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Títulos de crédito
Teoria Geral dos Títulos de Crédito
i. Origem histórica
ii. Definições
iii. Características Essenciais (Princípios)
a. Cartularidade
b. Literalidade
c. Autonomia
Século XII - Baixa Idade Média (Itália): O renascimento comercial e o fortalecimento da burguesia criaram a
necessidade de um meio mais seguro e prático para a circulação de riquezas.
Desafios da Época: A circulação de valores enfrentava entraves como a diversidade de moedas entre cidades,
a falta de unidade monetária e a insegurança nas estradas.
Surge a "Lettera di cambio": Comerciantes passaram a emitir ordens de pagamento escritas para casas
bancárias em outras cidades. Isso permitia que um vendedor recebesse o pagamento em sua cidade de origem
sem a necessidade de transportar moedas físicas, dando origem à letra de câmbio, o primeiro título de crédito,
e ao Direito Cambiário.
Conceito Geral: É um documento destinado a representar um direito de crédito em moeda, facilitando e dando
segurança à sua circulação, funcionando como um substituto da moeda.
Cesare Vivante (Art. 887 do Código Civil): Título de crédito é o documento necessário para o exercício de
um direito de crédito, literal e autônomo, que nele está contido.
Principais Títulos no Brasil: Letra de Câmbio, Nota Promissória, Cheque e Duplicata.
Conceito: O direito de crédito está materializado (incorporado) no próprio documento físico (a cártula). "O que
não está no título, não está no mundo".
Implicação: Para que o credor possa exercer o direito (cobrar a dívida), ele precisa estar na posse do
documento. Todos os direitos e obrigações devem estar contidos no próprio título.
Exceção (Mitigação): A tecnologia permitiu a criação de títulos virtuais. A lei (art. 889, § 3º, CC) prevê a
emissão por meios eletrônicos, como a Duplicata Virtual (criação jurisprudencial) e a Duplicata
Eletrônica/Escritural (Lei nº 13.775/2018), que dispensam a existência física da cártula para protesto e
execução.
Conceito: Só é válido e exigível aquilo que está literalmente escrito no título de crédito. Nem mais, nem menos.
Implicação: A extensão e as modalidades do direito são definidas exclusivamente pelo teor do título,
oferecendo garantia a ambas as partes. O devedor não pode ser cobrado por valor superior, e o credor tem seu
direito assegurado no valor expresso. Acordos verbais ou feitos em documentos separados não têm validade
cambiária.
Conceito: As obrigações representadas no título são independentes umas das outras. Quando o título é
transferido a um terceiro de boa-fé, este adquire um direito novo, desvinculado das relações jurídicas anteriores.
Direito Processual Autônomo: A emissão de um título de crédito confere ao credor o direito a um processo
mais rápido para a cobrança (processo de execução), que é autônomo e mais eficaz do que a ação de cobrança
comum (processo de conhecimento).
Exemplo Prático da Aplicação dos Princípios
iv. Classificação Geral dos Títulos de Crédito
1. Quanto à Estrutura
2. Quanto à Natureza (Origem)
Subprincípios (surgem com a circulação):
1. Abstração Cambiária: Após a circulação do título para um terceiro de boa-fé, ele se desvincula do negócio
jurídico que lhe deu origem (a causa). O título passa a valer por si só.
2. Inoponibilidade das Exceções Pessoais: O devedor não pode se recusar a pagar ao terceiro de boa-fé
alegando problemas que tinha com o credor original (ex: o produto veio com defeito). Essas defesas são
"pessoais" e não podem ser opostas (inoponíveis) a quem não fez parte da relação original.
1. A Relação Original (Vendedor "A" e Comprador "B")
Negócio Jurídico: "A" vende um automóvel para "B" por R$ 40.000,00.
Pagamento: Como "B" não pode pagar à vista, ele emite uma nota promissória em favor de "A", com
vencimento para 30 dias. A dívida está formalizada no papel (Cartularidade), com valor e data definidos
(Literalidade).
Conflito: O carro apresenta um vício oculto (defeito no motor), e "A" se recusa a consertar. "B" decide que
não irá pagar a nota promissória.
2. A Circulação do Título para um Terceiro de Boa-Fé ("C")
Necessidade de "A": "A" precisa de dinheiro e negocia a nota promissória com "C" (uma empresa de
factoring).
Endosso: "A" (endossante) assina no verso do título e o entrega para "C" (endossatário). Com o endosso,
"C" se torna o novo credor legítimo.
3. A Cobrança e a Aplicação dos Princípios
Vencimento: Na data, "C" cobra os R$ 40.000,00 de "B".
Defesa de "B": "B" se recusa a pagar, alegando o defeito no carro que comprou de "A".
Ineficácia da Defesa: A defesa de "B" não tem validade contra "C".
Pela Autonomia e Abstração, o título em posse de "C" é um direito novo, desvinculado do problema
original entre "A" e "B".
Pela Inoponibilidade das Exceções Pessoais, "B" não pode usar um problema pessoal com "A" para
prejudicar "C", que é um terceiro de boa-fé.
Consequência: "B" é obrigado a pagar os R$ 40.000,00 para "C". Para resolver a questão do produto
defeituoso, "B" deverá mover uma ação judicial separada contra "A".
4. A Garantia do Endossante
E se "B" não pagar "C"? O endosso também funciona como uma garantia. Se "B" (devedor principal) não
pagar, "C" (credor atual) tem o direito de cobrar o valor total de quem lhe endossou o título, ou seja, de "A".
i. Ordem de Pagamento:
Estrutura triangular com três figuras: Sacador (quem emite a ordem), Sacado (quem deve pagar) e
Beneficiário/Tomador (quem deve receber).
Exemplos: Letra de Câmbio, Cheque, Duplicata.
ii. Promessa de Pagamento:
Estrutura linear com duas figuras: Promitente/Subscritor (quem promete pagar/devedor) e
Beneficiário/Tomador (quem recebe/credor).
Exemplo: Nota Promissória.
3. Quanto ao Modo de Circulação
v. Atos Cambiais e Institutos Conexos
1. Endosso e Cessão de Crédito
2. Aval e Fiança
i. Títulos Causais:
A lei exige uma causa específica para sua emissão. O título está vinculado ao negócio que o originou.
Exemplo: A Duplicata, que só pode ser emitida para documentar um crédito de compra e venda mercantil
ou prestação de serviços.
ii. Títulos Abstratos (ou Não Causais):
Podem ser emitidos em qualquer situação de débito e crédito, não exigindo uma causa específica.
Exemplo: Nota Promissória, Letra de Câmbio, Cheque.
Diferença: A natureza abstrata do título (nasce desvinculado) não se confunde com o princípio da
abstração (que surge com a circulação).
i. Títulos ao Portador:
Não identificam o credor. Quem possui o título é o credor. A transferência se dá pela simples entrega
(tradição).
Regra no Brasil: Praticamente extintos desde 1990. A emissão sem autorização de lei especial é nula.
Exceções: Cheques até R$ 100,00, bilhetes de loteria.
ii. Títulos à Ordem:
Identificam o credor, mas podem ser transferidos por endosso (assinatura do credor no título). É a regra
geral para os títulos de crédito.
iii. Títulos Nominativos:
Identificam o credor e sua transferência exige, além da entrega, um ato formal de registro no livro do
emitente.
Exemplo: Ações de companhias.
Endosso: Ato cambial típico dos títulos à ordem que transfere a titularidade do crédito.
Modalidades:
Endosso em Preto: Identifica o novo credor (endossatário). É a única forma permitida no Brasil.
Endosso em Branco: Apenas a assinatura do endossante, transformando o título em um "ao
portador". Proibido no Brasil desde 1990.
Duplo Efeito: Transfere a propriedade do título e torna o endossante um garantidor solidário do
pagamento.
Endosso Impróprio (não transfere a propriedade):
Endosso-Mandato: O credor nomeia um procurador (ex: banco) para realizar a cobrança em seu
nome.
Endosso-Caução (ou Pignoratício): O título é dado em garantia de outra dívida.
Cessão Civil de Crédito: Forma de transferência de créditos do Direito Civil.
Diferenças para o Endosso:
1. Responsabilidade: Na cessão, o cedente só garante a existência do crédito, não o pagamento (salvo
estipulação). No endosso, o endossante garante o pagamento.
2. Notificação: A cessão exige notificação ao devedor para ser eficaz contra ele. O endosso não.
3. Defesas: Na cessão, o devedor pode oporao cessionário as mesmas defesas que tinha contra o
cedente. No endosso, as defesas pessoais são inoponíveis ao endossatário de boa-fé.
3. Protesto de Títulos (Lei 9.492/1997)
4. Ações Cambiais e Exigibilidade
Garantias Pessoais: Ambas garantem uma dívida com o patrimônio de um terceiro, mas possuem naturezas
distintas.
Fiança:
Natureza: Contratual (Direito Civil).
Responsabilidade: Subsidiária. O fiador possui o benefício de ordem, podendo exigir que os bens do
devedor principal sejam executados primeiro (salvo renúncia expressa).
Aval:
Natureza: Ato Cambial (Direito Empresarial), dado em um título de crédito.
Responsabilidade: Autônoma e Solidária. O avalista é devedor junto com o avalizado. O credor pode
cobrar de qualquer um deles, sem ordem de preferência. Não há benefício de ordem.
Formas de Aval: Em preto (identifica o avalizado) ou em branco (favorece o devedor principal); Aval parcial
é possível em alguns títulos (cheque, letra de câmbio, nota promissória).
Definição: Ato solene e público, realizado por um tabelião, para provar oficialmente o inadimplemento de uma
obrigação contida em um título.
Hipóteses Legais:
Falta de pagamento.
Falta de aceite (em letra de câmbio e duplicata).
Falta de devolução (em duplicata).
Procedimento:
1. Apontamento: O credor apresenta o título ao cartório.
2. Intimação: O devedor é notificado para pagar em até 3 dias úteis.
3. Lavratura: Se não houver pagamento, o protesto é registrado.
Efeitos:
Prova a mora (atraso) do devedor.
Interrompe a prescrição (o prazo zera e recomeça a contar uma única vez).
Conserva o direito de regresso contra coobrigados (endossantes e avalistas).
Gera restrição de crédito ao devedor.
Modalidades:
Protesto Facultativo: Regra geral, realizado por vontade do credor.
Protesto Obrigatório (Necessário): Exigido por lei como condição para cobrar de endossantes e seus
avalistas.
Sustação vs. Cancelamento:
Sustação: Ordem judicial que impede a lavratura do protesto.
Cancelamento: Ato que retira o registro do protesto após o pagamento ou por ordem judicial.
Prescrição: É a perda do direito de cobrar judicialmente o crédito por meio da ação de execução (meio mais
rápido).
Protesto de Título Prescrito: O STJ consolidou o entendimento de que é indevido protestar título de
crédito prescrito, pois ele perde a força executiva. O protesto indevido gera dano moral.
Ações Disponíveis:
1. Ação de Execução: Durante o prazo prescricional, o credor pode executar o título diretamente, pois é um
título executivo extrajudicial.
2. Ação Monitória: Após a prescrição da ação executiva, o credor pode usar o título como prova escrita da
dívida. Prazo de 5 anos a contar do dia seguinte ao vencimento (Súmulas 503 e 504 do STJ).
3. Ação de Cobrança (Processo de Conhecimento): Alternativa mais demorada, também disponível ao
credor caso o título perca a força executiva.
Título de Crédito em Espécie
I. Letra de Câmbio
II. Nota Promissória
Caducidade (Decadência): É a extinção do próprio direito material, não apenas da ação, por decurso de prazo.
Após a caducidade, não há mais como cobrar a dívida.