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HISTÓRIA DA ARTE E DO DESIGN AULA 2 Profª Débora Jordão Cezimbra 2 CONVERSA INICIAL Anteriormente, compreendemos o amplo período histórico a que se refere o início da História da Arte (entre 35 mil e 500 anos a.C.). Abordamos o Paleolítico Superior e as inscrições em caverna, apresentando o estilo de vida de nossos ancestrais, suas técnicas e temas desenhados, assim como a arte no Neolítico e na Idade dos Metais e as primeiras manifestações da linguagem escrita. O legado deixado pelos antigos egípcios com seu culto às “divindades faraônicas” e a técnica de desenho da figura humana por aquilo que era considerado sua melhor vista – a lei da frontalidade – com uma estrutura quase matemática na composição das cenas e das mensagens, com ordem e exatidão. Nos povos da Mesopotâmia há a continuidade dos princípios egípcios, porém mais rudes na expressão e com a diferença de falarmos agora de homens reais, fortes, bravos e mortais. Seus relevos em paredes, ainda que duros se comparados aos seus contemporâneos, remetiam a uma vida comum, mas repleta de misticismos e animais alados. Finalizamos a aula introduzindo a história dos povos do mar Egeu e que prenunciaram a nova, e ouso dizer, entre das mais belas formas de arte e que iniciamos agora nesta aula. Compreendermos a relevância da cultura grega – mesmo que múltipla nas referências muito original nos modos –, que nos possibilita a leitura da arte nos mais de 2 mil anos que a sucederam. Na História da Arte veremos que o referencial grego tanto foi copiado como muitas vezes oposto na representação artística. Propomos que você contraponha, durante esta aula, o percurso da arte nos períodos pré e pós-civilização grega, sua influência na cultura de Roma e as características da expressão artística cristã até o período Gótico, e inclusive ir além, aos ideais artísticos que permeiam hoje a nossa arte contemporânea. CONTEXTUALIZANDO A Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), arqueólogo e historiador da arte, alemão do período Neoclássico, atribui-se a célebre frase de que deveríamos “imitar os antigos”, em referência aos modelos de arte gregos. Precisamos, contudo, entender o conceito de imitação (mímese) a partir de Platão e Aristóteles e seus aspectos na Filosofia da Arte. Para Platão, a imitação refere-se ao mundo sensível, ao qual o homem se conecta por meio 3 dos sentidos. Tomemos como exemplo o elemento cadeira e quantas outras cadeiras reais existem, bem como as diferenças formais entre elas. Existiria então uma cadeira única e universal e que abrangesse todas as outras, talvez um assento, um encosto e quatro pernas? Temos então a ideia essencial (eidos) de uma cadeira, o elemento universal e imutável, e a suas representações em objeto, ou imitação, no mundo sensível. Compreendamos que, para Platão, a natureza (sensível) já é uma imitação do eidos de natureza, portanto, o artista que copia a natureza está imitando uma imitação. Aristóteles se aprofunda e se contrapõe a Platão em aspectos diversos e interessantes sobre a arte, como imitação, sendo essa a produção de algo (em vista dos fins) e em constante transformação, um processo, assim como a natureza também o é. Assim, a imitação na arte passa a ser uma reprodução “de certo modo purificada e depurada” (Lemos, 2009). Para Galé, o que Winckelmann se referia quanto a imitar os antigo não se referia a cópia de suas figuras tão bem aprimoradas, mas sim sobre despertar em nós, a partir da observação das obras gregas – principalmente na escultura – que a beleza estava na contínua “formação do homem na Grécia. O seu corpo era reflexo de um modo de pensar e de atuar em relação ao mundo e à natureza [...]” uma construção (Galé, 2016, p. 115). TEMA 1 – A ARTE NA GRÉCIA ANTIGA A arte micênica e minoica manteve-se permanente na história mais pelas lendas repassadas por meio dos dialetos gregos do que pela cultura material desses povos, pouco preservada pelas invasões. Contudo, foram os seus modelos os potencializados pela civilização que seguidamente ocupou as diversas ilhas do mediterrâneo, os gregos. As pinturas dos períodos anteriormente estudados, assim como os relevos e os afrescos, eram adornos da arquitetura e estavam submetidas a ela, não existindo uma pintura per se (Proença, 2005). Na arte grega essa mudança ocorre na aplicação de técnicas de pintura em vasos de cerâmica. Para Maciel (1988), o vaso é um elemento de forte simbolismo na história e para os gregos além das funções práticas do dia a dia servia como componente religioso com pinturas e temas míticos, como o de Aquiles e Ajax jogando damas. Essas técnicas em cerâmica eram denominadas de Figuras Negras e Figuras Vermelhas (aproximadamente 540 a 500 a.C. – Período Arcaico). As primeiras eram pintadas em tom escuro sobre 4 a base cerâmica e os detalhes eram “riscados”, supostamente com ferramentas com ponta fina. Na segunda, com a técnica invertida, os elementos mantinham a cor do fundo cerâmico e sendo então o entorno pintado em negro, dessa forma tornava-se mais fácil compor os detalhes das figuras anteriormente riscadas. Nesse período a pintura ainda mantinha a preocupação com contornos e planos bem definidos; contudo, já se prenunciavam nos temas a intenção do artista quanto às emoções, ao “estado de espírito” das figuras representadas. Figuras 1 e 2 – Ânforas antigas de Figuras Negras e Figuras Vermelhas Créditos: Olemac/Shutterstock. Ainda se percebe os princípios egípcios da frontalidade, contudo, o pintor grego começa a confiar em suas observações representando agora os elementos por sua visão real, mesmo que não a mais favorecida, assim como o uso do desenho em escorço, ou a noção de que os objetos vistos de frente são menores do que parecem. O princípio da perspectiva e a diferença de tamanho entre os elementos da figura e do fundo ainda não aparecem nos murais gregos e posteriores romanos, sendo realmente explorada a partir do Renascimento. Quanto às figuras, nota-se a preocupação com as junções anatômicas e a continuidade no estudo dos movimentos com os pés não mais firmemente ao chão. O artista grego não se dava por satisfeito com seus resultados, buscando sempre aperfeiçoar as suas figuras (Gombrich, 1981; Jason, 1996). Para Winckelmann (citado por Bornheim, 1974): […] entre todos os povos antigos, os gregos foram os únicos que atingiram o pleno desenvolvimento de sua forma, e, por isto, o esplendor maior da natureza. A perfeição foi tal, que o divino, 5 poderíamos dizer, tornou-se sensível; a natureza grega – humana – era tão perfeita, que nela podia-se ler o traço da mão divina. A educação e o condicionamento geral da cultura grega ofereciam ao artista um tal esplendor da natureza, que seu ato criador se processava em condições excepcionalmente felizes. O entusiasmo de Winckelmann radica precisamente nessa coincidência entre a natureza e o eidos; assim compreende ele a natureza grega. (Bornheim, 1974, p. 153) Enquanto no Egito, e até mesmo na história das civilizações da Mesopotâmia, o artista é um escravo, anônimo, subordinado ao poder de governantes e monarcas, na Grécia antiga o artista tinha sua arte como ofício e mesmo pertencendo às classes sociais menores possuía representação social e voz nas cidades (pólis grega). Durante o percurso entre o estilo arcaico para o clássico o artista grego passa a ampliar seu status social, alcançando no período helenístico o reconhecimento. Sua obra passa a ser assinada e possuir valor material aos ricos e colecionadores, como nas pinturas e nos afrescos de Pompeia no período helenístico (Gombrich, 1981; Proença, 2005). Figura 3 – Afresco de Hércules em Pompeia (aproximadamente 79 d.C.) Créditos: Blackmac/Shutterstock. Mesmo considerando que na época os pintores eram mais populares que os escultores,é nesda arte que verificamos o ideal e a expressão da beleza do provo grego. No período arcaico o escultor demonstrava a preocupação presente na arte do Egito e figuras com seu peso igualmente distribuído, como nas estátuas de Kouros (homens nus em pé) expostas no Museu Arqueológico de Atenas e de Delfos. As figuras femininas eram esculpidas e pintadas vestidas e seus corpos delineados por debaixo dos tecidos com drapejamentos graciosos. Contudo é no período clássico, e com apogeu da democracia ateniense, que esse povo desenvolve o estilo até hoje 6 referenciado. A escultura nesse período prezava pelo pouco, evitando a afetação dos sentidos. É certo que as possibilidades de observação dos corpos atléticos eram muitas devido à popularidade dos Jogos Olímpicos, mas o artista buscava transmitir a maneira como os “sentimentos impactam o corpo em ação”, “a atividade da alma”, como visto no Discóbolo, na cópia romana do escultor Myron (aproximadamente 450 a.C.) (Gombrich, 1981). A beleza na escultura clássica estava naquilo que era divino, e a simples imitação do real a partir da observação de um homem em particular se distanciaria desse ideal. A escultura no período clássico não possuía somente o caráter de retratar deuses ou feitos heroicos, mas sim a vontade, o desejo de uma alma viva e que é também racional – constrói seu conhecimento por meio da razão –, com feições contidas e de uma natureza bela, elevada e universal. Figura 4 – Estátua de Apollo de Belvedere. Réplica em mármore do original em Bronze. Museu do Vaticano Créditos: Pandapaw/Shutterstock. Diferente ocorre na escultura do período helenístico, as fisionomias passam a evidenciar as características particulares e a assimetria entre os lados da face, como no retrato de Alexandre Magno, feito pelo artista Lisipo (Museu Arqueológico de Istambul), estilo de retrato copiado depois pelos romanos. Amplia-se também a sensação de mobilidade das figuras e que devem ser belas por seus múltiplos pontos de vista, e também se modificam as posições das pernas em relação ao tronco e aos braços. A forte carga dramática também está presente no período, como na estátua Lacoonte e seus filhos (Gombrich, 1981; Proença, 2005). 7 Figura 5 – Lacoonte e seus filhos. Museu do Vaticano Créditos: Gabriele Gelsi/Shutterstock. 1.1 A arquitetura na arte grega Na arquitetura evidenciam-se as três ordens, ou sistemas arquitetônicos: Dórica, Jônica e Coríntia. Novamente conjetura-se que as construções seguiam os modelos egípcios de templos em pedras estruturados por grandes colunas, contudo tais estruturas na Grécia se orientam aos espaços externos onde ocorriam cerimônias religiosas, assim como o teatro. Atribui-se também que no início tais estruturas eram reconstruídas em bases de madeira proveniente das antigas colunas micênicas (Gombrich, 1981; Janson, 1996). A diferença entre as ordens, além do período em que surgem e estruturas, está principalmente nos povos de que se originam. Enquanto os “dórios são mais rudes e secos”, os jônios eram mais afeitos aos “aspectos decorativos”, a ordem coríntia pouco se diferencia da jônica, sendo o capitel mais adornado e com “folhas de acanto” (Monterado, 1978). A escultura também era um elemento que acompanhava a arquitetura e onde as estátuas pareciam nascer e sustentar as arquitraves, as vigas sobre os capitéis ou colunas. 8 Figuras 6 e 7 – Acrópole de Atenas. Partenon e Pórtico das Cariátides Créditos: Kozer/ Dibitonto/Shutterstock. Saiba mais Para maior detalhamento da estrutura e capitel das ordens arquitetônicas tratadas, sugere-se o acesso ao sítio eletrônico Portal 44 Arquitetura. Disponível em: <http://44arquitetura.com.br/2018/08/ordens- classicas-arquitetura/>. Acesso em: 25 mar. 2020. TEMA 2 – O IMPÉRIO ROMANO Os romanos são conhecidos pelo seu espírito prático e organizado e por ser um povo hábil no campo da engenharia de construções e da funcionalidade das cidades, com termas para higiene, praças, espaços para reuniões, teatros e bibliotecas, grandes e imponentes. De fato, muito da arte em Roma estava nos referenciais gregos helenísticos, mais pela admiração pela arte desses conquistados do que por uma suposta incapacidade de criar um estilo próprio; pelo contrário, os feitos dessa civilização, mesmo distantes da arte e da filosofia, determinaram o marco fim da história do mundo antigo (Monterado, 1978). Outra importante referência e que também formam as bases da linguagem artística e civilizatória dos romanos são os povos da Etrúlia (etruscos) e que habitaram as regiões da Itália entre os séculos XII e VI a.c. Também é desse povo o aprimoramento do arco de plena volta e o uso de abóbodas nas edificações (Proença, 2005). A escultura dos etruscos, que coincide com o período arcaico grego, possui feições fortes e os corpos com musculatura robusta, estando preservadas em túmulos funerários. http://44arquitetura.com.br/2018/08/ordens-classicas-arquitetura/ http://44arquitetura.com.br/2018/08/ordens-classicas-arquitetura/ 9 Figura 8 – Escultura etrusca – sarcófago de Chiusa, aproximadamente 500 anos a.C. Créditos: Wjarek/Shutterstock. Talvez a mais conhecida referência deste povo esteja na escultura Loba Capitolina das lendas que envolvem a criação da cidade de Roma (Monterado, 1978; Janson, 1996). Na arquitetura, os romanos empregam os arcos de plena volta com a vantagem de necessitarem de número de menor de colunas pela menor tensão deste quando comparado à viga tradicional. Isso tornava os espaços mais livres para circulação, diferente do que se via nos templos da Grécia (Proença, 2005). A planta dos templos romanos era retangular ou circular, como a do Panteão, um templo pagão destinado aos diversos deuses romanos e que se equivaliam as divindades gregas. As basílicas e os anfiteatros também são construções típicas romanas, sendo a segunda baseada no teatro grego, mas ocupando agora toda a área circular ao redor de uma arena, como no Coliseo, que atendia uma das favoritas atividades deste povo, a luta entre gladiadores. Essa arena é composta por três andares de galerias e arcos sobrepostos, adornados com meias-colunas – que não lhes serviam à sustentação – com as três ordens gregas – no primeiro, a dórica; no segundo, jônica; e no último, a coríntia. Essa arquitetura que combina os estilos grego e romano foi tão significativa que é até hoje revisitada em novas construções (Gombrich, 1981). 10 Figura 9 – Coliseo em Roma Créditos: David Wayne Buck/Shutterstock. Saiba mais É possível visualizar outros exemplos e desenhos esquemáticos dos arcos de plena volta e abóbodas no sítio eletrônico História da Arte e Arquitetura. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/891364/capiteis- da-antiguidade-classica-entenda-a-diferenca-entre-as-cinco- ordens#:~:text=Em%20linhas%20gerais%2C%20h%C3%A1%20cinco,e%20co mp%C3%B3sita%2C%20de%20car%C3%A1ter%20romano>. Acesso em: 25 mar. 2020. Vale já a reflexão que o período artístico que segue a história de Roma, Bizâncio e na Idade Média, constituiu-se de uma época quase que toda orientada à arquitetura e construção de igrejas e mosteiros e a grande expressão “de arte”, se assim podemos referenciar o período, estava quase toda em domínio da religião católica e ortodoxa cristã. Na pintura os afrescos preservados em Herculano e Pompeia apresentam técnica de desenhos de cenas de paisagens, às vezes com grandes janelas, o que permitia a amplitude dos espaços (Figura 3). Inicialmente eram feitos sobre uma camada de gesso simulando o mármore branco, sendo a técnica depois abandonada. Tais cenas eram emolduradas, delimitando a área da pintura (Proença, 2005). Os retratos do período helenístico também foram explorados em Roma (escultura e pintura), assim como os bustos de grande realismode feições e até mesmo as imperfeições 11 dos retratados. Podemos dizer até mesmo que tinham caráter documental e histórico conservando a imagem tanto do cidadão comum de Roma, como funcionários do governo e imperadores (Janson, 1996). Os relevos se apresentam na forma de narrativas, como no Aras Pacis e nas Colunas de Trajano, que tratam das batalhas e da vitória desse imperador sobre a Dácia. Mesmo fazendo uso dos estilos aprimorados da arte egípcia e grega a narrativa reporta eventos dramáticos de uma campanha militar, deixando claro que a “harmonia e a beleza da expressão” não era o mote na arte dos “conquistadores do mundo” (Gombrich, 1981). Figuras 10 e 11 – Coluna de Trajano em Roma e Detalhe dos relevos Créditos: Grafalex/Conde/Shutterstock. TEMA 3 – SIMBOLISMO NA ARTE PALEOCRISTÃ A arte paleocristã, ou arte cristã primitiva, designa a expressão artística dos cristãos durante o Império Romano, e que vem a exercer forte influência simbólica na arte da época. Tem-se que essa forma de arte existiu em tempos anteriores, porém em maior volume de conservação estão as do período do império, como visto nos murais preservados em Dura-Europos e hoje expostos no Museu Nacional de Damasco. No início os cristãos compunham as minorias, uma população pobre, escravos e mulheres, e que enxergavam na crença em um deus único e igualitário uma contradição às regras romanas de obediência à divindade do imperador (Proença, 2005). De certa forma a cultura plural dos romanos sempre permitiu a liberdade religiosa dos povos conquistados e a perseguição aos cristãos, comum nos primeiros séculos do Império, se dava muito mais por questões políticas e econômicas – até mesmo pelo pouco entendimento sobre suas crenças – do que pela fé que promulgavam. Dessa forma, a arte cristã 12 inicialmente se expressa quase que escondida nas tumbas subterrâneas, sendo também denominada de Arte Catacumbária (Bilheiro, 2008; Cedilho; Sousa, 2013). Figura 12 – Afresco cristão em catacumba. Via latina, Roma Créditos: Isogood_Patrick/Shutterstock. Somado ao fato de os teóricos atribuírem a autoria da arte cristã a pessoas comuns e não a artistas, temos a impressão de se tratar de uma arte pouco habilidosa, quase rude (Gombrich, 1981); contudo, com forte teor narrativo e o uso de mensagens simbólicas, característica reforçada quando da vigência da Disciplina do Arcano e o costume de não representar de forma explícita os “mistérios da religião” (Bilheiro, 2008). A linguagem narrativa por meio de ícones (abstrata) estrutura-se num discurso – por símbolos ou imagens – com significado e contexto próprios (Maciel, 1988), igualmente os já visto nos vasos da Arte Geométrica. Figura 13 – Símbolo Chi Rho esculpido em pedra. Mosteiro da Transfiguração 13 Créditos: Sergey Berestetsky/Shutterstock. Mesmo sendo uma reprodução atual, observa-se no crismão o enfoque simbólico no período cristão antigo. O uso das letras X e P para a palavra grega ΧΡΙΣΤΟΣ (Cristo) e o círculo associado ao deus sol Helius, muito comum no halo das figuras da arte cristã (Cedilho; Sousa, 2013). O peixe (Ιχθισ) é outro símbolo comumente representado e se origina a partir do anacrônico Iesus Christos Theou Uios Soter, assim como a âncora, o pão, a cruz gamada e a figura do Bom Pastor (Monterado, 1978; Proença, 2005). Os dogmas judaicos e descrições do Velho Testamento sempre censuraram o uso e adoração de imagens como ídolos, o que se manteve no início da arte e crença cristã, e que era bem comum nas demais culturas pagãs antigas. Contudo no transcurso da história da arte vemos o hibridismo entre estas duas culturas (pagã e cristã), tanto em Roma quanto nos povos nórdico, saxão e celta e na adoção e expansão da doutrina cristã durante a história. Sobre os temas, a arte primitiva cristã propagava certo “caráter didático, buscando evidenciar os benefícios da nova fé”. Para Cedilho e Sousa (2013) esta arte se afasta dos modelos clássicos (greco-romanos) para poder assim evidenciar a história e a moral por detrás dos temas (normalmente os evangelhos), retirando os excessos do realismo e mantendo somente o essencial, isso de fato já se observava na expressão artística no Egito. TEMA 4 – ARTE CRISTÃ BIZANTINA A Arte Triunfal, ou Arte Bizantina, se refere à arte cristã primeiramente quando da liberdade de culto pelo imperador Constantino (311 d.C.) e posterior adoção do cristianismo como religião oficial, e única do estado, pelo imperador 14 Teodósio (380 d.C.). Com isso se fez necessário ofertar espaços que reunissem o cada vez maior número de fiéis para a celebração litúrgica, inaugurando uma diferente concepção de templo se comparado aos antigos espaços pagãos, voltados à vivência em áreas externas, como os dos gregos. Agora nesse novo modelo romano ocorre o “se fechar para o seu interior”. No início as construções romanas eram planejadas para atender o crescente número de habitantes da cidade, com temperaturas menores que as do mediterrâneo e a presença próxima de animais e vida selvagem (Gombrich, 1981). Até mesmo o Panteão seguia os princípios arquitetônicos das casas de banho, onde o grande orifício do domo possuía a função de troca entre temperatura externa e interna; contudo, são as basílicas que vêm a fundamentar o estilo de construção que agora seria seguido, o voltado para as igrejas. Figura 14 – Basílica de São João Evangelista, Ravena, aproximadamente 500 d.C. Créditos: Claudio Zaccherini/Shutterstock. As basílicas, com plantas estruturadas em um grande átrio central, ou nave, com alas (asas) laterais – separadas por colunas – e um pequeno espaço semicircular ao fundo, o altar ou coro, e para onde todos deveriam dirigir sua atenção (Gombrich, 1981), são modelos arquitetônicos que surgem no governo de Constantino (sec. III d.C.). Seu interior, antes com a simplicidade do paleocristão, foi tornando-se suntuoso e originando o termo 15 desse período o de “arte triunfal”. Constituía-se, além das colunas, de arcos e domos majestosos, com paredes e tetos ornamentados em pinturas e o inconfundível mosaico bizantino. Inicialmente, na Grécia e Roma os mosaicos eram utilizados no chão e a desvantagem das pedras com cores limitadas, mas na arte Bizantina adota-se a tessela em vidros formando cenas pela tonalidade (normalmente terrosos, amarelos e verdes) e brilho luminoso característico do material. Figura 15 – Basílica de São João de Latrão, Roma, consagrada em 324 d.C. e finalizada em 1735 d.C. Créditos: Bill Perry/Shutterstock. O mosaico mantinha, como na pintura do período, as figuras mais chapadas quanto ao fundo e na arte religiosa eliminou-se o naturalismo dos gregos, agora com figuras solenes e representadas quase que totalmente de frente, seguindo certo ordenamento hierárquico dentro dos planos da imagem e normalmente com semblantes suaves (quase apáticos para alguns teóricos) inclinando-se mais às emoções contidas, quase etéreas, do que aos atributos físicos e em alguns exemplos, na riqueza material e dos ambientes do representado, como nos mosaicos do reinado de Justiniano (séc. VI d.C.) que restaurou o domínio do oriente sobre o ocidente e a magnitude do império (Monterado, 1978; Jason, 1996). 16 Figura 16 – Mosaico da Imperatriz Teodora, Basílica de São Vital Créditos: Spatuletail/Shutterstock. As esculturas nunca foram bem aceitas na arte cristã pelo já conhecido repúdio à idolatria das imagens, o que mais tarde resultou em disputas políticas e religiosas entre o Ocidente e Oriente ortodoxo e com os Iconoclastas que exigiam o uso de paisagens e cenas de caça (séc. VIII d.C.), resultando na destruição de grande parte do acervo artístico religioso do período (Monterado, 1978; Janson, 1996). No Ocidente latino coube ao Papa Gregório (séc. VI d.C.) a aberturaàs pinturas como forma de “memorizar os episódios sagrados” para ensinar aos fiéis, que na maioria não dominavam a escrita e a leitura (Gombrich, 1981) e dando continuidade à tendência educativa, já presente na arte cristã primitiva. TEMA 5 – DO CAROLÍNGIO ÀS CATEDRAIS GÓTICAS A queda do Império Romano do Ocidente (sec. IV d.C.), que ocorreu devido às constantes invasões bárbaras, iniciou o que conhecemos como Idade Média, a qual perdurou até a tomada de Bizâncio – capital do império ocidental – pelos turcos otomanos em 1453. Como visto anteriormente durante o período ocorre o predomínio e expansão de uma expressão artística religiosa cristã e pouco surgindo em termos de renovação que não estivesse submetida aos dogmas e às imposições da Igreja, tendo que a produção de arte, assim como as oficinas de aprendizagem, estava em mosteiros limitados em estrutura e recursos. As construções públicas eram as igrejas e a arquitetura, pintura e 17 escultura atendiam a elas. As plantas das basílicas em forma de cruz e pavimento único, construídas em áreas isoladas de campos e que serviam também à prática das peregrinações religiosas, substituem as da decadente capital romana com transferência da riqueza à produtividade agrícola e aumento do poderio dos feudos. Com a influência dos ornamentos animalísticos dos bárbaros (império do Ocidente) e o detalhismo dos árabes (império do Oriente) a arte do período se funde principalmente nos materiais (marfim, tecidos, vidrado, bronze e madeira) e nas técnicas (mosaico, iluminura, miniaturas), contudo, os temas continuam a retratar os textos bíblicos e assim permanecendo até o fim da Idade Média e início da arte gótica com a ascensão da burguesia. Interessante notar que nesse período de mil anos a figura humana foi muito pouco representada, abandonando-se então o estudo e aperfeiçoamento de suas formas, limitando seu apogeu à arte grega e romana (Monterado, 1978; Jason, 1996; Proença, 2005). Nos mosteiros também se desenvolve a arte minuciosa dos manuscritos (manuscritos medievais) tendo com o imperador Carlos Magno (fim do séc. VII d.C.) o incentivo à reforma e às atividades culturais, a arte e a escrita e o retorno das figuras, numa tentativa de retomada da antiga civilização romana e que denominou-se de Renascença Carolíngea (Monterado, 1978). Os caracteres romanos eram empregados na reprodução dos textos bíblicos nos scriptoria, com ilustrações (iluminura) e uso das letras capitulares. Figura 17 – Manuscrito com iluminura e letra capitular (aproximadamente 1405) Créditos: Everett – Art/Shutterstock. 18 Além da beleza única, as iluminuras formaram uma considerável forma de produção e conservação da arte pictórica e dos referenciais clássicos durante a Idade Média, e um formato mais resistente se comparado aos afrescos. Nas capas temos alusão à tradição celta ocorrendo nos mosteiros da Irlanda o uso de metais e pedras preciosas cravejadas (ourivesaria) nas capas de livros, como no Evangelhos de Lindau (Janson, 1996). Forma similar e significativa de arte e que nos permite conhecer a cultura medieval são os Livros de Viagem, que misturavam o discurso narrativo, o itinerário e a importância das cidades, lendas e mitos (Lopes, 2006). Pelo aspecto histórico, relata H. W. Jason, os antigos egípcios já produziam “livros” em um material similar ao papel a partir das hastes do papiro, formando rolos (volumen) que iam sendo abertos conforme a leitura e sendo também empregados pelos povos do Oriente médio e hebreus, contudo, o contínuo desenrolar levava ao desgaste das figuras. No período Helenístico o uso do couro de animais (pergaminho) vem a permitir melhor a fixação dos desenhos assim como a dobra e as folhas, resultando nas primeiras formas de encadernação (codex). Nos últimos séculos da Idade Média e o fortalecimento da cultura por toda a Europa e de uma arte mais tarde denominada de Românica, que promulgava as referências artísticas do mediterrâneo, com uma pintura quase ausente de temas profanos e a imagem de Cristo representada em tamanho maior que as demais – similar ocorria com os faraós – e com estilo pictórico inspirado nas iluminuras (Proença, 2005), até a retomada e crescimento das cidades pela burguesia, e a arquitetura gótica com igrejas de ogivas altíssimas, rendilhados e abóbodas com nervuras e vitrais ricamente coloridos e rosáceas e a volta do realismo na pintura, mas agora numa arte novamente voltada às pessoas, como nos quadros dos irmãos Van Eyck, temos o prenúncio da grandiosidade da época que viria com o Humanismo e a Renascença. TROCANDO IDEIAS Para esta nossa aula você deverá criar um pequeno texto (wiki) com até 20 linhas argumentando sobre os princípios da arte cristã (primitiva, triunfal e nas iluminuras) e como esses mesmos princípios influenciaram a linguagem artística até o fim da Idade Média. Sugere-se o acesso a textos e materiais complementares para melhor confecção de seu argumento, pois ele será importante para a realização do “Na Prática”. 19 NA PRÁTICA Vamos agora realizar um exercício em que já poderá praticar as competências de um designer. Para isso você precisará de dois textos de apoio aqui sugeridos: “O caminho do manuscrito: do papiro à prensa de Gutenberg”, de Lídia Gomes, e “Um panorama sobre a evolução histórica da encadernação”, de Maria Aparecida Mársico (link para acesso está nas referências). A partir desses textos você deverá imaginar a criação de um livro com temática sobre as civilizações antigas, buscando solucionar: 1. Quais seriam o material e o formato empregados por você? 2. Utilizaria de quais caracteres? 3. E as imagens, quais escolheria e qual técnica utilizaria para compô-las e combiná-las com o seu texto? FINALIZANDO Nesta aula tratamos dos seguintes conteúdos: • A importância da arte na Grécia Antiga e como o ideal de beleza foi ali esboçado e copiado pela civilização romana. • Como os romanos construíram suas cidades e arte. • A arte cristã primitiva e seu aspecto simbólico, simples e sagrado nos temas. • A riqueza da arte triunfal cristã e como essa linguagem se desenvolveu em uma era de enfraquecimento cultural e disputas religiosas. • Como se desenvolveram os primeiros livros desde o mundo antigo e como suas características e formato foram determinados nesses períodos. 20 REFERÊNCIAS BILHEIRO, I. Arte Semântica dos primórdios do Cristianismo: a Disciplina do Arcano e o Simbolismo Cristão. In: Revista Urutágua, Maringá, n. 15, abr./jul. 2008. BORNHEIM, G. A. Introdução à leitura de Winckelmann. In: WINCKELMANN, J. J. Reflexões sobre a arte antiga. Porto Alegre: Movimento, 1974. p. 153. Disponível em: <https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp- content/uploads/2017/01/BORNHEIM-G.-Introducao-a-leitura-de- Winckelmann.p.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2020. CEDILHO, R. M, B.; SOUSA, A. P. B. Arte Paleocristã: espelho da visão de mundo dos primeiros cristãos. In: Mirabilia Journal, Madri, jul./dez. 2013. GALÉ, P. Winckelmann: uma história da arte entre a norma e a forma. 290 f. Tese (Doutorado em Filosofia). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. GOMBRICH, E. H. A História da Arte. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. JANSON, H. W. Introdução à História da Arte. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. LEMOS, C. A. A Imitação em Aristóteles. In: Anais de Filosofia Clássica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, 2009. LOPES, P. Os livros de viagem medievais. In: Medievalistas on-line, Lisboa, n. 2, 2006. MACIEL, J. Da arte romana à arte paleocristã: o sacófago romano de Évora. In: RUN – Repositório Universidade Nova. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 1988. MÁRSICO, M. P. V. Um Panorama sobre a Evolução Histórica da Encadernação. In: Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, [s. d.]. Disponívelem: <http://planorweb.bn.br/documentos/historia_bibliotecas/panorama_evolucao_h istorica_encadernacao.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2020. MONTERADO, L. de. História da Arte. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos,1978. PROENÇA, G. História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 2005. Conversa inicial Contextualizando TEMA 1 – A ARTE NA GRÉCIA ANTIGA TEMA 2 – O IMPÉRIO ROMANO TEMA 3 – SIMBOLISMO NA ARTE PALEOCRISTÃ TEMA 4 – ARTE CRISTÃ BIZANTINA TEMA 5 – DO CAROLÍNGIO ÀS CATEDRAIS GÓTICAS Trocando ideias Na prática FINALIZANDO REFERÊNCIAS
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