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1 O Museu como Processo - Scheiner

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1 
O MUSEU COMO PROCESSO 
Tereza Cristina Scheiner 
 
 
 
The ordinary moment 
Holds extraordinary phenomena. 
The future becomes past. 
(The Temporary Museum of Permanent Change) 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
Falar de museu como processo nos leva a pensar que processos encontram-se 
envolvidos na realidade dos museus. Uma breve consulta às fontes disponíveis revela as 
múltiplas dimensões processuais da gestão museológica, designadas a partir das funções 
básicas do cuidado com museus instituídos: processo criativo; processo legal; processo 
documental; processo de pesquisa; processo de conservação; processo de criação e 
desenvolvimento de exposições; processo educativo; processo de agregação comunitária; 
processo de realocação de referencias – e assim poderíamos seguir longamente, 
explicitando as muitas e detalhadas faces do universo curatorial. Em sua quase totalidade, 
os autores que pretendem tratar do museu como processo1 referem-se essencialmente aos 
procedimentos estratégicos que viabilizam e otimizam a gestão do patrimônio 
musealizado, permitindo uma visão particular dos museus como ‘objetos de reflexão, 
contemplação e discussão’2 e valorizando os ‘processos de re-presentação, socialização, 
institucionalização e comoditização’3 neles desenvolvidos. 
Todos estes processos tratam de fazeres fundamentais à constituição de um certo 
tipo de museu e garantem sua existência e estabilidade como agencias culturais, 
instrumentalizando o trato das referencias patrimoniais, musealizáveis ou já musealizadas. 
Ou seja, os processos existem para ‘dinamizar’ o museu – que, sem eles, permaneceria 
inalterado através do tempo, como um ‘depósito de objetos’ ou como espaço sagrado de 
contemplação, de significado hermético para o grande público. E, quando o museu ainda 
não existe, é preciso criá-lo, para permitir que tais processos, apropriadamente articulados, 
garantam a permanência no tempo de referencias tangíveis ou intangíveis de memória. 
 
 
1Como exemplo, ver JEFFERS, Carol S. Museum as Process. Disponível em 
http://muse.jhu.edu/demo/the_journal_of_aesthetic_education/v037/37.1jeffers.html. Em 12.04.2008. 
2 Paul Bolin and Melinda Mayer, "Art Museums and Schools as Partners in Learning," NAEA Advisory, 
Spring (Reston, Va.: National Art Education Association, 1998), 1. Apud JEFFERS, Carol S. Op. Cit. 
3 Ibid, ibidem. 
 2 
A menção a tais processos fundamenta-se numa idéia pré-concebida: a do museu 
enquanto realidade organizacional, enquanto todo instituído, espaço delimitado que abriga 
coleções e que se abre para um público – experiência a que denominamos Museu 
Tradicional. Trata-se, assim, de iniciativas de estudo e adoção de processos 
contemporâneos de gestão, que possibilitariam o desenvolvimento de padrões culturais, 
sociais e estéticos cujo objetivo seria influenciar a percepção pública sobre determinados 
tipos de acervos, alterando a forma como são percebidos a arte, a ciência e a técnica, e 
fazendo com que determinadas representações - tais como o museu espetacular - sejam 
percebidas como paradigmas. 
Alguns autores convidam a examinar criticamente, como processo, determinadas 
formas de museu - como os museus de arte -, desconstruindo ‘o que foi construído, desde 
a Renascença, como símbolo da sociedade ocidental’4. Isto seria possível analisando-se o 
impacto desses museus sobre o seu publico, bem como a sua representatividade e 
significação enquanto agencias culturais. E também lançando um olhar crítico sobre o 
contexto histórico em que se originaram e desenvolveram esses museus, bem como sobre 
o papel que exercem ainda hoje, como símbolos de valores permanentes da cultura 
universal – representatividade que resulta de uma tradição de educação sobre e para 
museus, desenvolvida pela cultura ocidental a partir do final do século 18, e que vem 
criando padrões e códigos definidores do que é relevante no ‘universo dos museus’. 
Não é mais possível pensar assim o museu. Ou melhor, não é mais possível pensá-
lo apenas assim. E nem tratar dos processos curatoriais – todos absolutamente legítimos e 
necessários, em determinadas realidades – sem entretanto definir que idéia de museu lhes 
serve de fundamento. Pois o que move os museus no tempo e lhes assegura a existência 
está muito além da presença de acervos, da excelência técnica ou do interesse dos 
públicos: está na sua própria essência enquanto representação simbólica, e na sua 
intrínseca – e constante – capacidade de transformação. 
Museu como fenômeno: é assim que a teoria museológica vem tratando de estudar 
essa poderosa representação, que tem sua origem no universo simbólico de grupos sociais 
que serviram de matriz ao que se denominou ‘pensamento ocidental’.5 E é assim que 
precisamos compreender o Museu, se desejamos verdadeiramente vê-lo como processo. 
 
4 Eileen Hooper-Greenhill and Flora Kaplan, Museum Meanings (New York: Rutledge, 1997), book review 
in George Hein, Learning in the Museum (New York: Rutledge, 1998). Apud. JEFFERS, Carol S. Museum 
as Process. Op. Cit. 
5 Usaremos aqui o termo Museu, com maiúscula, para diferenciar o fenômeno de qualquer uma de suas 
manifestações, ou seja, de museus específicos. 
 3 
2. MUSEU: CONHECER PELA ORIGEM 
 
Uma das mais fascinantes representações da sociedade humana, o Museu foi 
tradicionalmente compreendido, na sociedade dita ‘ocidental’, como instituição 
permanente - dedicada ao estudo, conservação, documentação e exibição de evidencias 
materiais do homem e do seu ambiente. Esta percepção limitada do Museu, como espaço 
físico de guarda de objetos, originou-se provavelmente no pensamento europeu do século 
16 e prolongou-se na literatura ocidental, a partir da ênfase dada à atividade colecionista 
pela sociedade do Renascimento – uma sociedade afluente, fundada no trabalho e na 
produção, circulação e acumulação de bens materiais. Parece ter sido este também o 
momento em que passou-se a vincular a origem do Museu à palavra grega Mouseion, ou 
“templo das musas”, freqüentemente confundido com o local (em Delfos) onde as musas 
falavam, pela voz das pitonisas; ou com o Mouseion de Alexandria, primeiro centro 
cultural conhecido do ocidente, fundado no século 3 a. C., para glória do mundo 
helenístico. 
Pensar a origem do Museu no templo das musas implicaria, entretanto, em 
imaginar sua existência irremediavelmente vinculada a um local específico (templo) onde 
se guarda o sagrado (musas) – provável origem da idéia de museu como espaço 
sacralizado de guarda da memória. E remete a uma cultura grega já detentora de um 
sistema filosófico desenvolvido, onde predomina a razão e o mundo é percebido sob 
“relações de simetria, de equilíbrio, de igualdade entre os diversos elementos que 
compõem o cosmos”6. Nesta cultura, os diferentes planos do Real, rigorosamente 
delimitados, afastam o mito e tendem a medir, pelo discurso, as diversas relações entre a 
lógica do saber teórico e uma “lógica do verossímil ou do provável”7, fundamentada na 
experiência prática 8. 
 
6 VERNANT, J. P. As Origens do Pensamento Grego. Trad. de Isis Borges B. da Fonseca. RJ, Bertrand 
Brasil, 9ª ed. 1996. p. 6 
7 ________ . Op. cit., p. 26 
8 Admitir a origem do Museu no templo das musas significa percebê-lo essencialmente como experiência 
oracular, cuja função é a de ser agente da Verdade: assim como as pitonisas, ele poderia recontar o passado, 
narrar o presente e prever, pela palavra, os acontecimentos. Como espaço físico, estaria irremediavelmente 
vinculado à idéia de preservação: um templo é um relicário, um local de guarda das coisas sagradas, 
acessível apenas a poucos; é solene, é o espaço do ritual - um espaço de reprodução, devotado muito mais à 
permanência do que à criação. Não é possível imaginar a dessacralizaçãodo templo: sua própria existência 
se justifica pela mística do ritual. O templo é local de reverência, de ocultação do novo, de repetição do já 
experimentado. Aberto ao público, é também um espaço impessoal, onde os “sacra” - objetos sagrados, 
símbolos religiosos – cuja função primordial é a de serem vistos, transformam-se em espetáculo. Não há 
espaço para as Musas num lugar assim. A esse respeito, ver SCHEINER, Tereza C. Apolo e Dioniso no 
Templo das Musas. Museu: gênese, idéia e representações nos sistemas de pensamento da sociedade 
ocidental. Dissertação de Mestrado. ECO/UFRJ, 1997. Cap. 01. 
 4 
Baseado neste modo de pensar configura-se um modelo de Museu que 
denominaremos Museu Tradicional - e cuja unidade conceitual é o objeto, fundamento de 
sua existência e instrumento primordial do trabalho que sobre ele se desenvolve. É sobre o 
objeto que o museu tradicional constrói sua teoria: sem objeto, não há coleção, e portanto 
não há museu. Mas a natureza mesma desse trabalho é fragmentária, porque, na maioria 
dos casos, o museu retira do mundo esses objetos, remetendo-os a uma situação ou 
contexto artificial, onde a realidade precisa ser “reinventada”. Lembremos aqui que o 
termo ‘objeto’ se aplica, no âmbito do museu tradicional, tanto aos objetos fabricados 
como aos espécimes naturais e/ou fragmentos de natureza tratados como exemplares 
‘colecionáveis’, por constituir exemplos de interesse científico, ou mera curiosidade. O 
surgimento dos museus exploratórios, nos anos 1950, amplia estas relações, ao alargar o 
conceito de objeto para incluir os modelos experimentais de fenômenos científicos como 
elementos constituintes dos acervos – legitimando, desta forma, a experimentação como 
essência do conhecimento científico, bem como o caráter relacional dos processos 
pedagógicos. 
O advento dos parques nacionais e dos museus a céu aberto9, na segunda metade 
do século 19, já havia permitido pensar o Museu para além dos espaços construídos e dos 
conjuntos de objetos, desvelando a possibilidade da sua existência sob a forma de áreas 
naturais.10 Museus em áreas naturais se multiplicam e pluralizam na primeira metade do 
século 20, assumindo diferentes formas e características11; mas é apenas na década de 60 
do século 20 que, em conseqüência da evolução dos paradigmas científicos e da 
revalorização das teorias ‘holistas’, se configura um outro modelo de Museu: o Museu 
 
9 É com os museus a céu aberto que se faz a relação direta entre a cultura do homem do campo e a 
experiência patrimonial. Esses museus se desenvolvem a partir de reconstituições clássicas do séc. 18, tais 
como a ‘bergerie’ de Maria Antonieta, em Versailles, ou o museu de esculturas de Alexandre Lenoir, no 
Elysée – onde hoje se encontra a escola nacional de belas artes de Paris. São criados principalmente nos 
países escandinavos, a partir das experiências de Bygdoy, Noruega; de Arthur Hazelius - o Nordiskafolk 
Museum (1872) e Skansen (1891); do museu de Sorlgenfrï, em Copenhague (1897 - hoje parte do Museu 
Nacional da Dinamarca); do Museu Norueguês de Arte Popular em Oslo (1902) e do museu Sandvig, em 
Lillehamer (1904), ambos na Noruega; ou do museu de Fölis, Finlândia (1908). Em 1909 a experiência dos 
museus a céu aberto estende-se ao homem urbano, com a criação, em Jutland, Dinamarca, do Aarhus - 
primeiro museu a céu aberto com casas urbanas. Ver MAURE, Marc. Nation, Paysan et Musée. La 
naissance des musées d’ethnographie dans les pays scandinaves (1870-1904). Disponível em 
http://terrain.revues.org/document3065.html#tocto2. Em 15.04.2008. Ver também SCHEINER, Teresa. 
Apolo e Dioniso no Templo das Musas. Op.Cit., cap. 03. 
10 Museus em áreas naturais já existiam há alguns séculos: lembremos do Jardin des Plantes, criado em Paris 
por Guy de la Brosse, em 1626 e dos parques renascentistas europeus. Mas é no século 19 que tais áreas são 
finalmente consideradas ‘museus’. Neste sentido, ver DAVALLON, J GRANDMONT, Gerald & 
SCHIELLE, Bernard. L’environnement entre au Musée. Collection Muséologies. Lyon: Presses 
Universitaires de Lyon, 1992. 
11 Museus a céu aberto. Parques naturais musealizados – parques de caça, parques nacionais, monumentos 
naturais. Heimattmuseen. E finalmente, a partir dos anos 1960, os ecomuseus. 
 5 
Integral – espaço ou território musealizado, no qual sociedade, memória e produção 
cultural formam um todo indissolúvel. Neste modelo, a base conceitual não é o objeto, 
mas o território do Homem, com suas características geográficas, ambientais e de 
ocupação e produção cultural. A idéia de objeto é superada pela idéia de patrimônio: trata-
se aqui da apropriação simbólica de um conjunto de evidências naturais e de produtos do 
fazer humano, definidores ou valorizadores da identidade de determinados grupos sociais. 
Tais relações podem ser melhor compreendidas no âmbito de uma visão holística 
de mundo, segundo a qual o universo é compreendido como um sistema relativo, do qual o 
humano não constitui o centro, mas mero elemento. Sob este paradigma, percebe-se que o 
Museu não trata apenas do humano e de sua produção, mas da natureza em sua totalidade: 
aquilo que poderíamos denominar o patrimônio integral da humanidade. 
Mas, se o museu integral constitui um avanço sobre a teoria do museu tradicional, 
ainda assim vincula-se à presença de um espaço físico (ou território), deixando de lado 
outras dimensões do Museu, que só mais adiante poderiam ser percebidas. 
Pensar o Museu implicaria, portanto, em rever a própria gênese do conceito, pensar 
o seu início a partir de outras possibilidades que não a do templo das Musas, imaginar 
outras trajetórias que não aquela que deriva no museu-instituição. E para isto é preciso 
conhecer algumas relações do Museu com o mito - pois é através do mito que ele surge, e 
é também pela fala mítica da sociedade burguesa que legitima um estatuto hegemônico 
que vem tornando muito difícil que se lhe vejam as outras faces. 
É a partir destas percepções que se desenvolve a Museologia. Inicialmente 
compreendida como o conjunto de metodologias e técnicas relativas aos museus como 
espaço físico, na sua forma institucionalizada, a Museologia vem ganhando forma e força, 
a partir dos anos 1970, como a área do conhecimento que identifica e analisa a idéia de 
Museu em suas diferentes representações. Com o objetivo maior de constituir-se como 
ciência, ou disciplina científica, a Museologia só se justifica como área do conhecimento 
na medida em que se afasta da idéia e da imagem do museu-espaço-de-objetos, para 
entender o Museu para além de seus limites físicos e o patrimônio nas suas dimensões 
material e não material. Este é o movimento que nos permitirá perceber a existência de 
outras manifestações do Museu, só possíveis de apreender quando se trabalha com 
determinados paradigmas: a relatividade e o inconsciente (Museu Interior); as novas 
tecnologias (Museu Virtual, Museu Global). E compreender, finalmente, que a origem do 
Museu não pode estar na Grécia clássica, e nem no templo. 
 
 6 
2.1 Pensando a gênese do Museu 
 
Um dos caminhos possíveis para investigar a gênese do Museu é pensá-lo não 
como produto, mas como idéia – ou como processo. Suponhamos, então, que a idéia de 
Museu tenha estado, desde a sua origem, relacionada à idéia de um espaço perceptual, de 
um espaço/tempo de presentificação das musas; um espaço/tempo de revelação, de 
criação, de celebração do humano sobre a natureza, a sua própria cultura e o universo. A 
origem do Museu seria, assim, não o templo, mas as próprias musas - uma origem mítica, 
essencialmente ligada ao pensamento tradicional de uma Hélade arcaica, habitada por 
culturas ágrafas, e cujas matrizes culturais se articulavam na interface entre pequenos 
agricultores e sociedades guerreiras. Uma Grécia ligada a um passado micênico e cuja 
visão de mundo ainda não tendiaa opor os diferentes planos do real: passado e presente, 
vida e morte, homens e deuses; e onde as antigas cosmogonias ainda não haviam cedido 
lugar às ‘sophias’: a Grécia anterior ao séc. 8 a.C.12 
Lembremos que, nas sociedades arcaicas, o mito é dado como real, e que toda 
configuração cosmogônica é de caráter mítico. E que as musas são as responsáveis, no 
panteão grego, pela manutenção da identidade do seu próprio universo. Elas não são 
deusas, são as palavras cantadas - expressão criativa da memória via tradição oral, trazidas 
á luz da consciência pela ação dos poetas, para tornar presentes os fatos passados e 
futuros, reinstaurando o tempo e o mundo a partir de sua origem13. Filhas de Zeus 
(criador do tempo) e de Mnemòsyne (memória), revelam continuamente o que são e como 
se criaram todas as coisas, trazendo à luz da presença o que se ocultava na noite do 
esquecimento (o não-ser), “no exercício mesmo de manter o ser das moradas em que 
cantam”.14 É importante observar aqui que ter, em grego, significa também manter: e se 
as musas cantam o espaço Olímpio, elas simultaneamente o mantêm (trazem) presente na 
memória.15 Não se trata, portanto, de um território – mas de um espaço simbólico, 
presentificado pela palavra: as musas não têm nenhum espaço que não seja o seu próprio 
espaço (abstrato) de manifestação. Nesta perspectiva, o nome das Musas é também o seu 
 
12 Ver SCHEINER, Tereza C. Apolo e Dioniso no Templo das Musas. Op. Cit., Cap. 01. Ver também 
SCHEINER, Tereza C. As bases ontológicas do Museu e da Museologia. In: Museología, Filosofía e 
Identidad en América Latina y el Caribe / Museologia, Filosofia e Identidade na América Latina e 
Caribe. VIII ICOFOM LAM. RJ, Tacnet Cultural Ltda., 2000. CD. p. 138-183. 
13 Ver HESÍODO. Teogonia. A origem dos deuses. Estudo e trad. Jaas Torrano. RJ, Bibl. Pólen, Iluminuras, 
1991. Hesíodo foi um poeta arcaico, um dos que compuseram Teogonia para os gregos, dando nome aos 
deuses e identificando suas características. 
14 Ibid. In Op. Cit, p. 83-87. 
15 Este seria um movimento similar ao do verbo inglês To Be – que significa igualmente Ser e Estar. 
 7 
próprio ser: elas existem quando nomeadas e precisam ser nomeadas para que possam, 
com o seu canto, recriar o mundo. E o fazem em continuidade e com a atualidade de um 
viver contínuo, pois a memória não tem começo nem fim, e nem implica em cronologia: 
ela é a experiência, apreendida e presentificada. Sem memória há o esquecimento, que 
equivale à morte (o não-ser). 
Seria, então, equivocado julgarmos que a idéia de Museu se tenha originado a 
partir de um espaço físico específico onde habitassem as musas, um espaço possuído pelas 
musas ou a elas dedicado, e onde se manifestassem: 
“O que poderia ser o 'templo das Musas', senão o espaço intelectual possível de 
presentificação das idéias, de manifestação da memória? Não seria o Mouseion (templo 
das Musas) uma interpretação equivocada do termo Mousàon ou Mousaion (pelas Musas) 
- das Musas como o veículo de expressão da criação mítica e da concepção de mundo do 
homem grego? Se o Museu não é o espaço físico das musas, mas antes o espaço de 
presentificação das idéias, de recriação do mundo por meio da memória, ele pode existir 
em todos os lugares e em todos os tempos: ele existirá onde o Homem estiver e na medida 
em que assim for nomeado - espaço intelectual de manifestação da memória do Homem, 
da sua capacidade de criação. E como o pensamento grego estabelece, de uma ou de outra 
forma, o Homem como a medida de todas as coisas, o espaço primordial de manifestação 
das Musas seria então o próprio corpo do Homem - este sim, o verdadeiro templo das 
Musas, através do qual elas se manifestam pela palavra, pelo canto e pelos mitos de 
origem”.16 
 
Eis aí a essência mesma do Museu: a criatividade, a espontaneidade, a tradição 
oral. A origem do Museu não está portanto sujeita a um lugar específico, nem a um 
conjunto específico de referencias: ele é fato dinâmico, eternamente a conjugar memória, 
tempo e poder, recriando-se continuamente para ‘seduzir o ouvinte pela sua voz’. 
Podemos então percebê-lo como fenômeno, como algo que se dá em processo, 
essencialmente vinculado à dinâmica dos processos culturais. E compreender que, como 
fenômeno, se manifesta e faz presente na experiência humana de diferentes maneiras: o 
Museu se dá em pluralidade. 
 
 
 
16 SCHEINER, Teresa C. Apolo e Dioniso no Templo das Musas. Op. Cit. Na mesma obra, na página 21, 
rodapé, verifica-se ainda o seguinte comentário: “A origem do termo Museu poderia ainda ser Musaios, 
musico e poeta, filho de Selene e mestre de Orfeu, de qualquer modo associado à atividade criativa do canto 
- talvez ele mesmo uma das muitas interpretações das musas na Grécia arcaica” [nota da Autora]. 
 
 8 
3. MUSEOLOGIA E MUSEU 
 
Museu é, pois, um nome genérico que se dá a um conjunto de manifestações 
simbólicas da sociedade humana, em diferentes tempos e espaços. As diferentes 
formas de Museu nada mais são do que representações (ou expressões) deste fenômeno, 
em diferentes tempos e espaços, de acordo com as características, os valores e visões de 
mundo de diferentes grupos sociais. E a Museologia não tem como objeto de estudo os 
museus, ou a instituição museu, mas sim a idéia de Museu desenvolvida em cada 
sociedade, em cada momento de sua história. Este movimento torna-se possível através da 
investigação dos diferentes modos e formas pelos quais a sociedade humana percebe o 
Real – traduzidos pela relação que se estabelece, em cada momento, entre indivíduo, 
sociedade e toda parcela do Real apreendida sob a forma de realidade, por um 
determinado grupo social. 
Sociedades diferentes possuem diferentes visões de mundo – e a idéia de Museu é 
uma das muitas representações simbólicas desenvolvidas por grupos sociais específicos, 
em momentos determinados de sua trajetória no tempo. Podemos dizer, então, que a idéia 
de Museu desenvolvida em cada sociedade se fundamenta nas relações que se estabelecem 
entre o humano e o meio natural, a cada momento de sua trajetória no planeta – e que se 
traduz por meio de diferentes códigos e valores, específicos da cultura de cada grupo 
social. A relação entre Homem, cultura e meio ambiente, em cada época, em cada lugar, é 
o que efetivamente constitui o fundamento da idéia de Museu. 
Este é o Museu que desejamos estudar: o museu fenômeno, o museu processo, o 
museu que independe de um espaço e de um tempo específicos, mas que se revela, de 
modos e formas muito definidas, como espelho e símbolo de diferentes categorias de 
representação social. Compreender que Museu (fenômeno) não é o mesmo do que um 
museu (expressão limitada do fenômeno) permite-nos aceitar que ele assuma diferentes 
formas; permite-nos, ainda, prestar atenção às diferentes idéias de Museu, presentes no 
universo simbólico dos diferentes grupos sociais. 
Apaixonado, contraditório, em permanente processo, o Museu celebra a aventura 
da vida e valoriza o patrimônio material e imaterial, definidor de identidade dos diferentes 
grupos humanos. A partir do reconhecimento das referencias patrimoniais que as 
identificam, as sociedades criam museus. E como se articulam de distintas maneiras, no 
tempo e no espaço, criam e desenvolvem diferentes formas de Museu: o museu 
tradicional, em suas várias representações (museu ortodoxo, museu exploratório, museu 
 9 
de vizinhança, jardim botânico, zoológico, aquário, planetário); o museu de território – 
sob a forma do museu a céu aberto, do parque nacional, da cidade-monumento, do 
ecomuseu; o museu virtual - que só existe na tela do computador; o museu global – 
memória da biosfera. 
Conhecer a trajetória do Museu no quadro simbólico das diferentes sociedades e 
compreender a sua relevância paraa sociedade atual são tarefas da Museologia – o campo 
disciplinar que estuda o fenômeno Museu e suas relações com o Real, no âmbito dos 
sistemas de pensamento. A percepção do Museu como fenômeno ou manifestação 
cultural, capaz de assumir diferentes formas e apresentar-se de diferentes maneiras, de 
acordo com os sistemas de valores priorizados em cada sociedade, configura bases de 
análise específicas da Museologia - jamais, antes, abordadas por outros campos do 
conhecimento. Entre os fundamentos teóricos da disciplina museológica, estariam: 
- o reconhecimento do caráter plural do Museu (ele se faz representar sob 
diferentes formas, muitas das quais coexistem no tempo e no espaço); 
- a percepção de que ele é processo, e não produto cultural (e portanto, está em 
continua mutação, dá-se no instante, e se define na relação); 
- a compreensão de sua essencial liberdade (qualquer espaço, fato, fenômeno ou 
objeto é, potencialmente, museu - se, quando e enquanto assim for nomeado; 17 
- o estudo dos processos intrínsecos relacionados ao Museu - que têm como base o 
processo de musealização, sobre o qual se constituem os processos curatoriais. 
 
O estudo da trajetória do Museu como representação nos mostra que ele vem sendo 
entendido simultaneamente como: espaço físico ou geográfico (território, espaço aberto ou 
edificação), contendo registros materiais (móveis ou imóveis) ou imateriais de patrimônio; 
espaço intelectual de criação e produção de cultura (incluindo-se aqui os espaços 
imaginários, que configuram o que se poderia denominar o ‘museu interior’); espaço de 
exploração, investigação e experimentação; espaço de preservação de registros da 
memória humana e do planeta. Estas dimensões não são necessariamente consideradas 
e/ou trabalhadas em separado, podendo articular-se das mais diversas formas, de acordo 
com cada representação do fenômeno. E levam-nos também a verificar que a atividade 
‘museológica’ pode desenvolver-se não apenas naqueles lugares tradicionalmente 
 
17 Ver SCHEINER, Teresa C. (coord.) - Interação Museu-comunidade pela Educação Ambiental. RJ, 
Tacnet Cultural Ltda., 1991; e Repensando os Limites do Museu. Editorial. Boletim ICOFOM LAM, Ano 
III no. 6/7, dez. 92/abril 93, p. 1-2. 
 10 
reconhecidos como museus, mas também em qualquer espaço ou esfera simbólica onde o 
humano se haja integrado à natureza, para produzir cultura. 
Nada no Museu é, portanto, absoluto - e nem poderia ser, à luz do conhecimento 
contemporâneo, que a tudo relativiza.18 A negação de vínculos absolutos entre Museu e 
Museologia e a percepção de que podem existir museus sem museologia - e museologia 
sem museus – permite explicar as diferenças de qualidade de inúmeras instituições 
denominadas 'museus', bem como a existência de uma vigorosa produção 'museológica' 
fora dos limites dos museus instituídos - por exemplo, nas universidades. 
Trabalhar o Museu nas suas diversas manifestações ajuda ainda a perceber como 
certas sociedades constroem a sua auto-narrativa: como elas se colocam no mundo, como 
vêem o mundo, e qual é esse mundo que vêem. O Museu seria assim espelho e síntese de 
um Real que se nos apresenta em multiplicidade: enquanto substancia (domínio da 
filosofia), matéria (domínio da física) ou instancia relacional (domínio da comunicação) – 
aquilo que o conhecimento contemporâneo reconhece como o Real complexo. É 
importante fazer aqui uma distinção conceitual entre Real e realidade, lembrando que o 
termo Real, na filosofia, remete à percepção de um todo unívoco e não separável, do qual 
se destaca a realidade “como local, atual, pontual, como a ‘aparência’ do real, a versão do 
real no instante presente”19. E como tudo se transforma continuamente, “o sentido não 
está, nem por um momento, nas coisas - está na relação.”20 
Eis como deve ser percebido, hoje, o Museu: enquanto dobra (do Real), fenômeno, 
processo – livre, plural, em permanente e continuada mutação. É esse o Museu em que 
acreditamos: o que se dá no instante, em todas as suas formas, em todas as suas 
manifestações, também chamadas “museus”: a praça, a aldeia musealizada, a cidade-
monumento, o jardim botânico, o zoológico, o aquário, o parque nacional, o centro de 
ciência e técnica, a galeria de arte contemporânea, o ecomuseu. E também o museu-
tesouro, o templo, e o museu virtual - só existente na tela do computador. E o museu-
relicário, museu interior, síntese das nossas pequenas (e grandes) experiências pessoais. 
O museu integral, a grande memória da biosfera. Cada dobra analógica ao modelo, mas 
ainda assim única, enquanto individuação. Cada uma com seu próprio espaço, seu próprio 
ritmo, seu próprio tempo... como o quadro de Deleuze, “que se torna belo aos nossos 
 
18 - ________ - On Museum, Communities and the Relativity of it All. In: ICOM/ICOFOM. Symposium 
Museum and Community ICOFOM Study Series no. 25, II. Stavanger, Norway: July 1995. p. 95-98 
19 MARTINS, André. Esboço de Uma Filosofia Ética. Dissertação de Mestrado. RJ: UFRJ/ECO, 1990. 
xerox. Introdução. 
20 Ibid. In Op. Cit, p. 35-36. 
 11 
olhos ‘quando se sente que o movimento, que a linha que está emoldurada vem de fora, 
que ela não começa no limite da moldura’” 21. 
 
Falemos, então, aqui, de duas dimensões do Museu: o museu em potencia e o 
museu manifesto. Potencialmente, o Museu pode existir em qualquer lugar - nos raros 
lugares do planeta apenas tocados pelo humano, e onde os processos naturais encontram-
se ainda quase totalmente preservados; ou mesmo nos múltiplos universos, reais ou 
simbólicos, até onde pode ir a mente humana: do ‘museu interior’, onde complexos 
processos da memória, da mente e dos sentidos configuram um ‘patrimônio mental’ muito 
específico, à biosfera, ao universo cosmológico; dos territórios geográficos ao universo 
dito virtual. É nesse incomensurável universo de possibilidades que as diferentes 
manifestações do Museu vêm-se realizando, através do tempo: do canto ditirâmbico ao 
Mouseion de Alexandria; dos tesouros nos claustros e catedrais aos rituais pagãos de um 
medievo pleno de contradições; do gabinete de curiosidades às feiras populares; das 
coleções reais ao museu da Revolução; do museu tradicional aos museus de território; das 
coleções de arte contemporânea ao ecomuseu; dos parques naturais musealizados ao 
museu virtual22 - cada expressão ou representação de Museu trazendo sempre a marca de 
seu criador, e do tempo e lugar aonde foi criada. 
Museu Tradicional, Museu Integral, Museu Virtual, Metamuseu: espelho de muitas 
faces, cada uma delas interagindo de formas específicas com o corpo social, numa relação 
de extrema complexidade. Este é o Museu que se dá na relação: cada indivíduo ou grupo 
social o define para si mesmo - não sendo nenhuma forma de museu, em nenhuma 
circunstancia, melhor do que a outra. À Museologia, cabe atuar o Museu nas suas 
diferentes manifestações, tratando de compreender em profundidade quais os contextos, 
razoes e propósitos que as fundamentam, e buscando identificar como algumas delas se 
realizam hoje, na sociedade contemporânea. Este é um movimento importante para 
fortalecer o Museu como síntese das múltiplas realidades sócio-culturais do passado e do 
presente; e como instancia de legitimação e reconhecimento da diferença, da empatia e da 
participação social. Difícil missão, impregnada de sutilezas éticas: museólogos, hoje, 
devem atuar como mediadores entre as várias manifestações do Museu e a sociedade, 
usando os museus como agencias de formação e de transformação; devem elaborar um 
discurso que permita, aos distintos grupos sociais, maior compreensão sobre seu lugar no 
 
21 DELEUZE, H. Apud HAINARD, Jacques e KAHER, Roland. Objets prétextes. Objets Manipulés. Op.cit.,p. 184 
22 Ver SCHEINER, Teresa C. Apolo e Dioniso no Templo das Musas. Op. Cit. 
 12 
mundo, seus direitos e suas responsabilidades para com o meio ambiente. E também, 
quando necessário, utilizar a Museologia como instrumento contra a face perversa da 
globalização – a favor da pluralidade cultural e social, das liberdades políticas e filosóficas 
e da paz. Mas esta é a prática museológica apenas possível quando se percebe o Museu em 
processo, jamais como coisa dada - e quando se admite o Museu em pluralidade. 
 
4. MUSEU COMO PROCESSO: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS 
 
As muitas dimensões do Museu que se delineiam hoje, como presença, podem ser 
facilmente apreendidas pelo pensamento contemporâneo, que percebe a realidade de 
forma plural, ainda que submetida aos imperativos do individualismo. E como hoje as 
coisas já não são vistas como dadas, mas sempre em processo, não é impossível imaginar 
o Museu em processo também. E um processo sobre o qual podemos ter interferência: 
pois já não mais queremos ser apenas o espelho do mundo, mas sim agentes de criação de 
um mundo que nos é todo particular, e que seja o prolongamento de nossa própria 
experiência. Neste novo ambiente perceptual, em que já não pensamos o acontecimento 
em historicidade, ou num continuum presente-futuro, mas em tempo real, é importante 
analisar o Museu não como algo que é, mas como algo que está sendo – movimento que 
só é possível se mergulharmos no Museu como experiência. É importante também 
reconhecer a presença e influência avassaladoras das novas tecnologias – não como 
acessório técnico, mas como instancia de possibilidades, como abertura para novas 
expressões e realizações do Museu, nos múltiplos universos paralelos tornados possíveis 
pela realidade virtual. 
Muito se escreve sobre o Museu Virtual, como expressão mais contemporânea do 
fenômeno Museu; ou sobre as infinitas possibilidades de captura, codificação e 
interpretação de um ‘patrimônio digital’. Mas pouco se investiga e se experimenta a 
potencia do Museu em relação a esses universos paralelos, onde se abrem as mais infinitas 
possibilidades de criação, desvelamento e entrecruzamento de experiências. E é 
exatamente aí, neste ambiente em que se diluem as diferenças entre comunicação e 
conhecimento, e onde o individuo perde seus limites, imerso numa imensa malha de 
produção transindividual, que reside a potencia maior do museu contemporâneo: a de 
alternar mudança e permanência, de maneiras totalmente inusitadas. 
Lembremos que hoje o pensamento é apreendido em processo, e não produto, e 
que o exercício do poder, que na Modernidade vinculava-se à identidade, agora se dá 
 13 
como informação. Como afirma Serres23, somos todos mensageiros, habitamos espaços de 
comunicação, difíceis de representar pelos sistemas e códigos tradicionais. Neste ambiente 
desterritorializado, todos os lugares estão no mesmo lugar: centro e circunferência. É 
como se o mundo não existisse sem “esse tecido complexo de relações continuamente 
entremeadas”24, onde as próprias coisas prolongam os lugares até o universo. 
Construímos simulacros para que pensem por nós, para nós e através de nós. 
É preciso então buscar compreender como o Museu está sendo, neste ambiente 
cultural que nos circunda – e quais os movimentos que o identificam, como voz da 
contemporaneidade. Descobriremos, sem muita dificuldade, que o Museu se nos 
apresenta, hoje, fundamentalmente, como instancia imagética: seja na virtualidade, seja no 
espetáculo. E, ainda que a imagem não possa jamais substituir o objeto, ou mesmo as 
expressões de vida existentes num território, é inegável a força que tem a imagética de 
reter e, ao mesmo tempo, modificar os registros do Real (não apenas do ‘real exterior’, 
mas também das representações do nosso mundo interior - nosso universo simbólico). 
Temos assim a ilusão de ser senhores de nossas próprias lembranças, de sermos capazes 
de manipular a memória em sua totalidade, como produto e como processo. Que outra 
ilusão justificaria as infinitas experiências de captura do patrimônio em sucessivos bancos 
de dados25, ou a existência de projetos como a ‘Memória do Mundo’26, estabelecida pela 
UNESCO para documentar, preservar e disseminar o patrimônio contido nos arquivos e 
bibliotecas de todo o mundo (incluindo arquivos fonográficos, imagéticos e digitais), 
protegendo-nos ‘da amnésia coletiva’? 
Como as antigas musas, as novas expressões do Museu visam trazer à nossa 
presença aquilo que, sem elas, seria esquecimento; e pretendem não apenas presentificar o 
mundo no Museu, mas também presentificar, em processo, o Museu no mundo. Os 
próprios museus tradicionais tornam-se espaços multifacéticos, incorporando as 
tecnologias digitais de modo a reinscrever-se no âmbito do ‘maravilhoso’.27 
 
23 SERRES, Michel.Atlas. Col. Epistemologia e Sociedade. Lisboa, Inst. Piaget, s/d. 
24 _________ . Atlas. Op. Cit., p. 132 
25 Ver SCHEINER, Tereza. Imagens do Não-lugar. Comunicação e o Novos Patrimônios. Tese de 
Doutoramento. RJ: ECO/UFRJ, 2004. Cap. 03 
26 UNESCO. Memory of the World. Disponível em http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-
URL_ID=1538&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html. Em 16.04.2008. 
27 Lembramos, aqui, que o advento do museu virtual não diminui a importância cultural dos outros modelos: 
ao contrário, uma das marcas da contemporaneidade é o fortalecimento do museu tradicional enquanto 
modelo mítico, mais que nunca representativo da potência do capital. No tempo da imagética, o museu 
tradicional seduz pela presença do objeto. Na sua forma mais estável (as mostras ‘permanentes’), é um 
espaço de encontro, de congregação de pessoas, de reunião; e também o cenário privilegiado da novíssima 
burguesia - que, não tendo palácios onde congregar sua corte, realiza no museu seus ritos sociais: 
formaturas, aniversários, casamentos, saraus. Na sua forma deambulatória, multiplica-se em exposições 
 14 
Presentificação e documentação, através das tecnologias digitais... mas seria isto a 
virtualidade? Não necessariamente, pois o uso dos multimeios e das novas tecnologias em 
espaços musealizados em nada modifica o fato de que esses museus serão, ainda assim, 
representações de modelos instituídos na modernidade... 
Como já havíamos afirmado em trabalhos anteriores, Museu virtual é o que ganha 
corpo e forma na tela do computador, e tanto pode ser resultado do trabalho de um só 
autor ou de uma colagem multiautoral. O importante é perceber, aqui, uma nova forma de 
potencia: a de permitir que cada individuo possa ter consigo a síntese do Museu desejado: 
não apenas a recriação virtual de um objeto ou coleção, mas também a fachada de um 
museu, ou o percurso de uma exposição. “Desterritorializado, este é o museu do não-lugar 
– e simultaneamente, de todos os lugares, pois entra em rede e alcança o mundo em tempo 
real”28. Ele é a antítese da cultura de massa, pois acessá-lo é um ato isolado, que depende 
dos tempos e espaços perceptuais de cada individuo; mas permite uma forma inusitada de 
ligação: a do individuo com a sua própria capacidade criativa. Permite, ainda, que se 
vivencie o museu como processo, facilitando a percepção das demais expressões do 
fenômeno Museu. 
Entre os exemplos possíveis, nenhum parece ser mais adequado para exemplificar 
este caráter processual do que o Museu Temporário da Mudança Permanente (The 
Temporary Museum of Permanent Change),29 um projeto participativo de base 
comunitária, desenvolvido na cidade de Salt Lake City, Utah, Estados Unidos, para 
abordar o contínuo processo de mudança que ocorre no meio urbano. É um museu plural 
em todos os seus aspectos: articula produção de vídeos, arte visual, arqueologia urbana, 
história e antropologia locais, exposições de rua, bem como processos de construção e 
desconstrução arquitetônica, “num continuado esforço paraadministrar e celebrar a 
mudança”30. Não tem endereço específico, constituindo ‘um apanhado de idéias’ 
representativas dos processos de mudança da cidade, veiculadas essencialmente em meio 
 
itinerantes, simulacro da cultura desterritorializada dos nossos dias: protegidos pela tecnologia, acervos 
cruzam o mundo, e hoje é possível mostrar, simultaneamente, Monet no Rio de Janeiro e o índio amazônico 
em Paris. Assume, ainda, seu lado dionisíaco, fazendo-se perceber como espaço de desordem – através de 
instalações, representações efêmeras, ou mesmo pela incorporação do que a Psicologia entender por ‘temas 
malditos’. 
28 O museu virtual não tem modelo, ele se recria continuamente, acionado pela vontade de seus criadores. 
Pode ainda existir nos pequenos aparatos individualizados da ‘realidade virtual’ - que, colocados na cabeça 
de um indivíduo, literalmente o projetam para dentro da imagem. Existir na imagem, ser ele mesmo um 
corpo virtual, estar num não-tempo, num não-lugar - eis o desejo absoluto do homem contemporâneo. Pois 
estar no mundo absurdo do simulacro representa a imortalidade. SCHEINER, Tereza. As bases ontológicas 
do Museu e da Museologia. Op.Cit. 
29 www.museumofchange.org 
30 Ibid. 
 15 
virtual; mas suas ‘pegadas’ se encontram no centro urbano da cidade. Com um discurso 
atualizado e pleno de charme, o museu estende a todos um convite: “Sempre mudando – 
sempre aberto – veja você mesmo”31. E sugere que façamos o download de um tíquete de 
entrada. Ao fazê-lo, lemos o termo de admissão: “admitimos temporariamente a sua 
paixão pela mudança”... 
Percebemos, aqui, o Museu na sua face mais verdadeiramente contemporânea: a 
que o instaura como sistema semiológico, ou acontecimento – essencialmente vinculado à 
irrupção do novo, sem que necessariamente aconteça enquanto forma (pré)dada, 
representação no tempo ou presença materializada no espaço. Ou algo que pode ser 
simultaneamente todas essas coisas. 
 
E como ficariam os processos curatoriais, frente a essas realidades? Ora, onde 
sempre estiveram: no lugar de dispositivos técnicos, segundo os quais se realizam as 
funções intrínsecas a cada um desses tipos de Museu. São eles que garantem a sua 
existência e legitimidade, e através deles podemos reconhecer como os museus evoluem 
no tempo – mesmo que seja em tempo real. No museu tradicional (qualquer seja a sua 
forma), esses processos estarão sempre sob o controle absoluto do especialista e terão 
como ‘norte’ um público conhecido pela estatística; nos museus comunitários, ou 
ecomuseus, serão objeto de infinitas negociações entre especialistas e comunidades, 
usuárias, elas mesmas, desses museus; nos museus virtuais, serão o resultado de 
interessantes e complexas interfaces entre especialistas, comunidades localizadas no 
espaço geográfico e indivíduos que atuarão simultaneamente como criadores e usuários, 
como parte da incomensurável comunidade que acessa a rede. 
Por trás de todos esses processos, de todas essas dinâmicas, permanece o 
movimento que deu origem ao mito das Musas, e que é a essência do próprio Museu: a 
necessidade de presentificar a experiência humana, para que ela não caia na noite do 
esquecimento. 
 
Las Vegas, abril de 2008 
 
31 Always changing – always open – see for yourself. 
 
 16 
 REFERENCIAS 
 
JEFFERS, Carol S. Museum as Process. Disponível em 
http://muse.jhu.edu/demo/the_journal_of_aesthetic_education/v037/37.1jeffers.html Em 12.04.2008 
HESÍODO. Teogonia. A origem dos deuses. Estudo e trad. Jaas Torrano. RJ, Bibl. Pólen, 
Iluminuras, 1991 
MAURE, Marc. Nation, Paysan et Musée. La naissance des musées d’ethnographie dans les pays 
scandinaves (1870-1904). Disponível em http://terrain.revues.org/document3065.html#tocto2. Em 
15.04.2008 
SCHEINER, Tereza C. Apolo e Dioniso no Templo das Musas. Museu: gênese, idéia e 
representações nos sistemas de pensamento da sociedade ocidental. Dissertação de Mestrado. 
ECO/UFRJ, 1997. 
_________ . As bases ontológicas do Museu e da Museologia. In: Museología, Filosofía e 
Identidad en América Latina y el Caribe / Museologia, Filosofia e Identidade na América 
Latina e Caribe. VIII ICOFOM LAM. RJ, Tacnet Cultural Ltda., 2000. CD. p. 138-183 
________ . Imagens do Não-lugar. Comunicação e o Novos Patrimônios. Tese de Doutoramento. 
RJ: ECO/UFRJ, 2004 
________ . On Museum, Communities and the Relativity of it All. In: ICOM/ICOFOM. 
Symposium Museum and Community ICOFOM Study Series no. 25, II. Stavanger, Norway: 
July 1995. p. 95-98 
________ . Repensando os Limites do Museu. Editorial. Boletim ICOFOM LAM, Ano III no. 
6/7, dez. 92/abril 93, p. 1-2. 
SERRES, Michel.Atlas. Col. Epistemologia e Sociedade. Lisboa, Inst. Piaget, s/d. 
STRINGER, Jacob. Visual Art / Work in Progress: The Temporary Museum of Permanent Change 
chronicles a city in flux Disponível em http://www.slweekly.com/index.cfm?do=article.details&id=A7B0DF81-C9A0-
130D-7F01003C1991C48C. Em 16.04.2008. 
THE TEMPORARY MUSEUM OF PERMANENT CHANGE. Disponível em 
http://www.museumofchange.org/events/storyprojects.php Em 16.04.2008 
UNESCO. Memory of the World. Disponível em http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-
URL_ID=1538&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html. Em 16.04.2008 
VERNANT, J. P. As Origens do Pensamento Grego. Trad. de Isis Borges B. da Fonseca. RJ, 
Bertrand Brasil, 9ª ed. 1996 
 
 17 
RESUMO 
Analisa o Museu como fenômeno, a partir de sua origem mítica, estabelecendo a diferença entre os 
processos curatoriais e a essência do Museu como processo. Enfatiza que não é possível tratar dos 
processos curatoriais sem definir que idéia de museu lhes serve de fundamento. O que move os 
museus no tempo e lhes assegura a existência está muito além da presença de acervos, da 
excelência técnica ou do interesse dos públicos: está na sua própria essência enquanto 
representação simbólica, e na sua intrínseca – e constante – capacidade de transformação. 
Poderosa representação simbólica, o Museu traduz os valores de diferentes sociedades, no tempo e 
no espaço; em cada uma de suas manifestações, adota a face de seu criador. O estudo do Museu é 
o principal objeto da Museologia, disciplina cujos fundamentos teóricos vinculam-se ao 
reconhecimento do caráter plural do Museu; à percepção de que ele se dá em processo; e à análise 
dos processos de musealização, sobre os quais se instituem os processos curatoriais. Entre as 
muitas manifestações do Museu que se delineiam hoje, é preciso buscar compreender como o 
Museu está sendo – e quais os movimentos que o identificam, como voz da contemporaneidade: 
sobretudo como instancia imagética, que se realiza na virtualidade e no espetáculo. 
Palavras-chave: Museu. Museologia. Fenômeno. Processo. Transformação. 
 
ABSTRACT 
Analysis of the Museum phenomenon, from its mythical origins, establishing the difference 
between curatorial procedures and the essence of the Museum as a process. It is not possible to 
approach curatorial procedures without defining which idea of museum lies behind them. That 
which moves museums in time and assures their existence goes much beyond the presence of 
collections, of technical excellence or public interest: it lies in the essence of museums as symbolic 
representation, and in their intrinsic – and constant – capacity of renovation. As a powerful 
symbolic representation, the Museum translates the values of different societies, over time and 
space; and in which of its manifestations, it adopts the face of their creators. The study of the 
Museum phenomenon is the main object of Museology, a discipline which theoretical foundations 
refer to the recognition of the plural dimension of the Museum; to the perception that the Museum 
is aprocess; and to the analysis of the process of musealization, over which the many curatorial 
procedures are instituted. Among the many manifestations of the Museum in present times, it is 
necessary to understand how the Museum is – and by which movements it may be identified, as a 
voice of contemporary times: mainly as imagetic sphere, realized through virtuality and 
spectacularity. 
Keywords: Museum. Museology. Phenomenon. Process. Transformation. 
 
 
 18 
DADOS DO AUTOR 
Tereza Cristina Scheiner 
 
Mestre (1998) e Doutora (2004) em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
Bacharel em Museologia, Museu Histórico Nacional (1970), Licenciada e Bacharel em Geografia, 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1977/78). Professor Associado 1 da Universidade 
Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Coordenadora, Programa de Pós-Graduação em 
Museologia e Patrimônio - UNIRIO/MAST. Ex-Diretora, Escola de Museologia. Diretora, Tacnet 
Cultural Ltda. Membro do Conselho Executivo do International Council of Museums - ICOM. Ex-
Presidente, Comitê Internacional de Museologia – ICOM/ICOFOM. Criadora e Consultora 
Permanente do ICOFOM LAM. Membro do Comitê Editorial, International Journal of Intangible 
Heritage. Pesquisador, Université Jean-Moulin Lyon 3. Consultor ad hoc do Conselho Nacional de 
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Membro do Comitê Científico do Museu 
Paraense Emílio Goeldi. Membro do Conselho Consultivo da Revista Jovem Museologia. Membro 
do Comitê Internacional de Formação de Pessoal para Museus – ICTOP/ICOM. Tem experiência 
na área de Museologia, com ênfase em Teoria da Museologia e em Teoria e Desenvolvimento de 
Exposições. Atua principalmente com os seguintes temas: museu, museologia, sociedade e 
desenvolvimento, educação ambiental e formação do museólogo.

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