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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS MEL010 - Variação, Mudança Linguística e Ensino Docente: Franciane Rocha Discente: Matheus de Araujo Azevedo ECKERT, Penelope. Three Waves of Variation Study: the emergence of meaning in the study of sociolinguistic variation. Annual Review Of Anthropology, v. 41, n. 1, p. 87-100, 2012. No artigo “Three Waves of Variation Study: The Emergence of Meaning in the Study of Sociolinguistic Variation”, Penelope Eckert descreve as três ondas dos estudos variacionistas que sucederam os estudos sociolinguísticos pioneiros de William Labov, tomando em consideração os enfoques e as abordagens metodológicas de cada uma. O ponto de partida da primeira onda dos estudos de variação foi a pesquisa de Labov de 1966 sobre a estratificação social do inglês na cidade de Nova York, cujos padrões sociolinguísticos foram posteriormente confirmados nos resultados de investigações que empregaram a metodologia variacionista em comunidades de fala urbanas durante o final dos anos 1960 e durante os anos 1970 em várias regiões, incluindo Grã-Bretanha, Panamá e Irã. Estes estudos revelaram padrões de estratificação socioeconômica de algumas variedades linguísticas, observando um uso amplo de formas não-padronizada em níveis socioeconômicos mais baixos. Tais formas eram estigmatizadas entre os falantes e seu índice de frequência caía à medida que o falante ascendia na hierarquia de classes. Esses estudos pioneiros introduziram a pesquisa empírica quantitativa na linguística, partindo de uma abordagem de categorização demográfica para os falantes. Os estudos linguísticos realizados durante essa onda exploraram variáveis que representavam mudanças contínuas. Por exemplo, foram identificadas diferenças de idade refletindo mudanças históricas no dialeto de Charmey, na Suíça. A hierarquia socioeconômica estruturava o uso de formas aparentemente estáveis, mas também impulsionava mudanças no aspecto fonológico. Essas mudanças, originando-se nas camadas mais baixas da hierarquia, criavam distinções regionais e étnicas, enquanto a norma, desvinculada de um lugar específico, demarcava o status social. Embora tenha revelado padrões sociais regulares de variação, a primeira onda também apresentou exceções significativas: os pioneiros das mudanças fonológicas e maiores usuários de variantes vernaculares pareciam ser membros da classe trabalhadora e da classe média-baixa, por conta de seu envolvimento local. Nos Estados Unidos, adolescentes lideraram as mudanças 2 fonológicas, demonstrando não apenas maior controle sobre a fala, mas também a possibilidade de alternância de uma forma para outra, dependendo do contexto social no qual estavam inseridos, ao longo da vida. Estudos subsequentes também contrariaram a visão de que as mulheres eram mais conservadoras quanto ao uso norma-padrão, revelando que, em alguns casos, elas lideravam os processos de mudança. Em suma, os estudos da primeira onda baseavam-se em categorias sociais predefinidas e contatos sociais, analisando e interpretando socialmente os padrões de variação com base em generalizações classificatórias dos falantes numa escala macro, e não a partir das especificidades dos falantes, tampouco de suas comunidades. Em contrapartida, a segunda onda de estudos de variação linguística recorreu a métodos etnográficos para se aproximar das dinâmicas locais da variação, estabelecendo uma conexão entre os aspectos sociológicos macro e as configurações locais mais específicas em contextos reais. A segunda onda de estudos de variação linguística começou com a investigação de forças de agenciamento social tanto na fala vernacular quanto nas falas que mais se aproximavam do padrão, compreendendo o vernáculo como expressão de identidade local ou de classe. A onda foi encabeçada pelo estudo de Leslie Milroy sobre variação fonológica em redes sociais em Belfast, publicado em 1980. No estudo, a autora posicionava-se contra a visão passiva da primeira onda e buscava compreender as forças que regiam o vernáculo da classe trabalhadora de Belfast. O estudo revelou correlações entre o maior uso de variantes locais e a densidade no nível de conexões de redes sociais da classe trabalhadora, seguido por pesquisas que buscaram relacionar o uso de variantes locais com redes étnicas. Os estudos de comunidades rurais, por exemplo, destacaram a associação do vernáculo com valores locais, questionando seu estigma geral e enfatizando seu valor positivo a nível local. Em escolas secundárias de subúrbios predominantemente brancos na área de Detroit, EUA, havia uma ordem social de estudantes composta por duas categorias opostas, os “jocks” (atletas) e os “burnouts” (desajustados), numa representação respectiva das culturas de classe média e trabalhadora. Um estudo anterior de Eckert revelou que o fato de os adolescentes se encaixarem nessas categorias estava relacionado à classe social deles, demostrando que os padrões de variação não são estabelecidos na infância, mas continuam a se desenvolver durante a consolidação da identidade social. Além disso, nem todos os jocks ou burnouts se identificavam com os conceitos polarizantes, visto que uma grande massa de estudantes se considerava “in-betweens” (meios-termos). No estudo, os dados demonstraram que as meninas 3 consideradas burnouts mais radicais lideravam no uso de formas vernaculares, o que só reforçou a hipótese da autora de que variáveis linguísticas não indicam categorias, mas características. Os resultados da maioria dos estudos da segunda onda proporcionaram uma base teórica inteiramente nova e um impulso metodológico para as investigações na terceira onda dos estudos variacionistas. Ao contrário das duas primeiras ondas, que viam a variação como um reflexo de identidades sociais e categorias, a terceira onda focou na prática linguística em que os falantes se posicionam no cenário social por meio da prática estilística. Considera-se a variação não como uma consequência do espaço social, mas como uma característica essencial da língua. Nessa perspectiva, a heterogeneidade é fundamental, sendo alcançada por meio da prática estilística, em que os falantes reinterpretam variáveis e as combinam de maneiras diversas, gerando novas formas. Alguns exemplos de estudos desenvolvidos durante a terceira onda são: a análise de Qing Zang, em 2008, a respeito do estilo de fala cosmopolita da nova classe de jovens ricos na China, que passam a, deliberadamente, evitar certas características fonológicas locais, e a análise de Robert J. Podesva, em 2004, da fala de um estudante de medicina, Heath, que adota uma postura mais formal e escolarizada na clínica onde atua, e uma postura mais leve e brincalhona em um churrasco com amigos. Fonologicamente, quando Heath articula a consoante /t/ entre amigos, ela sai mais longa e mais aspirada, numa espécie de afetação proposital. Essa consideração qualitativa que insere a hiper articulação do /t/ em um sistema fonológico mais amplo pode ampliar as possibilidades de significados sociais que são considerados nas análises sociolinguísticas. Tais processos apontam que a iconização demonstra força atuante nos fenômenos de variação e, portanto, não pode ser ignorada. Assim, durante a navegação da primeira para a terceira onda dos estudos sociolinguísticos variacionistas houve uma clara reconsideração das bases nas quais se firma a relação entre língua e sociedade. Enfatizar a prática estilística na terceira onda atribuiu aos falantes o papel de agentes ativos, e não passivos, dos processos de mudança na língua.
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