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1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 1 1ª FASE 37° EXAME Direito Empresarial Prof.ª Luciana Aranalde Prof.ª Cristiane Pauli Prof. Douglas Azevedo 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 2 Olá! Boas-Vindas! Cada material foi preparado com muito carinho para que você possa absorver da melhor forma possível, conteúdos de qua- lidade. Lembre-se: o seu sonho também é o nosso. Bons estudos! Estamos com você até a sua aprovação! Com carinho, Equipe Ceisc. ♥ 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 3 1ª FASE OAB | 37° EXAME Direito Empresarial Prof.ª Luciana Aranalde Prof. Douglas Azevedo Prof.ª Cristiane Pauli Sumário 1. Teoria Geral do Direito Empresarial ......................................................................................... 4 2. Sociedade .............................................................................................................................. 19 3. Contratos Empresariais .......................................................................................................... 49 4. Títulos de Crédito ................................................................................................................... 97 5. Direito Recuperacional e Falimentar .................................................................................... 112 6. Propriedade Industrial .......................................................................................................... 136 Olá, aluno(a). Este material de apoio foi organizado com base nas aulas do curso preparatório para a 1ª Fase OAB e deve ser utilizado como um roteiro para as respectivas aulas. Além disso, reco- menda-se que o aluno assista as aulas acompanhado da legislação pertinente. Bons estudos, Equipe Ceisc. Atualizado em outubro de 2022. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 4 1. Teoria Geral do Direito Empresarial 1.1. Parte geral: empresário; estabelecimento; nome empresarial 1.1.1. A empresa O Direito Empresarial historicamente é organizado a partir de três grandes fases. A primeira fase é a do Direito Mercantil, no final da Idade Média (a partir do século XII), quando os usos e costumes eram concebidos nos estatutos das Corporações de Ofício, verdadeiras jurisdições privadas de direito consuetudinário e corporativista. Trata-se da chamada Teoria das Corporações de Ofí- cio. É nessa fase que são criados os primeiros títulos de créditos e alguns protótipos de sociedades e de contratos. A segunda fase do Direito Comercial, já na Idade Moderna, é marcada pelas inspirações advindas da codificação napoleônica. No Brasil, o Código Comercial (1850) marcou a fase da Teoria dos Atos de Comércio. O Direito Comercial era destinado a todos os comerciantes e, em razão da codificação, assumiu um papel autônomo em relação ao Direito Civil. Destaca-se que os comerciantes eram considerados exclu- sivamente aqueles que exerciam atos de comércio. A terceira fase corresponde à fase atual, chamada de Teoria da Empresa. Com a criação da figura do empresário, passa-se do Direito Comercial ao Direito Empresarial. A inspiração foi o CC italiano de 1942. A Teoria da Empresa passa a ser disciplinada com a redação do art. 966 do CC, que preconiza que é considerado empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. 1.1.2. Empresário Atualmente, existem no ordenamento jurídico duas categorias que são enquadradas no conceito de empresário: a) o empresário individual; e b) a sociedade empresária. Extinção da EIRELI: A Lei no 14.195/2021 revogou tacitamente o art. 980-A do CC e foi somente a MP no 1.085/2021, convertida na lei 14.382/22, que revogou de forma expressa o dispositivo, extinguindo, portanto, a EIRELI. O empresário individual é uma pessoa natural, porém, de natureza jurídica. Como indica o seu próprio nome, representa um tipo empresarial no qual não é admitida a existência de um sócio. Seu modelo já não é tão corriqueiro, tendo em vista que a escolha atrai a obrigação da responsabilidade direta e ilimi- tada. Ou seja, o CPF e o CNPJ acabam interpenetrando-se. A responsabilidade do empresário individual é direta e ilimitada. O Enunciado no 5 das Jornadas 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 5 de Direito Comercial veio a indicar que primeiramente deve o empresário responder com os bens da em- presa, depois com os particulares. Conforme referido, o art. 966 do CC conceitua o empresário, e seu parágrafo único determina: “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Isso impõe destacar que aqueles que exercem profissão intelectual (dentistas, contadores, médicos, advogados, professores etc.) não são considerados empresários para os fins legais. A exceção é quando o exercício da profissão constituir elemento de empresa, ou seja, quando exploram a profissão de forma a fazer desaparecer as características personalíssimas do profissional. O art. 972 do CC indica que, para que se possa exercer a atividade de empresário, é necessário estar em pleno da capacidade civil e, ainda, não pode ser legalmente impedido. Um exemplo disso é a restrição aos magistrados, que não podem ser empresários. Não se pode confundir esse impedimento com a possibilidade de ser sócio/acionista que lhe é resguardada desde que a responsabilidade seja limitada e não exerçam cargos de administração. Caso aquele legalmente impedido exerça a atividade, irá responder pessoalmente pelas obriga- ções contratadas. Nesse caso, precisamos diferenciar impedimento com incapacidade. O art. 974 do CC indica que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança”. Assim, não se pode co- meçar uma empresa individual sendo incapaz, contudo, é possível, em casos de incapacidade superve- niente ou incapacidade do sucessor na sucessão por morte, que a empresa continue as atividades dessa forma. Como visto, o art. 974 do CC disciplina a questão referindo que, para tanto, é necessária a autori- zação judicial e que, nesse caso, uma espécie de limitação da responsabilidade, referindo que “não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela”. A questão deve estar clara no alvará que concede a autorização. O legislador previu no art. 975 do CC que “se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes”. Em relação ao empresário casado, a regra do art. 978 do CCmerece muita atenção pois refere textualmente que “o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”. Contudo, há que destacar-se que o Enunciado no 58 das Jornadas de Direito Comercial afirma que a regra 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 6 apenas vale “desde que exista prévia averbação de autorização conjugal à conferência do imóvel ao patri- mônio empresarial no cartório de registro de imóveis, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no registro público”. Porém, cumpre reforçar que, pelo CC, esse “porém” não existe. O empresário deve observar sempre a regra do art. 979 do CC, mantendo o arquivamento na Junta de todos os pactos e declarações antenupciais, bem como os títulos de doação,herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade. Ainda, destaque-se a previsão do art. 980 do CC, que determina que a “sentença que decretar ou homologar a separação judicial do empresário e o ato de reconciliação não podem ser opostos a terceiros, antes de arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis”. Por fim, um empresário pode ser representado pela sociedade empresária, que será estudada com maiores detalhamentos na Seção 2. Contudo, para fins de caracterização, tem-se que possui natureza jurídica de pessoa jurídica. Os sócios podem ser pessoa natural ou jurídica e a responsabilidade dos sócios é subsidiária e limitada, ilimitada ou mista, a depender do tipo societário eleito. 1.1.3. Estabelecimento empresarial A primeira questão a ser pontuada é a de que estabelecimento empresarial não é sinônimo de local onde são desenvolvidas as atividades empresariais, o conceito de estabelecimento comercial é muito mais longo. Segundo o art. 1.142 do CC, «considera-se estabelecimento todo complexo de bens organi- zado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária». Ainda, o local onde se exerce a atividade empresarial poderá ser físico ou virtual: Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for virtual, o endereço informado para fins de registro poderá ser, conforme o caso, o do empresário individual ou o de um dos sócios da sociedade empresária; art. 1.142, § 2o do CC. Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for físico, a fixação do horário de funcionamento competirá ao município, observada a regra geral do inciso II do caput do art. 3o da Lei no 13.874, de 20-9-2019; art. 1.142, § 3o do CC. Com isso é preciso entender que o estabelecimento comercial compreende tanto os bens de na- tureza material quanto imaterial, utilizados para que possa se dar o exercício da atividade econômica. Tem- se, portanto, um olhar à universalidade dos bens. Tanto é que é possível realizar a venda do estabeleci- mento empresarial como um todo: o chamado contrato de trespasse, conforme regulado no art. 1.144 do CC. Percebe-se que, para que seja válido perante terceiros, é necessário o seu registro e posterior publicação. Há que se pontuar que o CC determinou diversas regras aplicáveis ao trespasse, tendo em 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 7 vista a sua evidente importância. Assim, por exemplo, a regra insculpida no art. 1.145 do CC prevê que, antes da alienação, deve ser providenciado o pagamento dos credores ou deve ser colhida uma autorização que contenha o consen- timento desses. Essa autorização se dá por meio de uma notificação cuja resposta deve dar-se em trinta dias, sob pena de ser considerada uma autorização tácita. Outro ponto de suma importância diz respeito à sucessão empresarial, prevista no art. 1.146 do CC: “o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano [...]”. Esse prazo de um ano é contado, em relação aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento. Obviamente tal regra é considerada apenas em relação às dívidas que podem ser negociadas, o que não se aplica no caso das dívidas de natureza tributária e trabalhista. Nesses casos devem ser obser- vadas as previsões do art. 133 do CTN e do art. 448 da CLT. É lícito e usual que esses contratos venham com a previsão de uma cláusula de não concorrência. Em referência a isso, inclusive, o art. 1.147 do CC indica que “não havendo autorização expressa, o alie- nante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”. Nada impede de ser previsto um prazo menor, valendo esse regramento no silêncio. Por fim, vale mencionar o caso de sub-rogação nos contratos de exploração, pelo art. 1.148 do CC, que indica que “salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub -rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal”. Refere ainda que nada impede que os terceiros rescindam o contrato em noventa dias, a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante. 1.1.4. Nome empresarial O nome empresarial é o que irá identificar a pessoa jurídica perante a sociedade em todas as suas relações. A escolha do nome empresarial irá aparecer no ato constitutivo da sociedade, ou seja, ou no contrato social ou no estatuto, que posteriormente será arquivado na Junta Comercial. Não se confunde o nome empresarial com a marca, nome de domínio e nem com o nome fantasia. Marca: sinal distintivo que identifica produtos e/ou serviços. Vide art. 122 da Lei no 9.279/1996. Nome de domínio: endereço eletrônico que hospeda o sítio eletrônico do empresário. Nome fantasia: é o título do estabelecimento. Ele deve obedecer ao princípio da novidade e da veracidade (arts. 1.158 e 1.165 do CC). Isso quer dizer que não pode valer-se de uma expressão que não corresponda à realidade empresarial e, ainda, não 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 8 se deve utilizar de um registro igual ou que guarde notória semelhança com outro já registrado na Junta Comercial (vide arts. 1.163 e 1.666 do CC). O nome empresarial pode ser constituído de firma ou denominação. Essa é a regra trazida no art. 1.155 do CC. Enquanto a firma necessita possuir um nome civil em seu núcleo (extenso ou abreviado), a denominação admite a inserção de qualquer expressão linguística. Lei no 14.195/2021: A Lei no 14.195/2021 incluiu o art. 35-A na Lei de Registro Público de Empre- sas Mercantis (Lei no 8.934/1994), dispondo que: “O empresário ou a pessoa jurídica poderá optar por utilizar o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) como nome empresarial, seguido da partícula identificadora do tipo societário ou jurídico, quando exigida por lei. Outra importante alteração se deu no art. 35 da mesma lei, que antes vedava o arquivamento de atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outro já existente. Agora, a palavra “semelhante” foi retirada do dispo- sitivo, permitindo o registro de empresas com nome empresarial parecido a outro já registrado. Existe uma polêmica no que diz respeito à necessidade de indicação da atividade empresarial. Na firma a indicação é facultativa, já na denominação, em que pese haja exigência pelo art. 1.158 do CC, a Lei no 8.934/1994 indica a desnecessidade. Um cuidado importante é que na sociedade limitada há a opção de escolha entre firma e denomi- nação, contudo, ao final do nome deve estar incluída a palavra “limitada” ou “ltda.”. Caso essa regra não seja observada, haverá responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que assim utilizarem-se da firma ou denominação. Outro importante detalhe é que a cooperativa deve utilizar-se de denominação integrando a palavra “cooperativa’’ por extenso. Por outro lado, as sociedades anônimas devem utilizar-se da denominação junto do vocábulo “sociedade anônima” ou “companhia”, sendo facultado utilizar-se da abreviatura “cia” ou “S.A.”. Nada impede que o nome de um fundador ou acionista importante componha o nome empresarial. Por seu turno, a sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar denominação aditada da expressão ‘comandita por ações’, facultada a designação do objeto social. A sociedade em conta de participação também pode optar entre firma e denominação. *Para todos verem: tabela. TIPO SOCIETÁRIO NOME EMPRESARIAL EI FIRMA OU CNPJ COMANDITA SIMPLES FIRMA OU CNPJ COMANDITA POR AÇÕES FIRMA, DENOMINAÇÃO OU CNPJ 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 9 EM NOME COLETIVO FIRMA OU CNPJ LTDAFIRMA, DENOMINAÇÃO OU CNPJ ANÔNIMA DENOMINAÇÃO OU CNPJ EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO SEM REGISTRO 1.1.5. Registro e escrituração O registro (arts. 1.150 a 1.154 do CC) dos empresários no Brasil é uma obrigação legal. A inscri- ção deve ser feita na Junta Comercial ainda antes do início das atividades empresariais. A questão está prevista de forma taxativa no art. 967 do CC. O art. 984 do CC é uma exceção importante, indicando que o empresário rural é o único que possui a faculdade de registrar-se, ou seja, o seu registro é facultativo. Caso as atividades iniciem sem o devido registro, estará imposta a sua irregularidade, mas não a sua inexistência, uma vez que desde que reúna os requisitos do art. 966 do CC, será considerado empre- sário. Importante que se saiba que é a Lei no 8.934/1994 que dispõe sobre o Registro Público de Empre- sas Mercantis e Atividades Afins. O registro nas Juntas Comerciais possui um principal interesse: o da publicidade dos atos e, portanto, qualquer pessoa pode consultar os contratos e documentos lá arquivados. De acordo com o art. 36 da Lei no 8.934/1994, o registro do Contrato Social deve se dar em até trinta dias contados de sua assinatura. Caso feito nesse prazo, os efeitos retroagem. Se fora do prazo, o arquivamento só possui eficácia a partir do despacho de concessão. O mesmo texto é trazido pelo art. 998 do CC. O pedido de inscrição deve ser acompanhado do instrumento autenticado do contrato, e, de acordo com o Código Civil, “se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da respectiva procu- ração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade competente” (letra do § 1 o do art. 998). A escrituração (arts. 1.179 a 1.195 do CC) é outra obrigação legal estendida aos empresários e está prevista no art. 1.179 do CC. A lei impõe a obrigação do empresário de manter a escrituração contábil dos resultados dos negócios que participa. A escrituração tem uma função interna ou administrativa, na medida em que possibilita: • verificar os resultados do negócio; • fundamentar ações corretivas visando aumento/diminuição dos lucros/prejuízos; • posicionar os sócios acerca do desempenho da sociedade empresária. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 10 Por outro lado, também possui uma função externa: • O Estado se vale da escrituração para fiscalizar e cobrar tributos; • Os registros servem como prova do exercício da atividade comercial e de seus resul- tados perante órgãos do Poder Judiciário. Prejuízos ao empresário pela ausência de escrituração contábil: • Impossibilidade de usufruir dos benefícios da recuperação judicial (art. 51 da Lei no 11.101/2005); • Crime falimentar se for decretada a falência (art. 178 da Lei no 11.101/2005); • Inviabilidade de utilizar os dados da escrituração para fazer prova a seu favor; • Possibilidade de o fisco lançar Imposto de Renda devido com base no lucro anual por arbitramento. Assim, compreende-se que existe a obrigação de ser mantido um sistema de contabilidade (me- canizado ou não), com base na escrituração uniforme dos seus livros. A escrituração deve ser elaborada com base na documentação a ela vinculada. Ainda, anualmente deve ser levantado balanço patrimonial e resultado econômico. Dica! Cuidado com a exceção do § 2o, que flexibiliza a exigência aos pequenos empresários, conforme art. 970 do CC. A regra é de que a escrituração seja elaborada pelo contabilista, em idioma e moeda corrente, a partir da obrigatoriedade da ordem cronológica de dia, mês e ano. Deve ser feita a autenticação na Junta Comercial. Esses livros são sigilosos, salvo os casos de autorização judicial ou para fins fiscalizatórios. Lei no 14.195/2021: A Lei no 14.195/2021 esclarece que os órgãos e entidades envolvidos no processo de registro de empresas deverão disponibilizar, de forma gratuita, informações que permitam pes- quisas prévias sobre as etapas de registro, inscrição, alteração e baixa de empresas, além de informações para licenciamento e autorização de funcionamento. Antigamente a gratuidade era apenas para pesquisa da denominação social. Outro importante detalhe é que não poderão mais ser exigidos, no processo de registro via REDE- SIM, quaisquer dados e informações que já constem da base de dados do governo federal. Isso se deve à centralização de dados das empresas no CNPJ. Além disso, o art. 6o-A da Lei no 11.598/2007 agora dispõe que, nos casos em que o grau de risco 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 11 da atividade seja considerado médio, o alvará de funcionamento e as licenças serão emitidos automatica- mente, sem análise humana. 1.2. Parte geral: registro e elementos do contrato social 1.2.1. Especificidades Constituída a sociedade pela formalização e assinatura do contrato social, devem os sócios pro- ceder ao registro do ato constitutivo da sociedade no órgão competente (Cartório ou Junta, a depender do objeto social), para que ela adquira personalidade jurídica (art. 985 do CC) e possa dar início às suas ativi- dades (art. 967 do CC). De acordo com o art. 998 do CC, o prazo para a efetivação do registro do ato constitutivo da sociedade é de 30 dias após sua constituição (ver também art. 36 da Lei no 8.934/1994). Complementando a regra citada, dispõem seus parágrafos: “o pedido de inscrição será acompa- nhado do instrumento autenticado do contrato, e, se algum sócio nele houver sido representado por procu- rador, o da respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade com- petente” (§ 1o); e “com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente, será a inscrição tomada por termo no livro de registro próprio, e obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades inscritas” (§ 2o). A constituição das sociedades empresárias, do tipo limitada, para o correto registro perante o Re- gistro Público de Empresa, deve conter, obrigatoriamente o instrumento de contrato social, em três vias, assinado por todos os sócios ou seus procuradores. No caso de o instrumento de constituição social que será levado a registro conter representação por procurador, é obrigatório exigir a respectiva procuração com poderes específicos para o ato, bem com a aprovação prévia do órgão governamental competente, quando for o caso. É preciso estar devidamente consignado no corpo do instrumento de constituição a declaração de desimpedimento do administrador ou em ato separado, se não constar em cláusula própria. Participação societária de empresa estrangeira: deve ser anexada ao instrumento de constitui- ção que será levado a registro a prova da existência legal da empresa e da legitimidade de sua represen- tação. Participação societária de empresa pública: para sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública, é necessário juntar ao instrumento de constituição social a edição da folha do Diário Oficial da União, do Estado ou do Município que contiver o ato de autorização legislativa; ou citação, no contrato social, da natureza, número e data do ato de autorização legislativa, bem como do nome, data e folha do jornal oficial em que foi publicada; fotocópia do documento de identidade do representante legal; 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 12 ficha de cadastro; comprovantes de pagamento dos emolumentos dos serviços: recolhimento federal; reco- lhimento estadual. Elementos: título; preâmbulo; corpo do contrato; cláusulas obrigatórias (Lei no 8.934/1994); fecho. O instrumento contratual não poderá conter emendas, rasuras ou entrelinhas. Obrigatoriamente constará do preâmbulo do instrumento de constituição social a qualificação com- pleta dos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, e ou de seus representantes. Caso qualquer dos sócios seja representado por procurador, deve vir no preâmbulo do instrumento a qualificação completa do mesmo. O contratosocial conterá: o nome empresarial (poderá ser razão social ou denominação social – a razão social deve ser composta com sobrenome ou nome civil completo ou abreviada de, pelo menos, um dos sócios); capital da sociedade; a participação de cada sócio; a forma e o prazo de sua integralização; município da sede, com endereço completo, bem como o endereço das filiais – se houver; declaração pre- cisa e minuciosa do objeto social; prazo de duração da sociedade; data de encerramento do exercício social, quando não coincidente com o ano civil; e a nomeação do administrador, devidamente qualificado. No final do instrumento contratual deverá constar local e data; nomes dos sócios e respectivas assinaturas; nomes das testemunhas instrumentárias (duas, pelo menos) respectivas assinaturas, com o número do documento da identidade (RG) e órgão expedidor e o visto de advogado, sendo este último não determinado para as Microempresas (ME) e as Empresas de Pequeno Porte (EPP). Podem ser sócios: desde que não haja empecilho legal, os absolutamente capazes e o menor emancipado. Os menores, desde que devidamente representados. Não podem ser sócios: os estrangeiros sem visto permanente. Nome empresarial: obedecerá ao princípio da veracidade e da novidade, incorporando os dados específicos ou complementares exigidos ou não proibidos em lei (tanto na razão social como na denomina- ção social deve haver a indicação do objeto social). Capital social: as quotas serão correspondentes ao montante da contribuição de cada sócio. Po- derão ser utilizados para integralização de capital quaisquer bens, desde que suscetíveis de avaliação em dinheiro. Filiais: é necessário que o instrumento de constituição para cada uma delas indique o respectivo município e endereço completo. 1.2.2. Da alteração contratual São os mesmos requisitos exigidos para o registro de instrumento de alteração contratual e para o instrumento de constituição social, principalmente no que se refere ao preâmbulo e quanto ao seu corpo. Deve-se mencionar as alterações pretendidas e, no caso de consolidação, inserir uma nova redação, 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 13 conforme a alteração efetuada. Redução de capital Devido a perdas irreparáveis, o instrumento de alteração contratual deverá ser firmado pelos sócios, onde se formalizará a redução, com a diminuição proporcional do valor nominal das quotas (arts. 1.082 e 1.083 do CC). Por ser considerado demasiado em relação ao objeto da sociedade, o instrumento de alteração contratual deverá ser formalizado com a indicação da redução com a devolução de parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-os de prestações ainda devidas, com a redução proporcional também neste caso, do valor nominal das quotas. Instrumento de alteração Em uma via original, podendo ser realizado por escritura pública ou particular, independentemente da forma de que se houver revestido o respectivo ato de constituição. Devem conter os seguintes elemen- tos: título, preâmbulo e corpo da alteração (nova redação das cláusulas alteradas, expressando as modifi- cações introduzidas, redação das cláusulas incluídas, indicação das cláusulas suprimidas; fecho. Quando o instrumento de alteração for requerido por deliberação majoritária, deverá constar do preâmbulo apenas o nome dos sócios que dela fazem parte e que a deliberação se faz por maioria do capital. O instrumento de alteração pode conter a hipótese de a sociedade adquirir quotas de sócio quando houver quotas liberadas, ou seja, integralizadas, desde que o faça com fundos disponíveis e sem ofensa ao capital, por acordo dos sócios; e quotas não liberadas de sócio remisso excluído, desde que o faça com fundos disponíveis e sem ofensa ao capital. As alterações contratuais, quando registradas por instrumento particular, serão assina- das por todos os sócios e por duas testemunhas, salvo na hipótese de determinação majoritária. Em hipótese alguma os registros de instrumentos de alterações sociais representam a constituição de nova sociedade. 1.2.3. Da natureza jurídica do capital social O conceito de capital social está intrinsecamente ligado à estrutura do contrato social. Estabelece- se a partir da constituição de um patrimônio separado para a criação de uma sociedade, via de regra, para conciliar a limitação da responsabilidade dos sócios, com a garantia dos credores. Em outras palavras, a sociedade, para dar início à sua atividade econômica, necessita de recursos. Cabe aos sócios prover tais recursos. Fazem-no transferindo do seu patrimônio ao da pessoa jurídica. O 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 14 capital social é a medida da contribuição dos sócios para a sociedade e serve como referência à sua força econômica. Capital social subscrito: mensuração do montante prometido pelos sócios para a soci- edade a título de capitalização. Capital social integralizado: recursos já transferidos para o patrimônio social. Uma das principais funções do capital social é a de mensurar a contribuição dos sócios, de modo a funcionar como um fundo de garantia dos credores – e assenta-se na ideia da limitação da responsabili- dade dos sócios. Princípios do regime legal do capital social: unidade: toda sociedade deve ter um único capital social; fixidez: o capital social somente pode ser modificado nos casos previstos em lei e de acordo com as normas legais; irrevogabilidade: os sócios não podem ser dispensados da obrigação de realizar as entradas que se obrigaram perante a sociedade; realidade: a cifra do capital deve corresponder ao valor real das entradas feitas pelos sócios; intangibilidade: os sócios não podem “beliscar” o capital social, ou seja, não podem tocar neste fundo permanente enquanto a sociedade continua operando e os credores não foram integralmente satisfeitos. 1.2.3.1. Do entendimento da Junta Comercial O art. 35, III, da Lei no 8.934/1994 é claro e não admite concessões, quando proíbe o arquivamento dos atos constitutivos se deles não constar o capital da sociedade, a forma e o prazo de sua integralização. No mesmo sentido, temos o art. 1.054 c/c o art. 997, III e IV, do CC. Entre as orientações das Juntas Comercial, insertas nas instruções normativas do DREI, constam a necessidade de indicação numérica e por extenso do total do capital social; bem como a necessidade de mencionar o valor nominal de cada quota, que pode ter valor desigual. Há de se mencionar o total de quota(s) de cada sócio e declarar a forma e o prazo de integralização do capital – se houver sócio menor, o capital deverá estar totalmente integralizado. No caso de se tratar de integralização com bem imóvel, obrigatoriamente, haverá a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, número de matrícula no Registro de Imó- veis e autorização do cônjuge no instrumento contratual com a referência pertinente, salvo se o regime de bens for o de separação absoluta. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 15 O legislador concedeu liberdade aos sócios de escolherem a maneira de integralizar o capital so- cial, tornou, porém, obrigatória cláusula contratual dispondo sobre o prazo e a forma de sua integralização (dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação em dinheiro). 1.3. Parte geral: tipos de desconsideração da pessoa jurídica 1.3.1. Personalidade jurídica A personalidade jurídica é o que confere à pessoa jurídica a aptidão de adquirir direitos, bem como contrair obrigações. Assim, não é pura e simplesmente a condição de sujeito de direito que caracteriza a personalidade, mas a aptidão genérica para tanto, até porque os entes despersonalizados também são sujeitos de direitos capazes de praticar atos jurídicos, ainda que de forma limitada, como é o caso da massa falida e do espólio. 1.3.2. Pessoas jurídicas As pessoas jurídicas se dividemem dois grupos: de direito público (interno ou externo) e de direito privado (estatais ou particulares), que possuem regulamentação nos arts. 40, 41, 42 e 43, todos do CC: *Para todos verem: tabela. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO INTERNO: PESSOAS JURÍDICAS DE DIRIEITO PÚBLICO EXTERNO: PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO: União; Estados, DF e Territó- rios; Municípios; Autarquias, inclusive as associações públicas; Demais entidades de caráter público criadas por lei. Estados estrangeiros; Todas as pessoas regi- das pelo Dir eito Interno Público. Associações; Sociedades; Fundações; Organizações Religio- sas; Partidos públicos. Lembre-se de que as pessoas jurídicas de direito público estão submetidas a regime distinto das pessoas jurídicas de direito privado, na medida em que têm suas regras sujeitas ao Direito Administrativo, submetendo-se ao princípio da estrita legalidade. Quanto às pessoas jurídicas de direito privado, é importante saber que não se limitam àquelas previstas no art. 44 do CC, podendo existir outras, tais como os sindicatos, as confederações, as federa- ções, dentre outras. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 16 1.4. Autonomia patrimonial da pessoa jurídica Assim prevê o art. 1.024 do CC: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. Isso se dá em virtude da autonomia patrimonial das sociedades, a qual determina que a respon- sabilidade dos sócios pelas obrigações sociais será subsidiária, podendo também ser limitada a depender do tipo societário. Essa concepção tornou-se ainda mais forte a partir da edição da Lei da Liberdade Eco- nômica (Lei no 13.874/2019) a partir da inclusão do art. 49-A no CC. 1.4.1. Responsabilidade subsidiária dos sócios A regra geral, portanto, é que os bens da sociedade responderão pelas dívidas sociais enquanto a empresa ainda os possuir. Isso garante aos sócios o chamado benefício de ordem. No caso de a empresa não possuir bens, deve-se atentar para o tipo de responsabilidade dos sócios, se limitada: seus bens particulares poderão ser executados, se ilimitada; seus bens particulares não poderão, a princípio, ser executados. Exemplos: Sociedade em nome coletivo: responsabilidade ilimitada. Sociedade anônima: responsabilidade limitada. 1.5. Desconsideração da personalidade jurídica A desconsideração da personalidade jurídica surge para solidificar o instituto do princípio da auto- nomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de evitar que haja fraude ou abuso de direito. Ou seja, ela é um reforço indireto para que sócios e administradores atuem visando ao bem comum da sociedade empresária, preservando-a e mantendo a sua função social, coibindo manipulação da pessoa jurídica com o fim de fraudar credores. Assim, se utilizada para fazer valer fraude em detrimento de terceiros, considerar-se-á ineficaz a personificação com relação aos atos praticados de forma abusiva ou fraudulenta, podendo atingir os bens particulares dos sócios envolvidos na administração da sociedade. O CDC foi a primeira norma a prever a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica; neste caso a aplicação se dá quando há abuso em detrimento do consumidor, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social, ou ainda quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração (art. 28). A teoria presente no CDC é chamada de “teoria menor”, sendo a “teoria maior” aquela presente no CC (art. 50). 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 17 1.5.1. Teoria maior versus teoria menor Existem duas teorias aplicadas quando da desconsideração da personalidade jurídica: a “teoria menor” e a “teoria maior”. A teoria menor é aplicada nos casos que envolvam relação de consumo (art. 28 do CDC), condutas lesivas ao meio ambiente (art. 4o da Lei no 9.605/1998) ou ainda quando se tratar de infração da ordem econômica (art. 34 da Lei no 12.529/2011). A teoria menor incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Já a teoria maior é considerada aquela prevista no art. 50 do CC. Sobre a distinção entre o art. 50 do CC e as demais regras legais que tratam da desconsideração da personalidade jurídica, o Enunciado no 9 das Jornadas de Direito Comercial do CJF diz o seguinte: “quando aplicado às relações jurídicas empre- sariais, o art. 50 do CC não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5o, do CDC ou ao art. 2o, § 2o, da CLT”. 1.5.2. Desvio de personalidade e confusão patrimonial De acordo com o a rt. 50, § 1o, CC: “Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”. No abuso por desvio de finalidade a personificação existe para um fim ilícito, como acontece quando a atividade da pessoa jurídica é em si lícita, mas seria ilícita se exercida pelo sócio, ou seja, a pessoa jurídica é usada para encobrir a ilicitude da ação dos sócios. Não é desvio de finalidade: Art. 50, § 5o, CC. Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. Confusão patrimonial: Art. 50, § 2o, CC. Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I – Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. O pagamento de obrigações do sócio pela pessoa jurídica ou vice-versa é um exemplo clássico caracterizado como hipótese de confusão patrimonial, contudo, verifica-se que o dispositivo exige 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 18 expressamente que se trate de um comportamento repetitivo. A transferência de ativos ou passivos realizada sem a devida justificativa econômica pode ser ca- racterizada quando os sócios ou administradores utilizam o patrimônio da pessoa jurídica e vice-versa. Empréstimos entre a pessoa jurídica e o sócio, por exemplo, embora comuns, precisam obedecer às con- dições normais de mercado, sob pena de representarem um mecanismo de mistura dos patrimônios. 1.6. Desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos A desconsideração da personalidade jurídica tem os seus efeitos ligados ao caso concreto em que foi requerida, ou seja, continua a existir normalmente e a ter os efeitos da sua personalização respeitados em todas as demais relações jurídicas em que figurar. A aplicação da teoria da desconsideração atinge, tão somente, aqueles sócios que se beneficiaram do uso abusivo da pessoa jurídica, logo, não significa que atingirá todos os sócios e/ou administradores da sociedade, indistintamente. Essa interpretação ganhou reforço após a edição da Lei no 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econô- mica), que alterou a redação do caput do art. 50 do CC para deixar claro que a desconsideração da perso- nalidade jurídica só pode atingir os administradores ou sócios “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. 1.7. Desconsideração inversa da personalidade jurídica Conforme já vimos, a teoria da desconsideração é aplicada com a finalidade de permitir a execução de bens particulares dos sócios e/ou administradores por dívidas da sociedade. O caminho inverso também pode ser feito: desconsiderar a pessoa jurídica para executar bens sociais por dívidas pessoais de um de seus sócios.A desconsideração inversa consiste na aplicação dos fundamentos da disregard doctrine para permitir que a pessoa jurídica responda por obrigações pessoais de um ou mais sócios. A aplicação da desconsideração inversa é bem comum em questões que envolvam Direito de Fa- mília, quando se constata, por exemplo, que um dos cônjuges cria uma pessoa jurídica com o objetivo de ocultar seu patrimônio, o afastando da partilha ou frustrando a cobrança de pensão alimentícia. Dispõe o Enunciado no 283 das Jornadas de Direito Civil do CJF: “é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”. Vale destacar que, desde a edição da Lei no 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), a des- consideração inversa está expressamente autorizada pelo CC no § 3o do art. 50. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 19 1.8. Desconsideração e dissolução da personalidade jurídica É comum ocorrer, no Brasil, a chamada “dissolução irregular” da empresa, isto é, o encerramento das atividades sem a devida baixa na Junta Comercial. De acordo com o Súmula no 435 do STJ, “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redi- recionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. No entanto, esse entendimento restringe-se à execução fiscal. As Turmas de direito privado do STJ (3ª e 4ª Turmas, que compõem a 2ª Seção) entendem que a mera dissolução irregular da empresa não é motivo suficiente para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. 1.9. Prazo para requerimento da desconsideração da personalidade jurídica Assim prevê o art. 1.032 do CC: “a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime , ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolu- ção da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação”. Assim, há quem alegue que a desconsideração da personalidade jurídica não poderia, por exem- plo, atingir um sócio que já se retirou da sociedade há mais de dois anos. No entanto, o STJ já decidiu que a regra do art. 1.032 do CC não tem aplicação quando se trata de desconsideração da personalidade jurí- dica, conforme é possível verificar no REsp no 1.269.897 /SP (STJ, rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª T. – DJe 23 -11 -2009) e REsp no 1.312.591 /RS. (STJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T. – Dje 11 -5 -2013). Dica! A desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com a despersonalização da pes- soa jurídica, esta atinge a validade do ato constitutivo, ao passo que a desconsideração objetiva atinge o patrimônio dos sócios, tratando-se de um ato momentâneo. 2. Sociedade 2.1. Sociedade simples As sociedades simples, além de se constituírem no tipo pertinente a atividade societária intelectual, também têm suas normas consideradas uma espécie de parte geral do Direito Societário, pois suas regras têm aplicação subsidiária à maioria das sociedades empresárias contratuais. As sociedades cooperativas são consideradas sociedades simples, conforme dispõe o parágrafo único do art. 982 do CC. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 20 As sociedades simples estão reguladas nos arts. 997 a 1.038 do CC e conforme art. 997 são constituídas por meio de contrato. 2.1.1. Contrato social 2.1.2. Qualificação dos sócios A qualificação dos sócios no contrato social está prevista no inciso I do art. 997 do CC. * Para todos verem: tabela. SÓCIOS PESSOAS NATURAIS: SÓCIOS PESSOAS JURÍDICAS: - Incapazes - Impedidos - Pessoas casadas - Holding 2.1.3. Qualificação das sociedades Já quanto à qualificação das sociedades, está prevista no inciso II do art. 997 do CC. * Para todos verem: tabela. NOME EMPRESARIAL: OBJETO SOCIAL: - Firma (Enunciado no 213 das Jorna- das de Direito Civil) - Denominação Profissão intelectual / atividade rural 2.1.4. Capital social Capital social é o montante correspondente à participação dos sócios na sociedade, decorrente de aportes dos sócios, consistentes na transferência de dinheiro, bens ou créditos para a sociedade. Segundo o inciso III do art. 997 do CC, o capital social deverá ser expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária. Art. 1.059 do CC. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias reti- radas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital. Capital social = patrimônio inicial; Patrimônio líquido > capital social > distribuir/reservar lucros. O capital funciona como uma garantia dos credores, bem como é o que viabiliza a realização do 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 21 objeto social e define as relações de poder dos sócios no controle da sociedade, da mesma forma que define a responsabilidade de cada sócio. Quanto ao valor do capital social, o debate sobre a necessidade ou não de haver um capital social mínimo para constituição de uma determinada sociedade é antigo, havendo ordenamentos jurídicos que fazem essa exigência. Existem diversos fundamentos acerca da exigência de um capital mínimo, como por exemplo: cumprimento das funções de garantia e produtividade. No Brasil não se exige capital social mí- nimo para a constituição de sociedades. A exigência de adequação do capital social ao objeto social pode ser extraída de uma interpretação dos arts. 173 da Lei no 6.404/1976 (“a assembleia geral poderá deliberar a redução do capital social se houver perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo”) e 1.082, II, do CC (“pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: [...] II – se excessivo em relação ao objeto da sociedade” (princípio da congruência). Subcapitalização formal: a sociedade possui um capital próprio ínfimo em relação à atividade que desenvolve, porque obtém recursos de terceiros (financiamentos, por exemplo). Subcapitalização substancial: há uma clara desproporção entre o volume de negócios de uma empresa e o seu capital social, sem que existam outras fontes de recursos para com- pensar. 2.1.5. Subscrição do capital No Direito brasileiro, exige-se a subscrição total do capital social no momento da constituição da sociedade, contudo, a integralização pode ser futura. O ato de subscrição representa o comprometimento dos sócios de contribuir para a formação do capital social, e é com base nele, em tese, que se estabelecem as respectivas participações societárias. Art. 997 do CC. [...] IV – A quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V – As prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; A integralização consiste na efetiva contribuição dos sócios para a formação do capital social, po- dendo ser feita de diversas formas: com bens – móveis ou imóveis, materiais ou imateriais –, dinheiro ou créditos. Na sociedade simples, admite-se até a contribuição em serviços (Enunciado no 206 das Jornadas de Direito Civil). Se o sócio integralizar sua quota com transferência de bens, estes devem ser suscetíveis de ava- liação pecuniária, além de o sócio responder pela evicção, isto é, caso a sociedade perca esse bem poste- riormente em razão de ele ser de outrem (art. 1.005, CC), o sócio que o havia transferido terá que pagar a ela o seu valor. Já se integralizar sua quota com a transferência de créditos de sua titularidade, responderá 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 22 pela solvência do devedor, ou seja, caso os créditos cedidos não sejam pagos pelos seus devedores, o sócioque os cedeu terá que pagá-los (art. 1.006, CC). 2.1.6. Administração da sociedade simples Art. 997 do CC. [...] VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; Verifica-se que as sociedades simples (e isso vale também para as demais sociedades contratuais) não podem ser administradas por pessoa jurídica, já que o dispositivo usa a expressão pessoas natu- rais para se referir aos administradores. Também não podem administrar a sociedade as pessoas mencionadas no art. 1.011, § 1o do CC: não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os conde- nados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a eco- nomia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da con- corrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdu- rarem os efeitos da condenação. Caso o contrato social não designe expressamente seus administradores, aplica-se o art. 1.013 do CC: “a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios”. Dispõem seus parágrafos: § 1o: “se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos”; § 2o: “responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria”. E, ainda, o art. 1.014 do CC, que prevê que: “nos atos de competência conjunta de vários admi- nistradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave”. Nada impede que os sócios, embora não tenham designado o administrador no próprio contrato social, façam-no em ato separado posteriormente. Nesse caso, deve-se atentar apenas para a imprescin- dibilidade de averbação do ato no órgão de registro da sociedade, em obediência ao art. 1.012 do CC: “o administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da socie- dade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade”. A diferença entre o administrador nomeado no contrato social e o administrador nomeado em ato separado está no fato de que os poderes daquele, caso seja sócio, são, em tese, irrevogáveis, salvo por decisão judicial que reconheça a ocorrência de justa causa para a revogação. Já os poderes de adminis- trador não sócio ou de administrador designado em ato separado, ainda que sócio, são revogáveis a 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 23 qualquer tempo pela vontade dos demais, conforme prevê o art. 1.019 do CC: “são irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. Parágrafo único. São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado, ou a quem não seja sócio”. Nota-se que sócio administrador contratualmente nomeado possui uma espécie de estabilidade, podendo representar aos demais sócios um grave comprometimento de seus interesses. Para afastar essa estabilidade, a nomeação dos administradores pode ser processada por ato separado. Esse termo, para efeito de eficácia externa, deverá ser averbado à margem da inscrição da sociedade. Importa mencionar que, ainda que nomeado administrador no próprio contrato, o não sócio não está protegido contra a desti- tuição. A atividade do administrador é personalíssima, não podendo outrem exercer suas funções; o má- ximo permitido é a delegação de certas atividades a mandatários, nos termos do art. 1.018 do CC: “ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar”. Teoria orgânica: Prevê o art. 1.022 do CC que “a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por in- termédio de qualquer administrador”. Os administradores são os representantes legais da sociedade. De acordo com a teoria orgânica, o administrador não é tecnicamente representante, mas presentante (órgão integrante da própria socie- dade, que externa a sua vontade, ou seja, torna-a presente). Não obstante, o art. 1.011, § 2o, do CC dispõe que “aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato”. 2.1.7. Dever de diligência dos administradores O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (art. 1.011, CC, art. 153 da Lei no 6.404/1976). Entende-se que esse dever de diligência será atendido sempre que o administrador atuar em conformidade com os padrões de gestão fixados pela ciência da administração de empresas. Para tanto, deve-se verificar se sua atuação foi (i) independente, (ii) desinteressada, (iii) infor- mada e (iv) no interesse da companhia (business judgement rule). 2.1.8. Limitação de poderes dos administradores Se houver lacuna no contrato social acerca dos poderes e atribuições dos seus administradores, entende-se que estes podem praticar todos e quaisquer atos pertinentes à gestão da sociedade, salvo 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 24 oneração ou alienação de bens imóveis, o que só poderão fazer se tais atos constituírem o próprio objeto social (art. 1.015, CC). Caso o contrato social estabeleça expressamente os poderes e atribuições dos administradores, é preciso analisar que efeitos para a sociedade produzirão os atos de gestão que extrapolarem os limites estabelecidos. 2.1.9. Distribuição nos lucros e resultados Da mesma forma que todos os sócios devem contribuir para a formação do capital social, é também requisito especial de validade do contrato social a garantia de que todos eles participem dos resultados sociais (lucros ou prejuízos), cabendo-lhes disciplinar a matéria no ato constitutivo. 2.1.10. Participação proporcional x participação desproporcional O sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele cuja contribuição consiste em serviços somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas, salvo se os sócios dispuserem em contrário (art. 1007, CC). Portanto, em tese, a participação dos sócios é proporcional às suas respectivas quotas, porém o contrato social pode dispor de forma diversa, determi- nando uma participação desproporcional. 2.1.11. Cláusula leonina Conforme art. 1.008 do CC “é nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas”, depreendendo-se, portanto, que é vedada a chamada “cláusula leonina”. Outrossim, a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade (art. 1.009, CC). 2.1.12. Responsabilidade dos sócios Conforme já vimos, a pessoa jurídica não se confunde com seus sócios, administradores, associ- ados, instituidores (art. 49-A do CC). 2.1.13. Responsabilidades subsidiária dos sócios A responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, seja qual for o tipo societário, é sempre subsidiária em relação à sociedade, nos termos do art. 1.024 do CC: “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.Desta forma, enquanto a sociedade possuir bens, são esses bens que devem responder por suas dívidas, garan- tindo-se aos sócios o benefício de ordem. Não havendo mais bens sociais a serem executados, a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais remanescentes será determinada pelo tipo societário escolhido: na sociedade em nome coletivo, 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 25 todos responderão de forma ilimitada e solidária (art. 1.039 do CC); na sociedade em comandita simples, apenas os comanditados responderão de forma ilimitada e solidária (art. 1.045 do CC); e na sociedade limitada, nenhum sócio responderá, salvo se o capital não estiver integralizado, caso em que todos respon- derão solidariamente pelo que faltar a integralizar (art. 1.052 do CC). Em se tratando de sociedade simples “pura”, a responsabilidade, em princípio, é ilimitada, mas não solidária, conforme previsão do art. 1.023 do CC: “se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária”. Destaque-se, porém, que a parte final do dispositivo legal em questão ressalva a possibilidade de pactuação de cláusula de responsabilidade solidária, tornando a responsabilidade dos sócios da socie- dade simples “pura”, nesse caso, igual à dos sócios de uma sociedade em nome coletivo. Essa cláusula de responsabilidade solidária é a prevista no art. 997, VIII, do CC, que estabelece a possibilidade de o contrato social prever “se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obri- gações sociais”. 2.1.14. Responsabilidade dos sócios na sociedade simples No caso de omissão no contrato da sociedade simples propriamente dita contrato, valerão as re- gras gerais dos arts. 1.023 e 1.024 do CC, ou seja, a responsabilidade dos sócios será subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024), mas ilimitada e proporcional entre eles (art. 1.023, 1ª parte). Porém, se pactuado expressamente, a responsabilidade dos sócios será subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024), mas ilimitada e solidária entre eles (art. 1.023, parte final). Ainda sobre a responsabilidade dos sócios da sociedade simples, o Enunciado no 10 das Jorna- das de Direito Comercial diz o seguinte: “nas sociedades simples, os sócios podem limitar suas respon- sabilidades entre si, à proporção da participação no capital social, ressalvadas as disposições específicas”. Art. 1.025 do CC. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão. Art. 1.032 do CC. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdei- ros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. Os ministros da 3ª turma do STJ reconheceram que o sócio que sai da sociedade responde por dívidas sociais até dois anos após sua saída, mas destacaram que essa responsabilidade se refere a dívi- das anteriores à sua saída, e não a dívidas posteriores no julgamento do REsp 1.537.521/RJ (STJ, rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva – 3ª T. – DJe 5 -2 -2019). 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 26 Art. 1.026 do CC. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquida- ção da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. Esse dispositivo admite a penhora de quotas para execução de dívida particular de sócio, nesses casos, aplica-se a regra do art. 861 do CPC. 2.1.15. Deliberações sociais Em princípio, compete aos administradores praticar os atos pertinentes à gestão dos negócios da sociedade, conforme o seu objeto social, contudo, quando se tratar de assuntos mais relevantes, a decisão não cabe ao administrador, mas ao conjunto de sócios, ou seja, exige, deliberação social prévia. As matérias que dependem da deliberação dos sócios poderão ser expressas no contrato social. Em alguns casos, porém, é a própria lei que o faz, como nas hipóteses de dissolução da sociedade (art. 1.033, III, do CC) ou de exclusão do sócio remisso (art. 1.004, parágrafo único, do CC). Quanto ao quórum de deliberação dispõe o art. 1.010: “quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um”. A regra é que as deliberações sejam tomadas por maioria, mas a própria lei ou o contrato social pode estabelecer quórum qualificado para certas matérias, como 2/3 (dois terços), ¾ (três quartos) ou até mesmo unanimidade (o art. 999 do CC, por exemplo, exige unanimidade para mudanças nas cláusulas obrigatórias do contrato social, descritas no art. 997). Enunciado no 385 das Jornadas de Direito Civil: “a unanimidade exigida para a modificação do contrato social somente alcança as matérias referidas no art. 997, prevalecendo, nos demais casos de deliberação dos sócios, a maioria absoluta, se outra mais qualificada não for prevista no contrato”. Art. 1.010, § 2o, do CC. Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso de empate, e, se este persistir, decidirá o juiz. A maioria absoluta não diz respeito ao número de sócios votantes, mas ao valor de suas quotas. A aferição do número de sócios votantes será importante, entretanto, quando pelo valor das quotas houver empate na votação. Nesse caso, prevalecerá a decisão que teve o apoio da maior quantidade de sócios. No caso de empate também no número de sócios, a matéria deverá ser levada ao Poder Judiciário. Lem- brando que, conforme art. 1.101, § 3o, responderá por perdas e danos sócio que, tendo interesses contrários a sociedade, participar de deliberação que aprove graças a seu voto. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 27 2.1.16. Da morte, retirada ou exclusão do sócio Art. 1.028 do CC. No caso de morte do sócio: I – se o contrato dispuser diferentemente; II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. Assim consta no manual de registro da sociedade limitada: 4.4.3. Retirada nos casos de prazo determinado ou indeterminado. Além dos casos pre- vistos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade: I – se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de ses- senta dias, a contar da notificação do último sócio. Nesta hipótese, observar-se-á o se- guinte: a) passado o prazo, deverá ser providenciado arquivamento da notificação, que poderá ser por qualquer forma que ateste a cientificação dos sócios; b) a junta anotará no cadastro da empresa a retirada do sócio; c) a sociedade deverá, na alteração contratual seguinte, regularizar o quadro societário; e II – se de prazo determinado, provando judici- almente justa causa. Ainda, deve-se observar o que trata o art. 1.030 sobre a exclusão do sócio: Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026. Em resumo, quanto à exclusão do sócio, pode ser ordenada a seguinte orientação: a) osócio remisso, por iniciativa da maioria dos demais sócios, poderá ser excluído da sociedade, exclusão essa que se realizará de forma extrajudicial; b) o sócio declarado falido ou civilmente insolvente, na forma das respectivas leis de regência, bem como o sócio cuja quota for liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026 do Código, serão, de pleno direito, excluídos da sociedade, exclusão essa que se dá, portanto, no plano extrajudicial; c) o sócio que incorrer em falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, o sócio declarado incapaz por fato superveniente, poderão ser excluídos por decisão da mai- oria dos demais sócios, mas a exclusão far-se-á judicialmente. Nesses casos, observa-se quanto às quotas o que prevê o art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, conside- rada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente le- vantado. § 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 28 o valor da quota. § 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liqui- dação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. Importante salientar ainda que, no que diz respeito à apuração de haveres, o ideal é que esteja disciplinado no próprio contrato social, estabelecendo: a) O critério de apuração dos haveres (art. 606, CPC). b) A forma e prazo de pagamento dos haveres (art. 604, §§ 1o a 3o, CPC). c) Os direitos do sócio durante a apuração dos haveres (art. 608, parágrafo único, CPC). A Lei no 14.195/2021 trouxe uma alteração importante a respeito da dissolução da sociedade sim- ples. O art. 1.033 do CC apresentava, em seu parágrafo único, um prazo de 180 dias para recomposição do quadro societário na hipótese de saída de um sócio. A disposição foi revogada, tendo em vista a possi- bilidade de a sociedade se tornar unipessoal. 2.2. Sociedade limitada 2.2.1. Responsabilidade dos sócios Art. 1.052 do CC. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Responsabilidade subsidiária: Se a sociedade tiver bens, é a própria sociedade quem responde pelas dívidas sociais (autonomia patrimonial da sociedade: arts. 49-A e 1.024 do CC). Responsabilidade limitada: Se a sociedade não tiver mais bens, e o capital social estiver totalmente integralizado, os sócios não respondem com seus bens pessoais pelas dívidas sociais. Responsabilidade solidária: Se a sociedade não tiver mais bens, e o capital social não estiver totalmente integralizado, os sócios respondem com seus bens pessoais pelas dívidas sociais, solidariamente, pelo que faltar para a integralização. Responsabilidade direta: Se houver abuso de personalidade jurídica, o(s) sócio(s) que se beneficiou (aram) direta ou indire- tamente do abuso responde(m) com seus bens pessoais pelas dívidas sociais, independentemente de a sociedade ainda ter bens (desconsideração da personalidade jurídica: art. 50 do CC). 2.2.2. Sociedade limitada unipessoal Segundo o art. 1.052, § 1o, do CC, a sociedade limitada pode ser constituída por uma única pessoa. Na limitada unipessoal não se exige capital mínimo, o sócio (mesmo sendo pessoa natural) pode constituir mais de uma limitada unipessoal e pode ser responsabilizado pelas dívidas da sociedade não 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 29 apenas em caso de fraude, mas em qualquer situação que permita a desconsideração da PJ. Não se trata de um novo tipo societário. 2.2.3. Aplicação subsidiária das normas da sociedade anônima A aplicação supletiva das normas da sociedade anônima (art. 1.053, parágrafo único, do CC) à sociedade limitada será feita quando o contrato social previr e se tratar de matéria que os sócios podem contratar. A regência supletiva não pode ser absoluta, somando-se ao texto da lei da sociedade limitada todo o texto das normas das sociedades simples ou todo o texto da lei das sociedades anônimas. Tal forma de regência encontra seus limites no critério de compatibilidade, entendida esta como a necessidade de se respeitar as questões ligadas à natureza e às finalidades econômicas e empresariais das sociedades, bem como de não lesar normas gerais e abstratas não adstritas à vontade dos sócios. Os limites de regência supletiva se aplicam tanto em relação à sociedade anônima como em relação à sociedade simples. Tratando-se de direitos disponíveis, reguláveis no contrato social por conta do contratualismo da sociedade, as regras do contrato prevalecem em detrimento das normas de regência supletiva, ainda que, sobre a questão, o capítulo da sociedade limitada seja omisso. A regência supletiva não deve implicar a transformação do tipo societário. Assim, a limitada não deve transformar-se em subespécie de sociedade anônima ou subespécie de sociedade simples. Não pode ainda implicar a descaracterização, desnaturação, perda de flexibilidade e adaptabilidade, que são as prin- cipais riquezas da sociedade limitada, juntamente com a responsabilidade limitada dos sócios. 2.2.4. Contrato social Art. 1.054 do CC. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se for o caso, a firma social. Art. 997 do CC. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas natu- rais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV – a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Cláusulas obrigatórias: 1. Qualificação dos sócios: sócio incapaz, sócio impedido e sócios casados. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 30 2. Qualificação da sociedade: nome empresarial, objeto, sede e prazo. 3. Capital social: funções, diferença para o patrimônio e “ subcapitalização”. 4. Subscrição e integralização das quotas: impossibilidade de contribuições em serviços. 5. Administração da sociedade: administrador não sócio e conselho de administração. 6. Participação nos lucros e nas perdas: quotas preferenciais. Art. 1.055 do CC. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. § 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. Art. 1.005 do CC. O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso, responde pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito. 2.2.5. Integralização em bens ou créditos a) Se o sócio integralizar sua quota com transferência de bens, estes devem ser suscetíveis de avaliação pecuniária, além de o sócio responder pela evicção, isto é, caso a soci- edade perca esse bem posteriormente em razão de ele ser de outrem, o sócio que o havia trans- ferido terá que pagar a ela o seu valor (segundo doutrinadores, deveria o CC ter previsto também a responsabilidade do sócio por eventuais vícios redibitórios da coisa).b) Se o sócio integralizar sua quota com a transferência de créditos de sua titula- ridade, responderá pela solvência do devedor, isto é, caso os créditos cedidos não sejam pagos pelos seus devedores, o sócio que os cedeu terá que pagá-los. c) Nas sociedades limitadas não é necessário laudo de avaliação dos bens usados para integralização do capital social, e isso vale tanto para a constituição da sociedade quanto para os casos de aumento do capital social. d) A doutrina costuma destacar que os bens cedidos à sociedade a título de integraliza- ção do capital social (i) devem estar relacionados ao objeto social, tendo utilidade direta ou indi- reta para a atividade exercida pela sociedade, e (ii) devem ser aptos à execução por eventuais credores sociais, de modo que não seria permitido integralizar quotas com bens impenhoráveis. 2.2.6. Integralização em bens móveis Art. 35, VII, ‘a’, da Lei no 8.934/1994: o contrato social deve conter “a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, bem como o número da matrícula no registro imobiliário ”. O arquivamento de contrato social com essa estipulação não é suficiente para transferir a propri- edade do imóvel do sócio para a sociedade. Deve-se observar o art. 64 da Lei no 8.934/1994. Após fazer o 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 31 arquivamento do contrato social, pega-se a certidão da Junta Comercial para que ela seja levada a regis- tro no cartório de imóveis, e é isso o que operará a transferência de titularidade do bem. 2.2.7. Contribuição em serviços Nas sociedades limitadas, não se admite a contribuição em serviços (art. 1.055, § 2o, do CC). 2.2.8. Indivisibilidade das Quotas Art. 1.056 do CC. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de trans- ferência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte. § 1o No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio fale- cido. § 2o Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização. O condomínio de quotas pode ser decorrente de ato inter vivos ou de sucessão causa mortis. A quota terá mais de um dono, mas, perante a sociedade, como ela é indivisível, apenas um dos condôminos poderá exercer os direitos que ela confere, o condômino-sócio (condômino escolhido ou inventariante). 2.2.9. Cessão de quotas Art. 1.002 do CC. O sócio não pode ser substituído no exercício das suas funções, sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social. Art. 1.003 do CC. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade. Art. 1.057 do CC. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcial- mente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. 2.2.9.1. Contrato social Quotas transferíveis/intransferíveis Transferência condicionada/incondicionada Direito de preferência aos sócios Silêncio a) Livre transferência entre sócios b) Transferência condicionada para estranhos 2.2.9.2. IN 81 do DREI Item 4.4.2 do Manual de Registro da Sociedade Limitada: Na omissão do contrato social, a cessão de quotas de uma sociedade limitada pode ser feita por instrumento de cessão de quotas, total ou parcialmente, averbado junto ao 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 32 registro da sociedade, com a devida repercussão no cadastro e independentemente de alteração contratual (Enunciado no 225 das Jornadas de Direito Civil. Notas: I. A reunião ou assembleia de sócios pode ser suprida, se substituída pela expressa anuência escrita, no instrumento de cessão ou em outro, de detentores de mais de setenta e cinco por cento do capital social da limitada em questão. II. Será obrigatória, na primeira alteração contratual que sobrevier após a averbação da cessão, a consolidação do Contrato Social, com o novo quadro societário. 2.2.10. Responsabilidade do cedente e do cessionário de quotas O sócio que cedeu suas quotas a outrem não fica automaticamente exonerado de eventuais obri- gações perante terceiros e perante a própria sociedade. Art. 1.003, parágrafo único: “Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio”. O sócio que ingressou na sociedade, por sua vez, não ficará responsável apenas pelas obrigações sociais posteriores, mas também pelas anteriores à sua entrada (art. 1.025, CC). 2.2.10.1. Sócio remisso Ao sócio que está em mora quanto à integralização de suas quotas, nos termos do art. 1.004 do CC, dá-se o nome de sócio remisso, podendo os demais sócios, conforme previsto na regra em comento, cobrar dele uma indenização por eventuais prejuízos que sua mora tenha causado à sociedade. Mas essa não é a única medida que os demais sócios podem tomar contra o remisso. Nos termos do parágrafo único do art. 1.004, “verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à inde- nização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031”. Assim, o sócio remisso pode ter sua participação na sociedade reduzida ao número de quotas que ele efetivamente já integralizou, ou ainda ser excluído da sociedade, por deliberação da maioria res- tante (ou seja, a exclusão é extrajudicial, sem necessidade de ação judicial). Tratando-se de sociedade limitada, há regra especial sobre o sócio remisso, prevista no art. 1.058 do CC: “não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas”. 2.2.11. Administração A administração da sociedade compete a uma ou mais pessoas, que serão designadas no contrato social ou em ato separado. Pode, também, haver a criação de um conselho de administração. É importante lembrar que, conforme parágrafo único do art. 1.060 do CC, a administração atribuída 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 33 no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa quali- dade. Art. 1.061 do CC. A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização. Art. 1.062 do CC. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo me- diante termo de posse no livro de atas da administração. § 1° Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se tornará sem efeito. § 2° Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja aver- bada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da no- meação e o prazo de gestão. 2.2.12. Conselho fiscal O conselho fiscal é um órgão facultativo, podendo ser previsto no contrato social. É permitido ser composto por três ou mais membros, sócios ou não, desde que residentes no país, conforme art. 1.066 do CC: “Sem prejuízodos poderes da assembleia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembleia anual prevista no art. 1.078”. Não podem figurar como membros do conselho, além daqueles elencados no § 1o do art. 1.011, membros de outros órgãos da sociedade ou de outro órgão controlado por ela. Além dos seus empregados ou dos respectivos administradores, cônjuges ou parentes dos administradores até o terceiro grau, con- forme disposto no § 1o, do art. 1.066, do CC. 2.2.12.1. Deveres dos membros do conselho fiscal De acordo com o art. 1.069 do CC, são deveres dos membros do conselho fiscal, além de outros previstos em lei ou no contrato social: • Examinar os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira; • Denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem; • Lavrar no livro de atas e pareceres os resultados dos exames dos livros e papéis da sociedade; • Convocar assembleia dos sócios se a diretoria retardar por mais de 30 dias sua convocação natural ou em casos graves e urgentes; • Praticar esses atos durante o período da liquidação da sociedade; • Apresentar à assembleia anual dos sócios parecer sobre os negócios e operações sociais do exercício que serviram. 2.2.13. Deliberação dos sócios Depende da liberação dos sócios, de acordo com o art. 1.071 do CC: a aprovação das contas da 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 34 administração; a designação dos administradores, quando feita em ato separado; a destituição dos admi- nistradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; a modificação do contrato social; a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas e o pedido de concordata. 2.2.14. Assembleia Depreende-se do art. 1.078 do CC que a assembleia deverá ser realizada pelo menos uma vez ao ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, tendo como objetivo: • Tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o resultado econômico; • Designar administradores, se for o caso; • Tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia. 2.2.15. Alteração da Lei no 14.195/2021 A Lei no 14.195/2021 trouxe em seu texto o art. 46. Através dele, as sociedades limitadas passaram a ter o direito de emitir notas comerciais, que são as chamadas debêntures da limitada. Essa alteração irá auxiliar as sociedades a capitalizar e conseguir recursos em um curto prazo, com o objetivo de financiar operações e gerar capital de giro através da emissão de títulos de dívidas, uma alternativa ao financiamento bancário. 2.3. Sociedade anônima 2.3.1. Legislação aplicável No Brasil, as sociedades anônimas são regidas pela Lei no 6.404/1976 (LSA). 2.3.2. Características da sociedade anônima • Natureza capitalista; • Essência empresarial; • Identificação por denominação; • Limitação de responsabilidade dos acionistas. 2.3.2.1. Companhias abertas e fechadas Art. 4o da Lei no 6.404/1976: Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários. §1o Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários. §2o Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 35 2.3.2.1.1. Abertura de capital Pelo fato de possuir instrumentos/mecanismos de captação de recursos junto a investidores, a sociedade anônima – especialmente a de capital aberto, que pode emitir e negociar valores mobiliários no mercado de capitais – é o tipo societário ideal para a exploração de grandes empreendimentos. Em contrapartida, para dar um mínimo de segurança a essas operações no mercado de capitais, o Estado exerce sobre a companhia aberta um maior controle, por meio da uma agência reguladora espe- cífica, que é a Comissão de Valores Imobiliários – CVM. 2.3.3. Comissão de Valores Imobiliários A CVM é uma entidade autárquica federal de natureza especial, com qualidade de agência regu- ladora (Art. 5o da Lei no 6.385/1976). A competência da CVM no controle e na fiscalização do mercado de capitais é exercida, pode-se dizer, de três diferentes formas: a) Regulamentar, uma vez que cabe à CVM estabelecer o regramento geral relativo ao funcionamento do mercado de capitais, expedindo atos normativos para tanto; b) Autorizante (registrária), uma vez que é a CVM que autoriza a constituição de com- panhias abertas e a emissão e negociação de seus valores mobiliários; c) Fiscalizatória, uma vez que a CVM deve zelar pela lisura das operações realizadas no mercado de capitais, sendo investida, para tanto, de poderes sancionatórios. 2.3.4. Mercado bancário X mercado de capitais Mercado bancário: operações de crédito, em que a empresa assume a posição de de- vedora e se compromete, não raro, a devolver os valores captados em curto espaço de tempo e a taxas de juros altas. Mercado de capitais: operações de investimento, em que os investidores não se tornam credores da companhia, mas sócios e partes interessadas no sucesso da empresa, pois é dele que advirá o retorno do investimento feito por eles. 2.3.4.1. Mercado de capitais primário e secundário No mercado de capitais primário, são realizadas as operações de subscrição e emissão de ações e outros valores mobiliários das companhias. Por sua vez, o mercado de capitais secundário com- preende as operações de compra e venda desses valores. Primário: operações de emissão e subscrição em que a sociedade anônima está colo- cando no mercado de capitais um valor mobiliário novo, de modo que há uma relação entre a própria companhia e o investidor, que pagará o preço de emissão. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 36 Secundário: operações de compra e venda em que se negociam valores mobiliários já existentes, de modo que há uma relação entre o titular do valor mobiliário e o seu novo “dono”, que pagará o valor de mercado, o qual oscilará conforme o momento pelo qual passa a com- panhia. 2.3.4.2. Bolsa de Valores Trata-se de entidades privadas (associações ou sociedades) formadas por sociedades corretoras que, por meio de autorização da CVM, prestam serviço de interesse público inegável, consistente na ma- nutenção de local adequado à realização das operações de compra e venda dos diversos valores mobiliá- rios emitidos pelas companhias abertas. A grande finalidade da bolsa de valores é dinamizar as operações do mercado de capitais, am- pliando o volume de negócios por meio da realização de pregão diário, em que os agentes das diver- sas corretoras que a compõem, obedecendo às regras do mercado mobiliário, se encontram e mantêm relações constantemente. As bolas de valores realizam operações do mercado de capitais secundário (compra e venda). 2.3.4.3. Mercado de balcão O mercado de balcão compreende toda e qualquer operação do mercado de capitais realizada fora da bolsa de valores (não há um local físico específico). Quem atua no mercado de balcão, portanto, são as sociedades corretoras, instituições financeiras e agentes autônomos autorizados pela CVM. No mercado de balcão se realizam operações tanto do mercado de capitais primário (emissão e subscrição) quanto do mercado de capitais secundário (compra e venda), sendo que neste caso a liquidez é bem menor do que na bolsa de valores. Há que se distinguir ainda o simples mercado de balcão (mercado de balcão não organizado), cujas operações são realizadas por sociedades corretoras, instituiçõesfinanceiras e agentes autônomos autorizados, e o mercado de balcão organizado (MBO), composto no Brasil pela Sociedade Operadora do Mercado de Acesso (SOMA), companhia criada especialmente com a finalidade de manter um sistema que viabilize as operações de compra e venda de valores mobiliários, com seu registro e divulgação. 2.3.5. Constituição da sociedade anônima Sendo a sociedade anônima uma sociedade institucional, e não contratual, ela se constitui não por meio de um contrato social, mas de um ato institucional ou estatutário (estatuto social). Ausente a contratualidade, a constituição da sociedade anônima deve seguir uma série de requi- sitos formais previstos na legislação acionária, que variam conforme ela seja aberta ou fechada. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 37 De acordo com o art. 80 da LSA: Inciso I: exige-se a pluralidade de sócios, não sendo permitida a criação de sociedade anônima unipessoal, com exceção da subsidiária integral (art. 251 da LSA). Inciso II: exigência aplicável apenas aos casos de integralização em dinheiro e a prazo. Ademais, há casos especiais em que se exige percentual maior (o art. 27 da Lei no 4.595/1964 prevê 50% para instituições financeiras. Inciso III: pode ser em qualquer banco. 2.3.5.1. Contratação de underwriter De acordo com o art. 82 da LSA, o fundador de uma companhia aberta deverá necessariamente contratar os serviços de uma empresa especializada para constituí-la (underwriter). Caberá a essa empresa colocar as ações junto aos investidores – etapa seguinte – e também cuidar de uma série de documentos a serem apresentados à CVM, assinando-os. Contratada a empresa, será apresentado o pedido de registro à CVM, instruído com estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendimento, projeto de estatuto social e prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela instituição financeira intermediária (art. 82, § 1o, da LSA). A CVM tam- bém exige outros documentos. 2.3.5.2. Estudo de viabilidade, projeto de estatuto e prospecto Com base nessa documentação apresentada – estudo, projeto e prospecto –, caberá à CVM avaliar o empreendimento. Assim, conforme disposto no § 2o do mesmo art. 82 da LSA, “a Comissão de Valores Mobiliários poderá condicionar o registro a modificações no estatuto ou no prospecto e denegá-lo por inviabilidade ou temeridade do empreendimento, ou inidoneidade dos fundadores”. Caso a CVM aprove os documentos apresentados, com ou sem modificações, ela deferirá o regis- tro e terá início a segunda etapa desse procedimento constitutivo da companhia aberta, por meio da colo- cação das ações junto aos investidores interessados, a fim de que estes possam proceder à subscrição delas. Em suma, caberá à instituição financeira underwriter captar recursos no mercado, atraindo inves- tidores para o empreendimento a ser desenvolvido pela companhia. Colocadas as ações à disposição dos investidores interessados pela empresa underwriter, todo o capital social deve ser subscrito. Ocorrendo tal fato, passa-se à terceira etapa do procedimento, com a realização da assembleia de fundação. Os serviços de underwriting podem ser por (i) melhor esforço, (ii) garantia de subscrição parcial ou (iii) garantia de subscrição total. 2.3.5.3. Assembleia de fundação Dispõe o art. 86 da LSA que “encerrada a subscrição e havendo sido subscrito todo o capital social, os fundadores convocarão a assembléia geral que deverá: I – promover a avaliação dos bens, se for 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 38 o caso (art. 8o); II – deliberar sobre a constituição da companhia”. O quórum de instalação dessa assembleia inicial de fundação está previsto no art. 87 da LSA: “a assembleia de constituição instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de subscritores que representem, no mínimo, metade do capital social, e, em segunda convocação, com qualquer número”. Para que se aprove a constituição da companhia aberta, basta que não haja oposição de mais da metade do capital social, nos termos do § 3o do art. 87 da LSA, que assim dispõe: “verificando-se que foram observadas as formalidades legais e não havendo oposição de subscritores que representem mais da me- tade do capital social, o presidente declarará constituída a companhia, procedendo-se, a seguir, à eleição dos administradores e fiscais”. * Todos votam, inclusive titulares de ações preferenciais. ** Alterações no estatuto dependem de deliberação unânime. 2.3.5.4. Constituição por subscrição particular Em se tratando de constituição de companhias fechadas, o procedimento é bem mais simplificado, uma vez que é realizado por meio de subscrição particular, sem a captação de recursos junto a inves- tidores no mercado de capitais. De acordo com o art. 88 da LSA, “a constituição da companhia por subscrição particular do capital pode fazer-se por deliberação dos subscritores em assembleia geral ou por escritura pública, considerando- se fundadores todos os subscritores”. Vê-se, então, que podem ser adotadas duas modalidades de constituição: (i) a realização de assembleia dos subscritores ou (ii) a lavratura de escritura pública em cartório. 2.3.5.5. Constituição por assembleia de fundação Caso a opção adotada seja a realização de assembleia de fundação, ela deverá submeter-se ao mesmo procedimento da assembleia de fundação da companhia aberta, analisado no tópico antecedente. É o que determina o § 1o do art. 88 da LSA: “se a forma escolhida for a de assembleia geral, observar-se-á o disposto nos arts. 86 e 87, devendo ser entregues à assembleia o projeto do estatuto, assinado em dupli- cata por todos os subscritores do capital, e as listas ou boletins de subscrição de todas as ações”. 2.3.5.6. Constituição por escritura pública Caso, em contrapartida, a opção adotada seja a lavratura de escritura pública em cartório, devem ser observadas as formalidades constantes do § 2o do art. 87 da LSA: “preferida a escritura pública, será ela assinada por todos os subscritores, e conterá: a) a qualificação dos subscritores, nos termos do art. 85; b) o estatuto da companhia; c) a relação das ações tomadas pelos subscritores e a importância das entradas pagas; d) a transcrição do recibo do depósito referido no número III do art. 80; e) a transcrição do laudo de 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 39 avaliação dos peritos, caso tenha havido subscrição do capital social em bens (art. 8o); f) a nomeação dos primeiros administradores e, quando for o caso, dos fiscais”. Ultimadas as referidas providências, conforme o caso, passa-se à fase denominada pela legislação acionária de formalidades complementares de constituição da companhia. 2.3.6. Regras gerais sobre a subscrição das ações Independentemente da modalidade de constituição da sociedade anônima, seja por subscrição pública ou por subscrição particular, a legislação do anonimato estabelece algumas regras gerais aplicáveis aos procedimentos anteriormente analisados. De acordo com o art. 89 da LSA, “a incorporação de imóveis para formação do capital social não exige escritura pública”. De fato, pode ser que parte do capital social da companhia seja formado por bens (sejam eles móveis ou imóveis), e a lei deixou claro que, mesmo tratando-se de bens imóveis, é dispensá- vel que a sua incorporação ao capital da sociedade seja feita por meio de escritura pública. O art. 91 da LSA determina que “nos atos e publicações referentes a companhia em constituição, sua denominação deverá ser aditada da cláusula ‘em organização’”. Somente após a sua efetiva constitui- ção, com o posterior registro dos atos constitutivos na Junta Comercial, poderá ser retirada a expressão “em organização” de sua denominação. O art. 92 da LSA, por outro lado, regula as responsabilidades dos fundadores da companhia e da instituição financeira prestadora dos serviços de underwriting, dispondoque “os fundadores e as instituições financeiras que participarem da constituição por subscrição pública responderão, no âmbito das respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância de preceitos legais”. Complementando essa regra do caput, estabelece o seu parágrafo único que “os fundadores res- ponderão, solidariamente, pelo prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos ou operações anteriores à constituição”. Isso mostra que a exigência de contratação de instituição financeira underwriter é importante para dar mais segurança aos investidores. 2.3.7. Formalidades complementares Uma vez ultrapassadas todas as etapas analisadas anteriormente, passa-se à fase de formalida- des complementares da constituição da sociedade anônima, fase esta que compreende, basicamente, os procedimentos de registro na Junta Comercial, além de outras pequenas medidas de cunho administra- tivo e operacional. Com efeito, segundo o art. 94 da LSA, “nenhuma companhia poderá funcionar sem que sejam arquivados e publicados seus atos constitutivos”. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 40 Afinal, conforme já estudamos, no Brasil a personalidade jurídica só se inicia com o respectivo registro no órgão competente (art. 985 do CC), e esse registro deve ser prévio ao início do exercício da atividade empresarial (art. 967 do CC). Tratando-se de sociedade empresária, como é o caso da sociedade anônima, o órgão registral competente é justamente a Junta Comercial do Estado em que se localizar a sede da companhia. Caso a constituição da companhia tenha ocorrido por meio da realização de assembleia de funda- ção, a LSA determina o arquivamento de uma série de documentos, nos termos do seu art. 95 (“um exem- plar do estatuto social, assinado por todos os subscritores”, por exemplo). Caso, entretanto, a companhia tenha sido constituída por meio da lavratura de escritura pública em cartório, o que só pode ocorrer, frise-se, com as companhias fechadas, a LSA determina que basta o arquivamento da certidão expedida pelo cartório no qual foi lavrada a escritura. É que dispõe o seu art. 96: “se a companhia tiver sido constituída por escritura pública, bastará o arquivamento de ce rtidão do instru- mento”. Na análise dos atos levados a registro, caberá à Junta Comercial, conforme determinação do art. 97 da LSA, “examinar se as prescrições legais foram observadas na constituição da companhia, bem como se no estatuto existem cláusulas contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes”. Sendo negado o registro pela Junta, aplica-se a regra constante do parágrafo único do dispositivo em questão: “se o arquivamento for negado, por inobservância de prescrição ou exigência legal ou por irregularidade verificada na constituição da companhia, os primeiros administradores deverão convocar imediatamente a assembleia geral para sanar a falta ou irregularidade, ou autorizar as providências que se fizerem necessárias [...]”. Deferido o arquivamento dos atos constitutivos da companhia pela Junta Comercial, devem os administradores providenciar a publicação de tais atos na imprensa oficial de sua localidade, nos termos do art. 98 da LSA: “arquivados os documentos relativos à constituição da companhia, os seus administradores providenciarão, nos 30 (trinta) dias subsequentes, a publicação deles, bem como a de certidão do arquiva- mento, em órgão oficial do local de sua sede”. Cumpridas todas as formalidades anteriormente detalhadas, a sociedade anônima poderá, enfim, entrar em funcionamento. Assim, se a companhia começar a exercer suas atividades antes de cumpridas as formalidades complementares ora em análise, será considerada irregular, determinando, inclusive, o art. 99, parágrafo único, da LSA que “a companhia não responde pelos atos ou operações praticados pelos primeiros administradores antes de cumpridas as formalidades de constituição, mas a assembleia geral poderá deliberar em contrário”. Isso significa que os atos e operações praticados pelos pr imeiros 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 41 administradores antes de cumpridas as formalidades de constituição são de responsabilidade deles, e não da companhia, salvo se a assembleia geral, por exemplo, ratificar tais atos. Finalmente, caso sobrevenha algum prejuízo para a companhia em razão de atraso na satisfação de todas essas exigências formais da lei, prevê o art. 99 da LSA que os primeiros administradores devem responder perante a sociedade, podendo esta ingressar com ação de reparação civil contra eles: “os pri- meiros administradores são solidariamente responsáveis perante a companhia pelos prejuízos causados pela demora no cumprimento das formalidades complementares à sua constituição”. 2.4. Tipos menores e operações 2.4.1. Sociedade em nome coletivo Conforme art. 1.039 do CC: • Impossibilidade de sócio pessoa jurídica (sócio incapaz/impedido?); • Responsabilidade ilimitada dos sócios; • Uso de firma social (art. 1.156 do CC). A solidariedade se dá entre os sócios. Entre eles e a própria sociedade, porém, a relação é de subsidiariedade. Essa eventual limitação de responsabilidade só produz efeitos entre os sócios. Perante os credores da sociedade, a responsabilidade dos sócios de uma sociedade em nome coletivo é sempre ilimitada. Ha- vendo, todavia, a previsão contratual de limitação de responsabilidade entre eles, isso repercutirá apenas internamente, dando ensejo, por exemplo, ao direito de regresso de um sócio contra outro. 2.4.2. Legislação aplicável Art. 1.040 do CC. A sociedade em nome coletivo se rege pelas normas deste Capítulo e, no que seja omisso, pelas do Capítulo antecedente. Art. 1.041 do CC. O contrato deve mencionar, além das indicações referidas no art. 997, a firma social. [...] § 2o Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários.” Contrato social: art. 997 do CC. 2.4.3. Administração da sociedade Art. 1.042 do CC. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes. 2.4.4. Penhora de cotas Art. 1.043 do CC. O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a socie- dade, pretender a liquidação da quota do devedor. Parágrafo único. Poderá fazê-lo quando: I – a sociedade houver sido prorrogada tacitamente; II – tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida judicialmente oposição do credor, 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 42 levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório. Nesse caso, aplica-se subsidiariamente o caput do art. 1.026 (penhora de lucros). 2.4.5. Dissolução Art. 1.044 do CC. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enu- meradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência. 2.4.6. Sociedade em comandita simples Comanditado: pessoa natural / responsabilidade ilimitada; Comanditário: pessoa natural ou jurídica / responsabilidade limitada. O regime jurídico do sócio comanditado é o mesmo do sócio da sociedade em nome coletivo, ou seja: (i) o comanditado tem que ser pessoa física, (ii) só o comanditado pode administrar a sociedade, (iii) só o nome do comanditado pode constar da firma social e (iv) a responsabilidade do comanditado é ilimi- tada. 2.4.7. Sociedade em comandita por ações Utiliza tanto a Lei das S.A.s (art. 280) quanto o CC (art. 1.090). Segundo a doutrina, a sociedade em comandita por ações é uma sociedade empresária híbrida: tem aspectos de sociedade em comandita e aspectos de sociedade anônima. Com efeito, a sociedade em comandita por ações, assim como as soci- edades anônimas, tem o seu capital dividido em ações; e, assim como as sociedades em comandita simples, possui duas categorias distintas de sócios,uma com responsabilidade limitada e a outra com responsabilidade ilimitada. 2.4.7.1. Nome empresarial Lei da S.A.s Art. 281. A sociedade poderá comerciar sob firma ou razão social, da qual só farão parte os nomes dos sócios-diretores ou gerentes. Ficam ilimitada e solidariamente responsá- veis, nos termos desta Lei, pelas obrigações sociais, os que, por seus nomes, figurarem na firma ou razão social. Parágrafo único. A denominação ou a firma deve ser seguida das palavras “Comandita por Ações”, por extenso ou abreviadamente. Art. 1.157. A sociedade em que houver sócios de responsabilidade ilimitada operará sob firma, na qual somente os nomes daqueles poderão figurar, bastando para formá-la aditar ao nome de um deles a expressão “e companhia” ou sua abreviatura. Parágrafo único. Ficam solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações contraí- das sob a firma social aqueles que, por seus nomes, figurarem na firma da sociedade de que trata este artigo. Art. 1.161. A sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar denomi- nação aditada da expressão “comandita por ações”, facultada a designação do objeto so- cial. 2.4.7.2. Administração da sociedade Lei da S.A.s 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 43 Art. 282. Apenas o sócio ou acionista tem qualidade para administrar ou gerir a sociedade, e, como diretor ou gerente, responde, subsidiária mas ilimitada e solidariamente, pelas obrigações da sociedade. § 1o Os diretores ou gerentes serão nomeados, sem limitação de tempo, no estatuto da sociedade, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que repre- sentem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital social. § 2o O diretor ou gerente que for destituído ou se exonerar continuará responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração. Art. 1.091 do CC. Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor, responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade. § 1o Se houver mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis, depois de esgota- dos os bens sociais. § 2o Os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social. § 3o O diretor destituído ou exonerado continua, durante dois anos, responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração. 2.4.7.3. Poderes da assembleia geral Em função de os diretores não serem eleitos pela assembleia geral, mas simplesmente nomeados no ato constitutivo, e de não terem mandato, a legislação lhes impõe regras severas quanto à sua respon- sabilidade. Diante de tal fato, os poderes da assembleia geral são limitados, não tendo ela competência para deliberar sobre certas matérias específicas que possam repercutir na responsabilidade dos acionistas diretores. Lei das S.A.s Art. 283. A assembleia geral não pode, sem o consentimento dos diretores ou gerentes, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou diminuir o capital social, emitir debêntures ou criar partes beneficiárias nem aprovar a par- ticipação em grupo de sociedade. Art. 1.092 do CC. A assembleia geral não pode, sem o consentimento dos diretores, mu- dar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou dimi- nuir o capital social, criar debêntures, ou partes beneficiárias. Aplicabilidade da Lei no 6.404/1976: Art. 284. Não se aplica à sociedade em comandita por ações o disposto nesta Lei sobre conselho de administração, autorização estatutária de aumento de capital e emissão de bônus de subscrição. 2.4.8. Cooperativas 2.4.8.1. Tratamento constitucional: criação livre Art. 5°, XVIII, CF – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; Os arts. 17 a 20 da Lei no 5.764/1971, que tratam da “autorização para funcionamento” das coo- perativas, não foram recepcionados pela CF/1988, que assegura a livre criação de sociedades cooperati- vas. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 44 2.4.8.2. Natureza: sociedade simples Enquanto a sociedade anônima é sempre uma sociedade empresária, pouco importando a atividade que desempenha, a sociedade cooperativa é sempre uma sociedade simples (art. 982, parágrafo único, do CC). 2.4.8.3. Registro: Junta Comercial Lei no 8.934/1994, Art. 32. O registro compreende: II – O arquivamento: a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas; Apesar de a cooperativa ter a natureza de sociedade simples, ela não se registra no Cartório (art. 1.150 do CC), mas nas Junta Comercial (art. 32, II, a, da Lei no 8.934/1994). 2.4.8.4. Legislação aplicável: Lei no 5.764/1971 Art. 1.093 do CC. A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Ca- pítulo, ressalvada a legislação especial. Art. 1.096 do CC. No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à soci- edade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094. A legislação especial das cooperativas é a Lei no 5.764/1971. 2.4.8.5. Nome empresarial: denominação Art. 1.159 do CC. A sociedade cooperativa funciona sob denominação integrada pelo vo- cábulo “cooperativa”. Art. 5° da Lei no 5.764/1971. As sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qual- quer gênero de serviço, operação ou atividade, assegurando-se lhes o direito exclusivo e exigindo-se lhes a obrigação do uso da expressão “cooperativa” em sua denominação. Parágrafo único. É vedado às cooperativas o uso da expressão “Banco”. 2.4.8.6. Características da cooperativa Art. 1.094 do CC. São características da sociedade cooperativa: I – variabilidade, ou dispensa do capital social; II – concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da soci- edade, sem limitação de número máximo; III – limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; IV – intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; V – quórum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; VI – direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; VII – distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; VIII – indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade. 2.4.8.7. Responsabilidade dos sócios Segundo o art. 1.095 do CC, na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 45 limitada ou ilimitada: É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a proporção de sua participação nas mesmas operações. É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde solidária e ilimi- tadamente pelas obrigações sociais. Ainda que a responsabilidade dos sócios da sociedade cooperativa seja ilimitada, ela não deixa de ser subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024 do CC e art. 13 da Lei no 5.764/1971). 2.4.8.8. Administração A cooperativa será administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administração, composto ex- clusivamente de associados eleitos pela Assembleia Geral, com mandato nunca superior a quatro anos, sendo obrigatória a renovação de, no mínimo, 1/3 do Conselho de Administração. 2.4.8.9. Fundos Fundos de reserva são destinadosa reparar perdas e a atender ao desenvolvimento de suas atividades, constituído com 10%, pelo menos, das sobras líquidas do exercício, já os Fundos de Assistên- cia Técnica, Educacional e Social são destinados à prestação de assistência aos associados, seus fami- liares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; constituído, pelo menos, das so- bras líquidas apuradas no exercício. 2.4.8.10. Associados O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela so- ciedade, desde que façam a adesão aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto. A previsão legal está contida nos arts. 30 e 31, ambos da Lei no 5.764/1971. Além disso, o órgão normativo respectivo pode restringir a admissão de associados às pessoas que exerçam determinada atividade ou profissão, ou que estejam vinculadas a determinada entidade. 2.4.8.11. Assembleia geral É feita pelas pessoas que compõem a cooperativa e tem poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta. Ainda, suas deliberações vinculam a todos, mesmo que ausentes ou discordantes. 2.4.8.12. Dissolução e liquidação A dissolução poderá ser feita de forma voluntária (art. 63 da Lei no 5.764/1971) ou através de medida judicial, a pedido de qualquer associado ou por iniciativa de órgão executivo federal. Importante ressaltar que a dissolução da cooperativa importa no cancelamento de sua autorização 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 46 para funcionar e de seu registro. Art. 63, Lei no 5.764/1971. As sociedades cooperativas se dissolvem de pleno direito: I – quando assim deliberar a Assembleia Geral, desde que os associados, totalizando o número mínimo exigido por esta Lei, não se disponham a assegurar a sua continuidade; II – pelo decurso do prazo de duração; III – pela consecução dos objetivos predeterminados; IV – devido à alteração de sua forma jurídica; V – pela redução do número mínimo de associados ou do capital social mínimo se, até a Assembleia Geral subsequente, realizada em prazo não inferior a 6 (seis) meses, eles não forem restabelecidos; VI – pelo cancelamento da autorização para funcionar; VII – pela paralisação de suas atividades por mais de 120 (cento e vinte) dias. 2.4.9. Sociedade em comum A sociedade em comum está prevista nos arts. 986 a 990 do CC. Prevê o art. 986, primeira parte, do referido Código que: “enquanto não inscritos os atos constitu- tivos, reger-se-á a sociedade”, logo, infere-se que a sociedade, ainda que irregular, existirá de fato, porém não terá personalidade jurídica. Na sociedade em comum, a responsabilidade dos sócios será solidária e ilimitada, de forma ampla, sendo excluído do benefício de ordem aquele que contratou, nos termos do art. 990 do CC. 2.5. Operações societárias A matéria está disciplinada tanto na Lei no 6.404/1976 quanto no Código Civil. Assim, se numa determinada operação societária há a participação de uma sociedade anônima, aplicam-se as regras pre- vistas na LSA, em razão da especialidade desse diploma legislativo. Todavia, se a operação não conta com a participação de uma sociedade anônima, aplicam-se as regras do CC. Enunciado no 70 das Jornadas de Direito Civil: “As disposições sobre incorporação, fusão e cisão previstas no CC não se aplicam às sociedades anônimas. As disposições da Lei no 6.404/1976 sobre essa matéria aplicam-se, por analogia, às demais sociedades naquilo em que o CC for omisso”. 2.5.1. Transformação A transformação é operação pela qual a sociedade altera o seu tipo societário (por exemplo: uma sociedade limitada que passa a ser uma sociedade anônima). Não há mudança no quadro societário, no patrimônio e nas obrigações. Não há que se falar em sucessão, e os bens continuam sob mesma titulari- dade, sendo preciso apenas averbar no órgão de registro o novo nome da sociedade. Art. 1.113 do CC. O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da so- ciedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se. Art. 220, da Lei das S/A. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro. Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos que regulam a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 47 2.5.1.1. Transformação de sociedade cooperativa O DREI não admitia a transformação de sociedades cooperativas em sociedades empresárias, mas, a partir da IN no 81, o departamento alterou seu entendimento, e passou a permitir expressamente. O novo entendimento do departamento se deu em função das regras da Lei da Liberdade Econô- mica (art. 3o, V e VII, e art. 4o, VII), bem como em razão da existência de decisões judiciais que reconheciam às cooperativas o direito de se transformar (converter) em sociedades empresárias: O art. 63, IV, da Lei 5.764/1971 prevê que, em caso de transformação da forma jurídica, ocorrerá, de pleno direito, a dissolução da sociedade cooperativa, dissolução esta compreendida como a resolução da função social para a qual foi criada a cooperativa em decorrência da transformação do tipo de sociedade. O art. 1.113 do CC de 2002 autoriza o ato de transformação societária independentemente “de dissolução ou liquidação da sociedade”, resguardando, apenas, a observância dos “preceitos reguladores da constituição e inscrição do tipo em que vai converter- se”, de modo que a transformação do tipo societário simples (classificação das cooperativas) não impõe a necessidade de liquidá-la, porque a pessoa jurídica é uma só, tanto antes como depois da operação, mudando apenas o tipo (de cooperativa para limitada, na hipótese) (REsp no 1.528.304/ RS, rel. Min. Humberto Martins, rel. p/ Acórdão: Humberto Martins, 2ª Turma, j. 20-8-2015, DJe 1- 9 -2015). 2.5.2. Conversão de associação civil Conversão é a operação pela qual uma sociedade simples se converte em sociedade empresária, passando do registro civil (Cartório) para o registro empresarial (Junta Comercial), e vice-versa. O DREI também não admitia a conversão de associações civis em sociedades empresárias, mas, a partir da IN no 81, o departamento alterou seu entendimento, e passou a permitir expressamente: Dessa forma, considerando a ausência de vedação legal e o disposto no art. 2.033 do CC uma associação que tenha interesse em realizar a operação de conversão, deverá proce- der aos mesmos trâmites que uma sociedade empresária realiza ou seja, inicialmente aprovar, por unanimidade, em assembleia acerca do assunto, salvo se no estatuto social constar previsão de quórum diferenciado, nos termos da legislação (item 103 da Nota Téc- nica do DREI que embasou a IN no 81). 2.5.3. Incorporação Na incorporação, não surgirá uma nova sociedade. Apenas a sociedade incorporada desapare- cerá, e será sucedida pela sociedade incorporadora em todos os seus direitos e obrigações (art. 1.116 do CC e art. 227 da LSA). Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo. § 1o A sociedade que houver de ser incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo. § 2o A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incor- porada. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 48 Art. 227. § 1o. A assembleia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a sersubscrito e realizado pela incor- porada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão. § 2o A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclu- sive a subscrição do aumento de capital da incorporadora. Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incor- porada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio. Art. 227, § 3o. Aprovados pela assembleia geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquiva- mento e a publicação dos atos da incorporação. 2.5.3.1. Incorporação: extinção da incorporada Como na incorporação não surge uma nova sociedade, apenas a sociedade incorporada será ex- tinta. A sociedade incorporadora continuará normalmente, mas com novo capital social (em regra, há au- mento de capital, mas ele pode continuar igual ou até mesmo sofrer diminuição, porque o art. 70, parágrafo único, da IN no 81 do DREI prevê que “não há vedação para a incorporação de sociedade com o patrimônio líquido negativo”). 2.5.4. Fusão A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações (art. 1.119 do CC e art. 228 da LSA). Ou seja, ao contrário do que se dá na incorporação, ocorre a extinção de todas as sociedades envolvidas, com o surgimento de uma nova sociedade. Na primeira etapa do procedimento, cada sociedade envolvida na operação realizará uma assem- bleia geral, a qual deverá aprovar a fusão e nomear os peritos que avaliarão os patrimônios das outras sociedades Na segunda etapa do procedimento, haverá uma assembleia conjunta, na qual deverão ser apro- vados os respectivos laudos (obviamente, os sócios só votarão os laudos das outras sociedades, e não o da sociedade da qual fazem parte) e a constituição definitiva da nova sociedade. Como na fusão há a constituição de uma nova sociedade, ela deverá ser registrada na Junta Co- mercial competente (art. 1.121 do CC e art. 228, § 3o, da LSA). 2.5.5. Cisão A cisão pode ser definida, sucintamente, como transferência de patrimônio de uma sociedade para outra. Se se transferem apenas alguns bens da sociedade cindida, há uma cisão parcial. Por outro lado, havendo a transferência de todos os bens da sociedade cindida, há uma cisão total, e nesse caso a socie- dade cindida se extingue (art. 229 da LSA). Art. 229. § 2o Na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade nova, a ope- ração será deliberada pela assembleia geral da companhia à vista de justificação que 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 49 incluirá as informações de que tratam os números do art. 224; a assembleia, se a aprovar, nomeará os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser transferida, e funcionará como assembleia de constituição da nova companhia. § 3o A cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente obedecerá às disposições sobre incorporação (art. 227). § 4o Efetivada a cisão com extinção da companhia cindida, caberá aos administradores das sociedades que tiverem absorvido parcelas do seu patrimônio promover o arquiva- mento e publicação dos atos da operação; na cisão com versão parcial do patrimônio, esse dever caberá aos administradores da companhia cindida e da que absorver parcela do seu patrimônio. § 5o As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão atri- buídas a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam; a atribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os titulares, inclusive das ações sem direito a voto. 3. Contratos Empresariais 3.1. Visão geral dos contratos Viver em sociedade demanda a realização de negócios entre pessoas. Para a consecução desse objetivo é que surgiu o contrato, escrito ou verbal. Com isso, o contrato é uma avença entre duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas para, entre si, regularem e solucionarem uma relação que os envolva, tornando- se uma das fontes mais comuns, se não a mais comum, de obrigações. O CC brasileiro disciplina a matéria de contratos na sua Parte Especial, Livro I, sendo que no Título V trata “Dos Contratos em Geral” e no Título VI, das “Das Várias Espécies de Contratos”. Sendo um negócio jurídico, o contrato deve preencher todos os requisitos estabelecidos no art. 104 do CC: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. A vontade da parte é essencial para a configuração de um contrato, e será mitigada em maior ou menor grau a depender do momento histórico das sociedades, bem como da espécie contratual que se analisa. A massificação própria de determinados negócios modificou o papel do elemento volitivo na forma- ção do contrato. Na visão de Fabio Ulhoa Coelho (in Curso de direito civil: Contratos), na atualidade vigora a distinção entre o contrato firmado pelos “iguais” e o contrato firmado entre “desiguais”, prestigiando -se a vontade das partes naquele e protegendo-se o economicamente mais fraco neste, mediante normas de aplicação cogente e regras de interpretação dos pactos que buscam o equilíbrio entre os envolvidos. Os princípios tradicionais que orientaram a formação da teoria clássica dos contratos (autonomia privada, força obrigatória e relatividade) foram, ao longo dos anos, flexibilizados em decorrência do cresci- mento da importância de novos princípios, tais como a boa-fé objetiva, função social do contrato, reequilíbrio 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 50 econômico-financeiro do contrato e identificação da função econômica do contrato. O CC de 2002 nos apresenta as normas básicas que regem os contratos, sejam eles civis ou empresariais. Os vetores fundamentais a serem observados estão ali: liberdade negocial, função social do contrato, boa-fé objetiva, probidade, lealdade, eticidade e assim por diante. O estatuto material revogou grande parte do Código Comercial de 1850, circunstância que deixou as relações empresariais sem um conjunto normativo próprio. Todavia, não foi apresentada uma seção específica para tratar dessas relevantes relações, mesmo que nem todas as regras obrigacionais civis sejam monoliticamente aplicadas ao Direito Empresarial e exista autonomia entre ambas. Importante sinalar que o Código Civil foi parcialmente alterado pela Lei no 13.874/2019, chamada de “Lei da Liberdade Econômica”, a qual promoveu importantes mudanças, em boa parte aplicáveis aos contratos empresariais1. Ao fim, há que se destacar a existência de diversos diplomas legais na legislação extravagante tratando de forma mais detalhada de várias espécies de contratos estritamente empresariais, como, por exemplo, contrato de franquia e contrato de leasing. 3.1.1. Classificação dos contratos Os contratos podem ser classificados de várias formas. As classificações mais comuns são: Dever obrigacional: a) unilaterais, quando apenas um dos contratantes tem obrigações a cumprir (comodato); e b) bilaterais, se todos os contratantes têm obrigação a cumprir (compra e venda); Vantagem econômica: a) onerosos, quando a regular execução do contrato implica vantagem econômica para todos (compra e venda); ou b) gratuitos, quando uma das partes não aufere vantagem econômica imediata; Os contratos onerosos podem ser subdivididos em a) comutativos, quando todas as partes envolvidas auferem vantagem econômica, e b) aleatórios, quando apenas um dos contra- tantes terá vantagem econômica, não podendo saber, antecipadamente, qual deles será, em face do risco de sorte ou de azar; 1. Art. 421 do CC. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerãoo princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. Art. 421-A do CC. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 51 Constituição: são divididos em a) consensuais, para cuja constituição é suficiente o encontro de vontades, b) formais (ou solenes), em que o aperfeiçoamento do negócio depende de num instrumento escrito, e os c) reais, que se constituem apenas com a tradição da coisa; Forma de execução: a) instantâneos, quando a obrigação da parte corresponde a um só ato, e b) contínuos, quando pelo menos um dos contratantes cumpre a obrigação com uma sucessão de atos; Tipicidade: os contratos podem ser a) típicos, que possuem formalidades, direitos e obrigações disciplinados na lei, por normas cogentes ou supletivas, não se esgotando nas pre- visões contratuais definidas pelas partes, os b) atípicos, que são regidos exclusivamente pelo convencionado no contrato, dentro dos limites legais, e os c) mistos, que se situam na transição entre os típicos e atípicos, ou seja, as partes criam um negócio contratual não tipificado em lei com o aproveitamento de normas de um ou mais contratos típicos; Liberdade de contratação: a) voluntários, nos quais as partes têm alternativa de não contratar, e b) necessários, nos quais não existe a opção de não contratar, pelo menos para uma das partes, como o contrato de seguro DPVAT; Ramo jurídico: a) administrativo, no qual uma das partes será a pessoa jurídica de di- reito público, com a primazia, portanto, do interesse público ; b) de trabalho, caracterizado quando houver entre duas pessoas privadas a relação de prestação de serviços pessoais, su- bordinados, não eventuais e mediante remuneração ; c) de relação de consumo, formalizados entre consumidor e fornecedor, nos moldes definidos pelos arts. 3o e 5o do CDC ; d) comercial ou empresarial, quando as duas partes são empresários ; e) civil, pacto em que nenhum dos contratantes é pessoa jurídica de direito público, empregado, consumidor ou empresário. 3.2. Contrato empresarial e direito contratual O cotidiano da vida empresarial deixa evidente a importância de se estabelecerem negócios com terceiros como meio de viabilizar a atividade econômica, voltada para a satisfação de alguma necessidade do mercado. Há que se reconhecer, dessarte, a essencialidade da relação contratual para a própria prática mercantil. Assim, a atividade econômica desempenhada pela empresa resulta na celebração de diversos contratos com variados regimes jurídicos – poderão ser trabalhistas, administrativos, comerciais e até mesmo, excepcionalmente, de consumo. São inúmeros contratos bancários; de aquisição de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços; de contratação de empregados, prestadores autônomos ou empresas terceirizadas; participação em licitações, e assim por diante. Em suma, as 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 52 atividades econômicas de uma empresa irão demandar algum tipo de avença. Havendo necessidade de interpretação ou intervenção externa para a readequação (judicial ou privada mediante arbitragem ou negociação direta), será preciso considerar as especificidades desta rela- ção, o contexto de sua formação e execução, observando a necessidade de assegurar aos agentes econô- micos segurança e previsibilidade nas contratações e o respeito ao direito concorrencial para evitar indese- jável intervenção na liberdade própria da competitividade inerente ao capitalismo. São todos indicativos fundamentais para o bom desempenho das atividades econômicas. Do contrário, existe a possibilidade de efetivo prejuízo para a economia de mercado, pois o risco da atividade e a busca do lucro são partes inte- grantes da relação comercial. 3.3. Peculiaridades dos contratos empresariais Como já referido, as normas gerais dos pactos empresariais estão estampadas no CC de 2002. Todavia, existem certas singularidades que precisam ser observadas para a correta compreensão e inter- pretação dessa relação contratual. É o que nos ensina Paula Forgioni (Teoria Geral dos Contratos Empre- sariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 29): A atenção do comercialista recai necessariamente sobre os contratos interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas, i.e., em que somente empresas fazem parte da relação. Ao assim proceder, identificamos os contratos empresariais com aqueles em que ambos (ou todos) os polos da relação têm a sua atividade movida pela busca do lucro. É preciso reconhecer: esse fato imprime viés totalmente peculiar aos negócios jurídicos entre empresários. Entretanto, adotar esse método de análise da realidade do mercado descortina visão jurídica pouco usual entre nós, porquanto: (i) Considera como objeto do direito comercial apenas os contratos celebrados entre empresas (contratos interempre- sariais, i.e., aqueles em que os partícipes têm sua atuação plasmada pela procura do lu- cro); e (ii) Coloca em relevo a necessidade do esboço da teoria geral que leve em consi- deração as peculiaridades dos contratos interempresariais no contexto do mercado (i.e., que considere a empresa na teia contratual em que se insere e que ajuda a construir). Nos contratos empresariais existe, como pressuposto, a ideia de equiparação entre os empre- sários-partes, os quais estarão, em tese, em condições semelhantes de conhecimento técnico e profissi- onalismo para definirem seus interesses, resultando em maior autonomia da vontade, ainda que não se despreze a potencial assimetria de informações ou de poder econômico entre os envolvidos. Na eventualidade de ser necessária uma readequação da avença, algo possível e eventualmente recomendável, a linha interpretativa não pode ser a mesma adotada nas legislações trabalhista, con- sumerista e mesmo a puramente civilista – afinal, como já afirmado, apesar da revogação parcial do Código Comercial, o Direito Empresarial manteve sua autonomia. Oportuno, nesse momento, definir o exato alcance da legislação consumerista na relação contra- tual da qual participem empresas. Como ensina a reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 53 (aqui representada pelo REsp no 1599042 / SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, rel. p/ Acórdão: Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 14-3-2017, DJe 9-5-2017): consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatá- rio final, produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Por sua vez, destinatário final, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pela Segunda Seção desta Corte Superior, é aquele que última a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo produtivo. Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário). A partir dessa lição, percebemos que eventualmente o empresário será tratado como consumidor, titular das garantias e normas protetivas do CDC. Normalmente atuará como “insumidor”, e assim as regras aplicáveis serão as do próprio pacto, sob o pálio das regras gerais do Código Civil e da Constituição Federal. Postas tais premissas, percebe-seque o dirigismo contratual praticado pelo atual ordenamento jurídico (capitaneado pelos princípios da função social do contrato – art. 421 – e da probidade e boa-fé – art. 422 – ambos do CC) atua de forma singular nas relações empresariais pelo potencial efeito em toda a cadeia produtiva e econômica e o risco de irradiação dos efeitos interventivos para o mercado, tão sensível a quaisquer alterações não previstas ou precificadas. Justamente para definir melhor essa questão foi pu- blicada a Lei no 13.874/2019, com as mudanças já destacadas. Se existe a importante função social do contrato, não se pode olvidar também a função social da empresa como um dos pilares do Direito Empresarial. De um lado, a necessidade de um sistema contratual socialmente justo, no qual os economica- mente mais frágeis ficam protegidos contra obrigações excessivamente onerosas; de outro, um importante princípio e vetor para o exercício da atividade econômica, tendo em vista que o seu sentido advém da articulação entre os diversos princípios da ordem econômica constitucional. Mais do que mera regra inter- pretativa e integrativa, a função social da empresa apresenta abstenções e deveres positivos que orientam a atividade empresarial, de maneira a contemplar, além dos interesses dos sócios, os in- teresses dos diversos sujeitos envolvidos, como é o caso dos trabalhadores, dos consumidores, dos concorrentes, do poder público e da própria sociedade, compatibilizando os diversos interesses envolvidos na atividade econômica ao mesmo tempo em que se busca a preservação da empresa e da atividade lu- crativa. No mesmo passo, percebe-se que as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva (art. 478 do CC) não podem ser aplicadas indistintamente aos contratos empresariais, pois, como anteriormente afirmado, uma certa dose de risco é seu elemento essencial. O tratamento especial a incidir sobre os contratos empresariais também se justifica em virtude do 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 54 ambiente dinâmico e específico no qual estão inseridos. As regras comerciais miram a rapidez de transa- ções, e a otimização das ações e do ambiente econômico requerem uma ampla margem de negociação dos contratos legalmente previstos, bem como demandam a atipicidade contratual, possibilidade confe- rida às partes para a criação de contratos não previstos na legislação, amparados na expertise dos envolvidos e que visam atender necessidades de seus empreendimentos. Os contratos atípicos não dispõem de regramentos próprios e estão expressamente consagrados pelo art. 425 do CC.2 Nesse tocante, leciona Paula Forgioni (Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Edi- tora Revista dos Tribunais, 2010, p. 65): As partes, quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente assento diante de um código e escolhem, entre fórmulas pré-existentes [i.e., tipificadas], aquela que mais lhes apraz. Os contratos empresariais nascem da prática dos comerciantes e raramente de tipos normativos preconcebidos por autoridades exógenas ao mercado. Tratando-se de contrato atípico, a criação e interpretação devem ser fundadas nas regras ordinárias aplicáveis aos contratos em geral e nos demais preceitos legais criados para situações semelhantes. Ha- verá maior prevalência, claro, do princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), no- tadamente por se tratar de relação empresarial, admitindo-se a ingerência externa nas obrigações livre- mente pactuadas entre as partes somente em situações excepcionais. A esse respeito, oportuno ressaltar as considerações lançadas pelo Ministro Paulo de Tarso San- severino, quando do julgamento do REsp no 1.158.815 /RJ, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, rel. p/ Acórdão: Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 15-9-2011, DJe 7-2-2012: [... ] Neste contexto, visando à promoção destes fins, admite o Direito brasileiro, expres- samente, a revisão contratual, diante da alteração superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico (teoria da imprevisão, teoria da base objetiva etc.). Nada obstante, a par de não se ter reconhecido, no caso dos autos, qualquer destas alterações, não previstas, aliás, no Código de 1916, a intervenção do Estado no campo do Direito Privado, mais precisamente no plano do Direito Empresarial – em que se situa a relação jurídica estabelecida entre a recorrente e as recorridas –, deve ser mínima, em respeito à vontade manifestada de forma efetivamente livre pelas partes. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (O futuro do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 166) chega a reconhe- cer a vigência, neste campo do direito, do princípio da “plena vinculação dos contratantes ao contrato”, ou seja uma força obrigatória dos efeitos do contrato (pacta sunt servanda) em grau superior ao do Direito Civil, cujo afastamento somente poderia ocorrer em hipó- teses excepcionais. Efetivamente, no Direito Empresarial, regido por princípios peculiares, como a liberdade de iniciativa, a liberdade de concorrência e a função social da empresa, a presença do princípio da autonomia privada é mais saliente do que em outros setores do Direito Privado. Naturalmente, mesmo no Direito Empresarial, pode haver a necessi- dade de mitigação do princípio da autonomia privada, especialmente quando houver 2. Art. 425 do CC. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 55 desigualdade material entre as empresas contratantes. Ao interpretar a relação contratual empresarial, não podemos esquecer: • Presumível equiparação entre as partes; • Maior autonomia da vontade (pacta sunt servanda); • Risco da atividade e busca do lucro integram a relação; • Função social do contrato X função social da empresa; • Possibilidade de formação de contratos atípicos. 3.4. Enunciados das Jornadas de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal Cumpre, então, destacar algumas importantes conclusões da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF) indicadas nos enunciados a seguir e que bem resumem as especifici- dades da relação contratual empresarial: 20. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre em- presários em que um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços. 21. Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais. 23. Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros ob- jetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual. 25. A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no CC deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisti- cação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada. 26. O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a di- reitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial. 27. Não se presume violação à boa-fé objetiva se o empresário, durante as negociações do contrato empresarial, preservar segredo de empresa ou administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais ou estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de sua atividade. 28. Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inex- periência. 29. Aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do CC), em conformidade com as especificidades dos contratos empresariais. 3.5. Comprae venda mercantil É a modalidade mais importante dos contratos empresariais, com enorme aplicação no cotidiano das empresas. É consensual, bilateral, oneroso e comutativo e sem maiores formalidades para sua concre- tização, salvo hipóteses apontadas na legislação (como bens imóveis). 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 56 O parcialmente revogado Código Comercial de 1850 estabelecia três requisitos para que o contrato fosse considerado mercantil: subjetivo (qualidade das partes), objetivo (somente bens móveis ou semo- ventes) e finalístico (destinação obrigatória da mercadoria). Só seria comercial a compra e venda que o comerciante realizasse no exercício de sua profissão, em consonância com a teoria dos atos de comércio. Já o CC de 2002, que afastou a teoria dos atos de comércio para fixar o conceito de teoria jurídica de empresa, estabeleceu como requisito único para a compra e venda mercantil a condição de em- presário para ambos os contratantes. Assim, toda compra e venda em que comprador e vendedor são empresários é considerada mercantil, não se questionando o tipo de objeto e tampouco a destinação do insumo: Art. 481, CC. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro. Em havendo a utilização do objeto como destinatário final, retirando-o do circuito econômico, po- deremos ter uma relação de consumo, regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, como já esclarecido anteriormente (REsp no 1.599.042 /SP). Existe grande liberdade para sua perfectibilização, que se dá quando as partes chegam ao con- senso sobre três elementos: preço, forma de pagamento e objeto do contrato (art. 482 do CC). Este pode se constituir em grande quantidade de mercadorias, e então o contrato será compra e venda em atacado, ou poucas unidades de uma mesma mercadoria, quando então teremos uma avença varejista. 3.5.1. Situações especiais da compra e venda mercantil A) Pacto de retrovenda Previsto nos arts. 505 a 508 do CC. Trata-se de cláusula acessória que funciona como cláusula resolutiva expressa de desfazimento do negócio. Assegura ao vendedor o direito de recomprar o bem vendido no prazo máximo decadencial de três anos após a venda, mediante reembolso do principal, mais as despesas do comprador. O direito pode ser exercido inclusive contra terceiro comprador (CC, art. 507). B) Venda a contento e sujeita a prova Previstas nos arts. 509 a 512 do CC. Conhecida também como cláusula ad gustum, é adjeta ao contrato de compra e venda e suspende sua eficácia até que o comprador manifeste, em determinado prazo, o seu agrado com o produto entregue pelo vendedor. Enquanto não apresenta sua manifestação de vontade, o comprador é considerado como- datário dos bens. Podemos encontrar contratos de compra e venda submetidos às condições suspensivas de a) 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 57 degustação; b) peso, medida e contagem; c) experimentação; d) exame. Já a compra e venda sob amostra (CC, art. 484) caracteriza-se pela manifestação de vontade positiva do comprador a partir do exame de uma amostra do produto. Houve prévia avaliação favorável, mas o contrato somente se aperfeiçoa com a constatação de que o produto entregue possui as mesmas características da amostra previamente apresentada pelo vendedor, configurando também uma condição suspensiva para o aperfeiçoamento do contrato. C) Preempção ou preferência Prevista nos arts. 513 a 520 do CC. Assegura ao vendedor o chamado direito de prelação. Caso o comprador queira vender um bem que adquiriu a terceiros, estará obrigado pela cláusula contratual a oferecer o bem ao primitivo vendedor, que, se pagar o mesmo valor oferecido pelo terceiro (e demais termos e condições), terá preferência para a aquisição. O prazo para exercer o direito é de no máximo 180 dias se a coisa for móvel e de dois anos se imóvel. Na ausência de estipulação contratual, presumir-se-á como sendo três dias para bem móvel e 60 dias para bem imóvel. D) Compra e venda com reserva de domínio Contratos nos quais a forma de pagamento for parcelada podem apresentar cláusula de reserva de domínio, pela qual a posse direta do bem alienado e os riscos da conservação são transferidos para o comprador desde o início da vigência do contrato, mas o domínio (portanto, a propriedade) somente será transferida após o pagamento da última parcela, conforme os arts. 521 a 528 do CC3. A venda com reserva de domínio restringe-se aos bens móveis e exige forma escrita, pois, se não houver previsão expressa da reserva de domínio, aplicar-se-á a regra geral de que a propriedade do bem móvel transfere-se com a tradição. E) Venda sobre documentos Prevista nos arts. 529 a 532 do CC. A tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título representativo e de outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos. 3. Art. 521 do CC. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago. [...] Art. 522 do CC. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros. Art. 524 do CC. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 58 O pagamento, em regra, será feito na data e local da entrega dos documentos, que, estando em ordem, não permite recusa sob alegação de defeito de qualidade ou estado da coisa transacionada. 3.5.2. Termos de comércio internacional – INCOTERMS A intensa troca de mercadorias e produtos entre países e entre empresas de países distintos de- mandou uma padronização de regras para viabilizar maior segurança entre as partes contratantes. Assim, para atender à necessidade global, a Câmara Internacional de Comércio estipulou as Re- gras de Comercio Internacional (International Commercial Terms – INCOTERMS), padrões internacionais criados há 83 anos e utilizados em contratos de compra e venda no setor de transporte e logística para processos de importação e exportação, informando quem é o responsável pelo frete, definindo o ponto de coleta da mercadoria e identificando o responsável pelo seguro. Os INCOTERMS são regras que dizem respeito, sobretudo, à definição de responsabilidades no transporte dos produtos comercializados entre países. Observando a versão 2020 dos INCOTERMS, percebemos que seguem sendo 11, divididos em quatro grupos: a) Categoria E (ex / partida); b) Categoria F (free / TRANSPORTE PRINCIPAL não pago); c) Categoria C (carriage / transporte p rincipal pago); d) Categoria D (delivery/chegada). Em resumo: Requisito único para compra e venda mercantil: a condição de empresário para ambos os contratantes. Possibilidade de relação de consumo regida pelo CDC: REsp no 1.599.042/SP. Cláusulas especiais de compra e venda: pacto de retrovenda; venda a contento e sujeita à prova; preempção ou preferência; compra e venda com reserva de domínio; e venda sobre documentos. INCOTERMS: termos de regulação para comércio internacional. 3.6. Arrendamento mercantil – leasing O contrato de arrendamento mercantil está regulado pela Lei no 6.099/1974 e pela Resolução no 2.309/1996 do Banco Central. Operação muito comum no ambiente mercantil, o leasing está assim descrito: Art. 1o, Lei no 6.099/1974. O tratamento tributário das operações de arrendamento mer- cantil reger-se-á pelas disposições desta Lei. Parágrafo único – Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o ne- gócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta. Assim, é o contrato no qual uma pessoa jurídica (arrendadora) arrenda a uma pessoa física ou 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 59 jurídica (arrendatária), por determinado tempo, um bem, móvel ou imóvel, de fabricação nacional ou estran- geira (desde que autorizados pelo Conselho Monetário Nacional) comprado pela primeira de acordo com as indicações da segunda. O arrendador é o proprietário e possuidor indireto do bem (o que garante a viabilidade do aforamento de reintegração de posse), sendo que a posse direta e o usufruto, durante a vigência do contrato, são do arrendatário, o qual paga uma mensalidade para o exercício de tal direito. É a marca central dessa espécie de operação e que a diferencia claramente de um financiamento bancário, na qual o bem é de propriedade do mutuário, ainda que alienado, já no ato da compra. No caso do leasing, o bem é adquirido pelo arrendador, que se torna seu proprietário. Este concede o direito de uso do bem, mediante o pagamento de contraprestações, por um prazo determinado. Ao fim do contrato, pode existir a possibilidade de compra do bem pelo arrendatário. Já no financiamento comum, a empresa compra o bem que deseja, utilizando recursos de terceiros fornecedores do crédito, que reservam a si garantias de adimplemento. Ao quitar todas as prestações, o adquirente se torna em definitivo titular do bem. Esta distinção fica muito nítida no corriqueiro caso de aquisição de veículos, pois na hipótese de leasing, os documentos são emitidos em nome da sociedade de arrendamento mercantil. Com a quitação do contrato, o agente financeiro deverá, no prazo de até trinta dias úteis, após recebimento destes docu- mentos, remeter ao arrendatário o documento único de transferência (DUT) do veículo devidamente assi- nado pela arrendadora, a fim de possibilitar que o arrendatário providencie a respectiva transferência de propriedade do veículo junto ao departamento de trânsito do Estado (Lei no 11.649/2008). Segundo a Lei no 6.099/1974, são requisitos básicos da contratação: Art. 5o – Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições: a) prazo do contrato; b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a um semes- tre; c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário; d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula. Dessa feita, percebemos que, ao final do contrato, caberá ao arrendatário solicitar a renovação da locação, encerrá-la ou adquirir o bem arrendado, mediante pagamento do valor residual, menor do que o da sua aquisição inicial, se previamente fixado. A partir dessas definições, podemos resumir as obrigações contratuais da seguinte forma: Arrendador: adquirir o bem para ser dado em arrendamento; conceder a posse direta do bem ao arrendatário; permitir seu pleno uso, embora mantenha a propriedade; vender o bem ao final (caso haja 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 60 interesse do arrendatário). Arrendatário: pagar, na forma estabelecida, as prestações; conservar o bem arrendado, respon- dendo pelos prejuízos que causar; encerrado o contrato, devolver o bem ao arrendador-proprietário, caso não opte pela compra ou renovação do arrendamento. 3.6.1. Modalidades de leasing Financeiro, puro ou bancário: o fabricante não figura como locador. Há uma empresa que de- sempenha esse papel, que se dedica exclusivamente a adquirir bens fabricados por terceiros para arrendá- los, através de redistribuição, a outra sociedade que necessite destes bens. Lease-back ou de retorno: forma eficiente para obtenção de capital de giro, caracterizado quando uma sociedade proprietária de um bem o vende para outra empresa, e esta última, ao adquirir o bem, em ato contínuo, o arrenda para a vendedora. Existe então o retorno do bem para a primeira empresa. Operacional ou renting: casos em que a sociedade é proprietária de bens e os dá em arrenda- mento para terceiro, mediante o pagamento de determinadas parcelas. Não há uma terceira pessoa nesta relação, porquanto o próprio fabricante ou vendedor figurará como arrendante. Além disso, se compromete a prestar assistência ao arrendatário por todo o período do arrendamento. Difere do modelo financeiro pois neste sempre encontramos a obrigatoriedade do cumprimento da obrigação contraída por todo o período do arrendamento, enquanto no leasing operacional o contrato pode ser rescindido a qualquer momento pelo arrendatário desde que mediante aviso prévio. 3.6.2. Valor residual garantido – VRG Acerca do pagamento do valor residual, importa destacar a orientação do STJ em sua Súmula no 293, que, mesmo não sendo recente, causa alguma confusão: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil”. O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido – VRG não implica necessariamente antecipação da opção de compra, posto subsistirem as opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Pelo que não descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda à prestação. Como as normas de regência não proíbem a antecipação do paga- mento da VRG que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve preva- lecer o princípio da livre convenção entre as partes. (EREsp no 213828/RS – rel. Min. Mil- ton Luiz Pereira, Rel. p/ Acórdão Min. Edson Vidigal – Corte Especial –j. em 07-05-2003 – DJ 29-09-2003, p. 135). A edição da Súmula no 293 cancelou a de no 263, que deliberava em sentido oposto: “a cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação”. E quanto ao tema, lembremos o Enunciado no 38 da I Jornada de Direito Comercial do CJF (afas- tando preceito do CDC): “É devida a devolução simples, e não em dobro, do valor residual garantido (VRG) 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 61 em caso de reintegração de posse do bem objeto de arrendamento mercantil celebrado entre empresários”. Em resumo: No leasing, o bem é adquirido pelo arrendador, que se torna seu proprietário. Este con- cede o direito de uso do bem, mediante o pagamento de contraprestações, por um prazo deter- minado. Ao final do contrato, caberá ao arrendatário solicitar a renovação da locação, encerrá-la ou adquirir o bem. Modalidades: financeiro, lease-back e operacional. Valor residual garantido (VRG): Súmula no 293 do STJ. 3.7. Alienação fiduciária Contrato por meio do qual o devedor (fiduciante – empresa que busca crédito para obter o bem desejado) obtém financiamento para a aquisição de bem durável de uma instituição financeira credora (fi- duciária – instituição financeira que concede o financiamento). A garantia do pagamento será o próprio bem, pois o devedor aliena-o ao credor. A alienação fiduciária é, portanto, um negócio jurídico onde o devedor negocia a transferência da propriedade junto ao credor como forma de garantir uma dívida. Envolve a realização de contratos simultâneos: a) compra e venda e b) a alienação fiduciária do bem adquirido. Lembremos as partes envolvidas no contrato: a) fiduciante – possuidor direto e devedor; b) fiduci- ário – possuidor indireto e credor. Sendo uma espécie contratual com larga aplicação no mercado financeiro, e em contínua expan- são, existe, como decorrência, um variado espectro normativo regulamentando as relações decorrentes, exigindo do intérprete a delimitação das hipóteses de incidência dos regimes jurídicos concorrentes. O CC terá aplicação supletiva para casos não alcançados por legislação específica. Para aclarar o conflito das leis, restou lançado o art. 1.368-A: Art. 1.368-A, CC. As demais espéciesde propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciá- ria submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se apli- cando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. A aplicação do CC é realizada de forma subsidiária, mas de qualquer forma é imprescindível seu conhecimento pelas partes da relação negocial. No contrato, devem constar todas as informações sobre a operação em questão, notadamente: a) descrição detalhada do bem em alienação e o seu modo de aquisição; b) valor do bem, assim como seus critérios de atualização e revisão; c) cláusula indicando livre utilização da propriedade fiduciária, pois o bem 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 62 pode ser utilizado pelo devedor (possuidor direto) como lhe aprouver enquanto vigorar o contrato; d) valor da dívida, juntamente com o seu prazo de vencimento e demais condições de pagamento; [5] taxa de juros e encargos. Para a garantia ser assentada, em se tratando de veículo automotor, necessário o registro no departamento de trânsito. Sendo bem imóvel, deve ser registrado no Ofício de Registro de Imóveis. A alienação fiduciária apresenta largas vantagens para o mercado de crédito. Traz segurança jurídica, por prever a propriedade compartilhada sobre um bem (o devedor deixa de ter propriedade plena sobre o bem e assim o credor fica protegido de situações inesperadas); menos burocracia, por ser mais simples em seus atos formais de constituição e também para a execução da garantia do que outros contra- tos, como a hipoteca; redução do risco de inadimplência, com a ampliação das garantias e da rapidez no procedimento de cobrança frente a outros tipos de financiamento pois o processo de satisfação do crédito é mais ágil, refletindo também na diminuição do grau de risco calculado nas operações de concessão de crédito. Se houver o efetivo pagamento, o direito pleno de propriedade volta a ser do devedor. Caso não se perfectibilize a quitação da dívida, o credor retomará a coisa, que juridicamente também é sua. O preço obtido com a venda da coisa será utilizado para satisfazer o pagamento que ainda tem a receber, devol- vendo-se eventual excedente. Na hipótese de inadimplemento, a execução do contrato ocorre pela via extrajudicial. Em outras palavras, a cobrança é mais ágil para o credor. Exemplificando a simplificação e o fortalecimento do sistema de garantias ao credor, temos dois temas repetitivos do STJ: Tema Repetitivo no 530 STJ: A notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço do devedor, por via postal e com aviso de recebimento, é válida quando realizada por Cartório de Títulos e Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do do- micílio do devedor. Tema Repetitivo no 722 STJ: Nos contratos firmados na vigência da Lei no 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da pro- priedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. Em resumo: Negócio jurídico no qual o devedor negocia a transferência da propriedade junto ao cre- dor como forma de garantir uma dívida. Realização de contratos simultâneos: a) compra e venda e b) alienação fiduciária do bem adquirido. O Código Civil terá aplicação supletiva para casos não alcançados por legislação específica. Traz segurança jurídica, menor burocracia e redução do risco de inadimplência para o mercado de crédito. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 63 3.8. Locação A locação de prédio urbano com finalidade comercial está submetida à lei especial, Lei no 8.245/1991, e assim seguiu mesmo com a edição do Código Civil de 2002, segundo define seu art. 2.036: “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida”. No tocante, vale destacar a lição de Arnaldo Rizzardo: Atualmente, vige a Lei no 8.245, de 18.10.1991, que substituiu a Lei no 6.649, de 16.05.1979, regulando todos os contratos de locação de prédios urbanos, sejam residen- ciais ou não residenciais, tanto no pertinente ao campo de sua aplicação, como no que se refere aos deveres e direitos dos locadores e locatários, às garantias locatícias, à prorro- gação dos contratos, ao reajuste de aluguéis, à rescisão ou resolução contratual, à reto- mada do prédio ou despejo do locatário, às penalidades a que se sujeitam as partes (Con- tratos. 2. Ed, Rio de Janeiro: Forense, 2001). Todavia, algumas exceções são trazidas pela legislação especial, definindo a regulação pelo Código Civil (art. 1o, parágrafo único). Enfim, a seção III da Lei no 8.245/1991 está dedicada para a locação não residencial. O ponto mais sensível da locação empresarial reside no direito de renovação do contrato, porquanto é natural da atividade mercantil a realização de elevados investimentos na estrutura física do espaço locado, bem como na construção de uma relação imaterial com a clientela. Começou com a Lei de luvas (Decreto no 24.150. de 20 -04-1934), cuja sistemática era a de proteção ao local onde o empresário estabelecia seu comércio. Assim a Lei de Locações (Lei no 8.245/1991) manteve o instituto prevendo a possibilidade da ação renovatória, submetida a uma série de requisitos: Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a reno- vação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente: I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado; II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos; III – o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos. § 1o O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou suces- sores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário. § 2o Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade. § 3o Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente fica sub-rogado no direito a renovação, desde que continue no mesmo ramo. § 4o O direito a renovação do contrato estende-se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos previstos neste artigo. § 5o Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 64 A demanda renovatória visa a garantir os direitos do locatário contra eventuais pretensões do loca- dor em se apropriar do patrimônio imaterial que foi agregado ao imóvel pela atividade exercida pelo locatá- rio, notadamente o fundo de comércio e o ponto comercial. Evidente que, sob outro enfoque, não pode a ação judicial se tornar uma forma de eternizar a relação locatícia, restringindo o direito de propriedade do locador. Com isso, o STJ definiu que a renovação, se acolhida, deve ser por novo prazo de cinco anos. De outro lado, a legislação também nos informa quando não haverá obrigação de renovação do contrato: Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: I – por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade; II – o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferênciade fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. § 1o Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences. § 2o Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não poderá recusar a reno- vação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo. § 3o O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar. O direito ao recebimento de indenização pelo locatário, em virtude da perda ou desvalorização do fundo de comércio, estará vinculado ao direito à renovação compulsória, bem como forma de penalizar o locador pela retomada insincera do imóvel. Ou seja, o não preenchimento de um dos requisitos legais para a renovação obrigatória afasta a possibilidade deste direito. 3.8.1. Locação built to suit Forma de locação que foi consolidada na legislação brasileira em 2012, com a inserção do art. 54- A à Lei de Locações. Com nítido caráter mercantil, o locador constrói ou promove substancial reforma em seu imóvel com finalidade de atender exigências específicas da empresa locatária. Assim, torna-se possível viabilizar projetos de empreendimentos imobiliários que atendam as normas estabelecidas pelos futuros usuários, ao mesmo tempo em que evita a imobilização do capital de giro da locatária. Há ampla liberdade de negocia- ção, justamente em atenção à sofisticação do pacto, valores envolvidos e qualidades técnicas das partes envolvidas. Nesse sentido, vale destacar a conclusão da II Jornada de Direito Comercial, no Enunciado no 67: “Na locação built to suit, é válida a estipulação contratual que estabeleça cláusula penal compensatória 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 65 equivalente à totalidade dos alugueres a vencer, sem prejuízo da aplicação do art. 416, parágrafo único, do CC”. Em suma, o valor da cláusula penal está limitado pelo art. 54-A, § 2o, da Lei no 8.245/1991, mas tal regra não é incompatível com o art. 416, parágrafo único, do CC. 3.8.2. Locações em shopping center Forma de locação mercantil em empreendimento que sinaliza um ambiente mais sofisticado de atividade comercial, também está regulada pela Lei de Locações. Os empreendimentos conhecidos por shopping center no Brasil não são núcleos de mer- cancia com um surgimento espontâneo, mas uma tradução de uma evolução das técnicas de administração empresarial. A orientar sua instalação há uma estratégia profissional, buscando determinar uma “concentração territorial do comércio, anteriormente dissemi- nado pelo espaço urbano nas ruas do centro ou nos subcentros comerciais”, engendrada por empreendedores conscientes da envergadura da oportunidade, bem como dos lucros de tais iniciativas. (MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 26-28). Não por outra razão o art. 54 da lei em comento estipula liberdade para a pactuação das cláusulas no contrato de locação de espaço em shopping center firmado entre lojistas e empreendedores. Tanto a confecção do contrato quanto a interpretação das suas cláusulas devem ter como premissa os princípios maiores do sistema de Direito Empresarial, notadamente a autonomia da vontade. Como já sinalizamos nos tópicos anteriores, o controle judicial sobre cláusulas (em tese) abusivas em contratos empresariais é mais restrito, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial. E quanto maior a sofisticação da avença, menor o âmbito de intervenção estatal, sendo aceita como válida até a chamada cláusula de raio, para obstar que o lojista com empreendimento dentro do shopping instale empreendimento idêntico nas proximidades. Adiante, nessa espécie de locação, é muito usual a presença do 13o aluguel. O STJ (REsp no 1409849 /PR – rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – 3ª T. – D Je 05 -05 -2016) se pronunciou sobre a legalidade da cláusula, entendendo não ser abusiva a previsão que estabelece a duplicação do valor do aluguel no mês de dezembro. E se existe uma parcela variável, mostra-se necessária uma forma de fiscalizar a correção desses pagamentos. A I Jornada de Direito Comercial do CJF pronunciou-se sobre o tema, no Enunciado no 30: “Nos contratos de shopping center, a cláusula de fiscalização das contas do lojista é justificada desde que as medidas fiscalizatórias não causem embaraços à atividade do lojista.” Em resumo: Locação comercial está submetida à Lei no 8.245/1991. As exceções estão previstas na própria lei. Ação renovatória de locação comercial depende do implemento de requisitos 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 66 objetivos. Locação built to suit: o locador constrói ou promove substancial reforma em seu imóvel com a finalidade de atender exigências específicas da empresa locatária. Locação em shopping center: o art. 54 da Lei no 8.245/1991 estipula liberdade para pactuação das cláusulas no contrato de locação firmado entre lojistas e empreendedores. 3.9. Factoring No factoring, ou fomento mercantil, o empresário transfere a uma instituição financeira (paraban- cária) a administração de determinado crédito. A operação caracteriza-se pela aquisição de direitos credi- tórios de contas a receber a prazo por um valor à vista, mediante a incidência de taxas de juros e de servi- ços. Possibilita liquidez financeira imediata para empresas e não deve ser confundida com a operação de crédito praticada por bancos. Fran Martins assim o define: “O Contrato de Faturização ou Factoring é aquele em que um comer- ciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração” (Contratos e Obri- gações Comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 15. ed., p. 469). Ainda que o contrato de fomento mercantil se forme entre faturizador e faturizado (o vendedor do título), é de suma importância também a figura do comprador originário, uma vez que são os créditos que o vendedor tem contra esse que são cedidos. Dessarte, temos como pressupostos sempre uma inicial venda à prazo e, havendo a cessão de crédito, o comprador deve ser notificado da t ransação, para que efetue o pagamento do título ao faturizador. Podemos então definir a operação em quatro etapas sucessivas: a) empresa vende seu bem ou serviço a prazo, gerando um crédito no valor correspondente; b) a empresa (faturizada) negocia este crédito com a faturizadora; c) de posse desse crédito, a factoring informa o comprador daquele bem ou serviço sobre o fato e a forma de cobrança; d) findo o prazo do negócio de origem, a empresa compradora pagará o valor deste crédito à faturizadora, encerrando o processo. Modalidades faturização interna: operações realizadas dentro do mesmo país ou região; faturização externa: operações realizadas no exterior, como nos casos de importação e exportação; faturização no vencimento (maturity factoring): as faturas são remetidas ao faturizador, que as liquida somente na data de seu vencimento. faturização tradicional (old line factoring): as faturas remetidas ao faturizador são liqui- dadas antes da data de vencimento. Em todos os casos há a assunção dos riscos pelo faturizador 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 67 do inadimplemento por parte do comprador/cliente. Se o risco faz parte do negócio,caso a dívida não seja paga, não tem o faturizador direito de cobrança em face do faturizado (Resp no 1.289.995 /PE, rel. Min. Luis Felipe Salomão, rel. p/ Acórdão: Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 20-2- 2014, Dje 10-6-2014). Em resumo: Empresa vende seu bem ou serviço a prazo, gerando um crédito no valor correspon- dente. A empresa (faturizada) negocia esse crédito com a faturizadora. De posse desse crédito, a factoring informa o comprador daquele bem ou serviço sobre o fato e a forma de cobrança. Findo o prazo do negócio de origem, a empresa compradora pagará o valor deste crédito à fatu- rizadora. 3.10. Franquia O sistema de franquia foi inicialmente disciplinado no Brasil pela Lei no 8.955/1994. Atualmente vigora a Lei no 13.966, de dezembro de 2019, que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial e ex- pressamente revogou a normativa anterior: Art. 1o Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de proprie- dade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento. § 1o Para os fins da autorização referida no caput, o franqueador deve ser titular ou reque- rente de direitos sobre as marcas e outros objetos de propriedade intelectual negociados no âmbito do contrato de franquia, ou estar expressamente autorizado pelo titular. § 2o A franquia pode ser adotada por empresa privada, empresa estatal ou entidade sem fins lucrativos, independentemente do segmento em que desenvolva as atividades. Franquia empresarial ou franchising é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou não de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. Existe autonomia jurídica, administrativa e financeira do franqueado como empresário, que não está ligado ao franqueador por qualquer vínculo de subordinação, devendo apenas obedecer às regras e limitações impostas como padronização da comercialização do produto, bem como o franqueado pagará remuneração (royalties) ao franqueador. Ao contrário da taxa de franquia, que é paga uma única vez, logo 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 68 após a assinatura do pacto, os royalties são pagos regularmente em razão da contínua exploração da marca e do suporte recebido. Há vantagens para ambos: o franqueador amplia a oferta da mercadoria e serviço sem aporte de capital; o franqueado desenvolve um negócio consolidado perante o público e sem encargos de marketing e criação de produto. É um contrato atípico (nem a lei nem o Código Civil definem direitos e deveres do franqueador e do franqueado) que respeita a autonomia da vontade dos empresários. Entretanto, o franqueador deve prestar ao franqueado serviços de organização empresarial, que se desdobram em três contratos de orien- tação: engineering – do processo de montagem e planejamento do estabelecimento; management – no treinamento da equipe de funcionários e gerência; marketing – procedimento de divulgação e promoção dos produtos comercializados. Dessarte, pelo contrato de franquia, com a colaboração do franqueador, o franqueado, com algum capital, pode estabelecer-se sem precisar proceder ao estudo e equacionamento de muitos dos aspectos do empreendimento, pois encontram-se já suficientemente equacionados pelo titular de uma marca de co- mércio, produto ou serviço. Circular de Oferta de Franquia – COF (art. 2o): o franqueador deve fornecer ao potencial fran- queado um documento escrito em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo os dados fundamentais do negócio (requisitos obrigatórios) para que ele tome ciência dos riscos e custos inerentes ao negócio. O art. 2o indica vinte e três incisos que apresentam um mapeamento geral do negócio a ser entabulado pelas partes. Deve ser disponibilizada ao candidato a franqueado no mínimo dez dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato, ressalvada a possibilidade de licitação promovida por órgão ou en- tidade pública, caso em que a COF será divulgada no início do processo de seleção. Ao contrário, as rela- ções entre franqueador e franqueado continuam regendo-se exclusivamente pelas cláusulas contratual- mente pactuadas. Tal legislação visa a assegurar transparência nas negociações que antecedem a adesão do franqueado à franquia. O contrato deve ser registrado no INPI para valer contra terceiros, como previsto na Lei de Propri- edade Industrial (Lei no 9.279/1996), em seu art. 211: “O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a tercei- ros ”. 3.11. Representação comercial A Lei no 4.886/1965, com as alterações introduzidas pelas Leis no 8.420/1992 e no 12.246/2010, é a legislação aplicável ao contrato de representação comercial, sendo que deve ser celebrado por escrito e 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 69 observar os diversos requisitos do art. 27. A representação comercial é um contrato de colaboração (ao lado da concessão mercantil, a franquia e a distribuição). Esses têm como característica atribuir a um dos contratantes (o colaborador) a responsabilidade de criar ou ampliar mercado de bens e/ou serviços da outra parte. Em razão da obrigação essencial que os caracteriza, possuem como marca comum uma subordinação empresarial entre as par- tes. No que toca à representação em si, é o instrumento pelo qual um representante comercial autônomo se obriga, em delimitada região geográfica, a buscar pedidos de compra e venda das mercadorias fabri- cadas ou comercializadas pelo representado. Não há, em regra, vínculo societário ou empregatício entre o representado e o representante co- mercial. A atividade desenvolvida possui disciplina jurídica própria, tratando-se de atividade autônoma. Além disso, o representante comercial não tem poderes para concluir a negociação em nome do represen- tado. O representante se obriga, mediante remuneração, mas sem vínculo de subordinação pessoal, a obter negócios para o representado, negocia as mercadorias do representado, mas caberá exclusiva- mente a este a conclusão do negócio. Portanto, não se confunde com o mandato, no qual o mandatário recebe poderes para negociar em nome do mandante. É obrigatório o registro no Conselho Regional dos Representantes Comerciais (Lei no 4.886/1965, art. 2o). Obrigações contratuais mais comuns do representante comercial autônomo: a) buscar, com dili- gência, pedidos de compra e venda, em nome do representado, ajudando-o a expandir o seu negócio e promover os seus produtos; b) seguir as instruções fixadas pelo representado; c) informar o representado sobre o andamento dos negócios, nas oportunidades definidas em contrato ou quando solicitado e prestar- lhe contas; d) observar as obrigações profissionais. As obrigações mais comuns do representado: a) o principal dever do representado é pagar a retri- buição devida ao representante, assim que o comprador efetuar o seu pagamento ou, antes, se não mani- festar recusa por escrito no prazo de 15, 30, 60 ou 120 dias, conforme a localização do domicílio desse (mesma praça, mesmo Estado, Estado diverso ou exterior, respectivamente – arts. 32 e 33); b) respeitara cláusula de exclusividade de zona, não podendo vender os seus produtos na área determinada em contrato, senão através do representante contratado para atuar naquela área. Caso concretize negócios sem a ob- servância dessa condição, o representante terá direito à comissão correspondente (art. 31). A resolução do contrato pode ser de forma motivada ou imotivada. Na hipótese de encerramento imotivado do contrato que haja vigorado por mais de seis meses, obriga-se o denunciante à concessão de pré-aviso, com antecedência mínima de 30 dias ou ao pagamento de 1/3 das comissões auferidas pelo 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 70 representante nos três meses anteriores, além da indenização. Se a rescisão ocorrer por justo motivo, ou seja, motivada, não cabe nenhuma indenização. São razões de rescisão do contrato por parte do representado (art. 35 da Lei no 4.886/1965 (na grafia original da lei): Art. 35. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representado: a) a desídia do representante no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato; b) a prática de atos que importem em descrédito comercial do representado; c) a falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao contrato de representação comercial; d) a condenação definitiva por crime considerado infamante; e) força maior. De outro lado, o art. 36 do mesmo diploma aponta os motivos de rescisão pelo representante (grafia original da lei): Art. 36. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representante: a) redução de esfera de atividade do representante em desacôrdo com as cláusulas do contrato; b) a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista no contrato; c) a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante, com o exclusivo es- copo de impossibilitar-lhe ação regular; d) o não-pagamento de sua retribuição na época devida; e) força maior. O contrato pode ser firmado por prazo determinado ou indeterminado. Uma vez prorrogado, torna- se a prazo indeterminado. A Lei no 8.420/1992 inseriu na legislação original a vedação da cláusula del credere (art. 43). Esta cláusula corresponde à previsão contratual expressa que permita à parte representada deduzir de comis- sões e vendas do representante comercial valores na hipótese de o negócio ser cancelado ou desfeito. Há que se ter presente que a responsabilidade do representante comercial deve ser limitada apenas à transa- ção e à intermediação do negócio e nada mais, lembrando que a representação comercial é atividade de meio na relação de venda. A responsabilidade de aceitação da venda é do representado. Havendo rescisão contratual imotivada, discute-se a pertinência de indenização, que dependerá se o prazo do contrato é determinado ou se o contrato é por prazo indeterminado. Sendo determinado, a indenização corresponderá à média mensal multiplicada pela metade dos meses que faltam para o fim do contrato. Se for prazo indeterminado, será 1/12 sobre o valor total do contrato (Lei no 4.886/1965, art. 27, j e § 1o). Ainda quanto à indenização, cumpre sinalar a conclusão da III Jornada de Direito Comercial do CJF, em seu Enunciado no 82: “A indenização devida ao Representante, prevista no art. 27, alínea j, da Lei no 4.886/1965, deve ser apurada com base nas comissões recebidas durante todo o período em que 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 71 exerceu a representação, afastando-se os efeitos de eventual pagamento a menor, decorrente de prática ilegal ou irregular da Representada reconhecida por decisão judicial ou arbitral transitada em julgado ”. Em resumo: Modalidade de contrato de colaboração. Não há vínculo societário ou empregatício entre o representado e o representante comercial. Trata-se de atividade autônoma. O representante comercial não tem poderes para concluir a negociação em nome do representado. Vedada a inserção de cláusula del credere. 3.12. Distribuição A criação, consolidação ou ampliação de mercados, através da colaboração empresarial, pode resultar de aproximação ou de intermediação. O contrato de distribuição é modalidade de colaboração em- presarial que pode ser enquadrada em qualquer uma dessas espécies: aproximação: o colaborador identifica pessoas interessadas em adquirir produtos do outro empresário contratante. Na distribuição-aproximação, o distribuidor é remunerado por um percentual (comissão) dos negócios que ajuda a realizar. intermediação: o colaborador adquire os produtos do outro contratante e os oferece de novo ao mercado. É o clássico contrato celebrado entre distribuidores de combustível e os postos de abastecimento; fábricas de produtos alimentícios e depósitos / atacadistas em geral. Consoante Arnaldo Rizzardo, o contrato de distribuição tem como objeto “a comercialização dos bens produzidos e fornecidos pelo fabricante, e a prestação de serviços de assistência técnica e mecânica aos bens” (in Contratos, ed. Forense). O Código Civil assim tipifica o contrato de distribuição: Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada. Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o repre- sente na conclusão dos contratos. Como se vê, o Código Civil regula em conjunto com o contrato de agência, o que resulta em certa celeuma. O contrato de distribuição típico (distribuição-aproximação) está associado ao contrato de agên- cia. Nesta modalidade há maior ingerência do fornecedor sobre as atividades do distribuidor. Tem como cláusulas (implícitas ou explícitas) a de exclusividade de distribuição (pela qual o distri- buidor não pode trabalhar para outros proponentes na zona de atuação) e de exclusividade de zona (pela qual o proponente deve abster-se de realizar negócios na zona de atuação, a não ser com os aproximados 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 72 pelo distribuidor ou agente). Para garantir o cumprimento dessas obrigações, a lei assegura ao distribuidor o direito à remune- ração pelos negócios realizados pelo proponente em desrespeito à cláusula de territorialidade, conforme dispõe o art. 714 do CC. Art. 714. Salvo ajuste, o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência. Entretanto, o contrato de distribuição mais utilizado (distribuição-intermediação) é aquele que não é previsto em lei, ou seja, é um contrato atípico. A ele se aplicam as normas contratuais gerais, mas é regu- lado pelas cláusulas negociadas entre as partes, sendo muito importante que sejam estipuladas de maneira equilibrada e adequada para ambos. Nesta distribuição atípica aplicam-se os direitos e obrigações ajusta- das. Age o distribuidor em seu próprio nome adquirindo o bem para posterior revenda a terceiros, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de venda e aquele pago ao fornecedor (margem de comercialização). Fazendo a distinção entre as duas modalidades, o CJF editou o Enunciado no 31 na I Jornada de Direito Comercial: O contrato de distribuição previsto no art. 710 do CC é uma modalidade de agência em que o agente atua como mediador ou mandatário do proponente e faz jus à remuneração devida por este, correspondente aos negócios concluídos em sua zona. No contrato de distribuição autêntico, o distribuidor comercializa diretamente o produto recebido do fabri- cante ou fornecedor, e seu lucro resulta das vendas que faz por sua conta e risco. Em resumo: Modalidade de contrato de colaboração. Pode ser típico (distribuição-aproximação)ou atípico (distribuição-intermediação). Contrato típico: regras legais. Contrato atípico: regras con- tratuais. 3.13. Concessão comercial Trata-se de contrato atípico em que determinado empresário (concessionário) se obriga a comer- cializar, com ou sem exclusividade, com ou sem cláusula de territorialidade, os produtos fabricados por outro empresário (concedente), nas condições estipuladas pelo último. De plano, vale destacar valiosa lição de Fábio Ulhoa Coelho (in Curso de direito comercial. v. 3. 17. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 109): Na categoria dos contratos de colaboração por intermediação, distinguem-se duas espé- cies: a distribuição-intermediação e a concessão. A diferença entre elas é sutil, e alguns autores consideram incorreto considerá-las modalidades distintas de contrato. Orlando Go- mes, por exemplo, não as diferencia. Há, entretanto, na distribuição-intermediação e na concessão certa variância do grau de subordinação da empresa do colaborador em relação à do fornecedor. No contrato de distribuição-intermediação, o distribuído tem menos 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 73 poder de ingerência sobre a organização empresarial do distribuidor que o conce- dente, na concessão, relativamente à empresa do concessionário. Essa gradação na su- bordinação empresarial, inclusive, vocaciona a concessão como espécie de contrato de colaboração por intermediação mais apropriada à hipótese em que o colaborador não só vende os produtos do fornecedor como também presta serviços de assistência técnica aos consumidores ou adquirentes. Na concessão atípica (por vezes chamada de distribuição), os direitos e deveres das partes são aqueles previstos contratualmente, uma vez que não existe uma legislação própria. Portanto, é funda- mental que sejam objeto de pactuação: • cláusulas de exclusividade; • quotas de aquisição e fornecimento; • condições e vantagens especiais ao distribuidor; • rescisão (indenização). Diferentemente, na concessão comercial da venda de automóveis, trata-se de contrato típico, disci- plinado especificamente pela Lei no 6.729/1979 – “Lei Ferrari” -, alterada pela Lei no 8.132/1990. A aludida lei tem seu âmbito de aplicação restrito às relações empresariais estabelecidas entre produtores e distribui- dores de veículos automotores de via terrestre, e contempla as condições comerciais para concessão co- mercial de veículos automotores, sendo taxativa em relação a: • delimitação de área geográfica para comercialização de veículos de uma marca específica; • assistência técnica, garantia e revisão; • uso gratuito, como elemento identificador, da marca do produtor; • fidelidade e exclusividade recíproca concernente aos produtos e à marca; • prazo de vigência do contrato de concessão comercial por prazo indeterminado, ou pelo prazo mínimo e inicial de cinco anos. Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a Lei no 6.729/1979 (Lei Ferrari) não se aplica a hipóteses diversas da distribuição de veículos automotores (STJ, REsp no 680329 /RS, rel. Min. Raul Araújo, rel. p/ Acórdão: Raul Araújo, 4ª T., j. 22-4-2014, Dje 29- 4 -2014.). 3.14. Comissão Delineado pelos arts. 693 a 709 do CC. Trata-se de vínculo contratual em que um empresário (comissário) se obriga a realizar negócios mercantis por conta de outro (comitente), mas em nome próprio, assumindo, portanto, responsabilidade pessoal pelos atos praticados. Apesar de agir em nome próprio, não tem plena liberdade e deve agir sempre considerando os limites estabelecidos pelo comitente. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 74 Nesta forma de contratação, o comissário concretiza operações comerciais do interesse do comitente, mediante um percentual (comissão). O comitente não participa dos negócios, podendo até permanecer incóg- nito. A comissão assemelha-se ao mandato. Em ambos, uma pessoa (comissário ou mandatário) se obriga a praticar atos em nome de outra pessoa (comitente ou mandante). A diferença fundamental da comissão em relação ao mandato consiste na imputação da responsabilidade perante terceiros. O comis- sário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes (art. 694, CC). Por expressa previsão do Código Civil, admite o contrato de comissão a inserção da cláusula del credere. Esta representa a obrigação do comissário de responder solidariamente com o terceiro perante o comitente (ex.: o comissário vende café do comitente e dá prazo ao terceiro para pagar, porém o terceiro não paga, devendo então o comissário pagar ao comitente). Inserindo-se esta cláusula del credere, fará o comissário jus a uma remuneração maior em face do risco assumido (art. 698 do CC). Em resumo: Empresário se obriga a realizar negócios em favor de outro, mas em nome próprio. O comissário atua nos limites definidos pelo comitente. Remunerado via comissão. Possível a in- serção da cláusula del credere. 3.15. Mandato Extensamente regulamentado no CC, nos arts. 653 a 691. O mandato mercantil é contrato no qual mandatário se obriga a praticar atos negociais em nome e por conta do empresário mandante, que confia a outrem a gestão de um ou mais negócios mercantis. É materializado, concretizado, pela procuração outorgada ao mandatário. Trata-se de contrato bilateral, pois gera deveres tanto para o mandante quanto para o mandatário. A principal obrigação do mandatário é praticar atos negociais, em nome e por conta do mandante, observando, para tanto, as instruções e poderes dele recebidos. Também é obrigado a prestar contas dos atos por ele praticados em nome do mandante, informando-lhe sobre tudo o que se passa com os negócios. Já o mandante é obrigado a cumprir as obrigações contraídas pelo mandatário (dentro dos limites do mandato), bem como pagar o valor ajustado como remuneração. É igualmente obrigado a ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa sua ou de excesso de poderes. A extinção do mandato ocorre, segundo o art. 682 do CC, nas seguintes situações: 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 75 Art. 682. Cessa o mandato: I – pela revogação ou pela renúncia; II – pela morte ou interdição de uma das partes; III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o manda- tário para os exercer; IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio. Dica! Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes (art. 685 do CC). Em resumo: Mandatário atua em nome do mandante, dentro das instruções recebidas. Procuração é o instrumento do mandato. O mandato em causa própria não é extinto pelo falecimento do man- dante. 3.16. Métodos adequados A expressão “métodos adequados de resolução de conflitos (ou ainda métodos alternativos de solução de conflitos)” corresponde à homônima em língua inglesa “alternative dispute resolution” (ADR) e representa uma variedade de métodos de resolução de disputas distintos do julgamento que se obtém ao final de um processo judicial conduzido pelo Estado. São exemplos: • arbitragem, • mediação, • conciliação, • negociação. No Brasil, a história dos métodos adequados de resolução de conflitos tem uma defasagem tem- poral de duas décadas em relação à experiência norte-americana, por exemplo, mas se desenvolve por argumentos e etapas relativamente semelhantes: parte de uma crítica à demora e aos custos da jurisdição estatal, ancora-se inicialmente na arbitragem privada para, mais tarde, disseminar-se pela conciliação e mediação. Assim tem-se: 1996 – Lei no 9.307 – Instituição da Lei de Arbitragem no Brasil. Resolução no 125/2010 do CNJ. Novo CPC.Lei no 13.140/2015 (Lei de Mediação). 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 76 *Para todos verem: esquema. 3.16.1. Mediação Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia (art. 1o, parágrafo único, Lei no 13.140/2015). O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as par- tes, auxiliará os interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que ge- rem benefícios mútuos (art. 165, § 3o, do CPC). Veja esquema na página a seguir... Métodos adequados de resolução de conflitos Heterocomposição: decisão de um terceiro Processo Ordinário JEC Arbitragem Autocomposição: solução consensual entre as partes Mediação Autocomposição Assistida: as partes chegam a um consenso, com auxilio de terceiro Conciliação Mediação 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 77 *Para todos verem: esquema. 3.16.2. Conciliação É exercida, normalmente, por força de lei e compulsoriamente por servidor público que usa a au- toridade de seu cargo para tentar promover a solução de controvérsias. O conciliador é uma pessoa da sociedade que atua, de forma voluntária e após treinamento espe- cífico, como facilitador do acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das relações. Conforme art. 165, § 2o, do CPC “O concilia- dor, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimida- ção para que as partes conciliem ”. Na conciliação judicial o procedimento é iniciado pelo magistrado ou por requerimento da parte, com a designação de audiência e a intimação das partes para o comparecimento (arts. 165 e seguintes e 331 do CPC). Já na conciliação pré-processual, a parte comparece à unidade do Poder Judiciário apta a atendê-la, no caso, as unidades de conciliação já instaladas ou os Juizados Especiais, que marca uma Mediação Mediador extrajudicial: pode ser qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazê-lo, mesmo não vinculada a conselho ou entidade Mediador Judicial: é exigido a capacitação em curso realizado por entidade credenciada é a atividade técnica exercidapor um terceiro emparcial, sem poder decisóri, que, escolhido pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 78 sessão na qual a outra parte é convidada a comparecer. Na efetivação do acordo, o termo da conciliação se transforma em título executivo. Na falta de acordo, é dado o encaminhamento para o ingresso em juízo pelas vias normais. 3.16.3. Mediação e conciliação no CPC Depreende-se do art. 3o do CPC: Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Minis- tério Público, inclusive no curso do processo judicial. Em consonância com o referido artigo, o Código de Processo Civil prevê no art. 165 que “Os tribu- nais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orien- tar e estimular a autocomposição.” Logo, constata-se claro avanço no que diz respeito ao incentivo à solução de conflitos por vias não judiciais. Os princípios aplicados no procedimento de conciliação e mediação estão elencados no art. 166, do CPC. São eles: independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, orali- dade, informalidade e decisão informada. Art. 166, CPC. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da indepen- dência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. § 1o A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do pro- cedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por ex- pressa deliberação das partes. § 2o Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação. § 3o Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição. § 4o A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessa- dos, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais. Alguns pontos principais precisam ser lembrados pelo aluno ao estudar o tema no Código de Pro- cesso Civil, quais sejam: Tentativa de conciliação no início da audiência de instrução e julgamento: Art. 359, CPC. Instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a me- diação e a arbitragem. Produção antecipada de prova para viabilizar a autocomposição: 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 79 Art. 381, CPC. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que: [...] II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; Decisão homologatória de autocomposição como título executivo judicial: Art. 515, CPC. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: [...] II – a decisão homologatória de autocomposição judicial; III – a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza; Homologação de autocomposição nos tribunais: Art. 932, CPC. Incumbe ao relator: I – dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes; Máxima priorização da solução consensual nas ações de família: Art. 694, CPC. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solu- ção consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do pro- cesso enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento mul- tidisciplinar. Art. 695, CPC. Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências refe- rentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694. 3.16.4. Etapas do procedimento de mediação Primeiro criam-se opções para que os mediandos busquem soluções para a situação, a fim de trazer o maior número de ideias possíveis. A agenda é utilizada como instrumento de organização de acordo com as prioridades, baseadas na importância e urgência. No fechamento, o procedimento de mediação é encer- rado e o acordo é redigido, se for o caso. 3.16.5. Etapas do procedimento de conciliação 1. Apresentação 2. Abertura 3. Criação de opções 4. Acordo 3.16.6. Mediação empresarial A mediação empresarial pode ocorrerem diversos tipos de conflitos, tais como: comercial; constru- ção civil; propriedade intelectual; franchising; societária; empresa familiar; organizacional/corporativa; e com entes públicos. Veja o esquema na página a seguir... 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 80 *Para todos verem: esquema. 3.16.7. Arbitragem Regida pela Lei no 9.307/1996, a arbitragem é um procedimento litigioso privado, controlado por um profissional especializado e independente, que dita uma sentença e soluciona o conflito entre as partes. M e d ia ç ã o E m p re s a ri a l Antes do procedimento Coibir/inibir ações judiciais; Termo de mediação e minuta do termo - pré- mediação; Assegurar a participação dos que possuem poder de decisão; Sempre os mesmos participantes; Durante o procedimento Reuniões separadas - o mediador deve evitar ser o portador das propostas; Assegurar que estejam com as informações legais necessárias para decidir; Refletir sobre a relação passada e deliberar sobre a futura relação; Após o procedimento Cumprimento espontâneo; Nova relação de negócios: novo contrato; Rompimento de traumas: acompanhamento. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 81 3.16.7.1. Convenção de arbitragem – Lei no 9.307/1976 A convenção de arbitragem é gênero que se divide em duas espécies: Art. 3o As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. a) Cláusula compromissória: “convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativa- mente a tal contrato ” (art. 4o da Lei no 9.307/1976). b) Compromisso arbitral: convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, pode ser judicial ou extrajudicial (art. 9o da Lei no 9.307/1976). Art. 4o A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um con- trato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. § 1o A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira. § 2o Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua insti- tuição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. [...] Art. 9o O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. § 1o O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda. § 2o O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público. Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral: I – o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; II – o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identifica- ção da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; III – a matéria que será objeto da arbitragem; e IV – o lugar em que será proferida a sentença arbitral. Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: I – local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; II – a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade, se assim for convencionado pelas partes; III - o prazo para apresentação da sentença arbitral; IV - a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; V - a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e VI – a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros. Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no compro- misso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originari- amente, a causa que os fixe por sentença. A cláusula compromissória divide-se em duas categorias, quais sejam: 1) Cláusula compromissória cheia: contém definições prévias das questões relaciona- das à instituição e ao procedimento arbitral, contendo os requisitos mínimos para instauração do procedimento arbitral, como, por exemplo, a forma de indicação 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 82 dos árbitros, fazendo desnecessário o compromisso arbitral. As partes podem pactuar as regras, podem delegá-las aos árbitros ou podem ainda delegar ao regulamento de uma instituição arbitral já existente (art. 5o da Lei no 9.307/1996). Art. 5o Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláu- sula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem. 2) Cláusula compromissória vazia (ou em branco): as partes apenas definem a sub- missão do contrato a arbitragem, sem definir ou detalhar a instituição e as carac- terísticas do procedimento arbitral. Assim, surgido o conflito, será necessário o com- promisso arbitral para preencher as lacunas da cláusula compromissória. Discute-se, nesse aspecto, a impossibilidade de instauração imediata da arbitragem nos casos em que a cláusula é vazia, isto porque, ausentes os elementos mínimos necessários para a instauração da arbitragem, necessário que as partes firmem acordo a respeito do compromisso arbitral e, na falta desse acordo, poderá haver a intervenção (motivada) do Poder Judiciário. Art. 6o Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte inte- ressada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, con- vocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral. Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7o desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa. Art. 7o Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim. § 1o O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória. § 2o Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral. § 3o Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, res- peitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2o, desta Lei. § 4o Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, ca- berá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio. § 5o A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito. § 6o Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvidoo autor, estatuir a res- peito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único. § 7o A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 83 3) Cláusula arbitral escalonada: determina a solução da controvérsia por meio da me- diação antes da instauração da arbitragem (cláusula med-arb) ou ainda, durante o procedimento arbitral (cláusula arb-med). Desta forma, prestigia-se a autocomposição dos conflitos, por meio da mediação, inclusive nas hipóteses em que as partes pactuaram a arbitragem. 3.16.7.2. Autonomia da cláusula compromissória Art. 8o da Lei no 9.307/1996. A cláusula compromissória é autônoma em relação ao con- trato em que estiver ins erta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessaria- mente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do con- trato que contenha a cláusula compromissória. 3.16.7.3. Espécies de arbitragem 1) Arbitragem institucional: as regras procedimentais encontram-se previamente defi- nidas por determinada câmara arbitral. Nesse caso, as partes escolhem uma entidade especia- lizada (instituição arbitral) para conduzir o procedimento arbitral. 2) Arbitragem ad hoc (ou arbitragem avulsa): as partes definem o procedimento arbi- tral e, em caso de lacuna ou dúvida, os árbitros decidirão. 3.16.7.4. Efeitos da convenção arbitral A convenção de arbitragem tem um duplo caráter ou efeito: Positivo: obriga as partes a se submeterem ao juízo arbitral; deriva do princípio contra- tual do pacta sunt servanda (os contratos vinculam as partes). A convenção arbitral é capaz de execução específica, tendo em vista que, se a sanção pelo des- cumprimento de uma convenção arbitral fosse meramente indenizatória, a arbitragem não estaria atingindo o seu objetivo principal. A LBA, nesse sentido, adotou, em seu art. 7o, um mecanismo próprio para permitir a execução específica da cláusula compromissória quando houver resistência de uma das partes em instaurar o proce- dimento, por meio de sua instauração judicial. Negativo: derroga a jurisdição estatal, submetendo as partes à jurisdição dos árbitros. Um requisito de validade da convenção de arbitragem é a arbitrabilidade, que significa a possibi- lidade de um litígio ser submetido à arbitragem voluntária. Divide-se em duas espécies: objetiva e subje- tiva. Veja esquema na página a seguir... 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 84 *Para todos verem: esquema. *Para todos verem: esquema. Os entes despersonalizados, em razão da ausência de personalidade jurídica e, portanto, de capacidade de direito e de fato, não podem firmar, em princípio, convenção arbitral. À exceção, o ordenamento jurídico confere capacidade contratual para determinados entes des- personalizados, como o condomínio edilício, massa falida, espólio, que poderiam submeter suas controvér- sias à solução arbitral, desde que com a devida autorização e representação adequada. Arbitralidade Disponível: pode ser exercido livremente - alienado, transaciondo, negociado pelo seu titular. Cunho patri,omial: passível de apreciação pecuniária. Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a DIREITOS PATRIMONIAIS DISPONÍVEIS. Arbitralidade Arbitralidade objetiva: relaciona-se às matérias ou espécies de litígios que podem ser submetidos à arbitragem, com projeção no objeto (ratione materiae) Arbitragem subjetiva: é a aptidão que certas pessoas possuem para submeterem-se à arbitragem (ratione personae). 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 85 3.16.7.5. Arbitragem de direito ou de equidade Enquanto na arbitragem de direito, os árbitros devem decidir a controvérsia com fundamento nas normas em vigor no ordenamento jurídico, na arbitragem por equidade, a decisão é adotada com apoio nos critérios de justiça, de bom senso e de equilíbrio dos árbitros. *Para todos verem: esquema. 3.16.7.6. Árbitros Quanto aos árbitros, disciplina o art. 13 da Lei no 9.307/1996: Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. § 1o As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes. § 2o Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados, desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7o desta Lei. § 3o As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada. § 4o Sendo nomeados vários árbitros, estes, por maioria, elegerão o presidente do tribunal arbitral. Não havendo consenso, será designado presidente o mais idoso. § 4o As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regula- mento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento Arbitragem de direito ou de equidade Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. Na arbitragem por equidade o árbitro julgará o caso segundo o seu bom senso, coerência e justiça. §1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. §2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios geraisde direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. As partes podem livremente escolher a lei a ser aplicada na arbitragem. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 86 aplicável. § 5o O árbitro ou o presidente do tribunal designará, se julgar conveniente, um secretário, que poderá ser um dos árbitros. § 6o No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, inde- pendência, competência, diligência e discrição. § 7o Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral determinar às partes o adiantamento de verbas para despesas e diligências que julgar necessárias Quanto ao impedimento do árbitro, preveem os art. 14 a 16 da referida lei: Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as par- tes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mes- mos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. § 1o As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparciali- dade e independência. § 2o O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Po- derá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando: a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação. Art. 15. A parte interessada em arguir a recusa do árbitro apresentará, nos termos do art. 20, a respectiva exceção, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, de- duzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes. Parágrafo único. Acolhida a exceção, será afastado o árbitro suspeito ou impedido, que serásubstituído, na forma do art. 16 desta Lei. Art. 16. Se o árbitro se escusar antes da aceitação da nomeação, ou, após a aceitação, vier a falecer, tornar-se impossibilitado para o exercício da função, ou for recusado, assu- mirá seu lugar o substituto indicado no compromisso, se houver. § 1o Não havendo substituto indicado para o árbitro, aplicar-se-ão as regras do órgão ar- bitral institucional ou entidade especializada, se as partes as tiverem invocado na conven- ção de arbitragem. § 2o Nada dispondo a convenção de arbitragem e não chegando as partes a um acordo sobre a nomeação do árbitro a ser substituído, procederá a parte interessada da forma prevista no art. 7o desta Lei, a menos que as partes tenham declarado, expressamente, na convenção de arbitragem, não aceitar substituto. *Para todos verem: esquema. Árbitro Art. 17: os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparadas aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal. Art. 18: o árbitro é juiz de fato e de direito,e a sentença que proferir não fica sujeita e recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 87 3.16.7.7. Instituição do procedimento de arbitragem Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários. § 1o Instituída a arbitragem e entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral que há necessi- dade de explicitar questão disposta na convenção de arbitragem, será elaborado, junta- mente com as partes, adendo firmado por todos, que passará a fazer parte integrante da convenção de arbitragem. A recusa de assinatura na “ata de missão” estipulada no artigo anteriormente mencionado não sig- nifica que a arbitragem não poderá se desenvolver. *Para todos verem: esquema. 3.16.7.8 Três momentos do procedimento • Instauração da arbitragem • Organização da arbitragem • Desenvolvimento da arbitragem Veja esquema na página a seguir... P ro c e d im e n to A rb it ra l Judicialização do procedimento arbitral (calendarização procedimental) Art. 190 e 191 do CPC A convenção arbitral definirá o procedimento adotado, respeitando os limites do art. 21, §2º da LBA Regra de ouro O procedimento arbitral não está sujeito às normas do CPC. Assim, as partes podem, com total liberdade, fixar asregras aplicáveis. Caso as partes não estipulem procedimento, presume-se que delegaram aos árbitros. O mais comum é que a convenção remete às regras de entidades administradoras ou às regras da UNCITRAL (United Nations Commission Oninternational Trade Law) para arbitragens ad hoc. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 88 *Para todos verem: esquema. O procedimento arbitral depende da vontade das partes para ser instaurado. As partes precisam, voluntariamente, pactuar que a lide seja apreciada pelo juízo arbitral, abdicando da via judicial. As partes também possuem a faculdade de indicar o(s) árbitro(s), o local da arbitragem, de optar pela arbitragem institucional ou ad hoc, de escolher as regras de direito a serem empregadas no caso, se a arbitragem será de direito ou de equidade e o procedimento a ser aplicado. Inclusive, podem modificar o que estabeleceram, contanto que com mútuo consentimento. O poder conferido ao árbitro emana da lei, e não da vontade das partes. 3.16.7.9. Liberdade para determinar as regras Convenção arbitral definirá o procedimento adotado respeitando os limites do art. 21, § 2o, da L.A. Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou enti- dade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribu- nal arbitral, regular o procedimento. [...] § 2o Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. Judicialização do procedimento arbitral – arts. 190 e 191 (Calendarização procedimental) do CPC, que aproveitou o conceito de liberdade procedimental da arbitragem: Art. 190, CPC. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às es- pecificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres In s ta u ra ç ã o d a A rb it ra g e m Etapa preliminar: é a provocação da outra partesobre o conflito, com o intuito de instaurar a arbitragem, e a tomada de providências para indicação e nomeação do árbitro quando for o caso. Tem seu êxito na aceitação do árbitro indicado ou nomeado. Alegações iniciais: o reclamante apresenta, detalhadamente, a fundamentação pertinente à sustentação de seus alegados direitos e específica os respectivos pedidos. Atos processuais: as manifestações das partes são escritas, acompanhadas de documentos, sem exigências formais ou burocráticas. Admite-se, ainda, quando convencionado ou regulado pela entidade, o peticionamento eletrônico, mantendo virtual todo o procedimento. Intimações e comunicações: normalmente são feitas por envio de carta registrada ao escritório do advogado ou através de entrega pessoal. As decisões interlocutórias do árbitro são designadas, geralmente, por ordem processual. Rarmente são feitos despachos de expediente, viso que o procedimento tende a correr de forma espontânea. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 89 processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em mani- festa situação de vulnerabilidade. Art. 191, CPC. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso. § 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. § 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário. 3.16.7.10. Princípios impositivos A possibilidade de as partes disciplinarem o procedimento arbitral ou, em caráter supletivo, o tri- bunal ou os árbitros, não significa que possam fazê-lo de forma absolutamente livre. Alguns princípios devem ser observados sob pena de nulidade do procedimento arbitral (“Art. 32. É nula a sentença arbitral se: [...] VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2o, desta Lei”). São princípios que decorrem da CF como garantia mínima aos litigantes em qualquer espécie de processo, seja judicial ou não. Princípio do contraditório e ampla defesa (art. 5o, LV, da CF e art. 21, § 2o, da Lei de Arbitragem). *Para todos verem: esquema. O contraditório consiste no direito que as partes têm de serem informadas a respeito dos atos Princípios Impositivos Princípio do contraditório e da ampla defesa: arts. 5º, LV da CF e 21, §2º da LBA Princípio da igualdade: art. 5º, caput e inciso I da CF Livre convencimento Imparcialidade e independência jurídica dos árbitros: art. 5º, XXXVII e LIII da CF Devem ser observados, sob pena de nulidade do procedimento arbitral 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 90 processuais e de poderem se manifestar a respeito. Esse princípio abrange a ampla defesa, que repre- senta a possibilidade dos litigantes de produzirem provas necessárias à sua defesa. Em obediência a esses princípios, o árbitro deve, necessariamente, garantir que as partes tenham ciência dos pontos relevantesno processo e que tenham a oportunidade de se manifestar. Através da informação dos atos praticados por uma parte é que a outra poderá reagir. Importante ressaltar que o que se protege é a oportunidade de manifestação, não havendo afronta ao contraditório se, sabendo de seu direito, o contendor se mantiver inerte. Deve haver cautela na comunicação dos atos processuais, ainda que seja da forma estipulada pelas partes ou pela entidade arbitral, permitindo que os litigantes possam influir nas decisões que serão tomadas. É dever do árbitro tratar de maneira igualitária as partes, sendo imparcial e conferindo-lhes as mesmas oportunidades. Já em relação ao livre convencimento, este corresponde à liberdade que o árbitro possui de apreciar e avaliar as provas existentes no processo para constituir livremente a sua convicção. Sendo a fundamen- tação obrigatória na sentença arbitral, o livre convencimento deve sempre ser motivado (art. 26 da LBA). Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: I – o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II – os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; III – o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV – a data e o lugar em que foi proferida. Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato. O procedimento arbitral depende da vontade das partes para ser instaurado, sendo assim, as partes precisam, de forma livre, pactuar que a lide será apreciada pelo juízo arbitral, abdicando da via judicial. As partes também podem indicar os árbitros; o local da arbitragem; se optam por arbitragem insti- tucional ou ad hoc; podem escolher as regras de direito a serem aplicadas; se a arbitragem será de direito ou de equidade; e o procedimento a ser aplicado. Nada as impede, também, de alterar aquilo que pactua- ram, com mútuo consentimento. Não é obrigatória a participação de advogados no procedimento arbitral (art. 21, § 3o, LA). Sendo assim, a ausência do advogado na audiência não prejudica a realização do ato. Art. 21, § 3o. As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral. Entretanto, pelo princípio da igualdade entre os litigantes, se um dos reclamantes se faz 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 91 representar por advogado, o árbitro deve abrir prazo para que o outro, se quiser, igualmente nomeie procurador. 3.16.7.11. Prescrição na arbitragem A respeito da prescrição, institui o art. 19, em seu § 2o, da Lei de Arbitragem que “A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que ex- tinta a arbitragem por ausência de jurisdição ”. 3.16.7.12. Princípio da competência-competência Oriundo do Direito alemão, o princípio da “competência-competência” está contido no parágrafo único do art. 8o da LA: “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromis- sória”. Já em momento posterior, a matéria pode ser submetida à apreciação do juízo estatal, no caso de uma das partes ajuizar ação visando à anulação da sentença arbitral por invalidade da convenção. Art. 32, da LA: “É nula a sentença arbitral se: I – for nula a convenção de arbitragem ”. 3.16.7.13. Efeitos Dois efeitos: O positivo é a concretização da jurisdição do árbitro, na medida que é ele quem analisa, inicialmente, a viabilidade ou inviabilidade de sua atuação no processo arbitral. O negativo consiste no afastamento do juízo estatal dessa análise, que é postergada para oportunidade posterior à sentença arbitral, nas hipóteses previstas no art. 32 da LBA. O princípio competência-competência é extremamente importante para a valorização da arbitra- gem, pois se ao Judiciário coubesse decidir, em primeiro lugar, sobre a validade da cláusula, a instauração do procedimento arbitral restaria postergada por longo período e, por vezes, apenas com o intuito protela- tório de uma das partes em esquivar-se do cumprimento da convenção. Art. 20. A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou im- pedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da con- venção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem. § 1o Acolhida a arguição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos ter- mos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as par- tes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa. § 2o Não sendo acolhida a arguição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem pre- juízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 92 3.16.7.14. Carta arbitral A Lei no 13.129/2015 ampliou o âmbito de atuação da arbitragem brasileira, como, por exemplo, a possibilidade de a Administração Pública se utilizar da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, a possibilidade da concessão de tutelas cautelares e de urgência pelos árbitros (art. 22-B da LBA), a oportunidade de prolação de sentenças parciais (art. 23, § 1o, da LBA) e a utilização da carta arbitral (art. 22-C). Art. 22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. Parágrafo único. No cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem. A carta arbitral consiste num procedimento específico de cooperação entre a jurisdição arbitral e estatal, por meio do qual o árbitro ou Tribunal arbitral pode solicitar a cooperação do Poder Judiciário, na área de sua competência, para prática de determinado ato, como, por exemplo: • a condução de alguma testemunha renitente; • a efetivação de tutela de urgência ou de evidência deferida pelo árbitro; • ou, ainda, que um terceiro entregue documento ou coisa, bem como conceda in- formações específicas. De acordo o art. 260, § 3°, do CPC, a carta arbitral atenderá, no que couber, aos requisitos a que se refere a carta de ordem, precatória e rogatória, devendo ser instruída com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação do árbitro e de sua aceitação da função. A análise do mérito e da pertinência da expedição ou não da carta será apreciada pelo próprio juízo arbitral, sob o crivo do contraditório e de acordo com as regras do procedimento. Ao Poder Judiciário, cabe apenas, no exercício do seu poder de império, promover direta ou sob sua autoridade, o cumprimento das providências solicitadas. O juízo estatal não reexamina o conteúdo da decisão arbitral, mas apenas lhe confere efetividade como agente colaborador. Deste modo, por exemplo, não se avalia a pertinência da oitiva da testemunha ou da necessidade de eventuais informações solicitadas aos Órgãos Públicos, muito menos a adequação dessa ou daquela medida de urgência, apenas se processa seu cumprimento. Conforme expressamente previsto noparágrafo único do art. 22-C da LAB e no art. 189, IV, do CPC, no “cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem”. A confidencialidade da arbitragem pode ser comprovada por meio da estipulação expressa das partes ou mediante previsão no próprio regulamento arbitral. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 93 3.16.7.15. A revelia Na arbitragem, a revelia representa deixar de praticar atos durante o procedimento (não indica árbitro, ausência de defesa, falta na audiência, omissão na produção de provas etc.) e para qualquer uma das partes (solicitante/solicitados). Art. 22, § 3o, da LBA: Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir teste- munhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. [...] § 3o A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral. O não comparecimento da parte para apresentar defesa durante o procedimento arbitral não terá como efeito a sua confissão ficta. Naturalmente, haverá grave prejuízo a quem não apresentar sua versão dos fatos e indicar as provas que as amparam. Porém, o árbitro ou tribunal arbitral apreciarão as alegações e a prova produzida no procedimento com a ausência da parte e julgarão o feito sem a imposta presunção de confissão. Processo judicial (art. 344 CPC) – ausência de contestação – presumem-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor. 3.16.7.16. Instrução e produção de provas O árbitro, revestido da jurisdição de juiz de fato e de direito (art. 18 da LBA), possui poderes ins- trutórios semelhantes aos conferidos ao Juiz de Direito, podendo requisitar documentos e informações di- retamente aos órgãos públicos, determinar a oitiva de testemunhas não arroladas pelas partes, determinar vistorias e exames, e ainda aplicar regras típicas da common law, colhendo depoimentos técnicos, deter- minar que as partes forneçam todos os documentos que entender necessários para esclarecimento da controvérsia, ainda que preservado pelo sigilo (art. 22 da LBA). Além disso, não existe previsão na LBA vinculando as partes ao CPC na ausência de fixação de procedimento próprio. A LBA autoriza as partes a criarem as regras procedimentais que serão aplicadas ao processo arbitral (art. 2o, § 1o, art. 11, IV, art. 19, § 1o, e art. 21, caput e §§ 1o e 2o). Dessa forma, não existe previsão legal também a respeito do ônus da prova, ou seja, quem tiver interesse pelo esclarecimento do fato é que deve produzir ou requerer a produção da prova correspondente. 3.16.7.17. Depoimento das testemunhas Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e deter- minar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício, conforme expresso no art. 22. Deve o depoimento das partes e das testemunhas ser tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros, de acordo com o § 1o do referido artigo. O depoimento das testemunhas poderá ser realizado por meio eletrônico, se assim for 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 94 convencionado respeitado sempre o prazo de 48 horas para intimação do art. 218, § 2o, do CPC. 3.16.7.18. Recusa de depoimento das partes Não haverá confissão ficta (art. 385, § 1o, do CPC) e, a respeito da recusa em prestar depoimento, os árbitros levarão em consideração no momento do proferimento da sentença (art. 22, § 2o, L.A.). Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir teste- munhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. § 2o Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoi- mento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem. 3.16.7.19. Expert witness – testemunha técnica Convocada para emitir opinião com base no seu conhecimento técnico no tema (em re- gra não tem conhecimento de nada sobre o conflito). Similar a convocação de perito para esclarecimento em audiência (art. 477, § 3o, e 361, I do CPC) sem ter sido apresentado laudo. 3.16.7.20. Despesas com arbitragem Prevalece a convenção, senão será estipulado por sentença (art. 27 da L.A.). a) custas da entidade (taxa de administração do procedimento e instauração); b) despesas com diligências, reuniões, audiências, gravações; c) honorário(s) do(s) árbitro(s). Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver. 3.16.7.21. Sentença arbitral A sentença da arbitragem é definitiva, pondo fim ao procedimento e, em regra, não está sujeita a recurso. Assim, se produz um título executivo. Art. 18, LA. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. Art. 31, LA. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo. 3.16.7.22. Nulidade da sentença arbitral Conforme previsão do art. 32 da LBA, a sentença arbitral será nula: Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I – for nula a convenção de arbitragem; II – emanou de quem não podia ser árbitro; 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 95 III – não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2o, desta Lei. De acordo com o art. 26 da LBA, são requisitos obrigatórios da sentença arbitral: I – o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II – os fundamentos da decisão, em que serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; III – o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV – a data e o lugar em que foi proferida. O parágrafo único do mesmo artigo detalha que: “a sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato”. 3.17. Marco Legal das Startups 3.17.1. O que é uma startup e quais são suas características? Uma startup é uma empresa que possui um modelo de negócios repetível e escalável, e que trabalha para desenvolver soluções em um cenário de incertezas. Além disso, ela necessita de inovação para não ser considerada uma empresa tradicional. Nesse sentido, o modelo de negócios está ligado ao valor da empresa e à sua rentabilidade. Ou seja, o foco do negócio é a solução para determinado problema, e essa solução será vendida ao cliente de forma lucrativa. Para ser uma startup, o modelo de negócios deve ser inovador, o que não significa necessari- amente algo novo, podendo vir a ser uma adaptaçãode um modelo de negócios já utilizado. Um produto repetível e escalável promete atingir um grande número de clientes e gerar lucro de forma rápida: Repetível: a empresa é capaz de entregar o mesmo produto em escala potencialmente ilimitada. Escalável: a empresa deve crescer cada vez mais sem que isso influencie o modelo de negócios. A respeito do enquadramento de empresas s tartup, a Lei Complementar no 182/2021, denomi- nada o Marco Legal das Startups, dispõe em seu art. 4o: Art. 4o São enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nas- centes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a mo- delo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 96 § 1o Para fins de aplicação desta Lei Complementar, são elegíveis para o enquadramento na modalidade de tratamento especial destinada ao fomento de startup o empresário indi- vidual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples: I – com receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calen- dário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária ado- tada; II – com até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; e III – que atendam a um dos seguintes requisitos, no mínimo: a) declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do inciso IV do caput do art. 2o da Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004; ou b) enquadramento no regime especial Inova Simples, nos termos do art. 65-A da Lei Com- plementar no 123, de 14 de dezembro de 2006. 3.17.2. Diferença entre startup e empresa tradicional Muitas pessoas têm dúvidas acerca das diferenças entre uma startup e uma empresa tradicional. A empresa tradicional costuma focar na rentabilidade e na estabilidade a longo prazo; tende a acumular lucros organicamente; se concentra na sobrevivência do negócio, com fluxo estruturado e planejamento a longo prazo; cada trabalhador costuma ter suas funções bem definidas; costuma atuar em sua zona de conforto; os sócios normalmente detêm o controle absoluto do negócio; busca operar sem necessidade de grande investimento além do inicial (receitas cobrem os custos e geram lucro). Já uma startup se preocupa com o potencial de crescimento a curto e médio prazo; objetiva crescer de forma acelerada e sustentável; foca em oportunidades para atender rapidamente a uma de- manda; começam a operar com grupos pequenos, em que há um acúmulo de funções entre os sócios; estimula a inovação; busca investimento externo em troca de participação no empreendimento. 3.17.3. Investidor-anjo Segundo a Lei Complementar no 182/2021, considera-se investidor-anjo: “aquele investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes”. Muito se confunde o investidor-anjo com o sócio oculto da Sociedade em Conta de Participa- ção, mas a diferença é clara: Sócio oculto é aquele que irá investir no projeto, mas sem participar da gestão da em- presa, e possui participação nos lucros finais, sem se envolver no processo. Investidor- anjo é aquele que irá investir no projeto da sociedade e permanecer anô- nimo. Assim, a principal diferença é que o primeiro tem a opção de participar da gestão, enquanto 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 97 o segundo só investe, sem poder se envolver na gestão da startup. 4. Títulos de Crédito 4.1. Títulos de crédito: princípios e atos 4.1.1. Considerações iniciais Os títulos de crédito são os documentos necessários ao exercício do direito literal e autônomo, que produzem efeitos desde que preencham os requisitos legais. É daí que nascem, inclusive, os três prin- cípios basilares aos títulos de crédito: cartularidade, literalidade e autonomia, e que em breve serão estudados. Os títulos de créditos são pautados na confiança e na boa-fé, uma vez que consistem em um direito ao recebimento de uma prestação futura. Além disso, o Código Civil funciona como uma teoria geral para os chamados títulos atípicos ou inominados, ou seja, para os títulos que não possuem lei específica que os descreva, a regulação está nos arts. 887 a 926 do CC. Por outro lado, temos os títulos típicos ou nominados, que são os que possuem lei especial os definindo. Como exemplo de títulos típicos ou nominados, tem-se a duplicata, a letra de câmbio, a nota promissória e o cheque. Ainda, em relação a estes, o Código Civil apenas é aplicado em caso de lacuna na legislação especial ou quando compatível com esta. Assim, verifica-se que as normas contidas no Código Civil são de aplicação supletiva, destinando- se a suprir o vácuo existente no regramento jurídico específico. Ressalta-se que as normas constantes no Código Civil não possuem o condão de afastar ou revogar a incidência do disposto nas leis especiais. Pode-se dizer, ainda, que a aplicação do Código Civil é apenas quando a lei cria um novo título e não a disciplina exaustivamente, nem nomeia outra legislação cambial como fonte supletiva para regê-lo. 4.1.2. Características e princípios Conforme já mencionado, o título de crédito é documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produzindo efeitos quando preenchidos os requisitos previstos na lei. A partir do conceito dos títulos de crédito, extraem-se suas principais características. A primeira delas é a sua natureza essencialmente comercial, sendo que o direito cambiário é conhecido como sub-ramo es- pecífico do Direito Empresarial por ser desenvolvido com a finalidade de conferir aos títulos de crédito as prerrogativas necessárias para o cumprimento de sua função primordial – a circulação de riqueza com segurança. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 98 Além disso, tem-se que os títulos de crédito são documentos formais, haja vista a necessidade de observação dos requisitos essenciais previstos na legislação cambiária; são considerados bens mó- veis, por se sujeitarem aos princípios basilares da circulação de tais bens, como, por exemplo, o princípio que prescreve que a posse de boa-fé possui valor de propriedade ; são títulos de apresentação, tendo em vista serem documentos essenciais para o exercício do direito nele previsto. Ainda, os títulos de crédito são títulos executivos extrajudiciais, pois contêm obrigações líquidas e certas. 4.1.2.1. Princípio da cartularidade O próprio conceito trazido pelo Código Civil de 2002 de que o título de crédito é um documento necessário ao exercício do direito literal nele mencionado é uma clara referência ao princípio da car- tularidade, que pressupõe que, para o exercício de qualquer direito representado no título, é impres- cindível a sua posse legítima. Assim, tem-se que o titular do crédito representado na cártula deve estar na posse desta, sendo que este é, inclusive, o modo para comprovação da própria existência e exigibilidade do crédito. 4.1.2.2. Princípio da literalidade De acordo com esse princípio, o título de crédito vale pelo o que tem escrito nele, ou seja, so- mente os atos que são lançados na própria cártula produzem efeitos jurídicos. O princípio da literalidade concede segurança às partes da relação cambial da exata correspon- dência entre o teor do título e o direito que ele representa. Assim, tem-se que o credor pode exigir tudo o que estiver expressona cártula, do mesmo modo que o devedor tem o direito de pagar somente o que estiver manifesto no título. 4.1.2.3. Princípio da autonomia Segundo o princípio da autonomia, o título de crédito é um documento constitutivo de um direito novo, autônomo, originário e totalmente desvinculado da relação que lhe originou. Dessa forma, evidencia-se que o direito representado em um título de crédito é autônomo porque a sua posse legítima caracteriza a existência de um direito próprio, insuscetível a ser contaminado por vícios de relações anteriores. No mais, importante ressaltar dois princípios decorrentes do princípio da autonomia: o prin- cípio da abstração e o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé. Tais princípios são chamados por alguns autores de subprincípios, por entenderem que estes não trazem uma ideia nova em relação à autonomia, mas apenas uma outra forma de encará-la. O princípio da abstração dispõe que, quando o título circula, ele se desvincula da relação que lhe originou. Assim, tem-se que, enquanto o título está na relação cambiária que lhe originou, existe 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 99 uma vinculação entre esta relação e a origem do título, mas quando o título é, por exemplo, endossado, a relação que originou a cártula não mais interessa. Já o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé é a exata manifestação do princípio da autonomia. Isto porque a atuação deste princípio preceitua que o portador do título de boa-fé não será prejudicado por eventuais vícios que a relação originária do negócio jurídico venha a ter. Os vícios constantes na relação originária apenas podem ser considerados nesta relação cambial, entre os sujeitos participantes desta. Quando o terceiro adquire o título, de boa-fé, este o adquire sem sujeição a vícios da relação cambiária principal. Dessa forma, o portador do título não pode ser atingido por defesas relativas ao negócio jurídico do qual ele não participou. 4.1.3. Atos cambiários Endosso, aval, protesto, saque e aceite são os principais institutos cambiários aplicáveis aos títulos de crédito, assim, necessário estudar as particularidades de cada instituto referido. 4.1.3.1. Endosso Esse instituto é classificado como um ato cambiário necessário para a circulação de títulos de crédito nominais à ordem, produzindo, principalmente, dois efeitos: a) transferência da titularidade do crédito, b) responsabilidade do endossante, que se torna devedor indireto do título. O endosso deve ser realizado no verso do título, sendo que, nesse caso, basta a assinatura do endossante. Contudo, caso ele seja realizado no anverso da cártula, além da assinatura do endossante, é obrigatório que contenha a menção expressa de que se trata de endosso, para que assim produza seus efeitos. O endosso deve ser total ao valor da dívida do título, dessa forma, tem-se que é vedado o endosso parcial, sendo considerado nulo. Ainda, o endosso não pode ser subordinado a alguma con- dição, sendo que, caso esta exista, será considerada não escrita, conforme disciplina o art. 12 da Lei Uniforme de Genebra (LUG) e o art. 912 do CC. 4.1.3.2. Endosso em branco e endosso em preto Endosso em branco é o que não identifica o beneficiário, chamado aqui de endossatário. Nessa hipótese, o endossante somente assina no verso, não identificando a quem está endossando o título, o que, na prática, permite que o título circule ao portador, isto é, circule por mera tradição da cártula. Já o endosso em preto é aquele que identifica, expressamente, quem será o endossatário, ou seja, a quem está sendo transferida a titularidade do título. Com o endosso em preto, o endossatário não pode colocar o título em circulação por mera tradição, tendo em vista que é necessário que realize novo endosso, seja ele em preto ou em branco, assumindo, assim, a qualidade de codevedor da dívida 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 100 constante no título. 4.1.3.3. Endosso impróprio Endosso impróprio é aquele que não produz os principais efeitos do endosso (transferência da titularidade do crédito e responsabilização do endossante), tendo como finalidade, apenas, a legitima- ção da posse de alguém sobre o título. O endosso impróprio pode ser endosso-mandato e endosso- caução. Endosso-mandato (ou endosso-procuração) é aquele em que o endossante confere poderes ao endossatário (como, por exemplo, poderes de representação em nome do endossante, podendo cobrar o título, protestá-lo, executá-lo etc.). Esta modalidade de endosso possui previsão no art. 18 da LUG e no art. 917 do CC. O endosso-caução (ou endosso-pignoratício ou endosso-garantia) caracteriza-se quando o en- dossante transmite o título como forma de garantia de uma dívida contraída perante o endossatário. Nesta hipótese de endosso, o endossatário não assume a titularidade do crédito, apenas fica na posse do título como forma de garantia da dívida que o endossante contraiu perante ele. Se a dívida for adimplida, o en- dossante resgata o título ; caso a dívida não seja paga, o endossatário pode executar a garantia, assumindo a titularidade total do título. O endosso-caução está disciplinado no art. 19 da LUG e no art. 918 do CC. 4.1.3.4. Endosso póstumo ou tardio O endosso póstumo ou tardio é disciplinado pelo art. 20 da LUG e também pelo Código Civil junto ao art. 920. Evidencia-se que o endosso pode ser dado após o vencimento do título, produzindo os efeitos de transferência do crédito e responsabilização do endossante normalmente. Contudo, percebe-se que, no caso de o endosso ser realizado após o protesto do título ou, após o prazo para protesto, este apenas valerá como cessão civil de crédito. Por fim, tem-se que se presume realizado, antes do prazo para protesto, o endosso sem data. 4.1.3.5. Aval O aval, por sua vez, é um ato cambiário pelo qual um terceiro, chamado aqui de avalista, se res- ponsabiliza pelo adimplemento da obrigação constante no título. Neste caso, o avalista garante o cumpri- mento da obrigação do avalizado, respondendo, assim, de forma equiparada a este. Tal instituto possui previsão no art. 30 da LUG e no art. 897 do CC. O aval deve ser realizado no anverso do título, bastando apenas a assinatura do avalista, po- rém, e caso o aval seja realizado no verso da cártula, além da assinatura do avalista, é necessária a menção expressa de que se trata de aval. Os avais simultâneos, também chamado de coavais, ocorrem quando duas ou mais pessoas 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 101 avalizam um título conjuntamente, como forma de garantir a mesma obrigação cambial. A responsabilidade assumida pelos avalistas nos avais simultâneos é solidária, razão pela qual o avalista que adimplir a obri- gação integralmente ao credor possui o chamado direito de regresso contra os demais coavalistas apenas em relação à sua parte. Ou seja, caso sejam dois avalistas e um pagou a totalidade da dívida, surge a este o direito de regresso contra o outro, apenas em relação a metade da dívida. Já os avais sucessivos, também conhecidos como aval do aval, acontecem quando alguém avaliza outro avalista. Nesta situação, todos os avalistas dos avalistas possuem a mesma responsabilidade do avalizado, sendo que o avalista que pagar a totalidade da obrigação possui direito de regresso em relação ao total da dívida em face dos demais. Ademais, importante referir sobre o aval parcial. Este ocorre quando o avalista se responsabiliza por parte do adimplemento da obrigação constante no título, por conseguinte, garantindo apenas uma parte do cumprimento da obrigação do avalizado. Como regra, o aval parcial é vedado (art. 897, parágrafo único, do CC). Contudo, este é admitido caso haja expressa previsão legal na legislação especial. Neste sentido, temos que a LUG prevê, em seu art. 30, a possibilidadede aval parcial para a letra de câmbio e a nota promissória, enquanto a Lei do Cheque o prevê junto ao seu art. 29. Já quanto à duplicata e considerando que sua legislação específica (Lei no 5.474/1968) é omissa quanto à possibilidade ou não de aval parcial, esta segue a regra geral do Código Civil, ou seja, na duplicata não é permitido o aval parcial. 4.1.4. Protesto O protesto pode ser definido como o ato formal através do qual se atesta um fato relevante para a relação cambial. O fato relevante pode ser: a) a falta de aceite do título; b) a falta de devolução do título; ou c) a falta de pagamento do título. No caso de protesto por ausência de aceite, este somente poderá ser efetuado antes do venci- mento da obrigação e após o decurso do prazo legal para aceite ou devolução. Se o protesto for feito após o vencimento da obrigação, somente será efetuado por falta de pagamento. Vejamos o que disciplina o art. 21 da Lei no 9.492/1997. O protesto, em regra, apenas é indispensável se o credor quiser executar os codevedores do título, como, por exemplo, os endossantes, razão pela qual se diz que o protesto garante o direito de regresso em face dos devedores indiretos do título. Por outro lado, caso o credor deseje executar ape- nas o devedor principal do título, o protesto se torna desnecessário. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 102 4.1.4.1. Saque O saque é a emissão de um título de crédito, ou seja, é a sua criação. Assim, quem realiza a emissão do título é chamado de sacador. Nas diferentes espécies de títulos de créditos típicos ou nomina- dos, a figura do saque pode dar origem a situações jurídicas distintas, o que estudaremos em outro mo- mento. 4.1.4.2. Aceite O aceite é o ato por meio do qual o sacado assume a obrigação cambial, se tornando o devedor principal do título. O aceite ocorre apenas em títulos típicos ou nominados que estruturam uma ordem de pagamento, como é o caso da letra de câmbio e da duplicata. O aceite pode ser facultativo, como ocorre na letra de câmbio, sendo que, após realizado o aceite, ele se torna irretratável ou obrigatório, como ocorre na duplicata, salvo exceções que serão tratadas em ponto específico. Pelo fato de o aceite na duplicata ser obrigatório, ele pode ser expresso (ordinário) ou presumido (por presunção). Além disso, na letra de câmbio, o aceite pode ser limitativo, por meio do qual o sacado aceita apenas parte do valor do título ou, modificativo, que ocorre quando o sacado altera alguma condição de pagamento do título. 4.2. Títulos de crédito: letra de câmbio 4.2.1. Letra de câmbio A letra de câmbio possui sua regulamentação específica na Lei Uniforme de Genebra – LUG, sendo que se estrutura como ordem de pagamento. Por esta razão, em relação ao saque da letra, ao ser emitida, a letra de câmbio dá origem a três situações jurídicas distintas: a) a do sacador, que emite a ordem; b) a do sacado, a quem a ordem é destinada, e c) a do tomador, que é o beneficiário da ordem. Em relação às três situações jurídicas distintas referidas, é importante ressaltar que não precisam, necessariamente, ser ocupadas por três pessoas diferentes. Neste sentido, o art. 3o da LUG admite que a letra seja sacada: a) à ordem do próprio sacador; b) sobre o próprio sacador; e c) por ordem e conta de terceiro. É admitida a emissão da letra de câmbio e de qualquer outro título de crédito, em branco ou in- completa, podendo ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto da cártula, nos termos da Súmula no 387 do Supremo Tribunal Federal. Vejamos: “a cambial emitida ou aceita com omis- sões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto”. Na letra de câmbio, o aceite é um ato facultativo para o sacado. Contudo, após realizado, se torna irretratável. Assim, como o aceite é uma faculdade do sacado, ele pode simplesmente recusá-lo, sem 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 103 precisar se justificar. A recusa do aceite produz efeitos relevantes para o sacador e para o tomador, uma vez que ocorrerá o vencimento antecipado do título. Com o vencimento antecipado do título, surge ao to- mador a possibilidade de exigir o pronto pagamento do título do sacador, eis que é codevedor da letra. Ainda o sacado pode aceitar parcialmente a letra, caso em que ocorrerá a recusa parcial desta. Há duas espécies de aceite parcial: a) aceite limitativo, através do qual o sacado aceita apenas parte do valor do título, e b) aceite modificativo, por meio do qual o sacado altera alguma condição de pagamento do título, como, por exemplo, o seu vencimento. Nos casos de aceite parcial da letra, igualmente ocorre o vencimento antecipado do título, podendo o tomador cobrar a totalidade do crédito do sacador. Percebe-se assim que, ao emitir uma letra de câmbio, o sacador corre o risco de, antes mesmo do seu vencimento, ter que pagá-la, caso o sacado não aceite a letra, total ou parcialmente. Contudo, há uma possibilidade para o sacado se prevenir quanto ao vencimento antecipado da letra: colocar no título a cláu- sula não aceitável, conforme prevê o art. 22 da LUG. Como visto, a cláusula não aceitável impõe ao tomador a obrigação de só procurar o sacado para o aceite na data do vencimento da cártula. Tal cláusula se perfaz em verdadeira garantia ao sacador de que não será surpreendido com o vencimento antecipado do título. No que se refere ao prazo de protesto da letra de câmbio, o art. 44 da LUG nos traz essa defi- nição. Assim, temos dois prazos distintos para protesto: a) em caso de recusa de aceite ou b) em caso de falta de pagamento. Em relação ao protesto por recusa de aceite, tem-se que o protesto pode ser realizado ainda no prazo de apresentação do título ou até o primeiro dia útil subsequente ao término do prazo ou da recusa, que gera o vencimento antecipado. Já no segundo caso, protesto por falta de pagamento, o prazo é de até dois dias úteis contados do vencimento do título. Ressalta-se que, caso o credor perca o prazo para realizar o protesto, em consequência este perde o direito de cobrar os coobrigados. No mais, o prazo prescricional para ação de execução da letra de câmbio é determinado pelo art. 70 da LUG, sendo: a) três anos contra o devedor principal (sacado), contados da data de venci- mento; b) um ano contra os codevedores (sacador e endossantes), contados da data do protesto e, c) seis meses, a contar do dia do pagamento, quando for o caso de exercício de direito de regresso entre codevedores. O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente é de cinco anos, contados a partir do dia seguinte ao vencimento do título, de acordo o que dispõe a Súmula no 504 do Superior Tribunal de Justiça, aqui utilizada por analogia: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao vencimento do título”. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 104 Ademais, quanto ao prazo para interposição de ação de cobrança em face do sacador ou do acei- tante, este dependerá da causa que deu origem ao título, podendo ser utilizado o prazo de dez anos, de acordo com o art. 205 do CC ou os prazos fixados junto ao art. 206 do mesmo diploma legal. 4.3. Títulos de crédito: nota promissória e duplicata 4.3.1. Nota promissória A nota promissória, assim como a letra de câmbio, possui sua regulamentação específica na Lei Uniforme de Genebra – LUG, sendo que se estrutura como uma promessa de pagamento. Por esta razão, em relação ao saque da letra, ao ser emitida, a nota promissória dá origem a duas situações jurí- dicas distintas: a) a do sacador ou promitente (chamado na LUG de subscritor), que é quem emite a nota e promete pagar determinada quantia a alguém, e b) a do tomador, em favor de quem a nota é emitida e que receberá a importânciaprometida. Assim como a letra de câmbio, a nota promissória deve atender aos requisitos essenciais pre- vistos em lei para que possua valor como título de crédito. Tais requisitos possuem previsão no art. 75 da LUG, sendo eles: a) a expressão nota promissória, que é uma cláusula cambiária; b) uma promessa incondicional de pagamento de quantia determinada; c) o nome do tomador; d) a data do saque; e) a assinatura do sacador; e f) o lugar do saque ou a menção de um lugar junto ao nome do sacador. Verifica-se, assim, que a nota promissória se submete ao mesmo regime jurídico da letra de câm- bio. Contudo, ambos os títulos de crédito possuem suas distinções. Primeiramente, a letra de câmbio se estrutura como ordem de pagamento, enquanto a nota promissória é uma promessa de pagamento. Dessa forma, não se aplicam em face da nota promissória as regras sobre o aceite (cláusula não aceitá- vel, prazo de respiro, vencimento antecipado por recusa do aceite etc.). Vale ressaltar que o prazo de prescrição para a interposição de ação de execução em face do sacador é igual ao da letra em relação ao aceitante: três anos contados do vencimento (art. 70 da LUG). Se a execução for em face do endossante, o prazo é de um ano, contado da data do protesto tempestivo ou do vencimento, se o protesto for dispensado, e de seis meses, a contar do dia do pagamento, quando for o caso de exercício de direito de regresso entre codevedores. Ademais cumpre mencionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a aceitação de propositura de ação monitória para a nota promissória prescrita. Vejamos o que prevê a Súmula no 504 do Superior Tribunal de Justiça: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao vencimento do título”. Verifica-se assim que, apesar de prescrita a nota promissória, perdendo, assim, sua força exe- cutiva, o credor desta ainda pode requerer o seu pagamento no prazo de cinco anos a contar do dia 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 105 seguinte ao vencimento do título. Já quanto ao prazo para interposição de ação de cobrança em face do sacador, este, igualmente como ocorre na letra de câmbio, dependerá da causa que deu origem ao título, podendo ser utilizado o prazo de dez anos, de acordo com o art. 205 do CC ou os prazos fixados junto ao art. 206 do mesmo diploma legal. Relativamente ao prazo para protesto da nota promissória, tem-se que é de dois dias úteis após a recusa de pagamento ou do seu vencimento. Além disso, como já frisado acerca da letra de câmbio, para que possam ser vinculados os coobrigados, o protesto é indispensável. Ademais, e nos termos da Súmula no 258 do Superior Tribunal de Justiça “a Nota Promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou”. 4.3.2. Duplicata A duplicata possui sua regulamentação específica na Lei no 5.474/1968 – Lei das Duplicatas, sendo um título causal, isto é, só pode ser emitida para documentar determinadas relações jurídicas pré-estabe- lecidas por sua legislação, sendo elas: a) uma compra e venda mercantil ou b) um contrato de prestação de serviços. A questão de a duplicata ser um título causal não retira dela a aplicação do princípio da abstração, sendo assim, a duplicata, igualmente aos demais títulos em espécie, se desvincula do negócio jurídico que lhe deu origem após ser aceita. A causalidade da duplicata significa tão somente que ela só pode ser emitida nas causas em que a lei admite expressamente a sua emissão. Em caso de ser posta em circulação através de endosso, o sacado não pode opor ao terceiro de boa-fé exceções pessoais que possui contra o sacador. Na prática, a duplicada mais utilizada é a que representa uma compra e venda mercantil. Frisa- se que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a nulidade da duplicata emitida em contrato de leasing. Em relação às posições jurídicas existentes na duplicata, temos o sacado, que é o devedor, podendo ser um comprador ou um tomador de serviços, e o sacador, que é o credor, o qual pode ser um vendedor ou um prestador de serviços. Além de ser um título causal, a duplicata é um título de modelo vinculado, ou seja, sua emissão deve obedecer aos padrões fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Percebe-se que, diferente- mente do que ocorre com as notas promissórias e as letras de câmbios, as duplicatas somente podem ser emitidas com dia certo ou à vista, sendo vedada sua emissão com vencimento a certo termo da vista e a certo termo da data. Após sua emissão, obedecendo aos requisitos anteriormente listados, a duplicata deve ser 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 106 enviada ao sacado para que ele a pague (duplicata à vista) ou a aceite e devolva (duplicata a prazo). Ademais, importa referir que a duplicata é um título estruturado como ordem de pagamento, sendo que seu aceite é obrigatório, isto é, emitido o título, com base na fatura ou nota fiscal que documenta a venda, o sacado é obrigado a aceitá-lo. Além disso, ainda que o sacado não assine o título, aceitando-o expressamente, assumirá a obrigação que nele consta. Contudo, explica-se que o aceite obrigatório da duplicata não significa aceite irrecusável. A obrigatoriedade do aceite neste título significa que, caso o sacado o recuse, este deve apresentar uma justificativa plausível para tanto. E é neste sentido que disciplinam os arts. 8o e 21 da Lei das Duplicatas. Assim, após a realização da remessa do título, cabe ao sacado aceitar a duplicata e devolvê-la, salvo se tiver razões para recusá-la (conforme já mencionado anteriormente), caso em que deve fazê-lo de forma escrita e justificada, de acordo com o que prevê o art. 7o da Lei das Duplicatas. Art. 7o. A duplicata, quando não for à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao apre- sentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação, devida- mente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões da falta do aceite. § 1o Havendo expressa concordância da instituição financeira cobradora, o sacado poderá reter a duplicata em seu poder até a data do vencimento, desde que comunique, por es- crito, à apresentante o aceite e a retenção. § 2o A comunicação de que trata o parágrafo anterior substituirá, quando necessário, no ato do protesto ou na execução judicial, a duplicata a que se refere. Frisa-se que, considerando que o aceite no regime da duplicata é obrigatório, ele independe de ser expresso, ou seja, neste título de crédito o aceite pode ser expresso – ordinário – ou presumido – por presunção. O aceite expresso é aquele realizado na própria cártula, no local indicado para tanto. Já o aceite presumido ocorre quando o devedor recebe, sem reclamação, as mercadorias adquiridas e enviadas pelo credor. Neste caso, o simples fato de o devedor receber as mercadorias sem recusa formal já ca- racteriza o aceite do título. Atualmente, na prática, a regra é a utilização do aceite presumido. Ademais, tem-se ainda um terceiro tipo de aceite, o aceite por declaração ou comunicação. Tal modalidade é feita por uma instituição financeira ou pelo próprio devedor, sendo realizada através de uma assinatura que declara o aceite. A principal diferença entre o aceite expresso e o presumido ocorre quando da execução da duplicata. A duplicata com aceite expresso é um título de crédito perfeito e acabado, podendo ser exe- cutada sem a exigência de maiores formalidades, bastando a apresentação do título. Já para a execução de duplicata aceita por presunção, além da apresentação do título, são necessários o protesto (mesmo que a execução seja dirigida contra o devedor principal) e o comprovante de entrega das 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 107 mercadorias, conforme preceitua o art. 15da Lei das Duplicatas. Em relação ao pagamento da duplicata, como já vimos, este pode ser dar à vista ou a prazo. Quanto o pagamento for realizado a prazo, pode ser emitida uma duplicata única, discriminando todas as parcelas e seus vencimentos, ou uma série de duplicatas, uma para cada prestação, distinguindo-as por letras do alfabeto (art. 2o, § 3o, da Lei das Duplicatas). Relativamente ao protesto da duplicata, tem-se que este pode ser realizado por três razões: a) por falta de aceite; b) por falta de devolução do título; ou c) por falta de pagamento, conforme disci- plina o art. 13 da Lei das Duplicatas. No caso da especificação contida no § 1o do art. 13 do já referido dispositivo legal, tem-se que o protesto por indicações é realizado quando há a retenção (não devolução) do título por parte do sacado (comprador/devedor). Nesta situação, o sacador (vendedor/credor) não possui o título em sua posse, motivo pelo qual deve fornecer ao cartório de protesto de títulos as indicações da duplicata emitida, retiradas da fatura e do Livro de Registro de Duplicatas (art. 19, Lei das Duplicatas). Ademais, a ação de execução da duplicata prescreve em: a) três anos, a contar do venci- mento do título, contra o devedor principal e seus avalistas; b) um ano, do protesto ou do vencimento (quando dispensado o protesto), contra os codevedores e seus avalistas; e c) um ano, para ação de regresso contra os codevedores, a contar do dia em que pagou o título ou foi acionado, nos termos do art. 18 da Lei das Duplicatas. Já quanto ao prazo para propositura de ação monitória em face do sacado, temos que é de cinco anos, conforme preceitua a Súmula no 504 do Superior Tribunal de Justiça (utilizada por analogia) e o art. 206, § 5o, I do CC. Com isso, segundo a súmula no 504, tem-se o prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia se- guinte ao vencimento do título. No que se refere ao prazo para ajuizamento de ação de cobrança em face do sacado, tem-se que é de dez anos a contar do vencimento do título, nos termos do art. 205 do CC. 4.3.2.1. Duplicata escritural ou duplicata virtual A duplicata escritural ou virtual ou, ainda, eletrônica possui regulamentação junto à Lei no 13.775/2018, que entrou em vigor em 20 -04 -2019, após os seus cento e vinte dias de vacatio legis (art. 13 da referida lei). Esse modelo de duplicata é emitido “mediante lançamento em sistema eletrônico de escritu- ração gerido por quaisquer das entidades que exerçam a atividade de escrituração de duplicatas escriturais”, conforme dispõe seu art. 3o, sendo que tais entidades devem ser autorizadas por órgão ou 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 108 entidade da administração federal direta ou indireta a exercer essa atividade 4.4. Títulos de crédito: cheque 4.4.1. Cheque O cheque possui sua regulamentação específica na Lei no 7.357/1985 – Lei do Cheque, sendo que se estrutura como ordem de pagamento à vista emitida contra um banco, em razão dos fundos que o emitente tem naquela instituição financeira. Além disso, o cheque é um título de modelo vinculado, haja vista que só pode ser classificado como cheque o documento emitido pelo banco, em talonário especí- fico, com uma numeração própria, seguindo os padrões fixados pelo Banco Central do Brasil. Em relação às posições jurídicas existentes no cheque, tem-se a figura do sacador, que é quem emite o título, a figura do sacado, que é a instituição financeira que deverá pagar a quantia constante no título, e o tomador, que é o beneficiário da importância contida na cártula. O cheque, assim como os títulos de crédito já estudados (letra de câmbio e nota promissória), possui requisitos essenciais que devem ser observados. Neste sentido, a Lei do Cheque dispõe em seu art. 1o que o cheque deve conter: a) a expressão cheque, que é uma cláusula cambiária; b) uma ordem incondicional de pagamento de quantia determinada; c) o nome da instituição financeira contra quem foi emitido (sacado); d) a data do saque; e) o lugar do saque ou a menção de um lugar junto ao emitente; f) a assinatura do próprio emitente (sacador). Importante mencionar que, como o cheque é uma ordem de pagamento à vista, a data do saque deveria ser sempre aquela em que o título é emitido. Contudo, como sabemos, na prática já se consolidou a utilização do cheque “pré-datado”, no qual o sacador indica uma data posterior à sua emissão para pagamento do título. A jurisprudência entende que nesta hipótese há um acordo entre as partes, sendo que a apresentação antecipada do cheque “pré-datado” configura dano moral, de acordo com o previsto na Súmula no 370 do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, deve constar no cheque o local de sua emissão, que deve ser o mesmo onde o emitente se encontra no momento de seu preenchimento. Tal informação é de suma importância, pois irá determinar a duração do prazo de apresentação do título ao banco sacado, conforme estudaremos em breve. No mais, a assinatura do emitente é fundamental, sendo que esta será conferida pela instituição financeira antes de efetuar o pagamento da cártula. Por se tratar de um título de crédito, o cheque possui implícita a cláusula à ordem, o que admite sua circulação via endosso. Contudo, o sacador do cheque pode fazer constar, expressamente, a cláu- sula não à ordem, caso em que fica impedida sua circulação via endosso, não impedindo, entretanto, que este circule via cessão civil de crédito. Neste caso, a circulação da cártula não se submete às regras 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 109 do regime jurídico cambiário, mas sim do regime jurídico civil. Esclarece-se, ainda, que, em caso de circulação do título via cessão civil de crédito, o cessionário não possui imunidade em relação às exceções pessoais que o emitente venha a suscitar, ainda que seja um terceiro de boa-fé. No mais, há algumas modalidades específicas de cheque, dispostas na legislação especial. A primeira a ser citada é o cheque cruzado, que possui previsão junto aos arts. 44 e 45 da Lei do Cheque. Como sabemos, o cheque cruzado é muito utilizado na prática comercial. “Cruzar” um cheque significa fazer dois traços transversais e paralelos no anverso do título. A finalidade deste cruzamento é justamente trazer segurança à liquidação de cheques ao portador, tendo em vista que o cheque cruzado só pode ser pago a um banco ou a um cliente de banco, através de crédito em conta, evitando seu desconto na “boca do caixa”. Ademais, o cruzamento pode ser realizado em branco ou em preto. No cruzamento em branco – também conhecido como cruzamento geral – apenas são apostos os dois traços no título, podendo ser mencionada a expressão “banco” entre os traços. Já no cruzamento em preto – também chamado de cruzamento especial –, além da aposição dos dois traços, é mencionado um banco entre estes (coloca- se o nome da instituição financeira ou seu número junto ao Banco Central), o que faz com que o cheque apenas possa ser pago ao banco identificado ou a um cliente deste, mediante crédito em conta-corrente. A lei específica do cheque disciplina também o cheque visado, junto ao seu art. 7o. O cheque visado é aquele em que o banco confirma, mediante assinatura no verso do título, que o sacado possui fundos suficientes para o pagamento do valor referenciado na cártula. De acordo com o que a lei preceitua, somente o cheque nominativo que ainda não tiver sido endossado pode receber o visto do banco. Após visar um cheque, o banco garante que o sacador possui fundos e assegura o pagamento do título durante o prazo de apresentação. Salienta-se que o visto dado pelo banco não se confunde com um aceite, não implicando nenhuma assunção de obrigação cambial por parte do banco, nem exonerando o emitente e eventuais codevedores (endossante, por exemplo) daresponsabilidade pelo pagamento do título. O cheque administrativo é previsto no inciso III do art. 9o da Lei do Cheque, sendo emitido por um banco contra ele mesmo, para ser liquidado em uma de suas agências. Nesta modalidade, o banco é o emitente e o sacado, ao mesmo tempo. Por fim, a lei ainda menciona o cheque para ser creditado em conta, junto ao seu art. 46. Nesta espécie de cheque, o sacado não pode pagar o título em dinheiro, por expressa vedação exposta no 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 110 anverso do título pelo sacado. Tal vedação consiste na expressão “para ser creditado em conta” (de acordo com o que a lei preceitua) ou da menção ao número da conta do beneficiário entre os traços de cruzamento (como é realizado na prática). Neste caso, o pagamento do título pelo banco sacado deve ser realizado através de lançamento contábil (crédito em conta, transferência ou compensação). O ato de “sustar” um cheque possui previsão legal junto aos arts. 35 e 36 da Lei do Cheque. Como visto, a primeira hipótese legal que autoriza o cheque a ser “sustado” é a revogação ou contraordem, que somente produz efeitos após expirado o prazo de apresentação do título, devendo ser apresentadas as razões que motivam o ato. A segunda hipótese é a da oposição, que pode ser realizada dentro do prazo de apresentação do título, devendo o emitente apresentar relevante razão de direito para tanto. Contudo, a própria lei disciplina que não cabe ao banco sacado realizar uma análise da relevância da razão invocada pelo emitente. Assim, a exigência, feita pelos bancos na prática, de apresentação de bo- letim de ocorrência para realizar a sustação do cheque é descabida. Contudo, o prejudicado pela sustação do cheque pode responsabilizar o emitente, caso en- tenda que houve abuso de direito. Pode, ainda, ser requerida a responsabilização penal do emitente pela prática do crime de estelionato (art. 171, § 2o, VI, do CP). Em relação ao protesto do cheque, temos as indicações previstas no art. 6o da Lei de Protesto de Títulos (Lei no 9.492/1997) e no art. 48 da Lei do Cheque. Percebe-se, assim, que o protesto do cheque deve ser realizado ou no lugar indicado para o pagamento ou no domicílio do emitente. Além disso, o protesto do cheque pode ser realizado no Cartório de Registro de Protestos, como ocorre nos demais títulos ou, ainda, pode ser protesto bancário, realizado na instituição financeira, através de declaração do banco. O prazo de apresentação do cheque é o prazo dentro do qual o emitente deve levar o título junto à instituição financeira sacada (art. 33 da Lei do Cheque). Importante referir que o prazo de apre- sentação do cheque não se confunde com o seu prazo de prescrição. Este funciona como “prazo de protesto dos demais títulos”, pois sua finalidade, precipuamente, é de assegurar o direito de execução contra os codevedores do título (art. 47, II, da Lei do Cheque). O prazo de apresentação do cheque deve observar se o cheque é “da mesma praça”, ou seja, foi emitido no mesmo local onde deve ser pago ou se é “de praças diferentes”, isto é, quando o lugar onde o cheque deve ser pago é diferente do que foi emitido. Levando em consideração essas observações, verifica- se a importância de constar no cheque o seu local de emissão. Assim, caso o cheque seja “da mesma praça”, o prazo para sua apresentação é de trinta dias, caso seja “de praças diferentes”, o prazo de apresentação será de sessenta dias. Tal prazo é calculado a 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 111 partir da emissão do título. Dessa forma, caso o portador do cheque perca o prazo para apresentação, como consequência ele perderá o direito de executar os codevedores do título. Ainda, há um caso excepcional em que a perda do prazo de apresentação, além de retirar o direito de executar os devedores, acarreta a perda do direito de executar o próprio emitente. Tal hipótese é prevista no art. 47, § 3o, da Lei do Cheque e ocorre quando o emitente comprova que possuía fundos para quitar o valor da cártula, durante o prazo de apresentação, mas que os perdeu por motivos alheios à sua vontade. O transcurso do prazo de apresentação, contudo, não impede que a cártula seja levada ao banco sacado para ser descontada. A instituição financeira não pode mais processar e receber o título apenas após o transcurso do seu prazo prescricional (art. 35, parágrafo único, da Lei do Cheque). Como sabemos, o cheque é um título de crédito, portanto, possui força executiva, sendo consi- derado pela legislação processual civil como um título executivo extrajudicial (art. 784, I, do CPC). Assim, em caso de seu não pagamento, o portador da cártula pode promover ação de execução de título extrajudicial contra o emitente e demais eventuais codevedores do título. O prazo para promover essa ação de execução do cheque é de seis meses, contados a partir do término do prazo de apresentação (art. 59 da Lei do Cheque). Dessa forma, evidencia-se que, inde- pendentemente de quando o cheque foi apresentado ao banco sacado, o prazo de prescrição da ação de execução só se inicia após o término do prazo de apresentação. No mais, frisa-se que por óbvio prescrito o cheque, não poderá mais ser executado. Contudo, é possível ainda a propositura de ação de enriquecimento ilícito (ou ação de locupletamento) contra o emitente e os demais coobrigados, conforme previsão do art. 61 da Lei do Cheque. Tal ação prescreve em dois anos, após a prescrição para propositura da ação de execução do cheque. A ação de enriquecimento ilícito – ou ação de locupletamento – é uma ação cambial, que segue o rito ordinário de uma ação de conhecimento, tendo em vista que o cheque prescrito perde sua execu- tividade. Contudo, o cheque preserva suas características intrínsecas de título de crédito, tal como sua autonomia e consequente inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé. No mais, o cheque ainda pode ser cobrado via ação de cobrança, após terminado o prazo de prescrição da ação de enriquecimento ilícito – ou ação de locupletamento, desde que seja comprovado o seu não pagamento e a relação causal que originou o título (art. 62 da Lei do Cheque). Esta ação de conhecimento não configura uma ação cambial, sendo que nela o portador do cheque não mais se beneficia dos predicados decorrentes dos princípios cambiários. Assim, nesta ação o devedor do título pode discutir a causa que originou o cheque e opor quaisquer exceções contra o 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 112 autor da demanda. Ademais, cumpre mencionar que já é consolidada a jurisprudência no sentido de que é totalmente cabível a propositura de ação monitória de cheque prescrito. É neste sentido que as Súmulas nos 299 e 503 do Superior Tribunal de Justiça foram editadas. Vejamos: “É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito” (Súmula no 299). “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula ” (Súmula no 503). 5. Direito Recuperacional e Falimentar 5.1. Considerações iniciais O Direito Recuperacional e Falimentar é um sub-ramo específico do Direito Empresarial, sendo aplicado tão somente aos empresários, sendo estes pessoas físicas ou jurídicas. Esse regime jurídico disciplina a crise econômico-financeira dos empresários, trazendo sua solução através dos processos recuperacionais judiciais e extrajudiciais, ou as resolvendo por meio do processo de falência. A legislação brasileira atual que disciplina tais institutos é a Lei no 11.101/2005 – LRF. 5.2. Aspectos gerais da falência e recuperação de empresas A Lei no 11.101/2005 (LRF) estrutura três principais institutos: a recuperação extrajudicial, a recu- peração judicial e a falência. Em linhas gerais, a recuperação extrajudicial é aquelana qual o devedor está autorizado a pro- por e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial, dependendo do Poder Judiciário apenas para homologação. A recuperação judicial, por sua vez, representa um procedimento judicial no qual o devedor busca seu erguimento. A recuperação judicial pode se dar de duas formas: ou de forma ordinária ou via apresen- tação de plano especial para ME e EPP, que é uma faculdade. Ou seja, uma ME ou EPP pode apresentar plano pela via ordinária se assim preferir. Por fim, a falência presta-se ao procedimento de execução concursal, cujo principal objetivo é a venda dos ativos, para pagamento do passivo, a partir de uma ordem de preferência estipulada pela lei. Feitas as primeiras considerações, passa-se à análise de todos os institutos. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 113 5.3. Disposições comuns aos dois institutos A Lei no 11.101/2005 – LRF preceitua, inicialmente, em seu art. 1o, quem se sujeita a sua disci- plina, sendo estes o empresário individual e a sociedade empresária. Percebe-se assim que as regras da LRF não são aplicadas aos devedores civis, sendo que, em caso de serem caracterizadas suas insolvências, estes devem ser submetidos às regras do concurso de credores previstas no Código de Processo Civil. Além disso, a LRF igualmente não se aplica a funda- ções, partidos políticos, organizações religiosas e sociedades simples. Ainda, o art. 2o da LRF preceitua as demais pessoas jurídicas que não se submetem ao seu regime. Referente às empresas públicas e sociedades de economia mista, tem-se que, ainda que sejam ex- ploradoras de atividade econômica, as regras da LRF não são a elas aplicadas. Já no que tange às instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades equiparadas a estas, a LRF não é aplicada, pois se trata de agentes econômicos que atuam em mercados regulados e pos- suem legislações específicas que disciplinam o tratamento jurídico concedido a suas insolvências, submetendo-se aos procedimentos especiais de liquidação extrajudicial. Ainda, insta indicar que, com a alteração advinda no início de 2021, o produtor rural e as coopera- tivas médicas podem pleitear recuperação judicial. Em relação ao foro competente para julgar e processar os procedimentos recuperacionais e falimentares, tem-se que é o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial da empresa que tenha sede fora do Brasil (art. 3o, LRF). Importante referir que o local do principal estabe- lecimento do devedor nem sempre é o local da sede da empresa, tendo em vista que considera-se como principal estabelecimento o que concreta maior volume de negócios. Dessa forma o que se tem é a criação do juízo universal, sendo que as obrigações do empresário ou da sociedade empresária são atraídas para este juízo, não se falando mais em relações jurídicas bila- terais, eis que se estabelece um foro comum, no qual as relações jurídicas da empresa não são mais consideradas como unidades esparsas, mas como parte de um patrimônio. Na LRF a atuação do Ministério Público ficou restrita às hipóteses expressamente previstas em lei, como, por exemplo, nos casos em que haja indícios de responsabilidade penal do devedor (art. 22, § 4o, da LRF) e em que for determinada a alienação de bens do devedor (art. 142, § 7o, da LRF), entre outras. Ademais, a decretação da falência ou o deferimento da recuperação judicial suspende o curso 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 114 da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor. Devemos ter cuidado especial com a expressão “todas”, utilizada no dispositivo legal, haja vista que algumas ações não possuem seus trâmites suspensos. Tais informações possuem previsão no art. 6o da LRF. Observa-se que as ações que demandam quantias ilíquidas têm prosseguimento no juízo em que estiverem sendo processadas. O mesmo ocorre com as ações trabalhistas que seguem seus trâmi- tes até a apuração do respectivo crédito, o qual será incluído no Quadro Geral de Credores com o valor determinado na sentença. Ainda, as execuções fiscais não são suspensas com o deferimento da re- cuperação judicial, salvo por questão de concessão de parcelamento pelo fisco. Ainda, ressalta-se que o requerimento de recuperação judicial ou de falência torna o juízo pre- vento, isto é, previne a jurisdição para qualquer outro pedido dessa natureza, relativo ao mesmo devedor. A partir do art. 7o até o art. 20 da LRF temos o tratamento concedido para a verificação e habili- tação dos créditos nos processos recuperacionais e falimentares. O art. 7o preceitua que a verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, a partir dos livros contábeis e documentos co- merciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores. Após ser publicado o edital de decretação da falência ou de processamento da recuperação judicial, os credores possuem o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar suas habilitações ou divergências de crédito, diretamente ao administrador judicial. Após o término deste prazo, o administrador judicial possui o prazo de quarenta e cinco dias para confeccionar a sua relação de credores e posterior publicação de edital. Além disso, no edital da relação de credores do administrador judicial deve constar o local, o horário e o prazo comum em que os credores, o Comitê, o Ministério Público ou os sócios do devedor podem ter acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração desta relação. O art. 7o-A da LRF, incluído pela Lei no 14.112 de 2020, disciplina que, em processos falimenta- res, após a realização das intimações e publicação do edital de decretação da Falência, incumbe ao juiz a instauração – de ofício – para cada Fazenda Pública credora, incidente de classificação de crédito público, determinando a intimação eletrônica da Fazenda credora para que, no prazo de trinta dias, apresente ao administrador judicial ou ao juízo – considerando o momento processual – a relação com- pleta de seus créditos inscritos em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a situação atual. Além disso, o § 1o do art. 7o-A da LRF dispõe que considera-se Fazenda Pública credora aquela constante na relação presente no edital de decretação de falência ou a que alegue nos autos, após 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 115 intimada, possuir crédito contra o falida. Ainda, os créditos não definitivamente constituídos, não inscri- tos em dívida ativa ou com exigibilidade suspensa podem ser informados em momento posterior (art. 7o-A, § 2o, LRF). Após o encerramento do prazo para a Fazenda Pública apresentar seus créditos, o falido, os de- mais credores e o administrador judicial possuem o prazo de quinze dias para objeções sobre os cálcu- los e a classificação dos créditos da Fazenda Pública (art. 7o-A, § 3o, I, LRF). Findo tal prazo, a Fazenda Pública será intimada para, no prazo de dez dias, prestar esclarecimentos sobre as eventuais objeções apresentadas (art. 7o-A, § 3o, II, LRF). Ressalta-se que os créditos serão objeto de reserva integral até o julgamento definitivo, quando rejeitados os argumentos apresentados (art. 7o-A, § 3o, III, LRF). Já os créditos incontroversos e exigíveis serão imediatamente incluídos no Quadro Geral de Credores, observada a sua classificação (art. 7o-A, § 3o, IV, LRF). Ademais, o juiz, antes de homologar o Quadro Geral de Credores, concederá prazo comum de dez dias para que o administrador judicial e a Fazenda Pública se manifest em sobre a situação atual do crédito objeto de reserva, para que, findo o prazo, decida acerca da necessidade de mantê-lo (art. 7o-A, § 3o, V, LRF). Cumpreressaltar que não há condenação em honorários sucumbenciais neste incidente de habilitação de crédito da Fazenda Pública (art. 7o-A, § 8o, LRF). O art. 8o da LRF traz o prazo de dez dias, contados da publicação do edital da relação de credores do administrador judicial, para que os interessados apresentem, diretamente ao juízo universal, eventuais impugnações de crédito contra a referida relação de credores, apontando a ausência de qual- quer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. A impugnação de crédito será autuada em apartado, sendo dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que o impugnante considerar pertinente e com a indicação de provas consideradas necessárias (art. 13, LRF). Os requisitos necessários para que o credor realize sua habilitação de crédito – diretamente ao administrador judicial – estão dispostos no art. 9o da LRF. Além disso, caso o credor perca o prazo de quinze dias para apresentar sua habilitação de crédito ao administrador judicial, ele ainda poderá apresentá-la, contudo esta será recebida como habilitação re- tardatária, possuindo alguns efeitos importantes (art. 10, LRF). A primeira consequência da habilitação retardatária que cumpre mencionar é que, no caso de recuperação judicial – salvo créditos derivados da relação de trabalho –, os credores não terão direito a voto nas deliberações da Assembleia Geral de Credores (art. 10, § 1o, LRF). Já na falência, os titulares de créditos retardatários perderão o direito a eventuais rateios realizados, podendo ser requerida pelo credor a reserva do valor para satisfação do 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 116 seu crédito (art. 10, §§ 3o e 4o, LRF). Ademais, caso, quando houver a Assembleia Geral de Credores, o valor do crédito constante na habilitação retardatária não tenha sido incluído no quadro geral de credores homologado, o credor, assim como ocorre na recuperação judicial, perderá o direito ao voto. No mais, cumpre ainda referir que as habilitações retardatárias que forem apresentadas antes da homologação do quadro geral de credores serão recebidas como impugnação de crédito (art. 10, § 5o, LRF). Caso o quadro geral de credores já tenha sido homologado, o procedimento para habilitação de créditos é o ordinário, previsto no Código de Processo Civil, requerendo ao juízo da falência ou da recupe- ração judicial a retificação do quadro geral para inclusão do respectivo crédito (art. 10, § 6o, LRF). Ademais, os §§ 7o, 8o, 9o e 10 do art. 10 da LRF restaram incluídos pela Lei no 14.112, de 2020. Neste sentido, tem-se que o quadro geral de credores será confeccionado com o julgamento das im- pugnações tempestivas e habilitações e impugnações retardatárias que tiverem decisão até o mo- mento da sua formação (art. 10, § 7o, LRF). Por fim, o § 10 do art. 10 da LRF dispõe que o credor possui o prazo máximo de três anos, contados da data de publicação da sentença de decretação de falência, para apresentar pedido de habi- litação ou reserva de crédito, sob pena de decadência. No que se refere à impugnação de créditos, os credores cujos créditos forem impugnados pos- suem o prazo de cinco dias para contestar a impugnação (art. 11, LRF). Após transcorrido tal prazo, o devedor e o comitê de credores (caso haja) serão intimados para se manifestarem da impugnação no prazo comum de cinco dias. Por fim, o juiz intimará o administrador judicial para emitir parecer, tam- bém no prazo de cinco dias, devendo juntar à sua manifestação o laudo elaborado pelo profissional ou empresa especializada e todas as informações existentes nos livros fiscais e demais documentos do de- vedor acerca do crédito objeto da impugnação (art. 12, LRF). Transcorridos tais prazos, os autos irão conclusos ao juiz. O art. 15 da LRF dispõe as medidas a serem tomadas pelo juiz. A decisão judicial que julgar a impugnação é atacável por agravo (art. 17, LRF). Caso não haja impugnações, o juiz homologará, com efeito de quadro geral de credores, a relação de credores pelo administrador judicial, ressalvado o disposto no art. 7o-A da LRF (art. 14, LRF). Após o julgamento das eventuais impugnações de crédito, o administrador judicial é o respon- sável pela consolidação do quadro geral de credores, conforme disciplina o art. 18 da LRF. Em caso de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou documentos igno- rados na época do julgamento do crédito, o administrador judicial, o comitê, qualquer credor ou o represen- tante do Ministério Público podem pedir a exclusão, diferente classificação ou retificação de qualquer 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 117 crédito, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência (art. 19, LRF). A Seção II – A Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Proces- sos de Recuperação Judicial restou incluída na LRF através da reforma trazida pela Lei no 14.112, de 2020. Assim, restaram acrescentados os arts. 20-A, 20-B, 20-C e 20-D. Nesta senda, o art. 20-A estabelece que a mediação e a conciliação devem ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, até mesmo em grau de recurso, junto aos Tribunais Superiores. Importante referir que a própria previsão já aduz que a realização de tais atos não implica a suspensão dos prazos previstos na LRF – salvo consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial. Na hipótese da letra d, o § 1o do referido art. prevê que será facultado às empresas em dificul- dade que preencham os requisitos legais para requerer a recuperação judicial obter tutela de urgên- cia cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes do CPC, com o intuito de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até sessenta dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do Tribunal competente ou da câmara especializada, observa- dos, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei no 13.140/2015. Além disso, são vedadas a conciliação e a mediação que versem sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação na Assembleia Geral de Credores (Art. 20-B, § 2o, LRF). Ainda, o § 3o do já referido artigo dispõe que, em caso de pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, de acordo com os critérios da LRF, o período de suspensão previsto no § 1o deste art. (sessenta dias) será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6o da LRF (cento e oitenta dias). O art. 20-C inteligencia a imprescindibilidade da homologação pelo juízo competente do acordo obtido por meio de mediação e conciliação, nos termos da Seção II-A da LRF. A LRF trata do administrador judicial e do comitê de credores nos arts. 21 a 34. Referente ao administrador judicial, cumpre ressaltar que este é o principal auxiliar do juiz na condução dos processos falimentares e recuperacionais. Além de desenvolver diversas atividades de cunho administrativo (como veremos em breve), este ainda é o responsável por representar legalmente a massa falida. A lei aponta que a nomeação do administrador judicial deve ser dirigida a profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresa ou contador (art. 21, LRF). Além disso, a nomeação para administrador judicial pode recair em pessoa jurídica, devendo, para tanto, ser declarado no termo de compromisso o nome do profissional responsável pela condução do processo 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 118 falimentar ou recuperacional. O administrador judicial funciona como uma extensão do judiciário, sendo que sua nomeação parte muito da confiança do magistrado. Assim, caso o profissional deixe de cumprir com os prazos es- tabelecidos na legislação, ele será pessoalmenteintimado para fazê-lo, no prazo de cinco dias, sob pena de desobediência. Na hipótese de não cumprimento, o juiz destituirá o administrador judicial e nomeará substituto (art. 23). Relativamente à remuneração do administrador judicial (art. 24, LRF), tem-se que serão observa- dos os seguintes critérios: a) a capacidade de pagamento do devedor; b) o grau de complexidade do trabalho; e c) os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. Como regra geral tem-se que o valor pago a título de remuneração ao auxiliar do juízo não poderá exceder 5% do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência. Ademais, no caso de microempresas, empresas de pequeno porte e produtor rural, o valor da remuneração não poderá exceder o limite de 2%. A remuneração do administrador judicial deve ser paga pelo devedor – no caso de recuperação judicial, ou pela massa falida – no de falência (art. 25, LRF), salvo a exceção da nova possibilidade prevista no art. 114-A, § 1o. Ainda quanto ao administrador judicial, tem-se que, em caso de substituição, sua remuneração será proporcional ao trabalho realizado. Contudo, se o profissional renunciar – sem relevante razão, ou for destituído por desídia, culpa, dolo, descumprimento de suas obrigações ou tiver sua prestação de contas desaprovada, ele não receberá remuneração. Já quanto ao comitê de credores, temos que este não é um órgão obrigatório nos processos falimentares e recuperacionais. Se o juiz entender por necessária a sua criação, ele deverá convocar a assembleia geral de credores para eleição de seus membros. Caso o comitê não seja formado, deve o administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, o juiz exercer suas atribuições (art. 28, LRF). A composição do comitê de credores é discriminada no art. 26 da LRF, sendo a seguinte: a) um representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com dois suplentes; b) um representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com dois suplentes; c) um representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios ge- rais, com dois suplentes ; d) um representante indicado pela classe de credores representantes de microempresas e empresas de pequeno porte, com dois suplentes. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 119 O Art. 30 da LRF prevê as possibilidades de impedimento para exercer as funções de administrador judicial ou ser membro do comitê de credores, sendo elas: a) quem, nos últimos cinco anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em Falência ou Recuperação Judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada; b) quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o terceiro grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. 5.4. Insolvência transnacional Além das já citadas importantes inovações que a Lei no 14.112, de 2020, trouxe à LRF, temos, ainda, a criação do Capítulo IV-A, que trata da “Insolvência Transnacional”. O referido capítulo vai desde as disposições gerais até as disposições atinentes à cooperação entre entes estatais, sendo que o art. 167-A elenca os objetivos da insolvência transnacional como mecanismo efetivo para: a) a cooperação entre juízes e outras autoridades competentes do Brasil e de outros paí- ses em casos de insolvência transnacional; b) o aumento de segurança jurídica para a atividade econômica e para o investimento; c) a administração justa e eficiente de processos de insolvência transnacional, de modo a proteger os interesses de todos os credores e dos demais interessados, inclusive do devedor; d) a proteção e maximização do valor dos ativos do devedor; e) a promoção da recuperação de empresas em crise econômico-financeira, com a pro- teção de investimentos e a preservação de empregos; f) a promoção da liquidação dos ativos da empresa em crise econômico-financeira, com a preservação e a otimização da utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recur- sos produtivos da empresa, inclusive os intangíveis. 5.5. Assembleia geral de credores A LRF prevê a maior participação dos credores nos processos de falência e recuperação judicial através da Assembleia Geral de Credores (AGC), que tem suas atribuições descritas no art. 35 do referido dispositivo legal. A convocação da Assembleia Geral de Credores será realizada via edital publicado junto ao órgão oficial (Diário de Justiça Eletrônico) e será disponibilizado no sítio eletrônico do administrador 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 120 judicial, com o mínimo de quinze dias de antecedência. Tal edital deve conter: a) o local, a data e a hora da assembleia em primeira e em segunda convocação, não podendo esta ser realizada menos de cinco dias depois da primeira; b) a ordem do dia; c) o local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do Plano de Recuperação Judicial a ser submetido à deliberação da assembleia. Ademais, a cópia do aviso de convocação da assembleia deve ser afixada de forma ostensiva na sede e filiais do devedor (art. 36 da LRD). A Assembleia Geral de Credores é convocada pelo juiz, a pedido do administrador judicial, em caso de objeção ao plano de recuperação judicial ou requerida por credores que representem no mínimo 25% do valor total dos créditos de uma determinada classe. O direito de voto na AGC é conferido aos credores arrolados no quadro geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial ou, caso esta ainda não tenha sido confeccionada, na relação de credores apresentada pelo devedor, acrescidas, em qualquer das hipóteses, dos credores que estejam habilitados na data da realização da assembleia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive os que tenham obtido reserva de importâncias (art. 39, LRF). Os votos dos credores somente serão declarados nulos por abusividade quando manifestamente exercidos com o intuito de obtenção de vantagem ilícita para si ou para outrem, sendo prerrogativa do credor votar de com acordo com seu juízo de conveniência e interesse (art. 39, § 6o, LRF). No mais e relativamente à cessão ou promessa do crédito habilitado, esta deverá ser imediatamente comunicada ao juízo da recu- peração judicial (art. 39, § 7o, LRF). Os credores podem ser representados nas deliberações da AGC por mandatário ou representante legal, desde que o documento hábil que comprove os poderes ou a indicação das folhas dos autos do processo em que se encontre o documento seja entregue ao AJ, com no mínimo, vinte e quatro horas de antecedência da data do ato (art. 37, § 4o, LRF). Os sindicatos de trabalhadores poderão representar seus associados titulares de créditos deri- vados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho que não comparecerem, pessoal- mente ou por procurador, à assembleia (art. 37, § 5o, LRF). A Assembleia Geral de Credores, nos processos de recuperação judicial, é dividida em quatro classes: a) a primeira, formada por credores titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; b) a segunda, formada por credores titulares de créditos com garantia real; c) a terceira, formada por titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; d) a quarta, formada por titulares de créditos enquadrados 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 121 como microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 41, LRF). Em tese, as deliberações em AGC são aprovadas por voto favorável dos credores que represen- tem mais da metade do valor total dos créditos presentes,ou seja, por maioria simples. Contudo, a LRF prevê exceção à regra geral, no caso de deliberações a respeito de: a) aprovação, rejeição ou alte- ração do plano de recuperação judicial; b) composição do comitê de credores; c) alternativa de rea- lização do ativo em processos falimentares (art. 42, LRF). Assim, relativamente às deliberações sobre a composição do comitê de credores, tem-se a votação de cada classe separadamente, para a escolha dos seus respectivos membros (art. 44, LRF). A respeito da votação para deliberação do plano de recuperação judicial, tem-se a previsão do art. 45 da LRF, que preceitua que cada classe vota separadamente, sendo necessária a aprovação do plano por todas. Assim, na classe dos credores com garantia real e na classe dos credores quirografários, com privilégio especial ou geral e subordinados, a aprovação depende do voto favorável dos credo- res que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores da classe presentes. Na classe dos credores trabalhistas ou decorrentes de acidente de trabalho e na classe dos credores enquadrados como ME/EPP, a proposta precisa ser aprovada pela maioria simples dos cre- dores presentes, independentemente do valor dos seus créditos. Os credores titulares de créditos retardatários não possuem direito a voto – salvo os traba- lhistas – e os credores subordinados também não possuem esse direito. 5.6. Recuperação judicial No que tange ao instituto da recuperação judicial (RJ), tem-se que é um instrumento apto a viabilizar a superação da crise que as empresas venham a estar passando. Todavia, não é toda e qual- quer empresa que pode se utilizar desse meio, sendo necessário possuir alguns requisitos para tanto. E é nessa linha de pensamento que se passa a expor. A recuperação judicial, conforme disciplina o art. 47 da Lei no 11.101/2005 (LRF), possui como objetivo viabilizar a superação da crise econômica pela qual uma empresa está passando, objetivando a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, preservando, dessa forma, a empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. O art. 48 da LRF dispõe os requisitos indispensáveis que o devedor deve apresentar para que o juiz autorize o processamento do seu pedido de recuperação judicial. Dessa forma, tem-se que o pedido de recuperação judicial só pode ser realizado por empresas regularmente constituídas e que possuam 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 122 exercício regular da atividade há pelo menos dois anos. Além disso, é necessário que, cumulativa- mente, apresentem os seguintes requisitos: a) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; b) não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial; c) não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial; e d) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na LRF. Evidencia-se, assim, que tais requisitos se tratam de verdadeiras condições da ação, se tradu- zindo em elementos de possibilidade jurídica do pedido. Dessa forma, evidente se torna que o primeiro requisito é que o devedor comprove estar exercendo atividade regular há pelo menos dois anos. Tal comprovação é feita através da juntada de Certidão da Junta Comercial competente, que ateste o exercício regular da atividade por prazo igual ou superior ao exigido na legislação. Contudo e a respeito da recuperação judicial do produtor rural, devido ao fato de ele não ser obrigado a se registrar na Junta Comercial, o § 2o do art. 48 da LRF – de acordo com a Lei no 14.112/2020 – preceitua que a comprovação do prazo de dois anos de atividade regular pode ser atra- vés da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, desde que tenha sido entregue tempestivamente. Para além e conforme já referido, o instituto da recuperação judicial é um importante mecanismo apto a auxiliar na superação da crise econômico-financeira que uma empresa venha a estar pas- sando. Neste sentido, o art. 50 da LRF dispõe alguns meios para que a superação ocorra. Importante frisar que tal rol é apenas exemplificativo, podendo existir outros, como bem especifica o referido dispo- sitivo legal. Caso não estejam presentes todos os requisitos da petição inicial, o juiz pode pedir que o devedor emende a inicial, apresentando as determinações faltantes. Por outro lado, estando presentes os requisitos do art. 51 da LRF e os do art. 319 do CPC, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial. Frisa-se que, neste momento processual, o juiz não está concedendo ao devedor a recuperação judicial, mas sim apenas determinando o seu processamento. O Art. 51-A restou criado pela Lei no 14.112, de 2020, preceituando a possibilidade de “constata- ção prévia”, que se traduz na possibilidade de, após o pedido de recuperação judicial ser distribuído, o juiz, se reputar necessário, nomear profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idonei- dade, para promover a constatação exclusivamente das reais condições de funcionamento da re- querente e da regularidade e da completude da documentação apresentada junto à exordial. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 123 Dessa forma e com o deferimento do processamento da RJ, o juiz tomará as providências contidas no art. 52 da LRF, sendo elas: a) a nomeação do administrador judicial; b) a determinação da dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, observado o disposto no § 3o do art. 195 da CF e no art. 69 da LRF; c) a determinação da suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, salvo exceções; d) a determinação ao devedor de apresentação das contas demonstra- tivas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores; e e) a ordenação de intimação eletrônica ao Ministério Público e às Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais em que o devedor tiver estabelecimento, a fim de que tomem conhecimento da recu- peração judicial e informem eventuais créditos perante o devedor, para divulgação aos demais interessa- dos. Em relação à determinação da suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, cabe a este realizar a comunicação aos juízos competentes (art. 52, § 3o,LRF). Aliás, ainda sobre o prazo de suspensão por cento e oitenta dias, este é conhecido como stay period e encontra guarida no princípio basilar da RJ, qual seja, a preservação da empresa, tendo em vista que são vedados atos que inviabilizam a possibilidade de efetiva recuperação da devedora. Ressalta-se que também serão sus- pensos eventuais pedidos de falência que tramitem em face do devedor, ficando no aguardo do julga- mento do pedido de recuperação. Em relação ao plano de recuperação judicial, este deve ser apresentado no prazo de sessenta dias a contar do despacho de processamento da RJ, devendo conter a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados, bem como um resumo de cada ato que o compõe, a demons- tração analítica de sua viabilidade econômica e o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos ativos do devedor, subscrito por profissional habilitado ou por sociedade especializada, conforme dispõe o art. 53 da LRF. Caso o plano não seja apresentado no prazo de sessenta dias, a falência do devedor será decretada, nos termos do inciso II do art. 73 da LRF, o qual estudaremos em breve. Caso sejam apresentadas objeções ao plano de recuperação judicial, o juiz deverá convocar a Assembleia Geral de Credores para deliberar sobre este (art. 56, LRF).Veja-se que o ato praticado pelo juiz é apenas de convocação da assembleia, não cabendo a este julgar e analisar as objeções. No mais, a Assembleia Geral de Credores deverá ser convocada pelo juiz, para realização, em até cento e cinquenta dias, abrangendo a primeira e a segunda convocação, a partir da data do despa- cho de deferimento da recuperação judicial (art. 56, LRF). Tal prazo é estabelecido a fim de que se tenha uma deliberação sobre o plano antes de cessar o período de suspensão das ações e execuções, o stay 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 124 period. Além disso, antes da aprovação da Lei no 14.112 /2020, inexistia previsão legal para a prorrogação do stay period, sendo que a jurisprudência admitia que sua prorrogação por mais cento e oitenta dias ou até a realização da Assembleia Geral de Credores. Contudo, a referida lei inovou ao trazer a previsão legal de prorrogação desse período junto ao § 4o do art. 6o. O plano de recuperação judicial alternativo é uma novidade da LRF e poderá ser apresentado em duas situações: 1) o decurso do prazo de suspensão a que se refere o art. 6o, sem que o PRJ tenha sido levado à deliberação em assembleia (§ 3o do art. 6o); e 2) no caso de rejeição do PRJ em assembleia e do não preenchimento para cram down (art. 56, § 4o). Na segunda hipótese, caberá ao administrador judicial submeter à votação a concessão do prazo de trinta dias para que os credores realizem a apresentação de plano alternativo, sendo necessário que sua aprovação se dê com base em mais da metade dos créditos presentes na Assembleia Geral de Credores (Art. 56, § 5o, LRF). Outra novidade veio no art. 56-A, que incluiu a possibilidade de apresentação de termo de adesão, firmado pelos credores. Em suma, tem-se que, até cinco dias antes da Assembleia Geral de Credores con- vocada para a deliberação do plano de recuperação judicial, poderá a empresa devedora apresentar termo de adesão, desde que observado o quórum previsto pelo art. 45. Apresentado o termo de adesão, a deve- dora irá requerer a homologação de tal, sendo que a realização da AGC ficará imediatamente dispensada. Frisa-se que a votação de aprovação, rejeição ou alteração do plano de RJ segue a regra do art. 45 da LRF, sendo que cada classe vota separadamente e o plano tem que ser aprovado por todas. Na classe dos credores com garantia real e na classe dos credores privilegiados, subordinados e/ou quirografários, a aprovação depende do voto dos credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e que representem também a maioria simples dos credores – da classe – presentes. Já na classe dos credores trabalhistas ou decorrentes de acidentes de traba- lhos e na classe dos credores enquadrados como ME ou EPP, a aprovação precisa ser pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seus créditos. Contudo, pode ocorrer uma situação excepcional em que o juiz concederá a recuperação judicial ao devedor que não tiver o plano aprovado na Assembleia Geral de Credores. Tal hipótese é chamada de “cram down” e está prevista no art. 58, § 1o, da LRF. Para que o juiz possa fazer uso de tal ferramenta, é necessário que a devedora tenha obtido as seguintes disposições de forma cumulativa: a) voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; b) a aprovação de três das classes de credores ou, caso haja somente três classes com credores votantes, a aprovação de 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 125 pelo menos duas das classes ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas, sempre nos termos do art. 45 da LRF; e c) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de um terço dos credores, computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 da LRF (art. 58, § 1o, LRF). Ademais, a decisão judicial de concessão da recuperação judicial constitui título executivo judi- cial, podendo ser executada por qualquer credor (art. 59, § 1o, LRF), sendo que tal decisão é atacável por agravo de instrumento, nos termos do § 2o do art. 59 da LRF. Ainda, dessa decisão serão intimados eletronicamente as Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais em que o devedor tiver estabelecimento (art. 59, § 3o, LRF). Após ter concedida sua recuperação judicial, o devedor nela permanece até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que se vencerem em até dois anos depois da concessão da RJ, independentemente do eventual período de carência (art. 61, LRF). Durante este período, o des- cumprimento de qualquer obrigação prevista no plano enseja a convolação da recuperação judicial em falência (art. 61, §1o, LRF). No caso de descumprimento das obrigações após o período de dois anos, qualquer credor poderá requerer a execução específica ou a falência do devedor (art. 62, LRF). A recuperação judicial, em princípio, não retira do titular da empresa o direito de administração dos bens. Nesse sentido, o art. 64 da LRF preceitua as hipóteses em que devem ser destituídos. Na eventualidade de ser declarada a destituição dos sócios administradores, deve-se ser convocada a As- sembleia Geral de Credores, a fim de deliberarem sobre o nome do gestor judicial que assumirá a admi- nistração das atividades do devedor, nos termos do art. 65 da LRF. Ademais, o § 1o do referido artigo indica que, enquanto a assembleia geral não tiver escolhido quem será o gestor judicial, deve o ad- ministrador judicial exercer tal função. A Lei no 14.112/2020 inovou ao criar a Seção IV-A – Do Financiamento do Devedor e do Grupo Devedor durante a Recuperação Judicial, incluindo dispositivos que irão abordar o tema. Neste sentido, tem-se que o art. 69-A disciplina a possibilidade de o juiz autorizar, durante a RJ, a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos, após ouvido o comitê de credores. Essas modali- dades de dip financing. A Seção IV-B – Da Consolidação Processual e da Consolidação Substancial emergiu com a nova redação dada pela Lei no14.112/ 2020 e surgiu com o objetivo de consolidar algo que há tempos vinha 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 126 sendo discutido pela jurisprudência, sendo que o art. 69-G dispõe, em breves linhas, que os devedores que atendam aos requisitos elencados pela LRF e que integrem um grupo econômico poderão requerer a recu- peração judicial na forma de consolidação processual. Neste caso, é incumbência de cada devedor apresentar – individualmente – a documentação exigida no art. 51 da LRF (art. 69-G, § 1o, LRF). A competência para deferir a RJ é a do juízo do local do principal estabelecimento entre os dos devedores (art. 69-G, § 2o, LRF). O § 3o deste art igo dispõe que “exceto quando disciplinado de forma diversa, as demais disposições da LRF aplicam-se aos casos de que trata esta Seção”. No caso de a documentação de cada devedor ser aprovada, será nomeado apenas um adminis- trador judicial para auxiliar o juiz na condução do processamento da RJ (art. 69-H, LRF). A consolidação processual acarreta a coordenação de atos processuais, garantindo a inde- pendência dos devedores, dos seus ativos e dos seus passivos (art. 69-I, LRF). Além disso, os meios de recuperação serão propostos independentes por cada devedor, sendo estes específicos para a composição de seus passivos, admitindo-se, contudo, a sua apresentação em plano único (art. 69-I, § 1o, LRF). O art. 69-J dispõe que é faculdade do juiz, em caráter excepcional, autorizar a consolidação substancial de ativos e passivos dos devedoresintegrantes do mesmo grupo econômico que este- jam em RJ sob consolidação processual – independentemente da realização de Assembleia Geral de Credores – no caso de ficar constatada a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, duas das seguintes hipóteses: a) existência de garantias cruzadas; b) relação de controle ou de dependência; c) identidade total ou parcial do quadro societário ; e d) atuação conjunta no mercado entre os postulantes. Além disso, o art. 73 da LRF dispõe algumas hipóteses em que será decretada a falência do de- vedor durante o processo de recuperação judicial. Tais regras tiveram alterações em suas redações e acréscimos de possibilidades na Lei no 14.112/2020. 5.7. Recuperação judicial de ME/EPP Inicialmente, é imperioso relembrar questões de suma importância relativas às ME/EPP s. Dessa forma, temos que a Lei Complementar no 123, de 14 -12-2016, instituiu o Estatuto Nacional da Microem- presa e da Empresa de Pequeno Porte, alterando os dispositivos anteriormente existentes. Assim temos que são consideradas microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP) a sociedade empre- sária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 127 individual, registrados devidamente no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pes- soas Jurídicas, desde que no caso microempresa (ME), aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e, em caso de empresa de pequeno porte (EPP), aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitenta mil reais) (art. 3o, LC no 123/2016). Inicialmente cumpre destacar que o pedido de recuperação judicial com base no plano especial é uma faculdade para as empresas enquadradas como ME ou EPP, ou seja, os devedores classificados como microempresa ou empresa de pequeno porte devem optar em sua petição inicial pela apresenta- ção de plano especial ou plano normal de recuperação judicial (art. 70, § 1o, LRF). Para que o produtor rural possa apresentar plano especial de recuperação judicial, o valor da causa não pode exceder a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) (art. 70-A, LRF). Des- taca-se, contudo, que independentemente da opção do devedor, este deverá preencher os requisitos do art. 48 da LRF, bem como apresentar a documentação exigida no art. 51 da LRF, com as devidas ressalvas já constantes na lei. O prazo para a apresentação do plano especial é de sessenta dias, assim como ocorre no plano normal (art. 71, LRF). As condições para apresentação desse plano especial limitam-se ao pre- visto no dispositivo legal anteriormente referido. Ademais, temos que o pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acar- reta a suspensão do curso da prescrição e das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano (art. 71, parágrafo único, LRF). Ainda, os credores não abrangidos no plano especial não pos- suem seus créditos habilitados na RJ (art. 70, § 2o, LRF). 5.8. Recuperação extrajudicial A LRF disciplina a recuperação extrajudicial junto aos arts. 161 a 167, sendo que, logo no art. 161, dispõe que, para que o devedor possa ser beneficiário deste instituto, deve preencher os requisitos do art. 48. Ademais, cumpre ressaltar que o preenchimento dos requisitos referidos é indispensável apenas se o devedor pretender a homologação do plano de recuperação extrajudicial pelo Judiciário. Caso o devedor apenas pretenda negociar com seus credores uma saída para a crise em que se encontra, em forma de acordo privado, sem a necessidade de intervenção do juízo, o preenchimento dos re- quisitos é dispensável (art. 167, LRF). O art. 161, § 4o, da LRF dispõe que o pedido de homologação de plano de recuperação extra- judicial não obsta o prosseguimento das ações e execuções que tramitam em face do devedor e 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 128 nem impossibilita o pedido de decretação de falência eventualmente requerido pelos credores su- jeitos ao plano de recuperação extrajudicial. Em relação ao plano de recuperação extrajudicial, este não pode prever o pagamento ante- cipado de dívidas e tampouco o pagamento desfavorável aos credores a ele não sujeitos (Art. 161, § 2o, LRF). Veja-se que tal disciplina possui como finalidade o respeito ao princípio do par conditio credi- torum. Além disso, apenas podem ser submetidos ao Plano de recuperação extrajudicial os créditos cons- tituídos até a data do pedido de homologação em juízo (Art. 163, § 1o, LRF). O devedor pode requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial, obrigando a to- dos os credores a este submetidos, desde que seja assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie por ele abrangidos. Nesta hipótese, salienta-se que já não se trata de mera faculdade do devedor a homologação judicial do plano, tendo em vista que, sem ela, este não pode obrigar aos credores que não aderirem ao plano o seu cumprimento. Além disso, o devedor pode requerer a homologação do plano antes de atingir o quórum de mais da metade dos créditos por ele abrangidos, desde que o apresente com a comprovação de anuência de credores que representem pelo menos um terço de todos os créditos por ele abrangidos e que se comprometa a atingir o quórum exigido através de adesão expressa, no prazo improrrogável de noven- tas dias, contados da data do pedido, sendo-lhe facultada a conversão do procedimentos em Recu- peração Judicial a pedido do devedor (Art. 163, §7o, LRF). Se forem apresentadas impugnações ao plano, será ofertado o prazo de cinco dias para o devedor se manifestar (art. 164, § 4o, LRF). Após o término de tal prazo, sobrevindo ou não manifestação do devedor, os autos irão conclusos ao juiz, para que este, no prazo de cinco dias, aprecie e decida acerca das eventuais impugnações, homologando o plano sentença, se entender que este não im- plica prática de atos com a intenção de prejudicar credores e que não há outras irregularidades que recomendem sua rejeição (art. 164, § 5o, LRF). Caso haja comprovação de simulação de créditos ou vícios de representação dos credores que assinaram o plano, sua homologação será indeferida (art. 164, § 6o, LRF). Da sentença que ho- mologa ou não o plano do devedor, cabe apelação sem efeito suspensivo (art. 164, § 7o, LRF). 5.9. Falência O procedimento falimentar ocorre quando a crise econômico-financeira de uma empresa se torna invencível, ou seja, não se localizam mais possibilidades de recuperação para a empresa. Outrossim, e como ocorre com os legitimados para a recuperação judicial, a falência é destinada somente a empre- sários e sociedades empresárias, ou seja, é vedado o uso do instituto para empresas públicas, 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 129 sociedades de economia mista, instituições financeiras, entre outras. Importante referir que a falência é vista como uma execução coletiva concursal, haja vista ser arrecadado o ativo do falido para ser realizado o pagamento dos credores, ou seja, o pagamento do passivo. Além disso, são previstas punições aos atos considerados criminosos eventualmente pratica- dos pelo falido. Ademais e a se considerar o processo falimentar como uma execução coletiva concursal, evi- dencia-se a submissão de todos os credores ao princípio do par conditio creditorum, o qual indica a necessidade de ser concedido a todos os credores do devedor um tratamento igualitário. O art. 75 da LRF estabelece que, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades,a falência possui como objetivos: a) preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa; b) permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e c) fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica. O instituto falimentar pressupõe a necessidade de formação do juízo universal. Neste aspecto, cumpre ressaltar que a competência para a arrecadação de todos os bens e para a suspensão das exe- cuções individuais pertence a este juízo universal, objetivando-se, assim, garantir que todos os credores sejam submetidos ao processo falimentar, sendo classificados e satisfeitos de acordo com a natureza de suas obrigações. No que tange ao sujeito ativo da falência, temos que, conforme dispõe o art. 97 da LRF, podem requerer a falência do devedor: a) o próprio devedor, neste caso se trata de uma liquidação voluntária, chamada de autofalência; b) o cônjuge supérstite, herdeiros ou inventariante do devedor, tratando-se de uma liquidação póstuma; c) o sócio cotista ou acionista do devedor; e d) qualquer credor, se configurando em uma liquidação involuntária. Em relação à resposta do devedor quanto ao pedido de decretação de sua falência, temos que o prazo é de dez dias, de acordo com o art. 98 da LRF. Na contestação o devedor pode alegar: a) a falsidade do título; b) a prescrição; c) a nulidade de obrigação ou de título; d) o pagamento da dívida; e) qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título; f) o vício em protesto ou em seu instrumento; g) a apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, obser- vados os requisitos do art. 51 da LRF; e h) a cessação das atividades empresariais há mais de dois anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado (art. 96, LRF). O devedor pode, ainda, elidir a falência, ou seja, fazer depósito em juízo do valor da dívida 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 130 reclamada no pedido falimentar, sendo que o depósito deve ser acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios (art. 98, LRF). Nesta hipótese, não haverá a decretação da falência do devedor, por expressa disposição legal. Contudo, caso o pedido venha a ser procedente, o juiz irá ordenar o levantamento do valor pelo autor. Já no que tange ao foro competente em que o pedido de decretação de falência deve ser ajuizado, tem-se que é o foro do local do principal estabelecimento do devedor, ou seja, é o mesmo da recuperação judicial. Assim, entende-se que deve ser onde a empresa possui maior volume de negócios. O art. 94 traz as hipóteses plausíveis para pedido de quebra. A impontualidade injustificada é a primeira hipótese hábil a elucidar o pedido de decretação da falência, na medida em que a decretação da falência do devedor apenas pode ocorrer se este ficou inadimplente sem relevante razão de direito. Cumpre ressaltar a previsão de requisitos indispensáveis para que o título possa embasar o pedido: a) seja exe- cutivo – judicial ou extrajudicial ; b) esteja protestado; e c) represente dívida superior a quarenta salá- rios mínimos. No que se refere ao último requisito, há previsão expressa na LRF que permite a reunião de credores em litisconsórcio a fim de alcançar o limite mínimo (art. 94, § 1o, LRF). A execução frustrada se traduz na segunda hipótese em que pode ser decretada a falência do devedor. Esta possibilidade se caracteriza pela tríplice omissão do devedor. Contudo, é necessário que a petição inicial seja instruída com a apresentação de uma certidão emitida pelo juízo onde se processe a execução (art. 94, § 2o, LRF), sendo prescindível o protesto do título e sem a imposição de valor mínimo. Por fim, têm-se os chamados atos de falência, que possuem disciplina – taxativa – no rol do art. 94, III, de acordo com o já indicado. As referidas práticas, caso exercidas pelo devedor, possuem o condão de ocasionar o requerimento e a decretação de sua falência. No que tange aos recursos cabíveis, da sentença que denega o pedido cabe apelação, enquanto a decisão que decreta a falência é atacável por agravo de instrumento (art. 100, LRF). Neste sentido, o art. 99 da LRF estabelece o conteúdo que deve estar presente na sentença que decretar a falência. Ademais, e a se considerar que a sentença que decreta a falência inicia o procedi- mento falimentar propriamente dito, esta é uma decisão interlocutória especial, tendo em vista que se interlocuta entre a cognição e a execução. A natureza jurídica dessa sentença é híbrida, sendo ao mesmo tempo constitutiva e declaratória. Possui efeito ex nunc, ou seja, da constituição em diante, enquanto o decreto falimentar possui efeito ex tunc, tendo em vista que será fixado o termo legal da falência em até noventa dias anteriores ao seu pedido. Assim, importante frisar que a fixação do termo legal da falência, conforme dispõe o inciso II do 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 131 art. 99, é importantíssima, haja vista ser a partir dessa fixação que se torna possível determinar a presun- ção de fraude e a consequente ineficácia de certos atos praticados pelo devedor. Este lapso temporal é conhecido como período suspeito. Relativamente à determinação de suspensão das ações e execuções individuais movidas em face do falido, salvo as ações que demandam quantias ilíquidas e as reclamatórias trabalhistas, tem-se que, diferentemente do que ocorre na recuperação judicial, em que são suspensas pelo prazo de cento e oitenta dias, na falência, a suspensão perdura por todo o processo falimentar. Em relação às execuções fiscais, tem-se que é competência do juízo da execução decidir quanto ao valor do crédito, à exigibilidade e à existência, nos termos do art. 7o-A, § 4o, II, LRF e, a habilitação e classificação de tal crédito acontecerá no incidente processual previsto no caput do art. 7o-A da LRF. Veja- se que as execuções fiscais ficarão suspensas até o fim do feito falimentar, sendo possível seu prossegui- mento em face dos corresponsáveis (art. 7o-A, V, LRF). Ademais, a decretação da falência inaugura o juízo universal, que é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, salvo as ações trabalhistas, fiscais e as não reguladas na LRF, nas quais o falido figure como autor ou litisconsorte ativo, de acordo com o previsto no art. 76 da LRF. No mais, a decretação da quebra determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor, realizando o abatimento proporcional dos juros e a conversão dos créditos em moeda estrangeira para a moeda brasileira, considerando o câmbio da data da decisão judicial (art. 77, LRF). Isso ocorre, haja vista, a exigência de ser confeccionada a relação de credores. Insta mencionar que, no caso de falência de concessionárias de serviços públicos, a quebra im- plica, de imediato, a extinção da concessão, de acordo com o preceituado pelo art. 195 da LRF. A decretação da falência acarreta a inabilitação empresarial do falido, que subsiste da decre- tação da falência até a sentença que extinguir suas obrigações (art. 102, LRF). Já no caso de o falido ser condenado por crime falimentar e essa condenação tenha o efeito específico de inabilitação para o exercício de atividade empresarial, esta se manterá por até cinco anos após a extinção da punibilidade (art. 181, § 1o, LRF). A regra geral contida na legislação estabelece que os contratos bilaterais não se resolvem de imediato pela decretação da quebra, podendo ser cumpridos pelo administrador judicial (art. 117, LRF). O contratante pode entrar em contato com o administradorjudicial, no prazo de noventa dias con- tados a partir da assinatura do termo de compromisso do auxiliar, para que, no prazo de dez dias, o admi- nistrador judicial declare se irá cumprir o contrato ou não (art. 117, § 1o, LRF). 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 132 A partir da decretação da falência, a administração dos bens do falido passa a ser atribuição do administrador judicial, que deve, após assinar o termo de compromisso, efetuar a arrecadação dos bens e documentos e fazer a avaliação destes, onde eles se encontrarem. A fim de realizar as medidas citadas, o AJ pode requerer ao juiz o que for necessário para tanto (art. 108, LRF). A arrecadação dos bens do falido pode atingir bens de terceiros que estejam em sua posse na data da decretação da falência, sendo prevista, assim, a possibilidade de os titulares de tais bens for- mularem pedidos de restituição. É o que preceitua o art. 85 da LRF. Exemplos desse caso seriam os bens que estavam na posse do falido em virtude de contratos de alienação fiduciária em garantia ou arrenda- mento mercantil. Além disso, o parágrafo único do art. 85 da LRF prevê que também é possível o pedido de resti- tuição de bem que foi vendido a crédito ao falido e entregue a ele em até quinze dias antes do pedido de falência, se ainda não alienado para terceiros. Nesta senda, o art. 86 da LRF inteligencia as possibilidades em que a restituição será realizada em dinheiro. Ainda, o pedido de restituição deve ser fundamentado, individualizando, de maneira especí- fica, o bem reclamado, nos termos do art. 87 da LRF. Oportuno destacar que tal pedido suspende a dis- ponibilidade do bem até o trânsito em julgado da ação (art. 91, LRF). Caso o pedido de restituição seja julgado procedente, a entrega do bem ao requerente deve ser realizada no prazo de quarenta e oito horas, sendo tal determinado na sentença que o reconhecer (art. 88, LRF). No entanto, se a sentença negar a restituição, o requerente poderá, se for o caso, ser incluído no quadro geral de credores da falida (art. 89, LRF). Além disso, a sentença do pedido de restituição, seja ela procedente ou improcedente, é atacável por apelação sem efeito suspensivo (art. 90, LRF). No mais, o interessado pode ajuizar embargos de terceiro, na eventualidade em que não se encaixar pedido de restituição (art. 93, LRF). Evidencia-se, portanto, que o art. 129 da LRF dispõe um rol taxativo de situações que, quando caracterizadas, o ato será objetivamente ineficaz. Além disso, e conforme disciplina o parágrafo único do art. 129, a ineficácia do ato pode ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada em ação própria ou incidentalmente no curso do processo falimentar. No entanto, o art. 131 prevê que, no caso de os atos referidos nos incisos I, II, III e VI do caput do art. 129 terem sido previstos e realizados na forma definida no plano de recuperação judicial ou extrajudicial, eles não serão declarados ine- ficazes ou revogados. Já o art. 130 da LRF prevê os casos em que, para a revogação dos atos praticados pelo falido, é necessária a prova da intenção de prejudicar os credores, o conluio fraudulento praticado entre o 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 133 devedor e o terceiro com quem ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida. A ação própria para revogação de atos é chamada de ação revocatória, que pode ter como o autor o administrador judicial, qualquer credor ou o Ministério Público, no prazo de três anos contados da decretação da falên- cia, nos termos do art. 132 da LRF. A fase de realização do ativo é iniciada após a arrecadação dos bens do falido, se realizando na alienação dos bens arrecadados (art. 139, LRF), com a finalidade de angariar valores a fim de propiciar o pagamento dos credores. Sabe-se que, após o administrador judicial assinar o termo de compromisso, o auxiliar possui o prazo de sessenta dias para apresentar o plano de venda dos ativos, devendo realizá -lo em prazo não superior a cento e oitenta dias, contados da juntada do auto de arrecadação. As modalidades de venda dos bens do falido estão previstas no art. 140 da LRF, em ordem de preferência, sendo elas: a) alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; b) alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; c) alie- nação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; ou d) alienação dos bens individualmente considerados. Além disso, o § 2o do referido diploma legal dispõe que a venda dos bens pode iniciar antes mesmo da formação do Quadro Geral de Credores. A alienação do ativo ocorrerá sob uma das modalidades típicas preceituadas no art. 142 da LRF, sendo através de leilão eletrônico, presencial ou híbrido; processo competitivo organizado promo- vido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação judicial, conforme o caso, ou qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos da LRF. Como já exposto e a respeito da verificação e habilitação de créditos, temos que, já na decisão que decreta a quebra do devedor, o juiz toma duas medidas importantes para tanto, o fato de ordenar ao falido que apresente, no prazo máximo de cinco dias, a sua relação nominal de credores e a explicação sobre o prazo para as habilitações de crédito. De acordo com o já estudado, a classificação dos créditos ocorre a fim de possibilitar a reunião de credores de acordo com a similaridade de seus créditos, objetivando tratamento idêntico perante a liquida- ção dos ativos no processo falimentar. Assim, objetiva-se atingir o princípio do par conditio creditorum. Antes de expor a classificação de créditos concursais, necessário abordar os chamados créditos extraconcursais. Os créditos extraconcursais referidos estão descritos no art. 84 da LRF, sendo eles: I-A) as quantias referidas nos arts. 150 e 151 da LRF; I-B) o valor efetivamente entregue ao devedor em recupera- ção judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A da LRF (dip financing); I-C) 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 134 os créditos em dinheiro objeto de restituição, conforme previsto no art. 86 da LRF; I-D) as remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares, os reembolsos devidos a membros do comitê de credores, e os créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; I-E) as obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 da LRF, ou após a decretação da falência; II) as quantias fornecidas à massa falida pelos credores; III) as despesas com arrecadação, administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de falência; IV) as custas judiciais relativas às ações e às execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V) os tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 da LRF. Evidencia-se, assim, que os créditos extraconcursais são créditos que surgiram após a de- cretação da falência, em decorrência dela. Sendo assim, são dívidas da própria massa falida, e não do devedor falido. Neste sentido, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu que os honorários advocatícios resultantes de trabalhos prestados à massa falida após a decretação da quebra são classifi- cados como créditos extraconcursais. Após os pagamentos das restituições em dinheiro e dos créditos extraconcursais, inicia-se o pa- gamento dos credores constantes no Quadro Geral de Credores, os chamados créditos concursais, que seguem uma ordem de classificação legal. Essa ordem de classificaçãolegal é estabelecida no art. 83 da LRF, sendo ela: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e cinquenta salários mínimos por credor, e os decor- rentes de acidentes de trabalho; II – os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado; III – os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constitui- ção, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias; IV – os créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e c) os saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem o limite estabelecido no inciso i do caput deste artigo; V – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias; VI – os créditos subordinados, a saber: a) os previstos em lei ou em contrato; e b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício cuja contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de mercado; VII – os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no art. 124 desta lei. Ademais, indica-se que a Lei no 14.112/ 2020 excluiu da classificação de créditos concursais os créditos com privilégio geral e com privilégio especial, incluindo-os nos créditos quirografários, 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 135 conforme preceituado no § 6o do art. 83 da LRF. Além disso, os créditos cedidos, a qualquer título, manterão sua natureza e classificação (art. 83, § 5o, LRF). A limitação de pagamento de até cento e cinquenta salários mínimos por trabalhador não engloba os créditos decorrentes de acidente de trabalho, os quais concorrem como créditos preferenciais pela tota- lidade do seu valor. Sobre créditos concursais, tem-se que os créditos devidos aos representantes comerciais autôno- mos a título de comissões (art. 44 da Lei no 4.886/1965), os créditos referentes a honorários advocatícios e quaisquer créditos que tenham natureza alimentar são créditos que possuem equiparação à trabalhistas para fins de classificação na falência. Os créditos com garantia real, até o limite do bem gravado, estão em segundo lugar na ordem de classificação legal (art. 83, II, LRF). Necessário mencionar que o valor considerado do bem objeto de ga- rantia real é o arrecadado com a sua venda ou, no caso de venda em bloco, o valor da sua avaliação individual (art. 83, § 1o, LRF). Além disso, o § 2o do art. 83 da LRF inteligencia que, da massa falida, não são exigíveis os valores referentes ao direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade. Os créditos tributários estão dispostos em terceiro lugar na ordem de classificação legal, sem ter em conta sua natureza e tempo de constituição, com exceção das multas tributárias. Já as multas tributárias são classificadas em sétimo lugar, juntamente com as outras penas pecuniárias e multas con- tratuais. Os créditos com privilégio especial e com privilégio geral eram classificados em quarto e quinto lugar, respectivamente. Contudo, com a reforma da LRF, suas disposições foram revogadas, fazendo parte, a partir de então, dos créditos quirografários. Os créditos quirografários, que são os que não possuem nenhuma espécie de preferência ou garantia, estão em sexto lugar na ordem de classificação. Como exemplo de tais créditos temos os decor- rentes de obrigações contratuais ou cambiais não adimplidas. Além disso, classificam-se como quirografários o saldo do crédito trabalhista ou equiparado, exce- dente a cento e cinquenta salários mínimos, e o saldo do crédito com garantia real, cujos valores arrecada- dos com a alienação dos bens vinculados não tenham sido suficientes. Ademais e conforme já mencionado, os créditos com privilégio geral ou especial passaram a fazer parte dos créditos quirografários a partir da reforma da LRF. As multas contratuais e tributárias e as penas pecuniárias por infração de leis penais ou 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 136 administrativas se encontram em sétimo lugar na ordem legal de classificação. Assim, apesar de a LRF permitir a cobranças de tais penas à falida, sua classificação está abaixo dos créditos quirografários. Os créditos subordinados, que são basicamente os créditos dos próprios sócios da falida, são classificados em oitavo lugar. Por fim, os juros vencidos após a decretação da falência se classificam em nono lugar, nos termos da previsão contida no art. 124 da LRF. Como vimos, o objetivo do processo falimentar é a liquidação do ativo para o pagamento do pas- sivo. Antes de iniciar o pagamento dos credores concursais descritos no quadro geral de credores, o administrador judicial tem que realizar alguns pagamentos com os recursos que possui em caixa. Como exemplos deste caso, temos o que preceitua o art. 150 da LRF, que dispõe que as despesas cujo paga- mento antecipado seja indispensável à administração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades, serão pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa, e o art. 151 da LRF, que preceitua que os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por tra- balhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa. Percebe-se, portanto, que tais pagamentos devem ser realizados a partir do momento em que se tenha disponibilidade de valores em caixa. Além disso, também devem ser pagos, antes dos credores concursais, as restituições em di- nheiro deferidas pelo juiz e os créditos extraconcursais (art. 149, LRF). O pagamento dos credores concursais, como estudado, deve observar a ordem legal de classifi- cação prevista no art. 83 da LRF. 6. Propriedade Industrial Noções introdutórias importantes: propriedade intelectual é gênero dentro do qual encontram-se duas espécies: a propriedade industrial e o direito de autor. Nossa aula é somente sobre propriedade indus- trial. Outro aspecto fundamental consiste na ideia de função social da propriedade industrial, previsto tanto no art. 5o, XXIX, da CF como no art. 2o da Lei de Propriedade Industrial (LPI). Assim como os imóveis possuem função social – devem ser utilizados, por exemplo –, os bens de propriedade industrial também devem ser utilizados sempre que pleiteados, pois trata-se de uma ideia de desenvolvimento tecnológico e 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 137 social de um país. Caso você seja um titular de patente, deverá utilizá-la, atentando-se a sua função social e finalidade, sob pena de ter a titularidade licenciada compulsoriamente (veremos tal ponto em breve). Também é vital lembrar que, conforme o art. 5o da LPI, os bens tutelados pela lei são equiparados a coisas móveis. Assim, mesmo bens incorpóreos como marcas e patentes possuem proteção especial e podem ser comercializados. 6.1. Propriedade industrial: patentes A patente consiste no direito temporário garantido pelo Estado ao titular para que possa explorar economicamente um dos seguintes bens: invenção e modelo de utilidade. Em outras palavras, quando você desenvolve um dos bens que a seguir iremos trabalhar, você possui um determinado tempo para, exclusi- vamente, usufruir desta criação derivada do seu intelecto. O art. 6o da LPI nos revela quem pode ser titular de uma patente (via de regra, o próprio autor ou seus sucessores), já o art. 7o nos introduz uma importante noção sobre a LPI: não importa quem foi o primeiro a criar algo, o dono será aquele que primeiro buscar a concessão da patente junto ao INPI – por isso, lembrem: a busca da patente é ato constitutivo do direito. Osartigos subsequentes nos trazem o conceito de modelo de utilidade e os requisitos da patente de invenção e de modelo de utilidade. Invenção: Art. 8o da Lei no 9.279/1996. É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Modelo de utilidade: Art. 9o da Lei no 9.279/1996. É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. IMPORTANTE: requisitos da patenteabilidade. 1) novidade, arts. 11 e 12; 2) atividade inventiva, arts. 13 e 14; 3) aplicação industrial, art. 15; 4) ausência de impedimentos legais, art. 18. Já o art. 10 nos ilustra o que não pode ser considerado uma invenção. São muitos incisos, mas associem sempre a algo derivado da criatividade humana e com aplicação prática na indústria. Por exemplo, descobrir algo é diferente de inventar algo. Na descoberta, o objeto já existia. No ato de inventar, algo novo é criado. Obras artísticas são protegidas pela lei de direitos autorais, e não pela LPI. Ainda, vale destacar 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 138 que softwares independentes (aplicativos, por exemplo) são protegidos pela Lei de Softwares, contudo, se estivermos falando de um software acoplado em uma criação, esta poderá ser patenteada junto do software. Após concedida, a patente vigorará por: 20 anos, se for invenção, e 15 anos, se for modelo de utilidade. Importante atentar que o prazo passa a contar da data do depósito, ou seja, do dia em que houve o encaminhamento do pedido ao INPI, e não da concessão. Os direitos concedidos ao titular da patente encontram-se no art. 41 e subsequentes. Violação a estes direitos gerarão indenizações, que, conforme art. 44, retroagem à data da publicação pelo INPI.. Contratos de licença Temos três tipos de contratos de licença: I – Voluntária (art. 61) – ato de vontade do autor da patente, que deseja, voluntariamente, licenciar outrem para realizar a exploração. Tal ato deverá ser averbado junto ao INPI para que produza efeitos – a contar de sua publicação. Caso a parte que esteja utilizando, mediante licença, patente, venha a melhorá-la, tal melhoria lhe pertence (art. 63). II – Por oferta (art. 64) – cuida-se de espécie de “leilão” – o titular da patente solicita ao INPI que este a coloque em oferta para fins de exploração. Ou seja, o INPI anuncia a oferta e em suas revistas no intuito de atrair interessados. III – Compulsória (art. 68) – caso o titular exerça a patente de forma abusiva, ou pratique abuso de poder econômico (decisão administrativa do CADE), poderá ter sua patente li- cenciada de forma compulsória após decisão administrativa ou judicial. Isso significa que, em virtude da má utilização da patente, o ente público permite que outras empresas a utilizem, desde que preenchidos requisitos (legítimo interesse e capacidade de produção). O titular não deixa de ser dono da patente, apenas perderá a exclusividade na exploração econômica da mesma. O art. 69 apresenta as hipóteses de defesa daquele que está sendo alvo de licenciamento compulsório: Art. 69. Não haverá a concessão da licença compulsória caso o titular: I – justificar o desuso por razões legítimas; II – comprovar a realização de sérios e efetivos preparativos para a exploração; ou III – justificar a falta de fabricação ou comercialização por obstáculo de ordem legal. Fala-se, ainda, em licença compulsória nos casos do art. 70, se preenchidos alguns requisitos cu- mulativamente: I – ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação a outra (aquela cuja exploração depende obrigatoriamente da utilização de patente anterior. Imagine uma invenção que é aplicada a uma linha de montagem recém-inventada – temos duas paten- tes distintas, mas a primeira depende da segunda para funcionar); II – o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à patente anterior; e III – o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para exploração da patente anterior. Por fim, há a patente compulsória nos casos de emergência nacional ou interesse público (art. 71). Nesses casos, se o titular não for capaz de suprir demanda emergencial (como uma epidemia, por exemplo), poderá haver a licença da patente de ofício – sem prejuízo dos direitos do titular. Trata-se de medida temporária para suprir alguma questão emergencial. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 139 Patente por empregado ou prestador de serviço Temos, como regra apresentada pelo art. 88 da LPI, que as patentes desenvolvidas durante a vigência do contrato de trabalho pertencem ao empregador. Isto porque é o empregador quem fornece os meios e recursos pelos quais o empregado desenvolve a produção intelectual que resultará na patente. A remuneração do empregado, nesses casos, é o próprio salário. Contudo, é importante atentarmos para um detalhe, caso o empregado interrompa seu contrato de trabalho: Art. 88, § 2o. Salvo prova em contrário, consideram-se desenvolvidos na vigência do con- trato a invenção ou o modelo de utilidade, cuja patente seja requerida pelo empregado até 1 (um) ano após a extinção do vínculo empregatício. Ainda sobre a remuneração, o empregador poderá conceder ao empregado, autor do invento, par- ticipação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente. Tal participação, contudo, não conta como salário do empregado. Já nas hipóteses em que o empregado desenvolver algo no seu âmbito particular, sem utilização de recursos do empregador, a ele toca a propriedade da patente. Caso empregado e empregador contri- buam com recursos materiais, monetários, intelectuais etc., a patente pertencerá a ambos. 6.2. Propriedade industrial: patentes e desenho industrial A característica de fundo do desenho industrial é a sua futilidade: a alteração não amplia a utili- dade do objeto, apenas o reveste de um aspecto diferente. Esse traço também aproxima o desenho indus- trial da obra de arte, com a diferença de que o objeto revestido de desenho industrial tem necessariamente função utilitária, ao contrário da arte, desprovida dessa função. Os requisitos do desenho industrial são a novidade absoluta (art. 95), a originalidade (art. 97), a aplicação industrial (art. 95) e a legalidade (art. 100). Já o prazo de proteção é diferente do da patente. Aqui, conforme art. 108, temos que o período de proteção é de dez anos a contar da concessão, prorrogável por mais três períodos de cinco anos, ou seja, o mínimo é dez anos e o máximo é vinte e cinco anos. 6.3. Propriedade industrial: marca Conceito: marca é o sinal distintivo visualmente perceptível. Ou seja, é o elemento visual que serve para diferenciar um produto ou um serviço, facilitando muito a vida dos consumidores que buscam estes produtos/serviços. No Brasil, os sinais sonoros não são suscetíveis de registro como marca. O mesmo ocorre com características de cheiro, gosto ou tato de que se revestem os produtos e os serviços. Apenas podem ser registrados como marca no INPI os sinais visualmente perceptíveis. Os signos não visuais são tutelados pela disciplina jurídica da concorrência, se sua usurpação servir de meio 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 140 fraudulento para desviar clientela. Classificação das marcas 1 – nominativas (compostas exclusivamente por palavras, sem apresentar particular forma de letras); 2 – figurativas (consistentes de desenhos ou logotipos); 3 – mistas (palavras escritas com letras revestidas de uma particular forma, ou inseridas em logotipos). Para fins jurídicos, qualquer que seja o tipo de marca, a proteção é idêntica. Requisitos das marcas 1) Novidade relativa: a marca precisa ser nova dentro da suaclasse, quer dizer, seu ramo de atividade. O INPI possui uma lista com diversos segmentos mercadológicos e, ao fazer o registro, o titular deve especificar a qual classe o produto pertence. Assim, a marca precisa ser novidade dentro daquela classe, sendo perfeitamente possível marcas com o mesmo nome co- existirem, contanto que em segmentos distintos. Ex.: desinfetante VEJA e revista VEJA. Não há como haver confusão entre os consumidores. 2) Não colidência com marca de alto renome ou notória: a marca não pode incidir nas hipóteses previstas nos arts. 125 e 126 da LPI (veremos a seguir). 3) Ausência de impedimento legal: o art. 124 da LPI apresenta um rol de diversos incisos apontando o que não é registrável como marca. A ideia central do artigo é, por um lado, proteger o consumidor, que não pode ser enganado, e, em um segundo momento, proteger o titular legítimo de marca e evitar que este seja prejudicado. Assim, temos incisos versando, por exemplo, sobre a proibição da utilização de bandeiras na marca (o que passa a ideia de que o produto foi fabricado em outro país), bem como vedação de marcas muito semelhantes ou idênticas à marcas já regis- tradas. O que é uma marca de alto renome? Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada pro- teção especial, em todos os ramos de atividade. Sua eficiência e alcance extrapolam a marca originária (exorbitando o princípio da espe- cialidade – proteção dentro de um ramo de atividade). Para conseguir, requerer no INPI provando: • reconhecimento da marca por ampla parcela do público; • qualidade, reputação e prestígio dos produtos ou serviços; • grau de distintividade e exclusividade do sinal marcário. O que é uma marca notoriamente conhecida? 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 141 Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6o bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil. Vigência da marca O registro da marca vigorará pelo prazo de dez anos, contados da data da concessão do regis- tro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos. Ou seja, diferente dos outros bens da propriedade industrial, a marca pode, em tese, vigorar para sempre, contanto que seja renovada a cada dez anos. 1ª Fase | 37° Exame da OAB Direito Empresarial 142