a distância. O desejável é que tais vínculos estejam fundamentados no respeito mútuo. O respeito que um aluno manifesta por um mestre, no qual reconhece a autoridade daquele que sabe e ensina com humildade, produz ressonância amorosa, e o vínculo estabelecido entre ambos se faz vigoroso o suficiente para sustentar por muito tempo essa relação humana. Talvez por toda a vida. O bom mestre favorece a formação de vínculos fraternos entre seus discípulos, de modo que a força de cada um possa se mostrar e se ampliar no trabalho grupal. Desejando o bom mestre que seus discípulos o superem, cultiva neles o anseio de o ultrapassarem. Nesse sentido, o escritor e educador português Agostinho Silva se refere a Platão, dizendo: O mestre vulgar é como os passarinheiros que cortam as asas das pombas para que elas não voem até onde ele não possa alcançá-las. Mas Platão só deseja que as pombas se banhem no azul dos céus e tão alto subam que toda a terra se desdobre e se revele a seus olhos (SILVA, 1996, p. 52). Recorremos a essa metáfora porque ela se mostra útil para descrever relações estabelecidas entre profissionais de educação física e as pessoas que se encontram sob seus cuidados. Certamente obtemos ressonância amorosa nas pessoas de quem cuidamos quando elas reconhecem que utilizamos nosso saber profissional, com humildade, para promover seu bem-estar. O respeito despertado por um profissional de educação física naquelas pessoas de quem ele cuida brota desse reconhecimento, e o vínculo humano assim estabelecido se faz vigoroso o suficiente para sustentar-se por muito tempo na interioridade dos envolvidos nessa relação de cunho educacional, preventivo e terapêutico. O bom agente de educação e saúde, quando em atendimento grupal, favorecerá a formação de vínculos 10 fraternos entre seus assistidos, de modo que a força de cada pessoa ali presente possa se revelar e ser intensificada durante o trabalho coletivo. Foi sob inspiração dos mesmos ideais que este livro-texto foi produzido: ele resulta do diálogo entre especialistas de duas áreas do saber colocadas em interação ao nos situarmos em zona de sua interface. Ronilda Iyakemi Ribeiro e Eduardo Ribeiro Frias, porta-vozes da psicologia, dialogam com Ricardo Muotri, porta-voz da educação física. Ao entabularmos nosso diálogo, partimos da seguinte pergunta: pode a psicologia oferecer aos profissionais de educação física melhor compreensão de si e do outro com quem entra em relação durante sua prática profissional? Convencidos de que isso é possível, neste livro-texto reunimos alguns conceitos básicos dessa ciência com o intuito de que vocês compreendam melhor as pessoas entregues a seus cuidados e compreendam melhor a si mesmos durante essa e outras interações humanas. A produção deste livro-texto encontra apoio e inspiração nos quatro pilares da educação para a paz, tal como descritos no Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI (DELORS et al., 2010). Segundo esse relatório, a educação, processo que perdura por toda a vida, deve estar apoiada em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Figura 1 – Quatro pilares Veja a seguir: • Aprender a conhecer: inclui aprender a aprender, descobrir prazer no ato de compreender, construir conhecimentos, valorizar a curiosidade, refletir sobre o novo e reconstruir o antigo. • Aprender a fazer: implica adquirir qualificação profissional, sim. Mas não apenas isso: implica desenvolver competências para enfrentar todo tipo de situação e para trabalhar em grupo, de modo cooperativo. Estar preparado para ingressar e se manter no mercado de trabalho é necessário, porém não suficiente, porque as profissões, sujeitas a rápidas e inesperadas mudanças, exigem flexibilidade para adaptar-se a novas circunstâncias de trabalho. 11 • Aprender a conviver: é aprender a compreender, a dialogar, a perceber o quanto somos interdependentes. É aprender a apreciar a diversidade e o pluralismo, mediar conflitos e perseguir ideais da solidariedade e da paz. • Aprender a ser: é um processo de desenvolvimento pessoal com responsabilidade, de busca de autonomia, de ampliação da capacidade de discernir para julgar com sabedoria. Para isso, é preciso desenvolver sensibilidade, sentido ético e estético, imaginação, criatividade. Da educação apoiada sobre quatro pilares decorrem importantes consequências individuais e sociais. É preciso que o ensino-aprendizagem que privilegia a aquisição de informações e que tem sido o principal objetivo dos professores seja substituído por outro, que privilegie o desenvolvimento do raciocínio lógico, do pensar crítico, da capacidade de pesquisar, processar e sintetizar informações, elaborar teorias, se comunicar, de obter autonomia e ser socialmente atuante. Educarcom base nos quatro pilares implica não privilegiar a aquisição de um enorme volume de informações em detrimento de outras aquisições. Segundo o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI (DELORS et al., 2010), essa concepção ampla de educação deve inspirar e orientar reformas educacionais na elaboração de programas e planos de ensino e na definição de políticas e estratégias pedagógicas. Pois bem. Você verá que inspirados nos princípios da educação para a paz, organizamos este livro-texto em duas partes: a primeira delas dedicada ao aprender a conhecer e, a segunda, ao aprender a fazer. Procuramos fazer com que o propósito de aprender a conviver e de aprender a ser permeasse e impregnasse o texto todo. Sabemos que atualmente o mundo esportivo de alto rendimento demanda o apoio de outras disciplinas ao tratar de questões relativas ao desenvolvimento holístico do corpo humano para obtenção da melhor performance. A psicologia do esporte pode contribuir para isso. Ao colocarmos este livro-texto a serviço da sua formação, aluno de Educação Física da Universidade Paulista (UNIP), o convidamos a viajar conosco nesse universo de infinitas possibilidades! Bem-vindo à psicologia do esporte e do exercício! INTRODUÇÃO Como a psicologia e a educação física compartilham espaços e propósitos em sistemas educacionais e de atenção à saúde, vale a pena introduzirmos o tema central deste livro-texto abordando questões próprias do relacionamento do profissional de educação física com as pessoas colocadas sob seus cuidados, dado o fato de que esse relacionamento é de importância fundamental para o sucesso de sua ação. Veremos que a abordagem desse aspecto nos remeterá a outros temas igualmente importantes. No momento, partimos do fato de ser essa relação um aspecto fundamental da adesão ao programa de intervenção e de apreço pelas atividades propostas. Sabemos que todo profissional deve aliar posturas pessoais e capacidade de se comunicar bem às suas habilidades técnicas. Ou seja, além de preparo teórico-técnico, é preciso ser capaz de escutar, compreender, oferecer atenção e cuidado. 12 Considerando que a compreensão das pessoas com quem interagimos é fator indispensável, a habilidade de oferecer uma escuta ativa contribui significativamente para a criação de espaços favoráveis à expressão e à participação nos planos de ação propostos. Quando as pessoas de quem cuidamos percebem que são aceitas, acolhidas, compreendidas e amadas, temos meio caminho andado para a eficácia de nossa ação profissional, pois o sucesso pretendido depende em grande parte da qualidade desse encontro humano. Observação O que se espera de um bom profissional de educação física é que reúna conhecimentos, competência técnica e habilidade para estabelecer relacionamentos plenos de atenção, cuidado, empatia, reciprocidade, confiança e afeto. Evidentemente, a adesão aos programas propostos não depende exclusivamente do profissional de educação física, dado que toda interação humana requer compromisso das duas partes. Ao participante dos programas propostos compete ser disciplinado, assíduo, comprometido, disposto a realizar os exercícios recomendados, desejar progredir e depositar confiança no profissional e nas técnicas por ele adotadas. O abandono de programas sugeridos pelo profissional de educação física, quando isso é possível, ou seja, quando tais programas não estão sujeitos a determinações institucionais, como ocorre em escolas, por exemplo, inclui entre as causas prováveis restrições financeiras, desinteresse, desvalorização do programa, insatisfação com as técnicas utilizadas e/ou insatisfação com o relacionamento estabelecido com esse profissional. Observação O conjunto de elementos aqui assinalados, tradicionalmente reconhecidos por autores da psicologia, vem sendo enriquecido por debates sobre espiritualidade, religiosidade e religião das pessoas, ou seja, por seu sistema de crenças. Se partimos do pressuposto de que corpo e mente são inseparáveis, tanto anatômica quanto funcionalmente, para podermos identificar os fatores psicossociais imbrincados nas práticas físicas, é preciso que a formação em educação física inclua conhecimentos que favoreçam o reconhecimento desses e de outros fatores relativos à interação profissional estabelecida, para que a ação realizada propicie estados emocionais favoráveis à consecução das metas previstas. Quanto mais um profissional de educação física reconhece as necessidades, potencialidades e desejos de um atleta ou de um aluno, maiores serão suas chances de obter sucesso em seu trabalho. Nem sempre é fácil para um profissional de educação física lidar com angústias, temores, frustrações, carências e outros estados emocionais trazidos pelas pessoas com as quais interage. Tais considerações 13 nos levam a constatar a importância da abertura para o diálogo para que haja boa interação. Embora seja de extrema importância a inclusão de mais conhecimentos de psicologia na formação de profissionais de educação física, tais conhecimentos nem sempre estão incluídos entre as prioridades dessa formação. Por quê? Talvez pelo fato de haver muitas e diversas abordagens psicológicas e conceitos teóricos a elas inerentes, que exigiriam desses profissionais prolongados estudos e reflexões para escolha da abordagem mais condizente com suas convicções pessoais. Por uma perspectiva humanizadora da ação de profissionais de educação física, é preciso estimular nos graduandos dessa área não apenas o conhecimento de noções de psicologia, mas também o apreço por uma prática reflexiva, dado que o exercício dessa profissão ocupa lugar na zona de interface entre as ciências da educação e as ciências da saúde. Nossos esforços de hoje nos situam em uma esteira histórica, cujo conhecimento confere maior sentido à ação exercida por cada um de nós individualmente, pois, de fato, cada ação individual de hoje integra um processo mais amplo que vale a pena conhecer. Por isso, inicialmente vamos nos reportar ao panorama da história da psicologia e, em seu âmbito, particularizar dados da psicologia do esporte. Quando nós, autores deste livro-texto, nos propusemos a refletir sobre possíveis aplicações da psicologia na prática de profissionais de educação física e a colaborar para que seu exercício profissional alcance níveis de excelência, nos vimos diante da necessidade de mapear esse território, revisitando não somente sua história, mas também suas áreas de atuação para que seja possível identificar potencialidades e limitações dessa ciência humana. Ao mapearmos o panorama histórico da psicologia como ciência, constatamos que uma formidável construção coletiva de saberes foi realizada ao longo de cerca de dois séculos. Se a leitura atenta dessa história for acompanhada por um processo de observação contínua dos pensamentos e sentimentos mobilizados em nós durante a leitura, estaremos dando um passo importante na busca de reconhecimento do que podemos eleger como fundamentação teórica coerente com as próprias convicções e valores pessoais para que a atuação profissional resultante não esteja alienada de nosso ser. Nesse sentido, insistimos que você, leitor, esteja sempre atento aos sentimentos, emoções e pensamentos que venham a ser mobilizados em você. É sábia a recomendação que o grande poeta e filósofo Gaston Bachelard (1993, p. 126) nos faz em A poética do espaço: “Escuta bem, no entanto. Não minhas palavras, mas o tumulto que se eleva em teu corpo enquanto escutas”. Ainda é Bachelard (1993, p. 32) que diz: “Eu me ouvia fechando e reabrindo os olhos”. Façamos isso. Vamos nos ouvir, fechando e reabrindo os olhos, lendo um trecho e em seguida silenciando, refletindo, para que a leitura realize em nós sua função transformadora. Vamos revisitar, então, a história da psicologia e suas áreas de atuação e, logo em seguida, particularizar dados históricos da psicologia do esporte para identificarmospotencialidades e limitações dessa ciência quando se trata de sua aplicação aos domínios da educação física. 14 Panorama histórico da psicologia Figura 2 – Todo panorama histórico resulta de uma dinâmica de participação de muitos indivíduos Ao nos interessarmos pelo panorama histórico da psicologia, frequentemente ouvimos dizer que em lugar de nos referirmos a essa área do saber como psicologia, mais correto seria falarmos em psicologias, tamanha é a diversidade de escolas, tendências e concepções construídas ao longo do tempo. No geral, se pode dizer que várias tendências teóricas foram se desenvolvendo e sucedendo, por vezes de modo paralelo, por vezes se ignorando mutuamente ou, ainda, se colocando em conflito umas com as outras. Quando a psicologia se afastou da filosofia, sua matriz, à qual estivera atrelada desde Sócrates (469-399 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), havia a preocupação de torná-la uma ciência, e, para isso, os teóricos adotaram princípios, métodos e técnicas das ciências naturais da época, especialmente da física e da fisiologia. Isso a tal ponto que a psicologia foi inicialmente denominada psicofisiologia: a ênfase dos estudos recaía sobre as sensações, a memória e os processos de aprendizagem, e os métodos utilizados eram de cunho experimental, quantitativo e estatístico, ou seja, métodos próprios de uma concepção mecanicista da atividade psíquica. O estadunidense William James (1842-1910), filósofo e psicólogo, é considerado um dos fundadores da psicologia, cujo nascimento como disciplina autônoma e como ciência ocorreu no ano de 1879, em Leipzig (Alemanha), onde foi criado o primeiro laboratório de psicologia experimental por iniciativa dos alemães Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920), Ernst Heinrich Weber (1795-1878) e Gustav Theodor Fechner (1801-1887). No Brasil, o nascimento da psicologia como disciplina autônoma e como ciência ocorreu somente em 1906 e teve por marco histórico a inauguração de laboratórios de psicologia experimental voltada para a educação. Para melhor situar o tema debatido, vamos recorrer a Maslow (1962 apud SCHULTZ; SCHULTZ, 2016), que agrupou as psicologias em quatro categorias, por ele denominadas forças. Posteriormente, Roberto Assagioli (apud MATTOS, 2012) viria a incluir uma quinta força: 15 • Primeira força da psicologia: o behaviorismo, ou psicologia comportamental, propõe o comportamento observável como objeto de estudo da psicologia. Desenvolvido inicialmente por John Broadus Watson (1878-1958) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), foi sendo fortalecido por seguidores. • Segunda força da psicologia: a psicanálise. Estudos de psicopatologia estimularam o desenvolvimento da psicologia clínica. Entre os pioneiros dessa abordagem incluem-se Jean-Martin Charcot (1825-1893), médico e pesquisador, e Pierre-Marie-Félix Janet (1859-1974), psicólogo, psiquiatra e médico neurologista, que foram seguidos por Sigmund Freud (1856-1939), médico neurologista e psiquiatra criador da psicanálise, que enfatizou aspectos inconscientes e instintivos da natureza humana e negligenciou aspectos saudáveis e de ordem superior. • Terceira força da psicologia: a humanista-existencial. Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra dissidente de Freud, fundou a psicologia analítica e desenvolveu, entre outros, os conceitos de arquétipos e de inconsciente coletivo. Considerou a existência de níveis psíquicos superiores, afirmando a importância das experiências religiosas e dos valores espirituais. Entre os integrantes da terceira força estão incluídos Frederick Salomon Perls (1893-1970), mais conhecido como Fritz Perls, criador da psicologia da gestalt; Rollo May (1909-1994), psicólogo existencialista; Carl Ransom Rogers (1902-1987), psicólogo criador da abordagem centrada na pessoa; Gordon Willard Allport (1897-1967), psicólogo; e Erich Fromm (1900-1980), psicanalista, filósofo e sociólogo. • Quarta força da psicologia: a psicologia transpessoal. Com base em abordagens que constituíram a psicologia humanista-existencial, foram desenvolvidos estudos voltados ao conhecimento de aspectos superiores do ser humano – sua natureza e sua vida espiritual. Sua proposta é estudar, empírica e cientificamente, tudo o que se refere aos caminhos espirituais, às necessidades transcendentes (metanecessidades) individuais e da espécie humana, às experiências de pico (peak experiences), aos valores do ser, às experiências místicas e aos fenômenos transcendentes. Inclui entre seus representantes Viktor Emil Frankl (1905-1997), neuropsiquiatra fundador da terceira escola vienense de psicoterapia, da logoterapia e da análise existencial; Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da antroposofia; Stanislav Grof; James Fadiman; Anthony Sutich (1907-1976); e Abraham H. Maslow (1908-1970). • Quinta força da psicologia: a psicoenergética. Adotando a sólida base científica proporcionada pela física quântica, particularmente no que tange à descoberta de que a matéria é um estado especial de energia, a psicoenergética postula que os elementos mentais possuem semelhanças com certos elementos da microfísica, como os neutrinos ou um elétron rápido, de tal modo que os elementos mentais não estariam localizados em determinado espaço físico, e sim num espaço mental regido por leis próprias. Alguns pensadores da quarta força migram pouco a pouco para esta posição. 16 Observação As cinco forças da psicologia não conflitam entre si: todas são válidas, cada qual em seu campo de ação. No contexto latino-americano, Eduardo Frias (2020), em sua tese de doutorado intitulada Sucesso escolar de negros em território negro da cidade de São Paulo, dá destaque aos argentinos Enrique Pichón-Rivière (1907-1977), primeiro representante da etnopsiquiatria na América Latina, e seus discípulos; ao espanhol Ignacio Martín-Baró (1942-1989), radicado em El Salvador (América Central), responsável pela formulação da psicologia da libertação; e ao costa-riquenho Ignácio Dobles Oropeza, psicólogo social do presente, que enfatiza a importância da adoção de uma perspectiva ético-política para a psicologia comunitária latino-americana. Esses autores propõem que sejam realizados esforços para elaborar uma psicologia que dê relevância a variáveis como pertença étnico-racial, condições socioeconômicas, habilidades físicas, nacionalidade, língua, níveis geracionais, religião e espiritualidade. Somente assim a psicologia poderá associar rigor científico a compromisso social. Ao realizarmos essa viagem, obtemos uma ampla visão da história da psicologia como ciência. Vamos percorrer, agora, o território da atuação profissional de psicólogos, o que favorecerá a identificação de possíveis interfaces a serem estabelecidas entre a psicologia e a educação física. Saiba mais Para conhecer detalhes do início da história da psicologia, é interessante consultar a seguinte obra: MASSIMI, M. História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo: EPU, 1990. O que pretendemos ao reunir essas informações é que os alunos percebam a complexidade da ciência psicológica e possam estar mais bem situados nesse contexto teórico-técnico quando avançarmos na leitura deste livro-texto. Com base nesses quadros de referência, mais fácil será realizar escolhas teóricas e metodológicas. Principais áreas de atuação dos psicólogos O mapa de atuação dos psicólogos, legalmente reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2007), inclui as seguintes áreas: psicologia clínica; psicologia escolar/educacional; psicologia de trânsito; psicologia do esporte; psicologia hospitalar; psicologia jurídica; psicologia organizacional e do trabalho; psicologia social; psicomotricidade; psicopedagogia e neuropsicologia. 17 Lembrete As áreas de ação do psicólogo encontram suporte em algum ou alguns dos quadros teóricos que compõem as cinco forças da psicologia. Particularizemos a descrição da psicologia do esporte. O psicólogo especialista em psicologiado esporte procura identificar princípios e padrões de comportamento de crianças, adolescentes e adultos participantes de atividades físicas. O esporte de alto rendimento tem por função básica ajudar atletas, técnicos e comissões técnicas a utilizarem recursos psicológicos para atingirem um nível ótimo de saúde mental, para maximizar o rendimento de atletas e otimizar sua performance. Além da psicologia do esporte, outras áreas de atuação de psicólogos que podem apoiar iniciativas da educação física são a psicologia clínica, a psicologia escolar/educacional, a neuropsicologia, a psicomotricidade e a psicopedagogia. Saiba mais A descrição completa das atribuições do psicólogo nas diversas áreas de atuação e particularidades da psicologia do esporte podem ser mais bem conhecidas em: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Resolução CFP n. 013/2007. Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro. Anexo II. Brasília, 2007. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/ Resolucao_CFP_nx_013-2007.pdf. Acesso em: 21 jul. 2020. Panorama histórico da psicologia do esporte (ou psicologia esportiva) Rubio (2002) informa que a psicologia do esporte surgiu no início do século XX na Rússia e nos Estados Unidos, vindo a se radicar no Brasil a partir da Copa do Mundo de Futebol (1958). Seu interesse, inicialmente dirigido ao estudo de condicionamentos reflexos, foi se expandido ao longo dos anos, vindo a incluir diversos outros objetos de pesquisa – personalidade, emoções, motivação, agressão, violência, pensamentos e sentimentos de atletas, dinâmica de grupos, liderança e bem-estar psicológico, entre outros advindos da prática esportiva e das atividades físicas. Os fundamentos teóricos e os métodos de pesquisa da psicologia do esporte foram originalmente emprestados da psicologia clínica e da psicologia social, sendo a partir dessas correntes aplicados à observação e análise de comportamentos e atitudes de indivíduos nesse contexto específico. Vejamos pormenores dessa história reunidos a seguir. 18 Quadro 1 – Períodos históricos da psicologia do esporte Período Intervalo temporal Pioneiros Principais objetos de estudo 1º 1895-1920 Período dos primórdios Figura 3 – Norman Triplett Ciclismo Papel das emoções no desempenho de ciclistas. Motivação durante o treinamento desportivo. 2º 1921-1938 Período denominado Era Griffith Figura 4 – Coleman Griffith Considerado o pai da psicologia do esporte, Griffith foi o primeiro a se dedicar exclusivamente à psicologia no contexto esportivo. Membro fundador de um laboratório para estudo da relação entre esporte e psicologia, produziu relevantes pesquisas, realizadas com rigor científico, e publicou diversos trabalhos. 3º 1939-1965 Período de construção de bases Figura 5 – Franklin Henry Integrante da Sociedade Internacional de Psicologia Esportiva, que realizou o I Congresso Mundial de Psicologia do Esporte em Roma (1965). Aprimorou as pesquisas da área, participou da construção de conceitos e realizou novas pesquisas. 4º 1966-1977 Período de institucionalização Neste período não é identificado um profissional, o que confirma a expansão da área. A disciplina Psicologia do Esporte foi incluída na grade curricular de faculdades de Psicologia e de Educação Física. Foi realizado o II Congresso Mundial de Psicologia do Esporte. Surgiram novos campos de atuação. Atletas começaram a ser assessorados por psicólogos esportivos em diferentes modalidades. 5º 1978-1995 Período contemporâneo Neste período não é identificado um profissional, o que confirma a expansão da área. O psicólogo do esporte foi reconhecido oficialmente como consultor registrado. Foi fundado o International Journal of Sports and Exercise Psychology, primeiro jornal da área. Equipes olímpicas incorporaram psicólogos do esporte, e a mídia deu ênfase a seu trabalho. 19 No primeiro período, Triplett organizou um experimento com três grupos de ciclistas. Eles deveriam percorrer determinado percurso, concorrendo para conquistar o primeiro lugar. O grupo 1 realizou treinamento em conjunto; o grupo 2 realizou treinamento em duplas, constituídas com base em seu desempenho em provas anteriores; e o grupo 3 realizou treinamento individual para que o atleta realizasse o percurso em determinado tempo. Os resultados mostraram que os ciclistas do grupo 1 (que haviam treinado em grupo) apresentaram melhores desempenhos. Saiba mais O livro e os textos a seguir podem ajudar na compreensão do conteúdo apresentado até o momento: COX, R. H. Sport psychology: concepts and applications. 4. ed. Boston: McGraw-Hill, 1998. RUBIO, K. Origens e evolução da psicologia do esporte no Brasil. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, v. 7, n. 373, p. 742-798, maio 2002. VIEIRA L. F. et al. Psicologia do esporte: uma área emergente da psicologia. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 2, p. 391-399, abr./jun. 2010. Outra pesquisa foi feita com crianças solicitadas a enrolar, o mais rapidamente possível, a maior quantidade de linha em um carretel. Esse estudo permitiu concluir que o desempenho foi mais satisfatório no grupo de crianças que realizaram essa tarefa em grupo. No experimento foi confirmado que o trabalho em grupo melhora a performance dos participantes, porque a frustração é compartilhada entre eles, ou seja, o fracasso não é interpretado como pessoal, o erro não recai sobre um único atleta. Isso sugere que a culpa é compartilhada pelo grupo, fato igualmente observável em esportes de equipe, nos quais o erro representa, ou pelo menos deveria representar, uma falha de todo o grupo, e não de um único indivíduo. Este foi um dos primeiros ensaios da psicologia do esporte que, de modo muito simples, relacionou aprendizagem de habilidades motoras, desempenho esportivo e ação coletiva em contraposição com práticas individuais. Entre a realização dos primeiros estudos e o momento contemporâneo houve um formidável crescimento científico da psicologia esportiva, com aumento de pesquisas realizadas no campo dos esportes e ampliação do interesse pela aplicação de seus resultados em campo. O campo de ação do psicólogo esportivo se amplia continuamente e seus espaços de atuação incluem escolas, espaços de lazer, projetos sociais, reabilitação e iniciação esportiva, entre outros. 20 Lembrete Conhecer o processo de formação histórica da psicologia esportiva nos ajuda a entender os desafios profissionais da atualidade. Na área da psicologia do esporte, o psicólogo tem sido requisitado a sugerir atividades que auxiliem o desportista a administrar seu estresse em competições. Para atender do melhor modo possível aos propósitos desta disciplina, este livro-texto foi organizado da seguinte forma: abordamos tópicos de psicologia do desenvolvimento, de psicologia da aprendizagem e de psicologia da personalidade. Nos dedicamos à descrição de fatores e dinamismos psíquicos e de fatores externos que influenciam o rendimento do atleta e interferem na performance esportiva, com apresentação de alguns conceitos básicos da psicologia do esporte. Consideramos, assim, aspectos importantes dos programas de treinamento psicológico de atletas. A ênfase recai sobre o primeiro pilar da educação para a paz: aprender a conhecer. Mais adiante foram incluídos os seguintes tópicos: âmbitos de atuação do psicólogo do esporte; pré-requisitos para a atuação junto a grupos e equipes, e considerações sobre a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. A ênfase recai sobre o segundo pilar da educação para a paz: aprender a fazer. Você verá que a separação entre conhecer, agir, conviver e ser é puramente didática, pois o conhecer, o agir, o conviver e o ser estão intimamente articulados. Por isso, embora tenhamos feito uma divisão de temas, os quatro pilares da educação paraa paz foram considerados ao longo de todo o texto: eles permeiam e interpenetram todos os ensinamentos contidos neste livro-texto. Desejamos a você uma leitura agradável e elucidativa! 21 PSICOLOGIA APLICADA AO ESPORTE Unidade I 1 EM BUSCA DE COMPREENSÃO 1.1 Buscando compreender o humano – alguns conceitos básicos de psicologia 1.1.1 Tópicos de psicologia do desenvolvimento Para a finalidade desta disciplina, nos ocorreu que não faz sentido discorrermos sobre especificidades de algumas das muitas teorias psicológicas. Pareceu-nos importante a abordagem de alguns tópicos capazes de estimular em você o desejo de saber mais e o apreço pela avaliação crítica daquilo que é lido ou ouvido. Também nos pareceu importante que você desenvolva mais e mais o apreço pela reflexão sobre o que lê ou ouve. Foi pensando desse modo que selecionamos os tópicos de psicologia do desenvolvimento aqui apresentados. Para começo de conversa, abordaremos a questão do binômio hereditariedade versus meio ambiente: como essas forças interagem na nossa constituição e em nosso desenvolvimento? Igualmente importante é constatar que toda teoria de desenvolvimento coloca marcos ao longo do percurso biográfico das pessoas. Estabelece marcos cronológicos que demarcam etapas ou fases de desenvolvimento psíquico. Como assim? Padrões de desenvolvimento comuns a todos são reconhecidos por meio de estudos e pesquisas. É o que fizeram, por exemplo, Freud e Piaget. Freud, tratando da dinâmica estabelecida entre instâncias da personalidade, e Piaget, tratando da epistemologia genética, buscaram reconhecer padrões de desenvolvimento do conhecimento. Com isso, damos um passo à frente: no âmbito da psicologia do desenvolvimento, há estudos sobre o desenvolvimento da inteligência, sobre o desenvolvimento emocional, sobre o desenvolvimento social, entre outros. E, havendo, como vimos, diversas abordagens psicológicas possíveis, encontramos uma diversidade de abordagens de temas em cada um desses âmbitos do psiquismo. Por exemplo: consideremos, de modo geral, que são de interesse da psicologia as atividades psíquicas do pensar (inteligência, cognição), do sentir (sentimentos, emoções) e do agir (atividades psicomotoras). Um psicólogo atraído pelo estudo de atividades do sentir poderá eleger uma abordagem teórica entre as muitas existentes. Poderá, por exemplo, eleger a corrente existencial-humanista e, nesse contexto, o aconselhamento psicológico, tal como é proposto por Carl Rogers. Isto, ainda, sem falarmos da interdisciplinaridade necessariamente estabelecida pela psicologia com outras áreas do saber: neuropsicologia, psicobiologia, psicologia educacional, etnopsicologia, entre outras. Aqui, neste nosso contexto, para tratarmos de psicologia do desenvolvimento, optamos por abordar tópicos da prolongada produção de conhecimentos da psicologia, sem a preocupação de discorrer minuciosamente sobre teorias elaboradas durante a história dessa ciência. Nosso recorte inclui a 22 Unidade I abordagem dos seguintes tópicos: fatores hereditários e ambientais do desenvolvimento e outros tópicos da psicologia do desenvolvimento. Fatores hereditários e ambientais do desenvolvimento Figura 6 – DNA Uma das questões tradicionais da psicologia diz respeito aos determinantes de características das diversas capacidades humanas. O antigo debate em torno da questão inato versus aprendido mobilizou muitos autores ao longo da história dessa ciência. Alguns estudiosos defendem posições favoráveis à prevalência de variáveis genéticas, outros defendem posições favoráveis à prevalência de variáveis ambientais na gênese e no desenvolvimento das diversas capacidades humanas. Muitas pesquisas foram desenvolvidas para verificar o peso de variáveis genéticas e de variáveis ambientais na constituição psíquica das pessoas e muitas dessas pesquisas foram realizadas com gêmeos, de preferência gêmeos monozigóticos, cuja herança genética é muito semelhante. Lembremos que gêmeos monozigóticos, também chamados idênticos ou univitelinos, se originam de um único óvulo fecundado por um único espermatozoide, e possuem, portanto, o mesmo DNA. Gêmeos dizigóticos, ou fraternos, se originam de dois óvulos fecundados por dois espermatozoides. Na verdade, eles são dois irmãos comuns que compartilharam a mesma gestação. Visto que os gêmeos monozigóticos possuem a mesma constituição genética, se espera que todas as características humanas resultantes da herança genética devam apresentar níveis iguais em ambos. Para dar maior consistência a esse assunto e tornar mais compreensível os procedimentos de pesquisa voltados para esse tema, vamos exemplificar descrevendo um estudo realizado com o objetivo de verificar a participação da hereditariedade no desenvolvimento da inteligência. Muitos estudos que relacionam medidas de inteligência em gêmeos utilizam o coeficiente de correlação de Pearson, recurso da estatística descritiva que possibilita medir o grau da correlação entre duas variáveis de escala métrica. 23 PSICOLOGIA APLICADA AO ESPORTE No estudo aqui descrito se buscou identificar se os coeficientes de correlação entre gêmeos monozigóticos são significativamente mais elevados do que os coeficientes de correlação entre gêmeos dizigóticos. Os índices de correlação positiva em gêmeos monozigóticos indicariam a participação da hereditariedade no desenvolvimento da inteligência, fato a ser corroborado por reduzidos índices de correlação em gêmeos dizigóticos. Estudos que relacionam medidas de inteligência em gêmeos têm demonstrado que os coeficientes de correlação entre gêmeos monozigóticos são indubitavelmente mais elevados do que entre os gêmeos dizigóticos, sobretudo na vida adulta. Esses resultados nos permitem concluir que, no desenvolvimento da inteligência, há preponderância do fator hereditário. Mas não podemos, a partir dessas constatações, generalizar e afirmar que em toda e qualquer função psíquica o peso da hereditariedade seja maior do que o peso das influências ambientais. Inclusive, há muitas teorias que defendem a prevalência de variáveis ambientais sobre os aspectos hereditários. É interessante para nossos propósitos dar a conhecer um exemplo, e, para isso, recorremos a Vygotsky, para quem a cultura é que possibilita o desenvolvimento humano, ou seja, o sujeito é constituído em sua relação com os outros. Em sua teoria sobre o desenvolvimento do psiquismo, Vygotsky afirma que somente a realidade que tiver sido significada pelo sujeito é apreendida por ele. O significado da realidade é apreendido de forma ativa pelo sujeito e elaborado por ele. O sujeito compartilha significados com seu grupo cultural, mas imprime sentidos particulares a esses significados. Desde seu nascimento, o indivíduo vai se envolvendo em relações sociais e vai internalizando essas experiências. A psique humana é entendida por Vygotsky como social, ou seja, como uma rede cada vez mais complexa de relações sociais internalizadas. Esse autor considera que o desenvolvimento psicológico é notadamente determinado pela interação histórico-social estabelecida pelo sujeito com o contexto cultural no qual está inserido. Será, pois, por meio de processos de interação social e mediante a internalização do sistema simbólico de sua cultura que ocorrerá seu desenvolvimento. Atitudes e características individuais estão sempre impregnadas pelas trocas do sujeito com seu coletivo. Vygotsky discorda de autores que afirmam que o desenvolvimento humano ocorre em um processo de etapas sucessivas. Para ele, o desenvolvimento humano ocorre por meio de processos de aprendizagem social, ou seja, pela internalização e utilização de instrumentos e signos culturais com os quais o sujeito faz contato durante as relações de troca que estabelece com parceiros sociais. Os signos (palavras) são responsáveis pela representação das ideias e possuem dois componentes: o significante (som ou letras, que constituem a parte material) e o significado(ideias, que constituem a parte abstrata). Estamos imersos desde o nascimento em um mundo social, e qualquer atividade nossa é mediada pela linguagem. Ao nascer, a criança é imediatamente inserida em um mundo de linguagem, em um universo repleto de símbolos e generalizações. Interagindo com o mundo a seu redor, a criança internaliza, gradativamente, a linguagem como sistema simbólico do grupo social no qual está inserida. Por volta dos dois anos de idade, a criança passa a utilizar a linguagem como sistema ou mediador simbólico – a linguagem torna-se intelectual, e o pensamento, verbal. Esse momento é crucial no 24 Unidade I desenvolvimento da espécie humana, pois é quando a criança deixa de ser um sujeito unicamente biológico para se transformar em um sujeito sócio-histórico. Portanto, para esse autor, a fala é o comportamento humano mais importante, e é através dela que a criança pode superar as limitações existentes em seu ambiente e controlar o próprio comportamento. Correntes teóricas que concebem o desenvolvimento humano, nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais, como resultante de uma construção da qual participam fatores biológicos e ambientais em constante interação são conhecidas como construtivistas. Assim, sob a perspectiva construtivista, o ser humano não resulta apenas da atualização de predisposições internas, já presentes no nascimento, ou apenas de transformações produzidas pelo ambiente em que vive: ele se constitui por meio de um processo de dupla via – transforma o ambiente e é transformado por ele. Jean Piaget (1896-1980) e Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962) também se incluem entre os teóricos que adotam a perspectiva segundo a qual o sujeito transforma o ambiente e é por ele transformado. Jean Piaget se dedicou ao estudo do desenvolvimento cognitivo, partindo da observação de que crianças e adultos pensam de formas diferentes e realizam operações mentais distintas. Estudou o processo de transformação gradual das operações mentais ao longo da vida e classificou as fases de desenvolvimento, por ele denominadas estádios de desenvolvimento, que, iniciados por ocasião do nascimento, vão se sucedendo até culminarem com a possibilidade de realização de operações lógico-formais, típicas do adulto humano. Embora tradicionalmente identificado como um estudioso da inteligência, Piaget também considerou o papel desempenhado pela afetividade na sucessão dos estádios e reconheceu haver correspondência entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento afetivo. À medida que as estruturas cognitivas vão se tornando mais estáveis e flexíveis, processo que ocorre ao longo dos estádios de desenvolvimento, as emoções também vão se transformando. A partir de um estádio inicial, observado no recém-nascido e caracterizado por sentimentos de agrado ou desagrado, fundamentalmente relacionados com a satisfação de necessidades fisiológicas, a afetividade passa por etapas de complexidade crescente, até surgirem, no estágio lógico-formal, os chamados sentimentos ideológicos, que possibilitam avaliar teorias e ideais e desenvolver plenamente o sentido moral. Henri Wallon, por sua vez, compreende o desenvolvimento como um processo não linear em que, a cada estágio, as dimensões afetivas, cognitivas e motoras se inter-relacionam para constituir uma “pessoa completa”. Para Wallon, em cada estágio do desenvolvimento, predomina uma dessas dimensões – ora predomina a dimensão emocional, ora a cognitiva, ora a motora. Assim, nos diferentes estágios do desenvolvimento humano, a ênfase recai sobre uma ou sobre outra dimensão do desenvolvimento. Outros tópicos da psicologia do desenvolvimento Entre os anos 1950 e 1960, o psiquiatra e psicanalista Edward John Mostyn Bowlby (1907-1990) observou e investigou interações entre mães e seus bebês para conhecer como são construídos os vínculos afetivos entre o bebê e seu cuidador. Ampliou o método psicanalítico ao buscar recursos teórico-técnicos na etologia, que, privilegiando a observação direta da experiência e com base no modelo evolucionista, estuda comportamentos inatos de diversas espécies em ambiente natural. 25 PSICOLOGIA APLICADA AO ESPORTE A teoria do apego, de Bowlby, postula como comportamento de apego o que garante a uma pessoa estar próxima a outra pessoa, considerada mais apta para lidar com o mundo e manter essa proximidade. O comportamento de apego inclui um conjunto de condutas inatas que favorecem o estabelecimento e a preservação do contato estabelecido com a principal figura dispensadora de cuidados, usualmente a mãe. Esse conjunto de condutas inclui o choro, a busca de contato visual e os comportamentos de agarrar-se, aconchegar-se e sorrir. Em situações de desconforto, quando o bebê toma um susto ou fica cansado, com fome ou estressado, ele emite sinais que fazem com que o cuidador se aproxime, mobilizado por seu impulso para cuidar. Isso garante a satisfação de necessidades e a sobrevivência do bebê. O comportamento de apego, que tem por função a busca de segurança e conforto, propicia a construção de uma base segura para a exploração do mundo. Saltemos agora da etapa de recém-nascido para as etapas da puberdade e da adolescência. Embora intimamente relacionadas, puberdade não é sinônimo de adolescência. A puberdade é um fenômeno biológico e universal, em grande parte independente de cultura. Trata-se de um período no qual os seres humanos sofrem modificações físicas, resultantes de mudanças hormonais, como o desenvolvimento das mamas e o início da menstruação nas meninas e o aumento do pênis e dos testículos nos meninos. Tais modificações hormonais, geneticamente determinadas, definirão as características físicas da pessoa adulta. E saltemos agora das etapas da puberdade e da adolescência para a etapa do envelhecimento. Por muito tempo, essa etapa foi considerada apenas como um período em que ocorrem perdas gradativas de capacidades físicas e psíquicas. Estudos psicológicos sobre essa etapa do desenvolvimento são relativamente recentes, talvez pelo fato de estar ocorrendo uma expansão da gerontologia, provocada pela ocorrência de um rápido aumento do número de pessoas idosas, fato observado desde o final da década de 1950. As primeiras pesquisas experimentais sobre a velhice haviam sido realizadas em 1928, particularizando processos de aprendizagem, memória e tempo de reação. Até o ano de 1940, pouco se pesquisou sobre a vida adulta e a velhice. No intuito de ampliar as perspectivas de compreensão do envelhecimento e da morte, nós, autores deste livro-texto, em nossa condição de etnopsicólogos, consideramos relevante trazer para este contexto alguns resultados da pesquisa intercultural Brasil-Nigéria, da qual resultou a tese de doutorado A mulher, o tempo e a morte: um estudo sobre envelhecimento feminino no Brasil e na Nigéria (RIBEIRO, 1987). Na Nigéria (África Ocidental), foram entrevistadas mulheres pertencentes ao grupo étnico iorubá, etnia que trouxe ao Brasil sua cultura e seu culto aos orixás. Os relatos biográficos de mulheres iorubás mostram que nesse grupo étnico ninguém duvida da continuidade da vida após a morte. Os indivíduos percebem a si mesmos como elos de uma corrente transgeracional, elos de conexão do passado com o futuro. Tal compreensão da vida é favorável ao desenvolvimento de atitudes positivas ante o envelhecimento e a morte. A mesma atitude favorável ao próprio envelhecimento e à própria morte não foi observada nos relatos biográficos de mulheres brasileiras, marcadas pela cultura do narcisismo, própria das sociedades ocidentais. 26 Unidade I Sabemos que as identidades individuais são construídas com base na percepção que temos de nós mesmos como membros de grupos – família e outros grupos de pertença. Para melhor compreender a perspectiva africana, é útil confrontarmos dois modos distintos de entender a vida e as relações interpessoais: • o modo que é próprio das sociedades ocidentais, denominado cultura do narcisismo,por Christopher Lasch (1983), da Universidade de Rochester; • o modo que é próprio de sociedades orientais, como as sociedades tradicionais africanas e asiáticas, e, para isso, vamos recorrer às descrições de Lin Yutang (1963), filósofo e romancista chinês. Em sua obra A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio, Lasch (1983) realiza uma lúcida análise das relações humanas em sociedades industriais. E Lin Yutang (1963), em sua obra A importância de viver: a arte de ser feliz revelada pela profunda sabedoria chinesa, descreve as diferenças que observou vivendo um período de sua vida na China e outro período nos Estados Unidos. Embora as obras desses autores tenham sido publicadas há décadas, suas observações continuam sendo úteis a nossos propósitos. Figura 7 – Capa da obra A cultura do narcisismo Observemos que os títulos dessas obras já refletem atitudes básicas diante da vida e da morte – se fala de “esperanças em declínio” e da “arte de ser feliz” –, indicando atitudes das quais decorrem padrões de relacionamento familiar em distintas sociedades. As sociedades industriais carregam a marca de valores da cultura do narcisismo, que exige a satisfação imediata das necessidades e coloca as pessoas em estado de desejo permanentemente insatisfeito. Lasch (1983, p. 14) refere-se ao fato de que, nessas sociedades, se vive “em busca da felicidade no beco sem saída de uma preocupação narcisista com o eu”. 27 PSICOLOGIA APLICADA AO ESPORTE Figura 8 – Tao: a dinâmica Yin-Yang Nas sociedades de cultura do narcisismo, a paixão predominante é viver para si e para o momento. Lasch (1983) ressalta que cada indivíduo permanece centralizado unicamente no próprio eu e considera a sobrevivência individual como o bem maior. Por outro lado, Lin Yutang (1963) se refere ao fato de que, na China tradicional, cada indivíduo é considerado, antes de mais nada, um membro da unidade familiar, um elo da corrente da vida: inicialmente, ele é cuidado; depois, cuida; e, na velhice, volta a ser cuidado. Inicialmente, obedece e respeita; depois, é obedecido e respeitado. Lasch (1983) assinala que a atitude desfavorável diante do envelhecimento e da morte observada nas sociedades ocidentais decorre do fato de não ser reconhecido o fluxo transgeracional. E Lin Yutang (1963) diz que, ao confrontar a vida oriental com a ocidental, encontrou uma significativa diferença na atitude das pessoas, no que diz respeito à idade. Grande importância é atribuída à idade, e os velhos dizem orgulhosamente aos jovens: “mais pontes cruzei eu do que ruas tu cruzaste”, e essa experiência de vida é valorizada e respeitada. No que diz respeito aos cuidados e à independência individual, ao comparar os velhos do ocidente com os velhos do oriente, Lin Yutang (1963) diz: como na China todo conceito de vida se baseia na ajuda mútua, os velhos não sentem vergonha ao serem servidos pelos filhos. Nas sociedades industriais, o individualismo exacerbado provoca aversão ao envelhecimento. Envelhecer implica se tornar cada vez menos produtivo, o que se faz acompanhar de uma perda progressiva de valor, porque, nessas sociedades, o que tem valor não é a experiência, e sim a força e a beleza físicas, a destreza, a flexibilidade para se adaptar rapidamente às situações. Além disso tudo, o envelhecimento é, inegavelmente, o aversivo caminho para a morte. E a morte ocupa distintos lugares nas sociedades tradicionais e nas sociedades industriais. Nas sociedades tradicionais, a morte é compreendida e aceita como ocorrência natural da vida; e nas sociedades industriais, passamos a vida toda fazendo de conta que a morte é algo extremamente indesejável, que só acontece para os outros. Nessas sociedades, sociedades do tempo produtivo, fundadas na lógica do lucro, não há tempo nem lugar para envelhecimento, nem para rituais fúnebres, nem para o luto, uma vez que toda energia poupada deve reverter em benefício da produtividade exigida pelos sistemas capitalistas. 28 Unidade I Nos últimos anos, graças ao prolongamento do tempo de vida das pessoas, testemunhamos em algumas sociedades o fenômeno do envelhecimento populacional, ou seja, muitos indivíduos dessas sociedades estão envelhecendo. Como vemos diariamente nos jornais, esse fato tem apresentado desafios à saúde pública, ao sistema previdenciário e até mesmo à organização familiar, pois famílias já sobrecarregadas de exigências de todo tipo, ao terem um idoso em idade avançada no seio familiar, se veem diante da necessidade de oferecer cuidados a essa pessoa, muitas vezes sem condições econômicas e emocionais para isso. Esse fenômeno, que inicialmente ocorria somente em países desenvolvidos, foi se expandindo para países em desenvolvimento. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, o número de idosos (maiores de 60 anos de idade) passou de 3 milhões em 1960 para 7 milhões em 1975, 14 milhões em 2002 (um aumento de 500% em 40 anos), e se estima que alcançará 32 milhões em 2020 (IBGE, 2018). O que esperamos, em nossa condição de docentes e de autores deste livro-texto, é que o material aqui reunido estimule em você, leitor, o desejo de conhecer mais, o propósito de refletir sobre o que lê e a adoção de uma postura crítica diante do que lê e do que ouve, para que possa desenvolver senso crítico, capacidade de questionar informações com as quais não concorde e exercer seu livre-arbítrio, se apropriando daquilo que é seu por direito. Saiba mais Sugerimos a leitura do artigo a seguir: LEÃO, M. A. B. G.; SOUZA, Z. R.; CASTRO, M. A. C. D. Desenvolvimento humano e teoria bioecológica: ensaio sobre “O contador de histórias”. Psicologia Escolar e Educacional, v. 19, n. 2, p. 341-348, maio/ago. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1413-85572015000200341&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 21 jul. 2020. 1.1.2 Tópicos de psicologia da aprendizagem Observação Adotamos como principal fonte de informações o Enade Psicologia: material instrucional específico, produzido pela UNIP, que compreende três volumes organizados por Marília Ancona-Lopez e Ronilda Iyakemi Ribeiro; um volume organizado por Marília Ancona-Lopez, Ronilda Iyakemi Ribeiro e Eduardo Ribeiro Frias; e um volume organizado por Marília Ancona-Lopez e Eduardo Ribeiro Frias. 29 PSICOLOGIA APLICADA AO ESPORTE Antes de optarmos por trazer para este contexto alguns tópicos de psicologia da aprendizagem, avaliamos em que medida tais conhecimentos poderiam ser úteis a profissionais de educação física. Ao considerarmos que toda prática de educação física envolve processos de aprendizagem, concluímos que é importante, sim, darmos um passeio por entre alguns conceitos teóricos. A toda prática educativa subjaz uma concepção de educador, de aprendiz e de processo de aprendizagem. Podemos identificar pressupostos subjacentes às práticas de ensino-aprendizagem, mesmo que o educador que nelas fundamenta sua ação profissional não tenha clareza disso. Quer o profissional de educação física trabalhe visando aliviar dores de alguém ou visando preparar um atleta para competir, o processo por ele desencadeado é um processo de aprendizagem de posturas corporais. Em grande parte dos processos de aprendizagem, são utilizados “prêmios” e “punições”. Vejamos um exemplo. Entre as questões do Enade 2009: Psicologia, havia uma que descrevia procedimentos adotados por um professor durante a correção da tarefa escolar de seus alunos. O enunciado dessa questão foi assim formulado: Um professor corrige a tarefa escolar feita por seus alunos. Eles estão sentados individualmente em carteiras enfileiradas e são chamados um a um para levar o caderno até a mesa do professor. Este age batendo um carimbo que associa uma figura com uma expressão elogiosa como “muito bem”, “ótimo” ou “excelente”. E não usa figura alguma, caso não tenha sido feita a tarefa. Em seguida, registra quem fez e quem não fez a tarefa,dizendo que o aluno que cumprir todas as tarefas sem erro receberá um ponto na média final bimestral. Depois, fala à classe que quem não realizou a tarefa deverá fazer isso durante o horário do recreio (ENADE, 2009, p. 20). Tendo lido a descrição dessa conduta docente, os egressos de cursos de graduação em Psicologia que estão sendo submetidos à prova do Enade têm que eleger entre cinco possibilidades aquela que indica corretamente qual é a perspectiva teórica desse professor, que o leva a proceder como procedeu. Cinco perspectivas teóricas são apresentadas, para que seja escolhida a correta. Veremos como foi dado o comando e que possibilidades de escolha foram apresentadas para eleição da afirmativa correta: A conduta desse professor é corretamente interpretada pela abordagem: • Comportamental: que preconiza a modelagem do comportamento da criança pelo reforço positivo dos comportamentos adequados e pela extinção dos inadequados. • Gestáltica: que destaca a correção do erro e o controle do comportamento como necessários para que o aluno estabeleça a distinção entre figura e fundo, criando a boa forma, favorecendo insights (introvisão) e raciocínios específicos sobre os problemas dados na tarefa. • Piagetiana: que preconiza a aprendizagem envolvendo processos de assimilação e acomodação de novos conteúdos à estrutura cognitiva do aluno, enfatizando o erro cometido. 30 Unidade I • Rogeriana: que compreende a conduta do professor como um convite à heteronomia do aluno como pessoa humana, pois a punição do erro deve acontecer num clima de afetividade e empatia. • Sócio-histórica: que enfatiza o papel do parceiro mais experiente como muito valorizado para a aprendizagem, o que faz com que a correção do erro pelo professor favoreça a zona de desenvolvimento proximal do aluno (ou seja, o desenvolvimento de funções ainda não consolidadas). Essa questão tem a qualidade de reunir descrições sucintas das abordagens comportamental, gestáltica, piagetiana, rogeriana e sócio-histórica, utilizáveis como suporte para práticas educacionais. O enunciado da questão descreve uma estratégia de ensino-aprendizagem na qual alguns comportamentos, como o de realizar corretamente determinada tarefa, são elogiados, enquanto outros, como o de não realizar a tarefa, são punidos com a retirada de uma circunstância apreciada, como a de participar do recreio. A teoria da aprendizagem elaborada pela psicologia comportamental descreve como deve ser feito o arranjo de contingências ambientais para modificar comportamentos. Segundo a abordagem comportamental, determinadas consequências ambientais reforçadoras, contingentes à emissão de certos comportamentos, aumentam a probabilidade de esses comportamentos voltarem a ocorrer no futuro. Outras consequências, como a retirada de um benefício ou a introdução de uma ocorrência desagradável, tornam menos provável a repetição do comportamento que produziu um resultado indesejável. Ao longo do desenvolvimento, a criança vai tendo seu comportamento modelado por consequências ambientais de suas ações, sendo algumas consequências prazerosas e outras aversivas. Quando se trata da aquisição de repertórios de comportamento, ocorre o mesmo: comportamentos “bem-sucedidos” tendem a se manter, enquanto outros, “malsucedidos”, tendem a desaparecer. O educador que adota essa abordagem teórica se compromete a planejar contingências favoráveis à aquisição e manutenção de comportamentos desejáveis e à extinção (eliminação) de comportamentos indesejáveis. Utiliza diversos recursos para isso. Por exemplo, frase elogiosa carimbada na folha do caderno do aluno e acréscimo na nota se todas as tarefas forem realizadas. Esse planejamento educacional tem por pressuposto que elogios e notas funcionam como reforçadores positivos, aumentando a probabilidade de a criança, no futuro, realizar novas tarefas. Por outro lado, a criança que não realiza a tarefa não tem a folha de seu caderno carimbada. O procedimento de não oferecer as consequências ambientais reforçadoras que mantêm um comportamento desejável deverá, conforme os postulados teóricos dessa abordagem, contribuir para a “extinção” do comportamento indesejável. Outro arranjo de contingências descrito no referido enunciado refere-se à punição pela retirada de um reforço positivo disponível: crianças que não realizaram a tarefa devem permanecer em sala de aula, privadas do recreio. Essa consequência aversiva terá como resultado uma redução da probabilidade de ocorrência desse comportamento no futuro. 31 PSICOLOGIA APLICADA AO ESPORTE Lembrete O enunciado da questão aqui abordada, do Enade 2009: Psicologia, descreve uma situação em que a criança recebe recompensas quando se comporta da maneira desejada. As possibilidades que a psicologia da aprendizagem pode oferecer a profissionais de educação física não se restringem à abordagem comportamental. As abordagens gestáltica, piagetiana, rogeriana e sócio-histórica, fundamentadas em outras concepções de pessoa e de destino humano e em outros pressupostos teóricos, também reúnem elementos úteis à formação de profissionais de educação física. Mas, no presente contexto, vamos privilegiar a abordagem comportamental, por considerar que nos procedimentos da educação física sempre está envolvida, em maior ou menor grau, uma modelagem de comportamentos e uma construção de novas atitudes diante do próprio corpo. Por isso, nos pareceu útil reunir aqui algumas informações básicas sobre essa abordagem teórica. Permanecendo no campo do behaviorismo, convidamos os estudantes a nos acompanharem na apresentação de alguns de seus mais importantes conceitos, os conceitos de comportamento respondente e de comportamento operante. Comportamento respondente ou comportamento reflexo consiste apenas em uma resposta a determinado estímulo. Comportamento operante, por sua vez, é aquele que, ao ser emitido, produz consequências no ambiente. É denominado operante por “operar” no ambiente. As consequências do comportamento operante podem ser reforçadoras ou punitivas (aversivas). Por definição, relações reforçadoras são aquelas que, no decorrer do processo comportamental, contribuem para manter ou aumentar a frequência do evento comportamental (resposta). Também por definição, relações punitivas são aquelas que, no decorrer do processo comportamental, contribuem para diminuir ou para eliminar a frequência do evento comportamental (resposta). É interessante observar que aquilo que poderia ser considerado como reforçador positivo de determinado comportamento mantém relação com o quadro pessoal de valores. Quando, por exemplo, uma criança “apronta” para receber a atenção dos pais, mesmo sendo “punida”, o que não é agradável, ela recebe reforço positivo para o comportamento de bagunçar, pois a atenção dos pais, para ela configurada como agente reforçador positivo, contribui para a manutenção e intensificação dos comportamentos indesejáveis. É possível cessar eventos comportamentais ou respostas por meio do processo de extinção de comportamento. Nesse caso, havendo quebra de uma relação reforçadora, a consequência não mais ocorre, ou seja, o comportamento entra em processo de extinção: retorna a níveis próximos dos anteriores à situação de condicionamento. 32 Unidade I A abordagem comportamental-cognitiva, por sua vez, define aprendizagem como a mudança ou a aquisição relativamente estável de um comportamento e/ou o conhecimento resultante de uma experiência. Essa perspectiva teórica destaca diferentes formas pelas quais pode ocorrer a aprendizagem: • por habituação; • por associação ou condicionamento; • por generalização; • por diferenciação de respostas; • por regras; • por observação etc. A aprendizagem que se dá por observação é também denominada aprendizagem vicariante ou aprendizagem social. A aprendizagem vicariante ocorre quando um indivíduo aprende apenas observando um modelo, sem que ele mesmo tenha passado pela experiência que
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