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Título original em inglês:
TOWARD A THEOLOHY OF THE REMMANT
Copyright © da edição em inglês:
Biblical Research Institute,
Silver Spring, EUA.
Direitos internacionais reservados.
Direitos de tradução e publicação em
língua portuguesa reservados à
CASA PUBLICADORA BRASILEIRA
Rodovia SP 127 – km 106
Caixa Postal 34 – 18270-970 – Tatuí, SP
Tel.: (15) 3205-8800 – Fax: (15) 3205-8900
Atendimento ao cliente: (15) 3205-8888
www.cpb.com.br
1ª edição neste formato
Versão 1.1
2014
Editoração: Vanderlei Dorneles, Paulo Roberto Pinheiro e Marcos De Benedicto
Design Developer: Fernando Santana
Projeto Gráfico: Vilma Baldin
Diagramação: Vilma Baldin e Vandir Dorta Jr.
Capa: Alexandre Rocha
http://www.cpb.com.br
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer
meio, sem prévia autorização escrita do autor e da Editora.
14551/29905
Dedicatória
Dedicado com carinho a
 
NEAL C. WILSON
 
Em reconhecimento à sua liderança na elaboração da Declaração de
Crenças Fundamentais da Igreja Adventista, por seu compromisso com a
mensagem, missão e unidade do povo remanescente de Deus, além de sua
influência administrativa e espiritual positiva sobre a igreja mundial.
O pastor Neal C. Wilson serviu à Igreja Adventista do Sétimo Dia ao longo
de 51 anos no exercício de diversas funções. Ele foi presidente da Divisão
Norte-Americana durante doze anos e presidente da Associação Geral por
outros doze anos. Em 1980, a Declaração de Crenças Fundamentais da Igreja
Adventista foi revisada e expandida na Assembleia da Associação Geral,
realizada em Dallas (Texas), sob sua liderança.
 
 
Instituto de Pesquisa Bíblica
Prefácio
 
O objetivo desta obra é explorar o conceito de remanescente e sua
contribuição para o entendimento adventista da natureza da igreja. Os
diversos artigos tratam com as origens bíblicas desse conceito, sua riqueza,
seu papel na história da salvação e sua relevância para o mundo cristão
contemporâneo. A apropriação adventista desse conceito recebe atenção
especial. O livro proporciona uma introdução à visão e ao significado do
remanescente do tempo do fim como uma autodefinição teológica adventista.
Faz alusão à própria identidade da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a qual,
de tempos em tempos, necessita ser examinada e reafirmada.
De certa forma, o livro segue uma trajetória histórica no estudo do conceito
de remanescente. Contudo, sua ênfase principal reside na significância desse
conceito. Começa com um estudo do remanescente no Antigo Testamento,
escrito por Tarsee Li. Seguem três artigos que examinam o conceito de
remanescente em escritos judaicos (Leslie Pollard), nos evangelhos (Clinton
Wahlen) e em Paulo (Leslie Pollard). Vários artigos discorrem sobre aspectos
do conceito presentes no Apocalipse. Em um deles, escrito por Richard
Lehmann, sua presença e significado são explorados. Há também um estudo
sobre a teologia do sábado no Apocalipse (Mathilde Frey) e outro sobre o
papel dos mandamentos de Deus nesse mesmo livro da Bíblia (Johannes
Kovar). Gerhard Pfandl aborda as marcas ou características distintivas do
remanescente do tempo do fim, no Apocalipse. Dentre os dois estudos
restantes, um analisa o remanescente nos escritos de Ellen G. White (Ángel
Manuel Rodríguez), enquanto o outro se concentra na discussão
contemporânea sobre o remanescente entre os adventistas do sétimo dia
(Frank Hasel). O artigo conclusivo busca sintetizar os principais aspectos
teológicos das várias contribuições, além de levar a discussão avante, por
meio da introdução do conceito bíblico de remanescente como fundamental
para uma autocompreensão eclesiológica adventista. Um anexo foi incluído,
para explorar o uso da expressão “testemunho de Jesus” nos escritos de Ellen
G. White (Ángel Manuel Rodríguez).
O leitor encontrará algumas repetições ao longo da obra, as quais foram
inevitáveis para que cada autor pudesse desenvolver seus argumentos de
forma clara. O termo “eclesiologia” é empregado, em todo o livro, para se
referir ao estudo da doutrina bíblica acerca da igreja. Como se planejou
publicar outras obras relacionadas à eclesiologia, é incluída uma introdução
geral à série neste volume.
Uma nota de gratidão é devida aos autores pela contribuição de cada um
deles a este livro e por seu comprometimento com o projeto. Também
merecem agradecimentos os membros do Comitê do Instituto de Pesquisa
Bíblica pela orientação e pelas ideias fornecidas nas discussões sobre cada
um dos artigos que hoje compõem esta obra. Fica registrado um
reconhecimento especial aos colegas do Instituto de Pesquisa Bíblica –
Kwabena Donkor, Ekkehardt Mueller, Gerhard Pfandl e Clinton Wahlen –
que fizeram significativas observações e sugestões durante o processo de
edição do livro. As contribuições editoriais e técnicas de Brenda Flemmer,
assistente administrativa, e de Marlene Bacchus, especialista em editoração
eletrônica, foram grandemente apreciadas. Espera-se que todas as conquistas
reunidas nesta obra sejam úteis para a igreja à medida que cumpre sua missão
designada por Deus.
 
Ángel Manuel Rodríguez
Diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica 1
1 Nota dos editores: as funções atribuídas aos autores refletem suas atividades por ocasião do
preparo dos respectivos capítulos.
Abreviaturas
 
2 Bar. 2 Baruque
AASS Asia Adventist Seminary Studies
ABD Anchor Bible Dictionary, ed. D. N. Freedman
AdvA Adventists Affirm
AdvBibComm Seventh-day Adventist Bible Commentary, ed. Francis D.
Nichols
AdvChManual Seventh-day Adventist Church Manual (17a ed.)
AdvEnc Seventh-day Adventist Encyclopedia
AdvR Adventist Review
ANET Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, ed. J. B.
Pritchard
Apoc. Abr. Apocalypse of Abraham
ASTI Annual of the Swedish Theological Institute
AT Antigo Testamento
AUSS Andrews University Seminary Studies
BDTh Baker Dictionary of Theology, ed. Everett F. Harrison
Bib Biblica
BibInt Biblical Interpretation
BJRL Bulletin of the John Rylands Library
BR Biblical Research
BSac Bibliotheca Sacra
BT Bible Translator
BTB Biblical Theology Bulletin
CBQ Catholic Biblical Quarterly
CD Cairo Genizah Damascus Document
CH Church History
DBS Dictionnarie de la Bible Supplément, ed. L. Pirot, A. Robert, H. Cazelles
e A. Feuillet
DEB Dictionnaire encyclopédique de la Bible
DJG Dictionary of Jesus and the Gospels, ed. J. B. Green, S. McKnight e I.
H. Marshall
DPL Dictionary of Paul and His Letters, ed. G. F. Hawthorne, R. P. Martin e
D. G. Reid
DSS Dead Sea Scrolls
EDNT Exegetical Dictionary of the New Testament, ed. H. Balz e G.
Schneider
EDSS Encyclopedia of the Dead Sea Scrolls, ed. Lawrence H. Schiffman e
James C. VanderKam
et al. e outros (latim, et alii)
EvMisQ Evangelical Mission Quarterly
ExpTim Expository Times
FoiVie Foi et Vie
Gen. Rab. Genesis Rabbah
Heb. Hebraico
IDBSup Interpreter’s Dictionary of the Bible: Supplementary Volume, ed. K.
Crim
Int Interpretation
ISBE International Standard Bible Encyclopedia, ed. G. W. Bromiley
ISJR Iowa State Journal of Research
ITQ Irish Theological Quarterly
JAAS Journal of Asia Adventist Seminary
JAMS Journal of Adventist Mission Studies
JATS Journal of the Adventist Theological Society
JBL Journal of Biblical Literature
JCThR Journal of Christian Theological Research
JETS Journal of the Evangelical Theological Society
JHS Journal of Hellenic Studies
JJS Journal of Jewish Studies
JSNT Journal for the Study of the New Testament
JSOT Journal for the Study of the Old Testament
JTS Journal of Theological Studies
Jb Jubilees (Livro dos Jubileus)
JW Josephus, Jewish Wars (Guerras Judaicas)
LCL Loeb Classic Library
LXX Septuagint (versão grega do Antigo Testamento)
LW Luther’s Works (obras de Lutero)
1-4 Macc Maccabees (Macabeus)
Mig On the Migration of Abraham
Mos Moses
TM Texto Massorético
NBD New Bible Dictionary, ed. D. Guthrie e J. A. Motyer
NDBTh New Dictionary of Biblical Theology, ed. T. D. Alexander, B. S.
Rosner, D. A. Carson e G. Goldworthy
NIDB New Interpreter’s Dictionary of the Bible, ed. K. D. Sakenfeld
NIDNTTE NewInternational Dictionary of New Testament Theology and
Exegesis, ed. C. Brown
NIDOTTE New International Dictionary of Old Testament Theology and
Exegesis, ed. W. A. VanGemeren
NovT Novum Testamentum
NT Novo Testamento
NTS New Testament Studies
OTP Old Testament Pseudepigrapha, ed. James H. Chalesworth
PT Present Truth
QG Questions and Answers on Genesis
RB Revue Biblique
RH Review and Herald
RPP Religion Past and Present, ed. H. D. Betz, D. S. Browning, B. Janowsici,
E. Jüngel
RevQ Revue de Qumran
RevScRel Revue des sciences religieuses
SBL Society of Biblical Literature
SJT Scottish Journal of Tehology
ST Signs of the Times
StTh Studia Theologica
SwJT Southwestern Journal of Theology
TDNT Theological Dictionary of the New Testament, ed. G. Kittel e G.
Friedrich
TDOT Theological Dictionary of the Old Testament, ed. G. J. Botterweck, H.
Ringgren e H. J. Falory
TestJud Testamento de Judá
TestLevi Testamento de Levi
Tg. Neof. Targum Neofiti
Tg. Ong. Targum Ongelos
ThBl Theologische Blätter
TLOT Theological Lexicon of the Old Testament, ed. E. Jenni e C.
Westermann
TWOT Theological Wordbook of the Old Testament, ed. R. L. Harris, G. L.
Archer Jr. e B. K. Waltke
v. verso, versos
VT Vetus Testamentum
Wis. Wisdom
ZNW Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft
ZPEB Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, ed. M. C. Tenney
ZST Zeitschrift für systematische Theologie
 
 
Versões bíblicas
 
ARA Almeida Revista e Atualizada
ARC Almeida Revista e Corrigida
NTLH Nova Tradução na Linguagem de Hoje
NVI Nova Versão Internacional
 
 
 
Documentos de Qumran
 
1Q14 Pesher Micah (Pesher de Miqueias)
1Q20 Genesis Apocryphon (Apócrifo de Gênesis)
1Q27 Mysteries (Mistérios)
1QHª Hodayotª (Hinos de Ações de Graças)
1QM War Scroll (Rolo da Guerra)
1QpHab Pesher on Habakkuk (Pesher de Habacuque)
1QS Rule of the Community (Regra da Comunidade)
1QSa Rule of the Congregation (Regra da Congregação)
1QSb Rule of Benedictions (Coletânea de Bênçãos)
4Q161 Isaiah Pesherª (Pesher de Isaíasª)
4Q162 Isaiah Pesherb (Pesher de Isaíasb)
4Q163 Isaiah Pesherc (Pesher de Isaíasc)
4Q183 Historical Work (Obra Histórica)
4Q196 Tobitª (Tobiasª)
4Q206 Enoche (Enoquee)
4Q208 Astronomical Enochª (Livro Astronômico de Enoqueª)
4Q209 Astronomical Enochb (Livro Astronômico de Enoqueb)
4Q252 Genesis Pesherª (Pesher de Gênesis)
4Q368 Apocryphon Pentateuch (Apócrifo do Pentateuco)
4Q390 Pseudo-Mosese (Pseudo-Moisése)
4Q424 Sapiential Text (Texto Sapiencial)
4Q427 Hadayotª (Hinos de Ações de Graças)
4Q537 Testament of Jacob (Testamento de Jacó)
4Q556 Book of Giantse (Livro dos Gigantese)
4Q558 Visionb (Visãob)
4Q561 Physiognomy Horoscope (Horóscopo [Aramaico] da Fisionomia)
4Q563 Aramaic E (Aramaico E)
4QFlor Florilegium (Florilégio)
11Q10 Targum of Job (Targum de Jó)
11Q19 Temple Scrollª (Rolo do Templo)
Introdução
HÁ ALGUNS ANOS, o Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia tem trabalhado em conjunto com a Comissão do
Instituto de Pesquisa Bíblica em uma série de estudos que explora diferentes
aspectos da doutrina adventista sobre a igreja. Esta obra, como parte de uma
série, fornece recursos úteis a pastores e teólogos em sua busca por uma
melhor compreensão do movimento adventista, e em sua tentativa de
desenvolver uma eclesiologia denominacional. O início do século 21 pode ser
um bom momento histórico para a igreja olhar para si mesma e reafirmar seu
entendimento da própria missão. Nesse contexto, esta obra discorre sobre
temas como os ritos e a autoridade da igreja, o ministério, liturgia, missão, a
igreja e o Espírito Santo, e a igreja e a Bíblia, entre outros.
Não é a primeira vez que o Instituto de Pesquisa Bíblica procura estudar a
doutrina referente à igreja. Em 12 de maio de 1982, a Comissão votou a
realização de uma série de estudos sobre eclesiologia. No entanto, somente
em 1988 foi compilada uma lista de assuntos e feita a seleção dos autores. O
projeto não se desenvolveu tão rapidamente quanto a princípio se pensava,
em especial porque a Comissão precisou dedicar a maior parte de seu tempo e
de seus recursos a outras questões teológicas urgentes, de interesse da igreja
mundial. Tais questões acabaram por obscurecer o projeto eclesiológico, de
modo que ele nunca foi concluído. Alguns artigos atingiram a etapa semifinal
de edição, mas quase nenhum deles ficou pronto para ser publicado. A maior
parte está obsoleta. No entanto, como fazem parte da história da eclesiologia
adventista, alguns dos artigos mais importantes podem ser acessados por
meio da página do Instituto na internet: www.adventistbiblicalresearch.org. O
novo projeto em eclesiologia está progredindo bem e o material será
disponibilizado de forma impressa assim que estiver pronto para publicação.
Para introduzir o tema desta obra, passo a refletir sobre o que considero
serem alguns elementos fundamentais na formulação de uma eclesiologia
adventista. De forma específica, enfatizo a necessidade dessa eclesiologia e
sua contribuição para uma expressão mais clara da identidade do movimento
adventista. Também sugiro que, em nossas discussões sobre eclesiologia,
devemos identificar alguns dos componentes mais importantes da fé bíblica,
os quais precisam ser levados em consideração a fim de que façam parte de
nossa jornada teológica.
Uma eclesiologia adventista
A igreja, por natureza, consiste numa instituição social e espiritual
dinâmica. Portanto, ela está (e precisa estar) em constante movimento, como
uma comunidade de peregrinos espirituais. Tal dinamismo não deve excluir a
necessidade de reflexões teológicas sérias acerca da natureza da igreja e as
implicações dessa natureza sobre sua missão e vida. Ao refletir, a igreja é
revitalizada rumo ao cumprimento da missão.
Mantendo a relevância
O movimento adventista ainda é relativamente jovem e enfrenta
constantemente os desafios de crescimento e desenvolvimento. Talvez um
dos desafios mais importantes confrontados pela igreja seja o de manter sua
vitalidade e relevância num mundo que mudou de maneira drástica desde o
início do movimento. Relevância implica que a presença da igreja é vital por
satisfazer uma necessidade significativa da sociedade e da vida de seus
membros. Manter a igreja relevante exige, entre outras coisas, uma reflexão
incessante acerca de sua identidade, natureza e missão. Por exemplo,
mudanças na liturgia necessitam ser precedidas de uma análise séria sobre a
natureza da adoração cristã que auxiliará no enriquecimento da experiência
de culto dos fiéis. Se a igreja se tornar irrelevante, ela será lentamente
apagada da consciência coletiva, enfraquecendo expressivamente sua
influência.
Preservando a unidade
A unidade do povo de Deus do tempo do fim nos remete diretamente à
essência da igreja, ao mistério de sua união com o Senhor ressurreto, de quem
ela deriva sua vida. O crescimento fenomenal do movimento adventista deve
proporcionar uma chance para fortalecer essa unidade. A tendência natural de
um movimento religioso caracterizado por diversidade étnica, nacional e
cultural é de se diferenciar cada vez mais. A fim de preservar a unidade que
nos caracteriza, é importante continuar a reafirmar os elementos bíblicos que
constituem nosso ponto de união em Cristo. Penso que esses elementos
fundamentais se encontram localizados em nossa eclesiologia. Precisamos
reafirmar, quase que constantemente, a importância e necessidade dessa
unidade, por meio de análise e reflexão dentro do contexto de nossa
diversidade. Os adventistas do sétimo dia têm um corpo de doutrinas
distintivas, estilo de vida particular e uma cosmovisão bíblica. Tais
elementos, juntamente com a organização mundial da igreja, caracterizam o
adventismo ao redor do planeta e contribuem para sua unidade. A
eclesiologia adventista deve explorar a importância dessa união num mundo
cada vez mais caracterizado pela fragmentação.
Interação com os outros religiosos
Uma eclesiologia adventista claramente enunciada será útil para uma
interação adequada com outras comunidades cristãse com religiões não
cristãs. À medida que o movimento adventista continuar a crescer, ele se
tornará cada vez mais influente ao redor do mundo. Podemos facilmente
antecipar o aumento da necessidade de diálogo com outras comunidades
cristãs e com líderes de outras religiões do mundo. A igreja precisa estar
pronta para se expressar de forma clara e persuasiva acerca de sua identidade,
missão e motivo de existência. A expressão desses fatos deve se caracterizar
por uma clara linha de raciocínio bíblico-teológica. Isso será de valor
fundamental para a comunidade de fiéis, bem como para outros públicos,
além de ser útil na eliminação de preconceitos e estereótipos.
Fundamentos da eclesiologia adventista
Preciso deixar claro que esta obra não é pioneira no desenvolvimento de
uma eclesiologia adventista. A Igreja Adventista já existe há tempo. Ela
possui uma clara compreensão de si mesma, de sua identidade única e de sua
missão específica. Os adventistas do sétimo dia crêem que “a igreja é uma
comunidade de crentes que confessa Jesus Cristo como Senhor e Salvador”. 1
Essa comunidade se une por meio do chamado do Senhor “para adoração,
comunhão, instrução na Palavra, ceia do Senhor, serviço a toda a humanidade
e proclamação mundial do evangelho”. 2 A origem e a autoridade da igreja
são baseadas e fundamentadas em Cristo, segundo a maneira com que Ele Se
revelou nas Escrituras. A igreja representa o corpo de Cristo, “uma
comunidade de fé da qual o próprio Cristo é a cabeça”. 3 Ele confiou
autoridade à igreja e esta reside na comunidade de fiéis como um todo. É
papel da eclesiologia explorar a natureza e extensão dessa autoridade e a
maneira como ela opera dentro da igreja. Com base no Novo Testamento, a
Igreja Adventista compreende que a comunidade de fé delega parte de sua
autoridade a indivíduos escolhidos, como, por exemplo, o ministro da igreja,
para facilitar o trabalho do corpo de Cristo.
Na tarefa que desempenhamos, precisamos considerar nossa história como
igreja, nossa missão e mensagem. Isso quer dizer que necessitamos manter
alguns aspectos inegociáveis da teologia bíblica, da maneira como o
movimento adventista a compreende. Passo a mencionar alguns desses
aspectos.
Perspectiva escatológica
Já foi dito, corretamente, que o adventismo consiste num movimento
apocalíptico e, como tal, desempenhará um papel particular nos eventos finais
do conflito cósmico. Isso significa que nossa autopercepção se encontra
fortemente relacionada a expectativas escatológicas. Qualquer tentativa de
separar nossa eclesiologia de suas bases escatológicas terá de redefinir a
primeira ou as últimas. Esse deslocamento não será capaz de produzir uma
eclesiologia adventista em seu pensamento, orientação e cosmovisão.
Acredito que o papel da igreja no conflito cósmico e seu papel peculiar no
confronto final são de importância suprema para nossa eclesiologia.
Perspectiva soteriológica
A eclesiologia adventista deve ser fortemente fundamentada na convicção
de que a igreja é resultado da encarnação, ministério, morte, ressurreição,
ascensão e mediação de Cristo. Essa convicção teológica influencia a maneira
de se compreender a igreja, sua identidade, mensagem e função. Essa é uma
das áreas nas quais a Igreja Adventista pode dar uma contribuição à teologia
cristã. Também cremos que existe uma conexão profunda entre a igreja e o
papel de Cristo como nosso mediador no santuário celestial. Na verdade, a
igreja recebeu, por assim dizer, seu “fôlego de vida” da parte de Deus como
resultado da mediação de Cristo perante o Pai (Jo 14:16; At 2:33). Nossa
eclesiologia deve examinar o testemunho bíblico acerca dessa conexão e abrir
espaço para a obra sumo-sacerdotal de Cristo e a atuação do Espírito Santo na
igreja. Isso vai causar impacto em nossa teologia dos ministérios e mesmo em
nosso entendimento das cerimônias religiosas.
Perspectiva evangélica
O evangelho é a verdade proclamada pela igreja. Paulo descreve “a igreja
do Deus vivo” como “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3:15). Segundo o
pensamento adventista e também conforme as Escrituras, a verdade
desempenha um papel fundamental no conflito cósmico e se encontra
diretamente relacionada a essa questão central. A busca pela verdade e sua
proclamação contribuem diretamente para nossa autocompreensão, ou seja,
para uma eclesiologia adventista. No que diz respeito à verdade bíblica, os
adventistas do sétimo dia têm se considerado restauradores das verdades que
foram “deitadas por terra” (Dn 8:12; cf. Is 58:12), isto é, rejeitadas ou
ignoradas por outras comunidades cristãs. A partir dessa perspectiva, o
adventismo constitui um movimento de reforma dentro do mundo cristão.
Como a mensagem proclamada se encontra em continuidade direta com a
verdade apostólica (apostolicidade), é indispensável restabelecê-la antes do
retorno de Cristo. Na verdade, a missão da igreja é impulsionada pela
seriedade com que se encara a verdade bíblica e sua relevância para os
últimos dias. Considerando que a mensagem e a responsabilidade da igreja
possuem significância universal, estamos convencidos de que a igreja
também é universal. A preocupação com a verdade bíblica se encontra no
centro de nossa eclesiologia e não devemos separar esses dois elementos.
Perspectiva missiológica
Levou algum tempo para os pioneiros perceberem que o movimento
adventista possuía uma missão mundial. Esse reconhecimento causa grande
impacto na compreensão da natureza da Igreja Adventista. Há uma
mensagem clara a ser proclamada por uma comunidade unificada a todo
povo, língua e nação, a qual transcende etnia, gênero, raça e diferenças
nacionais. A perspectiva missiológica tem contribuído diretamente para a
união da igreja e para o desenvolvimento de uma organização eclesiástica de
proporções mundiais. A eclesiologia adventista precisa incorporar, em seus
conceitos, essa preocupação missiológica central face ao encerramento do
conflito cósmico. Portanto, a igreja não deve ser definida simplesmente pelo
conceito de koinonia (“comunhão”), por mais importante que ele seja, mas
pelo cumprimento da comissão evangélica através de uma comunidade de
testemunho.
Perspectiva do remanescente
A eclesiologia adventista não pode ignorar que, desde seus primórdios, o
movimento adventista tem se identificado como a igreja remanescente
referida em Apocalipse 12:17. Esse conceito tem demonstrado seu valor ao
posicionar o adventismo dentro do desenrolar da história profética, servindo
para definir sua natureza diante do mundo cristão e determinando sua
missiologia. Em outras palavras, lidamos aqui com um aspecto essencial da
natureza da fé adventista que não pode ser ignorado na eclesiologia
denominacional. A eclesiologia adventista é, em essência, uma eclesiologia
do remanescente. É exatamente esse aspecto que a torna desafiadora,
interessante, bíblica e singular. Nosso dever teológico é desenvolvê-la,
integrá-la de maneira adequada às Escrituras, e manter em mente a realidade
de fazermos parte de uma comunidade cristã mais ampla.
 
A igreja sempre necessita refletir sobre si mesma e sobre sua conexão com
o Deus vivo. A reflexão não pode ser separada do dinamismo da missão. Pelo
contrário, deve ser considerada como um componente essencial da mesma. A
igreja consiste numa entidade ativa a serviço do Senhor e da humanidade. Ela
precisa permanecer relevante para a cultura dentro da qual está inserida.
Contudo, ao fazer isso, não deve abandonar ou modificar sua identidade,
mensagem e missão. De outro modo, seria transformada em pouco mais do
que um movimento social que busca o aperfeiçoamento da sociedade e do
indivíduo, pouco interessada na redenção do cativeiro do pecado e da culpa,
por meio de Cristo, ou em seu comprometimento com Ele como Senhor no
contexto do conflito cósmico. A igreja é sempre um mistério, por causa do
mistério de sua união com o Senhor, um mistério do qual participamos como
parte de Seu corpo.
 
Ángel Manuel Rodríguez
Organizador
1 “Fundamental Beliefs of Seventh-day Adventists”, em 2008 Yearbook: Seventh-dayAdventist
Church (Silver Spring, MD: General Conference Corporation, 2008), p. 6.
2 Ibid.
3 Ibid.
O remanescente no Antigo Testamento
Tarsee Li - Professor associado na Universidade Oakwood - Huntsville,
Estados Unidos
O TEMA DO REMANESCENTE tem sido examinado de maneira praticamente
exaustiva em diversos estudos.1 Nas páginas seguintes, farei uma síntese das
conclusões mais relevantes dos estudos anteriores relativos à origem e ao
significado do conceito de remanescente. Em seguida, vou apresentar alguns
comentários sobre a natureza do remanescente fiel, que tanto resumem
quanto expandem os estudos prévios. A terceira seção deste artigo preenche
uma lacuna significativa, já que a maior parte dos estudos sobre o tema do
remanescente no Antigo Testamento tem se concentrado principalmente em
textos pré-exílicos. Assim, pretendo explorar a relação entre o tema do
remanescente e a autoidentidade da comunidade pós-exílica. Por fim, vou
destacar alguns paralelos relevantes para a eclesiologia adventista do sétimo
dia.
Origem e significado do conceito de remanescente
Origem do conceito
A definição mais simples de remanescente pode ser a seguinte: “aquilo que
resta de uma comunidade após a ocorrência de uma catástrofe”.2 Contudo,
conforme veremos, tamanha simplicidade na definição falha em retratar toda
a relevância e importância teológica do conceito. Embora não haja consenso
entre os estudiosos sobre a origem do tema do remanescente, sugiro que a
melhor possibilidade foi levantada por Gerhard F. Hasel. Ele identifica a
presença do conceito de remanescente no antigo Oriente Próximo, iniciando
com textos sumérios e finalizando com escritos do tempo de Isaías. De
acordo com Hasel, a origem do conceito é anterior aos materiais bíblicos. O
“denominador comum” de todos os usos é “a questão da vida e da morte, isto
é, a preocupação existencial do homem”.3 Ameaças de morte “levantam o
questionamento imediato acerca de se a vida será eliminada ou se um
remanescente sobreviverá para preservar a existência humana”.4 Portanto, o
tema do remanescente não surgiu como parte de um contexto bíblico
específico, e “originalmente não possuía caráter escatológico”.5
Por conseguinte, o uso do conceito de remanescente em materiais bíblicos e
extrabíblicos indica que ele surgiu devido à preocupação existencial do ser
humano relativa à preservação da vida.6 Na Bíblia hebraica, o tema do
remanescente foi, desde o princípio, incorporado à história da salvação e
começou, gradualmente, a ser empregado para expressar as expectativas
futuras da fé em Yahweh. O remanescente e a possibilidade de um futuro se
encontram tão instrinsecamente conectados que “onde não há mais
‘remanescente’, não existe futuro”.7 O tema recebeu ênfase escatológica
distinta pela primeira vez em Amós. Isaías, de Jerusalém, solidificou essa
forma de uso. O remanescente santo ou escatológico, purificado por expurgo
divino, era alvo de fé e uma realidade futura para Isaías. Esse aspecto do
conceito do remanescente em Isaías adquiriu grande importância em
profecias posteriores e no desenvolvimento da escatologia israelita.8
O tema do remanescente pode ser encontrado ao longo de todo o Antigo
Testamento, quer de maneira explícita, quer implícita,9 embora seja mais
proeminente nos livros proféticos. Por exemplo, já se argumentou que todo o
livro de Miqueias é estruturado em torno do tema das promessas de Deus ao
remanescente.10 Como já foi mencionado, “Amós é o primeiro escritor
hebraico a relacionar o tema do remanescente com escatologia”.11 No entanto,
esse tema se torna ainda mais evidente “nas perícopes de Isaías do que em
trechos anteriores da Bíblia hebraica”.12
Terminologia bíblica do remanescente
A terminologia veterotestamentária do tema do remanescente é
representada por seis raízes hebraicas: š’r (“ser deixado, ficar, permanecer”),
plṭ (“escapar”), mlṭ (“escapar”), ytr (“permanecer, ficar, ser deixado”), śrd
(“fugir de”); śārîd (“sobrevivente”) e ‘aḥarît (“posteridade, remanescente”).13
A palavra ‘aḥarît é mais empregada no contexto de destruição total (por
exemplo, Am 4:1-3).14 Já as outras são usadas com mais frequência em
contextos positivos, como “na fuga [...] de uma ameaça mortal”.15 Na
Septuaginta, as raízes hebraicas são mais frequentemente traduzidas com
palavras gregas formadas por leimma/leipō (“remanescente, restante/deixar
para trás”).16 A presença de uma dessas palavras não significa
automaticamente a presença do tema do remanescente (por exemplo, 1Sm
20:29).17 Inversamente, o tema do remanescente também pode estar presente
de maneira implícita até mesmo em textos nos quais a terminologia específica
não é empregada (por exemplo, Caim em Gn 4:1-15). Além disso, o tema do
remanescente também pode ocorrer num sentido negativo, isto é, em
passagens que afirmam a ausência ou destruição de um remanescente, como
em Joel 2:3: “À frente dele vai fogo devorador [o enxame de gafanhotos];
atrás, chama que abrasa; diante dele, a terra é como o jardim do Éden; mas,
atrás dele, um deserto assolado. Nada lhe escapa [pelêtāh]”.18
Tipos de remanescente
Segundo Hasel, o conceito do remanescente é aplicado a três diferentes
grupos, os quais ele denomina histórico, fiel e escatológico.19 O remanescente
histórico consiste de qualquer grupo que tenha escapado a uma catástrofe a
qual tenha ameaçado sua sobrevivência. Esse aspecto do conceito do
remanescente é aplicável a despeito da fé do grupo ou de seu compromisso
com Deus. Um exemplo de remanescente histórico ocorre na primeira
referência implícita a um remanescente na Bíblia, a saber, em Gênesis 4:1-15:
“que deixou apenas Caim como progenitor da raça humana”.20 Da mesma
maneira, o remanescente dos cananeus, que se transformou em fonte de
problemas para Israel, também se trata de um remanescente histórico (Nm
33:55; Jz 3:1).21
O segundo tipo de remanescente, o fiel, pode ser caracterizado como uma
comunidade que demonstra espiritualidade genuína e um relacionamento com
Deus marcado pela fé verdadeira. As promessas divinas para o futuro
repousam sobre esse remanescente. Um exemplo de remanescente fiel pode
ser encontrado na primeira referência explícita ao remanescente, registrada
em Gênesis 7:23, onde “Noé e sua família representavam um remanescente
justo”.22
O terceiro grupo, o remanescente escatológico, consiste dos fiéis que
vivenciarão os juízos de purificação e as calamidades do Apocalipse e sairão
vitoriosos. Eles receberão do Senhor o reino eterno.23 Joel se refere a esse
remanescente quando escreve: “O sol se tornará em trevas, e a lua em sangue,
antes que venha o grande e temível dia do Senhor. E todo aquele que invocar
o nome do Senhor será salvo, pois, conforme prometeu o Senhor, no monte
Sião e em Jerusalém haverá livramento para os sobreviventes, para aqueles a
quem o Senhor chamar” (Jl 2:31, 32 [3:4, 5, texto massorético], NVI).24
Esse agrupamento tríplice do remanescente “não deve ser forçado além da
conta, pois a distinção entre os grupos às vezes é nublada pela narrativa
bíblica”.25 Por um lado, existe uma sobreposição de classificações, ou seja, o
remanescente fiel também é histórico, e o remanescente escatológico também
é fiel. Além disso, as profecias pré-exílicas acerca do retorno do cativeiro às
vezes confundem a distinção entre o remanescente fiel e o escatológico. Essa
sobreposição será analisada com mais detalhes adiante. Até mesmo os termos
“histórico”, “fiel” e “escatológico” não devem ser entendidos como
definições precisas, mas como rótulos aproximados. Ainda que o
agrupamento tríplice de Hasel e sua terminologia sejam um pouco imprecisos
e por vezes não se mostrem completamente adequados, acredito que são úteis
para nossa discussão.
Presença e natureza do remanescente fiel
Após ter realizado uma síntese de algumas conclusões relevantes de estudos
prévios sobre a origem e o significado do conceito de remanescente, passo
agora a uma discussão mais detalhada, embora não exaustiva, acerca da
natureza de uma comunidade de remanescentes fiéis. No Antigo Testamento,uma comunidade de remanescentes fiéis consiste naqueles que sobreviveram
a uma catástrofe (seja ela de origem física ou espiritual). São recebedores da
graça de Deus e, portanto, herdeiros das promessas da aliança. Possuem uma
missão específica relativa à preservação do verdadeiro conhecimento de Deus
e da adoração a Ele. A seguir, analisamos as questões mais relevantes desse
conceito.
O remanescente como uma comunidade fiel
Em geral, no Antigo Testamento, uma comunidade remanescente pode ser
claramente identificada. A exceção parece se encontrar nos casos de apostasia
nacional, quando a vida dos fiéis a Deus é ameaçada, tornando necessário que
eles se afastem da sociedade. Nessas situações, a ênfase parece migrar para o
indivíduo, em vez de se concentrar na comunidade. É possível que o melhor
exemplo desse aspecto do remanescente seja encontrado em 1 Reis 19,
quando Elias afirma “eu fiquei só” (v. 14), e Deus responde garantindo que
ele não estava sozinho (v. 18). Ou seja, Elias e sete mil outros são indivíduos
remanescentes fiéis. Ele é o único claramente percebido pelos outros como
servo fiel do Senhor. Ele e os sete mil fazem parte de um grupo ou
comunidade mais ampla, cuja maioria se tornou infiel e não pode se
identificar como remanescente de Deus. De fato, “pela primeira vez no
Antigo Testamento é feita uma distinção dentro do Israel físico, uma
distinção baseada na fidelidade religiosa, levando a um novo Israel ligado a
Yahweh”.26
Entretanto, quando o tema do remanescente fiel é aplicado a uma
comunidade, seja a uma família ou a uma nação, outros são capazes de
identificá-la. Essa comunidade pode incluir alguns indivíduos infiéis, pois
somente no dia escatológico do Senhor o remanescente consistirá somente de
fiéis.27 Essa realidade é sugerida por Malaquias:
Então, os que temiam ao Senhor falavam uns aos outros; o Senhor
atentava e ouvia; havia um memorial escrito diante dele para os que
temem ao Senhor e para os que se lembram do Seu nome. Eles serão para
Mim particular tesouro, naquele dia que prepararei, diz o Senhor dos
Exércitos; poupá-los-ei como um homem poupa a seu filho que o serve.
Então, vereis outra vez a diferença entre o justo e o perverso, entre o que
serve a Deus e o que não o serve. Pois eis que vem o dia e arde como
fornalha; todos os soberbos e todos os que cometem perversidade serão
como o restolho; o dia que vem os abrasará, diz o Senhor dos Exércitos,
de sorte que não lhes deixará nem raiz nem ramo. Mas para vós outros
que temeis o Meu nome nascerá o Sol da justiça, trazendo salvação nas
suas asas; saireis e saltareis como bezerros soltos da estrebaria. Pisareis os
perversos, porque se farão cinzas debaixo das plantas de vossos pés,
naquele dia que prepararei, diz o Senhor dos Exércitos (Ml 3:16-4:3
[3:16-21, texto massorético]).
O contexto dessa passagem indica que o povo estava reclamando de Deus
tratar o fiel e o infiel de maneira semelhante (Ml 3:13-15). O Senhor
respondeu, na passagem citada, por meio da promessa que separaria os dois
grupos (de forma visível, 3:18) no dia do Senhor, ou seja, o “dia que
prepararei” (3:17), o dia que “arde como fornalha” (4:1).28
 
Enquanto isso, as comunidades fiéis no Antigo Testamento incluíam, com
frequência, membros que não eram completamente fiéis. Por exemplo, Noé e
sua família eram o remanescente fiel que sobreviveu ao Dilúvio (Gn 6:9,
7:23); porém, mais tarde, Cam viu a “nudez” de Noé (9:20-27). Também, em
Gênesis 18, a intercessão de Abraão para que Deus poupasse Sodoma por
amor aos “justos” e a hospitalidade de Ló, no capítulo 19, indicam que Ló e
sua família eram um remanescente fiel que escapou da destruição da cidade.29
Contudo, a mulher de Ló olhou para trás e se converteu numa estátua de sal
(v. 26). Além disso, suas filhas geraram filhos cujo pai era ele próprio (v. 30-
38).
Portanto, como uma comunidade remanescente fiel pode incluir elementos
de infidelidade, é preciso ir além do contexto específico de uma passagem na
qual a terminologia do remanescente é utilizada. É preciso ver o contexto
mais amplo do livro, ou mesmo de todo o cânon, para se ter condições de
certificar se uma comunidade de sobreviventes na Bíblia consiste de um
remanescente fiel ou simplesmente de um remanescente histórico. Por
exemplo, embora a preservação dos parentes de Jacó por meio de José no
Egito não seja atribuída à fé ou ao compromisso deles com Deus (Gn 45:7), o
contexto fornecido em Gênesis deixa claro que eles eram recebedores das
promessas divinas feitas ao fiel Abraão. Ou seja, os descendentes de Abraão
por meio de Jacó constituíam um remanescente fiel, mesmo que os membros
da família nem sempre fossem fiéis a Deus. O ciclo de José demonstra a
“conexão entre o tema do remanescente e a tradição da eleição”.30
Um remanescente da graça
O rótulo “remanescente fiel” não aponta para conquistas pessoais. Em vez
disso, como Hasel demonstra, o remanescente fiel é um remanescente da
graça. Por exemplo, conquanto Noé e Ló fossem “justos” (Gn 6:9; 18:23-32),
sua justiça não era meritória; antes, eles eram recebedores da “graça” e da
“misericórdia” de Deus (Gn 6:8; 19:16, 19). Portanto, “a salvação de um
remanescente não é devida a méritos por parte dos sobreviventes, mas à graça
de Yahweh”.31 Uma comunidade pode ser caracterizada como fiel, mas a
posição de remanescente não é concedida com base em sua própria
fidelidade, mas sim na graça de Deus. De modo semelhante, o termo “talvez”,
em Amós 5:15, sugere que a salvação do remanescente não é garantida pelo
cumprimento de condições específicas, mas pela graça divina:32 “Odeiem o
mal, amem o bem; estabeleçam a justiça nos tribunais. Talvez o Senhor, o
Deus dos Exércitos, tenha misericórdia do remanescente de José” (Am 5:15,
NVI). Embora o povo seja convidado a retornar para Deus, seu
arrependimento e sua conversão não os tornam merecedores da graça divina.
O livramento do remanescente continua a ser um ato de graça. Mesmo assim,
como King destaca, “uma comunidade remanescente fiel é caracterizada por
certas qualidades. Por exemplo, o povo remanescente em Sofonias é
totalmente comprometido com o Senhor, além de justo e ético em suas
interações sociais”.33
Além disso, o status de uma comunidade remanescente fiel como
recebedora da graça e da misericórdia de Deus não é incondicional. A ação
humana é incapaz de substituir a divina, assim como a graça divina não
substitui a fidelidade humana.34 A graça do Senhor não exclui o chamado à
fidelidade de seus recebedores.
Remanescente necessário
Hasel argumenta que a expressão “remanescente de José” se originou de
uma crença generalizada segundo a qual Israel como um todo e como
entidade terrena seria o “remanescente de José” que sobreviveria ao dia de
Yahweh e à destruição das nações vizinhas. Amós teria se apropriado dessa
expressão e dado a ela um novo significado, aplicando-a a uma entidade
escatológica futura (Am 5:14, 15; confira Gn 45:7).35 Ou seja, a “massa de
israelitas que se recusava a retornar para Yahweh pereceria no julgamento
que sobreviria sobre a nação, mas um remanescente, aqueles que retornaram
a Yahweh, ‘talvez’ seria poupado”.36 Tal perspectiva também é ratificada pela
seguinte observação de E. Merrill:
Era fato que o povo do Senhor sempre tinha a tendência de se afastar
dEle, com exceção de uma pequena minoria, o remanescente, que
permanecia fiel às responsabilidades da aliança. Em outras palavras,
sempre houve um Israel dentro de Israel, o verdadeiro fruto cercado pela
casca de uma entidade nacional externa. Os propósitos de salvação e as
promessas de Yahweh não poderiam, portanto, encontrar seu
cumprimento numa nação como essa, mas sim naquele núcleo espiritual
que Deus preservou ao longo das eras. 37
Na verdade, existe um padrão histórico no tema do remanescente fiel do
Antigo Testamento. Descobrimos que, após o Senhor escolher um
remanescente fiel a partir de um grupo mais amplo, esse tende posteriormente
a se afastar de Deus de tal modo que Ele precisa escolher um novo
remanescente fiel a partir daquelegrupo, reiniciando, assim, o ciclo. 38
Originalmente, a semente de Abraão, de Isaque e de Jacó, isto é, as doze
tribos, eram recebedoras das promessas divinas, constituindo, desse modo, o
remanescente fiel. No entanto, “o Senhor muito Se indignou contra Israel e o
afastou da Sua presença; e nada mais ficou [š’r], senão somente a tribo de
Judá” (2Rs 17:18). O versículo 19, por sua vez, deixa claro que Judá não era
inteiramente fiel ao Senhor. Por fim, devido à infidelidade de Judá, Jerusalém
também foi destruída e um remanescente foi levado para Babilônia (2Rs
25:11). Dentre esses exilados, um remanescente retornou para reconstruir a
nação e formar a comunidade pós-exílica de Judá.
Remanescente como status e missão
Ser um remanescente fiel envolve tanto um status quanto uma missão. Em
termos de status, é importante ressaltar que uma comunidade remanescente
fiel é composta pelos herdeiros das promessas da eleição divina. Portanto,
uma comunidade não se transforma, por si mesma, em um remanescente fiel.
Em vez disso, ela é escolhida pela graça e constituída como a expressão
concreta do povo de Deus por um motivo específico. Por exemplo, o fato de
Noemi “ficar” [š’r] enquanto o restante de sua família morreu não é atribuído
em momento algum à sua fidelidade (Rt 1:3, 5); entretanto, ela, por sua vez,
também não era infiel. Em contrapartida, a terminologia remanescente sequer
é aplicada a Rute, a qual demonstra um caráter fiel. O resultado é que ambas
compartilharam as bênçãos de Deus por meio do nascimento de um herdeiro
(Rt 4:14-17), o qual, através de seus descendentes, desempenhou um papel
especial no futuro do povo de Israel, os herdeiros das promessas da aliança
(v. 18-22). Dessa forma, a história enfatiza a graça de Deus, não a fidelidade
daqueles que recebem a graça divina.
O status de remanescente também envolve uma missão. Essa missão pode
exigir detalhes diferentes devido a circunstâncias históricas específicas. Por
exemplo, a missão de Noé era construir uma arca para preservar a vida
humana e animal; a missão da comunidade pós-exílica era reconstruir o
templo do Senhor, e assim por diante. No entanto, existe uma característica
comum partilhada por todos. No Antigo Testamento, a missão do
remanescente envolvia a preservação da fé em Deus. Assim, quando Ele
escolheu Abraão e o abençoou, a missão deste passou a ser conduzir sua
família por meio de exemplo e palavras à fidelidade ao Senhor (Gn 18:19;
12:3).
Israel deveria espalhar o conhecimento de Deus por todo o mundo e isso
aconteceria por meio do povo remanescente. Eles deveriam dar testemunho
às nações:
Porque conheço as suas obras e os seus pensamentos e venho para
ajuntar todas as nações e línguas; elas virão e contemplarão a Minha
glória. Porei entre elas um sinal e alguns dos que foram salvos enviarei às
nações, a Társis, Pul e Lude, que atiram com o arco, a Tubal e Javã, até às
terras do mar mais remotas, que jamais ouviram falar de Mim, nem viram
a Minha glória; eles anunciarão entre as nações a Minha glória. Trarão
todos os vossos irmãos, dentre todas as nações, por oferta ao Senhor,
sobre cavalos, em liteiras e sobre mulas e dromedários, ao Meu santo
monte, a Jerusalém, diz o Senhor, como quando os filhos de Israel trazem
as suas ofertas de manjares, em vasos puros à Casa do Senhor (Is 66:18-
20).
É possível contrastar a promessa de Deus no Antigo Testamento de levar as
outras nações para Jerusalém (por exemplo, Zc 14:16-19) com a comissão de
Jesus no Novo Testamento para os cristãos irem a todo o mundo (por
exemplo, Mt 28:18-20). Todavia, essa distinção não deve ser supervalorizada,
já que ambos os conceitos são encontrados nos dois testamentos, embora com
ênfases diferentes.
O remanescente como uma comunidade específica
A expressão eclesiológica “igreja visível/invisível” não é tradicionalmente
empregada no estudo do Antigo Testamento. O uso eclesiológico do termo
“invisível” tem sido compreendido, de forma geral, como expressão da ideia
de que somente Deus conhece os cristãos verdadeiros que serão, por fim,
salvos. 39 Eles são, por assim dizer, “invisíveis” ou desconhecidos para as
demais pessoas, mas não para o Senhor. É difícil aplicar essa terminologia ao
remanescente. Uma comunidade invisível é praticamente uma contradição de
termos, pois uma comunidade pressupõe mais do que simplesmente um grupo
ou categoria. Pressupõe que cada membro conheça pelo menos um outro
membro e que colabore de maneira intencional para alcançar objetivos
comuns. Ao passo que é possível considerar indivíduos como “remanescentes
invisíveis”, por exemplo, os sete mil fiéis da época de Elias (1Rs 19:18), 40
não existem casos de comunidades remanescentes no Antigo Testamento (ou
em toda a Bíblia) que não eram passíveis de identificação como tais. A
história de 1 Reis 19 constitui um bom exemplo: “As pessoas que não forem
mortas por Hazael serão mortas por Jeú, e todos os que escaparem [mlṭ] de
Jeú serão mortos por Eliseu. Mas eu deixarei [š’r] sete mil pessoas vivas em
http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi?procurar=hazael&exata=on&link=bol&lang=BR
Israel, isto é, todos aqueles que não adoraram o deus Baal e não beijaram a
sua imagem” (1Rs 19:17, 18, NTLH).
No contexto da passagem acima, Elias recebe a ordem de ungir Hazael, Jeú
e Eliseu. Em seguida, o julgamento é anunciado (“serão mortos”) e, logo
depois, a promessa de que sete mil sobreviveriam. 41 Antes desses
acontecimentos, aqueles que não adoraram o deus Baal e não beijaram a sua
imagem podiam estar espalhados e “invisíveis”. Mas, ao fim do julgamento,
eles se tornariam uma comunidade “remanescente”, pois sobreviveriam a
uma catástrofe (nesse caso, ao julgamento de Deus). Constituem uma
comunidade de fiéis que escaparam do julgamento divino e podem ser
identificados pelos outros como tais.
Há outro exemplo bastante elucidativo. Em Isaías 65, o Senhor promete
poupar um remanescente de uma nação rebelde: “Como quando se acha
vinho num cacho de uvas, dizem: Não o desperdices, pois há bênção nele,
assim farei por amor de Meus servos e não os destruirei a todos” (Is 65:8).
Ainda em relação a esse remanescente que é poupado, encontramos o
seguinte: “Eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão
o seu fruto” (v. 21). A despeito da possibilidade de o grupo mencionado na
passagem ter (ou não) consistido de indivíduos espalhados antes do
julgamento de Deus, quando são poupados desse julgamento se tornam uma
comunidade claramente identificável. Portanto, em Isaías 65 o remanescente
poupado (nesse caso, o remanescente escatológico) é uma comunidade
visível, não um remanescente disperso, “invisível”.
O remanescente e a comunidade pós-exílica
Como a maior parte dos estudos sobre o tema do remanescente no Antigo
Testamento se concentra principalmente em textos pré-exílicos, dedicarei
algum tempo à análise da relação entre o tema do remanescente e a
autoidentidade da comunidade pós-exílica. Já se argumentou que Jeremias
emprega o termo “remanescente” não em referência aos sobreviventes que
permaneceram em Judá, mas àqueles que foram levados cativos e que seriam
alvo da nova aliança, passando por um novo êxodo. 42 Portanto, aqueles que
retornaram do exílio constituem o remanescente fiel (Jr 31:7-9), os
recebedores da nova aliança do Senhor (v. 31-34), os “portadores das bênçãos
da antiga aliança”. 43
http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi?procurar=deus&exata=on&link=bol&lang=BR
http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi?procurar=baal&exata=on&link=bol&lang=BR
http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi?procurar=deus&exata=on&link=bol&lang=BR
http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi?procurar=baal&exata=on&link=bol&lang=BR
Entretanto, conforme mencionado anteriormente, os profetas pré-exílicos
nem sempre faziam uma distinção clara entre o remanescente fiel que
retornaria do cativeiro e o remanescente escatológico. Por exemplo, a
descrição de Isaías do retorno dos exilados é feita dentro do contexto da
restauração escatológica:O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito;
o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino
os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se
deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito brincará
sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do
basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte,
porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas
cobrem o mar (Is 11:6-9).
É no contexto da promessa escatológica acima que encontramos a promessa
do retorno dos cativos:
Naquele dia as nações buscarão a Raiz de Jessé, que será como uma
bandeira para os povos, e o seu lugar de descanso será glorioso. Naquele
dia o Senhor estenderá o braço pela segunda vez para reivindicar o
remanescente do Seu povo que for deixado na Assíria, no Egito, em
Patros, na Etiópia, em Elão, em Sinear, em Hamate e nas ilhas do mar. Ele
erguerá uma bandeira para as nações a fim de reunir os exilados de Israel;
ajuntará o povo disperso de Judá desde os quatro cantos da terra. O ciúme
de Efraim desaparecerá, e a hostilidade de Judá será eliminada; Efraim
não terá ciúme de Judá, nem Judá será hostil a Efraim (Is 11:10-13, NVI).
Portanto, nas profecias pré-exílicas, às vezes é difícil distinguir entre o
remanescente fiel que retornaria do cativeiro e o remanescente escatológico.
Desse modo, a experiência pós-exílica do povo judeu ajudou a esclarecer
ainda mais esse importante tema do Antigo Testamento, salientando com
mais precisão a diferença entre o remanescente fiel e o escatológico. 44 Na
sequência, vou sugerir que, muito embora a comunidade pós-exílica
consistisse de um remanescente fiel que emergiu em cumprimento de
profecias, ela não afirmava ser o remanescente escatológico.
Os cativos que retornaram como remanescente
Após o tempo destinado para o cativeiro, os exilados judeus receberam a
zordem de fugir de Babilônia (Zc 2:6, 7 [2:11, texto massorético; mlṭ]), então
o termo “remanescente” passou a ser aplicado à comunidade pós-exílica que
retornou (Ed 1:4, š’r; 9:8, 13-15; possivelmente também em Ag 1:12, 14;
2:2).45 Também fica claro, a partir do contexto das passagens, que a
comunidade pós-exílica é mais que simplesmente um remanescente histórico;
trata-se de um remanescente fiel:
Assim diz Ciro, rei da Pérsia: [...] Quem dentre vós é, de todo o seu
povo, seja seu Deus com ele, e suba a Jerusalém de Judá e edifique a Casa
do Senhor, Deus de Israel; Ele é o Deus que habita em Jerusalém. Todo
aquele que restar [š’r] em alguns lugares em que habita, os homens desse
lugar o ajudarão com prata, ouro, bens e gado, afora as dádivas
voluntárias para a Casa de Deus, a qual está em Jerusalém.
Então, se levantaram os cabeças de famílias de Judá e de Benjamim, e
os sacerdotes, e os levitas, com todos aqueles cujo espírito Deus
despertou, para subirem a edificar a Casa do Senhor, a qual está em
Jerusalém (Ed 1:2-5).
Então, Zorobabel, filho de Salatiel, e Josué, filho de Jozadaque, o sumo
sacerdote, e todo o resto [še’ērît] do povo atenderam à voz do Senhor, seu
Deus, e às palavras do profeta Ageu, as quais o Senhor, seu Deus, o tinha
mandado dizer; e o povo temeu diante do Senhor. Então, Ageu, o enviado
do Senhor, falou ao povo, segundo a mensagem do Senhor, dizendo: Eu
sou convosco, diz o Senhor (Ag 1:12, 13).
Os cativos que regressaram foram aqueles movidos pelo Espírito de Deus
para retornar e reconstruir o templo do Senhor em Jerusalém (Ed 1:5); ou
seja, nem todos voltaram, apenas um remanescente. Durante a obra de
reconstrução, eles foram encorajados pelos profetas (Ed 5:1, 2) e receberam a
bênção de Deus (Ag 2:19). Além disso, as genealogias estabelecem uma
relação entre as promessas do Senhor a Abraão e a comunidade pós-exílica
(por exemplo, Ed 2:1-70; 8:1-14; Ne 7:5-66; 1Cr 1-9).46
Na verdade, a aplicação do conceito do remanescente fiel à comunidade
pós-exílica fica clara até mesmo em passagens que não empregam de forma
explícita a sua terminologia. Por exemplo:
Lembra-te da palavra que ordenaste a Moisés, Teu servo, dizendo: Se
transgredirdes, Eu vos espalharei por entre os povos; mas, se vos
converterdes a Mim, e guardardes os Meus mandamentos, e os
cumprirdes, então, ainda que os vossos rejeitados estejam pelas
extremidades do céu, de lá os ajuntarei e os trarei para o lugar que tenho
escolhido para ali fazer habitar o Meu nome. Estes ainda são Teus servos
e o Teu povo que resgataste com Teu grande poder e com Tua mão
poderosa (Ne 1:8-10).
Neemias está citando a promessa divina feita em Deuteronômio 3:1-4 de
restaurar aqueles que retornassem ao Senhor e aplicando-a à comunidade
pós-exílica. Portanto, para Neemias, a comunidade pós-exílica (isto é, os
“estes” do v. 10 acima) era claramente uma comunidade “fiel”, mesmo que
não fosse perfeita.47
A comunidade remanescente escatológica
Embora o tema do remanescente seja aplicado à comunidade pós-exílica, os
profetas dessa época também fizeram referência a um remanescente futuro,
um remanescente escatológico (Zc 8:6, 11, 12, še’ērît; 13:8, ytr; 14:2, yeter;
Jl 2:32 [3:5, texto massorético],48 plṭ, mlṭ, śārîd).
Em toda a terra, diz o Senhor, dois terços dela serão eliminados e
perecerão; mas a terceira parte restará [ytr] nela. Farei passar a terceira
parte pelo fogo, e a purificarei como se purifica a prata, e a provarei como
se prova o ouro; ela invocará o Meu nome, e eu a ouvirei; direi: é Meu
povo, e ela dirá: O Senhor é meu Deus (Zc 13:8, 9).
Zacarias também incluiu aqueles que restaram de outras nações (14:16, ytr)
entre os que adorarão o Senhor (confira 1:11 [1:15, texto massorético]; 8:22,
23), indicando, dessa maneira, que o remanescente escatológico incluirá
indivíduos que não pertencem à nação de Israel:49 “Todos os que restarem
[ytr] de todas as nações que vieram contra Jerusalém subirão de ano em ano
para adorar o Rei, o Senhor dos Exércitos, e para celebrar a Festa dos
Tabernáculos” (Zc 14:16). Portanto, embora os profetas pós-exílicos
considerassem sua comunidade um remanescente histórico e fiel, eles não se
enxergavam como o remanescente escatológico final.
A expectativa de um remanescente futuro se faz presente não somente nas
obras de profetas pós-exílicos, mas também nos escritos históricos dessa
época. Não há referências explícitas à escatologia em Esdras, Neemias e
Crônicas.50 Todavia, isso ocorre provavelmente devido ao gênero dessas
obras, que possuem natureza majoritariamente histórica e não profética. 51
Também é possível detectar uma distinção de perspectivas entre Crônicas e
Esdras/Neemias, na medida em que Esdras/Neemias apresentam uma
comunidade cuja sobrevivência se encontra em risco, enquanto Crônicas
retrata o passado como promulgação de uma visão para o presente e para o
futuro. 52
Contra aqueles que negam a presença de expectativas escatológicas nesses
livros históricos, existe o argumento de que Esdras/Neemias “permitem a
esperança continuada de que a profecia pode se cumprir totalmente, ao
mesmo tempo em que evitam afirmar que isso já aconteceu”. 53 Entre as
evidências citadas tocantes à insatisfação com sua condição se encontram a
lamentação dos anciãos quando os alicerces do templo foram lançados (Ed
3:11-13) e o reaparecimento do problema dos casamentos mistos mencionado
ao final tanto de Esdras quanto de Neemias, com a subsequente ameaça de
escravidão nacional (Ed 9; Ne 9), a qual tem sido relacionada ao cativeiro
persa. 54 De modo oposto, foram encontradas, em Esdras, alusão a Jeremias
31 e a Isaías, incluindo a apropriação, feita por Esdras, do tema do
remanescente em 9:13 (Is 10:20, 21) e em 9:14 (Jr 31:7). 55 Conclui-se que
Esdras não interpreta as promessas como totalmente cumpridas, mas como
em processo de cumprimento.
Tal análise de informações certamente é correta, mas sugiro que ela pode
ser refinada ainda mais se for estabelecida uma distinção entre o
remanescente fiel e o histórico. Ou seja, muito embora a comunidade pós-
exílica não se enxergasse como o remanescenteescatológico, com certeza ela
se via como um remanescente fiel. Além da distinção temporal entre os dois
tipos de remanescente, existe ainda uma diferença qualitativa entre eles, isto
é, uma comunidade remanescente fiel pode conter indivíduos infiéis,
enquanto o remanescente escatológico seria composto apenas de indivíduos
fiéis; trata-se de um remanescente purificado:
Depois de tudo o que nos aconteceu por causa de nossas más obras e por
causa de nossa grande culpa, apesar de nos teres punido menos do que os
nossos pecados mereciam, ó Deus, e ainda nos teres dado um
remanescente [pelêṭāh] como este, como podemos voltar a quebrar os
Teus mandamentos e a realizar casamentos mistos com esses povos de
práticas repugnantes? Como não ficarias irado conosco, não nos
destruirias, e não nos deixarias sem remanescente [še’ērît] ou sobrevivente
[pelêṭāh] algum? (Ed 9:13, 14).
Na passagem acima, Esdras se refere à comunidade pós-exílica como um
“remanescente” cujo problema persistente de casamentos mistos colocava em
risco seu status como tal e fazia surgir a ameaça de extinção. A necessidade
de lutar para manter a fidelidade seria um assunto controverso caso a
comunidade não fosse o “remanescente fiel”. Em Crônicas, aqueles do reino
do norte desejosos de voltar para o Senhor e de ir adorar no santuário eram
bem-vindos (2Cr 30:7, 8). Indivíduos das tribos de Aser, Manassés e
Zebulom aceitaram o convite de Ezequias (v. 11). 56 Na verdade, já se
defendeu que essa atitude receptiva era estendida a todos os estrangeiros, 57
revelando ainda mais a natureza inclusiva do remanescente. Crônicas não
nega a existência de indivíduos fiéis entre os israelitas do norte (por exemplo,
2Cr 34:9). Mas a linhagem do remanescente fiel não foi continuada por meio
deles. Portanto, para Crônicas, a comunidade pós-exílica de Judá possuía uma
autoidentidade ao mesmo tempo inclusiva e excludente. Eles eram
excludentes no sentido de se considerarem os únicos herdeiros da longa
linhagem de fiéis. Em contrapartida, eram inclusivos em dois sentidos: em
primeiro lugar, a existência de antepassados espirituais significava que seu
status não era único na história do mundo; segundo, eles estavam abertos a
receber outros que voluntariamente aceitavam o Senhor.
Em suma, o tema do remanescente nas obras pós-exílicas aparece tanto no
contexto profético (isto é, nos profetas pós-exílicos) quanto no histórico
(Esdras/Neemias e Crônicas). Os autores diferem quanto à ênfase dada ao
tema do remanescente e também quanto a sua aplicação à comunidade
remanescente fiel da época e ao remanescente escatológico vindouro.
Contudo, os textos pós-exílicos históricos e proféticos indicam que a
comunidade dessa época se considerava o remanescente fiel que, devido à
bênção providencial de Deus, retornou do cativeiro babilônico e estava em
processo de reconstruir a nação. No entanto, em nenhum momento eles se
consideraram o remanescente escatológico ou se descreveram como tal. 58
A distinção entre o remanescente fiel e o escatológico é útil e relevante em
outro sentido. O remanescente escatológico é necessariamente inclusivo, no
sentido de ser composto somente de fiéis, a saber, de todos os fiéis do tempo
do fim. O remanescente fiel, em contrapartida, apresenta uma tensão entre o
exclusivismo e o não exclusivismo, exibida na compreensão que a
comunidade remanescente pós-exílica tinha acerca de si mesma. Por um lado,
como herdeiros exclusivos da herança dos fiéis a Deus, lutam para se
manterem fiéis. Por outro lado, reconhecem que outros indivíduos podem
demonstrar o desejo de se unir a eles em submissão ao Senhor. Ao mesmo
tempo, esperam por um remanescente escatológico que incluiria até mesmo
pessoas que não pertenciam à sua nação.
Paralelos relevantes para a eclesiologia adventista
Em vários aspectos, a autoidentidade da comunidade judaica pós-exílica é
similar à autoidentidade adventista do sétimo dia. Tanto a comunidade pós-
exílica quanto o movimento adventista se veem como comunidades
remanescentes que vieram à existência como cumprimento de uma profecia.
Assim como a comunidade pós-exílica consistia de um remanescente fiel que
retornara do cativeiro babilônico, os adventistas acreditam que saíram da
Babilônia espiritual e que são herdeiros da longa linhagem dos fiéis de todas
as eras. No entanto, da mesma forma que a comunidade pós-exílica incluía
indivíduos que não eram completamente fiéis a Deus, os adventistas do
sétimo dia reconhecem que nem todos os membros de sua igreja são fiéis. Tal
reconhecimento também indica que, conquanto os adventistas se enxerguem
como o remanescente histórico e fiel do tempo do fim, eles não são – pelo
menos ainda não – a totalidade do remanescente escatológico. 59 Ou seja,
assim como a comunidade pós-exílica judaica antecipava a revelação de um
remanescente escatológico que incluiria outros, os quais ainda não faziam
parte da comunidade, os adventistas anteveem o dia em que a Babilônia
espiritual cairá completamente, e o remanescente escatológico emergirá de
forma plena.
Da mesma forma que a comunidade remanescente pós-exílica possuía uma
missão relativa às nações, os adventistas também a possuem. A participação e
incorporação na comunidade pós-exílica eram estendidas a todas as nações.
Os adventistas do sétimo dia acreditam que sua missão é alcançar toda nação
e todo povo com a mensagem de salvação no contexto do tempo do fim.
Reconhecem que possuem antepassados espirituais 60 e que existem pessoas
fiéis fora de sua comunidade, as quais farão parte do remanescente
escatológico.
Obviamente, os adventistas não são semelhantes à comunidade pós-exílica
judaica em tudo, nem deveriam ser. Além disso, o Novo Testamento lança
luz sobre aspectos do tema do remanescente que vão além das informações
disponíveis no Antigo Testamento. Isso, contudo, vai além do escopo deste
estudo. No entanto, a autoidentidade remanescente da comunidade pós-
exílica ajuda a esclarecer o delicado equilíbrio entre a apropriação adventista
do tema do remanescente e o suposto exclusivismo dessa reivindicação.
1 Uma pesquisa extensiva, incluindo a discussão da literatura já existente sobre o assunto, pode ser
encontrada em Gerhard F. Hasel, The Remnant: History and Theology of the Remnant Idea from
Genesis to Isaiah, 3ª ed. (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1980). O autor também
escreveu outros artigos importantes sobre o remanescente, tais como: “Pālát”, TDOT, v. 11, p. 551-567;
“Remnant”, IDBSup, p. 735, 736; e “Remnant”, IBSE, v. 4, p. 130-134. Uma série de outros estudos
referentes a vários aspectos do tema do remanescente no Antigo Testamento surgiram desde então, mas
a abordagem de Hasel mantém o status de “estudo oficial” sobre o assunto (Eugene H. Merrill, “A
Theology of Ezekiel and Daniel”, em A Biblical Theology of the Old Testament, ed. Roy B. Zuck
[Chicago: Moody Press, 1991], p. 377, nota 21). Seguiremos de perto sua perspectiva em nossa
discussão.
2 Lester V. Meyer, “Remnant”, ABD, v. 5, p. 669.
3 Hasel, Theology of the Remnant, p. 383.
4 Hasel, “Remnant”, IBSE, v. 4, p. 132.
5 Hasel, Theology of the Remnant, p. 402.
6 Hasel, “Remnant”, IDBSup, p. 735. Confira também F. Dreyfus, “Reste d’Israël”, DBS, v. 10, p.
418.
7 Rolf Rendtorff, Canonical Hebrew Bible: A Theology of the Old Testament (Leiden: Deo, 2005), p.
706. Veja também Hasel, “Remnant”, IDBSup, p. 736, onde o autor escreve: “O tema do remanescente
constitui parte essencial da esperança bíblica e da escatologia”.
8 Hasel, Theology of the Remnant, p. 402.
9 Héctor E. Urrutia defende que a mensagem do remanescente escatológico final é prefigurada na
literatura sapiencial (“El mensaje del remanente final em los libros sapienciales”, em Pensar la Iglesia
Hoy, ed. Gerald A. Klingbeil, Martin Klingbeil e Miguel Ángel Núñez [Libertador San Martin, Entre
Rios: Editorial Universidad Adventista del Plata, 2002], p. 71-92).
10 Kenneth H. Cuffey, “Remnant, Redactor, and Biblical Theologian: A Comparative Study of
Coherence in Micah and the Twelve”, em Readingand Hearing the Book of the Twelve, ed. James D.
Nogalski e Marvin A. Sweeney (Atlanta, GA: Society of Biblical Literature, 2000), p. 185-208.
Também já foi sugerido que Obadias se concentra no conceito de remanescente (confira Merling
Alomía, “El motivo del remanente em Abdías”, Theologika 11 [1996], p. 8-35); e que o mesmo
conceito é de fundamental importância na estrutura literária de Sofonias (Bernard Renaud, “Le livre de
Sophonie: Le thème de YHWH structurant de la synthèse redactionnelle”, RevScRel 60 [1986], p. 1-33;
confira também Greg A. King, “The Remnant in Zephaniah”, BSac 151 [1994], p. 414-427).
11 Hasel, Theology of the Remnant, p. 394. Veja também o artigo do mesmo autor “Remnant”, IBSE,
v. 4, p. 133.
12 Hasel, Theology of the Remnant, p. 394.
13 Hasel, “Remnant”, IBSE, v. 4, p. 130, 131. Confira também Hasel, Theology of the Remnant, p.
386-388.
14 Confira Horst Seebass, “‘Acharîth”, TDOT, v. 1, p. 209, 210.
15 Hasel, “Remnant”, IBSE, v. 4, p. 131. Autores diferentes podem empregar essas palavras de modo
ligeiramente distinto. Por exemplo, Kenneth D. Mulzac afirma que śārîd é usado em Jeremias no
contexto de destruição total (“Śrd as a Remnant Term in the Context of Judgement in the Book of
Jeremiah”, AASS 7 [2004], p. 39-58).
16 V. Herntrich & G. Schrenk, “Leimma”, TDNT, v. 4, p. 194-198.
17 Outro exemplo possível para o uso da palavra “remanescente” sem qualquer referência ao tema
teológico se encontra em Neemias 7:72 (še’ērît; 7:71, texto massorético).
18 Tradução do autor.
19 Hasel, “Remnant”, IBSE, v. 4, p. 130. Confira também Hans K. LaRondelle, “The Remnant and
the Three Angel’s Message”, em Handbook of Seventh-Day Adventist Theology, ed. Raoul Dederen
(Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), p. 860-863.
20 Hasel, “Remnant”, IBSE, v. 4, p. 132.
21 Ibid.
22 Ibid.
23 Como se pode entender a partir da explicação, embora o termo “escatologia” possua uma série de
aplicações, ele é empregado aqui num sentido puramente cronológico, ou seja, significando o fim de
uma era.
24 As citações bíblicas são feitas usando a ARA, salvo exceções devidamente identificadas.
25 King, “Remnant”, p. 427.
26 Hasel, “Pālat”, p. 563.
27 O mesmo ocorre no Novo Testamento, por exemplo: Mt 13:24-30, 37-43; 25:1-4, 31-33.
28 Embora a palavra “remanescente” não seja usada nessa passagem de Malaquias, o tema se
encontra implícito, pois aqueles que “temem” o nome de Deus surgem vitoriosos no dia do julgamento
final do Senhor.
29 Hasel, Theology of the Remnant, p. 147-152.
30 Ibid., p. 158.
31 Ibid., p. 152.
32 Ibid., p. 206. O mesmo pode ser inferido, embora usando palavras diferentes, de expressões como
“quem sabe?” (Jl 2:14; Jn 3:9). Elas falam, primariamente, da esperança de que Deus será
misericordioso, mas também aludem à soberania divina, isto é, o Senhor responde porque escolhe fazê-
lo, não por ser obrigado.
33 King, “Remnant”, p. 417.
34 Embora esteja além do escopo deste artigo, que se concentra no Antigo Testamento, é possível
dizer mais acerca da ação humana em resposta à ação divina à luz do Novo Testamento. A declaração
de Jesus de que muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos (Mt 22:14) é relevante para o tema
do remanescente no Novo Testamento. Portanto, o fato de as parábolas de Jesus mencionarem aqueles
que recusam um convite real (por exemplo, Mt 22:1-14; Lc 14:16-24) sugere que parte da
responsabilidade humana consiste em proporcionar abertura para a aceitação da graça de Deus.
35 Hasel, Theology of the Remnant, p. 199-205.
36 Ibid., p. 203.
37 Eugene H. Merrill, “A theology of Ezra-Nehemiah and Esther”, em Biblical Theology of the Old
Testament, p. 194. Embora a declaração acima de Merrill pareça mais um eco de Romanos 9 do que
uma mera leitura do Antigo Testamento, ela certamente reflete a história do remanescente desse
período.
 
38 Tal fenômeno é analisado por Norbert Lohfink, “Kleiner werdende Konvente und das biblische
Prinzip der kleinen Zahl”, Die Beiden Türme 37 [2001], p. 66-81. Não desejo inferir que esse ciclo
precisa se repetir perpetuamente. Parece que o remanescente, como fenômeno escatológico, será, por
fim, o alvo final da graça salvadora de Deus.
39 Confira Raoul Dederen, “The Church”, em Handbook of Seventh-day Adventist Theology, p. 545,
546.
 
40 Para Walter Brueggemann, outro exemplo de remanescente invisível individual é a menina de 2
Reis 5:2, 3 (“A Brief Moment for a One-Person Remnant (2Rs 5:2, 3)”, BTB 31 [2001], p. 53-59).
41 Embora tanto a KJV quanto a ARA traduzam esse sintagma verbal no passado (“fiz sobrar” e
“conservei”, respectivamente), a construção hebraica (em geral chamada de “perfeito consecutivo”) é
mais corretamente traduzida como futuro (“deixarei”, “farei sobrar”, “conservarei”). Conquanto a
menção à fidelidade (não adorar o deus Baal) possa constituir uma referência ao passado, o
cumprimento da promessa de que sobreviveriam à espada ainda estava por vir.
 
42 Kenneth D. Mulzac, “The Remnant and the New Covenant in the Book of Jeremiah”, AUSS 34
[1996], p. 239-249. Isso, é claro, não exclui a aplicação do tema do remanescente de maneira negativa,
em referência aos que permaneceram na terra (confira Ez 14:21, 22). Contudo, foi o remanescente
levado cativo que recebeu as promessas de restauração (Ez 6:8-10; 11:14-21).
43 Hasel, “Remnant”, IBSE, v. 4, p. 133.
44 Embora o teor escatológico das profecias pré-exílicas acerca do remanescente ocorra, em parte,
devido a sua natureza condicional (conforme defendido em “The Role of Israel in Old Testament
Prophecy”, em AdvBibComm, v. 4, p. 35-38; confira também Richard M. Davidson, “Interpretando a
profecia do Antigo Testamento”, em Compreendendo as Escrituras: uma Abordagem Adventista, ed.
George W. Reid [Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007], p. 183-204), a teologia do Antigo
Testamento deixa espaço para revelação progressiva.
45 O termo também é aplicado àqueles que sobreviveram à invasão assíria (2Cr 30:6 pElêŞāh, š’r;
confira também Is 10:20-23; 11:11, 16).
46 Aqueles cuja linhagem sacerdotal não podia ser demonstrada foram impedidos de servir como
sacerdotes (Ed 2:62). Isso demonstra a preocupação daquele grupo em manter a pureza espiritual.
47 Confira, por exemplo, M. W. Elliot, “Remnant”, NDBTh, p. 724.
48 A data em que o livro de Joel foi escrito é controversa. Provisoriamente, considerarei o livro como
pós-exílico.
 
49 Zacarias não é o único a atribuir tais características inclusivas ao remanescente escatológico. Elas
também foram proferidas por profetas pré-exílicos (confira Is 14:1, 2). Veja Hasel, “Pālat”, p. 565; e
Rendtorff, Theology, p. 709, 711.
50 Não estou de acordo com a hipótese de 1832 feita por Leopold Zunz, de que Crônicas e
Esdras/Neemias constituem uma única composição da História do Cronista. Mas acredito que essas
obras contribuem para nossa compreensão da autoidentidade da comunidade pós-exílica à luz da
perspectiva teológica da história da comunidade apresentada em cada uma delas. Em contrapartida,
William J. Dumbrell (“The Purpose of the Books of Chronicles”, JETS 27 [2004], p. 257-266)
argumenta que tanto Crônicas quanto Esdras/Neemias compartilham uma teologia comum.
51 Aceita-se como pressuposto o fato de que sua apresentação da história é, por natureza, teológica.
Contudo, confira a defesa do título “historiador” para o autor de Crônicas, feita por Isaac Kalimi (“Was
the Chronicler a Historian”, em The Chronicler as a Historian, ed. M. Patrick Graham, Kenneth G.
Hoglund & Steven L. McKenzie [Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997], p. 73-89). Veja também
Sara Japhet, “Chronicles, Book of”, RPP, v. 2, p. 655.
52 Gary N. Knoppers, 1Chronicles 1-9: A New Translation with Introduction and Commentary
(Nova York: Doubleday, 2004), p. 84.
53 J. C. McConville, “Ezra-Nehemiah and the Fulfilment of Prophecy”, VT 36 (1986), p. 223.
54 Ibid., p. 210-213.
55 Ibid., p. 214-222.
56 Ralph W. Klein, “Chronicles, Book of 1, 2”, ABD, v. 1, p. 1001.
57 James D. Newsome Jr., “Toward a New Understanding of the Chronicler and His Purposes”,JBL
94 (1975), p. 206, 207.
58 A discussão precedente descreve a autocompreensão como remanescente, da comunidade pós-
exílica, de acordo com a perspectiva das obras canônicas que foram preservadas. Reconheço que cada
membro da comunidade poderia possuir uma perspectiva única. Por isso, alguns falam em “vozes
múltiplas” ou em “opinião majoritária e minoritária”, entre outras, no tocante à autoidentidade de Israel
(Bruce C. Birch, Walter Brueggemann, Terence E. Frethem & David L. Petersen, A Theological
Introduction to the Old Testament, 2a ed. [Nashville: Abingdon, 2005], p. 429). No entanto, não
existem evidências de “vozes” que contradigam a perspectiva de os exilados que regressaram se
considerarem o remanescente fiel, mas não o escatológico.
 
59 A distinção entre o remanescente fiel do tempo do fim e o remanescente escatológico é paralela à
diferença entre “tempo do fim” (a última era ou período de tempo na história) e “final dos tempos” (o
fim do tempo histórico).
 
60 LaRondelle empregou apropriadamente o termo “remanescente” aos fiéis antepassados do
adventismo: “Ao longo de toda a história cristã, diferentes grupo têm surgido, grupos remanescentes,
num certo sentido, com a responsabilidade de atrair cristãos de sua época rumo a uma fé mais bíblica.
Embora alguns tenham insistido que sua fé não era completamente nova, consideravam a Bíblia como
autoridade suprema e ansiavam por levar os cristãos de volta a ela. O movimento adventista do sétimo
dia difere desses grupos em vários aspectos relativos à doutrina e prática, mas tem em comum com eles
a imagem de remanescente, no sentido de trazer seus contemporâneos a uma fé mais próxima das
Escrituras” (LaRondelle, “Remnant”, p. 880).
O remanescente nas obras apocalípticas
judaicas não canônicas e em Qumran
Leslie N. Pollard - Vice-presidente da Universidade de Loma Linda - Loma
Linda, Estados Unidos
O CONCEITO DE UM POVO remanescente continuou a se desenvolver fora do
Antigo Testamento, mas permaneceu sob sua influência. Embora a literatura
do período intertestamentário apresente grandes dificuldades de
sistematização, os conceitos de remanescente fora das Escrituras contrastam
de maneira significativa com a ideia de remanescente encontrada no Antigo
Testamento. A compreensão dessa mudança histórica pode ser útil no estudo
do conceito neotestamentário. Concentraremos nossa atenção em dois tipos
de literatura. O primeiro é a literatura apocalíptica judaica. O tema do
remanescente assumiu posição de extrema importância nas obras
apocalípticas, provavelmente devido à conexão próxima entre o remanescente
e a escatologia do Antigo Testamento. A fé voltada para o futuro de Israel,
cujo clímax seria o desdobramento e cumprimento do propósito divino por
meio de um remanescente escatológico, encontrou solo fértil nesse tipo de
literatura. O segundo tipo de literatura que analisaremos serão os documentos
de Qumran, os quais fornecem uma visão interessante de como o conceito era
compreendido e aplicado dentro de um ambiente sectário, repleto de zelo.
O remanescente nas obras apocalípticas judaicas
Especialistas têm reconhecido a contribuição da literatura apocalíptica
judaica para uma compreensão mais adequada do pensamento apocalíptico no
Novo Testamento. 1 Os autores dessas obras normalmente consideram que
Israel está sofrendo julgamento divino devido à apostasia (confira 4 Esdras
1:4-9; 2:1-14; 7:72-74; 2 Baruque 1:4, 5; 62:4, 5; 77:2-10; Jubileus 1:7-14,
etc.). Dentro desse contexto de julgamento, a perspectiva da salvação de um
remanescente está presente. Todavia, o conceito de remanescente sofre uma
transformação se comparado à sua herança veterotestamentária.
Diferentemente da compreensão do Antigo Testamento, a composição da
comunidade remanescente passa a ser restrita por uma série de prerrogativas
rígidas e excludentes. Ao contrário do universalismo antecipado no Antigo
Testamento, o conceito de remanescente nas fontes apocalípticas judaicas
revela, ocasionalmente, elementos antigentílicos (por exemplo, 1 Enoque 5:1-
9; Apocalipse de Baruque 29:1-32:6; Sabedoria 3:9; 4:15). 2 Somente o
“justo” remanescente de Israel desfrutaria as bênçãos da vida após o terror
final (1 Enoque 45:5, 6). 3
Os livros que ilustram essa pesquisa sobre o conceito de remanescente na
literatura apocalíptica judaica são 1 Enoque, Livro dos Jubileus, 4 Esdras e 2
Apocalipse de Baruque. Outros materiais pertencentes ao corpus de obras
apocalípticas judaicas são citados quando necessário para apresentar mais
evidências acerca da compreensão do remanescente.
O remanescente em 1 Enoque
O livro de 1 Enoque 4 fornece pelo menos as seguintes seis perspectivas
acerca do conceito de remanescente que refletem tanto continuidade quanto
descontinuidade em relação à concepção veterotestamentária do tema:
(1) O remanescente será protegido durante o julgamento. O livro de 1
Enoque inicia com uma promessa ao remanescente que lembra o Antigo
Testamento (1:1-3). 5 São descritas as bênçãos sobre os “eleitos” e “justos”
“que estarão presentes no dia da tribulação, no tempo em que os infiéis serão
removidos” (1:1). Em seguida, é feita uma promessa aos justos sobreviventes
do julgamento divino:
E sobrevirá um julgamento sobre todos, (incluindo) os justos. E a todos
os justos Ele concederá paz. O Senhor preservará os eleitos e Sua bondade
estará sobre eles. Eles pertencerão a Deus, prosperarão e serão
abençoados; e a luz do Senhor brilhará sobre eles. Eis que Ele virá com
dez milhões de santos para julgar a todos. Destruirá os ímpios e censurará
toda carne devido a tudo que realizaram, tudo que os pecadores e ímpios
fizeram contra Ele (v. 8, 9).
Nesse trecho, 1 Enoque reflete a visão mais fundamental do conceito de
remanescente. O remanescente é eleito por Deus, protegido por Ele,
sobrevive ao julgamento divino e desfruta a existência nos últimos dias. Sua
sobrevivência implica vindicação perante Deus diante da opressão do
inimigo. 6
(2) Os ímpios são colocados em oposição ao remanescente. Em 1 Enoque,
os ímpios realizam atos de impureza (10:20), são duros de coração (5:4),
blasfemam contra Deus (27:2), oprimem (94:6) e perseguem (94:7) os justos.
Por causa de sua desobediência a Deus, acabarão por perecer (107:1).
(3) O Eleito habitará com o remanescente. Em 1 Enoque 45, o
remanescente é mencionado no contexto referente à obra do Eleito e à
transformação da Terra:
Naquele dia, levarei Meu Eleito a habitar no meio deles, transformarei o
Céu e farei dele uma bênção de luz eternamente. Eu (também)
transformarei a terra e farei dela uma bênção e levarei Meu Eleito a
habitar nela. Então, todos aqueles que cometeram pecado e crime nela não
porão os pés (45:4, 5).
A sobrevivência do remanescente depende do recebimento da misericórdia
divina. Essa passagem enfatiza o destino contrastante do remanescente e dos
desobedientes.
(4) A teologia da “semente” é intimamente associada à ideia de
remanescente. 7 Em alguns trechos de 1 Enoque, a teologia da “semente”
desempenha um papel crucial. Ela se baseia, em parte, no Antigo Testamento,
nas passagens em que Jeremias (Jr 2:21; 31:27) e Isaías (Is 57:4) dividem as
pessoas em “boa” e “má” semente. Em 1 Enoque 65:12, o conceito de
remanescente é usado de maneira intercambiável com a teologia da
“semente”. Deus prometeu a Noé: “Eu fortalecerei tua semente (zerac)
perante Mim para sempre e sempre, assim como a semente daqueles que
habitarem contigo; não a colocarei em julgamento [...] mas será abençoada e
se multiplicará na terra” (67:3). A “semente” é apresentada como uma
garantia divina de que a comunidade humana existirá após a purificação do
cosmos por meio do julgamento feito por Ele. 8
(5) O remanescente personifica a sobrevivência da humanidade piedosa.
Em 83:7-9, o autor introduz a exortação do avô de Enoque, Maalalel, que diz:
“Que coisa terrível viste, meu filho [Matusalém]! Viste em sonho uma
poderosa visão: todos os pecados do mundo inteiro afundando no abismo e
sendo destruídos com grande destruição. Agora, meu filho,levanta-te e ora
ao Senhor da Glória, pois é homem de fé, para que um remanescente seja
deixado sobre a terra e para que toda a terra não seja eliminada”. A exortação
à oração implica que o futuro da humanidade seria personificado por meio de
um remanescente.
(6) Remanescente expressa exclusividade. 1 Enoque contrasta o
remanescente com “toda a terra” (83:8). Os justos são aqueles que seguem os
preceitos divinos e que se colocam em oposição aos ímpios. 9 Os fiéis
perseguidos pelos gentios são considerados o remanescente de Deus. Assim,
em 100:5, ele adverte que a destruição e o julgamento sobrevirão aos
pecadores. A promessa ao remanescente, por sua vez, é:
Naqueles dias, os anjos descerão a lugares secretos. Eles reunirão em
um só local todos aqueles que colaboraram com o pecado. E o Altíssimo
se levantará no dia do julgamento para executar grande juízo sobre todos
os pecadores. [Mas] Ele colocará uma guarda de santos anjos sobre todos
os justos e santos, que os guardarão como a menina dos olhos até que todo
mal e pecado sejam eliminados (v. 4, 5).
Nesse contexto, o remanescente sobreviverá por meio da proteção de Deus,
realizada através de Seus santos anjos. 10
Em suma, em 1 Enoque encontramos um conceito de remanescente que
nacionaliza a lealdade à aliança. A participação no remanescente escatológico
é evidenciada de maneira implícita. Pessoas pertencentes à nação de Israel
que demonstram lealdade à aliança serão membros do remanescente
escatológico. É possível detectar alguns elementos de continuidade em
relação ao Antigo Testamento, mas o caráter inclusivo presente nesse não é
encontrado em 1 Enoque.
O remanescente no Livro dos Jubileus
O Livro dos Jubileus apresenta uma visão triunfalista de um remanescente
nacionalista, 11 segundo a qual qualquer pessoa que não pertencesse à aliança
por meio da circuncisão fazia parte dos “filhos da destruição” (15:26). Há três
perspectivas distintas associadas à ideia de remanescente no Livro dos
Jubileus:
(1) O povo remanescente se separa dos gentios. O leitor recebe a seguinte
ordem: “Separai-vos dos gentios, e não comais com eles, e não façais atos
como os deles. Pois suas ações são impuras, e todos os seus caminhos,
contaminados, desprezíveis e abomináveis” (22:16). No Livro dos Jubileus, a
divisão entre Israel e as nações gentias consiste, na verdade, na divisão entre
o bem e o mal. Os não israelitas são chamados de “filisteus” e devem ser
amaldiçoados (24:28). Já se afirmou corretamente que “amaldiçoar os
filisteus não faz parte da tradição bíblica. Reflete a atitude do autor com
respeito aos habitantes de sua época da área considerada como Filístia”. 12
(2) O remanescente fiel é um instrumento de destruição. De modo
semelhante à destruição dos filisteus, os gentios devem ser expurgados da
Palestina: “E eles [os servos de Deus] expulsarão seus inimigos e os justos
verão e darão louvores (23:30b). O Livro dos Jubileus relata a destruição de
outras nações: “E não lhes restará remanescente algum, ninguém escapará do
dia de ira do julgamento” (24:30). A declaração de que “remanescente
algum” restaria antecipa o dia em que os gentios deixariam de existir, em vez
de serem inclusos na comunidade remanescente. A mensagem clara é que
“nenhum cananeu será poupado no dia do juízo”. 13
(3) O remanescente existe na forma dos eleitos de Deus. Embora o termo
“remanescente” ocorra apenas duas vezes no Livro dos Jubileus, seu status se
encontra implicitamente conectado à eleição de Israel. Deus escolheu Israel
dentre todas as outras nações (2:19-21; 15:11, 32). Quer sua sobrevivência
seja garantida por meio de uma “segunda semente” (4:7), quer por meio de
Noé (5:5), Israel sempre existirá. Como o povo escolhido de Yahweh, ele
estará imune à destruição no dia do juízo. 14
Em suma, no Livro dos Jubileus, o remanescente é composto pelos
israelitas que sobreviverem, testemunharem e, acima de tudo, se regozijarem
com a aniquilação final de seus opressores gentios. Essa visão nacionalista do
remanescente é fortemente enfatizada e promovida.
O remanescente em 4 Esdras 15
É consenso entre os pesquisadores que 4 Esdras foi escrito durante o
despertar da revolta fracassada dos judeus contra os romanos e a destruição
do segundo templo no ano 70 d.C. Do ponto de vista literário, seu autor está
reagindo a um acontecimento catastrófico: a invasão babilônica (ou seja, a
destruição de Jerusalém). Por meio de uma série de diálogos entre o
pseudônimo Esdras e o anjo, podemos identificar uma luta que oscila entre a
teodiceia e a escatologia. 16 Embora Deus tenha escolhido Israel, Ele não
removeu o coração ímpio; por isso, a Torá não era capaz de superar a
condição do povo. Curiosamente, Deus escolheu punir Israel por meio de
Babilônia, nação igualmente ímpia (3:26-36). O principal problema de Esdras
é com os gentios. É nesse ponto que a escatologia (4:22-25) provê respostas
ao dilema que ele está enfrentando.
Em 4 Esdras, o tema do remanescente é contrastado com o pano de fundo
escatológico do conceito de duas eras, segundo o qual a história é
esquematizada em duas partes: a era presente que será destruída e seguida
pela era messiânica (por exemplo, 6:7-10, 34; 7:12, 13, 29-31; 8:1, 46). O
remanescente é formado tanto pelos historicamente fiéis que, como Noé,
sobreviveram a uma catástrofe (3:8-11), quanto pela geração escatológica
final dos “poucos” fiéis, os quais vivenciarão as calamidades messiânicas do
fim dos tempos (6:25; 7:27; 9:7, 8; 13:16, 19). É possível afirmar que, em 4
Esdras, “a salvação repousa não somente sobre o futuro do povo da aliança,
mas também sobre o destino do indivíduo”. 17 É nesse contexto que aparecem
os sete aspectos a seguir sobre o remanescente:
(1) O remanescente é formado pelos “poucos” que vivem de maneira justa.
Em 4 Esdras 8:3, é declarado: “Muitos foram criados, mas poucos se
salvarão.” A ideia presente no livro de que poucos se salvarão se fundamenta
no relato do dilúvio. Noé é o primeiro personagem do Antigo Testamento a
ser chamado de “justo” (Gn 6:9). Lemos: “Assim como a morte sobreveio a
Adão, veio o dilúvio sobre eles. Mas Tu fizeste sobrar um deles, Noé e sua
casa, e todos os justos de sua descendência” (3:8-11). Nesse excerto, Noé é
caracterizado como o progenitor tipológico dos justos na história sagrada
hebraica. Em vários pontos da literatura judaica, Noé personifica o
remanescente ideal (por exemplo, 1 Enoque 106:18, 19; 4 Esdras 3:11;
Eclesiastico 44:17) e aponta para o fato de os justos serem minoria (confira
7:50, 51; 8:1, 2). Nessa discussão, Noé, como o progenitor do remanescente,
representa a continuação da linhagem de justos que adoram a Deus.
Contudo, após delinear a atividade de Deus na história (3:5-36), o anjo
Uriel garante a Esdras que o mal e a injustiça da era presente logo terminarão
(4:26), mas assim como no Dilúvio isso ocorrerá “no devido tempo”. 18 Como
examina exatamente quando a injustiça acabará, Esdras recebe a resposta de
que isso ocorrerá “quando o número daqueles como vós estiver completo”
(4:36). Somente Deus conhece esse número final, mas, certamente, serão
poucos (7:48, 60). Esse testemunho à vida de Esdras ganha significância
escatológica, uma vez que ele é lembrado que sua era “se aproxima
rapidamente do fim” (4:26). Ele recebe a promessa de que, muito embora a
maldade fosse aumentar até o fim (5:1-4), os justos seriam protegidos.
(2) O tema do remanescente é ligado à teodiceia. Esdras correlaciona de
maneira sistemática a teodiceia à escatologia (confira 6:59; 7:26-34). A
promessa de uma existência futura para os fiéis é guardada como a solução
para a injustiça que a comunidade vive. O tema do remanescente funciona
como uma certeza de que os servos escolhidos do Senhor serão preservados
quando sobrevierem Seus juízos.
(3) O remanescente existirá num mundo transformado pelo julgamento
final e pela salvação. A ideia de remanescente também aparece na segunda
visão de Esdras. A segunda seção do livro continua a escatologia de duas eras
(6:2). Os questionamentos: “Qual será o divisordas eras?” e “Quando será o
fim da primeira era e o início da era seguinte?” preparam o leitor para outra
descrição dos sinais da era presente expressa em termos de infortúnio
cósmico e social (6:21-24).
O livro de 4 Esdras deixa claro que os justos povoarão a terra porque todos
os seus habitantes “serão transformados e se converterão a um espírito
diferente”; “a fidelidade florescerá, a corrupção será derrotada e a verdade
[...] se revelará” (v. 28). Não fica claro se o remanescente exercerá papel
ativo na transformação da terra ou se a receberá de forma passiva.
(4) O status de remanescente garante a sobrevivência física. Na figura
escatológica completa apresentada por Esdras, o remanescente é mencionado
como um grupo que sobrevive fisicamente ao julgamento. Em 7:26-37,
somos informados que a terra escondida será revelada, e toda alma “liberta”
verá as maravilhas, o Messias será revelado juntamente com aqueles que O
seguiram e aqueles que permanecerem “se regozijarão com Ele” por
quatrocentos anos. Então, o Messias morrerá e seus seguidores humanos
morrerão junto com ele, enquanto o mundo vai retornar ao silêncio primitivo.
“Aqueles que permanecerem” são o remanescente. Eles surgem como
resposta à pergunta de Esdras sobre por que o povo estava desapropriado. Ele
fica, então, sabendo que o remanescente herdará a terra somente depois que
esta for purificada do pecado e da maldade.
(5) A ideia de remanescente é estreitamente associada à terra. O tema do
remanescente passa a ter caráter territorial em 12:33 e 34. Esse trecho
constitui uma passagem remanescente explícita, encontrado na interpretação
da “visão da águia” (12:4-39). Dentro do contexto de julgamento, repreensão
e destruição final dos ímpios, a promessa relacionada à terra é a seguinte:
“Mas, em Sua misericórdia, livrará o remanescente do meu povo, aqueles que
foram salvos em todas as minhas fronteiras, e os fará jubilosos até que venha
o fim, o dia do juízo, do qual lhe falei no princípio” (v. 34). Nesse caso em
específico, o remanescente é composto por aqueles na terra que vivenciarão
alegria e júbilo até a chegada do fim. No Antigo Testamento, o livramento
prometido ao remanescente constitui evidência do favor divino (confira Êx
15, 16; Dt 8, 27, 28).
(6) O remanescente passará por um livramento escatológico. Outra
referência ao remanescente é encontrada na interpretação do “homem do
mar” (13:25, 26). Esse homem é “Meu Filho” (v. 32, 37), aquele “a quem o
Altíssimo tem ocultado por eras” (v. 26). Ele “livrará Sua criação” e
“direcionará aqueles que restarem”.
(7) A proteção do remanescente e a observância dos mandamentos de
Deus. Phillip Esler notou a conexão estreita entre lei e escatologia em 4
Esdras. Ele observou que “a salvação no mundo vindouro depende da
submissão à lei neste mundo”. 19 No anexo cristão a 4 Esdras, 20 a relação
entre obediência e ideia de remanescente aparece no contexto das predições
finais de guerra, destruição e perseguição (15:1-16:73). O texto diz assim:
“Ouvi, Meu povo escolhido, diz o Senhor. Eis que dias de tribulação estão à
porta, mas eu vos livrarei deles. Não temais, nem duvideis, pois Deus é vosso
guia, vós que guardais meus mandamentos e preceitos, diz o Senhor Deus”
(16:74-77). A promessa do remanescente funciona como clímax dos terrores
descritos no livro.
Em suma, no livro de 4 Esdras, os remanescentes são aqueles que
sobreviverem as calamidades messiânicas e a grande batalha final do
Redentor (12:34; 13:26). São uma pequena minoria (7:47, 48, 60; 8:1-3; 9:21,
22), que guarda os mandamentos de Deus. A repetida ênfase na relação com a
ideia de remanescente serve para salientar o papel da proteção divina. De
acordo com o livro, estar entre o remanescente significa presenciar a
vingança de Deus sobre os conquistadores estrangeiros. Não há previsão de
reconciliação. Livramento e vindicação pertencem apenas ao remanescente
que permanecer na terra.
O remanescente em 2 Baruque
O 2 Apocalipse de Baruque se assemelha tanto a 4 Esdras que alguns
estudiosos já debateram se não é um livro dependente desse. 21
Provavelmente, foi escrito após o ano 70 d.C. Uma análise do tema do
remanescente em 2 Baruque revela três perspectivas concernentes a esse
assunto:
(1) O remanescente e as boas obras. O status de remanescente parece ser
conquistado por meio do acúmulo de boas obras (14:22). 22 Mais adiante,
lemos: “Pois eis que vêm os dias nos quais os livros serão abertos, contendo
os pecados de todos os pecadores e, além disso, também os tesouros em que
se acumula a justiça de todos os que se provaram justos” (24:1). O
remanescente representa um grupo escatológico que sobreviverá para tomar
parte no reino messiânico.
(2) O remanescente e a terra. Aqueles que faziam as obras desejadas
também deveriam ocupar as terras físicas de Israel. A ocupação da terra
constitui pré-requisito para receber proteção. É nesse contexto que aparece a
primeira referência ao remanescente em 2 Baruque: “E ele me respondeu
dizendo: Isso que sobrevirá naquele tempo ocorrerá em toda a Terra.
Portanto, todos que viverem notarão. Pois, naquele tempo, protegerei apenas
aqueles que se encontrarem nesta terra” (29:2). A promessa de proteção ao
remanescente é explicitamente limitada aos que estiverem na terra. Repetidas
vezes é dito que a terra será protegida durante as tribulações por vir (29:2;
40:2; 71:1). Em harmonia com as promessas veterotestamentárias de
renovação da terra, essa, sem dúvida, consiste no território de Israel.
É importante salientar que, em 2 Baruque, o Senhor provê para o
remanescente no tempo de angústia (29:5-8). Até mesmo as antigas fontes de
superstição e medo, o leviatã e o beemote, serão fonte de alimento para esse
grupo. Eles recebem a informação de que esses dois grandes monstros
servirão de alimento para “todos que restarem” (v. 5). A proteção e a
provisão convergem para assegurar aos leitores que eles não serão deixados
para cair novamente na ruína. Esse é um aspecto importante da teologia do
remanescente em 2 Baruque. A Torá é associada à sobrevivência do
remanescente. 23
(3) O remanescente e a execução dos opressores. A promessa de vitória do
remanescente sobre seus opressores se torna evidente em outra passagem:
O último governante que for deixado vivo naquele tempo será
aprisionado, enquanto toda a hoste será destruída. E ele será levado ao
monte Sião, onde Meu Ungido o condenará por todos os seus atos maus;
reunirá e colocará diante dele as obras de suas hostes. E depois dessas
coisas, Ele o matará e protegerá o restante [isto é, o remanescente] do
Meu povo que será encontrado no lugar que escolhi (40:2).
O Ungido aprisiona o último governante enquanto destrói sua hoste. Essa
passagem aparece na interpretação do apocalipse da floresta, da vinha, da
fonte e do cedro (capítulos 35-40). Mais uma vez, a comunidade oprimida
recebe a certeza de que a proteção de Deus se dará sobre a terra e, portanto, o
remanescente sobreviverá aos terrores desse apocalipse final.
Em suma, a ideia de remanescente em 2 Baruque se encontra associada a
temas tradicionais do Antigo Testamento: julgamento, salvação, vindicação,
proteção, lealdade à aliança e existência futura. Todavia, também está
relacionada à ideia de livramento da terra. Portanto, em 2 Baruque, o conceito
de remanescente, assim como em 4 Esdras, apresenta caráter territorial.
Síntese
Na literatura apocalíptica judaica não canônica pesquisada, o conceito de
remanescente foi apropriado prima facie do Antigo Testamento. Os autores
apocalípticos empregavam linguagem semelhante à dos profetas do Antigo
Testamento. Contudo, a concepção de remanescente difere de maneira
significativa. No Antigo Testamento, a doutrina do remanescente promete
que este sobreviverá para cumprir o propósito universalista de sua eleição:
estender o conhecimento do Deus de Israel a todo o mundo gentio (por
exemplo, Is 19:25; 45:20, 22; 51:5; 56:7; 66:19; Zc 8:23; 14:16). O tema do
remanescente encontrado nas obras apocalípticas judaicas é basicamente
nacionalista (isto é,Israel, não outras nações), sectário (nosso grupo, não o
deles), restritivo (indivíduos que aderem ao grupo, não os judeus em geral) e
territorialista (Israel, não Roma, Egito, etc.). A salvação se achava reservada
para o remanescente de Israel, mas raramente (e, mesmo nesse caso, apenas
de maneira indireta) aos gentios. O foco principal parece estar no privilégio
de sobreviver com base em obras de obediência como resposta à aliança.
O remanescente na literatura de Qumran
A literatura de Qumran é, em geral, datada entre o 2º século a.C. e o 1º
século d.C. 24 Embora apresentem perspectivas apocalípticas, os documentos
de Qumran também refletem uma compreensão separatista, exclusivista e
altamente sectária do conceito de remanescente. Assim como no Antigo
Testamento, as raízes hebraicas para o termo “remanescente” aparecem nos
documentos de Qumran. 25 Grandes especialistas em Qumran documentaram
uma autoconsciência remanescente entre os qumranitas. 26 James VanderKam
expressa esse consenso quando afirma: “O povo que vivia em Qumran e
arredores acreditava firmemente fazer parte do remanescente escolhido por
Deus para ser um exemplo de justiça e verdade”. 27 John Collins observou
que os sectários de Qumran se consideravam “um grupo eleito dentro de
Israel [...], o verdadeiro Israel”. 28 Qumran se enxergava como uma
comunidade escatológica. 29 Os não qumranitas, que estavam fora da yadad
(comunidade), não eram tidos como membros do povo escolhido. 30 Portanto,
os textos de Qumran fornecem um vislumbre intrigante de uma interpretação
intensamente sectária das profecias veterotestamentárias relativas à salvação
e à teologia do remanescente. 31 A análise a seguir apresenta quatro
descobertas que proveem o pano de fundo para o conceito de remanescente
contido no livro de Apocalipse:
(1) Os qumranitas se consideravam o remanescente escatológico. 32
Resumindo, os qumranitas se enxergavam como “o remanescente de seu
povo” (1QM 14:8, 9). A salvação viria por meio da misericórdia divina a
eles, o único e verdadeiro remanescente (CD 2:11; 1QHa 6:8; 1QM 14:9),
quando Israel deixasse de existir (CD 3:13; 1QM 13:8). Somente eles
praticavam os “mandamentos” (CD 3:12) e observavam “toda a Torá”
(4QFlor 2:2). 33 A observância da Torá os prepararia para sobreviver ao
conflito escatológico. Separar-se dos sectários ou deixá-los significava “não
ter remanescente ou sobrevivente” (CD 2:6, 7; 19:10; 1QS 5:13).
Fica claro que a comunidade de Qumran refletia sua autoconsciência como
remanescente. 34 Como acreditavam viver nos últimos dias, o termo
“remanescente” é particularmente apropriado para o autoconceito exclusivista
dos qumranitas. Remanescentes autoprofessos, afirmavam com consistência
que eles (e somente eles) desfrutavam um status especial diante de Deus. Eles
proclamavam: “Somos remanescente de seu povo” (1QM 14:8). Esse
autoconceito é evidenciado no Documento de Damasco: “Mas com o
remanescente que se apegou aos mandamentos de Deus, Ele fez Sua aliança
com Israel para sempre, revelando a eles as coisas ocultas em que todo Israel
caíra”. 35
É preciso concordar com Vermes quando este afirma que os sectários “não
somente se consideravam o ‘remanescente’ de seu tempo, mas o
‘remanescente’ de todos os tempos, o ‘remanescente’ final”. 36 No entanto, de
acordo com 1QS 1:16-20, outros judeus também poderiam se unir à
comunidade e, assim, obter a salvação. 37 Essa autoconsciência remanescente
resultou na criação de uma distância física e social da sociedade judaica em
geral.
(2) Qumran representava uma retirada geográfica e também relativa ao
sistema de culto de Israel. Como discutimos anteriormente, a literatura
apocalíptica judaica representa um protesto “de dentro da sociedade” contra a
apostasia observada em Israel. Entretanto, Qumran levou o protesto contra a
secularização judaica a outro nível: passou a exigir dissociação da sociedade
judaica como um todo. Os documentos de Qumran apresentam o status de
remanescente e o ritual de pureza como inseparáveis. Portanto, o conceito de
remanescente na literatura de Qumran funciona como uma intensificação do
sectarismo palestino. 38 Os qumranitas praticavam uma teologia remanescente
segregacionalista, que os isolava (e, a seu ver, os livrava) da maldade
acintosa de sua época. 39
A retirada de Qumran para o deserto foi escolhida devido à conexão desse
local com as profecias do Antigo Testamento. 40 Os qumranitas se
consideravam “filhos da luz” (1QS 4:22; 8:1-5), obrigados a odiar os “filhos
das trevas” (1QS 1:3, 4, 9, 10). A separação física era, para eles,
absolutamente necessária. Essa visão de compromisso asceta surgiu da crença
de que Deus havia escolhido a comunidade e outorgado segredos especiais a
ela (1QpHab 7:4, 5). Somente eles eram “os eleitos” (1QSa 2:7), ou seja, o
remanescente. Essa autoavaliação confiante fica evidente no Salmo de
Retorno, do Manuscrito de Guerra: “Entre os pobres de espírito [há poder]
sobre os duros de coração, e pela perfeição de caminhos todas as nações
ímpias chegaram ao fim: nenhum de seus homens poderosos está de pé, mas
nós somos o remanescente [do Teu povo]” (1QM 14:7, 8).
A compreensão acerca do remanescente também pode ser observada no
Documento de Damasco: “Pois quando eles foram infiéis e O abandonaram,
Ele escondeu Sua face de Israel e de Seu santuário, e os entregou à espada.
Mas deixou um remanescente [še’ērît] em Israel e não os entregou à
destruição” (CD 1:3-5). Os qumranitas acreditavam consistir eles mesmos
num remanescente separado que Deus deixara em Israel (CD 1:7; 6:2, 3). Na
verdade, se Israel se considerava o remanescente de Deus, os qumranitas se
enxergavam como o que se poderia chamar de “remanescente” do
remanescente (CD 1:4). É possível concluir que “a autoidentificação das
comunidades de Damasco como o remanescente marca uma cisão definitiva
com o povo judeu como um todo”. 41 Qumran se via como o portador
exclusivo das promessas da aliança (1QpHab 2:3; CD 6:19; 8:21, 19:33, 34).
42 Eles eram guardadores dos mandamentos de Deus na expectativa de seu
messias (1QS 5:5, 6; 8:5-9; 9:5; CD 3:19). Sua forma única de submissão à
aliança os levou a julgar os compatriotas israelitas, conforme veremos na
próxima seção.
(3) Os judeus que não pertenciam à seita de Qumran estavam destinados à
destruição. O Documento de Damasco exprime a destruição total que
aguardava aqueles que não pertenciam à comunidade: “Com Ele estão a
paciência e muito perdão para os que se afastam da transgressão; mas há
poder e grande ira inflamada por meio das mãos de todos os Anjos de
Destruição destinados aos que se afastam do caminho e abominam o Preceito.
Não terão remanescente ou sobrevivente” (CD 2:4-7). Não ter
“remanescente” quer dizer que os violadores da aliança não teriam
posteridade e, por isso, não dariam continuidade a sua linguagem. Os
qumranitas consideravam todos aqueles fora de sua comunidade como “filhos
das trevas”, que haviam abandonado a aliança (CD 5:11). Todos fora da
aliança (isto é, os israelitas apóstatas) seriam aniquilados (1QS 3:20, 21;
confira 1QM 3:9-19). Se os judeus não pertencentes à comunidade estavam
perdidos, os gentios, obviamente, se encontravam em situação muito pior.
(4) Os gentios não tinham esperança de salvação. Os qumranitas
manifestavam uma atitude extremamente negativa em relação aos gentios. 43
Lawrence Schiffman observa que os sectários de Qumran se identificavam
como separados dos não judeus de duas maneiras: (1) eles não adoravam
ídolos; e (2) eles eram o povo escolhido (ou seja, o remanescente) que
herdaria a terra no “fim dos dias”. 44 Mas, primeiro, a terra deveria ser
purificada do paganismo incessante que nunca fora completamente
erradicado da Palestina. 45
Claramente, toda esperança de um remanescente universal desapareceu no
conceito defendido pelos membros da comunidade de Qumran. Isso
representa um contraste com a visão veterotestamentária da eleição universal
do povo de Deus. Os qumranitas empregavam dois termos para identificar os
gentios desprezados e impuros: kittîme gôyîm. A palavra kittîm identifica os
ocupantes de seu país. 46 Esse nome é associado à cidade costeira de Citium,
localizada na ilha de Chipre. O termo se tornou um codinome dentro da
comunidade para os romanos (confira QpHab 2:12; 3:4, 9; 6:4; e Josefo,
Jewish Wars 6.316). Os qumranitas deveriam expulsar os gentios. Estes eram
julgados pelos inimigos de Yahweh (1QM 12:11) e, em consequência disso,
não se qualificavam para entrar no templo escatológico (4Qflor 1:4). Eles
eram idólatras, destituídos da presença de Yahweh (1QpHab 12:13; 13:3, 4).
Por essas razões, a aversão aos gentios se tornou característica essencial da fé
dos qumranitas.
Síntese
O conceito de remanescente da comunidade do Mar Morto possuía caráter
sectário e exclusivista. Os qumranitas se consideravam o remanescente de
Israel. Repetidas vezes, afirmaram desfrutar um status especial diante de
Deus devido a sua lealdade à aliança. Todos que não pertenciam à seita eram
vistos como apóstatas da aliança ou simplesmente gentios. Os apóstatas
tinham a possibilidade de se comprometer com a comunidade da aliança,
aderir à vida asceta dos qumranitas e, assim, tornarem-se participantes da
comunidade. Já os gentios não podiam se unir ao grupo. Ainda mais
surpreendente é a ideia de que, para Qumran, os “filhos da luz” receberiam
ajuda de anjos para se unirem em um combate que contribuiria para a derrota
dos “filhos das trevas” (1QM 1:10, 7:6, 19:1). Em contraste, o Combatente de
Deus, no Apocalipse, é o Cavaleiro no cavalo branco (Ap 19:11-21) que dará
seguimento à última batalha contra o mal. Os remanescentes de Deus no
Apocalipse nunca são apresentados carregando armas físicas. Eles se engajam
em vencer o mal usando meios não militares: “por causa do sangue do
Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram” (Ap 12:11). Em
Qumran, a vitória sobre os inimigos de Deus é conquistada; no Apocalipse,
ela é recebida porque é o Senhor quem realiza a batalha contra Seus
inimigos.
Conclusão
Após o período do Antigo Testamento, ideias específicas relacionadas à
questão do remanescente continuaram a se desenvolver. Como pôde ser
observado a partir dos excertos de literatura intertestamentária analisados
neste artigo, as ideias acerca do remanescente possuem natureza
substancialmente diferente das apresentadas nas Escrituras, mesmo levando
em consideração os elementos de continuidade que existem. A característica
inclusiva do remanescente foi substituída por sectarismo intenso (CD 1:4;
1QM 14:8). A visão de um remanescente inclusivo nesse tipo de literatura foi
truncado por um nacionalismo exacerbado (Jb 15:26; 24:28). Na verdade, há
elementos distintamente antigentílicos, enquanto no Novo Testamento, em
especial no Apocalipse, observarmos a fé cristã interagindo com ambientes
gentios e dentro deles. A literatura intertestamentária pesquisada contém
elementos da teologia da semente, mas a ideia é que a semente garante a
sobrevivência. O Apocalipse aponta para a “semente [descendência] da
mulher” e tudo que a Cristo se relaciona como aquele que garante a vitória
sobre o inimigo (Ap 12:17; 2:27-29; 12:11; 14:1-3; 15:1-4). No período
intertestamentário, encontramos uma ideia de remanescente que é, em alguns
casos, territorializada, conectada à terra de Israel. Nas Escrituras, o panorama
é de “um novo céu e uma nova Terra” (Is 65-66; Ap 21:1-5).
 
1 Veja, por exemplo, James H. Charlesworth (ed.), Old Testament Pseudepigrapha, v. 1 (Nova York:
Doubleday, 1983); J. J. Collins & J. H. Charlesworth (eds.), Mysteries and Revelations: Apocalyptic
Studies Since the Uppsala Colloquium (Sheffield: JSOT Press, 1991); J. J. Collins, The Apocalyptic
Imagination: An Introduction to the Jewish Matrix of Christianity (Nova York: Crossroad, 1998);
Stephen Cook, Prophecy and Apocalypticism: The Post-Exilic Social Setting (Minneapolis: Fortress
Press, 1995); Paul D. Hanson, Visionaries and Their Apocalypses (Philadelphia: Fortress, 1983); e
Phillip Vielhauer, “Apocalyptic in Early Christiannity”, em New Testament Apocrypha, v. 2, ed.
Wilhelm Schneemelcher (Philadelphia: Westminster, 1989), p. 587-594.
2 Veja D. S. Russell, Method and Message of Jewish Apocalyptic (Philadelphia: Westminster, 1964),
p. 297, 298. Sobre a ideia de que os gentios não têm esperança de salvação, ver 1 Enoque 50:2-5;
90:30, 33, 35; 91:14; 2 Baruque 40:1-3; 68:5; 72:2-6; 4 Esdras 7:36-38.
3 Veja H. E. Ryle & M. R. James, PSALMOI SOLOMŌNTOS: Psalms of the Pharisees Commonly
Called Psalms of Solomon (Cambridge: Cambridge University Press, 1981), p. 73, 81.
4 A data do princípio da composição de 1 Enoque geralmente é atribuída ao início do período pré-
macabeu e é provável que o livro tenha sido concluído até a primeira parte do 2o século d.C. É
amplamente considerada uma obra composta, a qual apresenta vários períodos e autores. As citações
em português da literatura apocalíptica judaica constituem, de modo geral, traduções livres da obra Old
Testament Pseudepigrapha, v. 1 e 2, exceto nos casos em que outra fonte é devidamente indicada.
5 Os estudiosos, em sua maioria, concordam que os capítulos de abertura e conclusão de 1 Enoque
são acréscimos cristãos ao livro. Contudo, mesmo essas seções refletem o pensamento acerca do
remanescente presente no 1o século d.C.
6 Em Daniel 7:21, 22, uma vindicação similar é retratada. Os santos, sob a tirania do poder do chifre
pequeno, são vindicados no julgamento. Esse tema apocalíptico, do julgamento como punição dos
ímpios e, simultaneamente, vindicação dos justos, se encontra implícito nessa passagem de 1 Enoque.
Para saber mais sobre o texto de Daniel, veja Gerhard F. Hasel, “The Identity of ‘The Saints of the
Most High’ in Daniel 7”, Bib 56 (1975), p. 173-192; Gerhard Pfandl, Daniel: The Seer of Babylon
(Hagerstown, MD: Review and Herald, 2004), p. 72. Para encontrar sustentação à perspectiva da
vindicação dos santos em Daniel 7:21 que inclui uma breve discussão do ponto de vista alternativo,
confira Arthur Ferch, “The Judgement Scene in Daniel 7”, em The Sanctuary and the Atonement:
Biblical, Historical, and Theological Studies I, ed. A. V. Wallenkampf & W. Richard Lesher
(Washington, DC: Review and Herald, 1981), p. 166, 167.
7 Walter C. Kaiser, em “Zerac”, TWOT, v. 1, p. 252, menciona as quatro categorias semânticas
básicas às quais zerac se refere: (1) o tempo de semear; (2) a semente que é semeada; (3) a categoria
biológica da semente como o sêmen masculino; (4) semente como a descendência de uma linhagem de
patriarcas ou matriarcas específicos. “Semente” também funciona como sinônimo de justos em 1
Enoque.
8 Siegfried Schultz, “Sperma, speirō, spora”, TDNT, v. 7, p. 537, afirma que os gregos usavam o
termo sperma para se referir à descendência divina. Veja Mark A. Elliot, Survivors of Israel: A
Reconsideration of the Theology of Pre-Christian Judaism (Grand Rapids: Eerdmans, 2000), p. 314-
328.
9 O livro de 1 Enoque estabelece um claro contraste entre justos e ímpios: (1) os justos são os
“eleitos” (1:3, 8; 5:8; 93:1, 5, 10); (2) os ímpios serão destruídos, enquanto os justos prosperarão (1:8,
9); (3) os justos são considerados o eleito escatológico (93:10); (4) o remanescente justo é a semente de
Noé que sobreviverá à catástrofe (10:3, 7; 67:1-8).
10 A ideia de anjos santos guardando os justos lembra o Antigo Testamento. Veja Salmo 91:10 e
Daniel 4:13, 17, 23.
11 O Livro dos Jubileus consiste num midrash sobre a história da salvação desde a criação do mundo
até o êxodo do Egito e do encontro com Deus no Sinai. Trata-se de um suposto relato de questões
reveladas a Moisés durante os quarenta dias que permaneceu no monte Sinai. Embora o autor se baseie
grandemente em outras seções do Antigo Testamento, a obra se encontra fundamentada, em sua maior
parte, em Gênesis e Êxodo. A maioria dos estudiosos atribui a composição do Livro dos Jubileus ao
período macabeu.
12 O. S. Wintermute, “Jubilees: A New Translation and Introduction”, em OTP, v. 2, p. 47.
13 Gene L. Davenport, The Escathology of the Book of Jubilles (Leiden:E. J. Brill, 1971), p. 54.
14 Conforme Martha Himmelfarb declara em “Jubilees and Sectarianism”, em Enoch and Qumran
Origins: New Light on a Forgotten Connection, ed. Gabriele Boccaccini (Grand Rapids: Eerdmans,
2005), p. 129-131, ao insistir numa definição ancestral/hereditária, não baseada em méritos, para a
pertença a Israel, o Livro dos Jubileus é, de outro ponto de vista, “radicalmente inclusivo” (p. 130).
Contudo, a datação da obra a um período mais tardio (a época de João Hircano, 134-104 a.C.) é mais
especulativa.
 
15 Para uma discussão sobre como os pioneiros adventistas se apropriaram de passagens apócrifas,
confira Denis Fortin, “Sixty Books or Eighty-One: Did Ellen G. White Recommend the Apocrypha?”,
AdvR, 20 de março de 2002, p. 9-12.
16 Para uma proveitosa discussão da teodiceia relacionada a 4 Esdras e 2 Baruque, veja Tom W.
Willet, Escathology in the Theodicies of 2 Baruque and 4 Ezra (Sheffield: JSOT, 1989), p. 11-33, 65-
72, 95-112, 124, 125.
17 Collins, Apocalyptic Imagination, p. 221. Collins está se referindo a 2 Baruque, mas a declaração
também se aplica a 4 Esdras, obra que o autor considera altamente relacionada a 2 Baruque em termos
de tempo e de perspectiva.
18 Michael E. Stone, Commentary on Fourth Ezra (Minneapolis: Fortress, 1990), p. 69, afirma que
isso “implica o ponto de vista da predestinação dos tempos fixos” (confira 4:33, 34; 5:49; 6:5, 6; 7:74).
19 Phillip F. Esler, “The Social Function of 4 Ezra”, JSCT 53 (1994), p. 118.
20 Confira Bruce Metzger, “The Fourth Book of Ezra: A New Translation and Introduction”, em
OTP, v. 1, p. 522.
21 Gwendolyn B. Sayler, Have the Promises Failed? A Literary Analysis of 2 Baruque (Chico, CA:
Scholars Press, 1984), p. 103-118; A. F. J. Klijn, “2 (Syriac Apocalypse of) Baruque”, em OTP, v. 1, p.
616, 617; George W. E. Nicklesburg, Jewish Literature Between the Bible and the Mishnah
(Philadelphia: Fortress, 1981), p. 287; Collins, Apocalyptic Imagination, p. 213, 222-224.
 
22 Ver 2 Baruque 14:12. A ideia de que existem tesouros celestiais consiste numa noção comum da
literatura apocalíptica desse período. 1 Enoque 17:3 afirma que Deus possui munições armazenadas
para a guerra escatológica. Contrariando isso, há a concepção paralela de que os seres humanos podem
escapar da punição que emana do depósito divino se armazenarem boas obras com Deus. O livro
Salmos de Salomão 9:5 declara: “Aquele que faz o que é correto armazena vida para si mesmo com o
Senhor e aquele que faz o mal a si mesmo leva destruição”. A ideia é de que o praticante da justiça
armazena vida para o reino futuro. Portanto, os atos de justiça nessa vida funcionam como garantia
contra a destruição. 4 Esdras 7:76 e 77 diz: “Ele me respondeu e disse: ‘Também isso te mostrarei, mas
não te associes com os escarnecedores, nem se coloque ao lado dos que são atormentados. Pois tens um
tesouro de obras acumuladas com o Altíssimo; mas este só te será mostrado no final dos tempos’”.
23 Veja Sayler, Have the Promises Failed?, p. 117.
24 Veja Geza Vermes, The Complete Dead Sea Scrolls in English (Nova York: Penguin, 1998), p.
12-14. Todas as citações diretas constituem traduções livres dessa versão inglesa.
25 A raiz š’r é traduzida como “remanescente” ou “permanecer, ficar”. Š’r ocorre 39 vezes em forma
nominal e 15 vezes como verbo na literatura de Qumran. Exemplos de formas nominais de š’r podem
ser encontrados em CD 1:4, 2:6; 1QS 4:14, 5:13; 1QSb 1:7; 1QM 4:2, 13:8, 14:5, 8, 9, etc. Formas
verbais da raiz š’r ocorrem em CD 1:4; 19:10, 13; 4QFlor 1-3ii2; 4Q268 6:2; 4Q390 1:10 e 11Q19
60:1.
A raiz š’r também pode ser achada em aramaico nos Manuscritos do Mar Morto 37 vezes, embora
quatro casos pareçam se tratar de reconstruções. As ocorrências nominais perfazem 32 usos. É possível
encontrar exemplos de usos nominais em 4Q208 1:3, 7:2, 15:5, 17:5, 19+21:2, 20:1, 23:3, 25:4; 4Q209
5:5, 6; 6:8, 9. As formas verbais de š’r podem ser vistas em 4Q537 1+2+3+1; 4Q556 14:7 e em 4Q561
3:5. As formas adjetivas de š’r ocorrem em 4Q196 13:1; 18:6. Essas passagens demonstram uma forte
consciência do status de remanescente entre os qumranitas. Para mais exemplos, Veja Martin G.
Abegg, The Dead Sea Scrolls Concordance, v. 1, parte 2 (Boston: Brill, 2003), p. 706, 929.
O termo hebraico ‘aḥarît ocorre 44 vezes, mas sua ênfase está mais deslocada para o sentido de “fim”
ou “final/finais” (dias, tempos, etc.). É possível encontrar exemplos em CD 4:4, 6:11; 1QpHab 2:5, 9:6;
1Q14 6:2; 4Q161 5-6:10; 4Q162 2:1, etc. Formas prepositivas, adjetivas e adverbiais podem ser vistas
em Abegg, idem, v. 1, p. 781.
A raiz hebraica ytr ocorre dez vezes sob forma nominal, nas quais pode ser traduzida como “restante”
ou “excesso”. Há exemplos em 1QpHab 7:7, 8:15; 9:4, 7; 4Q163 12:4 e em 4Q252 4:4. Existem
dezoito ocorrências verbais de ytr, encontradas em CD 2:11, 3:13; 1QM 2:6, 10, 14; 4Q163 12:4;
4Q252 4:4; 4Q424 1:11, etc. Uma ocorrência em aramaico é encontrada em 4Q558 33:4. Veja Abegg,
ibid., v. 1, p. 332, 849.
A raiz hebraica plṭ ocorre sete vezes em forma nominal e pode ser traduzida como “sobrevivente” ou
“fugitivo”, dependendo do contexto. Há exemplos de formas nominais de plṭ em 1QHa 11:28, 14:25,
32; 17:29, 33 e em 4Q427 14:2. Formas verbais da raiz plṭ ocorrem cinco vezes e podem ser traduzidas
como “escapar” ou “livrar”. Exemplos de formas verbais de plṭ podem ser vistas em 1QSb 1:7; 1QHa
11:10, 13:18. Uma forma nominal aramaica dessa raiz aparece apenas uma vez em 4Q206 1xxxvi18, e
pode ser traduzida como “livramento. As formas verbais em aramaico aparecem onze vezes e podem
ser traduzidas como “escapar”. Há exemplos em 1Q20 11:14; 12:17; 19:20; 22:2 e em 11Q10 32:2.
Veja Abegg, ibid., v. 2, p. 908.
A raiz hebraica mlṭ ocorre catorze vezes de forma verbal. Pode ser traduzida como “escapar” ou
“resgatar”. É possível encontrar exemplos em CD 7:14, 21, 19:10; 1QHa 11:9; 1Q27 1:4; 4Q183 1:3,
etc. Não há ocorrências em aramaico. Veja Abegg, ibid., v. 1, p. 451 para mais informações.
26 Veja, por exemplo, Kurt Schubert, The Dead Sea Community: Its Origins and Teachings (Nova
York: Harper and Brothers, 1959), p. 80-84; Josef Tadeuz Milik, Ten Years of Discovery in the
Wilderness (Naperville, IL: A. R. Allenson, 1959), p. 113-118; Jürgen Becker, Das Heil Gottes und
Sündenbegriffe in den Qumrantexten und im Neuen Testament (Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht,
1964), p. 60-64; Martin Hengel, Judaism and Hellenism: Studies in Their Encounter in Palestine
During the Early Hellenistic Period, v. 1 (Philadelphia: Fortress, 1985), p. 78; e Michael A. Knibb, The
Qumran Community (Cambridge: Cambridge University Press, 1978), p. 22, 23.
27 James C. VanderKam, The Dead Sea Scrolls Today (Grand Rapids: Eerdmans, 1994), p. 111.
28 J. J. Collins, Apocalypticism in the Dead Sea Scrolls: The Literature of the Dead Sea Scrolls
(Londres: Routledge, 1998), p. 111.
29 James C. VanderKam & Peter Flint, The Meaning of the Dead Sea Scrolls: Their Significance for
Understanding the Bible, Judaism, Jesus, and Christianity (San Francisco: Harper, 2002), p. 362, 363.
30 Schubert, Dead Sea Community, p. 82.
31 Os estudiosos de Qumran afirmam a importância do messianismo nas crenças desse grupo. Uma
breve síntese do papel do messianismo nos manuscritos pode ser consultada em Lawrence H.
Schiffman, Reclaiming the Dead Sea Scrolls: Their True Meaning for Judaism and Christianity (Nova
York: Doubleday, 1994), p. 323-327, em Elliot, Survivors of Israel, p. 472 e 473, e em Collins,
Apocalyptic Imagination, p. 157-166.
 
32 Essa autocompreensão escatológica é revelada no pesher de Habacuque da comunidade de
Qumran. Os qumranitas falam dos últimos dias de duas maneiras: geral e técnica. Por exemplo,
1QpHab usa a expressão “fim dos dias” em 2:5-9 quando descreve os apóstatas que não estão dispostos
a aceitar a mensagem do Mestre da Justiça. Tais apóstatas são contemporâneos ao comentarista. Esse é
o sentido geral da expressão. Posteriormente, o autor parece se referir aos últimos dias como um tempo
no futuro(9:6). Para aprofundamento nesse tema, veja Helmer Ringgren, The Faith of Qumran:
Theology of the Dead Sea Scrolls (Philadelphia: Fortress, 1963), p. 152-166, e Schulbert, Dead Sea
Community, p. 98-106. Contra qualquer definição ou pré-requisito a priori do remanescente
escatológico como “aqueles que permanecem após o julgamento final dos ímpios” (veja James Watts,
“A Critique of Remnant Theme in the New Testament” [dissertação de mestrado, Southern Baptist
Theological Seminary, 1986], p. 11, 12), todas as atividades da comunidade de Qumran, incluindo a
apropriação do título autodiferencial de remanescente ocorriam com a consciência de ser parte de uma
comunidade dos últimos dias. Portanto, não era necessário para os qumranitas se denominarem
“remanescente escatológico” de maneira explícita. A identidade remanescente era estabelecida de
forma consciente num contexto de percepção da disputa da comunidade com a sociedade israelita de
modo geral. Esse fato também contradiz Huebsch, que tentou fazer “uma análise exaustiva do uso do
termo remanescente na literatura sectária de Qumran”. O pesquisador empregou o critério da relevância
“dos temas ameaça, sobrevivência e história-teologia” para determinar quais passagens abordam a
questão do remanescente. Huebsch concluiu erroneamente que a seita de Qumran não se considerava o
remanescente escatológico, mas parte de Israel. Confira Robert W. Huebsch, “The Understanding and
Significance of the ‘Remnant’ in Qumran Literature: Including a Discussion of the Use of the Concept
in the Hebrew Bible, the Apocrypha, and Psededigrapha” (tese de PhD, McMaster University, 1981).
33 Em relação a isso, a enfática afirmativa de João “Aqui [ênfase do autor] está a perseverança dos
santos, os que guardam os mandamentos de Deus”, em Apocalipse 14:12, pode ser vista como uma
polêmica contrária às reivindicações ao status de remanescente feitas pela comunidade de Qumran.
 
34 Veja Ellen Juhl Christiansen, “The Consciousness of Belonging to God’s Covenant and What It
Entails According to the Damascus Document and the Community Rule”, em Qumran Between the Old
and New Testaments, ed. Frederick H. Cryer & Thomas L. Thompson (Sheffield: Sheffield Academic
Press, 1998), p. 69-97. Christiansen explicita detalhadamente o significado de pertencer à yadad
(comunidade).
35 Geza Vermes, The Complete Dead Sea Scrolls, p. 129.
36 Ibid., p. 68, 69.
37 VanderKam (Meaning of the Dead Sea Scrolls, p. 262, 263) descreve a cerimônia anual de
detalhados rituais por meio dos quais um judeu acólito se unia à seita de Qumran.
38 Os qumranitas se caracterizavam por particularismo e separatismo. Veja Roland deVaux,
Archaeology and the Dead Sea Scrolls (Londres: Oxford University Press, 1973), p. 68, 69, 81, 97, 98.
39 Exemplos de exigência de rituais de separação e de purificação podem ser encontrados em 1QS
5:13-20; 6:15-17; 3:2; 7:24; 8:23; CD 6:17-20; 12:19, 20.
40 James C. VanderKam, An Introduction to Early Judaism (Grand Rapids: Eerdmans, 2001), p. 164,
165.
41 Alex Deasley, The Shape of Qumran Theology (Carlisle: Paternoster, 2000), p. 89.
42 A lealdade à aliança significava fazer parte do remanescente fiel de Deus. Veja também E. P.
Sanders, Paul and Palestinian Judaism (Philadelphia: Fortress), p. 245-257.
43 O conflito descrito no Manuscrito da Guerra seria travado entre os kittîm (confira 1QM 1:2, 3, 6,
9, 12). Joseph Baumgarten declara: “Como é de se esperar, a depreciação dos pagãos é mais
pronunciada no Manuscrito da Guerra, no qual expressões tais como ‘nações da impiedade’ e ‘nações
de futilidade’ são encontradas com frequência (Joseph M. Baumgarten, “Gentiles”, EDSS, p. 304, 305).
A palavra gôyîm é usada para descrever as nações de fora da Palestina (1QM 2:7; 4:12). Elas também
deveriam ser expulsas (confira Joseph Fitzmeyer, Responses to 101 Questions on the Dead Sea Scrolls
[Nova York: Paulist, 1992], p. 93, 94).
44 Lawrence Schiffman, “Israel”, EDSS, v. 1, p. 389.
45 D. Flusser, “Paganism in Palestine”, em The Jewish People in the First Century, v. 2, ed. S. Safrai
& M. Stern (Philadelphia: Fortress, 1976), p. 1065.
46 Há consenso entre os estudiosos na identificação dos kittîm com os romanos. Confira Timothy H.
Lim, “Kittim”, EDSS, v. 1, p. 469-471, e David W. Baker, “Kittim”, ABD, v. 4, p. 93.
O remanescente nos evangelhos
Clinton Wahlen - Diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica - Silver
Spring, Estados Unidos
O PROPÓSITO DESTE ARTIGO é analisar a importância do conceito de
remanescente nas ações de Jesus e/ou em Sua proclamação. 1 Convém
salientar, antes de tudo, que alguns pesquisadores defendem a não existência
do tema do remanescente nos evangelhos. 2 Outros, por sua vez, insistem em
sua “presença inegável”. 3 Um dos motivos para a existência de conclusões
diametralmente opostas se encontra na falta de consenso acerca da definição
de remanescente. Aqueles que argumentam a favor da ausência do tema do
remanescente nos evangelhos tendem a definir o conceito de forma restrita,
insistindo na necessidade da presença de terminologia específica. Portanto,
antes de analisar o conceito de remanescente nos evangelhos, é importante
fazer uma breve constatação de como a teologia do remanescente aparece no
período após o Antigo Testamento, iniciando com a Septuaginta e
prosseguindo com literaturas judaicas posteriores, inclusive os Targumim. 4
Este estudo de modo algum pretende esgotar o tema, mas ressaltar alguns dos
elementos mais importantes para nossa compreensão da obra de João Batista
e de Jesus com respeito a Israel e ao remanescente. 5
Antecedentes do conceito de remanescente
Conceito judaico de remanescente
As principais formas hebraicas para “remanescente” (derivadas de š’r e
’ryt) são traduzidas na Septuaginta com variadas formas de leipō (“deixar
para trás”), loipos (“outros”, “o resto”), leimma (“remanescente”) e sōzō
(“salvar”, “preservar”). 6 Enquanto as duas primeiras aparecem 33 vezes nos
evangelhos canônicos, elas nunca são empregadas no sentido técnico de
“remanescente”, mas no sentido mais geral de “deixar” ou “os outros”. 7
Contudo, outros termos paralelos à terminologia do remanescente são usados
na Septuaginta, incluindo variações de sperma (“semente”) 8 e oligos
(“poucos”), 9 as quais ocorrem nos evangelhos em contextos que evocam o
conceito de remanescente. Vocabulário mais específico relativo ao
remanescente (as várias formas de leimma, “remanescente”) ocorre apenas
duas vezes no Novo Testamento (Rm 9:27; 11:5) e é igualmente raro na
Septuaginta. 10 São bem mais comuns as várias formas de loipos (“o resto”).
11 Ao mesmo tempo, é importante lembrar que, a despeito da ausência de
terminologia do remanescente, a teologia do remanescente pode mesmo
assim estar presente. 12
Desenvolvimento adicional do conceito de remanescente
Na literatura judaica do período do segundo templo, a terminologia do
remanescente continua a ser empregada de maneira positiva, no sentido de
preservação, e negativa, no sentido de destruição total iminente, num reflexo
do uso canônico hebraico. Nesta seção, iremos nos concentrar nas ocasiões
em que houve significativa mudança ou elaboração nos escritos judaicos em
relação ao texto hebraico latente e observar como os desvios realizam
desenvolvimentos adicionais ao conceito de remanescente.
(1) Teologia da semente. A história do Dilúvio, quando somente Noé e sua
família foram poupados da destruição, se torna fonte de esperança na
literatura judaica posterior. 13 O livro Sabedoria de Salomão a descreve como
o plantio de uma nova “semente” (sperma) humana: “A esperança do mundo
se refugiou numa embarcação e, guiada por Tua mão, deixou ao mundo a
semente de uma nova geração” (14:6). 14 Filo, de modo semelhante, compara
Noé a uma árvore carregando os três “frutos” de Israel, isto é, Abraão, Isaque
e Jacó. 15 Como sua casa se mostrou “digna da graça divina”, tornou-se
“semente e faísca de uma nova raça da humanidade”. 16 Essa ênfase moralista
continua nos Targumim, que descrevem Noé como aquele que “andou nareverência do Senhor” 17 e como “perfeito em boas obras”. 18
Como contraponto a essa boa “semente”, a Septuaginta ocasionalmente
introduz a ideia de uma má “semente”, não encontrada no texto hebraico. 19
Ao narrar a derrota de Ogue, rei de Basã, Moisés declara: “Ferimo-lo, até que
lhe não ficou nenhum sobrevivente [śārîd]” (Dt 3:3). A Septuaginta traduz a
última parte do verso da seguinte maneira: “até que não ficou nenhum de sua
semente [sperma]”, enfatizando o extermínio ostensivo dos inimigos de
Israel, ideia que também aparece na interpretação de Números 24:17-19 feita
pelo Manuscrito da Guerra. O cetro messiânico “esmagará os templos de
Moabe, [...] destruirá todos os filhos de Sete [...] [e] exterminará o
remanescente [śārîd] da cidade” (1QM 11:6, 7). A versão da Septuaginta dos
oráculos de Balaão também é interessante. Nela, a “poeira de Jacó” se
transforma em “semente de Jacó” e o profeta ora: “Que minha semente seja
como a deles” (Nm 23:10). Outra passagem do Antigo Testamento, Isaías
1:9, referindo-se à sobrevivência de Jerusalém à invasão assíria, também
traduz “remanescente” (śārîd) como “semente” (sperma): “Se o Senhor dos
Exércitos não nos tivesse deixado uma semente...”. 20 Conforme ilustram
esses exemplos, o conceito de remanescente passou a incluir a ideia de
preservação de uma “semente santa”. 21
(2) Quantificação do remanescente. No Antigo Testamento, a preservação
de um remanescente não é baseada em seu tamanho, mas na misericórdia de
Deus. 22 Quando o remanescente é, de alguma forma, quantificado, o número
é expresso em termos de uma pequena minoria, como um décimo (Is 6:13) ou
um terço (Zc 13:8, 9). A noção de uma quantidade limitada de pessoas fiéis
dentro de Israel se torna visível pela primeira vez na certeza dada a Elias por
Deus de que deixaria sete mil como remanescente (š’r), “todos os joelhos que
não se dobraram a Baal” (1Rs 19:18). 23 Tal distinção dentro de Israel entre
os fiéis e infiéis a Deus é desenvolvida em passagens como Malaquias 3:16-
18 e em tradições judaicas subsequentes. Aparece também no Novo
Testamento, relacionada à restauração de Israel, 24 e, mais particularmente, é
usada por Jesus em termos de um remanescente devoto e purificado
(Mc 9:11-13; ver 4:11, 12). 25
Há trechos da Septuaginta que desenvolvem ainda mais a noção de um
pequeno remanescente dentro de Israel. Numa visão apocalíptica do
julgamento de Deus ao mundo, Isaías vê “poucas pessoas” (anthrōpoi oligoi)
sendo deixadas em Israel (24:6). 26 Da mesma forma, aqueles que suplicavam
que Jeremias orasse pedindo misericórdia mencionam que aquilo que restou
como “remanescente” de Israel se tornou “pouco” (oligoi). O Livro dos
Jubileus e a literatura de Qumran também consideram o remanescente como
um pequeno número de pessoas. 27
Resumindo nossa breve consideração sobre a literatura judaica do período
pós Antigo Testamento, a terminologia mais frequente para “remanescente”
na Septuaginta não são as variações de leimma (“remanescente”), mas as de
loipos (“o resto”), demonstrando que a teologia do remanescente pode estar
presente mesmo na ausência de uma terminologia mais técnica. Além disso,
outros termos como oligoi (“poucos”) e sperma (“semente”) também se
encontram relacionados ao conceito de remanescente. Consequentemente, ao
voltar nossa atenção para os evangelhos, precisamos ampliar a visão para
verificar como as noções mais amplas de “semente” ou filhos/descendência,
pequeno/pouco e termos similares são empregadas. Assim, seremos capazes
de discernir se o conceito de remanescente está presente e até que ponto está.
Todavia, antes dessa análise, será útil delinear a noção de remanescente
dentro do contexto das esperanças proféticas da restauração de Israel e da
proclamação de João Batista.
Os evangelhos e o remanescente
A natureza da missão de Jesus para com Israel está muito relacionada ao
questionamento sobre a existência de intenção, de sua parte, em reunir um
remanescente. Alguns argumentam que a restauração de Israel constitui a
melhor descrição da missão de Jesus. 28 No entanto, a ideia de restauração
envolve mais do que às vezes se sugere. Ademais, conforme veremos, existe
evidência de que o tema do remanescente, além de figurar nos evangelhos,
desempenha um papel importante na missão e na proclamação de Jesus. 29
Para entender o papel das ideias sobre o remanescente na obra de Jesus, será
proveitoso considerar primeiro a obra de João Batista.
O remanescente e João Batista
Os quatro evangelhos apresentam João Batista como o precursor de Jesus. 30
Todos esses relatos, quando reunidos, revelam um retrato coerente da obra do
Batista. Em primeiro lugar, sua prática de imergir as pessoas em água era
uma característica tão distintiva que ele passou a ser conhecido como “o
batizador” (ho baptistēs). 31 Além da diferenciação óbvia que isso sugeria
entre aqueles que aceitavam seu batismo e aqueles que não o faziam (Mt 3:7),
as referências ao arrependimento tendo em vista o julgamento vindouro 32 e,
mais especificamente, a uma seleção (“peneira”) em Israel sugerem que o
conceito de remanescente devia estar em funcionamento. Todavia, ao
contrário de alguns grupos judeus, como o sediado em Qumran, a noção de
remanescente encontrada nas pregações de João não era exclusivista, mas
aberta a todos que demonstrassem “fruto” de arrependimento (Mt 3:8). 33 Na
verdade, a descrição do ministério de João feita por Josefo deixa transparecer
que o aumento contínuo de seus seguidores, incluindo até mesmo soldados e
coletores de impostos (Lc 3:12-14), precipitou sua prisão e subsequente
morte nas mãos de Herodes. 34 Os evangelhos também caracterizam os
seguidores de João Batista como importantes e influentes (Mc 11:32). Muito
embora não haja consenso quanto ao significado do batismo de João em água,
a referência a um batismo futuro com o Espírito Santo e com fogo parece
apontar para a expectativa de uma separação iminente do joio e do trigo
dentro de Israel (Mt 3:11, 12; ver Am 9:9). 35
Jesus e a restauração de Israel
A relação entre o ministério de Jesus e o de João é complexa. No entanto,
ambos parecem ter criticado a tendência judaica a uma superficial confiança
na eleição de Israel para a exclusão da pureza ética. 36 Isso ecoava
preocupações entre o povo que já eram evidentes nas críticas dos últimos
profetas do Antigo Testamento (por exemplo, Zc 13:7-9; Ml 3:16-18), 37 e em
alguns escritos judaicos do período do segundo templo. 38 Uma pergunta
crucial a ser feita no tocante a esse assunto é se a obra de Jesus pode ser mais
bem compreendida em termos de teologia da restauração ou da teologia do
remanescente. Ainda não existe consenso no meio acadêmico em relação à
resposta a esse questionamento, porém muitos tendem a entender Seu
ministério em termos da restauração de Israel. 39
De acordo com a escola crítica, o que Jesus pretendia realizar em Sua obra
é uma questão complicada. 40 Contudo, podemos estar praticamente certos de
que uma de Suas intenções era restaurar ou reconstituir Israel de alguma
forma. 41 Há três linhas principais de evidências que apoiam essa conclusão:
(1) A ampla difusão da esperança de restauração. Embora Israel tenha
sofrido o julgamento divino, grande parte da literatura profética entende que a
restauração do povo consiste no objetivo desse julgamento. 42 Várias
características da obra de Jesus servem para confirmar tal esperança.
Contudo, não fica tão clara para nós a forma específica pela qual Jesus
esperava que a restauração acontecesse. 43
(2) A escolha dos “doze”. 44 Já se sugeriu que o círculo mais próximo de
Jesus aponta, sem qualquer ambiguidade, para a reconstituição ou
“restauração” de Israel. 45 Esse grupo consistia exatamente de doze
indivíduos, escolhidos por Jesus, que representavam, pelo menos de maneira
simbólica, um “reagrupamento das doze tribos” de Israel. 46 Entretanto, a
promessa feita por Jesus de que Seus seguidores sentariam em doze tronos
para julgar as doze tribos indica uma percepção futura, tanto quanto presente,
da restauraçãode Israel. 47
(3) A missão a Israel. O envio dos doze numa missão a Israel, mencionado
pelos três evangelhos sinópticos (Mc 6:6-13), e a exclusão específica dos
gentios (Mt 10:5) sugerem uma preocupação contínua com a nação como um
todo. No entanto, a recusa em responder positivamente à proclamação dos
apóstolos traz julgamento (Mc 6:11). Além disso, na versão de Mateus do
discurso do envio, o foco adquire gradualmente uma preocupação mais
universal, 48 que ganha desenvolvimento adicional na grande comissão (Mt
28:19, 20; ver 24:14).
Mesmo diante de evidência relativamente clara sobre a intenção de Jesus de
efetuar a restauração de Israel de alguma forma (mas não como um
revolucionário), 49 o questionamento permanece: é possível encontrar
também, nas ações e na proclamação de Jesus, a noção da teologia do
remanescente? Para responder a essa pergunta, é necessário examinar mais de
perto as evidências presentes nos evangelhos sobre quais eram as intenções
de Jesus para com Israel. Primeiramente, analisaremos os objetivos do
ministério de Jesus e quem era o público a quem Ele Se dirigia, antes de
averiguar evidências mais específicas acerca da existência de uma teologia do
remanescente nos evangelhos.
Jesus e o remanescente
Jesus e Israel
Assim como no caso de João Batista, a proclamação de Jesus era dirigida a
todo o Israel. A julgar apenas pelos evangelhos sinópticos, pareceria que Seu
ministério se confinou principalmente à Galileia. O evangelho de João, em
contrapartida, testemunha de um ministério na Judeia numa fase anterior do
trabalho de Jesus, e retrata sua obra num intervalo maior do que poderia ser
inferido apenas a partir da tradição sinóptica. 50 Ademais, Lucas e João
demonstram a preocupação de Jesus em incluir os samaritanos (Lc 9:52; Jo
4:4, ver 8:48 e Mt 10:5). Analisadas em conjunto, essas evidências apontam
para uma preocupação com todo o Israel, pelo menos no que se refere à
geografia. 51 Na verdade, as viagens de Jesus a áreas próximas de Tiro e
Sidom e além do mar da Galileia, para Decápolis, sugerem uma visão
expansiva das fronteiras de Israel, apontando para a possibilidade da inclusão
de gentios na reconstituição do povo. 52
Além disso, assim como João Batista, Jesus falava abertamente a grupos
grandes e diversificados, que incluíam pessoas privilegiadas, mulheres e
excluídos. 53 De um lado, a proclamação evangélica de Jesus constituía um
chamado geral ao arrependimento (Mc 1:15; ver Mt 3:8). 54 Mas, assim como
a resposta ao chamado de João, 55 os quatro evangelhos testemunham a
rejeição à proclamação de Jesus pela maioria em Israel. 56 Isso traria um
problema se compreendêssemos a proclamação de Seu reino como
escatológica: por que ela não levou a uma restauração nacional de Israel? 57
Conforme mencionamos em relação à promessa de assentar-se em doze
tronos, 58 há evidência de que a proclamação de Jesus antecipava mais do que
um simples reavivamento da nação com base na ética do reino: haveria uma
seleção e julgamento escatológicos, para usar linguagem similar à de João
Batista. 59 A semelhança entre a mensagem de João e a de Jesus no tocante ao
julgamento vem à tona com maior clareza no conjunto de afirmações que se
segue à controvérsia sobre Belzebu (Mt 12:30-45), começando com a
declaração: “Quem não é por Mim é contra Mim; e quem comigo não ajunta
espalha” (12:30; ver 3:12). Continua com as advertências relativas à
blasfêmia contra o Espírito Santo (12:31, 32; ver 3:11), a árvore e seus frutos
(12:33-37; ver 3:8, 10), o sinal de Jonas (12:38-42) e o retorno do espírito
imundo (12:43-45). Como fica evidente a partir das referências citadas, a
maior parte desses dizeres encontra paralelo na proclamação de julgamento
feita por João Batista. 60 Segundo o relato dos evangelhos, essa seleção
começa de forma muito real com o ajuntamento daqueles que escolhem
seguir a Jesus, Sua “família” espiritual (Mc 3:31-35), e com as revelações
exclusivas aos doze, reconhecendo que muitos não estavam aceitando o
evangelho do reino (4:11, 12). 61
Os desdobramentos da exclusividade e urgência da proclamação de Jesus,
centrada não sobre o templo, mas sobre Ele mesmo, constituíam a causa mais
provável da oposição. 62 A entrada triunfal de Jesus e Sua tomada de controle
dentro do templo levaram a liderança religiosa a ficar face a face com a
questão da autoridade. Vemos a extrapolação da rejeição a Ele nas parábolas
de julgamento (por exemplo, Mt 22:11-14; 25:1-13), 63 mas a perspectiva de
muitos não estarem dispostos a aceitar Sua proclamação já é sugerida no
sermão do monte (7:21-27; ver Lc 6:46-49; 13:25-27) e na separação do joio
e do trigo, ecoando a advertência de João sobre um julgamento iminente (Mt
13:24-30, 47-50; cf. 3:11, 12).
Jesus e a teologia do remanescente
Tendo em vista a semelhança das proclamações sobre julgamento feitas por
João Batista e Jesus, seria natural antecipar a existência de uma teologia do
remanescente similar entre ambos. 64 A ideia da restauração de Israel não é
incompatível com a teologia do remanescente. Na verdade, o conceito
veterotestamentário de “remanescente fiel” não é totalmente destacável da
própria noção de “Israel”, já que o primeiro envolve a separação de um grupo
reconhecível de israelitas fiéis, os quais são preservados enquanto o restante é
excluído mediante julgamento divino. 65 Semelhantemente, o anúncio dos
termos do reino feito por Jesus concentrava-se na relação individual com Ele
e com Seus ensinos, excluindo, de maneira implícita, todos que O rejeitaram.
Portanto, efetua, pelo menos até certo ponto, uma divisão dentro de Israel,
não a restauração de todo o povo.
Imagens do remanescente
Uma pergunta importante a este ponto de nosso estudo é se essa di- visão
era ou não resultado consciente da atividade e proclamação por parte de
Jesus. 66 Lucas 12:51 sugere que Ele não somente antecipava que Seu
ministério traria divisão, como também sugeriu que isso aconteceria:
“Supondes que vim para dar paz à terra? Não, Eu vo-lo afirmo; antes,
divisão” (ver Mt 10:34). Passando para a análise de possíveis imagens e
terminologia do remanescente nos evangelhos, encontraremos indicações de
que esse era mesmo o caso. 67
Na primeira parte deste estudo, ao lidar com materiais judaicos relevantes
como pano de fundo para o conceito de remanescente, descobrimos que a
terminologia da Septuaginta gira mais em torno das várias formas de loipos
(“outros”, “o resto”), palavras indicativas de pequenez, e teologia da
“semente”, além da esperada terminologia leimma (“remanescente”). Isso é
significativo, pois, conforme observamos, a Septuaginta testifica das
reflexões judaicas sobre a Bíblia hebraica em desenvolvimento. Tais
reflexões apresentam semelhanças com o judaísmo inerente à literatura de
Qumran e com os Targumim aramaicos. Hoje sabemos que a antiga distinção
acadêmica entre judaísmo helenista e judaísmo palestino é insustentável. 68
Portanto, não deve causar surpresa a descoberta de ideias semelhantes sobre
remanescente em escritos judaicos variados, quer originados na Palestina,
quer na diáspora, seja em hebraico, aramaico ou grego. 69
(1) O termo loipos (“outros”, “o resto”) é encontrado nos evangelhos treze
vezes, geralmente em sentido negativo. 70 Pelo menos uma exceção notável
está registrada em Lucas. 71 Na parábola do fariseu e do publicano, o
jactancioso fariseu se distingue dos “demais homens”, mencionando, de
maneira específica, “roubadores, injustos e adúlteros”, mas também “este
publicano” (18:11; ver v. 9). À primeira vista, esse pareceria se encaixar com
os outros exemplos negativos, mas o final da história surpreende, ao afirmar
que foi o publicano, não o fariseu, que saiu do templo “justificado”. Tal
episódio pode não parecer significativo; contudo, a parábola se encontra
estreitamente ligada aos versos anteriores, nos quais Jesus afirma que Deus
fará “justiça” aos Seus “escolhidos” (eklektōn). Em algumas passagens sobre
julgamento, o termo eklektoi (“os escolhidos”) ocorre em referência a grupos
com características de remanescente.72
(2) A parábola do joio e do trigo (Mt 13:24-30) emprega imagens relativas
à semente para representar dois grupos contrastantes. A interpretação dessas
imagens identifica “a boa semente” (to ... kalon sperma) com “os filhos do
reino” e “o joio” (ta zizania) com “os filhos do maligno”. A mesma
expressão pode ser usada em sentido negativo: “os filhos do reino” serão
lançados para fora, nas trevas (Mt 8:12; ver 12:27). Esse contraste é
semelhante àquele entre a boa e a má semente, mencionado anteriormente em
nossa pesquisa na literatura judaica. Imagens similares usando “filhos”
também são bastante frequentes: os pacificadores serão chamados “filhos de
Deus” (Mt 5:9); aqueles que amarem seus inimigos serão chamados “filhos
do Altíssimo” (Lc 6:35). Mas Jesus também Se refere aos “filhos dos que
mataram os profetas” (Mt 23:31; ver Lc 11:47) e aos “filhos do mundo”, em
contraste com os “filhos da luz” (Lc 16:8; similar em 20:34, 36). Jesus
menciona novamente os “filhos da luz” em João 12:36. 73 Embora a
linguagem parecida empregada na literatura de Qumran aponte para uma
noção exclusivista de remanescente, Jesus, assim como João Batista (Lc 3:8),
amplia o conceito para incluir outras pessoas de fora de Israel (Mt 8:10; Lc
13:29).
(3) Construir e plantar. Jesus fala sobre construir Sua ekklēsia ou “igreja”
(Mt 16:18; ver 18:17) 74 e sobre arrancar “toda planta que Meu Pai celestial
não plantou” (15:13). Linguagem semelhante é empregada no contexto do
remanescente em Jeremias (24:6, 7), cujo contexto mais amplo contrasta os
“figos bons” com os “figos ruins”, em referência a dois grupos de pessoas em
Judá. 75
(4) O pastor. Em tradições variadas, Jesus Se descreve (ou descreve a
Deus) como um pastor (Mt 26:31; Jo 10:16; ver Jr 23:4; 50:19) e os
discípulos como as ovelhas (Mt 26:31; Lc 12:32). Ele também fala sobre
procurar as “ovelhas perdidas” da casa de Israel (Mt 10:6; 15:24), evocando
uma imagem de remanescente familiar, devido a passagens do Antigo
Testamento como Jeremias 23:2, 3 76 e Sofonias 3:19 e 20. 77 Além disso,
Cristo menciona “outras ovelhas”, que não são “deste aprisco” (Jo 10:16),
apontando para uma noção expansiva de remanescente. Ele Se baseava em
esperanças proféticas anteriores de inclusão dos gentios no reino futuro (por
exemplo, Is 49:6; 56:6-8).
(5) Terminologia quantitativa. De maneira similar à encontrada na literatura
judaica do período do segundo templo, Jesus se refere a Seus seguidores com
uma variedade de termos que sugerem um grupo pequeno. Ele fala dos
“poucos” que acertam o caminho para a vida (Mt 7:14; ver Lc 13:23) e afirma
que, conquanto “muitos sejam chamados, “poucos” (oligoi) são
escolhidos/eleitos (Mt 22:14). Aos “pobres” (ptōchoi), Jesus proclama boas-
novas (Mt 11:5; Lc 4:18; 7:22) e eles são bem-aventurados (Lc 6:20).
Finalmente, também emprega o termo “pequeninos” (mikroi) para aqueles
que nEle creem (Mt 10:42; Mc 9:42; Lc 17:2) e Se refere a Seus discípulos
como um “pequenino rebanho” (to mícron poimnion, Lc 12:32).
Embora poucos (ou mesmo nenhum) desses termos de referência por si sós
seriam suficientes para considerar que Jesus concebia Seus seguidores como
um “remanescente”, a multiplicidade de expressões, analisadas em conjunto,
são significativas. Além disso, ao usar termos paralelos aos da terminologia
remanescente da literatura judaica do período do segundo templo, sugere que
uma teologia do remanescente se encontra presente. Também existem
indicativos de que Seu conceito de remanescente era inclusivo.
Conclusão
Este estudo dos evangelhos examinou até que ponto o conceito de
remanescente pode ser relacionado a Jesus. A comparação da terminologia do
remanescente empregada na literatura judaica com a dos evangelhos mostra
que um uso semelhante pode ser encontrado no discurso de Jesus. Além
disso, observamos que as proclamações de João Batista e de Jesus
compartilham algumas características relevantes a esta pesquisa. Em
particular, ambas eram dirigidas a Israel como um todo, mas, mesmo assim,
antecipavam divisão futura com base na resposta individual à mensagem.
Também notamos semelhanças nas respectivas proclamações de julgamento,
incluindo o uso das mesmas imagens: ajuntar e espalhar, árvore e frutos,
separar o joio do trigo, etc. João e Jesus empregaram essas figuras de
linguagem no contexto da oposição às suas proclamações. Tais considerações
sugerem a presença de uma teologia do remanescente em ambas as situações.
É interessante notar que a mensagem deles também atribuía um elemento
inclusivo ao conceito de remanescente fiel.
A principal diferença entre as duas é que, enquanto o horizonte da
proclamação de João Batista era futuro, Jesus relacionou o julgamento à
proclamação de Seu reino como uma realidade presente e também futura.
Além disso, a resposta presente de Israel constituiria fator decisivo no
julgamento. Ao mesmo tempo, a proclamação de Jesus também estava ligada
à esperança profética de restauração de Israel. A teologia do remanescente e a
esperança de restauração são paradoxalmente combinadas nas atividades e
declarações de Jesus. Por um lado, o envio dos apóstolos numa missão a
Israel sugere restauração, embora até mesmo isso dependa da resposta de
cada um. Em contrapartida, o chamado e a missão dos doze parecem
representar o início de um remanescente de Israel baseado na resposta
individual a Jesus. A eleição de um remanescente pareceria implicar um
julgamento negativo sobre Israel. No entanto, a esperança permanece, pois,
por mais que a nação tenha, em sua maioria, rejeitado Jesus e a proclamação
de Seu reino, Sua obra de ajuntamento continua a ser realizada por meio dos
doze, cuja proclamação resulta no surgimento de um Israel da fé.
1 Para um breve estudo sobre Jesus e o remanescente, ver M. A. Elliot, “Israel”, DJG, p. 365-363.
Observe sua sucinta referência ao “questionamento persistente sobre se Jesus almejava, chamou ou
reuniu um remanescente ou se o remanescente representou um resultado não intencional de Sua missão
e das dissensões decorrentes da mesma” (p. 362).
2 Rudolf Bultmann, “Die Frage nach der Echtheit von Mt 16, 17-19”, ThBl 20 (1941), p. 265-279;
Joachim Jeremias, The Parables of Jesus (Londres: SCM, 1972), p. 223; Günther & Krienke,
“Remnant, Leave”, NIDNTTE, v. 3, p. 253: “Nem o conceito veterotestamentário de remanescente, nem
a visão judaísta mais limitada dessa ideia são encontrados nos evangelhos”.
3 Elliot, “Israel”, p. 361. Ver também Ben F. Mayer, “Jesus and the Remnant of Israel”, JBL 84
(1955), p. 123-130; Mayer, The Aims of Jesus (Londres: SCM, 1979); Hasel, “Remnant”, IBSE, v. 4, p.
134: “Embora o termo ‘remanescente’ não seja encontrado nos evangelhos, esse conceito desfruta de
posição proeminente”.
4 A importância da Septuaginta no modo de pensar dos cristãos primitivos é amplamente
reconhecida, pois representa “o primeiro comentário sobre a Bíblia hebraica” e “contém as Escrituras
canônicas da época da igreja cristã primitiva” (Greek-English Lexicon of the Septuagint, compiladores
Johan Lust, Erik Eynikel & Katrin Hauspie [Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2003], p. xxi). Os
usos da Septuaginta pelos judeus na Palestina são demonstrados pelos manuscritos de Qumran (ibid., p.
xx). A relação dos Targumim com o judaísmo do período do segundo templo é debatida com vigor,
mas esses textos antigos fornecem um vislumbre das reflexões judaicas primitivas sobre as Escrituras,
as quais podem, por vezes, corresponder à compreensão da Bíblia hebraica vigente no tempo de Jesus.
5 Os quatro evangelhos canônicos retratam João Batista abrindo o caminho para a obra de Jesus.
Portanto, qualquer análise sobre Jesus precisa levar em conta essa conexão estreita.
6 Ver Ronald E. Clements, “šā’ar”, TDOT, v. 4, p. 285; H. Wildberger, “š’r to remain”, TLOT, v. 3,
p. 1292; B. Kedar-Kopfstein, “śārîd”, TDOT, v. 14, p. 216. Mais relevantes para nossos propósitos são
os usos dos seguintes termos gregos na Septuaginta: kataleipō (Dt 28:62; 3Rs 19:18; Is 7:3, 10:19, 20,
21; 11:11, 16; 28:5; Ed 9:8, 15),hupoleipō (4Rs 19:30; Is 4:3; Sf 3:12), leimma (4Rs 19:4), kataleimma
(Gn 45:7; 4Rs 19:31; Is 10:22; 37:31), hupoleimma (4Rs 21:14) e hupoloipos (Is 11:11; Jr 50:20).
7 Conforme W. Günther & H. Krienke (“Remnant”, p. 252, 253) observam, é possível encontrar
significância até mesmo nesses usos mais gerais.
8 Dt 3:3; Is 1:9; 14:22, 30; 15:9; 37:31.
9 Dt 4:27; Is 16:14; 24:6; Jr 42:2 [texto massorético 49:2]; 44:28 [texto massorético 51:28].
10 Segundo Günther & Krienke (“Remnant”, p. 248), leimma só é encontrado em 2Sm 21:2 e 2Rs
19:4, e apenas o último texto faz referência a Israel.
11 Os adjetivos loipos e kataloipos ocorrem mais de 120 e 20 vezes, respectivamente, enquanto a
forma verbal katakeipō é a mais usada: são quase 300 ocorrências (ibid.).
12 G. F. Hasel, “Remnant”, p. 130. George W. Anderson e Greg King fazem uma análise similar em
relação a Sofonias (Anderson, “The Idea of the Remnant in the Book of Zephaniah”, ASTI 11 [1977,
1978], p. 12; King, “The Remnant in Zephaniah”, BSac 151 [1994], p. 415).
13 Já em Isaías 54:9-11, a “aliança de paz” feita com Noé é aplicada a Jerusalém (e, implicitamente,
a seus habitantes), com uma visão de seu futuro glorioso.
14 David Winston (The Wisdom of Solomon: A New Translation with Introduction and Commentary
[Garden City: Doubleday, 1979], p. 267) encontra um paralelo no Oriente Próximo antigo: “O
personagem sumério equivalente a Noé, Ziusudra, é semelhantemente chamado de ‘preservador da
semente da humanidade’ (ANET, p. 44)”. Ver também Gerhard F. Hasel, The Remnant: The History
and Theology of the Remnant Idea from Genesis to Isaiah (Berrien Springs, MI: Andrews University
Press, 1972), p. 135-147.
15 Mig 125; ver Mos 2.60.
16 QG 1.96.
17 Tg. Onq. Gn 6:9.
18 Tg. Neof. Gn 6:9.
19 Ver Kedar-Kopfstein, “śārîd”, p. 216; Gottfried Quell, “B. Sperma and Equivalents in the Old
Testament”, TDNT, v. 7, p. 540. Para maiores informações sobre “teologia da semente” na literatura
judaica, ver Leslie Pollard, “O remanescente nas obras apocalípticas judaicas não canônicas e em
Qumran”, nesta obra.
20 Ver Isaías 1:4, que rotula os infiéis de Israel como “má semente” (sperma ponēron). Ver também
Isaías 15:9, texto no qual “aqueles que escaparem de Moabe” (texto massorético) é traduzido na
Septuaginta como to sperma Mōab, e Isaías 14:22, referência ao extermínio, entre outras coisas, do
“remanescente e semente” (kataleimma kai sperma) da Babilônia.
 
21 Tal ideia se baseia, talvez, no texto hebraico de Isaías 6:13, que faz referência à “santa semente”.
Ver 4:3 (os š’r “serão chamados santos”) e Sofonias 3:12 e 13 (NVI): “Mas deixarei [š’r] no meio da
cidade os mansos e humildes, que se refugiarão no nome do Senhor. O remanescente [še’ērîṯ] de Israel
não cometerá injustiças; eles não mentirão, nem se achará engano em sua boca.”
22 Sang Hoon Park, “š’r”, NIDOTTE, v. 4, p. 15.
23 H. Wildberger, “š’r”, p. 1288.
24 Ver Steven M. Bryan, Jesus and Israel’s Traditions of Judgement and Restoration (Cambridge:
Cambridge University Press, 2002), p. 91-98.
25 Ibid, p. 189, 129 e 239, argumenta de maneira convincente que essa passagem deixa clara a
perspectiva de Jesus sobre João Batista ter conclamado um remanescente que se mostrou responsivo à
proclamação de Seu reino. Ver também nossa discussão abaixo.
26 Ver Isaías 16:14, em que aqueles restantes em Moabe são descritos como “muito poucos”
(oligostos).
 
27 Dictionary of Judaism in the Biblical Period: 450 B.C.E. to 600 C.E., ed. Jacob Neusner &
William Scott Green (Nova York: Macmillan, 1996), p. 524. Ver Joel Willitts, “The Remnant of Israel
in 4QpIsaiaha (4Q161) and the Dead Sea Scrolls”, JJS 57 (2006), p. 25; Leslie Pollard, “O
remanescente nas obras apocalípticas judaicas não canônicas e em Qumran”, nesta obra.
 
28 E. P. Sanders, Jesus and Judaism (Londres: SCM, 1985); James W. Watts, “The Remnant Theme:
A Survey of New Testament Research, 1921-1987”, em Perspectives in Religious Studies 15 (1988), p.
109-129.
 
29 Ver Bryan, Judgement, p. 114-128; E. P. Sanders, Jesus, p. 226; Richard A. Horsley, Jesus and
the Spiral of Violence: Popular Jewish Resistance in Roman Palestine (San Francisco: Harper & Row,
1987), p. 211; Martin Hengel, The Charismatic Leader and His Followers (Edinburgh: T. & T. Clark,
1981), p. 59, 60; Marius Reiser, Jesus and Judgement: The Eschatological Proclamation in Its Jewish
Context (Minneapolis: Fortress, 1997), p. 313.
30 Mt 3:1-12; Mc 1:2-8; Lc 3:1-18; Jo 1:19-28. Darryl L. Bock, Jesus according to Scripture:
Restoring the Portrait from the Gospels (Grand Rapids: Baker Academic, 2002), p. 78: “O fato de a
história do ministério de Jesus ter iniciado com João era o ponto de vista comum da igreja (At 1:21, 22;
10:37)”. Acerca de perspectivas diversas, ver John P. Meier, “John the Baptist in Matthew’s Gospel”,
JBL 99 (1980), p. 384-386.
31 Diferentemente dos rituais judaicos de purificação, que eram realizados pela própria pessoa (por
isso, o emprego da forma média baptisōntai em Mc 7:4; ver Lc 11:38), João parece ser o agente na
imersão de outros (indicados por humas, o objeto direto do verbo ativo em Mc 1:8). Isso também é
inferido em João 4:1 e 2, que não necessitaria fazer o esclarecimento caso as imersões fossem
realizadas pela própria pessoa sob a autoridade de João ou de Jesus. Ver Josefo, Ant. 18.116. Ver
também Joan E. Taylor, The Immerser: John the Baptist within Second Temple Judaism (Grand Rapids:
Eerdmans, 1997), p. 49, 50; John P. Meier, A Marginal Jew, Volume 2: Mentor, Message, and Miracles
(Nova York: Doubleday, 1994), p. 51.
32 Tema judaico comum evidente, por exemplo, em Sirach 5:6 e 7: “Não digais ‘Sua misericórdia é
grande, Ele perdoará uma multidão dos meus pecados’, pois tanto a misericórdia quanto a ira se
encontram nEle e Sua ira recairá sobre os pecadores. Não tardeis em voltar para o Senhor e não adieis
dia após dia; pois subitamente a ira do Senhor virá sobre vós e, no tempo da punição, perecereis”;
também em CD XIX.15-26, passagem que estabelece não somente a entrada na “aliança de
conversão/arrependimento” (bryth tshwvh, linha 16), mas também a separação do pecado como
necessária para sobreviver à visitação da ira de Deus.
33 Meyer (“Jesus and the Remnant”, p. 128, 129) entende que a mensagem de João alude a um
“remanescente aberto”, em contraste com o conceito “fechado” de “grupos remanescentes
particularistas”. Porém, ver o argumento feito por John P. Meier, em “John the Baptist in Josephus:
Philology and Exegesis”, JBL 111 (1992), p. 231, de que o batismo de João consistia numa purificação
corporal, cuja condição de recebimento era a pessoa ter passado por um processo de purificação moral e
praticar a virtude.
34 Meier, em “John the Baptist in Josephus”, p. 235, 236 e nota 28, observa como Josefo faz
distinção entre João e revolucionários judeus como Teudas e outros.
35 Ver Sanders, Jesus and Judaism, p. 92.
36 Ver E. P. Sanders, Judaism: Practice and Belief, 63 BCE-66 CE (Londres: SCM, 1992), p. 264,
citando Mateus 3:9 e João 8:39. Para informações mais específicas relacionadas à eleição de Israel e às
tradições sobre Jesus trazendo restauração, ver Sanders, Jesus and Judaism; Bryan, Judgement and
Restoration, 86, 87.
37 Conforme Günther & Krienke observaram, o conceito de remanescente também passou a ser
vinculado a passagens como Zacarias 8:3-12 ao retorno de Yahweh a Sião (“Remnant”, p. 250).
 
38 Ibid., p. 250, 251; ver Joachim Jeremias, “Der Gedanke des ‘Heiligen Restes’ im Spätjudentum
und in der Verkündung Jesu”, ZNW 42 (1949), p. 191.
39 Por exemplo, E. P. Sanders (ver nota 24), N. T. Wright, Jesus and the Victory of God
(Minneapolis: Fortress, 1996), et al.
40 Uma bibliografia extensa em relação às diferentes escolas sobre o Jesus histórico pode ser
encontrada em Craig A. Evans, Life of Jesus Research: An Annotated Bibliography (Leiden: E. J. Brill,
1996). São 2.045 referências cobrindo desde 1768 até 1996.
41 O conceito de “restauração” necessita de uma definição mais detalhada. Nos tempos de Jesus,
havia pontosde vista concorrentes relativos às tradições proféticas sobre esse assunto: “A restauração
podia ser entendida como um retorno para a fidelidade à aliança ou como o restabelecimento das doze
tribos e do domínio nacional” (Bryan, Judgement and Restoration, p. 107). Uma perspectiva não
excluía, necessariamente, a outra, como observa Bryan. Elas também dependiam da concepção que se
tinha de “Israel”.
42 Graham N. Stanton, “Aspects of Early Christian-Jewish Polemic and Apologetic”, NTS 31
(1985), p. 377-392; Sanders, Jesus and Judaism, p. 98-106.
43 Watts (“Remnant Themes”, p. 118, 119) parece considerar que as expectativas de restauração e de
um remanescente são mutuamente excludentes, mas esse não é, necessariamente, o caso. Ver, por
exemplo, Bryan, Judgement and Restoration, p. 120-123, que, baseado em Marcos 9:12 e 13,
argumenta que Jesus considerava a restauração de Israel como já realizada, de certo modo, por meio da
pregação de João Batista.
 
44 Sanders, Jesus and Judaism, p. 98-106; Sanders, The Historical Figure of Jesus (Nova York:
Penguin, 1993), p. 184-187.
45 Sanders, Jesus and Judaism, p. 98.
46 John P. Meier, “The Circle of the Twelve: Did It Exist During Jesus’ Public Ministry?”, JBL 116,
p. 657. Ver também Joachim Jeremias, New Testament Theology (Londres: SCM, 1971), p. 233, 234.
 
47 Meier, “The Circle of the Twelve”, p. 657, nota 55, referenciando também Meier, A Marginal
Jew, v. 2, p. 237-506. Como Meier observa em seu artigo (p. 655-658), todas as formas de expressão
preservam a referência a “doze” (“doze tronos [...] doze tribos”, Mt 19:28; “doze tribos”, Lc 22:30),
deixando claro que, na visão escatológica de Jesus acerca de Israel restaurado, os doze exerceriam
posições de autoridade.
48 Informações adicionais em Clinton Wahlen, Jesus and the Impurity of Spirits in the Synoptic
Gospels (Tübingen: Mohr, 2004), p. 136.
49 Ver Mateus 26:52 e Marcos 14:48, citados como evidência por Markus Bockmuehl, This Jesus:
Martyr, Lord, Messiah (Downers Grove: InterVarsity, 1993), p. 118 (ver p. 211, nota 36).
50 Ver D. Moody Smith, “John: A Source for Jesus Research?”, em John, Jesus, and History,
Volume 1: Critical Appraisals of Critical Views, ed. Paul N. Anderson, Felix Just & Tom Thatcher
(Atlanta: SBL, 2007), p. 171.
51 Embora o evangelho de João como fonte de tradições sobre o Jesus histórico tenha sido alvo de
muitos questionamentos, pesquisadores mais atuais têm encontrado cada vez mais razões para
considerá-lo como derivado de recordações iniciais de Jesus, independentes daquelas preservadas nos
evangelhos sinópticos. Ver, por exemplo, John P. Meier, A Marginal Jew: Rethinking the Historical
Jesus, Volume 1: The Roots of the Problem and the Person (Nova York: Doubleday, 1991), p. 44, 45;
F. J. Moloney, “The Fourth Gospel and the Jesus of History”, NTS 46 (2000), p. 42-58; James D. G.
Dunn, Jesus Remembered (Grand Rapids: Eerdmans, 2003), p. 165-167; Paul N. Anderson, The Fourth
Gospel and the Quest for Jesus (Nova York: T. & T. Clark, 2006); e agora os estudos do grupo da SBL
de nome John, Jesus, and History (ver a nota 50, acima, para informação bibliográfica completa).
52 Wahlen, Jesus and the Impurity of Spirits, p. 130, 131 e nota 119; Dunn, Jesus Remembered, p.
322, 323.
53 Parece que alguns dos discípulos de Jesus tinham acesso privilegiado aos sacerdotes da época
(isto é, Judas Iscariotes e o discípulo amado). Sobre este, ver Oscar Cullmann, Der johanneische Kreis
(Tübingen: Mohr, 1975), p, 67-88. O autor considera-o a testemunha principal por trás do quarto
evangelho. Richard Bauckham, Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony
(Grand Rapids: Eerdmans, 2006), p. 384-411, afirma que esse discípulo esteve presente desde o início
do ministério de Jesus, mas não fazia parte dos doze. Craig S. Keener, The Gospel of John: A
Commentary (Peabody: Hendrickson, 2003), p. 82-115, defende detalhadamente a visão tradicional de
o discípulo amado ser João, filho de Zebedeu. Outros seguidores que desfrutavam posição privilegiada
incluíam o dono do cenáculo (Mc 14:12-16), José de Arimateia (Mc 15:43; Jo 19:38), mulheres capazes
de prover auxílio financeiro, inclusive Joana, a esposa do procurador de Herodes (Lc 8:2, 3; 24:10;
sobre essa mulher, ver Dunn, Jesus Remembered, p. 322, 534-537) e, nas palavras de Dunn (p. 540),
“fariseus simpatizantes” (Lc 7:36; 11:37; 14:1). Até mesmo um coletor de impostos figura entre os
doze na lista de Mateus (10:3; ver 9:9; Mc 2:14), assim como um zelote chamado Simão (Mt 10:4; ver
Mc 3:18; Lc 6:15).
54 Jeremias, New Testament Theology, p. 152-156; Dunn, Jesus Remembered, p. 499. Sanders
(Historical Figure of Jesus, p. 233) afirma que Jesus “não era um reformador voltado para o
arrependimento”.
55 Mt 21:42; Lc 7:32-35. Ver Dunn, Jesus Remembered, p. 722, 723, 797.
56 Meier, A Marginal Jew, v. 1, p. 177.
57 Uma solução, obviamente, é a proposta por Albert Schweitzer: Jesus teria falhado em trazer o
éschatos. A esse respeito, ver o capítulo intitulado “Did Jesus Fail?”, em Bockmuehl, This Jesus, p. 77-
102.
 
58 Ver a nota 42.
59 Esse julgamento escatológico inclui a noção de “revogação escatológica” descrita por Dunn, Jesus
Remembered, p. 412-127, mas vai além dela. Tampouco consiste simplesmente de uma referência feita
pelo próprio Jesus à Sua morte, nem deve ser relegado ao último julgamento no fim dos tempos
(conforme Dunn também argumenta, p. 808, 420-425).
60 Para informações adicionais, ver Wahlen, Jesus and the Impurity of Spirits, p. 218. Alguns desses
paralelos podem ser explicados com base na tendência de Mateus de estabelecer paralelos entre Jesus e
João Batista (ver Meier, “John the Baptist in Matthew”, p. 383-405), mas não todos (conforme
reconhece o próprio Meier, ibid., p. 398, nota 50).
 
61 A partir do relato de Marcos, parece que a oposição leva Jesus a ensinar por parábolas (3:23; 4:2).
Não podemos entrar aqui na discussão do papel das expectativas de rejeição em Isaías (Is 53:1; ver Jo
12:38), mas, levando em conta que Jesus caracterizou Seu ministério usando termos de Isaías (por
exemplo, Lc 7:22, 23), seria surpreendente se ele não achasse significativa a intensificação da oposição
a Sua mensagem (por exemplo, Bockmuehl, Martyr, Lord, Messiah, p. 90, 91; mas ver Dunn, Jesus
Remembered, p. 809-818). Como Horst Dietrich Press (Old Testament Theology, v. 1 [Louisville:
Knox, 1995], p. 56) nos lembra, Isaías de Jerusalém reagiu à descrença generalizada em sua mensagem
profética reunindo discípulos fiéis ao seu redor (Is 8:16, 18).
62 Ver Sanders, Historical Figure of Jesus, p. 236, 237.
63 No contexto do episódio do templo, as parábolas contêm um julgamento implícito dos líderes de
Israel (em especial, Mc 12:1-12); informações adicionais em Clinton Wahlen, “The Temple in Mark
and Contested Authority”, BibInt 15 (2007), p. 248-267.
64 Meyer, “Jesus and the Remnant”, p. 127. Mais recentemente, Bryan diferencia Jesus e João com
base na distinção feita por Hasel entre o remanescente fiel e o escatológico. João teria conclamado o
primeiro, enquanto aqueles que aceitaram a mensagem de Jesus sobre o reino teriam compreendido o
segundo (Judgement and Restoration, p. 117, 239). A crítica feita por Watts (“Remnant Themes”,
especialmente p. 112) vacila na falha em considerar a noção de remanescente fiel ao longo de sua
discussão sobre os remanescentes histórico e escatológico.
65 A distinção entre remanescente fiel, histórico e escatológico, além de uma análise mais detalhada
sobre o conceito de remanescente no Antigo Testamento, pode ser encontrada em Hasel, “Remnant”, p.
130-134, e em Tarsee Li, “O remanescente no Antigo Testamento”, nesta obra. Conforme Meyer
(“Jesus and the Remnant”, p. 127) declara, “seja na literatura bíblica, seja na extrabíblica, sempre e em
todos os lugares, o remanescente é definido por meio de julgamento”. Enquanto Meyer considera que o
inverso também é verdadeiro (isto é, que a menção de julgamento pressupõe a existência de um
remanescente), nem sempre é preciso ser assim,mas deve ser sinalizado através da presença de
terminologia relevante.
66 A controvérsia de que Jesus pretendia a restauração de todo o Israel implica que a divisão
subsequente não era um resultado necessário, muito menos ideal (ver a nota 1).
67 Meyer, “Jesus and the Remnant”, p. 129, 130, e Hasel, “Remnant”, p. 134, salientam de forma
sucinta grande parte da terminologia remanescente.
68 Martin Hengel, Judaism and Hellenism: Studies in their Encounter in Palestine during the Early
Hellenistic Period (Londres: SCM, 1981).
69 Ver a nota 4. Embora Jesus (com exceções discutíveis) tenha desenvolvido Seu ministério entre
judeus falantes do aramaico, a extensão da influência grega sobre as ideias judaicas mesmo dentro das
fronteiras de Israel permite uma comparação entre a terminologia da Septuaginta e os evangelhos.
70 Algumas vezes, a referência negativa é a pessoas (Mt 22:6; 25:11; 27:49 [16:13]; Lc 8:10, 24:9,
ver v. 11; similar ao uso paulino [Günther & Krienke, “Remnant”, p. 252]). Outras vezes, refere-se
negativamente a coisas (Mc 4:19; Lc 12:26). Loipos é empregado duas vezes de forma adverbial no
acusativo singular (Mt 26:45; Mc 14:41).
71 Lucas 24:10 pode ser outro, referindo-se às “demais” mulheres (loipai) que relataram aos onze
discípulos e a todos “os mais” (loipoi, v. 9) haverem achado a tumba vazia e o encontro com os dois
seres gloriosos que contaram sobre Jesus ter ressuscitado dos mortos e que os encontraria na Galileia.
Mas o versículo 11 indica que os ouvintes do relato o consideraram um “delírio”.
 
72 “Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 22:14; ver 19:30; 20:16). Deus envia
anjos para reunir “os Seus escolhidos” (24:31).
73 Ver a referência a “filhos da luz” e “filhos das trevas” nos escritos de Qumran (por exemplo, 1QS
1:9, 10).
74 Em relação ao contexto judaico para ekklēsia derivando do uso hebraico de qahal, ver K. E.
Stendahl, “Kirche im Urchristentum”, em Religion in Geschichte und Gegenwart, v. 3, ed. K. Galling
(Tübingen: Mohr, 1959), coleções 1297-1304.
75 Kenneth Mulzac, “The Remnant and the New Covenant in the Book of Jeremiah”, AUSS 34
(1996), p. 242, relaciona esses versos com menção ao remanescente em 23:4 como representando a
iniciativa divina numa nova obra de salvar e preservar.
76 Ver Kenneth D. Mulzac, “‘The Remnant of My Sheep’: A Study of Jeremiah 23:1-8 in its Biblical
and Theological Contexts”, JATS 13/1 (2002), p. 138-141.
77 Ver King, “Remnant”, p. 415, em relação ao “conceito” de remanescente nesses versos.
O remanescente no pensamento paulino
Leslie N. Pollard - Vice-presidente da Universidade de Loma Linda - Loma
Linda, Estados Unidos
A PRESENÇA E O USO DO TEMA do remanescente nas pregações e ensinos
escatológicos do apóstolo Paulo são o tema deste capítulo. Examinaremos em
detalhe as referências explícitas ao tema encontradas em Romanos 9-11,
avaliando os principais usos da terminologia do remanescente nesses
capítulos. Essa análise revela que a trajetória rumo a um remanescente sem
fronteiras (confrontando a perspectiva territorialista), evidenciada nos
evangelhos, amadurece nos escritos de Paulo. Ele emprega loipos e seus
derivados fora dos contextos de julgamento e salvação, isto é, de forma não
técnica. Mas em Romanos 9-11 encontramos o uso mais teologicamente
desenvolvido da terminologia do remanescente no Novo Testamento. No
clímax 1 dessa epístola, Paulo usa o substantivo leimma para argumentar que
as promessas de eleição são perpetuadas em um “remanescente” de Israel
(11:5).
A existência de um remanescente
Romanos 9:1-5 introduz a pergunta-chave: “A descrença de Israel significa
que a Palavra de Deus falhou?” A resposta inequívoca de Paulo é “Não!”
Mas esse “não” é condicional. Para o apóstolo, “Israel” denota um
relacionamento especial de aliança entre Deus e a nação escolhida (ver Ef
2:12). O “não” de Paulo quer dizer que os privilégios associados à eleição
histórica de Israel, incluindo a salvação escatológica, foram expandidos a
todos os “israelitas” crentes. Em poucas palavras, Paulo faz uma distinção
entre o remanescente e o Israel biológico e empírico (“Israel kata
sarka/segundo a carne”).
Em defesa de seu ponto de vista, o apóstolo se apropria de passagens do
Antigo Testamento e as aplica, levando à conclusão culminante de Romanos
11:5. 2 Ele parece dividir Israel em “povo histórico de Deus” e “o ‘povo da
promessa’, e isso envolve uma distinção teológica que possibilita Paulo
diferenciar dois grupos em sua época”. 3 Ele reposicionou os judeus
descrentes em relação aos judeus e gentios crentes. Lester Meyer afirma, de
forma sintética, que, para Paulo, apenas “os judeus que aceitavam seu
evangelho constituíam o remanescente”. 4
Questões sobre o remanescente
Em sua abordagem da ideia de remanescente em Romanos 9-11, Paulo faz
uso de uma série de citações do Antigo Testamento para fundamentar suas
conclusões relativas à relação entre “Israel kata sarka” (“segundo a carne”) e
“Israel kata pneuma” (“segundo o Espírito”), como Os 1:10, 2:23, Is 1:9 e
1Rs 19:10, 18. Usando a diatribe, ele responde a três perguntas: 5 (1) Qual é o
significado da história de Israel?, (2) Qual é a validade da promessa da
aliança? (3) Já que a maior parte de Israel escolheu não acreditar, Deus pode
permanecer fiel ao mesmo tempo em que inclui gentios na aliança? 6
Em Romanos 1-8, Paulo fornece os fundamentos para assegurar que a
salvação ocorre somente por meio da fé em Cristo. Seu propósito nos
capítulos 9-11 é demonstrar que Deus não rejeitou completamente Seu povo,
mas preservou Sua aliança por meio de um remanescente fiel (isto é,
hypoleimma, em 9:27). Na perspectiva paulina, esse remanescente fiel de
israelitas constituía a nação dos salvos. Romanos 9-11 é de importância
crucial à abordagem neotestamentária do remanescente, pois representa a
essência do pensamento de Paulo sobre a relação entre Israel como o
remanescente histórico e a realidade redefinida do remanescente
fiel/soteriológico de Cristo, conforme a eleição da graça.
Na verdade, Paulo faz uso de passagens do Antigo Testamento para
expandir a amplitude e o escopo do remanescente fiel de Deus. Um olhar
mais próximo à maneira como Paulo utiliza passagens do Antigo Testamento
sobre o remanescente demonstra o escopo de sua teologia a esse respeito.
Romanos 9:6-13 representa a primeira de um grupo passagens
Tabela
Contraste entre Israel biológico e Israel da fé
Israel biológico Israel da fé: “um remanescente segundo a graça”
Nem todos (ou hoi) de (ek)
Israel, isto é, Israel
biológico (9:6b)
[Mas] aqueles (houtoi) de Israel, isto é, segundo a
promessa (9:6b)
Não da semente (sperma)
[Mas] os filhos (tekna, em 9:7a) de Abraão; em (en)
de Abraão (semente =
descendência em 9:7a)
Isaque será a tua semente (sperma, 9:7b)
Não os tekna tēs sarkos
(filhos da carne; 9:8a)
[Mas os] filhos de Deus (tekna tou Theou, 9:8b) =
tekna tes epangelias (filhos da promessa, 9:8c) =
semente (sperma) de Abraão (9:8c)
Não das obras (ek ergōn,
9:11b) Mas por aquele que chama (ek tou kalountas, 9:11c)
[Não] Esaú (9:13c) [Mas] Jacó (9:13b)
 
que estabelece uma diferenciação interna dentro de Israel. A tabela na
página seguinte demonstra o contraste paulino entre o Israel biológico e o
Israel da fé.
A compreensão paulina 7 acerca de Israel apresentada em Romanos 9:6-13 é
crucial para seu 8 argumento da existência de um remanescente fiel. A falha
coletiva de Israel precipitou a divisão dos fiéis (isto é, ek Israel versus
“israelitas”; 9:6). Ek Israel provavelmente está no ablativo, denotando
separação. 9 Paulo afirma que os limites anteriores da aliança com o Israel
histórico eram expressos primariamente em limitações indicadas por sarkos
(carne), ergon (obra), thelontas (o que quer) e trechontas (o que corre).
Entretanto, na reconstrução paulina de Israel, os filhos de Deus são aqueles
que, pela graça, iam além de qualquer dependência em uma eleição histórica
corporativa como meio de salvação (Rm 9:8, 11; confira 9:32; 11:6). Sperma
(“semente”) em Romanos 9:6-9 denotaprincipalmente a descendência
biológica de Abraão por meio de Isaque, o filho da promessa. Ao mesmo
tempo, o evangelho de Paulo assegura que Deus, em cumprimento às
promessas do Antigo Testamento, expandiu o remanescente da aliança para
além dos judeus fiéis, chamando também os gentios (Rm 3:29, 30; 9:24;
10:10-13; Gl 3:28, 29). 10 Essa comunidade expandida é possível devido à
existência de um remanescente fiel de Israel.
Paulo faz referência a Gênesis 21:12 para validar seu argumento. A
passagem é citada literalmente a partir da Septuaginta, asseverando que
apenas em Isaque a “semente” é chamada. 11 Isaque representa o filho da
promessa da aliança. 12 Sintaticamente, a preposição grega en, da forma como
é usada nesse verso, é restritiva, “somente em Isaque”. Isaque é usado como
símbolo daqueles que nasceram por intermédio da “promessa” dentro do
Israel da fé.
O segundo texto apropriado por parte de Paulo é Malaquias 1:2 e 3 em
Romanos 9:13. As palavras agapaō e miseō (“amar” e “odiar”) formam uma
antítese encontrada com frequência em escritos judaicos (Dt 21:15; 22:13;
24:3; Jz 14:16; Pv 13:24; 15:32; Ml 1:2, 3). Miseō não deve ser
compreendido literalmente como ódio ou desprezo. “Amei Jacó” (isto é,
escolhi) e “me aborreci de Esaú” (isto é, não escolhi) demonstram “que a
eleição depende da ação divina, não humana”. 13 Essa passagem mostra a
liberdade e soberania de Deus na eleição de Israel. Assim como Jacó foi
preferido antes de seu nascimento e independentemente de sua conduta, Israel
fora escolhido e separado. Portanto, a liberdade divina de dar continuidade à
aliança por Suas próprias prerrogativas, independentemente dos esforços de
Israel (ou seja, observância à lei) e/ou de seu consentimento, tão somente
ressalta a soberana misericórdia divina.
O raciocínio teológico de Paulo
No raciocínio teológico de Paulo, encontramos a “inversão divina”. 14 O
Antigo Testamento registra diversos exemplos da inversão na ordem dos
filhos. 15 Paulo afirma que é o chamado e a iniciativa misericordiosa de Deus
(9:16b) que sustentam e definem a aliança, não os méritos, direitos ou pré-
concepções de Israel. Para Paulo, Deus é livre para escolher e rejeitar
conforme Lhe aprouver. A partir dessa perspectiva, o conceito paulino de
remanescente é consistente com o dos profetas do Antigo Testamento. Já se
afirmou, corretamente, que “os profetas consideravam Israel, de modo geral,
como rebelde e desobediente. [...] Ainda assim, permanecia dentro da nação
um remanescente de fiéis que era alvo do cuidado de Deus. O remanescente
fiel representava o verdadeiro povo de Deus”. 16 Posteriormente, Paulo utiliza
Oseias 2:1 (em 9:25 e 26) para validar seu ponto de vista. Os gentios, que não
eram povo, Deus chamará 17 (kaleso) “meu povo”. Douglas Stuart acerta ao
afirmar que “a população de Israel será incomensuravelmente expandida, em
parte através da inclusão de pessoas com origem não israelita”. 18 Portanto, o
remanescente paulino consiste num conceito primordialmente expansivo e
inclusivo.
Paulo expõe sua compreensão acerca do remanescente com mais insistência
em Romanos 9:27. 19 No texto massorético, Isaías 10:22 usa as palavras še’ar
[...] yašûb (“um remanescente retornará/se arrependerá”). 20 A Septuaginta
traduz yašûb como sōthēsetai (“será salvo”). O uso que Paulo faz do termo
grego krazein 21 (“clama”), em relação à versão da Septuaginta de Isaías,
possui dimensão profética. 22 Em seguida, o verso 28 promete logon [...]
poiēsei (“executar sentença”) sobre a terra. Nessa perícope, Paulo relaciona o
remanescente fiel ao esquema de julgamento e salvação, com o qual a noção
de remanescente se encontra intrinsecamente ligada ao Antigo Testamento.
Paulo parecia enxergar as palavras de Isaías sendo aplicadas à sua situação.
Ele usa a citação do profeta para indicar que, em seus dias, essa profecia
relativa a Israel já havia se cumprido na experiência do povo. Portanto, o uso
de linguagem remanescente pressupõe que houve julgamento, uma divisão
em Israel precipitada pela vinda de Cristo. 23 Aageson esclarece: “A discussão
que iniciou como uma tentativa de demonstrar que tanto judeus quanto
gentios haviam sido chamados é concluída com uma distinção entre Israel
como todo o povo de Deus e o remanescente”. 24
A teologia paulina sobre o remanescente, no entanto, possui duas faces. Há
uma ênfase sobre o julgamento de Israel em Romanos 9:27 e 28. Em 9:29,
Paulo emprega um exemplo contrastante que salienta a certeza. Ele cita Isaías
1:9: “Se o Senhor dos Exércitos não nos tivesse deixado [egkatelipen] alguns
sobreviventes [Septuaginta: sperma, “semente”], já nos teríamos tornado
como Sodoma e semelhantes a Gomorra”. 25 “Semente” em 9:29 é sinônimo
de “remanescente” em 9:27. 26 Mais adiante, em 11:4, Paulo usa o tempo
verbal perfeito (katelipon) para demonstrar a preservação divina do
remanescente nos dias de Elias. 27 Sua teologia do remanescente assegura que
Israel não foi completamente dizimado. 28 Não é semelhante a Sodoma e
Gomorra. Era comum comparar Israel a essas duas cidades ímpias (Mt 10:15;
Lc 10:12; Mt 11:23, 24; Lc 17:28, 29). Diferentemente do caso de Sodoma,
Deus preservara uma “semente” para Israel. Barrett observa que “o termo
sperma se refere aos israelitas que são verdadeiros filhos de Abraão, os filhos
genuínos de Deus”. 29 Paulo atribui um grau de certeza à sua compreensão do
remanescente: ainda há esperança para Israel. Essa ideia prepara os leitores
para reconsiderarem a nação na próxima parte de sua série de argumentos.
O argumento final de Paulo
No resumo final de seus argumentos, o apóstolo, antes de proceder a uma
série de admoestações em Romanos 12-16, aborda a questão da fidelidade de
Deus. Em Romanos 11:1-6, ele emprega a terminologia do remanescente da
Septuaginta (leimma) para provar seu ponto de vista. Essa passagem funciona
como uma síntese dos argumentos precedentes e como transição para a etapa
final da argumentação. Nos versos 8-10, o apóstolo cita passagens das três
seções do Antigo Testamento: Lei (ver Dt 19:4), Profetas (ver Is 29:10) e
Escritos (ver Sl 69:22, 23). Ele levanta e responde a seguinte questão
essencial: “Teria Deus rejeitado Seu povo?” Sua primeira evidência é pró-
homem: “eu também sou israelita”. 30 Como judeu messiânico, Paulo apela
para sua própria origem como prova de que Deus não havia rejeitado Israel. 31
Em sua próxima declaração, o apóstolo se apropria de um episódio do
Antigo Testamento: o clamor de Elias contra Israel. A história desse profeta
em Romanos 11:4 ilustra duas coisas de maneira simples: em primeiro lugar,
Paulo acreditava que parte de Israel era apóstata; segundo, que Deus havia
escolhido um remanescente. 32 Em Qumran, a concepção de remanescente é
baseada na obediência à lei. Contrastando com essa perspectiva, Paulo afirma
que um remanescente autêntico fora preservado pela “graça”. A correlação
que ele faz entre Israel (e, indiretamente, seu ministério) 33 e Elias elucida sua
compreensão de que os crentes em Cristo são semelhantes aos fiéis dos dias
do profeta. Assim como nos dias de Elias, quando Deus não rejeitou Seu
povo, Ele não o fez en tō nūn kairō (“no tempo de hoje”; 11:5). Portanto,
Horne está correto quando escreve que “a salvação de um pequeno
remanescente dentre toda a massa constitui prova ampla de que esta não foi,
não é e não será abandonada”. 34
Em termos teológicos, a existência de um remanescente é temporária. 35 O
remanescente será consumado em uma comunidade escatológica. Ele “se
tornará a totalidade. Trata-se, portanto, de um número produtivo, não de uma
minoria insubstituível”. 36 A salvação dos judeus e gentios fiéis prepara o
caminho para a vindicação completa das promessas da aliança feitas no
Antigo Testamento. Assim, o apóstolo conclui com a seguinte síntese em
Romanos 11:26: “todo o Israel será salvo”. O remanescente (isto é, Israel) se
levantará como a última testemunha da fidelidade de Deus à Sua aliança. 37
Conclusão
Nos escritos de Paulo, a doutrina do remanescente aberto é explicitada na
medida em queo autor luta com a relação entre a fidelidade de Deus e a
rejeição do Messias por parte de Israel. Em Paulo, encontramos uma doutrina
explícita do remanescente fiel, o qual consiste de crentes judeus e gentios.
Estes receberam o título da aliança de Israel como nação e, assim, foram
introduzidos no fluxo da ação soteriológica de Deus. Em Romanos, Paulo
empregou, em grande escala, a terminologia do remanescente explicitamente,
já que seu público alvo se encontrava fora da Palestina. Além disso, tal
linguagem deixou claro ao público judeu em Roma que a promessa de
salvação a Israel era possível, mas só por meio de Cristo. Foi isso que Paulo
fez ao usar linguagem remanescente em Romanos 9-11.
1 Para uma proveitosa análise da abordagem paulina acerca do tropeço de Israel, ver Krister
Stendahl, Paul Among Jews and Gentiles (Philadelphia: Fortress, 1976), p. 78-96.
2 G. Schrenk, “Leimma”, TDNT, v. 4, p. 210: “Esse [Rm 11:5 e versos seguintes] é o clímax e a
conclusão da exposição até o momento...”.
3 J. W. Ageson, “Typology, Correspondence, and the Application of Scripture in Romans 9-11”,
JSNT 31 (1987), p. 54, 55.
4 Lester V. Meyer, “Remnant”, ABD, v. 5, p. 671.
5 Ernst Käsemann, Commentary on Romans (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), p. 261, mostra que
três perguntas similares se encontram no centro da discussão paulina sobre Deus, Israel e os gentios.
Käsemann encontra o seguinte dilema: “Se a promessa aos judeus perdeu a validade, o evangelho não
pode mais dar segurança definitiva, e tudo dependerá da fé pessoal, que deixa de possuir qualquer base
prévia”.
6 Sobre a descrença de Israel, W. S. Campbell, em “Israel”, DPL, p. 442, afirma: “O verdadeiro
Israel [portanto] é ‘de Israel’, mas não coextensivo com o Israel histórico”.
7 Bruce W. Longnecker, em “Different Answers to Different Issues: Israel, the Gentiles, and
Salvation History in Romans 9-11”, JSNT 36 (1989), p. 96, a denomina de “redefinição” paulina de
Israel. O contraste feito é entre os judeus descrentes e os judeus cristãos. Nessa passagem, Paulo nega a
centralidade causativa e salvadora da lei.
8 James D. G. Dunn, Romans 9-16 (Dallas: Word, 1988), p. 547.
9 Ver C. E. B. Cranfield, Romans, v. 2 (Edinburgh: T. and T. Clark, 1979), p. 470, 471; John Piper,
The Justification of God: An Exegetical and Theological Study of Romans 9:1-23 (Grand Rapids:
Baker, 1983), p. 21.
10 Ver Stendahl, Jews and Gentiles, p. 78-96.
11 Dunn, em Romans, p. 547, comenta que “Deus disse a Abraão que Sua promessa de semente e
terra se aplicava somente à descendência do patriarca por meio de Isaque, ou seja, no tocante a Sua
aliança com Abraão, apenas Isaque e sua descendência seriam reconhecidos como semente de Abraão”.
12 O vocabulário de Romanos 9:7 consiste na citação exata da Septuaginta: em Isaak klēthēsetai soi
sperma. A nomeação ou “chamado” de Deus é o que cria a realidade salvadora. Ver Rm 4:17; 8:28, 29;
9:12, 24-26.
13 Aaegeson, “Typology”, p. 56.
14 Ver também Jerome H. Neyrey, Paul in Other Words: A Cultural Reading of His Letters
(Louisville: Westinster/John Knox, 1990), p. 60-63. Ele afirma: “Assim como defende a fidelidade de
Deus a Suas promessas […], Paulo também argumenta em prol da liberdade divina de demonstrar graça
a outras pessoas, os gentios”.
15 Ver Ronald E. Clements, Abraham and David: Genesis XV and Its Meaning for Israelite
Tradition (Naperville, IL: Alec R. Allenson, 1967), p. 47-60. Clements observa a preferência por Abel
no lugar de Caim, Isaque ao invés de Ismael e de José, Davi e Salomão em vez de seus irmãos.
16 George E. Ladd, Theology of the NT (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p. 108.
17 Ver Käsemann, Romans, p. 274; Aageson, “Typology”, p. 56, 57; Christopher D. Stanley, Paul
and the Language of Scripture: Citation Technique in the Pauline Epistles and Contemporary
Literature (Cambridge: Cambridge University Press, 1992), p. 110.
18 Douglas Stuart, Hosea-Jonah (Waco: Word, 1987), p. 37.
19 Após discorrer sobre a liberdade divina para demonstrar misericórdia (Rm 9:19-26), de modo que
o Senhor pode salvar os gentios, Paulo resgata uma palavra do léxico remanescente da Septuaginta
(texto massorético: še’ar; Septuaginta: kataleimma, hypoleimma) em 9:27. Ele cita Isaías 10:22, 23:
“clama Isaías: Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, ‘to kataleimma auton
sōthēsetai (o remanescente é que será salvo)”.
20 Yašûb pode designar retorno físico ou mudança de ideia produzida pelo arrependimento. Ver
Jacob Milgrom, “Repentance in the Old Testament”, IDBSup, p. 736-738. Contudo, pode estar
ocorrendo um jogo de palavras com o nome do filho de Isaías em Isaías 7:3. Ver John D. W. Watts,
Isaiah 1-33 (Waco: Word, 1985), p. 90, 91.
21 Dunn, Romans, p. 572, observa que “krazei não é empregado meramente por questões estilísticas,
mas é provável que indique certo grau de intensidade ou de urgência”.
22 Cranfield, Romans, v. 2, p. 501.
23 Schrenk, “Leimma”, p. 213: “A inovação de Paulo é que o remanescente passa a ser relacionado
apenas a Cristo, que já veio. O remanescente deve sua existência somente a Ele e é formado não por
aqueles que simplesmente são fiéis a Yahweh, mas pelos que acreditam na justiça de Deus em Cristo”.
24 Aageson, “Typology”, p. 57.
25 Joseph A. Fitzmeyer, Romans: A New Translation with Introduction and Commentary (Nova
York: Doubleday, 1993), p. 574, observa que Israel merecia o mesmo destino de Sodoma e Gomorra,
mas Deus deixou um “remanescente” e, assim, a nação foi poupada.
26 Ver também Charles K. Barret, A Commentary on the Epistle to the Romans (Londres: Black,
1991), p. 178; Dunn, Romans, p. 574; Cranfield, Romans, v. 2, p. 503.
27 Em Apocalipse 12:17, constatamos que as teologias da “semente” e do “remanescente” se unem
na guerra escatológica do Apocalipse.
28 Thomas R. Schreiner, Romans (Grand Rapids: Baker, 1998), p. 529: “Como vimos na exposição
de Romanos 9:6-9, o termo sperma se refere a israelitas que são verdadeiros filhos de Abraão, os filhos
genuínos de Deus. Essa é meramente outra forma de descrever o remanescente do verso 27”. Ver
também John Paul Heil, “From Remnant to Seed of Hope for Israel”, CBQ 64 (2002), p. 718-720.
29 Barrett, Romans, p. 178. Também em Dunn, Romans, p. 574. Em Gálatas 3:29, encontramos o
argumento paulino para a classificação dos gentios como “descendentes de Abraão e herdeiros segundo
a promessa”.
30 Cranfield, em Romans, v. 2, p. 543, escreve que Paulo argumenta da seguinte maneira: “Deus
dificilmente teria escolhido um judeu para ser Seu apóstolo especial para os gentios caso tivesse
rejeitado Seu povo, os judeus”. Ver também Hendricksen, Exposition of Paul’s Epistle to the Romans
(Grand Rapids: Baker, 1980), p. 361; Käsermann, Romans, p. 299.
31 Ver James D. G. Dunn, TheTheology of Paul the Apostle (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p.
520, 521.
32 Käsermann, Romans, p. 301.
33 Ver Johannes Munck, Christ and Israel: An Interpretation of Romans 9-11 (Philadelphia:
Fortress, 1967), p. 13, onde o autor demonstra que a analogia com Elias constitui um paralelo notável
do ministério do apóstolo em sua interação com Israel e com os gentios. Ele afirma: “Assim como Elias
retornou de sua morada entre os gentios para resolver questões entre Baal e Yahweh [...], Paulo se
encontra a caminho dos gentios para que o obstinado Israel pudesse observar a obediência da fé
encontrada entre os crentes gentios”.
34 Charles Horne, “The Meaning of the Phrase ‘And Thus All Israel Will Be Saved’ (Romans
11:26)”, JETS 21 (1978), p. 330.
35 Paul Achtemeier, em Romans (Atlanta: John Knox, 1985), p. 180, comenta: “Qual foi o propósito
de endurecer Israel? Teria isso acontecido para que Deus tivesse uma desculpa para condenar Seu
povo? Será que eles, como Paulo expressa, ‘tropeçaram para que caíssem?’ (v. 11). A resposta a essa
pergunta é clara e conclusiva: não! Se esse fosse o caso, o propósito final de Deus não seria a graça, e
Sua eleição não serviria a propósitos redentores. Em vez disso, o tropeço de Israel foi a oportunidade
para a redençãose estender aos gentios”.
36 Schrenk, “Leimma”, p. 212.
37 D. G. Johnson, em “The Structure and Meaning of Romans 11”, CBQ 46 (1984), p. 99, afirma,
com discernimento, que “o remanescente não serviu como testemunha da fidelidade de determinados
indivíduos (e assim, indiretamente, da rejeição de outros), mas como testemunha da fidelidade de Deus
e de Seus propósitos eletivos para com Israel”.
O remanescente no Apocalipse
Richard P. Lehmann - Ex-presidente da Universidade Adventista - Salève,
França
O ESTUDO SOBRE O TEMA DO REMANESCENTE no Apocalipse não deve se limitar
à referência explícita feita a ele no capítulo 12, verso 17. Esse tema, na
verdade, estende-se ao longo do Antigo Testamento, 1 disseminado na
literatura intertestamentária 2 e presente em outras partes do Novo
Testamento. 3 Este estudo examina de maneira mais específica a presença e as
nuances do conceito de remanescente no Apocalipse. Isso vai permitir aferir a
riqueza do tema do remanescente e como ele está ligado à igreja de Cristo
como um todo. Como o Apocalipse se encontra permeado por imagens e
terminologias do Antigo Testamento, vamos expor noções e narrativas
presentes de maneira especial nessa parte das Escrituras. Como o estilo
literário do livro é apocalíptico, ecoa a corrente geral de pensamentos
populares encontrados na literatura relacionada da época, fato que precisamos
manter em mente em nossa análise do tópico.
Para alcançar o objetivo, examinaremos, em primeiro lugar, o conceito de
remanescente espalhado pelo Apocalipse. Em seguida, analisaremos a rica e
significativa contribuição de Apocalipse 12 para o entendimento do conceito.
O estudo não se limita pelas ocorrências da terminologia do remanescente
(termos gregos loipos ou oligos), 4 mas também discute as passagens nas
quais o conceito se encontra presente. No tocante à terminologia do
remanescente, até certo ponto, é correto afirmar que, devido a sua diversidade
de uso, ela não é tão precisa e técnica quanto gostaríamos. Detectar o
conceito de remanescente no Apocalipse é importante devido à onipresença e
centralidade desse tema no livro. O texto de Apocalipse 12:17, além de
constituir o epicentro do livro, 5 trata de um de seus temas centrais.
Conceitos relacionados ao remanescente
Como introdução geral à discussão sobre o remanescente no Apocalipse,
revisaremos três aplicações principais do conceito encontradas no Antigo
Testamento e em outras obras judaicas. 6 A literatura nos permite falar em um
remanescente sobrevivente ou histórico. Esse remanescente poderia designar
uma entidade que representa, em parte ou como um todo, aqueles por meio de
quem Deus está realizando Seu plano de salvação. Não fosse por sua
sobrevivência em catástrofes tais como o Dilúvio, desafios religiosos
semelhantes ao encontrado pelo profeta Elias, dilemas morais como em
Amós, impasses militares como a deportação mencionada por Jeremias, ou
mesclas de todas as condições acima, a promessa de Gênesis 3:15 não
poderia se tornar realidade. Esse grupo de sobreviventes é encontrado de
maneira especial no Antigo Testamento. 7
Há também uma elite ou remanescente fiel. Essa concepção é encontrada
em Paulo e também entre os escritos de Qumran. 8 Essa expressão
designa, dentro da constituição sociológica do povo de Deus, a elite
religiosa. Aos olhos do Senhor, eles são o único segmento genuinamente
vibrante, o único que representa verdadeiramente o todo e é capaz de
levar adiante o futuro religioso de Israel. [...] Não é o mesmo que o
remanescente sobrevivente, os sobreviventes solitários; a elite
remanescente coexiste com outros membros do povo que parecem estar
mortos espiritualmente, e não de forma física, como no caso do
remanescente sobrevivente. 9
O conceito de remanescente escatológico é muito comum no Apocalipse.
Ele reúne aspectos dos dois pontos de vista precedentes e consiste, na
verdade, de uma expressão do grupo histórico e fiel que enfrenta e suporta
desafios angustiantes. Esse é o “remanescente” de Apocalipse 12, um
remanescente completamente envolvido em conflitos espirituais, disposto a
testemunhar em meio a um terrível desastre religioso. Analisaremos em
detalhes essa perspectiva particular sobre o remanescente do tempo do fim no
Apocalipse.
O conceito de remanescente no Apocalipse
Terminologia do remanescente
O substantivo loipos, encontrado em Apocalipse 12:17, é empregado oito
vezes ao longo do livro. 10 Em todos os casos, é usado no plural e poderia ser
traduzido tanto no singular quanto no plural. 11 A forma verbal leipō, que
significa “deixar”, “perder”, não aparece no Apocalipse. O uso mais comum
do substantivo se refere a “os outros”, mas poderia ser usado para veicular a
ideia de um remanescente. 12 A palavra pode estar relacionada a objetos (as
trombetas, 8:13) ou a pessoas. Pode designar um grupo perdido (19:21; 20:5),
especialmente aquele que é resgatado (9:20; 11:13), uma parte da igreja
(2:24; 3:2) ou toda ela (12:17). Em nosso caso, Apocalipse 12:17 “é de
especial importância, já que o remanescente não se confina a um local
específico (3:2; 2:24), mas se trata do remanescente universal, ou seja, o
remanescente de toda a igreja”. 13 Somente o contexto torna possível
distinguir um remanescente escatológico da igreja da qual ele é parte.
Outro termo, oligos, é usado quatro vezes. Em duas ocorrências, refere-se
ao tempo (12:12; 17:10) e, em outra, a acusações (2:14). Apocalipse 3:4 é o
único lugar em que o termo é empregado para designar um pequeno grupo
dentro da igreja de Sardes, cuja promessa de vestes brancas pode ser
estreitamente comparada à promessa feita aos mártires (6:11) e à multidão
incontável dos redimidos (7:9, 13). Em Apocalipse 3:4, o termo oliga (a
forma plural de oligos) é usado para significar “alguns”, “poucos”. Como o
termo, por si só, não carrega importância teológica, é bom prestar atenção
especial ao contexto e concentrar-se no estudo da noção ou do tema do
remanescente.
João e o remanescente
Exilado na ilha de Patmos por causa da “palavra de Deus” e do
“testemunho de Jesus”, João é retratado desde o início como alguém que
partilha das tribulações e da paciência de Jesus (1:9). Ele é, de maneira
implícita, identificado como um sobrevivente das tribulações sofridas pela
igreja. A tabela a seguir indica que os termos usados por ele para descrever a
própria experiência fazem parte de uma linguagem do remanescente
encontrada em diversas passagens do Apocalipse.
Os quatro textos se referem a diversas provações e todos sugerem
fidelidade a Deus e à Sua Palavra. Todos também mencionam o testemunho
de Jesus. Existe um debate em torno de Apocalipse 20:4, para saber se a
referência é a dois grupos distintos – aqueles que foram decapitados e os que
se recusaram a adorar a besta – ou se ambos consistem no mesmo grupo de
pessoas. A despeito disso, todos são crentes e fiéis na presença da
perseguição e da morte. Mantiveram-se fiéis a Deus, à Sua Palavra e a Seus
mandamentos, elementos que descrevem, basicamente, um compromisso
completo com o Senhor.
Ap 1:9 Ap 12:17 Ap 19:10 Ap 20:4
Eu, João, irmão
vosso e
companheiro na
tribulação, no
reino e na
perseverança, em
Jesus, achei-me
na ilha chamada
Patmos, por
causa da palavra
de Deus e do
testemunho de
Jesus.
Irou-se o dragão
contra a mulher e
foi pelejar com os
restantes da sua
descendência, os
que guardam os
mandamentos de
Deus e têm o
testemunho de
Jesus; e se pôs em
pé sobre a areia do
mar.
Prostrei-me ante os
seus pés para adorá-
lo. Ele, porém, me
disse: Vê, não faças
isso; sou conservo teu
e dos teus irmãos que
mantêm o testemunho
de Jesus; adora a
Deus. Pois o
testemunho de Jesus é
o espírito da profecia.
Vi também tronos, e
nestes sentaram-se
aqueles aos quais foi
dada autoridade de
julgar. Vi ainda as
almas dos decapitados
por causa do
testemunho de Jesus,
bem como por causa da
Palavra de Deus,
tantos quantos não
adoraram a besta.
 
Observe que tanto 1:9 quanto 19:10 se referem, de maneira específica, à
experiência pessoal de João. Perceba também que 12:17 faz mençãoao
remanescente atacado pelo dragão e que 20:4 retrata aqueles que rejeitaram a
adoração à besta, à sua imagem e sua marca. As duas passagens expressam
resistência ao poder repressor e maligno por meio da fidelidade à Palavra de
Deus e do testemunho de Jesus. Portanto, João é, em seus dias, emblemático
de um remanescente capaz de resistir firmemente ao dragão romano e de
compartilhar as tribulações, a lealdade e a paciência dos santos em Jesus (1:9;
14:12).
Os vencedores como remanescente
As mensagens às sete igrejas são compreendidas tradicionalmente, dentro
de círculos adventistas, como abrangendo toda a história da igreja. 14 Cada
mensagem se dirige à igreja cristã como um todo durante determinado
período da história. Também é possível afirmar que a igreja cristã ao longo
das eras recebeu impacto dessas mensagens. Nas cartas, Jesus faz um
chamado ao arrependimento e, desse processo, um remanescente se forma.
Em cada uma das mensagens às sete igrejas, é feita uma promessa aos
vencedores. Jesus começa com declarações diretas (“conheço as tuas obras”),
mas usa uma forma de expressão indireta quando se dirige ao vencedor (“ao
vencedor, darei...”). De certo modo, a promessa não é oferecida à igreja como
um todo, mas àquele ou àquela (singular) que, dentro da igreja, é vitorioso
por viver segundo a advertência dada à igreja. O chamado é feito de forma
clara e de maneira pessoal, individual. A mensagem a Laodiceia envolve toda
a cristandade, assim como as mensagens às outras igrejas. Em Apocalipse
12:11, os eleitos são participantes das aflições de Cristo, mas em 3:21 são
vistos como participantes de Sua vitória. Também existe um remanescente
vindo de dentro da igreja representada por Laodiceia.
A estrutura do livro é dividida em promessas (Ap 2, 3) e cumprimentos (Ap
21-22), 15 retratando os redimidos como um grupo composto exclusivamente
por vencedores. De fato, a recompensa final está reservada ao vencedor
(21:7). Na Nova Jerusalém, os eleitos são os vencedores. Portanto, é possível
sugerir que o termo “vencedor” se refere a um remanescente formado por
aqueles que venceram as provações de seus dias. Um vencedor é, por
definição, um remanescente, considerando que nem todos são vitoriosos e
que somente os conquistadores se beneficiarão das promessas. É muito
importante observar que o remanescente não é formado por aqueles fiéis que
simplesmente escaparam da apostasia do mundo. São também aqueles
inseridos na igreja cristã que se apegaram às palavras de Jesus em meio à
apostasia do Cristianismo.
Os vencedores mencionados no hino de Apocalipse 12:11 estão diretamente
ligados ao “remanescente” a que o mesmo capítulo faz menção. O hino
cristológico, registrado em Apocalipse 12:10-12, deixa claro que a vitória do
remanescente foi possível devido à vitória de Cristo. O remanescente resistiu
aos assaltos da besta, assim como os vencedores, os quais estarão em pé
sobre o mar de vidro (15:2).
Portanto, descobrimos que existem vencedores em todos os períodos
históricos abarcados pelas sete igrejas, cada um com desafios peculiares.
Todos tinham escolhas críticas a fazer: obedecer a Cristo e a Seus
mandamentos, ou seguir a tendência comum. Os capítulos finais da história
também terão seus vencedores, a saber, aqueles que se acharão em pé sobre o
mar de vidro, os quais foram vencedores “da besta, da sua imagem e do
número do seu nome” (15:2). Em cada era, o remanescente adquire suas
marcas distintivas. O remanescente dos últimos momentos da história será
caracterizado pela fidelidade à Palavra de Deus (Ap 12-14) e pela
proximidade a Jesus (Laodiceia). A vida deles estará completamente imbuída
do caráter de Cristo. A vitória não lhes pertence meramente pela virtude de
Seu exemplo; pertence a eles de forma experimental, através da presença de
Jesus em cada fibra de seu ser. 16
As mensagens às sete igrejas revelam que Cristo concentra Sua atenção
sobre toda a igreja, seja ela fiel ou não. Infere-se aqui que, na igreja, há tanto
pessoas fiéis, quanto infiéis (ver Mt 13:24-30). Entretanto, a salvação não é
obtida de maneira corporativa, pois não é resultado de pertencer a
determinada comunidade. Trata-se de uma escolha pessoal, uma resposta
individual ao chamado de Cristo e à Sua oferta de salvação. Isso sugere que o
remanescente surge de dentro da igreja cristã. É formado por vitoriosos ou
conquistadores. Estamos sugerindo que o Apocalipse afirma a existência de
um remanescente fiel capaz de subsistir ao longo da história, mas também de
um remanescente escatológico, dentro da última igreja.
Os 144 mil e o remanescente
A sequência de sete selos é concluída com uma questão dramática: “Porque
chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se?” (6:17). Em
outras palavras, considerando a ira do Cordeiro como a única possibilidade
de livramento, haverá ainda um remanescente resistindo? Apocalipse 7
funciona como um parêntese e fornece uma resposta a essa questão específica
através da referência aos 144 mil ou à “grande multidão”. Os 144 mil e a
grande multidão designam a mesma entidade. 17 Enquanto os 144 mil são
retratados num contexto auditivo (v. 4), a multidão aparece numa visão (v. 9).
Essa construção esquemática é paralela à de Apocalipse 1:12 e 13, na qual
João ouve uma voz lhe dizendo para escrever o que ele está vendo e, em
seguida, vê a Cristo. A visão esclarece o conteúdo audível. Em Apocalipse 5,
Cristo é anunciado como um leão (v. 5), antes de ser visto como um cordeiro
(v. 6). Em 9:16 e 17, João ouve o número de cavaleiros e então vê os cavalos.
A mesma sequência de ouvir antes de ver também está presente em 6:2, 5 e 8.
A sequência contrária é encontrada em Apocalipse 21, quando João vê a
Nova Jerusalém (v. 2) e depois ouve uma explicação (v. 3).
Independentemente da ordem, a mesma entidade se faz presente em todos os
casos.
Levemos adiante esse pensamento: os 144 mil descritos em Apocalipse
14:1-5 revelam as mesmas características da multidão. Estão diante do trono
(14:3; 7:9) e são retratados como os redimidos (14:3; ver 7:10). Enquanto a
multidão dos redimidos lavou suas vestes no sangue do Cordeiro (7:14), os
144 mil não se macularam com mulheres, ou seja, com a meretriz Babilônia e
com suas filhas (14:4; 17:5).
O número simbólico 144 mil pode ser compreendido como o tamanho
“incontável” da multidão vista (7:9). Parece haver aqui um eco à promessa
feita a Abraão de que sua posteridade seria inumerável, representada pelas
doze tribos e por toda nação, tribo, língua e povo (7:9). 18 Parece haver uma
ligação entre o Cordeiro que conduz a multidão às fontes das águas (7:17) e
os 144 mil que seguem o Cordeiro onde quer que Ele vá (14:4).
A pergunta dos anciãos – “Estes que se vestem de vestiduras brancas, quem
são e donde vieram (oi peribeblēmenoi tas stolas tas leukas)?” (7:13) – se
refere, obviamente, à multidão de vestes brancas (peribeblēmenous stolas
leukas; 7:9). Mas agora, recebemos a informação que ela passou por uma
grande tribulação misteriosa, não especificada (tēs thlipseōs tēs megalēs) e,
ainda assim, se beneficiou das promessas escatológicas. 19 Possui um selo na
testa com o nome do Cordeiro e do Pai. Suas vestes brancas sugerem sua
função sacerdotal. 20 A relação entre os 144 mil (compostos por doze tribos) e
a grande multidão salienta a continuidade das promessas feitas a Israel e a
salvação dos gentios (ver Gl 3:26-29). 21
Nem todos os seres humanos recebem o selo de Deus, mas somente aqueles
que foram redimidos da Terra. Como são chamados de “primícias”, conclui-
se que os 144 mil são, de fato, um remanescente. 22 Eles se caracterizam pelas
seguintes experiências: (1) Não se macularam com mulheres (14:4). Em
outras palavras, não se prostituíram com Babilônia, a mãe das meretrizes
(17:1-6). (2) Seguem o Cordeiro (14:4), não a besta ou o falso profeta. 23 (3)
Não participaram das mentiras (14:5) do falso profeta (profeta de mentiras;
13:11-17; 16:13; 20:10). Em outras palavras, os 144 mil possuem todas as
características do remanescente descrito nos capítulos12-14.
Eles escolheram o lado de Deus em face das referências à ira do Cordeiro
(6:17), de Deus (14:10) e do dragão e de seus seguidores (12:12, 17). Eles são
o remanescente, confrontado pelos coligados poderes das trevas. A referência
ao remanescente composto por 144 mil vai além do conflito tipificado por
Elias, e os coloca num nível do componente moral e espiritual do
remanescente nos profetas do Antigo Testamento. Aqueles que carregam o
nome de Deus e do Cordeiro devem dar testemunho dEle, manifestando por
palavras e ações a bondade e o amor de Cristo à humanidade. Confrontado
com a besta, cujo principal esteio é a violência, o remanescente testemunha
da “benignidade de Cristo” (2Co 10:1; Fm 4:5).
As duas testemunhas e o remanescente
O ciclo de sete trombetas também abre caminho para a presença de um
remanescente. A visão das duas testemunhas ocupa a mesma posição
estrutural que os 144 mil no ciclo dos selos. Ela é colocada como um
parêntese entre a sexta e a sétima trombetas (Ap 10, 11). Ao estudar o
conceito de remanescente no Apocalipse, não podemos ignorar a importância
desse parêntese. Ele nos fornece três informações importantes. Em primeiro
lugar, existe um período profético idêntico ao do capítulo 12, ou seja, de
1.260 dias (11:3). Segundo, as testemunhas são atacadas pela besta que surge
do abismo (11:7). Terceiro, elas dão “testemunho” (11:7).
O sexto selo termina com uma pergunta desafiadora: “quem é que pode
suster-se?” (6:17). A resposta concedida é: os 144 mil. Ao final da sexta
trombeta, nenhuma questão específica é feita. Somos informados de que após
as tribulações da sexta trombeta, os sobreviventes (hoi loipoi) não se
arrependem de suas obras más; eles continuam a adorar ídolos (9:20). Parece
não haver mais esperança para a humanidade, pois nenhum remanescente
aparece como tendo se arrependido. O conteúdo dos capítulos 10 e 11 fornece
uma resposta confortante para esse cenário catastrófico. O décimo capítulo
anuncia boas-novas: quando a sétima trombeta tocar, o mistério de Deus se
cumprirá (10:7). Enquanto isso, João é chamado a profetizar a respeito de
muitos povos e nações (10:11). Ainda existe esperança, a profecia ainda será
ouvida. O capítulo 11 mostra como essa obra profética será realizada por
duas testemunhas vestidas de pano de saco.
A missão das duas testemunhas é relacionada, de diversas maneiras, à
noção de remanescente. Em primeiro lugar, seu ministério é comparado ao de
Elias. O relato de Elias sugere um remanescente (1Rs 19:14). Jezabel destruiu
a essência da adoração a Deus, representada pelos ministérios profético e
sacerdotal. A situação parecia sem qualquer esperança e desprovida de
possibilidade de redenção. Elias pensava que ele, sozinho, era o
remanescente.
Em segundo lugar, o ministério das duas testemunhas também pode ser
comparado ao de Moisés, que transformou a água do Nilo em sangue e trouxe
várias calamidades à terra (11:6). O êxodo, liderado por Moisés, pode ser
compreendido dentro do contexto de um remanescente 24 que escapa a um
desastre. Sem a intervenção divina, o plano de salvação poderia ter terminado
no Egito, através do genocídio sistemático de judeus realizado por faraó.
Terceiro, em Apocalipse 11:4, as duas testemunhas são comparadas a duas
oliveiras, símbolos familiares da tradição judaica de dois indivíduos ungidos,
a saber, Josué e Zorobabel. 25 A experiência de Josué, descrita em Zacarias 3,
se relaciona claramente a Apocalipse 12. Em ambas as passagens, Satanás é o
acusador e a referência ao “tição tirado do fogo” é semelhante ao
remanescente (Zc 3:2). 26 A referência a Josué e Zorobabel sugere duas
testemunhas que representam tanto a entidade sacerdotal quanto a profética.
Isso não deve causar surpresa, pois o propósito de Deus era levantar uma
nação de sacerdotes (ver Êx 19:6; Ap 1:6; 5:10).
Uma questão é feita: se as duas testemunhas compõem um remanescente,
qual é sua ligação com a mulher de Apocalipse 12? Esse questionamento é
ainda mais relevante porque todos esses estão, de alguma forma, associados
com a profecia dos 1.260 dias (11:3; 12:6). Ambas as testemunhas são
atacadas. Uma pelo dragão e a outra pela besta, que se apresenta como a
imagem do dragão. Observe também que, no capítulo 12, Cristo é a
descendência da mulher e que as duas testemunhas compartilham Sua
experiência. A morte delas é identificada com a de Jesus e, assim como Ele,
elas ressuscitam e ascendem ao Céu “numa nuvem”, outra característica
cristológica (11:8, 12).
Kenneth Strand demonstrou que as duas testemunhas são o Antigo e o
Novo Testamentos, 27 a Palavra escrita de Deus, sendo Cristo a Palavra
encarnada. Na sequência da análise, ele sugere que também podem
representar o perseguido povo de Deus, que dá testemunho dos dois
testamentos. 28 Podemos presumir que a mulher no deserto e as testemunhas
vestidas de pano de saco têm algo em comum. Apocalipse 12 fornece pouca
informação acerca da mulher; contudo, as marcas das duas testemunhas
indicam que a mulher-igreja é reconhecida por sua fidelidade às Sagradas
Escrituras e pelo testemunho dos profetas. Ela constitui o remanescente fiel
que conhece a Bíblia (as duas testemunhas) e testifica disso, no deserto. O
remanescente da semente da mulher descende dela. Ele permanece firme nos
mandamentos de Deus e na fé em Jesus. Da mesma forma que Apocalipse
11:3 sugere que um remanescente glorificará a Deus (v. 13, hoi loipoi), ao
final de Apocalipse 12 há a indicação de que existe um remanescente da
semente da mulher.
O remanescente testifica da validade do conteúdo do livrinho (10:10, 11):
“Já não haverá demora, mas, nos dias da voz do sétimo anjo, quando ele
estiver para tocar a trombeta, cumprir-se-á, então, o mistério de Deus,
segundo Ele anunciou aos Seus servos, os profetas” (10:6b, 7). Portanto, ele
dá testemunho da Palavra de Deus, conforme registrada nas Escrituras. Após
o remanescente santo escondido no deserto, existe um remanescente
escatológico. A ligação possível entre as duas testemunhas e a mulher,
implícita no capítulo 11, ajuda a esclarecer a natureza e identidade desta,
enquanto o capítulo 12 elucida a natureza do remanescente escatológico.
Juntos, eles demonstram que o remanescente não é consequência de uma
geração espontânea. A “semente da mulher” é herdeira de um testemunho
profético contido tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, os quais
foram preservados ao longo dos séculos pelo remanescente fiel de Deus.
Finalmente, o conceito das duas testemunhas exigidas pela lei fundamenta o
Apocalipse, 29 assim como parece permear o Novo Testamento. 30 Além
disso, as duas testemunhas implicam a atividade do povo de Deus como
aqueles que se mantêm fiéis às Escrituras. Considerando essas duas
realidades, as referências comuns à “Palavra de Deus” e ao “testemunho”
(6:9), aos “mandamentos de Deus” e à “fé em Jesus” (14:12) e ao
“testemunho de Jesus e o espírito de profecia” (19:10) precisam estar
interconectadas. Mais uma vez, o remanescente se encontra ligado ao povo
fiel a Deus que dá testemunho do que Ele revelou (os mandamentos) e do que
Jesus revelou por meio dos “profetas”. 31
Os servos e o remanescente
Já no primeiro verso do Apocalipse, somos informados de que o livro se
direciona aos servos de Deus (1:1), noção repetida no final da obra (22:6). O
Apocalipse informa aos servos as coisas que devem acontecer em breve,
conforme reveladas ao longo de todo o livro. Os servos de Deus recebem Seu
selo (7:3), se encontram ligados aos 144 mil e se unem a esses em um cântico
de louvor. Babilônia pode ter derramado o sangue desses servos (19:2), mas o
Senhor recompensará sua fidelidade (11:18). O emprego do termo “servos”
traz à tona a concepção de que seu conflito e sua vitória são idênticos aos do
remanescente histórico ou sobrevivente e do remanescente escatológico.
Considerando que a questão central do conflito é a adoração a Deus ou à
besta, os adoradores são, por definição, servos de quem decidem adorar.
O tema do remanescente é central no Apocalipse porque o livro se dirigeà
igreja. Sendo assim, ele é direcionado ao remanescente de todas as eras,
aqueles que têm constituído o povo verdadeiro de Deus, a igreja e o corpo de
Cristo. Ele é o Servo sofredor por excelência (Is 53).
O livro da vida e o remanescente
Se apenas aqueles cujo nome se encontra escrito no livro da vida do
Cordeiro (21:27) entrarão na cidade de Deus, então o remanescente vitorioso
precisa constar do livro. O livro da vida ganha destaque no julgamento final
(20:12) e é mencionado no contexto do conflito instigado por Babilônia e
pela besta que a apoia (17:8). Serve para distinguir entre os santos e os que
adoram a besta (13:8). Alguns podem identificar um elemento de
predestinação no fato de os nomes estarem escritos no livro “desde a
fundação do mundo” (17:8). Por mais paradoxal que possa parecer, esse
detalhe é teologicamente significativo. Na verdade, não importa o título dado
ao remanescente, ele é chamado para ser corajoso, perseverante, fiel e
obediente ao Senhor a ponto de quase soar legalista. O fato é que o
julgamento final se baseia nas obras de cada indivíduo. Isso é mencionado
duas vezes no Apocalipse (20:12, 13). O livro da vida também aparece duas
vezes no contexto do julgamento final (20:12, 15). A referência aos nomes
escritos no livro “desde a fundação do mundo” serve para nos lembrar que
tudo acontece pela graça, mesmo nossas obras.
A fidelidade aos mandamentos de Deus pode ser decisiva, mas ninguém
tem condições de se orgulhar de tê-los guardado, pois a vitória é concedida a
cada um pela graça de Deus. Conquanto a noiva use vestes brancas,
representando as obras justas dos santos, isso também foi um dom de Deus
para ela (19:8). Ninguém a força a aceitar o presente; ela recebe as vestes
com gratidão. 32 De acordo com Apocalipse 7:14, os membros da grande
multidão “lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro”. A
escolha é de cada um, mas depende do sangue do Cordeiro. Nesse caso, a
mensagem de João corresponde à de Paulo, mesmo que apresentada de forma
ligeiramente distinta: “[Deus] nos escolheu nEle antes da fundação do
mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele” (Ef 1:4).
“Escolhidos para ser santos” é o chamado específico feito ao remanescente.
Reino de sacerdotes e o remanescente
A santidade do remanescente nos remete ao grande plano divino destinado
a ajuntar aqueles que pertencem exclusivamente a Deus: “Vós Me sereis
reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos
de Israel” (Êx 19:6). Apocalipse desenvolve o tema da verdadeira adoração e
identifica os redimidos como sacerdotes. No que parece ser um hino
cristológico ou uma confissão de fé, Cristo é louvado porque, por meio de
Seu sangue, Ele transforma os salvos em “sacerdotes para o Seu Deus” (Ap
1:5, 6). Em outro hino, o Cordeiro é louvado porque comprou e constituiu
reino e sacerdotes os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação (5:9,
10). No fim, aqueles que resistiram à besta e à sua imagem pelo testemunho
de Jesus e pela Palavra de Deus são chamados de bem-aventurados. Eles
recebem a promessa de que “serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão
com ele” (20:6, ênfase acrescentada).
Conforme já indicado, os 144 mil representam a totalidade do povo de Deus
do tempo do fim. Seguindo o tema de Êxodo 19, todos do povo de Deus são
sacerdotes (o chamado sacerdócio de todos os crentes). Pedro apresenta essa
ideia da seguinte forma: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação
santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as
virtudes dAquele que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz”
(1Pe 2:9).
A adoração e o louvor devidos a Deus são o tema do Apocalipse, o que
contrasta com o desejo da besta e de sua imagem. Isso nos leva a Êxodo 19,
onde encontramos a origem desse reino de sacerdotes. Os sacerdotes são
guardiões da lei. É seu dever ensiná-la ao povo. 33 Eles também exercem a
função de mediadores entre Deus e os seres humanos. Estabelecem uma
ligação entre essas duas partes por meio dos sacrifícios. A lei divina foi dada
ao povo não para torná-los legisladores, mas advogados, cujo dever é
interceder em favor dos transgressores. Desse modo, o remanescente deve
operar como mediador, não através de seu próprio sacrifício, mas pelo sangue
do Cordeiro que foi morto. 34
Esse é um conceito vital. Quando nos concentramos exclusivamente na
capacidade do remanescente de guardar os mandamentos de Deus, temos a
tendência de esquecer que sua missão e seu papel são, em primeiro lugar,
clamar pelos culpados e interceder pelos pecadores. O remanescente é um
testemunho da missão de Jesus, que não veio “chamar justos, e sim
pecadores” (Mt 9:13). Os três animais simbólicos se isolam da graça do
Senhor e incorrem em Sua ira por causa de suas atividades de perseguição.
Organizam uma adoração do orgulho e da violência. Por outro lado, vestidos
como os sacerdotes de antigamente em vestes brancas, os novos sacerdotes
são o remanescente, cujas vestes foram branqueadas pelo sangue do
Cordeiro. Portanto, declaram eternamente que Deus é amor e que a salvação é
obra de Sua graça.
O convite à santidade não é apenas individual, mas coletivo. Quando o
Senhor chama Seu povo à santidade, sempre usa o plural. 35 A santidade
consiste numa preocupação da comunidade, pois “ninguém é capaz de viver
segundo a imagem de Deus e permanecer sozinho”. 36 A santidade não é
somente separação do mal, mas um compromisso com Deus e com os outros,
e ao mesmo tempo a luta por adequação para atender a Deus 37 e servir ao
próximo.
Conclusão
As diferentes abordagens ao estudo do remanescente fornecem uma ampla
apreciação de sua singularidade. O livro do Apocalipse apresenta um
remanescente que sobrevive ao longo da história. Sem esse remanescente,
sustentado pela graça de Deus, a redenção prometida falharia. Cristo, o
descendente da mulher, de acordo com a promessa de Gênesis 3:15, adquire
importância ainda maior quando se considera que Sua igreja se torna Seu
corpo. Esse corpo toma forma de um remanescente beneficiário de Sua graça
(ver Rm 11:5). O remanescente é único e multifacetado; suas características
incluem o próprio João, os vencedores, os 144 mil, o reino de sacerdotes e os
servos cujos nomes se encontram escritos no livro da vida do Cordeiro. Esse
remanescente é identificado com o remanescente histórico ou sobrevivente e
também com o remanescente santo, dependendo das circunstâncias. No
entanto, nos dias finais da história, haverá um remanescente escatológico,
cuja natureza é semelhante à de seus antecessores, mas que vivenciará
condições particularmente difíceis.
O estudo do remanescente no Apocalipse possibilita reconhecer sua riqueza
e complexidade. O remanescente é composto por vencedores que
permanecem firmes em face das perseguições do dragão e de seus seguidores.
Trata-se de um remanescente cujo sofrimento é, até certo ponto, comparável
ao de Cristo. É um remanescente fiel, completamente formado por aqueles
que guardam os mandamentos de Deus, assim como Jesus observou os
mandamentos de Seu Pai. 38 Todo o Apocalipse gira em torno da diferença
entre a adoração do único Deus verdadeiro e outras formas de adoração
desleais ao decálogo.
O Antigo Testamento fala sobre sacerdotes e profetas em oposição uns aos
outros, mas o remanescente do Apocalipse se assemelha a Jesus Cristo:
exerce ambas as funções. Esse remanescente anuncia as boas-novas da
salvação e intercede, ao mesmo tempo em que cumpre a função profética de
guardião da Palavra de Deus e do Apocalipse (22:9, 10). Encontra-se
fundamentado na tradição profética de aguardar Aquele que vem. Finalmente,
consiste de um remanescente escatológico, que surge para dar testemunho
durante o julgamento final, chamando o povo de Deus para sair de Babilônia
(18:4, 5).
O remanescente em Apocalipse 12
O remanescente e os mandamentos de Deus
A referência aos mandamentos de Deus em Apocalipse não possui
importância secundária. Além de ser encontrada duas vezes (12:17; 14:12),
em ambas empregandoa mesma terminologia básica (mandamentos de Deus
e o testemunho/fé de Jesus), também está presente no contexto do confronto
com o dragão, a besta e o falso profeta em sua oposição ao decálogo.
Também é mencionada no convite à obediência, proclamado pelos três anjos.
O dragão é apresentado desde o início como assassino (quebra do sexto
mandamento). Sua intenção consiste em destruir a descendência da mulher na
forma do filho (12:5) ou do remanescente (12:17). Ele é identificado como o
diabo, Satanás (12:9), aquele a quem Jesus chamou de homicida desde o
princípio (Jo 8:44). A besta que emerge do mar aparece na cena do conflito,
blasfemando (Ap 13:1, 5, 6). Sua linguagem desconsidera o terceiro
mandamento. O dragão e a besta do mar exigem adoração, desafiando o
primeiro mandamento, o qual ordena adoração exclusiva a Deus, o Redentor
(Ap 13:4). A besta que emerge da terra promove a idolatria e o assassinato
(quebra do segundo e sexto mandamentos; 13:15).
Em contrapartida, a mensagem dos três anjos é direcionada à verdadeira
adoração, subentendendo obediência à lei. 39 A menção ao Deus Criador
(“adorai Aquele que fez o céu, e a terra”), ao Deus Redentor (“um evangelho
eterno”) e ao Deus juiz (“pois é chegada a hora do Seu juízo”) aludem à
primeira tábua da lei, que proclama Deus como Criador (Êx 20:11), Salvador
(20:2) e Juiz (20:5, 6). É inquestionável a existência de diversos paralelos
entre Apocalipse 14 e o quarto mandamento. 40 Na verdade, o contexto para
Apocalipse 14 está ligado a uma aliança que requer fidelidade e obediência. 41
Todas as estruturas necessárias para uma aliança se encontram presentes:
preâmbulo (14:6, 7), prólogo histórico (14:6), requisitos (14:7-12) e
testemunhas (14:10, 13). Também fica claro que há um paralelo entre
Apocalipse 12:17 – “os que obedecem aos mandamentos de Deus e se
mantêm fiéis ao testemunho de Jesus” (NVI) – e a menção, em 14:12, aos
“que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”.
O verbo “guardar” (tēreō) é importante. Nas obras joaninas, ele se refere
especificamente à observância do conteúdo catequético tradicional, cuja
origem remonta aos ensinamentos de Jesus e é considerada normativa para os
fiéis 42 (Jo 14:21-24; 15:20). A observância dos mandamentos de Deus e de
Jesus é considerada sinal de vitalidade cristã. Por isso, no Apocalipse,
guardar os mandamentos de Deus é uma questão de permanecer fiel à
mensagem profética e à tradição, conforme foram dadas aos profetas e por
eles transmitidas do começo até o fim dos tempos. O remanescente se destaca
por seu apego às Escrituras, demonstrado em sua obediência aos
mandamentos de Deus; ele é a autêntica descendência da mulher.
A fé de Jesus é a mesma sobre a qual Ele se apoiou durante as tentações no
deserto, com base no “está escrito” (Mt 4:4, 7). Sem esse tipo de fé na
Palavra de Deus, é impossível render louvor que O agrade (Hb 11:6). Em
poucas palavras, a afeição do remanescente à fé de Jesus e aos mandamentos
de Deus o identifica como testemunha profética da autenticidade e validade
da Palavra de Deus. O remanescente é profético porque, num mundo
inclinado à adoração da besta e de sua imagem, ele testemunha juntamente
com Jesus em favor da verdadeira adoração ao Deus criador, a quem se alia.
É inquestionável que o conflito entre as três bestas e a descendência da
mulher se encontra diretamente relacionado com a verdadeira adoração e a
obediência aos mandamentos de Deus. O remanescente é santo, reconhecido
devido a sua fidelidade à longa tradição profética registrada nas Escrituras.
O testemunho de Jesus e o remanescente
A segunda característica do remanescente é possuir o testemunho de Jesus.
A primeira pergunta é se o remanescente testifica sobre Jesus ou se Jesus dá
Seu testemunho ao remanescente. Em outras palavras, trata-se de uma
expressão no genitivo subjetivo ou objetivo? Ambas as possibilidades já
foram defendidas. 43 Os adventistas do sétimo dia normalmente consideram
tratar-se de genitivo subjetivo, como em outras ocasiões no Apocalipse. 44
Isso significa que o testemunho é dado por Jesus.
Em Apocalipse 19:10, o “testemunho de Jesus” é identificado com o
espírito de profecia. A declaração é feita em um contexto um pouco
surpreendente: após João tentar adorar um anjo; isso seria contrário a todos
os outros ensinamentos do livro. Os exegetas têm ponderado acerca do
significado desse incidente ambíguo (22:8, 9). Alguns têm compreendido que
João poderia estar reagindo a uma tendência de um grupo na igreja de adorar
anjos e aproveitou a ocasião para denunciá-la. 45 Claramente, as duas
passagens denunciam a adoração de outra pessoa além de Deus.
Além disso, os dois episódios testificam de Jesus, cujas palavras se
encontram no Apocalipse:
19:10: e de teus irmãos que mantêm o testemunho de Jesus.
22:9: dos teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste
livro.
Tal fato não causa surpresa, já que o livro foi aberto, desde o princípio,
como uma “revelação de Jesus Cristo” (1:1). Jesus é tanto o autor quanto o
tema da revelação. Ser um profeta verdadeiro que tem o testemunho de Jesus
implica fidelidade à mensagem do Apocalipse. Qualquer pessoa que afirme
possuir tal título, mas que proclame qualquer coisa diferente da mensagem do
Apocalipse é um falso profeta, alguém que não foi sancionado pelo espírito
de profecia (Ap 22:18, 19).
A outra congruência confirma esse fato:
19:10: Pois o testemunho de Jesus é o espírito de profecia.
22:10: Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está
próximo.
De acordo com essas afirmações paralelas, Jesus dá Seu testemunho por
meio dos profetas e, em especial, através do Apocalipse. Bem-aventurado
aquele que guarda as palavras nele escritas (1:3; 22:7). Para desenvolver
ainda mais esse ponto de vista, é essencial analisar a natureza e função do
falso profeta, cujo caráter é prevalente na segunda metade do livro. Causaria
espanto se João discutisse o espírito de profecia que inspira os profetas
verdadeiros e não lidasse também com o falso profeta.
Analisemos brevemente as características do falso profeta. 46 A besta que
emerge da terra tem aparência de cordeiro. Portanto, seu sistema de
funcionamento é, por natureza, religioso. Ela realiza muitas grandes
maravilhas, 47 para instigar um frenesi mundial de devoção à besta que vem
do mar. Imita os milagres de Jesus para levar as multidões a retirarem dEle
sua atenção (ver Jo 2:12, 24). Aumenta suas obras 48 e tenta seduzir as
pessoas por meio de um ativismo estarrecedor. Suas ações envolvem um
discurso movido por espíritos demoníacos e incitado pela violência (16:13,
14). Esse discurso é inspirado no antigo rei da Babilônia, cuja intenção era
impor a adoração a ídolos por meio da coerção (Dn 3; ver Ap 13:15). O falso
profeta também impõe a marca da primeira besta (13:16). Trata-se da
contrafação das duas testemunhas que falam como profetas de Deus (11:3).
Embora as duas testemunhas sejam capazes de operar milagres, nenhum deles
é considerado como um “sinal”. Elas possuem poder (exousia) e potencial
para usá-lo, mas não o fazem. 49 Pelo contrário, vestem-se de pano de saco e
realizam as obras que as levarão a compartilhar o destino de Cristo (11:9, 11).
Seus cadáveres são vistos nas ruas da grande cidade, expressão empregada
exclusivamente para identificar Babilônia. 50
O falso profeta assume função sacerdotal, fundamentado na adoração
sacrílega de uma imagem. Suas ações são contrárias aos ensinamentos de
todos os profetas do passado, cujo objetivo era desviar Israel da adoração a
ídolos. 51 Longe de se voltar à “lei e ao testemunho”, promove o
envolvimento com espíritos e médiuns (ver Is 8:19; Ap 16:13).
Parece que o espírito de profecia, o encorajador do remanescente da
semente da mulher, está ligado à revelação do Deus verdadeiro conforme
encontrada em Sua Palavra, e não simplesmente a uma manifestação do
espírito de profecia no meio dele. O remanescente recebe vigor por meio dos
ensinos de Jesus no Antigo Testamento e de Seu ministério, além do
testemunho dosapóstolos, o qual inclui o Apocalipse. Essa confiança total
nas Escrituras permite ao remanescente usar e identificar a manifestação do
dom profético em seu meio. Consequentemente, a Igreja Adventista
reconheceu que o ministério de Ellen G. White consiste numa manifestação
do dom de profecia. Portanto, o remanescente se ancora na tradição profética,
testemunha dela e a vivencia.
Seguindo essa linha, as três mensagens angélicas proclamadas em
Apocalipse 14 se encontram em completa harmonia com as convicções do
remanescente. A primeira mensagem se relaciona com a Palavra de Deus,
como se pode perceber a partir da referência aos mandamentos. 52 A segunda
condena Babilônia por perseguir o remanescente. E a terceira tem que ver
com a besta, o instrumento do dragão contra o remanescente. Este proclama
abertamente essas mensagens, na medida em que expressa suas convicções e
sua experiência. 53
A mulher e o remanescente
No Apocalipse, o povo remanescente está diretamente ligado à mulher do
capítulo 12. Essa mulher já foi interpretada de várias maneiras diferentes (por
exemplo, como Maria, mãe de Jesus, ou como a adoração a Artêmis). 54
Tomaremos como pressuposto o fato de a mulher representar o povo de Deus,
55 sem fazer distinção entre o Antigo e o Novo Testamento. Em 12:6, ela é
retratada fugindo para o deserto. Isso parece apontar para o êxodo do povo de
Israel e também para a fuga do profeta Elias quando ameaçado pela ira de
Jezabel (1Rs 17:1-7). Essa possibilidade encontra apoio no fato de em outros
lugares do Apocalipse se fazer alusão ao ministério de Elias (11:5, 6; 13:13).
A experiência do profeta não deve ser separada da noção de um remanescente
56 que sobrevive em meio à perseguição e apostasia, em especial quando a
questão básica se refere à adoração (1Rs 19:14, 18). Conforme já
mencionado, esse tema é particularmente importante no Apocalipse.
A segunda passagem que descreve a fuga da mulher para o deserto usa
imagens derivadas do vocabulário do êxodo (Ap 12:14-16). As duas asas da
grande águia se referem a Êxodo 19:4 e a Deuteronômio 32:11. O deserto é o
local onde o maná foi recebido (Êx 16). A referência à água engolida pela
terra (Ap 12:15, 16) pode ecoar o cântico de Moisés e de Miriã (Êx 15:12),
mencionado de maneira explícita em Apocalipse 15:3. Também é interessante
lembrar que o dragão consiste num símbolo do Egito (Is 51:9, 10; Ez 29:3;
32:2) e de Babilônia (Jr 51:34). A mulher, assim como o remanescente,
consegue escapar à ameaça de destruição total, instigada por motivações
religiosas. 57
A descrição da mulher no Apocalipse faz uso de vocabulário associado ao
remanescente. A mulher é perseguida pelo dragão, assim como o
remanescente de sua descendência o será. Ela é herdeira da promessa
original, mas também alvo de agressão pela antiga serpente (ver Gn 3:15; Ap
12:9). O remanescente escatológico não é simplesmente aquele que passa por
perseguição. A igreja, simbolizada pela mulher, teve a mesma experiência.
Existe continuidade entre a mulher e o remanescente. Portanto, pode-se
sugerir que, de um ponto de vista histórico, a igreja perseguida parece ser
identificada como um remanescente histórico e fiel, ao se esconder durante
1.260 dias.
Poderíamos ser levados a pensar que existem apenas dois personagens
centrais nessa história: o dragão e a mulher. No entanto, Apocalipse 13 revela
que o dragão usa duas bestas para guerrear contra os santos (13:7) e matá-los
(13:5). No capítulo 17, encontramos o mistério de outra mulher, que também
é mãe, porém está embriagada com o sangue dos santos (17:6). Ela é apoiada
por uma besta que, assim como o dragão, possui sete cabeças e dez chifres
(17:7; 12:3). 58 Essa mulher, também como o dragão, fez guerra contra os
santos. Se uma mulher é símbolo da igreja, fica claro que a “igreja” realmente
existe em dois níveis diferentes. A mulher/igreja perseguida durante 1.260
dias representa o remanescente perseguido por outra entidade, que também é
uma “mulher/igreja”, identificada como Babilônia.
A referência à mulher nos ajuda a esclarecer a noção teológica de
“remanescente” como uma igreja. Podemos falar acerca de um remanescente
que é identificado como a igreja em continuidade. Ela é herdeira das
promessas de Deus e alvo da ira do dragão ao longo da história. Também
existe outro componente da igreja: uma mulher sombria chamada Babilônia.
Portanto, o remanescente representa tanto um conceito “sequencial”
(encontrado ao longo da história), quanto “central” (localizado
especificamente no fim da história). Mas, em contraste com o exclusivismo
encontrado no discurso de Qumran, que condena aqueles que não pertencem
à comunidade, 59 o Apocalipse é consistente em afirmar a inclusão. É verdade
que o livro divide a humanidade em dois grupos, a saber, os redimidos e os
perdidos, mas a mensagem subjacente é que os que não foram salvos ainda
podem tomar sua decisão de ser. O remanescente proclama o chamado final
para o povo de Deus sair de Babilônia (18:4). Longe de ser a igreja por si só,
o remanescente é sua face encantadora, sua principal atração e o símbolo de
sua distinção. Trata-se da mão estendida de Deus para resgatar Seus filhos
que estão sendo seduzidos pelas três bestas.
Um hino cristológico e o remanescente
Não é possível explicar completamente a natureza do remanescente em
Apocalipse 12 sem considerar o hino localizado entre as duas referências à
mulher fugindo para o deserto para escapar do dragão (12:6, 14). Os
versículos 7-9 retratam uma grande guerra ocorrendo no Céu. Miguel e Seus
anjos são vitoriosos; em decorrência disso, o dragão derrotado é expulso do
Céu. Essa descrição da guerra possui função dupla. Reforça a fé do
remanescente enquanto esse enfrenta as ameaças do dragão contra si, pois
está diante de um dragão derrotado. Do ponto de vista estrutural, 60
Apocalipse 12 retrata a ineficácia do dragão. Ele está agitado, quer devorar o
filho, luta contra Miguel e Seus anjos, persegue a mulher e vomita um rio
sobre ela. Tudo isso pode ser confrontado com o Ser inabalável que desafia
as ações do dragão e o enfrenta com pulso de ferro. Deus remove o filho,
prepara um lugar seguro para a mulher no deserto, dá a ela asas como de
grande águia e faz a terra engolir o rio. Somente o Senhor é eficaz. Miguel é
Seu representante na batalha. O remanescente nada tem a temer diante da ira
do dragão.
A segunda função da narrativa de guerra é lembrar o remanescente de que a
salvação não vem por méritos, mas é baseada e determinada pela vitória de
Cristo. O dragão usa sua boca para devorar, vomitar e acusar. Desempenha
seu propósito num nível mais espiritual do que físico. Frente às acusações de
Satanás, a proclamação do hino cristológico nos versos 10-12 ressoa com
alegria. O som de regozijo se espalha pelo Céu com a notícia de que o dragão
foi expulso. A razão para a expulsão é dada: “[Ele] os acusa [os irmãos] de
dia e de noite, diante do nosso Deus” (v. 10). O cenário é judicial. Satanás se
encontra impotente diante do plano da salvação. Como o acusador foi
eliminado, todos os obstáculos ao perdão divino estão removidos. Há júbilo
no Céu, não tanto porque o dragão foi expulso, mas porque ele não pode mais
realizar sua obra de destruição nesse lugar. Assim como nos hinos similares
em Apocalipse 4 e 5, os habitantes do Céu estão envolvidos com a salvação
dos santos. Depois de cantar louvores ao Deus Criador e a Cristo, o Salvador,
eles agora podem entoar cânticos de louvor porque o plano da salvação está
consumado (Ap 12).
Apocalipse 12:11 mostra quais são os pré-requisitos para a vitória: a morte
de Cristo na cruz e o comprometimento dos fiéis com seu Salvador. O texto
fala mais sobre martírio do que acerca do batismo. A morte do crente é
apresentada em íntima conexão com a de Cristo e com Sua vitória sobre a
morte. Entretanto, o hino deixa claro que a vitória não é obtida por meio do
martírio. Esse não é visto como um instrumento de salvação. Somente o
sangue do Cordeiro é capaz de salvar. O martírio consiste meramente numa
forma de testemunho,através de um destino comum.
Considerando a realidade de seu próprio esvaziamento (kenosis), o
remanescente participa palidamente daquele vivenciado pelo Cristo
crucificado. Trata-se de um testemunho vivo. Sujeitos aos ataques de Satanás,
assim como Cristo, eles testificam pela fé da vitória que Ele conquistou na
cruz. Calamidades podem assolar a terra, mas o Céu se regozija num cântico
de vitória. Existe esperança, uma vez que Cristo venceu o inimigo e é
exaltado de novo no Céu. Portanto, a noção de remanescente vai além da
mera observância legalista dos mandamentos de Deus. Implica um
testemunho vivo de fidelidade, a despeito das óbvias fraquezas. Além disso,
testifica que Deus, na cruz, embora parecesse estar em Seu ponto mais frágil,
encontrava-se, na verdade, no auge de Seu poder. A menção aos
mandamentos, em especial nos capítulos 13 e 14, que se concentra nos quatro
primeiros mandamentos, constitui um desafio a ter fé somente em Deus ao
mesmo tempo em que é feito um esforço para colocar em prática uma nova
forma de adoração. O contexto verdadeiramente reflete a experiência de
Elias.
O Apocalipse é colocado em meio a uma luta de poder envolvendo dois
reinos conflitantes e também a questão da adoração: o reino de Deus e de
Cristo, desafiados pelo reino do dragão e das bestas. Somente um
remanescente sai vitorioso da batalha. O Apocalipse dá nome ao
remanescente e cada um desses nomes tem a intenção de ser especificamente
descritivo. As calamidades da terra são superadas por meio da fé no que foi
realizado no Céu e na cruz. A vitória escatológica do remanescente já é uma
realidade presente. 61
A Igreja Adventista e o remanescente
A Igreja Adventista do Sétimo Dia sempre afirmou ser a “igreja
remanescente”, embora essa expressão não se encontre na declaração oficial
da igreja acerca de suas doutrinas fundamentais. O assunto, todavia, é
discutido na preparação de candidatos ao batismo. 62 Desde o princípio, a
Igreja Adventista tem se reconhecido como o remanescente caracterizado
pelos seguintes atributos:
1. É ética: fiel aos mandamentos de Deus.
2. É profética: tem o espírito de profecia.
3. É eclesiástica: um remanescente distintivo, a igreja de Deus.
4. É missiológica: chamada para proclamar a última mensagem de Deus
ao mundo.
5. É escatológica: o remanescente do tempo do fim.
Essas posições têm sido defendidas como um todo desde o surgimento
dessa igreja. Certas áreas de ênfase podem ter passado por alterações, mas
nenhuma dessas posições foi descartada. A profecia bíblica é o fundamento
sobre o qual a igreja se identifica com o remanescente. 63 Essa posição não é
derivada de uma perspectiva sociológica, mas baseada em exegese bíblica,
sustentada pela fé, não pelo que se vê (ver 2Co 5:7).
A questão da legitimidade da Igreja Adventista do Sétimo Dia permanece.
Isso é especialmente aplicável no contexto da “Declaração de Perth”, de
1991, na qual se afirma que a Igreja Adventista é um “movimento profético
[...] o remanescente chamado por Deus para levar uma mensagem única às
últimas gerações da Terra, para anunciar o retorno iminente de Cristo em
poder e glória”. 64 A resposta à questão da legitimidade deve ser considerada
primeiro à luz da hermenêutica. Diversos estudos têm se dedicado à natureza
da literatura apocalíptica. 65No entanto, muitos consideram o Apocalipse
como uma obra altamente espiritual de edificação e encorajamento,
recusando-se a reconhecê-lo como o livro apocalíptico que deu nome a esse
tipo de literatura. Tal gênero literário é diferente das obras proféticas em
geral por não encarar a história da perspectiva da experiência humana, mas da
perspectiva divina. 66 “Em resposta ao clamor do profeta: ‘Até quando,
Senhor, até quando?’, os apocalípticos deram o ano, o dia e a hora!” 67 Essa
declaração implica que a profecia não era mais entendida como uma simples
promessa em relação ao futuro, mas como o anúncio de eventos que
necessitavam de se cumprir. A interpretação apocalíptica passou a ser vista
como uma atividade de cálculos e predições. 68
No Apocalipse, esse remanescente se identifica por meio de uma série de
características distintivas que o diferenciam. Um de seus atributos mais fortes
é a capacidade de sobreviver pela graça de Deus revelada através do sangue
do Cordeiro sacrificado. É nEle e por meio dEle que surge um povo cujo
chamado é para seguir o Cordeiro onde quer que Ele vá. Portanto, é a graça
de Deus que assegura a existência de um remanescente. Em outras palavras, o
remanescente não é conhecido por qualidades intrínsecas, mas por causa de
sua devoção e lealdade ao plano divino.
O remanescente e a igreja visível
A fim de evitar uma conclusão paroquial, alguns tendem a empregar o
termo “remanescente” a todos os cristãos sinceros, não somente àqueles que
pertencem à Igreja Adventista. 69 Ao fazer isso, corremos o risco de reduzir o
remanescente autêntico a uma entidade invisível formada por indivíduos
“perfeitos” e “santos”, escolhidos de dentro da Igreja Adventista e de outras
igrejas. Nesse cenário, a igreja remanescente autêntica seria um grupo
invisível. É verdade que nas cartas às sete igrejas, a alusão ao vencedor
sempre é feita no singular. Entretanto, no restante do livro, o conceito se
refere ao novo grupo de pessoas de Deus. O pano de fundo para os 144 mil é
a constituição do Israel da fé. A conexão com Êxodo 19 segue a mesma linha
de pensamento. A existência de uma realidade visível sempre se encontra
implícita. Como sugerimos, o vocabulário selecionado no relato das duas
testemunhas as relaciona com a noção de igreja como um grupo de pessoas. 70
Nosso estudo demonstrou que na teologia bíblica e, em especial, no
Apocalipse, o remanescente possui valor essencial. Cada período da história
teve seu remanescente e o tempo do fim não é exceção. Se considerarmos a
especificidade literária do Apocalipse e o conhecimento de que nossos dias
são escatológicos por natureza, não deveríamos ter qualquer dúvida acerca da
existência de um remanescente hoje. Esse remanescente só pode ser uma
igreja remanescente. Como vimos, ele não é reconhecível somente por sua
oposição à Babilônia, mas também por sua conexão direta com a mulher de
Apocalipse 12. O símbolo da mulher é usado para designar o povo de Deus
como um todo. Se os profetas do Antigo Testamento insistem que apenas um
remanescente será salvo, fica claro, a partir de seu ponto de vista, que é Israel
quem sobreviverá por meio desse remanescente. Não há exemplos no Novo
Testamento de um autor se dirigindo individualmente a um grupo místico
distinto da comunidade concreta da qual faz parte. João comunica o mesmo
senso de comunidade.
A Bíblia menciona um remanescente histórico formado por uma família ou
povo que sobrevive a catástrofes de ordem ecológica, militar, religiosa, moral
ou espiritual. Isso sugere que o plano de Deus tem se realizado por meio de
um remanescente como comunidade. Essa comunidade se caracteriza por sua
fidelidade ao Senhor. A história também tem um fim, e esse fim é tanto
presente quanto futuro. Hoje existe um remanescente escatológico, mas ele
não é o remanescente final, glorioso e inumerável de Deus (os 144 mil, a
grande multidão). No Apocalipse, o remanescente consiste numa realidade
pública, eclesiástica e social, composta por aqueles que foram chamados,
constituindo uma assembleia (ekklēsia) dos fiéis adoradores do Senhor. Nada
nos permite escapar à noção de que o remanescente é uma entidade visível,
identificável 71 e eclesiástica, não deixando de ser, ao mesmo tempo, uma
realidade sociológica e espiritual. 72
O remanescente e a totalidade da igreja
A partir de nossa discussão, conclui-se de forma clara que a Igreja
Adventista do Sétimo Dia como remanescente da profecia não é, por si só, a
totalidade da igreja. O mistério da igreja é tão grande que, num dado
momento da história, um corpo específico de crentes pode constituir toda a
igreja sem sê-la em sua totalidade. Ela pode ser reconhecida pela expressão
igreja de Deus sem compor a totalidade da igreja de Deus.73 O remanescente
carrega dentro de si a identidade completa da igreja, mas como um ponto de
referência, sem excluir os outros. Assim como cada célula do corpo contém a
identidade completa do todo, a ecclesia do remanescente é, de fato, a igreja,
mesmo sem constituir todo o corpo. Em outras palavras, o corpo visível da
igreja remanescente pode afirmar ser a igreja de Deus sem excluir um corpo
maior de crentes. Deus considera muitos outros cristãos fiéis e sinceros fora
da Igreja Adventista como parte de Seu povo. 74
A igreja continua sendo a igreja de Deus, a despeito de seus erros e do
pecado de seus membros. Ela não é amaldiçoada, mas chamada por Cristo
para efetuar mudanças radicais. O amor de Cristo por Sua igreja permanece
constante, independentemente da fidelidade desta. O tema do remanescente
consiste numa advertência que reforça a validade dos chamados proféticos,
pois somente um remanescente será salvo. Todavia, isso não reduz o amor de
Deus pela igreja que é constantemente convidada a se reformar e a voltar ao
seu Originador. Portanto, a reivindicação da Igreja Adventista do Sétimo Dia
de ser a igreja remanescente da profecia bíblica é uma declaração que
permanece como desafio. A igreja remanescente está sempre sob o teste da
Palavra de Deus. O chamado para sair da Babilônia é relevante e permanente.
Ele não se dirige somente aos que estão em Babilônia, mas também aos que
se sentem tentados a retornar para ela, assim como Israel vivenciou a tentação
de voltar para o Egito. Orgulho e arrogância são características peculiares de
Babilônia, mas isso nunca está muito distante daqueles que afirmam ser fiéis
a Deus.
Conclusão
Um povo não pode ser a igreja remanescente sem a humildade para aceitar
esse fato como um dom da graça de Deus. A identidade do remanescente
deve ser considerada numa base teológica, que implica as seguintes
consequências:
Na medida em que o Apocalipse discute e proclama o fim da história e a
existência de um remanescente fiel aos mandamentos de Deus e à fé em
Jesus, impulsionado pelo espírito de profecia a testemunhar aos outros e
trabalhar em favor deles, a Igreja Adventista do Sétimo Dia pode ser
identificada com esse remanescente. Portanto, ela deve responder ao
chamado divino conforme revelado pelas Escrituras.
Como a Igreja Adventista personifica as várias expectativas do
remanescente escatológico, ela pode afirmar, pela fé, ser o remanescente
identificado com as três mensagens angélicas de Apocalipse 14. Esse
reconhecimento não é excludente; pelo contrário, é aberta a possibilidade a
qualquer um que responder ao chamado de Deus para se tornar parte do
remanescente do tempo do fim.
O remanescente bíblico não deve ser limitado a uma estrutura eclesiástica
específica, pois o principal papel da estrutura é promover, de forma
organizada, a missão do remanescente.
A tensão entre a realidade humana e o conceito ideal de remanescente
encontrado no Apocalipse é resolvida apenas por meio da suprema graça de
Deus (ver Rm 5:20). Quando a Igreja Adventista do Sétimo Dia reivindica
para si mesma a condição de igreja remanescente descrita na profecia bíblica,
recebe mais um desafio do que uma constatação, mais um chamado do que
uma avaliação, mais um teste de fé do que uma soma de suas ações. Não é
possível ser a igreja remanescente sem receber humildemente esse papel pela
graça de Deus. Também é necessário concordar plenamente e de coração em
participar do projeto divino descrito na Bíblia e, em especial, no Apocalipse
de João.
1 Ver Li, “O remanescente no Antigo Testamento”, nesta obra, e F. Dreyfus, “Reste d’Israël”, DBS,
v. 10, cols. 414-437.
2 Ver Leslie Pollard, “O remanescente nas obras apocalípticas judaicas não canônicas e em
Qumran”, nesta obra, e Richard Lehmann, “L’Église du reste”, in L’Église de Jésus-Christ: sa mission
et son ministère dans le monde (Dammarie-lès-Lys: Vie et Santé, 1995), p. 83.
3 Ver os capítulos 3 e 4 deste volume.
4 Duas outras palavras gregas são empregadas por Paulo: leimma, em Romanos 11:5, e hypoleimma,
em Romanos 9:27.
5 Conforme Ekkehardt Mueller, “The End Time Remnant in Revelation”, JATS 11 (2000), p. 189.
6 Ver Li, “O remanescente no Antigo Testamento”, nesta obra, e Dreyfus, “Reste”, cols. 414-437.
7 Ver Hasel, Remnant, p. 386.
8 Dreyfus chama esse tipo de “elite remanescente”. Ele se concentra no vocabulário remanescente
(“Reste”, col. 433).
9 Ibid., col. 432. Para fortalecer esse conceito, gostaríamos de nos referir ao emprego do termo
“geração”, comum no Antigo Testamento. Ele não somente designa um povo de um período em
particular, como também tipifica um grupo que transcende os limites de uma única geração. Por
exemplo, Salmo 78:8 fala sobre uma “geração obstinada e rebelde”, expressão que implica a existência
de múltiplas gerações. Da mesma maneira, a geração “daqueles” ímpios de Provérbios 30:11-14 que
dura séculos. A literatura rabínica faz menção à geração de infiéis que se estende por todos os tempos.
Inclui a de Caim, a dos antediluvianos e a dos que morreram no deserto. Dessa forma, o justo Noé não
é considerado membro da geração do dilúvio (Gen. Rab. XXX 1/62a). Ele é um sobrevivente. Em
outros momentos, Moisés, Josué e Calebe são resgatados da ímpia geração do deserto. Diversas
referências podem ser encontradas em Evald Lövestam, “The η γεvεα αuτη (hē gēnea autē):
Eschatology in Mk 13, 30 parr.”, em L’Apocalypse et l’Apocalyptique dans le Nouveau Testament, ed.
J. Lambrecht (Leuven: Leuven University Press, 1980), p. 403-413.
Em contrapartida, a geração fiel se estabelece por meio da obediência (Jb 20:3). Uma “geração de
luz” se assentará num trono de luz (1En 108:11). Esse mesmo livro divide a história em sete semanas.
A sétima semana traz uma geração perversa, da qual “os justos sairão como testemunhas da verdade”
(1En 93:4-10). Portanto, encontramos nessa literatura dois conceitos de “gerações” mesclados ao longo
das eras: a geração corrupta e ímpia, e o “remanescente” fiel.
Os essênios de Qumran constituíram uma comunidade envolvida por preocupações escatológicas.
Eles tinham convicção de ser o verdadeiro remanescente e de possuir a verdade crítica que Deus
ordenara para “o tempo do fim”. Eles se consideravam um “remanescente” privilegiado, cuja missão,
dada por Deus, era a de proclamar a “verdade” (War Rule XIII. 8-9). Esse “remanescente” afirmava ser
distintivo devido à pureza e santidade em meio a uma geração perversa (Hymns VI. 8, 9). Eles se
dedicavam ao estudo das profecias, e à proclamação do Messias vindouro, do fim deste mundo mau e
do estabelecimento de um novo sistema de adoração.
Eram reconhecidos por sua fidelidade aos mandamentos de Deus, por serem especialmente
cautelosos na observância dos grandes sábados e de outras ordenanças da verdade, as quais
supostamente trariam longevidade e felicidade. As verdades perdidas e esquecidas de Israel eram, de
algum modo, reveladas a eles para que pudessem vivê-las e testificar sobre elas (CD 12-16). Enquanto
os outros crentes eram considerados infiéis e amaldiçoados por pertencerem a uma religião impura e
maculada, eles se consideravam os representantes gloriosos da divina graça (CD XIII, 2-9). O ambiente
escatológico que defendiam os levou a prescrever total separação dos “irreligiosos”, mesmo de sua vida
material e financeira (1QS IX. 8-9). Seria surpreendente se João Batista tivesse ignorado essa tendência
e pontos de vista relacionados às mesmas raízes no Antigo Testamento.
10 Ap 2:24; 3:2; 8:13; 9:20; 11:13; 12:17; 19:21; 20:5.
11 Ver M. Carrez, Lexique grec du Nouveau Testament (Neuchatel, Paris: Delachaux et Niestlé,
1966), p. 107.
12 Para manter o plural, poderíamos traduzir o substantivo em algumas passagens como “os
sobreviventes” ou “os resgatados” (3:2; 9:20; 11:13).
13 Mueller, “Remnant”, p. 189.
14 Ver Roy A. Anderson, Unfolding the Revelation (Mountain View, CA: Pacific Press, 1981), p. 6-
8; C. Mervyn Maxwell, God Cares, v. 2 (Boise, ID: Pacific Press, 1985), p. 120, 132, 142-144; William
Shea, “The Covenant Form of theLetters to the Seven Churches”, AUSS 21/1 (1983), p. 71-84; Richard
Lehmann, Apocalypse de Jean, v. 1 (Collonges sous Salève: Faculté adventiste de Théologie, 2002), p.
66, 67; Clinton Wahlen, “Heaven’s View of the Church in Revelation 2 and 3”, JAAS 9.2 (2006), p.
145-156. Hoje, alguns expressam reservas em relação a essa abordagem. Hans K. LaRondelle, em How
to Understand the End-Time Prophecies of the Bible (Sarasota, FL: First Impression, 1997), p. 90,
considera essas cartas como “prototípicas do desenvolvimento da igreja futura no mundo inteiro” e
como “sete condições eclesiásticas que existem em Sua igreja em expansão até o fim”. Jon K. Paulien,
“A hermenêutica da apocalíptica bíblica”, em Compreendendo as Escrituras: uma abordagem
adventista, ed. George W. Reid (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007), p. 253, afirma com cautela:
“embora muitos comentaristas tenham visto uma sequência histórica nessas cartas, esta pode não ser a
finalidade primária do texto”.
15 Ver LaRondelle, Prophecies, p. 100.
16 Kenneth A. Strand, “Overcomer: A Study in the Macrodynamic of the Theme Development in the
Book of Revelation”, AUSS 28 (1990), p. 252.
17 Ver Richard Lehmann, Apocalypse de Jean, v. 2 (Collonges sous Salève: Faculté adventiste de
Théologie, 2002), p. 127-158; Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ: Commentary on the Book
of Revelation (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2002), p. 266; LaRondelle, Prophecies,
p. 149. [Nota editorial: a posição tradicional da Igreja Adventista tem sido que os 144 mil e a grande
multidão representam dois grupos distintos. Ao defender que esses grupos designam a mesma entidade,
o autor está expressando seu ponto de vista pessoal, que é também apoiado por outros teólogos
adventistas. Essa é uma área de interpretação na qual se aceita diferença de opinião.]
18 Doze é o número das tribos do antigo Israel e também do novo Israel, com base nos doze
apóstolos. Esse tema aparece novamente em Apocalipse 21:12-14, nas doze portas com o nome das
doze tribos e nos doze fundamentos com o nome dos doze apóstolos, enfatizando, portanto, a ligação
direta entre Israel e a comunidade messiânica. Ver também A. Vanhoye, “L’utilisation du livre
d’Ezechiel dans l’Apocalypse”, Bib 43 (1962), p. 436-476.
19 Compare:
Ap 7:15-17 Ap 21:3, 4
7:15: “... razão por que se acham diante do trono de
Deus e O servem de dia e de noite no Seu santuário; e
Aquele que Se assenta no trono estenderá sobre eles o
Seu tabernáculo.
7:16: Jamais terão fome, nunca mais terão sede, não
cairá sobre eles o sol, nem ardor algum,
7:17: pois o Cordeiro que Se encontra no meio do
trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da
vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima.”
21:3: “Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo:
Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará
com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará
com eles.
 
21:4: “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte
já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor,
porque as primeiras coisas passaram.”
 
20 Ver Beatrice S. Neal, “Sealed Saints and the Tribulation”, em Symposium on Revelation – Book I,
ed. Frank B. Holbrook (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 264.
21 Ver Hans K. LaRondelle, The Israel of God in Prophecy: Principles of Prophetic Interpretation
(Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1983), p. 98-114.
22 Hans K. LaRondelle, “The Remnant and the Three Angel’s Messages”, em Handbook of Adventist
Theology, ed. R. Dederen (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), p. 870.
23 Seguir a Cristo é um tema que perpassa todo o Novo Testamento. Encontra-se explícito em
Mateus 16:24 e 25 e é ilustrado no hino cristológico de Filipenses 2:6-11. Esse é o modelo que todos os
fiéis são chamados a seguir.
24 Ver Is 11:11, 16.
25 Ver Pierre Prigent, L’Apocalypse de Saint Jean (Genebra: Labor & Fides, 2000), p. 271.
26 Ver 2Sm 14:7; Am 4:11.
27 Ver Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 267.
28 Kenneth Strand, “The Two Witnesses of Revelation 11:3-12”, AUSS 19 (1981), p. 135; Kenneth
Strand, “The Two Olive Trees of Zechariah 4 and Revelation 11”, AUSS 20 (1982), p. 257-261.
29 Ver Strand, “Two Witnesses”, p. 132.
30 Ver Gerhard Pfandl, “The Remnant Church and the Spirit of Prophecy”, em Symposium on
Revelation – Book II, ed. Frank B. Holbrook (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p.
311. Veja também Mt 18:16; Jo 5:31, 37, 39.
31 Ver 1Pe 1:10; 1Co 12:28; Ef 2:20; 3:5; 1Ts 2:15.
32 Ver Richard Lehmann, “The Two Suppers”, em Symposium on Revelation – Book II, p. 207, 223.
33 Dt 31:9; 33:8-10.
34 LaRondelle, “Remnant”, p. 859.
35 “Eu sou o Senhor, vosso Deus; portanto, vós vos consagrareis e sereis santos, porque Eu sou
santo” (Lv 11:44; 20:7). Ver também 1Pe 1:16.
36 Paul Beauchamp, D’une montagne à l’autre: la loi de Dieu (Paris: Seuil, 1999), p. 84.
37 André Bouart, “Sacré”, DEB, p. 1146.
38 Tema amado por João (Jo 15:10; 1Jo 2:3, 4; 3:22, 24; 5:2, 3; 2Jo 1:6).
39 Roberto Badenas, “Vraie et fausse adoration dans les messages des trois anges: Ap 14:6-13”, em
Etudes sur l’Apocalypse: signification des messages des trois anges aujourd’hui (Collonges sous
Salève: Institut adventiste du Salève, 1988), p. 152, 153.
40 Ver Mathilde Frey, “A teologia do sábado no Apocalipse”, e Johannes Kovar, “O remanescente e
os mandamentos de Deus, nesta obra.
41 Badenas, “Vraie et fausse”, p. 156.
42 Ver E. H. Riesenfeld, “Tēreō”, TDNT, v. 7, p. 144.
43 Para uma discussão mais detalhada acerca dessa questão, ver Pfandl, “Remnant Church”, p. 195-
333 e Pfandl, “Marcas do remanescente do tempo do fim no Apocalipse”, nesta obra.
44 Pfandl, “Remnant Church”, p. 321.
45 Ver E. Corsini, L’Apocalypse maintenant (Paris: Le Seuil, 1984), p. 123.
46 Mais detalhes podem ser encontrados em Richard Lehmann, “Le faux prophète et l’image de la
bête”, em Etudes sur L’Apocalypse, p. 168-186.
47 A palavra sēmeion é empregada sete vezes no Apocalipse; três delas no singular, referindo-se a
um sinal sob o controle de Deus (12:1, 3; 15:1) e quatro vezes no plural, para qualificar a ação do falso
profeta (13:13, 14; 16:14; 19:20).
48 Das trinta ocorrências do verbo poieō (“fazer”) no Apocalipse, onze se referem ao falso profeta e
oito delas se encontram em 13:12-16.
49 No versículo 5, o verso no presente ativo (thelei) é equilibrado pelo uso do aoristo subjuntivo com
significado condicional (thelēsē).
50 Ap 16:19; 17:18; 18:10, 16, 18, 19, 21.
51 1Rs 18:18-21.
52 Ver Badenas, “Vraie et fausse”, p. 156-158.
53 Veja LaRondelle, “Remnant”, p. 872-880.
54 H. D. Saffrey, “Relire l’Apocalypse à Patmos”, RB 92 (1975), p. 385-417. Uma análise dos pontos
de vista divergentes pode ser encontrada em Prigent, L’Apocalypse, p. 283-289.
55 De acordo com Stefanovic, Revelation, p. 378, e com muitos outros.
56 O próprio Paulo faz essa ligação em Romanos 11:2-5.
57 Êx 7:16, 26; 8:4, 16, 21-24, etc.
58 É digno de nota que as cabeças e chifres do capítulo 17 sejam dadas na mesma ordem que as do
dragão (12:3), mas não da besta (13:1). Isso sugere que a besta é um clone do dragão, realizando a
mesma obra do capítulo 12, mas por meio de uma mulher chamada Babilônia.
59 Ver Pollard, “O remanescente nas obras apocalípticas judaicas não canônicas e em Qumran”,
nesta obra.
60 Ver J. Calloud, “Apocalypse 12-13: essai d’analyse semiotique”, FoiVie 75 (1976/4), p. 26-78.
 
61 Ver o estudo de William Shea, “The Parallel Literary Structure of Revelation 12 and 20”, AUSS
23 (1985), p. 37-54.
62 A crença número 12, formulada em 1980, se limita a mencionar a existência de um remanescente.
A palavra “igreja” é reservada para a menção à igreja universal. No entanto, o Manual da Igreja, na
seção referente ao voto batismal, afirma: “que a Igreja Adventista do Sétimo Dia é a igreja
remanescente da profecia bíblica” (AdvChManual, p. 34).
63 Ibid.
64 “The Perth Declaration”, AdvR, 7 de novembro de 1991, p. 7.
65 Ver Hans K. LaRondelle, “Interpretation of Prophetic and Apocalyptic Prophecy”,em Symposium
on Biblical Hermeneutics, ed. Gordon H. Hyde (Washington, DC: Review and Herald, 1974), p. 225-
249; Kenneth A. Strand, Interpreting the Book of Revelation: Hermeneutical Guidelines, with Brief
Introduction to the Literary Analysis (Naples, FL: Ann Arbor Publishers, 1979), p. 11-16; Richard
Lehmann, “Relationships between Daniel and Revelation”, em Symposium on Revelation – Book I, p.
131-144; e LaRondelle, Prophecies, p. 6-12.
66 Ver Strand, Revelation, p. 18-22.
67 D. S. Russell, Method and Message of Jewish Apocalyptic (Philadelphia: Westminster, 1964), p.
183.
68 Ver P. Fruchon, “Sur l’interprétation des apocalypses”, em Apocalypses et theologies de
l’esperance, Congrès de Toulouse 1975, ed. L. Mouloubou (Paris: Seuil, 1977), p. 435.
69 Ver Questões sobre Doutrina: o clássico mais polêmico da história do adventismo, edição
anotada (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), p. 162-167.
70 Ver E. G. White, O Grande Conflito, p. 268.
71 No esboço feito por LaRondelle da história do remanescente, ele fala sobre “grupos
remanescentes” e, em seguida, menciona “igrejas”, optando, com mais frequência, pela palavra
“movimento” (“Remnant”, p. 880-882).
72 Ibid. Ver também Clifford Goldstein, The Remnant (Boise, ID: Pacific Press, 1994), p. 78, 79.
73 Compare 1Co 1:2 (“à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus,
chamados para ser santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus
Cristo, Senhor deles e nosso”) com 1Co 14:36 (“Porventura, a palavra de Deus se originou no meio de
vós ou veio ela exclusivamente para vós outros?”).
74 Para uma discussão mais aprofundada, ver Rodríguez, “O remanescente do tempo do fim e a
igreja cristã”, nesta obra.
O remanescente e os mandamentos de
Deus 1
Johannes Kovar - Professor de grego e Novo Testamento Seminário - Schloss
Bogenhofen, Áustria
APOCALIPSE 12:17 MENCIONA JUNTOS “os mandamentos de Deus” e o “espírito
de profecia”. A expressão “espírito de profecia” é analisada em outro
capítulo. 2 Assim, nosso estudo se concentra na expressão: “os mandamentos
de Deus”. Nas páginas seguintes, tentaremos esclarecer o significado do
termo “mandamentos” (entolas), assim como do verbo grego tēreō (“guardar,
observar, vigiar”). Ao fazer isso, devemos ter em mente o contexto fornecido
pelo próprio Apocalipse e a influência do Antigo Testamento sobre a opção
do apóstolo João por essa terminologia.
Esclarecimento dos termos
Guardando os mandamentos
O substantivo entolē pode ser traduzido de maneiras diferentes, como
“comando, ordem, mandamento, lei”. 3 No Novo Testamento, designa as
instruções ou mandamentos dados pelo povo, por Jesus ou por Deus. Além
disso, poderia se referir a um único mandamento ou à lei de Deus como um
todo. Os mandamentos de Deus podem ser conectados a diferentes verbos,
sem apresentar disparidade significativa de sentido. A tabela seguinte fornece
exemplos dos escritos de João, nos quais o substantivo entolē é usado junto a
diferentes verbos. 4
Na Septuaginta, o verbo phulassō (na voz ativa ou média) é frequentemente
mencionado no contexto da lei e dos mandamentos. O mesmo acontece na
literatura extrabíblica. O verbo, na verdade, quer dizer “guardar, proteger,
preservar” e, quando conectado a um mandamento ou à lei significa,
especificamente, “proteger de violação, guardar, observar, seguir”. 5
O mesmo se aplica a tēreō, que quer dizer “manter, manter sob vigia,
proteger, guardar”. Juntamente com um mandamento ou lei, significa
“guardar, observar, obedecer, apegar-se”. 6 Na verdade, phulassō e tēreō são
sinônimos. Enquanto a Septuaginta dá preferência a phulassō, o Novo
Testamento emprega tēreō com mais frequência, particularmente o evangelho
de João. 7 Os dois verbos, phulassō e tēreō, são igualmente comuns. 8 São
usados em paralelismo, 9 em expressões que veiculam significados idênticos
(por exemplo, phulassein tas entolas [“guardar os mandamentos”] e tērein tas
entolas [“guardar os mandamentos”]). No interessante exemplo do jovem
rico a quem Jesus ordenou que guardasse (tēreō) os mandamentos (Mt
19:17), a resposta do jovem foi que ele já os guardava (phulassō; 19:20).
 
Tēreō Guardar,preservar 1Jo 3:22
Hoti tas entolas autou
tēroumen
“porque obedecemos aos Seus
mandamentos” (NVI)
“porque guardamos os Seus mandamentos”
(ARA, ARC)
Echō Ter Jo 14:21 Ho echōn tas entolas mou kaitērōn autas
“Aquele que tem os Meus mandamentos e
os guarda” (ARA)
Lambanō Receber,pegar 2Jo 4
Kathōs entolēn elabomen
para tou patros
“de acordo com o mandamento que
recebemos da parte do Pai” (ARA)
Poieō Praticar,observar 1Jo 5:2
Hotan ton theon agapōmen
kai tas entolas autou
poiōmen
“quando amamos a Deus e guardamos os
Seus mandamentos” (ARC)
“praticamos os Seus mandamentos” (ARA)
Peripateō Andar 2Jo 6 Hina peripatōmen kata tasentolas autou
“Este é o mandamento, como já desde o
princípio ouvistes: que andeis nele” (ARC)
Phulassō Guardar,vigiar
Dt 8:6, LXX (com
frequência; ver
Jo 12:47)
Kai phulaxē tas entolas
kuriou tou theou sou
“E guarda os mandamentos do Senhor, teu
Deus” (ARA)
“Os mandamentos de Deus”
Nem sempre fica claro o que a Bíblia quer dizer com a expressão
“mandamentos de Deus”. Às vezes, parece se referir a toda a Torá e, em
outros casos, especificamente aos dez mandamentos ou a um mandamento
em particular. Como o mandamento do amor desempenha um papel crucial
nos evangelhos sinópticos (por exemplo, Mc 12:28-31), nos escritos de Paulo
(Rm 13:9) e de João (Jo 13:34; 1Jo 4:21), seria possível defender que
Apocalipse 12:17 faz menção a esse mandamento. 10 Contudo, o mandamento
do amor não é enfatizado no Apocalipse e precisamos ter cuidado para não
inseri-lo indevidamente no texto. Além disso, passagens como Mateus 15:3, 4
(equivalente a Mc 7:9, 10), 19:17-20 e Romanos 13:9 revelam de maneira
clara que os dez mandamentos possuem extrema importância para esses
mesmos autores e eles usam a expressão “mandamentos de Deus” para aludir
ao decálogo. Tiago os chama de “lei” (Tg 2:10-12). Os substantivos
“mandamentos” e “lei” são empregados para se referir ao decálogo. 11
Portanto, é razoável esperar que João tivesse em mente pelo menos os dez
mandamentos quando usou a expressão “guardar os mandamentos de Deus”
no Apocalipse. Com base em análise literária, já se sugeriu que Apocalipse
12:17 descreve a fase final do conflito entre a mulher e o dragão, 12 no qual a
lei de Deus desempenha função primordial.
Os mandamentos em Apocalipse 12:17
No Apocalipse, o termo entolē é encontrado em apenas duas passagens, 13
cujo conteúdo é similar. Apocalipse 12:17 diz: “Irou-se o dragão contra a
mulher e foi pelejar com os restantes da sua descendência, os que guardam os
mandamentos de Deus [tōn tērountōn tas entolas tou theou] e têm o
testemunho de Jesus”. E Apocalipse 14:12, que diz: “Aqui está a
perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus [hoi
tērountes tas entolas tou theou] e a fé em Jesus”. Os dois textos relacionam
algumas características do povo de Deus. A expressão “Guardar os
mandamentos de Deus” é mencionada em ambas as passagens, sugerindo que
essa ideia é particularmente significativa para João. Nos dois exemplos, os
termos entolē e tēreō estão unidos e especificados pelo genitivo “de Deus”,
um genitivo subjetivo, o qual denota que os mandamentos são provenientes
de Deus.
Há discordância, entre os estudiosos, quanto ao significado da expressão
“mandamentos de Deus” em Apocalipse 12:17. Muitos optam por não lidar
com a questão, deixando-a em aberto, 14 enquanto outros a interpretam em
sentindo geral (similarmente a 1Co 7:19). 15 Também há comentaristas que
encontram no texto uma referência a todos os mandamentos da Palavra de
Deus, em especial as exigências éticas, 16 ou toda a revelação tanto do Antigo
quanto do Novo Testamento. 17 Aqueles que favorecem a menção a
mandamentos específicos argumentam em prol do mandamento do amor 18 ou
da segunda parte dos dez mandamentos, acrescida do mandamento do amor.
19 Os adventistas do sétimo dia sempre consideraramos “mandamentos de
Deus” como os dez mandamentos. A seguir, passo a apresentar uma série de
evidências que apoiam esse posicionamento.
Contexto e estrutura
Apocalipse 12:17 está inserido no contexto dos capítulos 12-14. Essa seção
do Apocalipse é aberta com a visão inicial encontrada em 11:15-19 e
concluída com outra visão celeste em 15:1-8, ambas relacionadas com o
santuário celestial. 20 A primeira se refere à arca da aliança, localizada dentro
do lugar santíssimo (Ap 11:19). A segunda mostra “no céu o santuário do
tabernáculo do Testemunho” (Ap 15:5). A expressão “tabernáculo do
testemunho” era usada no Antigo Testamento para designar o santuário como
o local onde os dez mandamentos estavam guardados. Em outras palavras, o
termo “testemunho” se referia ao decálogo como a lei da aliança. 21 Os
comentaristas têm reconhecido que, em Apocalipse 15:5, “testemunho”
designa a lei de Deus, os dez mandamentos. 22 A menção ao decálogo
dificilmente poderia ser mais clara. Sem dúvida, os leitores do primeiro
século associariam a arca da aliança aos dez mandamentos, já que no Antigo
Testamento os dois se encontram estreitamente conectados. 23 É possível
argumentar com confiança que Apocalipse 11:19 e 15:5 formam uma espécie
de inclusio em torno dos capítulos 12-14, com o objetivo de chamar a atenção
do leitor para o que estava dentro do compartimento interno do templo, mais
especificamente, a arca da aliança, na qual se encontravam os dez
mandamentos. Esses mandamentos se tornariam o centro da batalha final e
definitiva do Apocalipse. 24
A observação dos elementos principais da estrutura de Apocalipse 9:19-
15:5 sugere que os mandamentos possuem importância particular nessa
seção. O diagrama a seguir esclarece esse ponto: 25
 
Uma vez que grande parte do que é encontrado na visão introdutória de
Apocalipse 11:15-19 é retomada nos capítulos 12 a 22, não é de surpreender
que a questão dos dez mandamentos, implícita em 11:19, torne-se depois
mais proeminente e explícita (12:17; 14:12). Devido à referência à arca da
aliança na visão introdutória, podemos concluir que em 12:17 e em 14:12
João estava se referindo ao decálogo.
Em alguns aspectos, Apocalipse 12:17 serve como cabeçalho para o que se
seguirá em detalhes nos capítulos subsequentes. 26 O capítulo 13 descreve a
batalha, enquanto o 14 discute a natureza e a mensagem do povo
remanescente. O tema da adoração constitui, sem dúvida, uma preocupação
central em toda essa seção. A ênfase na adoração 27 se torna especialmente
significativa no apelo notável de um dos anjos para que todos adorem a Deus,
o Criador (Ap 14:7), o qual faz alusão a Êxodo 20:11. 28
Os dez mandamentos no Apocalipse
Existem menções aos dez mandamentos e uso de linguagem referente aos
mesmos antes e depois de Apocalipse 12:17. 29 Veja algumas dessas
passagens:
 
Ap 5:3
 
Conteúdo Ap 5:3 Êx 20:4 = Dt 5:8
Alusão ao
segundo
mandamento
“Ora, nem no Céu, nem sobre
a Terra, nem debaixo da
Terra, ninguém podia abrir o
livro, nem mesmo olhar para
ele”
“Não farás para ti imagem de escultura,
nem semelhança alguma do que há em
cima nos Céus, nem embaixo na Terra,
nem nas águas debaixo da Terra”
O Novo Testamento grego Nestle-Aland (26ª e 27ª edições, mas não nas
edições anteriores) 30 menciona esses paralelos nas margens. Eles também são
reconhecidos por alguns comentaristas. 31
 
Ap 9:20, 21
 
Conteúdo Ap 9:20, 21 Êx 20
Adorar
ídolos
“[não] deixando de adorar os
demônios e os ídolos”
“Não farás para ti nenhum ídolo”
(v. 4, NVI)
“Não as adorarás, nem lhes darás
culto” (v. 5)
Matar “nem ainda se arrependeram dos seusassassínios” “Não matarás” (v. 13)
Adulterar “sua imoralidade” (NVI) “Não adulterarás” (v. 14)
Roubar “nem da sua prostituição, nem dos
seus furtos”
“Não furtarás” (v. 15)
 
Vários comentaristas consideram o decálogo como o modelo
veterotestamentário para Apocalipse 9:20 e 21. 32
 
Ap 10:6
 
Conteúdo Ap 10:6 Êx 20:11
Sábado e
criação
“e jurou por aquele que vive pelos
séculos dos séculos, o mesmo que
criou o céu, a Terra, o mar e tudo
quanto neles existe”
“pois em seis dias o Senhor fez os
Céus e a Terra, o mar e tudo o
que neles existe, mas no sétimo
dia descansou” (NVI).
 
 
Os estudiosos também descobriram nessa passagem uma conexão com os dez
mandamentos. 33
 
Ap 13, 14
 
Conteúdo Ap 13, 14 Êx 20
Fazer
uma
imagem34
“que façam uma imagem à besta”
(13:14)
“e lhe foi dado comunicar fôlego à
imagem da besta, para que não só a
imagem falasse, como ainda fizesse
morrer quantos não adorassem a
imagem da besta” (13:15)
“Se alguém adora a besta e a sua
imagem” (14:9)
“os adoradores da besta e da sua
imagem” (14:11)
“Não farás para ti imagem de
escultura” (v. 4)
“e adoraram o dragão porque deu a
sua autoridade à besta; também
Adorar
ídolos35
adoraram a besta” (13:4)
“e adorá-la-ão todos os que habitam
sobre a terra” (13:8)
“faz com que a terra e os seus
habitantes adorem a primeira besta”
(13:12)
“Se alguém adora a besta e a sua
imagem” (14:9)
“os adoradores da besta e da sua
imagem” (14:11)
“Não as adorarás, nem lhes
darás culto” (v. 5)
Mal uso
do nome
de Deus36
“em cada cabeça um nome de
blasfêmia” (13:1, NVI)
“proferia arrogâncias e blasfêmias”
(13:5)
“abriu a boca para blasfemar contra
Deus e amaldiçoar o Seu nome”
(13:6, NVI)
“Não tomarás o nome do
Senhor, teu Deus, em vão” (v. 7)
Nenhum
trabalho
“para que ninguém possa comprar ou
vender, senão aquele que tem a
marca” (13:17)
“Mas o sétimo dia é o sábado do
Senhor, teu Deus; não farás
nenhum rabalho” (v. 10)
Longa
lista de
pessoas
“A todos, os pequenos e os grandes,
os ricos e os pobres, os livres e os
escravos, faz que lhes seja dada certa
marca sobre a mão direita ou sobre a
fronte” (13:16)
“nem tu, nem o teu filho, nem
atua filha, nem o teu servo, nem
a tua serva, nem o teu animal,
nem o forasteiro das tuas portas
para dentro” (v. 10)
Matar
“Se alguém matar à espada,
necessário é que seja morto à espada”
(13:10)
“como ainda fizesse morrer quantos
não adorassem a imagem da besta”
(13:15)
“Não matarás” (v. 13)
Adulterar
“Estes são os que não estão
contaminados com mulheres, porque
são virgens” (14:4, ARC)
“beber a todas as nações do vinho da
“Não adulterarás” (v. 14)
fúria da sua prostituição” (14:8)
Mentir “e não se achou mentira na sua boca”(14:5)
“Não dirás falso testemunho
contra o teu próximo” (v. 16)
 
Os estudiosos identificaram paralelos com a primeira parte do decálogo,
mas como veremos, as referências não se limitam aos quatro primeiros
mandamentos. O interesse de João é em todo o decálogo. 37
 
Ap 14:7
 
Conteúdo Ap 14:7 Êx 20:11
Criador
“adorai Aquele que fez o céu, e
a terra, e o mar, e as fontes
das águas”
“Pois em seis dias o Senhor fez os céus
e a terra, o mar e tudo o que neles
existe” (NVI).
 
Esse texto também tem sido considerado uma referência aos dez
mandamentos, em especial ao mandamento do sábado. 38 Essas referências ou
alusões tão claras aos dez mandamentos dão firme suporte à interpretação de
que Apocalipse 12:17 também faz referência a eles. Embora quase todos os
mandamentos do decálogo sejam mencionados ou sugeridos no Apocalipse, a
linguagem do sábado se destaca de maneira notável.
O livro de Daniel e a Lei
Quando analisamos as referências a Daniel 7 no Novo Testamento grego
Nestle-Aland (27ª edição), fica difícil não perceber a importância do papel
desempenhado tre passagens listados por Nestle-Aland e, ao mesmo tempo,
adicionar outros:
 
Daniel Apocalipse 
7:2 7:1 Quatro ventos
7:3 11:7; 13:1 Besta que emerge
7:4-6 13:2 Descrição das bestas
7:7 12:3; 13:1 Dez chifres
7:8 13:5, 7 Boca fala insolências e blasfêmias
7:9 1:14; 20:4, 11 Cabelos brancos, tronos
7:10 5:11; 20:12 Milhares de milhares, livros abertos
7:11 13:5; 19:20 Blasfêmia, punição por meio do fogo
7:13 1:7, 13; 14:14 Nuvens, Filho do Homem
7:14 11:15 Domínio eterno
7:18 22:5 Domínio eterno
7:20 13:5; 17:12 Boca fala insolências e blasfêmias, dez chifres
7:21 11:7; 13:7 Guerra contra os santos, que são vencidos
7:22 20:4 Julgamento
7:24 12:3; 13:1; 17:12 Dezchifres
 
 
 
7:25 12:14; 13:6, 7 Três tempos e meio, blasfêmia, guerra contra os santos
7:27 11:15; 20:4; 22:5 Reino eterno
Minhas sugestões de acréscimos:
7:8, 21 12:17 Faz guerra contra os santos
7:25 12:17 Mudar a lei/preservá-la
 
No caso de Daniel 7:25, encontramos o que denominarei de paralelo
temático com Apocalipse 12. 39 Isso ocorre especialmente em Apocalipse
12:17. 40 Na verdade, existem alguns elementos em comum: guerra, os santos,
a lei 41 e esforços para mudá-la (Dn) ou guardá-la (Ap). Podemos comparar
essa alteração – da mudança da lei em Daniel à sua guarda em Apocalipse – a
outras modificações similares:
 
 
Daniel Apocalipse 
7:3, 7, 19 Bestas diferentes 13:4 Semelhante à besta
7:4 Leão com asas de águia 12:14 Mulher com asas de águia
7:18, 22,
27
Os santos recebem poder e
o reino 13:5, 7 A besta recebe autoridade
7:21, 25 Chifre derrota e vence ossantos 12:6, 14-17 A mulher é protegida
7:25 O chifre muda a lei 12:17 O remanescente guarda osmandamentos
8:10 O chifre cresce até atingiros céus 12:9, 13
O dragão é atirado para a
Terra
A partir dessas evidências ficamos com a seguinte impressão: o que a
besta/chifre em Daniel 7 tem sucesso em realizar é, no fim, negado ao dragão.
Os santos, então, escapam e são preservados. É verdade que alguns elementos
encontrados na descrição de Daniel também são características dos santos no
Apocalipse. Contudo, no que se refere à “mudança” da lei, uma alteração
notável ocorre por meio da “guarda” dos mandamentos.
O papel da lei na escatologia
Descobrimos no Novo Testamento várias pistas indicativas de que, próximo
ao fim da história do mundo, haverá uma rebelião contra a lei de Deus. 42 Os
termos “iniquidade” e “iníquo” (anomia, anomos) são empregados por Jesus
(Mt 7:23; 13:41; 24:12) e por Paulo (2Ts 2:3, 7, 8) no contexto do tempo do
fim. O termo “anomia se refere primordialmente à ausência de lei. O
anomos, portanto, é alguém para quem não existe lei”. 43 Tal pessoa se
comporta “de modo contrário à lei”. 44 Segundo Jesus, haveria um aumento
de anomia – iniquidade ou transgressão da lei – no mundo pouco antes de
Seu retorno (Mt 24:12). O anticristo é descrito por Paulo como alguém sem
qualquer consideração pela lei de Deus (2Ts 2:3, 8). Sem dúvida, na
descrição da primeira besta em Apocalipse 13, João retoma as visões
apocalípticas de Daniel, 45 nas quais um dos sinais proeminentes do anticristo
seria a rejeição da lei (Dn 7:25). De acordo com o Apocalipse, o escatológico
povo de Deus seria leal aos mandamentos num tempo em que seus inimigos
se caracterizariam pela rebelião contra a lei divina (Ap 12:17; 14:12). É
praticamente impossível negar que a lei nesse contexto se refere à lei de
Deus, em especial, conforme incorporada no decálogo. A lei divina
desempenhará um papel central no último conflito entre Deus e as forças do
mal.
Conclusão
Diante dessa investigação do uso e significado da expressão “guardar os
mandamentos de Deus” no Apocalipse, concluiu-se que há bons motivos para
acreditar tratar-se de uma referência primária aos dez mandamentos. Essa
conclusão é apoiada pelo contexto imediato, com suas referências ao lugar
santíssimo do santuário celestial e especificamente à arca da aliança, dentro
da qual foram colocadas as tábuas de pedra dos dez mandamentos. Além
disso, os dez mandamentos são um dos temas centrais no Apocalipse. O livro
se interessa não somente pela primeira tábua, com sua ênfase na adoração a
Deus, mas também pelo restante dos mandamentos, como um guia ético e
religioso indispensável para o povo de Deus no tempo do fim. Quase todos os
mandamentos são mencionados ou sugeridos de alguma forma. O papel da lei
de Deus no conflito cósmico é explicado por Daniel. Os poderes malignos
alteraram a lei divina. O Novo Testamento também testemunha acerca do fato
de que a lei se tornará uma questão de disputa no tempo do fim. É nesse
contexto que o Apocalipse deixa claro que, nessa época, haverá um grupo, o
povo remanescente de Deus, que guardará os Seus mandamentos.
1 Este capítulo consiste numa versão revisada e condensada de um artigo publicado inicialmente em
alemão, em “For You Have Strenghtened Me”: Biblical and Theological Studies in Honor of Gerhard
Pfandl in Celebration of His Sixty-Fifth Birthday, ed. Martin Pröbstle (St. Peter am Hart, Áustria:
Seminar Schloss Bogenhofen, 2007), p. 241-263. Agradeço Rachel Brupbacher por traduzir o material
para o inglês e Stella Bradley pela revisão.
 
2 Ver ainda Gerhard Pfandl, “Identifying Marks of the End-Time Remnant”; Pfandl, “The Remnant
Church and the Spirit of Prophecy”, em Symposium on Revelation: Exegetical and General Studies –
Book II, ed. Frank B. Holbrook (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 295-334.
3 Ver Frederick W. Danker & Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of New Testament and Other
Early Christian Literatura (Chicago: University of Chicago Press, 2000), p. 340.
4 O substantivo entolē é empregado nos escritos de João mais vezes do que nas obras de qualquer
outro escritor do Novo Testamento. Ver H. H. Esser, Entolē, NIDNTT, v. 1, p. 334.
5 Ver Danker & Bauer, Greek-English Lexicon, p. 1068.
6 Ibid., p. 1002.
7 Harald Riesenfeld, “Tēreō”, TDNT, v. 8, p. 144.
8 Ernst Lohmeyer, Die Offenbarung des Johannes (Tübingen: Mohr, 1953), p. 9. Ele acredita que
tēreō se refere especificamente àqueles que observam os mandamentos. Mas isso não parece exato. É
interessante notar que R. H. Charles, em A Critical and Exegetical Commentary on the Revelation of St.
John, v. 1 (Edinburgh: T. & T. Clark, 1920), p. 369, não leva em consideração o fato de os dois verbos
serem sinônimos.
9 Pv 2:11; 4:23; 13:3; 16:17; 10:16; Dn 9:4; Jo 17:12. Ver também H. G. Schütz, “tēreō”, NIDNTT, v.
2, p. 132, 133 e Schütz, “phulassō”, NIDNTT, v. 2, p. 134, 135.
10 Ver, por exemplo, Louis A. Vos, The Synoptic Traditions in the Apocalypse (Kampen: Kok,
1965), p. 203. O autor argumenta que “a Palavra de Deus” mencionada no Apocalipse seria a tradição
evangélica e que 12:17 consiste numa referência ao mandamento do amor.
11 Veja Êxodo 24:12: “Sobe a Mim, ao monte, e fica lá; e dar-te-ei tábuas de pedra, e a lei, e os
mandamentos que escrevi, para os ensinares.”
12 William H. Shea, “The Parallel Literary Structure of Revelation 12 and 20”, AUSS 23 (1985), p.
37-54, em especial p. 45, 49. Ver também David E. Aune, Revelation 6-16 (Nashville: Thomas Nelson,
1998), p. 709, 712; Simon J. Kistemaker, New Testament Commentary: Exposition of the Book of
Revelation (Grand Rapids: Baker, 2002), p. 452, 286. G. K. Beale, The Book of Revelation: A
Commentary on the Greek Text (Grand Rapids: Eerdmans, 1999), p. 678-680, parece estar incerto.
13 Um terceiro lugar seria Apocalipse 22:14, mas, devido a alguns problemas textuais, fica excluído
desta discussão.
 
14 Charles, Revelation, v. 1, p. 331, 332; Leon Morris, The Book of Revelation: An Introduction and
Commentary (Leicester: InterVarsity, 1996), p. 160; Ben Witherington III, Revelation (Cambridge:
Cambridge University Press, 2003), p. 171, 172.
15 Robert H. Mounce, The Book of Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 242.
16 Por exemplo, Osborne, Revelation, p. 486, 543.
17 Beale, Revelation, p. 766; Kistemaker, Revelation, p. 370.
18 Vos, Apocalypse, p. 203.
19 Aune, Revelation 6-16, p. 709-712.
20 A questão sobre até que ponto essa seção olha para duas direções (para trás e para frente) é
discutida por Anthony MacPherson, em “The Mark of the Beast as a ‘Sign Commandment’ and ‘Anti-
Sabbath’ in the Worship Crisis of Revelation 12-14”, AUSS 43 (2005), p. 272-273. Em relação a 11:19,
os estudiosos adventistas concordam que esse trecho anuncia a seção dos capítulos 12-22. Ver, por
exemplo, Ekkehardt Mueller, “Recapitulation in Revelation 4-11”, JATS 9, 1998, p. 275.
21 Ver H. Simian-Yofre, “cwd”, TDOT, v. 10, p. 512, 513.
22 Stephen S. Smalley, The Revelation of John: A Commentary on the Greek Text of the Apocalypse
(Downers Grove: InterVarsity, 2005), p. 389, 390, comenta que o “tabernáculodo testemunho” recebeu
esse nome “porque continha a arca ou as tábuas da aliança, ou seja, os dez mandamentos que Moisés
recebeu do Senhor”. O autor conclui: “O ‘testemunho’ ao qual o versículo 5 [Ap 15] se refere pode
incluir não somente a lei de Deus, mas também o ‘testemunho de (ou por) Jesus’, já que ele cumpriu
em si mesmo os requerimentos da aliança do Pai.” Uma argumentação semelhante pode ser encontrada
em Beale, Revelation, p. 809.
23 Êx 25:10. Esse texto possui importância especial porque a arca da aliança é mencionada pela
primeira vez no Antigo Testamento e sua função é servir como depositária dos dez mandamentos. (Ver
também Êx 25:21; 30:6; Dt 10:1-5; 1Rs 8:9; 2Cr 5:10; Hb 9:4.)
24 MacPherson, “Sign Commandment”, p. 275. Ekkehardt Mueller, em Microestructural Analysis of
Revelation 4-11 (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1996), p. 575-578, encontra uma
ligação microestrutural entre o genitivo “de Deus” de 11:19 (“santuário de Deus”) e 12:17
(“mandamentos de Deus”). Prefiro enfatizar o conteúdo, que sugere uma conexão entre a arca da
aliança e os mandamentos.
25 William H. Shea, “The Controversy over the Commandments in the Central Chiasm of
Revelation”, JATS 11 (2000), p. 229. Ver também Rodríguez, “Artigo conclusivo”, nesta obra.
26 Jon Paulien, “Revisiting the Sabbath in the Book of Revelation”, JATS 9 (1998), p. 182.
27 Ap 13:4, 8, 12, 15; 14:9, 11. Essa relação está de acordo com Paulien, “Revisiting the Sabbath in
the Book of Revelation”, JATS 9 (1998), p. 182. A menção frequente ao verbo “adorar” mostra sua
proeminência nessa seção.
28 Ver mais detalhes em Paulien, “Sabbath”, p. 183-185.
29 Skip MacCarty, em In Granite or Ingrained? What the Old and New Covenants Reveal About the
Gospel, the Law and the Sabbath (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2007), p. 199, 200,
sugere as seguintes alusões aos dez mandamentos: Ap 1:10; 2:14, 20; 3:8; 9:20, 21; 11:18, 19; 12:17;
14:7, 12; 15:5; 21:8. Eu acrescento algumas outras referências.
30 Ao mesmo tempo, Nestle-Aland 26 e 27 se referem ao texto similar de Apocalipse 5:13, o qual, por
sua vez, não traz referências ao Antigo Testamento, nem é mencionado no anexo.
31 Charles, Revelation, v. 1, p. 139. O autor cita Êxodo 20:4, 11. Osborne, Revelation, p. 261, faz
menção ao mesmo texto.
32 Ver, por exemplo, Nestle-Aland 27, em que Êxodo 20:13-15 é dado como paralelo a Apocalipse
9:20 e 21 na margem. Ver também Aune, Revelation 6-16, p. 544; Charles, Revelation, v. 1, p. 255;
Lohmeyer, Offenbarung, p. 83; Mounce, Revelation, p. 198; Heinz Giesen, Die Offenbarung des
Johannes (Regensburg: Pustet, 1997), p. 226; Heinrich Kraft, Die Offenbarung des Johannes
(Tübingen: Mohr, 1974), p. 144; Ulrich B. Müller, Die Offenbarung des Johannes (Gütersloh: Mohn,
1984), p. 198. Osborne, em Revelation, p. 387, encontra uma referência ao segundo, sexto, sétimo e
oitavo mandamentos.
33 Ver as notas de margem de Nestle-Aland 27, assim como das edições anteriores (a partir de
Nestle-Aland1, 1898). Todas fazem referência a Êxodo 20:11. O mesmo pode ser encontrado em
Revelation, p. 206; Charles, Revelation, v. 1, p. 263; Aune, Revelation 6-16, p. 565.
34 J. Massyngberde Ford, em Revelation: Introduction, Translation and Commentary (Garden City:
Doubleday, 1975), p. 224, comenta: “O fato de fazer uma imagem para o monstro constitui infração
direta de Êxodo 20:3 e 4”. Análise semelhante faz Alan F. Johnson, “Revelation”, em The Expositor’s
Bible Commentary, ed. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), v. 12, p. 531.
35 Osborne, Revelation, p. 497, cita Êxodo 20:3 como um paralelo.
36 Ibid, p. 500.
37 Paulien, “Sabbath” , p. 184, 185; MacPherson, “Sign Commandment” , p. 276-278.
38 Paulien, “Sabbath”, p. 179-186; Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ: Commentary on
the Book of Revelation (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2002), p. 416. Êxodo 20:11 é
mencionado em The Greek New Testament, ed. K. Aland, Matthew Black, C. M. Martini, B. M.
Metzger & A. Wikgren (Germany: United Bible Societies, 1966 [1ª ed.] a 1993 [4ª ed.]). Mas tal
referência já é encontrada anteriormente nas margens e como uma menção ao Antigo Testamento no
texto (em negrito) nas edições de Eberhard & Erwin Nestle, Novum Testamentum Graece (1898 [1ª ed.]
a 1963 [25ª ed.]). A edição atual do Novum Testamentum Graece et Latine da Sociedade Bíblica da
Alemanha (1994; 3ª ed.) menciona Êxodo 20:11 próximo ao texto latino. Contudo, ele não está presente
na seção grega. Todas as edições de Augustinus Merk, Novum Testamentum Graece et Latine (Roma:
Pontificio Instituto Biblico, 1992, 11ª ed.) incluem referência a Êxodo 20:11. A menção ao
mandamento do sábado em Apocalipse 12:17 está ausente da 26ª edição de Nestle-Aland, mas
permanece em Apocalipse 10:6 até a edição atual.
39 Ian Paul, “The Use of the Old Testament in Revelation 12”, em The Old Testament in the New
Testament, ed. Steve Moyise (Sheffield: Sheffield Academic Press, 2000), p. 256-274. O autor conclui:
“Todos os quatro tipos de alusões (alusão verbal a palavras, alusão verbal a temas, alusão temática a
palavras, alusão temática a temas) ocorrem nesse capítulo” (p. 269).
 
40 Stephen Pattermore, The People of God in Apocalypse: Discourse, Structure and Exegeses
(Cambridge: Cambridge University Press, 2004), p. 120. O autor enxerga uma conexão entre Daniel
7:21, 25 e Apocalipse 12:7, 17; 13:7, assim como entre Daniel 7:25 e Apocalipse 13:5, 7.
41 Os comentaristas interpretam a “lei” em Daniel 7:25 quase sempre no contexto de Antíoco IV e se
referem a textos como 1 Macabeus 1:45 e 2 Macabeus 6:6, os quais também se relacionam ao sábado;
por exemplo, John J. Collins, Daniel (Minneapolis: Fortress, 1993), p. 322.
42 Indicado por MacPherson, “Sign Commandment”, p. 269.
43 M. Limbeck, “Anomia lawlessness, breaking the law”, EDNT, v. 1, p. 106.
44 BDAG, p. 85
45 Ver G. K. Beale, The Use of Daniel in Jewish Apocalyptic Literature and in the Revelation of St.
John (Lanham: University of America Press, 1984), p. 247.
A teologia do sábado no Apocalipse 1
Mathilde Frey - Professora assistente no Instituto Adventista Internacional de
Estudos Avançados, Filipinas
A palavra “sábado” não ocorre no Apocalipse, mas a teologia do sábado
parece permear o livro. Este estudo investiga a presença dessa teologia no
Apocalipse e sugere que o tema do sábado pode ter servido como um
conceito teológico subjacente para o autor, no que diz respeito à divisão do
livro em sete partes, a sua estrutura rica em quiasmos e ao uso recorrente do
número sete. Examinaremos a incidência da terminologia do sábado, as
alusões a esse dia e os indicadores linguísticos de seu conceito.
O contexto para a teologia joanina acerca do sábado é fornecido pelo
Antigo Testamento, mas também sugiro que duas fontes do período
intertestamentário podem ter servido como pano de fundo para o conceito do
sábado no Apocalipse: a teologia do sábado de Filo 2 e os Cânticos do
Sacrifício Sabático da comunidade de Qumran. 3 Filo desenvolveu sua
teologia do sábado com base no conceito holístico do número sete, na
significância universal do sábado como aniversário do mundo e no sentido de
descanso, igualdade e liberdade contidos no tema do sábado. 4 Os rolos
litúrgicos dos Cânticos do Sacrifício Sabático, datados do 1º século a.C.,
demonstram certas similaridades com o Apocalipse. Carol A. Newsom
conclui que o uso frequente do algarismo sete deriva do sábado, conforme a
linha de datação de ambos os documentos, e da estrutura quiástica do
Apocalipse, na qual podem ser encontradas seções de setes em equilíbrio. 5
Indicadores estruturais do conceito do sábado
O número sete desempenha papel central no Apocalipse, não somente por
ser mencionado de maneira explícita diversas vezes, como também por
fornecer uma composição estrutural para a organização do material
encontrado no livro. Examinaremos esses elementos.
A divisão do Apocalipse em sete partes
O debate existente entre estudiosos bíblicos em relação à estrutura literáriado Apocalipse leva Adela Yarbo Collins a afirmar que “há quase tantos
esboços [estruturais] para o livro quanto intérpretes”. 6 Todavia, a diversidade
de opiniões tem sido considerada por outros como “um testemunho direto da
genialidade literária do autor”. 7 Portanto, é legítimo perguntar-se acerca do
modelo estrutural usado pelo escritor bíblico para transmitir a mensagem do
livro. 8 Dentre as várias tentativas de detectar a estrutura literária do
Apocalipse, as maiores contribuições parecem apontar para um esboço
baseado numa divisão em sete partes. 9 Jon Paulien demonstra que a divisão
em sete partes consiste de sete cenas introdutórias seguidas por sete ciclos e
que parece estar fundamentado no santuário e em seus serviços na Bíblia
hebraica. 10 Especificamente, o autor sugere:
 
Prólogo (1:1-8)
1. Cena introdutória (1:9-20)
As sete igrejas (2:1-3:22)
2. Cena introdutória (4:1-5:14)
Os sete selos (6:1-8:1)
3. Cena introdutória (8:2-6)
As sete trombetas (8:7-11:18)
4. Cena introdutória (11:19)
A luta das nações (12:1-14:20)
5. Cena introdutória (15:1-8)
A ira de Deus (16:1-18:24)
6. Cena introdutória (19:1-10)
O julgamento final (19:11-20:15)
7. Cena introdutória (21:1-8)
A Nova Jerusalém (21:9-22:5)
Epílogo (22:6-21)
 
Também já se propôs que a divisão em sete partes parece estar próxima à
estrutura desejada pelo autor, de “caráter repetitivo e intensificador”, levando
a um clímax: a visão final da Nova Jerusalém.11 Essa estrutura em sete parece
seguir o modelo da criação, na qual os seis primeiros dias conduziram ao
clímax no sétimo dia (Gn 1:1-2:3), e da série de discursos do Senhor para a
construção do santuário (Êx 25-31), em que Ele profere seis discursos (Êx
25:1; 30:11, 17, 22, 34; 31:1, 12) para depois culminar com o sétimo, sobre o
mandamento do sábado (Êx 31:12-17), que é o clímax dessa sequência.
Peter J. Kearney 12 observou (e Moshe Weinfeld 13 desenvolveu a ideia) que
o último discurso liga toda a sequência ao relato da criação (Gn 1:1-2:3).
Suas palavras finais possuem relação direta com os sete dias da criação. 14
Jacob Milgrom reconhece o sábado em Êxodo 31:12-17 como o clímax da
criação, como o templo divino no tempo, o qual Deus construiu para Si. 15
Abraham Heschel também descreve o sábado de maneira poética como “um
santuário no tempo”. 16
Duane Garrett reconhece a estrutura em sete partes de Gênesis 1 como uma
forma literária que consiste mais precisamente de uma estrutura em 6 + 1 da
semana da criação. 17 É interessante que, em seguida, Garrett observa: “Como
forma literária, tal estrutura reaparece em apenas um outro lugar.
Notavelmente, esse local é o Apocalipse, no Novo Testamento.” 18 O autor
nota também que Gênesis 1 e o Apocalipse são visionários e semelhantes em
sua intenção, já que ambos fornecem a visão divina dos limites extremos da
história do mundo – o começo e o fim –, vislumbrando seu clímax. O ápice
do princípio da história do mundo é o sábado da criação (Gn 2:1-3) e o
clímax do fim da história do planeta é a Nova Jerusalém (Ap 21:9-22:5).
O caráter grandioso da visão da Nova Jerusalém raramente é reconhecido
nas interpretações modernas. 19 Entretanto, a mensagem sucinta do sétimo
anjo (das pragas), “feito está” (Ap 16:17), sugere a total erradicação de todos
aqueles que se colocam contra Deus. A mesma mensagem é reiterada do
trono em Apocalipse 21:6, formando uma repetição, a qual delineia os
eventos que acontecem entre elas. 20 Além disso, a reaparição de um dos
anjos das taças contendo as pragas em 21:9 sugere que as coisas mostradas
pelo anjo a João em Apocalipse 17:1 já tomaram seu rumo na história, e 21:9
marca um novo começo. Isso é confirmado pelo paralelismo antitético entre
Babilônia, retratada como uma prostituta (Ap 17:1-6) e a Nova Jerusalém,
descrita como noiva (Ap 21:9-11). Portanto, a visão final da Nova Jerusalém
não pode ser vista como parte das sete taças, conforme o argumento de J.
Lambrecht, 21 mas como o destino aguardado por um mundo finalmente
purificado do mal. O leitor do século 21, ciente do status do sábado como
clímax do relato da criação (Gn1:1-2:3) e do sétimo discurso em relação ao
sábado como o ápice das instruções dadas para a construção do tabernáculo
do deserto (Êx 25-31), provavelmente detectaria o clímax de todo o livro, na
visão final do Apocalipse referente à Nova Jerusalém.
A estrutura do Apocalipse em quiasmos
Elisabeth Schüssler Fiorenza sugere que o Apocalipse possui estrutura
concêntrica, com padrão A-B-A. 22 David Barr, que considera o livro como
uma história a ser ouvida, não um texto a ser estudado, mostra que a estrutura
concêntrica é inerente ao livro para ser compreensível ao público do século
21. 23 Seguindo a estrutura em quiasmos proposta por K. A. Strand para o
livro, 24 Paulien sugere que o centro do quiasmo seria Apocalipse 12-14 e
observa que “essa seção, com suas três mensagens angélicas, é o ponto para
onde toda a estrutura converge e de onde ela parte. Trata-se da chave para a
compreensão de todo o livro. E o centro do centro são as três mensagens
angélicas (Ap 14:6-12)”. 25 Essa passagem, conclamando as pessoas a temer a
Deus e a adorar o Criador, contém, conforme argumentaremos em seguida,
uma alusão direta ao mandamento do sábado registrado em Êxodo (Êx 20:8-
11; 31:12-17).
Portanto, a divisão em sete partes e a estrutura quiástica do Apocalipse
sugerem que o conceito teológico do sábado parece constituir um elemento
subjacente em sua estrutura e um princípio temático central. Como princípio
central do livro, ele aponta para os dez mandamentos e, em especial, para o
mandamento do sábado. A divisão do livro em sete partes parece ser
inspirada na estrutura do relato da criação e no esboço dos sete discursos do
Senhor, o qual culmina com o mandamento do sábado em Êxodo 31:12-17.
Este, por sua vez, aponta para a construção do santuário em Êxodo 40, um
capítulo que emprega de forma clara a linguagem do sábado e da criação. 26
O número sete
Já se observou que, desde os tempos mais remotos, o número sete possui
valor simbólico. 27 Os sumérios, babilônios, cananeus e israelitas
consideravam o sete como símbolo de totalidade e perfeição. 28 Durante o
período intertestamentário, o simbolismo numérico, em especial usando o
sete, era muito popular. 29 Conforme já indicamos, Carol Newsom encontrou
similaridades entre os Cânticos do Sacrifício Sabático e o Apocalipse, com
base no emprego do número sete. A autora explica que essa proeminência
deriva do número do dia do sábado. 30 No Novo Testamento, o número sete
ocorre 88 vezes, 55 delas no Apocalipse. Há sete candeeiros, sete estrelas,
sete selos, sete espíritos, sete anjos, sete pragas, sete chifres, sete montes, etc.
João moldou o Apocalipse em torno do número sete.
É ainda mais curiosa a ocorrência das designações a Cristo em múltiplos de
sete: 31 catorze ocorrências de Jesus, 28 da palavra Cordeiro em referência a
Cristo, o uso sétuplo da declaração venho, 32 as sete menções a títulos divinos
significativos 33 e as sete bem-aventuranças espalhadas pelo livro. 34
Richard Bauckham demonstra que João usou certas palavras e expressões
de maneira deliberada quatro, sete, catorze ou vinte e oito vezes para
transmitir verdades teológicas. 35 Gregory Beale apoia esse posicionamento,
declarando que “esses padrões envolvem os termos mais cruciais do ponto de
vista teológico e antropológico no Apocalipse”. 36 No contexto das Escrituras,
esse uso frequente do número sete como indicativo de completude e plenitude
justifica a sugestão de o escritor estar aludindo ao sábado por meio dessas
menções.
Indicadores linguísticos do conceito do sábado
O “dia do Senhor” em Apocalipse 1:10
João faz três afirmações básicas antes de descrever sua primeira visão.
Primeiro, ele define o lugar específico onde recebeu as visões celestiais
(“achei-me na ilha chamada Patmos”, Ap 1:9) e também o momento em que
ouviu uma grande voz por detrás dele (“Achei-me em espírito, no dia do
Senhor”, Ap 1:10). Em Patmos, João era mantido prisioneiro, mas, no
Espírito, estavalivre no “dia do Senhor” para ouvir a voz de Deus e vê-Lo. A
expressão grega tē kuriakē hēmera (“o dia do Senhor”) é única no texto
bíblico e, por isso, tem recebido diferentes interpretações, entre as quais se
encontram as seguintes:
Domingo. A grande maioria dos comentaristas interpreta a expressão “dia
do Senhor” como uma referência ao domingo, o dia de adoração no qual os
cristãos supostamente se reuniam para ler o Apocalipse. 37 Não há dúvida de
que o domingo se tornou conhecido como o “dia do Senhor” durante o final
do 2º século d.C. 38 Todavia, a pergunta a ser feita é se o domingo era
conhecido como o “dia do Senhor” durante o 1º século d.C. e se João estava
aludindo ao domingo quando empregou essa expressão. O fato é que não
existem evidências bíblicas ou extrabíblicas que apoiem a interpretação de o
“dia do Senhor” se referir ao domingo. Pelo contrário, o Novo Testamento
faz menção ao domingo consistentemente como “o primeiro dia da semana”,
39 não como o “dia do Senhor”. O próprio João, em seu evangelho, fala do
domingo como “o primeiro dia da semana” (20:1). Portanto, seria estranho se
o “dia do Senhor” significasse o domingo no Apocalipse.
O dia do imperador. Uma segunda interpretação defende que o “dia do
Senhor” se refere ao dia do imperador romano. 40 Há inscrições confirmando
que o imperador romano atribuía a si o título kurios (“senhor”) e que havia
um dia dedicado à honra imperial. Entretanto, a dúvida é se João se referiria
ao dia do imperador como “dia do Senhor” numa época em que os cristãos
eram perseguidos por se recusarem a chamar o imperador de kurios ou a
adorá-lo. 41 Uma interpretação que poderia justificar o “dia do Senhor” como
uma menção ao dia do imperador romano seria o uso de características
literárias como ironia e paródia no Apocalipse, para desestabilizar e
desmistificar a ordem social e religiosa opressiva do antigo Império Romano.
42 Todavia, tal interpretação sugere que a expressão “dia do Senhor” ocorre
no Apocalipse para tirar a atenção do culto ao imperador, cujo dia de
adoração era o domingo, e para apontar deliberadamente para o sábado como
o “dia de adoração ao Senhor”, instituído na criação e promovido pela lei de
Deus (Êx 20:8-11).
Domingo de Páscoa. Uma terceira interpretação entende o “dia do Senhor”
como o domingo de Páscoa, evento anual. 43 No entanto, a evidência para
essa interpretação não deriva do texto bíblico, mas dos escritos dos pais da
igreja do 2º século d.C., quando o domingo de Páscoa passou a ser designado
“dia do Senhor”. Atribuir ao Apocalipse práticas do 2º século não é
metodologicamente correto.
O dia escatológico do Senhor. Uma quarta interpretação conclui que
Apocalipse 1:10 fala sobre o dia escatológico do Senhor, da Bíblia hebraica
(por exemplo, Jl 2:11, 31; Am 5:18-20; Sf 1:14 e Ml 4:5).44 Já foi sugerido
que “João foi levado a testemunhar, em visão, o tempo escatológico de Deus,
por observar os eventos na história [...] que levam ao evento culminante da
segunda vinda de Jesus”. 45 David Aune questiona tal interpretação
perguntando porque o autor não usou, em vez de tē kuriakē hēmera, a
expressão hēmera tou kuriou, mais comum, que ocorre com frequência na
Septuaginta e se refere ao dia escatológico do Senhor. 46
O sábado. A interpretação do “dia do Senhor” como o sábado é apoiada
pelo fato de o sábado ser chamado pelo Senhor de “meu dia santo” e “o dia
santo do Senhor” (Is 58:13; confira Êx 16:25; 20:10). Além disso, a
expressão o “dia do Senhor” é muito similar às seguintes palavras de Jesus
encontradas nos três evangelhos sinópticos: “o Filho do Homem é senhor do
sábado” (Mt 12:8; Mc 2:27, 28; Lc 6:5). A esse respeito, Josephine Ford
chega à conclusão de que, no tempo de João, “muito provavelmente os
cristãos ainda guardavam o sábado, o sétimo dia”. 47
A referência ao sábado em Apocalipse 1:10 valida o uso e a presença da
teologia do sábado ao longo do livro. Em outras palavras, como a visão foi
recebida durante um sábado, não seria de forma alguma estranho a mensagem
do livro se desenvolver no contexto da teologia do sábado. Essa consciência
do sábado por parte do autor forneceu a estrutura conceitual para o livro se
basear no número sete. Além disso, a referência explícita ao sábado nesse
versículo torna desnecessário ao escritor bíblico voltar a mencionar esse dia
novamente. É possível até mesmo sugerir que a menção ao sábado literal no
início do livro aponta para a recriação vindoura – o novo céu e a nova Terra
(21:1) – registrada no final. Um não exclui o valor nem a importância do
outro.
A alusão ao sábado em Apocalipse 14:7
Jon Paulien sugere que, “no ponto central decisivo da descrição da crise
final no Apocalipse, encontra-se uma alusão direta a Êxodo 20”.48 Para
comprovar seu argumento, o autor identifica paralelos verbais, temáticos e
estruturais entre Apocalipse 14:17 e o mandamento do sábado em Êxodo
20:8-11. Reconhecendo que a conexão linguística também poderia ser feita
com Salmo 146:6, ele rejeita essa possibilidade com base no paralelo
temático. Êxodo 20 e Apocalipse 14:6 dão o motivo para a obediência. De
acordo com Êxodo 20:1, a obediência é a resposta à redenção divina do
Egito. Em Apocalipse 14:6, a motivação se fundamenta no evangelho eterno.
Outra motivação para obedecer é o julgamento, mencionado em Êxodo 20:5 e
em Apocalipse 14:7. Finalmente, há a motivação que resulta do
reconhecimento de Deus como nosso Criador. Tal conhecimento é
proporcionado pelo mandamento do sábado (Êx 20:11) e pela alusão a ele em
Apocalipse 14:7. Existem ainda os paralelos estruturais dentro de Apocalipse
12-14 com ênfase especial nos mandamentos de Deus. 49 Podemos concluir
com segurança que “não existe alusão direta mais certeira ao Antigo
Testamento no Apocalipse do que a referência ao quarto mandamento em
Apocalipse 14:7”. 50 De acordo com Apocalipse 12:7 e 14:12, o remanescente
é identificado como aqueles que guardam os mandamentos de Deus. A
menção ao mandamento do sábado em 14:7 indica que eles também dedicam
atenção especial ao sábado.
Conclusão
O mandamento do sábado não é citado diretamente no Apocalipse, mas seu
conteúdo teológico parece estar presente na divisão do livro em sete partes,
que culmina com a visão da Nova Jerusalém. A estrutura em quiasmos
também é relevante, pois seu ponto central consiste numa alusão ao
mandamento do sábado (Ap 14:7), assim como o uso proeminente do número
sete indicando completude e plenitude sabática, além da linguagem específica
relativa ao sábado e alusões a esse dia. Ler o Apocalipse com a perspectiva
do sábado não consiste em especulação, por causa da referência explícita a
ele em Apocalipse 1:10 e da alusão direta em 14:7. A estrutura quiástica
focalizada no sábado do quarto mandamento deixa claro que essa questão
marca a crise fundamental da humanidade em relação ao seu Criador. O
ponto central do Apocalipse é a mensagem angélica que conclama por uma
mudança de perspectiva, por uma transformação no coração em harmonia
com o espírito do sábado. Nesse contexto, o sábado revela a lei e o amor
divinos em meio ao evangelho eterno proclamado pelo povo remanescente de
Deus no tempo do fim.
1 Esta é uma versão revisada e condensada do meu artigo “The Theological Concept of the Sabbath
in the Book of Revelation”, em “For You Have Strenghtened Me”: Biblical and Theological Studies in
Honor of Gerhard Pfandl in Celebration of His Sixty-Fifth Birthday, ed. Martin Pröbstle (St. Peter am
Hart, Austria: Seminar Schloss Bogenhofen, 2007), p. 223-239.
2 Sakae Kubo, “The Sabbath in the Intertestamental Period”, em The Sabbath in Scripture and
History, ed. K. A. Strand (Washington, DC: Review and Herald, 1982), p. 57.
3 Carol A. Newsom, “Songs of Sabbath Sacrifice (4Q400-407, 11Q17, MASIK)”, em Dictionary of
New Testament Background, ed. C. A. Evans & S. E. Porter (Downers Grove: InterVarsity, 2000), p.
1139.
4 Moses 1. 37; 2. 39; The Special Laws 2. 15, 16, 48; Allegorical Interpretation 1. 2-6; On the
Creation 30, 31, 33-42; On the Cherubim 26. Confira Kubo, “Sabbath”,p. 67.
5 Newsom, “Songs of Sabbath Sacrifice”, p. 1139. Ver também William H. Shea, “Sabbath Hyms for
the Heavenly Sanctuary (Qumran)”, em Sabbath in Scripture, p. 406.
6 Adela Y. Collins, The Combat Myth in the Book of Revelation (Missoula: Scholars, 1976), p. 8.
7 Gilbert Desrosiers, An Introduction to Revelation: A Pathway to Interpretation (Nova York:
Continuum, 2000), p. 57.
8 Confira Phyllis Trible, Rhetorical Criticism: Context, Method, and the Book of Jonah
(Minneapolis: Fortress, 1994), p. 101-106; Felise Tavo, “The Structure of the Apocalypse:
Reexamining a Perennial Problem”, NovT 47 (2005), p. 47-68.
9 Collins, Combat Myth, p. 13-55; Elisabeth Schüssler Fiorenza, The Book of Revelation: Justice and
Judgement (Philadelphia: Fortress, 1985), p. 159-180; Kenneth A. Strand, Interpreting the Book of
Revelation (Worthington, MI: Ann Arbor, 1976), p. 43-49; Jon Paulien, The Deep Things of God
(Hagerstown, MD: Review and Herald, 2004), p. 126; Jacques B. Doukahn, Secrets of Revelation: The
Apocalypse through Hebrew Eyes (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2004), p. 13, 14.
10 Paulien, Deep Things of God, p. 126; Doukhan, Secrets of Revelation, p. 13, 14.
11 Tavo, “Structure”, p. 47-68.
12 Peter J. Kearney, “Creation and Liturgy: The P Redaction of Ex 25-40”, ZAW 89 (1977), p. 375-
386.
13 Moshe Weinfeld, “Sabbath, Temple and the Enthronement of the Lord: The Problem of the Sitz
im Leben of Genesis 1:1-2:3”, em Mélanges bibliques et orientaux en l’honneur de M. Henri Cazelles,
ed. A. Caquot & M. Delcor (Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlagsgesellschaft, 1981), p. 501-512.
14 “Em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, e, ao sétimo dia, descansou, e tomou alento” (Êx
31:17; confira Gn 2:2).
15 Jacob Milgrom, Leviticus 23-27: A New Translation with Introduction (Nova York: Doubleday,
2001), p. 2285. Confira Gerald J. Jazen, Exodus (Louisville: Westminster John Knox, 1997), p. 224. O
sábado como o clímax de Êxodo 25-31 significa que o santuário é retratado como um microcosmo de
toda a criação. Assim como os seis dias de criação atingiram seu ápice no sétimo dia, o novo mundo,
representado arquitetonicamente pelo santuário, chega a seu clímax no sábado.
16 Abraham J. Heschel, The Sabbath: Its Meaning for Modern Man (Nova York: Wolff, 1951), p.
29.
 
17 Duane A. Garret, Rethinking Genesis (Grand Rapids: Baker, 1991), p. 192.
18 Ibid.
19 Tavo, “Structure”, p. 54, 55; Jan Lambrecht, “A Structuration of Revelation 4, 1-22, 5”, em
L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique dans le Nouveau Testament, ed. J. Lambrecht (Leuven:
University Press, 1980), p. 77-104.
20 Tavo, “Structure”, p. 59.
21 Lambrecht, “Structuration”, p. 103.
22 Schüssler Fiorenza, Book of Revelation, p. 175.
23 David L. Barr, Tales of End: A Narrative Commentary on the Book of Revelation (Santa Rosa,
CA: Polebridge, 1998), p. 149. Barr identifica uma estrutura epistolar, uma estrutura de relato de visão,
um rolo epistolar, um rolo de adoração e um rolo de guerra. O rolo de adoração (4:1-11:18) forma o
cerne, o ponto central do livro.
24 Kenneth A. Strand, “Foundational Principles of Interpretation”, em Symposium on Revelation –
Book I (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 35-49.
25 Paulien, Deep Things of God, p. 122. Ver também Jon Paulien, “Seals and Trumpets: Some
Current Discussions”, em Symposium on Revelation – Book I, p. 183-198.
26 Observe os paralelos: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. Houve tarde e
manhã, o sexto dia. Assim, pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército. E, havendo
Deus terminado no dia sétimo a Sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha
feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como
Criador, fizera” (Gn 1:31-2:3). “Viu, pois, Moisés toda a obra, e eis que a tinham feito segundo o
Senhor havia ordenado; assim a fizeram, e Moisés os abençoou” (Êx 39:43). “Assim Moisés acabou a
obra” (Êx 40:33).
27 Doukhan, Secrets of Revelation, p. 27.
28 Confira Otto, “Šebac”, TDOT, v. 14, p. 344-360.
29 Doukhan, Secrets of Revelation, p. 27.
30 Newsom, “Songs of Sabbath Sacrifice”, p. 1139; Shea, “Sabbath Hyms”, p. 406.
31 Ap 1:1, 2, 5; 11:15; 12:10; 20:4, 6. Confira Richard Bauckham, The Climax of Prophecy: Studies
on the Book of Revelation (Edinburgh: Clark, 1993), p. 30, 31, para esse e outros exemplos que se
seguem.
32 Ap 2:5, 16; 3:11; 16:15; 22:7, 12, 20.
33 Títulos: “Eu sou o Alfa e Ômega” (1:8); “Eu sou o primeiro e o último” (1:17); “Eu sou o Alfa e o
Ômega, o Princípio e o Fim” (21:6); “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o
Fim” (22:13).
34 Ap 1:3; 14:13; 16:15; 19:9; 20:6; 22:7, 14.
35 Bauckham, Climax of Prophecy, p. 30.
36 Gregory K. Beale, The Book of Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1999), p. 62.
37 Beate Kowalski, “Das Verhältnis Von Theologie und Zeitgeschichte in den Sendschreiben der
Johannes-Offenbarung”, em Theologie als Vision: Studien zur Johannes-Offenbarung, ed. K. Backhaus
(Stuttgard: Katholisches Bibelwerk, 2001), p. 54-76; Heinz Giesen, Die Offenbarung des Johannes
(Regensburg: Pustet, 1997), p. 85.
38 “The Gospel of Peter”, em New Testament Apocrypha, v. 1, ed. Wilhelm Schneemelcher
(Philadelphia: Westminster, 1963-1966), p. 224.
39 Mt 28:1; Mc 16:2; Lc 24:1; Jo 20:1, 19; At 20:7; 1Co 16:2.
40 James Moffat, “The Revelation of St. John the Divine”, em The Expositor’s Greek Testament, v. 5
(Grand Rapids: Eerdmans, 1961), p. 342; Robert H. Charles, The Revelation of St. John, v. 1
(Edinburgh: Clark, 1920), p. 23; George R. Beasley-Murray, The Book of Revelation (Grand Rapids:
Eerdmans, 1981), p. 65.
41 Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ: Commentary on the Book of Revelation (Berrien
Springs, MI: Andrews University Press, 2002), p. 90.
42 Harry O. Maier, Apocalypse Recalled: The Book of Revelation after Christendom (Minneapolis:
Fortress, 2002), p. 166, 181.
43 Para uma discussão acerca dessa possibilidade, confira Lawrence T. Geraty, “The Pascha and the
Origin of Sunday Observance”, AUSS 3 (1965), p. 85-96; e Kenneth A. Strand, “Another Look at
‘Lord’s Day’ in the Early Church and in Rev. 1.10”, NTS 13 (1966-1967), p. 174-181.
44 William Milligan, The Book of Revelation (Cincinnati, OH: Jennings & Graham, 1889), p. 13;
Samuel Bacchiochi, From Sabbath to Sunday: A Historical Investigation of the Rise of Sunday
Observance in Early Christianity (Roma: Pontifical Gregorian University, 1977), p. 123-131.
45 Stefanovic, Revelation of Jesus Christ, p. 91.
46 David E. Aune, Revelation 1-5 (Waco: Nelson, 1997), p. 84.
47 Josephine Massyngberde Ford, Revelation (Nova York: Doubleday, 1975), p. 384.
48 Jon Paulien, “Revisiting the Sabbath in the Book of Revelation”, JATS 9 (1998), p. 183.
49 Ibid, p. 183-185.
50 Ibid, p. 185.
Marcas do remanescente do tempo do fim
no Apocalipse
Gerhard Pfandl - Diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica - Silver
Spring, Estados Unidos
A existência de um remanescente do tempo do fim é ensinada de forma
clara em Apocalipse 12. O capítulo fornece uma revisão da história dos
seguidores fiéis de Deus, simbolizados por uma mulher que fica no deserto
durante um período de 1.260 dias ou três tempos e meio. Lá ela é cuidada e
alimentada espiritualmente por Deus (v. 6, 14). Empregando o método
historicista de interpretação, 1 os adventistas do sétimo dia acreditam que os
1.260 dias proféticos se referem ao período de supremacia papal, do 6º século
até o final do século 18 (538-1798 d.C.), 2 durante o qual muitos do povo de
Deus foram oprimidos, perseguidos e mortos. Em Apocalipse 12:17, após o
cumprimento do período profético de 1.260 dias, ou seja, no século 19, 3
Satanás é descrito direcionando seu ataque ao remanescente da semente da
mulher – o povo remanescente de Deus do tempo do fim. 4
Características essenciais do remanescente
Várias marcas específicas e essenciais para a identificação do remanescente
do tempo do fim são encontradas em Apocalipse12-14. São elas: (1) ele
guarda os mandamentos de Deus (12:17); (2) tem o testemunho de Jesus
(12:17); (3) é um povo perseverante (14:12); (4) tem a fé em Jesus (14:12);
(5) proclama uma mensagem específica: as três mensagens angélicas. 5
Trataremos em detalhes do significado e importância dessas características.
Guardar os mandamentos de Deus
A palavra entolē (mandamento) é usada no Novo Testamento
primordialmente para significar os mandamentos divinos. Existem
pouquíssimas ocorrências em que o termo se refere a mandamentos humanos
(Lc 15:29; Jo 11:57; At 17:15; Cl 4:10; Tt 1:14). Fora das Escrituras, entolē
em geral é empregada para designar a ordem de um rei. 6 Em uma série de
passagens de Novo Testamento, entolē se refere de forma clara aos dez
mandamentos (por exemplo, Mt 15:3, 6; 19:17; Mc 10:19; Rm 7:8-13). No
Apocalipse, o termo aparece apenas duas vezes (12:17; 14:12). 7 O contexto
imediato em ambos os capítulos faz menção ao povo de Deus como aqueles
que guardam Seus mandamentos. Embora não nos seja dito quais
mandamentos eles guardam, dificilmente erraríamos ao concluir que são os
dez mandamentos que as duas passagens têm em vista. 8
Precisamos acrescentar que, em Apocalipse 14:7, “temer a Deus e dar-lhe
glória” subentende um relacionamento com o Senhor e obediência aos Seus
mandamentos. Temer a Deus conduz ao arrependimento (16:9; ver 11:3). Nas
Escrituras, temer ao Senhor não se relaciona somente à adoração a Ele, mas
também à obediência a Seus mandamentos. Em outras palavras, aqueles que
temem a Deus são os que guardam os Seus mandamentos (por exemplo, Dt
10:12, 13, 20; 11:1, 13, 22; 30:6, 16). Na verdade, no Antigo Testamento, “o
temor como reverência adoradora e como obediência são inseparáveis”. 9
Portanto, temer a Deus é honrá-Lo, fazer uma mudança radical na vida,
começar um relacionamento com Ele e se comprometer por completo. Dessa
maneira, o Senhor é glorificado por meio de uma vida marcada pela
obediência aos Seus mandamentos. 10
O decálogo, “como um resumo da Torá, definia a qualidade de uma vida
santificada diante de Deus. O mandamento do sábado, por sua vez, consiste
no sinal da percepção adequada da santificação”. 11 Assim, a primeira marca
indicativa do remanescente do tempo do fim é sua lealdade aos mandamentos
de Deus. No tempo dos apóstolos (na igreja primitiva), guardar o sábado não
era uma característica especial, pois todos o faziam. 12 Hoje, porém, quando a
maior parte dos cristãos guarda o domingo, observar o mandamento do
sábado tornou-se, de fato, uma marca distintiva. Simon Kistemaker, com
discernimento, afirma:
As ordens divinas se encontram resumidas no decálogo e
completamente reveladas nas Escrituras, no Antigo e no Novo
Testamento. À medida que o mundo se afasta dessas ordenanças e as
considera obsoletas, os cristãos são chamados a guardá-las. Eles sabem
que há uma grande recompensa para quem observa a lei de Deus
(Sl 19:11). Ela perdura por todas as eras, não precisa de acréscimos, é
relevante a todas as culturas e nunca será revogada. 13
O testemunho de Jesus
A segunda marca que identifica o remanescente de Deus do tempo do fim é
o testemunho de Jesus. A expressão “testemunho de Jesus” (tēn marturian
Iēsou) ocorre seis vezes no Apocalipse (1:2, 9; 12:17; 19:10 [duas vezes];
20:4). Duas explicações gramaticalmente possíveis em relação a seu
significado já foram elaboradas. A primeira interpreta a última palavra de tēn
marturian Iēsou como um genitivo objetivo e entende marturian como nosso
testemunho a Cristo. 14 Todavia, a guerra mencionada em 12:17 se refere a
“perseguições contra todos os indivíduos da igreja que guardavam os
mandamentos de Deus e tinham o testemunho de Jesus”. 15 Isso é possível
considerando a questão gramatical, mas sua viabilidade precisa ser avaliada
também por outros meios. 16
O segundo ponto de vista considera tēn marturian Iēsou (“testemunho de
Jesus”) como um genitivo subjetivo e compreende o “testemunho de Jesus”
como a autorrevelação de Jesus que move os profetas cristãos 17 ou as
“verdades que Ele ensinou, reveladas no Novo Testamento”. 18 Ao comentar
sobre Apocalipse 1:2, A. A. Trites declara:
Em 1:9 e em 12:17, faz muito sentido considerar os genitivos como
subjetivos. “Da palavra de Deus e do testemunho de Jesus” significariam,
dessa maneira, “da palavra falada por Deus e do testemunho dado por
Jesus” (1:9); e “os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus”
subtenderiam “os mandamentos de Deus e têm o testemunho dado por
Jesus” (12:17). A interpretação como genitivo subjetivo recebe
confirmação adicional por meio da explicação fornecida pelo profeta em
19:10: “Pois o testemunho dado por Jesus é o espírito que inspira os
profetas” (tradução independente). 19
Finalmente, observamos que muitos comentaristas não assumem posição
única. Em vez disso, consideram tēn marturian Iēsou em alguns textos como
genitivo objetivo e em outros como genitivo subjetivo, 20 ou como uma
combinação de ambos. 21
Uso de marturia em João e em suas epístolas
Para determinar o significado correto da expressão tēn marturian Iēsou, é
interessante compreender como João usou a palavra marturia em seu
evangelho e nas epístolas. As evidências bíblicas indicam claramente o
seguinte: 22
1. Marturia é empregado 21 vezes no evangelho e nas epístolas de João. É
usado 14 vezes em construções genitivas e, em todas elas, trata-se de genitivo
subjetivo.
2. João nunca usou o substantivo marturia (“testemunho, testemunha”) em
uma construção genitiva objetiva para expressar a ideia de “testemunhar
sobre/para”. A ideia de objeto é expressa de maneira consistente no
evangelho de João e em suas epístolas por meio da combinação do verbo
martureō (“testemunhar, testificar”) combinado com a preposição peri
(“sobre, a respeito de”). 23 Por exemplo:
Testificasse a respeito da luz [martureō + peri] (Jo 1:7).
Se eu testifico a respeito de mim mesmo [martureō + peri] (Jo 5:31).
Que testifica a meu respeito [martureō + peri] (Jo 5:32).
O testemunho de Deus, que Ele dá acerca de Seu Filho [martureō +
peri] (1Jo 5:9). 24
3. Seria natural encontrar, no Apocalipse, o mesmo uso de marturia visto
no evangelho e nas epístolas de João.
Marturia Iēsou no Apocalipse 25
Em Apocalipse 1:2, 9; 12:17; 20:4, a expressão “testemunho de Jesus” é
equilibrada simetricamente, em todas as ocorrências, com a expressão
“Palavra de Deus” ou “mandamentos de Deus”. Em cada passagem, o
genitivo tou theou (“de Deus”) é subjetivo. A “Palavra de Deus” é o que Ele
disse; os “mandamentos de Deus” são os mandamentos provenientes dEle.
Na expressão o “testemunho de Jesus”, o genitivo “de Jesus”, portanto,
também deve se tratar de um genitivo subjetivo. 26
O paralelismo entre a “Palavra de Deus” ou “mandamentos de Deus” e o
“testemunho de Jesus” é vital para o entendimento da última expressão. A
“Palavra de Deus”, nos tempos de João, referia-se ao Antigo Testamento, e o
“testemunho de Jesus”, ao que Cristo ensinara nos evangelhos e por meio de
Seus profetas, como Pedro e Paulo. Portanto, todos os genitivos devem ser
considerados subjetivos. Isso explica o motivo de João escrever, em
Apocalipse 19:10, “Pois o testemunho de Jesus é o espírito de profecia”.
O que é o “espírito de profecia”? Essa expressão ocorre apenas uma vez na
Bíblia. Seu paralelo mais próximo se encontra em 1 Coríntios 12:8-10, onde
Paulo indica que o Espírito Santo dá o dom de profecia, como um dos dons
espirituais. A pessoa que recebe esse dom é chamada de profeta (1Co 12:28;
Ef 4:11). Assim como em 1 Coríntios 12:28 aqueles que têm o dom de
profecia são chamados de profetas (ver v. 10), em Apocalipse 22:8 e 9
aqueles que têm o espírito de profecia são chamados de profetas (19:10).
 
Ap 19:10 Ap 22:8, 9
“Prostrei-me ante os seus pés
para adorá-lo. Ele, porém, me
disse: Vê, não faças isso; sou
conservo teu e dos teus irmãos que
mantêm o testemunho de Jesus;
adora a Deus. Pois o testemunho de
Jesus é o espírito da profecia.”
“Eu, João, sou quem ouviu e viu estas coisas.
E, quando as ouvi e vi, prostrei-meante os pés
do anjo que me mostrou essas coisas, para
adorá-lo. Então, ele me disse: Vê, não faças
isso; eu sou conservo teu, dos teus irmãos, os
profetas, e dos que guardam as palavras deste
livro. Adora a Deus.”27
 
A situação nas duas passagens é a mesma. João se prostra aos pés do anjo
para adorá-lo. As palavras do anjo são quase idênticas; mesmo assim, a
diferença é significativa. Em 19:10, os irmãos são identificados com a
expressão “que mantêm [têm] o testemunho de Jesus”. Em 22:9, são
chamados simplesmente de “profetas”. A Bíblia está realizando uma
autointerpretação; a comparação nos leva à conclusão que o “espírito de
profecia” de 19:10 não pertence a todos os membros, de forma geral, mas
somente àqueles a quem Deus chamou para serem profetas. 28
O testemunho dos Targumim 29
Os leitores judeus dos dias de João entendiam o significado da expressão
“espírito de profecia”. Eles a teriam compreendido como uma referência ao
Espírito Santo, que derrama o dom profético sobre os seres humanos. O
judaísmo rabínico igualava expressões veterotestamentárias como “Espírito
Santo”, “Espírito de Deus” e “Espírito de Yahweh” a “espírito de profecia”. 30
Isso pode ser observado por meio do uso frequente dessa expressão nos
Targumim:
Então disse Faraó a seus servos: porventura encontraremos um homem
como esse em quem está o espírito de profecia do Senhor? (Gn 41:38). 31
Porém, no arraial, ficaram dois homens; um se chamava Eldade, e o
outro, Medade. Repousou sobre eles o espírito de profecia, porquanto
estavam entre os inscritos [entre os anciãos], ainda que não saíram à
tenda; e profetizavam no arraial (Nm 11:26).
Disse o Senhor a Moisés: “Toma Josué, filho de Num, homem em quem
há o espírito de profecia, e impõe-lhe as mãos” (Nm 27:18). 32
Às vezes, o termo “espírito de profecia” se refere simplesmente ao Espírito
Santo, mas, em muitos casos, faz menção ao dom de profecia derramado pelo
Espírito Santo. Esse é o caso do Antigo Testamento. Ao comentar sobre o uso
da expressão nos Targumim, J. P. Schäffer declara:
Por conseguinte, primeiro isso prova que o termo “Espírito de profecia”
está mais próximo do texto massorético do que “Espírito Santo”. Além
disso, uma análise dos versos nos quais o TO [Targum Onqelos] usa a
expressão “Espírito de profecia” demonstra que, em quase todos os casos,
existe uma relação direta com a profecia no contexto bíblico. A tradução
“Espírito de profecia”, embora não seja exatamente a mais literal possível,
é quase sempre garantida ao longo do texto massorético (Gn 41:38: José
tinha o “Espírito de profecia” porque foi capaz de interpretar o sonho de
Faraó; Números 11:25: o Espírito que repousou sobre os setenta anciãos,
segundo o texto massorético, os levou a “profetizar”; Nm 24:2: Balaão
profetizou acerca da Israel). Em outras palavras, o termo “Espírito de
profecia” descreve uma situação claramente delineada, a saber, o Espírito
Santo, enviado por Deus, concede o dom profético a homens. 33
F. F. Bruce chega à mesma conclusão e afirma:
A expressão “Espírito de profecia” é comum no judaísmo pósbíblico. É
usada, por exemplo, num circunlóquio targúmico do Espírito de Yahweh
que vem sobre um ou outro profeta. Portanto, o Targum de Jônatas
escreve as palavras de abertura de Isaías 61:1 da seguinte maneira: “O
Espírito de profecia provindo do Senhor Deus está sobre mim”. O
pensamento expresso em Apocalipse 19:10 é semelhante ao já citado, de 1
Pedro 1:11, onde ficamos sabendo que o “Espírito de Cristo” atuava nos
profetas do Antigo Testamento, levando-os a dar testemunho de antemão.
Lá também Jesus é tema do testemunho dado pelo Espírito profético; os
profetas não sabiam quem seria a pessoa, nem qual seria o tempo, mas
finalmente o segredo acabou: a pessoa é Jesus, o tempo é agora.
Todavia, em Apocalipse 19:10, é por meio dos profetas cristãos que o
Espírito de profecia dá testemunho. O que os profetas da era pré-cristã
predisseram, passou a ser proclamado como fato consumado pelos
profetas da nova era, entre os quais João ocupa lugar proeminente. 34
Portanto, podemos afirmar que, em Apocalipse 12:17, a segunda marca do
remanescente é o “testemunho de Jesus”, que é o espírito de profecia ou o
dom profético. Esse dom se faz presente entre o remanescente do tempo do
fim. 35
O significado de echō
Essa interpretação é fortalecida pelo estudo da palavra grega echō, que
significa “ter” ou “apegar-se”. A pergunta a ser feita é: que “testemunho” é
esse que o remanescente tem? É o testemunho que alguém recebeu
anteriormente e ao qual se apegou em circunstâncias adversas, 36 ou é o
testemunho que recebeu em tais circunstâncias? 37 Aqueles que aceitam a
última interpretação geralmente pensam que a referência é a todos os mártires
(cristãos ou pré-cristãos). Mas a expressão pode ser interpretada como “dar
testemunho”?
O sentido lexical de echō em sua forma ativa transitiva é “ter, apegar-se, ter
como sua possessão”. 38 Além disso, pode significar “ocasionar, causar,
considerar” ou “ter a possibilidade, poder, ser capaz, estar numa posição”. 39
O particípio médio de echō no Novo Testamento quer dizer “apegar-se com
firmeza, agarrar-se a”. 40 O mais próximo que podemos chegar à ideia de
“carregar algo” é quando o verbo é usado para significar “usar
roupas/capas/carregar armas” (Mt 3:4; 22:12; 1Co 11:4; Ap 9:9, 17; Jo
18:10). Mesmo nesses casos, a ideia básica é a de ter. 41
Em Apocalipse 6:9, echō se encontra no imperfeito, voz ativa, terceira
pessoa do plural. Portanto, seu significado só pode ser “ter” ou “apegarse”,
não “carregar”. Para que o sentido fosse “eles carregavam seu próprio
testemunho”, esperaríamos a presença do verbo matureō (“testemu-nhar,
testificar”), ou alguma de suas formas compostas. 42 Como não é o caso,
concluímos que seu “testemunho não era primariamente seu testemunho
sobre Jesus, mas o testemunho que receberam dEle (ver 12:17; 20:4)”. 43 Eles
aceitaram esse testemunho, se recusaram a abrir mão dele e, em consequência
disso, foram sentenciados à morte. O “testemunho”, da mesma maneira que a
“Palavra”, era uma possessão objetiva dos mártires. 44
Essa interpretação se encontra em harmonia com o paralelismo entre
“Palavra de Deus” e “testemunho de Jesus”, encontrado em outros lugares:
Ap 1:2: “o qual atestou a Palavra de Deus e o testemunho de Jesus
Cristo, quanto a tudo o que viu”.
Ap 1:9: “Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e
na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa
da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus”.
Ap 20:4: “Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi
dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do
testemunho de Jesus, bem como por causa da Palavra de Deus, tantos
quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não
receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo
durante mil anos” (ênfase minha).
Essa intepretação também harmoniza com o sentido gramatical de echō
(“ter, apegar-se”). Em Apocalipse 12:17, a igreja remanescente tem o
“testemunho de Jesus”; em 17:1 e em 21:9, os sete anjos têm as “sete taças”
e, em 19:10, os conservos do anjo também têm o “testemunho de Jesus”. Ao
longo de todo o Apocalipse, o verbo echō sempre quer dizer “ter” ou
“apegar-se, segurar”.
Um povo perseverante
A terceira característica da igreja remanescente é que ela tem “a
perseverança (hupomonē) dos santos (tōn hagiōn)” (Ap 14:12). Apocalipse
14 pode ser dividido em quatro seções:
1. O povo redimido de Deus (14:1-5)
2. As três mensagens angélicas (14:6-12)
3. A voz do Céu e a bênção (14:13)
4. A colheita na Terra durante a segunda vinda (14:14-20)
O capítulo inicia com a visão do remanescente em pé sobre o monte Sião.
Eles seguem o Cordeiro por onde quer que vá (v. 4). Em seguida, João é
levado de volta no tempo, aos eventos que culminaram com o que ele acabara
de ver (v. 1-5): a proclamação das três mensagens angélicas (v. 6-12) e a
segunda vinda (v. 14-20). O versículo 12 fornece outra característica notável
do remanescente,a saber, que eles têm a perseverança (hupomonē) dos
santos.
No grego clássico, a palavra hupomonē (“perseverança”) é descrita como
uma das virtudes gregas e significa “resistir”, ou demonstrar “brava
resistência que desafia com coragem o mal”. 45 Todavia, no Antigo
Testamento, o foco da perseverança não se encontra tanto sobre os poderes
malignos, mas em Deus. Portanto, na Septuaginta, onde o substantivo
hupomonē ocorre 25 vezes e o verbo hupomenē aparece cerca de oitenta
vezes, 46 a palavra é usada primordialmente para expressar a ideia de esperar
em Deus. Os justos esperam no Senhor (Sl 26:9; 37:9; Is 8:17; 40:31; Mq
7:7); Ele é a esperança [hebraico miqweh] de Israel (Ed 10:2; Jr 14:8; 17:13);
“a esperança [hebraico tiqwāh] do homem” (Jó 14:19; Sl 9:18; Jr 31:17).
“Cercados por injustiça e grande angústia interior, os justos sabem que são
protegidos por Deus e que só precisam esperar por Sua ação libertadora, a
qual trará alívio à situação”. 47 Assim, Miqueias, por exemplo, diz que
“pereceu da terra o piedoso, e não há entre os homens um que seja reto [...].
Eu, porém, olharei para o Senhor e esperarei no Deus da minha salvação; o
meu Deus me ouvirá” (Mq 7:2, 7).
No Novo Testamento, tēn hupomonēn tou Christou, “a perseverança de
Cristo” (2Ts 3:5, NVI) 48 compreendida como genitivo objetivo, continua a
descrever a atitude básica do justo exibida no Antigo Testamento: esperar
pacientemente pela vinda de Cristo. Isso estaria em conformidade com o tema
principal das duas cartas aos tessalonicenses e, em especial, com
1Tessalonicenses 1:3, onde Paulo fala sobre “a perseverança [hupomonē]
proveniente da esperança em nosso Senhor Jesus Cristo” (NVI).
Se a construção genitiva for considerada subjetiva, como interpreta a
maioria dos comentaristas, “a perseverança de Cristo” seria uma referência à
perseverança demonstrada por Jesus, que “suportou [hupomonē] a cruz” e
“suportou [hupomonē] tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo”
(Hb 12:2, 3). Tal pensamento seria paralelo à referência anterior ao “amor de
Deus” (tēn agapēn tou theou), compreendido como o amor de Deus pelos
tessalonicenses. “Considerando todas essas coisas, a oração provavelmente
consistia num pedido para o Senhor guiar os tessalonicenses a exibir a mesma
perseverança demonstrada por Cristo quando Ele sofreu perseguição.” 49
O significado principal de hupomonē e hupomenō no Novo Testamento,
similar à compreensão da palavra no grego clássico, é a perseverança
inabalável do cristão diante das dificuldades (2Co 1:6; 2Ts 1:4; 2Pe 1:6). “A
perseverança inabalável e paciente face ao mal e às injustiças do mundo é a
verdadeira atitude do cristão (1Co 13:7).” 50 Por isso, Paulo se regozija em
meio às tribulações, “sabendo que a tribulação produz perseverança
[hupomonē]” (Rm 5:3). Em resposta aos falsos mestres (2Co 1:17; 5:12), o
apóstolo se apresenta como ministro de Deus “na muita paciência
[hupomonē], nas aflições, nas privações, nas angústias” (2Co 6:4). Em 2
Coríntios, Paulo se refere diversas vezes às dificuldades que enfrentou (4:8,
9; 6:4, 5; 11:23-29; 12:10).
A paciência, resistência ou perseverança dos santos consiste num dos temas
principais do Apocalipse, onde há sete referências a hupomonē (1:9; 2:2, 3,
19; 3:10; 13:10; 14:12). Na introdução do livro, João se descreve como
companheiro dos cristãos da Ásia Menor no sofrimento, os quais foram
capazes de o suportar em Jesus (em Iēsou). 51 A repetição de “em ... em” e
suas variações (“na tribulação”, “em Jesus”) “enfatiza o ensinamento
neotestamentário de que todo sofrimento cristão era interpretado, na igreja
primitiva, como uma participação ‘em Cristo’ (ver Rm 8:17; 2Co 1:5; 4:10;
Fp 3:10; Cl 1:24; 1Pe 4:13)”. 52
Nas cartas às sete igrejas, hupomonē ocorre quatro vezes (Ap 2:2, 3, 19;
3:10). Éfeso, Tiatira e Filadélfia são elogiadas por sua paciência e
perseverança. Existem aspectos verticais e horizontais de hupomoē nas
mensagens a essas igrejas. O aspecto vertical é sua fidelidade a Deus, pois
esperam pacientemente no Senhor; o aspecto horizontal é sua resistência às
tentações deste mundo, sua “resistência perseverante ao mal”. 53 Na
mensagem a Filadélfia, a perseverança de Cristo 54 se torna modelo para a
perseverança dos filadélfios em suas próprias provações (3:10).
As duas últimas ocorrências de hupomonē no Apocalipse se referem
claramente à mesma situação (13:10; 14:12). Ambos os capítulos discorrem
sobre os eventos do tempo do fim e descrevem o povo de Deus em sua luta
final com os inimigos do Senhor. No capítulo 13, todos os que habitam na
Terra adoram a besta, com exceção daqueles cujo nome se encontra no livro
da vida (v. 8); eles são como o Senhor que, “quando ultrajado, não revidava
com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se Àquele
que julga retamente” (1Pe 2:23).
Os santos de Apocalipse 14:12 são os mesmos de 13:7. Contra eles, a
trindade satânica faz guerra. São chamados de remanescente da descendência
(semente) da mulher (12:17). Em 14:12, são colocados em contraste com
aqueles que adoram a besta e a sua imagem. Eles não são enganados pelos
fenômenos miraculosos associados à adoração da besta. “São resolutos em
suas convicções, não se deixam levar por persuasão ou coerção; acima de
tudo, são fiéis a Deus, preparados para sofrer perdas, dificuldades físicas e até
mesmo a morte para manter o relacionamento com Ele”. 55 Esperam
pacientemente o retorno do Senhor. Hupomonē, nesse contexto, pode ser
traduzido melhor como “resistência”.
“Embora o retorno de Jesus pareça tardar, embora as dúvidas e o medo
lancem seus ataques, esse povo nunca perde a esperança. Persevera até o
fim. Sabe que Aquele que prometeu é fiel e um dia voltará. Bombardeado
por ideias falsas, perseguido por uma conspiração religiosa e ameaçado
pelos poderes civis, continua a esperar com lealdade inabalável.” 56
A mensagem desses textos é clara: Satanás e suas hostes demoníacas
podem até ter seu momento, mas Deus controla o futuro e os fiéis pertencem
a Ele, contanto que nEle depositem sua confiança e perseverem em viver sua
fé por meio da observância aos mandamentos divinos.
Guardar a fé de Jesus
A quarta característica do povo remanescente de Deus discutida neste
capítulo é que ele guarda a fé de Jesus (tērountes [...] tēn pistin Iēsou). O
genitivo “fé de Jesus”, em Apocalipse 14:12, pode, novamente, ser
compreendido de duas maneiras. Se for interpretado como genitivo objetivo,
como a maior parte dos comentaristas parece fazer, 57 o significado é que os
santos permanecem “fiéis a Jesus”. 58 É interessante observar que a primeira
parte desse texto também aparece em 13:10: “Aqui está a perseverança e a
fidelidade dos santos”. Se a “fé de Jesus”, em 14:12, se trata de genitivo
objetivo (significando “fé em Jesus”), então os versos 13:10 e 14:12 estariam
dizendo basicamente a mesma coisa.
Como genitivo subjetivo, a “fé de Jesus” tem sido interpretada de várias
maneiras. De acordo com alguns, tēn pistin Iēsou “se refere, em primeiro
lugar, à fidelidade dEle e, em seguida, também à fé dos crentes em Jesus”. 59
Em contraste com a maioria dos intérpretes, William G. Johnsson afirma:
Essa expressão não quer dizer que o povo de Deus tem fé em Jesus
(embora isso seja verdadeiro), porque a fé de Jesus é algo que eles
guardam. A “fé” provavelmente se refere à tradição cristã, o corpo de
ensinamentos centrado em Jesus. Judas 3 pode fornecer um paralelo: “fé
que uma vez por todas foi entregue aos santos”. Quando os seguidores
leais de Deus guardam a fé de Jesus, eles se mantém fiéis à essência do
cristianismo, ou seja, “guardam a fé”. 60
De modo semelhante, G. K. Beale denomina esse genitivo como “genitivo
de raiz”, e traduz tēn pistin Iēsou como “fé proveniente de Jesus”. O autor
identifica a “fé de Jesus” com “as tradições evangélicas objetivas que se
originam em Jesus, já que a expressão é paralela a ‘mandamentos de Deus’,
que a precede”. 61 Argumenta ainda que “pistis se refere ao conteúdo
doutrinário da fé cristã (ver Jd 3). Isso se torna ainda mais evidenteem [Ap]
2:13, onde a palavra ocorre com o mesmo significado”. 62
Na Septuaginta, 63 o substantivo pistis e o adjetivo pistos são usados, em
primeiro lugar, para traduzir as palavras hebraicas ‘emûnah 64 (“fidelidade,
verdade, fé”; 1Sm 26:23; Pv 12:17; Jr 5:1; Hb 2:4) 65 e ‘āman (“fiel,
confiável”; Nm 12:7; Dt 7:9), caracterizando o relacionamento entre Deus e
os seres humanos. 66 Todavia, essas palavras hebraicas não ocupam a posição
central que pistis, pistos e pisteuein possuem no Novo Testamento. Neste,
“fé” é uma palavra-chave, que descreve o relacionamento para o qual o
evangelho conclama homens e mulheres: um relacionamento de confiança em
Deus por meio de Jesus Cristo.
A fé ou confiança em Deus pressupõe certo conhecimento sobre Ele. Ao
longo das Escrituras, a confiança no Senhor repousa sobre a crença no que
Ele revelou acerca de Seu caráter e de Seus propósitos. J. I. Packer explica:
No Novo Testamento, onde a fé em Deus é definida como confiança em
Cristo, a aceitação de Jesus como o Messias esperado e Filho de Deus
encarnado é vista como pré-requisito básico para possuir esse atributo. Os
escritores admitem que a fé pode existir, de alguma forma, onde as
informações sobre Jesus são incompletas (At 19:1), mas não se Sua
identidade divina e condição de Salvador são negadas de maneira
consciente (1Jo 2:22; 2Jo 7-9); a única coisa possível, nesse caso, é a
idolatria (1Jo 5:21), a adoração de uma falsa realidade construída por
homens. 67
Paulo retrata a fé repetidas vezes como a ciência, a crença e a obediência à
“verdade” (Tt 1:1; 2Ts 2:13; Rm 2:8, etc.), indicando que considerava a
ortodoxia como ingrediente fundamental à fé. Mas, no Novo Testamento, a fé
não significa, em primeiro lugar, o conhecimento sobre Deus; em vez disso,
trata-se de um dom divino (Ef 2:8; 2Pe 1:1; At 18:27; Fp 1:29), concedido
livremente a todos dispostos a recebê-lo (Rm 8:32; 1Co 2:12). Os seres
humanos não têm condições de compreender as realidades divinas e de
confiar no Senhor sem o direcionamento e a iluminação do Espírito Santo (Jo
6:44, 65; 16:13).
A maior parte dos comentaristas simplesmente presume que tēn pistin Iēsou
constitui genitivo objetivo, sem qualquer investigação ou justificativa
adicional. David Aune é exceção. O autor admite que a expressão fica
estranha, do ponto de vista gramatical, se interpretada como “fiéis a Jesus”
em Apocalipse 14:12, porque tērountes “teria que ser entendido com dois
significados simultâneos: ‘obedecer’, com tas entolas, ‘os mandamentos’, e
‘permanecer, manter’ com tēn pistin”. 68 Contudo, como a expressão pistin
tērein (“manter a fé, permanecer leal”) era comum no grego, 69 o autor
interpreta a palavra “Jesus” em tēn pistin Iēsou como genitivo objetivo, de
maneira que a expressão completa significaria “[sua] fidelidade a Jesus”. 70
Embora pistin tērein tenha mesmo, muitas vezes, o significado de “manter a
fé” ou “ser leal” a pessoas, também pode possuir o sentido mais abstrato de
manter-se fiel a uma instituição. Em Políbio, por exemplo, o comandante
ibérico Indíbio, que se revoltou contra as forças de ocupação cartaginesas,
tenta convencer o general romano Cípio de sua lealdade ao exército romano.
71 Portanto, entender “guardar a fé”, em Apocalipse 14:12, como permanecer
fiel ao cristianismo não se encontra em desarmonia com o uso idiomático
dessa expressão. Portanto, ela pode ser compreendida objetivamente como
ser fiel ao cristianismo ou subjetivamente como guardar as doutrinas de
Jesus. Para apoiar a última interpretação, é útil notar o paralelismo marcante
entre 12:17 e 14:12:
 
Ap 12:17 Ap 14:12
O povo remanescente
guarda os mandamentos de Deus
tem o testemunho de Jesus
(genitivo subjetivo)
Os santos guardam os mandamentos de Deus
guardam a fé de Jesus
(genitivo subjetivo)
 
Portanto, concordamos com Johnsson e Beale que a “fé de Jesus” se refere,
em primeiro plano, ao conteúdo doutrinário da fé cristã, 72 a qual é centrada
em Jesus, ao invés de fé em Jesus, em geral expressa com pisteuō e en 73 ou
eis, 74 “acreditar em”. Esse também é o posicionamento empregado na
explicação das crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Citando o termo “fé de Jesus”, o documento afirma: “O povo remanescente
de Deus é caracterizado por uma fé semelhante à que Jesus tinha... Sua fé
engloba todas as verdades da Bíblia – as mesmas nas quais Jesus acreditava e
que ensinava.” 75
Os santos de Apocalipse 14:12 permanecem firmes em sua lealdade a Deus
e a Sua Palavra durante a crise final. Assim como Jesus guardava os
mandamentos de Deus pela fé nEle, o remanescente obedece pela fé em Jesus
e guarda “a fé de Jesus”, isto é, ensina o que aprendeu, fala aquilo que ouviu,
faz o que Cristo fez. Eles se apegam firmemente à fé entregue aos santos (Jd
3).
A mensagem do remanescente 76
Finalmente, o remanescente se caracteriza por proclamar a mensagem
encontrada em Apocalipse 14:6-12, a saber, as “três mensagens angélicas”.
Por meio delas, Deus aborda os enganos satânicos que existirão no mundo
antes do encerramento do conflito cósmico. As mensagens são ancoradas nas
boas-novas eternas de salvação por meio de Cristo: o evangelho eterno
(14:6). Sua proclamação ocorre pouco antes do retorno do Senhor e se
encontra diretamente relacionada ao julgamento final, 77 que, de acordo com
Paulo, é parte do evangelho (Rm 2:16). Para os fiéis, o julgamento consiste
numa boa-nova, pois Cristo é o sumo sacerdote e mediador deles diante do
Pai.
A raça humana é convidada a adorar a Deus, em vez de a besta e sua
imagem (Ap 14:7; 13:12-15). Num tempo em que o mundo cristão tem, de
modo geral, aceitado a teoria da evolução das espécies, o remanescente
conclama todos a adorarem “aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as
fontes das águas” (14:7).
A proclamação do evangelho eterno ocorre no contexto da última obra
enganosa do dragão, da besta e do falso profeta. Quando a apostasia
apocalíptica está atingindo seu clímax, o remanescente alerta o mundo para
esse ato de rebelião e anuncia a queda da Babilônia espiritual, a
personificação dessa apostasia. Os adventistas, assim como os reformadores,
identificaram a existência de apostasia dentro do cristianismo. Antevemos
que tal apostasia atingirá novas dimensões. É importante, portanto, anunciar o
extermínio definitivo da trindade profana e daqueles que se identificaram
com seu programa (14:9-11). Sua mensagem é um apelo final para toda
nação, tribo, língua e povo se prepararem para o julgamento. Sem dúvida,
Deus tem um povo em todas as igrejas, mas Ele o está chamando por meio de
Seu remanescente para sair de Babilônia e se preparar para o segundo
advento (Ap 18:4).
Conclusão
A igreja remanescente de Apocalipse 12-14, a qual, segundo 12:17, surge
após o período de 1.260 dias (isto é, depois de 1798), possui várias
características que a identificam: guarda os mandamentos de Deus, inclusive
o mandamento do sábado; tem o testemunho de Jesus, que é o espírito de
profecia ou dom profético; trata-se de um povo perseverante, ou seja, tem a
paciência/resistência que Paulo afirma ser o resultado da presença de Cristo
em nossas tribulações (Rm 5:3, 4); guarda a fé de Jesus, ou seja, é fiel àquilo
que Jesus acreditava e que ensinava; proclama as três mensagens angélicas,
as quais preparam o povo de Deus para o segundo advento.
Apocalipse 14:6-12 diz qual é a mensagem proclamada pelo remanescente
no tempo do fim. Aqueles que fazem parte do remanescente de Deus levarão
uma palavra de advertência ao mundo, dizendo que a hora do juízo divino
chegou e chamarão todos aqueles dispostos a se preparar para se encontrar
com o Senhor em Sua segunda vinda. As características do remanescente nos
desafiam a estudá-las e exemplificá-las em nossa vida.
1 Ver William H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética (Engenheiro Coelho, SP:
Unaspress, 2007), p. 63-99; Alberto Timm, “Miniature Symbolization and the Year-Day Principle of
Prophetic Interpretation”, AUSS 42.1 (primavera de 2004), p. 149-167; Gerhard Pfandl, “The Pre-
Advent Judgement:Fact or Fiction?” (Parte 1), Ministry (dezembro de 2003), p. 20-23.
2 Ver F. D. Nichol (ed.), “Revelation”, em AdvBibComm, v. 7, p. 809; C. Mervyn Maxwell, God
Cares, v. 2 (Nampa, ID: Pacific Press, 1985); William H. Shea, “Time Prophecies of Daniel 12 and
Revelation 12-13”, em Symposium on Revelation – Book I, ed. Frank B. Holbrook (Silver Spring, MD:
Biblical Research Institute, 1992), p. 360.
3 A estrutura temporal de Apocalipse 12 é explanada por Ekkehardt Mueller, “The End-Time
Remnant in Revelation”, JATS 11/1-2 (2000), p. 196, 197.
4 Ver Gerhard F. Hasel, “The Remnant in Scripture and the End Time”, AdvA (outono de 1988), p.
5-12, 62-64; Gerhard Pfandl, “The Remnant Church and the Spirit of Prophecy”, em Symposium on
Revelation – Book I, ed. Frank B. Holbrook (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p.
295-333; Gerhard Pfandl, “The Remnant Church”, JATS 8/1-2 (1997), p. 19-27; Ranko Stefanovic,
Revelation (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2002), p. 395.
5 A descrição dos 144 mil em Apocalipse 14:1-5 fornece informações adicionais acerca do
remanescente (ver Mueller, “Remnant”, p. 201, e Lehman, “O remanescente no Apocalipse”, nesta
obra).
6 Ver G. Schrenk, “Entellomai, entolē”, TDNT, v. 2, p. 546.
7 O Textus Receptus possui mais uma ocorrência em Apocalipse 22:14: “Bem-aventurados aqueles
que guardam os Seus mandamentos” (ACRF), em vez de “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas
vestiduras” (ARA, NVI).
8 Ver Johannes Kovar, “O remanescente e os mandamentos de Deus”, nesta obra.
9 Harold C. Washington, “Fear”, NIDB, v. 2, p. 141.
10 Stefanovic, Remnant, p. 443.
11 Mario Veloso, “The Law of God”, em Handbook of Seventh-Day Adventist Theology, ed. Raoul
Dederen (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), p. 463.
12 Ver Walter Specht, “The Sabbath in the New Testament”, em The Sabbath in Scripture and
History, ed. Kenneth Strand (Washington, DC: Review and Herald, 1982), p. 114-129. Samuel
Bacchiochi, em seu livro From Sabbath to Sunday (Roma: Pontifical Gregorian University, 1977),
demonstrou que somente a partir do 2o século d.C. são encontradas menções à guarda do domingo na
igreja cristã (ver p. 305-309).
13 Simon J. Kistemaker, Revelation (Grand Rapids: Baker, 2001), p. 413.
14 M. E. Osterhaven, “Testimony”, ZPEB, v. 5, p. 82. Ver também Osborne, Revelation, p. 678;
John J. Walvoord, The Revelation of Jesus Christ (Chicago: Moody Press, 1966), p. 41; Petros
Vassiliades, “The Translation of Marturia Iēsou in Revelation”, BT 36 (1985), p. 129-134; David Aune,
Revelation 17-22 (Nashville: Thomas Nelson, 1998), p. 1038-1039; Matin Rist, “Revelation”, em
Interpreter’s Bible, v. 12, ed. G. A. Buttrich (Nashville: Abingdon, 1957), p. 459; Morris Ashcraft,
“Revelation”, em Broadman Bible Commentary, v. 12 (Nashville: Broadman, 1972), p. 312; G. R.
Beasley-Murray, The Book of Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 106; Stephen S.
Smalley, The Revelation to John (Downers Grove: InterVarsity, 2005), p. 334.
15 Ray F. Robbins, The Revelation of Jesus Christ (Nashville: Broadman, 1975), p. 154.
16 Essa interpretação se baseia parcialmente no ponto de vista de que, na época em que o Apocalipse
foi escrito, a palavra marturia já havia adquirido o significado técnico de martírio; ver Vassiliades,
“Translation”, p. 131; William Henry Simcox, Revelation of St. John the Divine (Cambridge:
Cambridge University Press, 1898), p. 117. Sabemos que na carta escrita pelos crentes de Esmirna à
igreja de Filomélio, na Frígia, na segunda metade do 2º século d.C., intitulada O martírio de Policarpo,
o termo martus (“testemunha”) foi usado como equivalente a “mártir”. Não existem indicativos de que
esse era o caso quando o Apocalipse foi elaborado; ver J. Massyngberde Ford, Revelation (Nova York:
Doubleday, 1975), p. 371; e A. A. Trites, “Martus and Martyrdom in the Apocalypse”, NovT 15
(1973), p. 80. Sobre a questão de martus e “mártires”, ver F. Kattenbusch, “Der Märtyrertitel”, ZNW 4
(1903), p. 111-127; T. W. Manson, “Martyrs and Martyrdom”, BJRL 39 (1956-1957), p. 463-484;
Ernst Lohmeyer, “Die Idee des Martyriums im Judentum und Urchristentum”, ZST 5 (1927-1928),
p. 232-249.
17 James Moffat, “Revelation of St. John the Divine”, em Expositor’s Greek Testament, v. 5, ed. W.
Robertson Nicoll (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), p. 465. Ver também Stefanovic, Revelation, p. 392,
393.
18 John MacArthur, Revelation 12-22 (Chicago: Moody, 2000), p. 34.
19 Trites, “Martyrdom”, p. 75.
20 J. Massyngberde Ford, “For the Testimony of Jesus Is the Spirit of Prophecy”, ITQ 42 (1975), p.
285; Albert Barnes, Revelation (Grand Rapids: Baker, 2001), p. 37, 316, 411; R. H. Charles, Revelation
of St. John, v. 2 (Edinburgh: T. and T. Clark, 1920), p. 7; G. E. Ladd, A Commentary on the Revelation
of John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 265; Beasley-Murray, Revelation, p. 206, 276.
21 Louis A. Brighton, Revelation (St. Louis: Concordia: 1999), p. 502, 503; M. Eugene Boring,
Revelation (Louisville: John Knox, 1989), p. 194; G. K. Beale, The Book of Revelation (Grand Rapids:
Eerdmans, 1999), p. 679.
22 O termo marturia é encontrado nas seguintes passagens: Jo 1:7, 19; 3:11, 32, 33; 5:31, 32, 34, 36;
8:13, 14, 17; 19:35; 21:24; 1Jo 5:9 (três vezes), 5:10 (duas vezes), 5:11; 3Jo 12.
23 Uma construção genitiva similar é a expressão “palavra de Deus” (ho logon tou theou; Jo 10:35;
1Jo 2:14), a qual sempre significa o que o próprio Deus diz, não o que os homens dizem a respeito
dEle.
24 Outros textos que empregam peri (“sobre, a respeito de”): Jo 1:8, 15; 2:25; 5:36, 37, 39; 1Jo 5:9,
10.
25 As diferenças linguísticas entre o evangelho e as cartas de João comparadas ao Apocalipse
levaram muitos estudiosos a pensar em outro João como autor do livro. O grego das cartas e do
evangelho é relativamente simples e, em geral, correto, enquanto no Apocalipse a concordância muitas
vezes é desrespeitada. Encontramos confusão de gênero, número e caso, assim como diversas
construções incomuns. Exemplos diversos podem ser encontrados em Charles, Revelation, v. 1, p.
XXIX-XXXVII. Todavia, a despeito dessas diferenças, o Apocalipse possui muito mais afinidade com
o grego das outras obras joaninas do que qualquer outro livro do Novo Testamento. As diferenças
linguísticas podem ser devidas ao fato de o Apocalipse ter sido provavelmente escrito quando João
estava sozinho em Patmos, enquanto o evangelho e as cartas foram elaborados com a possível ajuda de
um ou mais irmãos na fé em Éfeso. Ver Donald Guthrie, New Testament Introduction (Leicester:
InterVarsity, 1976), p. 934-942.
26 Massyngberde Ford, “Testimony of Jesus”, p. 285. Ver também Isabelle Donegani, “A Cause de
la parole de Dieu et du témoignage de Jésus...”: Le témoignage selon l’Apocalypse de Jean (Paris: J.
Gabalda, 1997), p. 360-364, 377, 378.
27 Alguns podem argumentar que “os que guardam as palavras deste livro” devem ser incluídos no
grupo dos que têm o testemunho de Jesus. Em outras palavras, todos os crentes têm o testemunho de
Jesus. Alguns manuscritos mais tardios até mesmo omitem o kai (“e”), ligando os profetas àqueles que
guardam as palavras deste livro. Em resposta a isso, é preciso dizer que, conquanto as duas passagens
sejam paralelas, elas não são idênticas. Em Apocalipse 19:10, o anjo diz a João que é seu conservo e
dos irmãos que mantêm o testemunho de Jesus, isto é, dos profetas assim como João. Em 22:9, o anjo
repete o que disse em 19:10, mas também acrescenta ser conservo daqueles que guardam as palavras
deste livro. As construções genitivas são as mesmas para “os profetas” (tōn adelphōn) e para “os que
guardam as palavras deste livro” (tōn tērountōn...), porém não há necessidade gramatical de ligar este
grupo com “testemunho de Jesus”, de 19:10. Em 22:8 e 9, dois grupos são mencionados: os profetas,
que, conforme 19:10, têm o “testemunho de Jesus”, e o restante dos fiéis, que “guardam as palavras
deste livro”. Os dois grupos, os profetas e o restante dos santos, também são mencionados em
Apocalipse 11:18: “aos teus servos,os profetas, aos santos”, em 16:6 e em 18:24: “sangue de profetas,
de santos” (ver Hermann Strathmann, “Martus”, TDNT, v. 4, p. 501).
28 Essa interpretação é defendida por alguns teólogos não adventistas. Por exemplo, o luterano
Hermann Strathmann afirma: “De acordo com a passagem paralela [Ap] 22:9, os irmãos mencionados
não são os crentes de modo geral, mas os profetas. Aqui, também, eles são caracterizados dessa
maneira. Esse é o objetivo do verso 10c. Se eles têm marturia Iēsou, possuem o espírito de profecia, isto
é, são profetas, como o anjo, que simplesmente permanece a serviço do marturia Iēsou” (“Martus”, p.
501; ver também Richard Bauckham, The Climax of Prophecy [Edinburgh: T. and T. Clark, 1993], p.
162). Semelhantemente, James Moffat explica: “‘pois o testemunho ou testemunha de (ou seja, dado
por) Jesus é (isto é, constitui) o espírito de profecia’. Esse comentário marginal prosaico define de
forma específica os irmãos que têm o testemunho de Jesus como possuidores de inspiração profética. O
testemunho de Jesus é praticamente equivalente a Jesus testificando (xxii. 20). É Sua autorrevelação (de
acordo com 1:1, creditada, no fim das contas, a Deus) que move os profetas cristãos” (Moffat,
“Revelation”, v. 5, p. 465). Donegani, em Témoignage de Jésus, p. 380, conclui que a expressão
“espírito de profecia” se refere ao Espírito que inspirava os profetas (p. 360), mas amplia seu
significado, abarcando não somente os profetas cristãos, como também o testemunho coletivo da igreja
cristã (p. 380). Conforme mostraremos, a interpretação eclesiológica da autora não pode ser
fundamentada pelo uso do verbo “ter” ou da expressão “espírito de profecia” em outras literaturas
extrabíblicas.
29 Targumim é o plural de targum, termo aramaico que significa “tradução, interpretação”. Refere-se
especificamente às traduções do Antigo Testamento para o aramaico, que passaram a ser usadas após o
exílio babilônico, quando muitos judeus não mais compreendiam o hebraico.
30 E. Sjöberg, “Rûaḥ in Palestinian Judaism”, TDNT, v. 6, p. 382.
31 Bernard Grossfeld, Targum Onqelos to Genesis, The Aramaic Bible, v. 6, ed. K. Cathart, M.
Maher, M. McNamara (Collegeville: Liturgical, 1988), p. 138.
32 Bernard Grossfeld, Targum Onqelos to Leviticus and the Targum Ongelos to Numbers, The
Aramaic Bible, v. 8, ed. K. Cathart, M. Maher e M. McNamara (Collegeville: Liturgical, 1988), p. 102,
145, itálicos no original. Outras ocorrências do termo “espírito de profecia” são encontradas nos
Targumim de Nm 11:25; 24:2; Jz 3:10; 1Sm 10:6; 19:20, 23; 2Sm 23:2; 1Rs 22:24; 2Cr 15:1; 18:22,
23; 20:14; 24:20; Sm 51:13; Is 11:2; 40:13; 61:1; Ez 11:5, 24; 37:1; Mq 3:8 (Hermann L. Strack & Paul
Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch, v. 2 [München: Beck’sche
Verlagsbuchhandlung, 1924], p. 129).
33 J. P. Schäffer, “Die Termini ‘Heiliger Geist’ und ‘Geist der Prophetie’ in den Targumim und das
Verhältnis der Targumim zueinander”, VT 20 (1970), p. 310 (tradução do autor).
34 F. F. Bruce, The Time is Fulfilled (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 105, 106.
35 Ellen G. White também interpreta a expressão “testemunho de Jesus” em termos do “espírito de
profecia”, mas dá ênfase ao conteúdo; ver Rodríguez, “O testemunho de Jesus nos escritos de Ellen G.
White”, nesta obra.
36 Wilhelm Bousset, Die Offenbarung des Johannes (Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 1906),
p. 270; Friedrich Düsterdieck, Critical and Exegetical Handbook to the Revelation of John (Nova York:
Funk and Wagnalls, 1887), p. 229; I. T. Beckwith, The Apocalypse of John (Eugene: Wipf and Stock,
2001), p. 526; Robert H. Mounce, The Book of Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1977), p. 158;
Charles, Revelation, v. 2, p. 174; Simcox, Revelation, p. 44; Ladd, Revelation, p. 104.
37 Algumas versões, como a Bíblia de Jerusalém, traduzem dessa maneira e vários comentaristas
adotam tal ponto de vista; por exemplo, Barnes, Revelation, p. 316; A. Plummer, Revelation (Londres:
Funk and Wagnalls, s.d.), p. 188; Martin Kiddle, The Revelation of St. John (Londres: Hodder and
Stoughton, 1940), p. 118; Beasley-Murray, Revelation, p. 135; Massyngberde Ford, Revelation, p. 96.
38 Walter Bauer, Wm. F. Arndt, F. Wilbur Gingrich & William Danker, A Greek-English Lexicon of
the New Testament and Other Early Christian Literature (Chicago: University of Chicago, 2000), p.
420-422.
39 Ibid.
40 Ibid., p. 422.
41 Henry G. Liddell & Robert Scott, em A Greek-English Lexicon, ed. rev. (Oxford: University
Press, 1958), p. 749, 750, fornecem centenas de referências de formas transitivas ativas de echō com o
mesmo significado dado por Bauer, Arndt, Gingrich e Danker, A Greek-English Lexicon. Na forma
média, eles mostram quatro referências, nas quais echō quer dizer “carregar” ou “segurar para si” algo
concreto; por exemplo, um escudo (p. 749, 750). Liddell & Scott (p. 750, 751) também citam uma
segunda palavra echō encontrada numa inscrição cipriota, a qual menciona uma oferta que é “trazida”
(echō). Em nenhum lugar echō é empregada com o sentido abstrato de “dar testemunho”. David Hill
comenta: “se he marturia Iēsou significar ‘testemunhar de Jesus’, o verbo echō seria extremamente
incomum (mesmo no grego desse livro), para conotar o testemunho dado pelos cristãos” (“Prophecy
and Prophets in the Revelation of St. John”, NTS 18 [1971-1972], p. 411).
42 Por exemplo, surmmartureō (“testificar” ou “dar testemunho”).
43 Mounce, Revelation, p. 158.
44 Charles, Revelation, v. 1, p. 174. Ver também Bousset, Offenbarung, p. 270. No livro Light for
the Last Days (Nampa, ID: Pacific Press, 1999), Hans K. LaRondelle argumenta que o testemunho que
os mártires têm (echō) em Apocalipse 6:9 é idêntico ao “testemunho de Jesus” de Apocalipse 12:17 (p.
180, 181), mas essa perspectiva se encontra incorreta. Em 6:9, os mártires possuem o próprio
testemunho, que sustentam; em 12:17, o remanescente tem (echō) o “testemunho de Jesus” (genitivo
subjetivo). Apocalipse 12:17 não se refere ao testemunho do remanescente, mas ao testemunho de Jesus
ao remanescente.
45 F. Hauck, “Hupomonē”, TDNT, v. 4, p. 581, 582.
46 Tal contagem inclui os livros apócrifos da Septuaginta. Nos canônicos, o substantivo hupomonē
ocorre apenas nove vezes e o verbo hupoeonō, cerca de sessenta.
47 Hauck, “Hupomonē”, p. 584.
48 O Textus Receptus apresenta construção genitiva similar em Apocalipse 1:9: hupomonē Iēsou
Christou; a versão Nestle-Aland, por sua vez, traz hupomonē en Iēsou.
49 D. Michael Martin, 1, 2 Thessalonians (Nashville: Broadman & Holman, 2002), p. 268.
50 Hauck, “Hupomonē”, p. 586.
51 O Textus Receptus apresenta hupomonē Iēsou Christou (“a paciência de Jesus Cristo”), enquanto
Nestle-Aland fala em hupomonē en Iēsou.
52 Osborne, Revelation, p. 81.
53 Ibid., p. 80.
54 Embora algumas traduções interpretem mou como governando a “palavra” ou “mandamento” de
Cristo, a maioria entende que mou governa hupomonē em vez de logos.
55 William G. Johnsson, “The Saint’s End-Time Victory Over the Forces of Evil”, em Symposium
on Revelation – Book II, p. 38.
56 Ibid., p. 39.
57 Ver Aune, Revelation 6-16, p. 838; Charles, Revelation, v. 1, p. 369; MacArthur Jr., Revelation
12-22, p. 103; Moffat, “Revelation”, p. 439; Mounce, Revelation, p. 277; Osborne, Revelation, p. 544;
Pierre Pringent, Commentary on the Apocalypse of St. John (Tübingen: Mohr, 2004), p. 445; Smalley,
Revelation, p. 369; Stefanovic, Revelation, p. 454; Beckwith, Apocalypse, p. 659; Philip E. Hughes,
The Book of Revelation (Leicester: InterVarsity, 1990), p. 164; Margaret Barker, The Revelation of
Jesus Christ (Londres: T. and T. Clark, 2000), p. 250; Robert W. Wall, Revelation (Peabody:
Hendrickson, 1991), p. 186; Alan Johnson, “Revelation”, em Expositor’s Bible Commentary, v. 12, ed.
Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), p. 542.
58 A NVI traduz como “permanecem fiéis a Jesus”.
59 Brighton, Revelation, p. 385.
60 Johnsson, “End-Time Victory”, p. 38, 39. Ver também Kistemaker, Revelation, p. 413.
61 Beale, Revelation, p. 766.
62 Ibid.Esse significado também é aparente em Gálatas 1:23 e em 1 Timóteo 4:1, 6.
63 A palavra pistis ocorre cerca de sessenta vezes na Septuaginta (37 delas em livros canônicos) e
mais de 240 vezes no Antigo Testamento.
64 A palavra ‘emûnah em geral se refere à fidelidade a Deus
65 O verbo pisteuō é usado para traduzir a derivação ‘mn, a qual em niphal normalmente transmite o
significado de “fiel” e em hiphil quer dizer “acreditar, pensar”.
66 Em duas ocasiões, pistis traduz a palavra ṣaddîq (“justo”; Jó 17:9; Pv 11:21) e, em outras duas,
‘emet (“verdadeiro”; Pv 14:25; Jr 42:5).
67 James I. Packer, “Faith”, BDTh, p. 209.
68 Aune, Revelation 6-16, p. 837.
69 Polybius, Histories 6.56.13; 10.37.9; Josephus, JW 2.121; 6.345.
70 Aune, Revelation 6-16, p. 838.
71 Polybius, Histories 10.37.9. Semelhantemente, os funcionários públicos na Grécia não “têm fé”
em seu governo, enquanto os romanos sim (Histories 6.56.13).
72 Ver a discussão em Rodríguez, “O testemunho de Jesus nos escritos de Ellen G. White”, nesta
obra.
73 Mc 1:15; Jo 1:12.
74 Mt 18:6; Mc 9:42; Jo 3:18.
75 Seventh-day Adventists Believe (Silver Spring, MD: Ministerial Association, General Conference
of Seventh-day Adventists, 2005), p. 191.
76 Ver Rodríguez, “O remanescente do tempo do fim e a igreja cristã”, nesta obra.
77 A palavra grega krisis, usada em Apocalipse 14:6, refere-se primordialmente ao ato de julgar (ver
Bauer, Arndt, Gingrich, Danker, Greek-English Lexicon, p. 560), não à sentença de julgamento, em
geral expressa pelo termo krima (ibid., p. 567).
O remanescente na teologia adventista
contemporânea
Frank M. Hasel - Reitor do Seminário - Bogenhofen, Áustria
O CONCEITO BÍBLICO DE REMANESCENTE é central para a autocompreensão dos
adventistas do sétimo dia e desempenha um papel significativo em nossa
missão e mensagem. 1 A importância da imagem de remanescente para o
adventismo pode ser encontrada desde os primórdios do movimento. Ao
longo dos anos, os adventistas têm se considerado o povo remanescente do
tempo do fim, segundo as profecias. 2 A expressão a igreja remanescente
tornou-se a marca definitiva, autoproclamada pelos adventistas do sétimo dia.
3 Tal compreensão é ainda defendida nos documentos oficiais da igreja, 4 em
obras de referência padrão 5 e em outras publicações representativas. 6
A questão do remanescente levanta uma série de perguntas importantes para
a Igreja Adventista do Sétimo Dia, tais como: qual é a relação entre o
remanescente e outras igrejas cristãs; e em relação à “igreja universal”? O
conceito de remanescente pode ser aplicado a cristãos sinceros e
comprometidos de outras igrejas? Qual é a relação entre o remanescente e
outras religiões? O remanescente é visível ou invisível? A igreja constitui
entidade visível ou invisível? O remanescente pode ser identificado em
termos de uma instituição eclesiástica ou deve ser definido sem essa
referência? Quais são os desdobramentos de nossa compreensão acerca do
remanescente para a eclesiologia, mensagem e missão da Igreja Adventista
do Sétimo Dia? Neste capítulo, abordaremos alguns desses assuntos e outros
similares. Análises detalhadas adicionais de alguns deles podem ser
encontradas no restante desta obra.
A história da Igreja Adventista do Sétimo Dia e a identidade
remanescente
Para compreender melhor a importância e os desdobramentos do conceito
de remanescente para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, precisamos
examinar seu uso na autocompreensão da igreja desde seu início histórico.
Isso nos possibilitará realizar uma avaliação das tentativas mais recentes de
redefinir o conceito que possui implicações tão abrangentes para nossa
eclesiologia e missão.
Mesmo antes da organização formal da Igreja Adventista do Sétimo Dia,
em 1863, os pioneiros adventistas já se intitulavam “remanescente”. O
primeiro uso conhecido do termo para designar os adventistas data de abril de
1846, quando Ellen G. White escreveu um panfleto denominado “To the
Little Remnant Scattered Abroad” [Ao pequeno remanescente espalhado pelo
mundo]. 7 Os pioneiros se viam como um remanescente em conexão com sua
experiência pessoal no movimento milerita, até 1844. Porém, os adventistas
se consideram o remanescente de Deus do tempo do fim principalmente por
estarem convencidos de cumprir a descrição bíblica do remanescente em
Apocalipse 12:17. 8 Com base na metodologia historicista e seguindo o
chamado bíblico à santificação:
Os adventistas sabatistas entendiam aliança/compromisso pessoal de
toda a vida a Deus como uma característica básica do verdadeiro
remanescente. Para isso, subentendia-se um relacionamento pessoal com
Deus e obediência a Sua Palavra, conforme expressa nas Escrituras. De
acordo com os adventistas sabatistas, ninguém pode manter um
relacionamento de aliança com o Senhor ao mesmo tempo em que
desconsidera, de forma consciente, os ensinamentos eternos da Bíblia. 9
Isso inclui a obediência ao quarto mandamento, assim como a afirmação do
dom profético. 10
Já em 1849, José Bates empregou o texto-chave de Apocalipse 12:17 para
descrever os adventistas como o remanescente. 11 Nessa passagem, a qual
identifica o remanescente como aqueles que “guardam os mandamentos de
Deus e têm o testemunho de Jesus”, os primeiros adventistas guardadores do
sábado reconheceram a mais clara referência ao remanescente do tempo do
fim. 12 Desde 1849, o termo tem sido usado com regularidade por eles
mesmos para designarem-se. Em 1874, George I. Butler comentou, acerca de
Apocalipse 12:17, que “os adventistas do sétimo dia [...] têm afirmado por
toda parte ser a igreja ‘remanescente’ ao longo dos últimos 25 anos”. 13 W. H.
Littlejohn escreveu em 1883:
Portanto, é preciso que se saiba que os adventistas do sétimo dia
afirmam ser aqueles a quem João viu em visão e chamou de
“remanescente que guarda os mandamentos de Deus e tem o testemunho
de Jesus Cristo”. Como isso se refere aos dois pontos centrais da fé da
igreja remanescente da qual João fala, é conhecido por muitos que os
adventistas do sétimo dia dizem ter e praticar ambos. 14
A mesma identificação do remanescente com a Igreja Adventista do Sétimo
Dia pode ser encontrada nos escritos de Ellen G. White, 15 de muitos
pioneiros 16 e de líderes do pensamento adventista ao longo de toda a história
da igreja até o presente. 17
A análise até aqui mostrou que, desde o princípio de sua história, os
adventistas se denominaram “o remanescente” sem hesitação, nem reservas,
identificando a Igreja Adventista do Sétimo Dia com o remanescente do
tempo do fim da profecia bíblica. Eles fizeram isso porque “refletia a ideia de
serem um pequeno grupo que permaneceu leal à esperança do advento, de
formarem o último grupo de pessoas escolhidas por Deus antes da vinda de
Cristo e de serem os únicos a cumprir as condições especificadas em
Apocalipse 12:17”. 18
Os adventistas têm se considerado “como o cumprimento da profecia
apocalíptica, um movimento profético chamado a preparar um povo em todas
as partes da terra para estarem prontos para o retorno de Cristo”. 19 Eles
acreditam ainda possuir uma responsabilidade sagrada e única, por terem sido
divinamente comissionados a proclamar ao mundo a última mensagem de
graça – o evangelho eterno – antes do segundo advento de Cristo. 20 Isso é
parte essencial das três mensagens angélicas de Apocalipse 14. Os
adventistas do sétimo dia têm a convicção de que “somente eles, dentre a
cristandade, estão pregando essa mensagem”. 21 Portanto, creem que “o termo
‘remanescente’ consiste numa designação apropriada de si mesmos em seu
papel como testemunhas de Deus à última geração da Terra”. 22
Consequentemente, o remanescente é um movimento cristão identificável e
visível. 23
O remanescente no pensamento adventista contemporâneo
A aplicação do conceito de remanescente à Igreja Adventista tem causado,
por vezes, fortes reações contrárias por parte de outras comunidades cristãs.
Tais grupos afirmam que o conceito de remanescente estimula uma atitude
arrogante, 24 exclusivista 25 e julgadora em relação à espiritualidadedos
outros. 26 A força dessa crítica parece que tem sido mais forte no contexto de
diálogos interconfessionais. Embora os contatos dessa natureza não sejam por
si mesmos a causa desse desafio, é fato que, em tais ambientes, o
autoconceito adventista pode ser rapidamente percebido pelos outros como
uma forma de afirmar que eles se consideram os únicos cristãos verdadeiros.
Tal preocupação causou impacto em alguns adventistas, que passaram a
tentar redefinir sua compreensão do conceito de remanescente. Passaremos a
explorar e avaliar esse debate teológico. 27
O remanescente inclui outros cristãos
No contexto da criação do Conselho Mundial das Igrejas e do movimento
ecumênico, ocorreu uma série de diálogos entre evangélicos e adventistas no
meio da década de 1950. Já foi sugerido que “esses diálogos podem ser
reconhecidos como a origem da primeira divergência em relação à
autoidentificação da Igreja Adventista com a igreja remanescente”. 28 O
esforço para apresentar a compreensão adventista das verdades bíblicas e
corrigir conceitos errôneos culminou na elaboração de um livro de quase
setecentas páginas: Seventh-day Adventists Answers Questions on Doctrine. 29
Em resposta à pergunta número vinte (“Quem constitui a igreja
remanescente?”), as declarações ali presentes não diferem muito das
proferidas pelos pioneiros. Os adventistas do sétimo dia, num espírito de
profunda humildade, aplicam Apocalipse 12:17 ao movimento adventista e à
sua obra. 30
Todavia, já se observou que o livro introduz uma mudança sutil de
significado em relação ao remanescente. Passou a ser usado também para
designar não adventistas:
Os adventistas do sétimo dia crêm firmemente que Deus possui um
precioso remanescente, uma multidão de crentes fervorosos e sinceros,
em todas as igrejas (não excetuando a comunidade católico-romana). Eles
vivem à altura da luz que Deus lhes outorgou. O grande Pastor das
ovelhas os reconhece como Seus, e os está convocando para um grande
rebanho e uma elevada comunhão, como preparo para Sua volta. 31
O termo “remanescente” passa a ser aplicado a cristãos sinceros em
qualquer lugar do mundo. 32 Na verdade, essa forma de expressão chega
muito perto de definir o remanescente como um grupo invisível de servos
fiéis a Deus entre os cristãos. 33 Os evangélicos comentaram que tal
declaração representa “uma contraposição a alguns escritos do início do
movimento, os quais defendiam que o termo ‘remanescente’ se aplicava
somente aos adventistas do sétimo dia”. 34 Além disso, o livro afirma como
conclusão sumária: “Cremos que, ao longo de todos os séculos, Deus teve os
Seus eleitos, que se distinguem por sua sincera obediência a Ele, seguindo a
luz que lhes foi revelada. Eles constituem o que pode ser descrito como a
igreja invisível.” 35 É nesse ponto que a questão da natureza de uma igreja
invisível e sua relação com o remanescente emerge e passa a aparecer em
discussões posteriores sobre o assunto.
Essa mudança na compreensão do remanescente pode ter consequências
profundas sobre a identidade e missão eclesiológicas da Igreja Adventista do
Sétimo Dia. Se outros cristãos já fazem parte do remanescente de Deus do
tempo do fim, com base em que isso é determinado e em que sentido o termo
pode ser aplicado a eles? Eles possuem as marcas do remanescente
mencionadas no Apocalipse? Caso afirmativo, porque precisamos convidá-
los a fazer parte da igreja remanescente (visível) de Deus? 36
O remanescente inclui não cristãos
Já se observou que preocupações de ordem missiológica encorajaram certos
adventistas do sétimo dia a modificar sua compreensão acerca do
remanescente. 37 A missão entre os muçulmanos recebeu nova força através
daqueles que chegaram à conclusão de que Maomé pode ser visto como um
reformador conduzido por Deus. 38 Essa abordagem transformou-se em uma
grande controvérsia na igreja. 39 Alguns sugeriram que deveríamos empregar
terminologia islâmica e ideias do Alcorão para eliminar, se possível, o
abismo entre muçulmanos e adventistas do sétimo dia. 40 Mais recentemente,
a ideia de se engajar em buscas religiosas profundas com muçulmanos criou
“um movimento de muçulmanos que se consideram ‘seguidores de Isa
[Jesus]’, mas permanecem culturalmente muçulmanos”. 41 Já se observou que
“um grupo distinto entre esses ‘muçulmanos de Jesus’ guardam o sábado e se
consideram parte do ‘remanescente’ do tempo do fim, que acreditam em
Jesus como mediador e guardam os mandamentos de Deus”. 42 Esse
movimento tem sido descrito como o “remanescente de Deus dentro do Islã”.
43 Eles estão tentando desenvolver uma compreensão de si mesmos como o
“povo remanescente de Deus e [são] capazes de se relacionar com o corpo
mais amplo de Cristo”. 44 Um aspecto desafiador em relação a esse
remanescente entre os muçulmanos é o fato de eles “continuarem a frequentar
a mesquita”, a praticar “o jejum durante o Ramadã” e a “observar a festa de
sacrifício”. 45 Já se apontou que esse movimento “tenta interpretar a Bíblia a
partir de uma visão de mundo islâmica, evitando elementos doutrinários
controversos tais como a trindade”. 46
Esse grupo remanescente muçulmano é independente da organização da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, embora seja resultado de atividades
missionárias adventistas. 47 Empregando os mesmos pressupostos
hermenêuticos, métodos missionários semelhantes têm sido desenvolvidos
por adventistas do sétimo dia para o budismo 48 e existem tentativas de
estabelecer um “remanescente” similar na comunidade hindu também. 49
Portanto, de acordo com esse posicionamento, há “vários remanescentes em
outras comunidades [...]; ainda assim, todos fazemos parte do remanescente
mais amplo de Deus, que se unirá quando Ele reconciliar todas as coisas para
Si mesmo em Sua vinda”. 50 Portanto, o termo “remanescente” não mais é
aplicado somente a fiéis pertencentes a outras comunidades cristãs; hoje, ele é
usado para designar grupos entre religiões não cristãs que possuem
entendimento incompleto da mensagem e missão do remanescente do tempo
do fim. Esse uso do termo enfraquece a natureza do remanescente do tempo
do fim conforme descrita no Apocalipse.
O remanescente como entidade invisível
Algumas pessoas têm argumentado, nos últimos tempos, que o
remanescente é, por natureza, invisível. Ao observar que os adventistas do
sétimo dia são, tradicionalmente, muito opostos ao movimento ecumênico,
alegam que não podemos ignorar o novo ecumenismo que tem atingido
grande parte do mundo cristão. 51 Essa nova forma de ecumenismo espiritual
reconecta “cristãos e todos que reconhecem o Senhorio de Cristo fora do
cristianismo a um núcleo comum”, 52 que não é institucional. Declara-se que
“esse movimento se conecta diretamente à ‘renovação carismática’” 53 e nos
convida a deixar de lado os pontos de divergência e a renunciar a nossa
mentalidade sectarista. Ao invés de pensar em nós mesmos como o povo
escolhido de Deus, a sugestão é que comecemos a reconhecer a existência e o
ministério dos povos escolhidos por Deus. 54 Somos, então, chamados a
“deixar de pensar ou falar de nós mesmos como a igreja remanescente e
passar a nos considerar como parte do remanescente mais amplo de Deus”. 55
Esse posicionamento exige uma rejeição da identidade institucional e
denominacional da Igreja Adventista. O remanescente teria, no máximo, uma
identidade espiritual invisível.
Outros têm chegado muito próximo à ideia de um remanescente invisível
por afirmar que “nem nas Escrituras nem nos escritos de Ellen G. White o
remanescente equivale diretamente a uma estrutura institucional, a uma
organização eclesiástica ou a uma entidade denominacional”. 56 Segundo
essas pessoas, “o povo remanescente é aquele que nunca se satisfaz com o
status quo, mas sempre deseja examinar, aprender, crescer e ajuntar as ‘joias
espalhadas’”. 57 Certamente é louvável possuir um espírito aberto para
aprender e disposto a crescer. Todavia, o ponto de vista descrito parece
questionar a ligação entre uma organização eclesiástica visível e o
remanescente. Parece, em vez disso, expressara ideia de que o remanescente
se encontra espalhado pela cristandade e invisível no presente. Nesse ponto,
detecta-se crescente descontinuidade com a posição bíblica e adventista
tradicional, além de uma redefinição do nosso entendimento acerca do
remanescente.
Outros estudos nesta obra têm demonstrado que o remanescente é
identificável e que uma organização consiste em parte essencial do mesmo. 58
O remanescente como realidade futura
Alguns têm sugerido que o remanescente do Apocalipse ainda está por
surgir e concluem que é quase desarrazoado para a igreja se denominar
“remanescente”, porque o remanescente seria mais do que uma instituição. 59
O remanescente é redefinido em termos de um estilo de vida e fé, não em
termos de fazer parte de uma organização eclesiástica. Reconhecem que o
tema do remanescente é muito importante para a Igreja Adventista e, por isso,
sugerem que, muito embora o remanescente ainda pertença ao futuro, a Igreja
Adventista pode fazer referência a si mesma como um “remanescente
proléptico”, no sentido de que seus membros serão absorvidos no
remanescente final, o verdadeiro remanescente de Deus. 60 Essa perspectiva
nega completamente a ideia de a Igreja Adventista do Sétimo Dia ser o
remanescente de Deus do tempo do fim e reinterpreta Apocalipse 12:17 como
uma profecia que ainda será cumprida. Essa visão atribui à igreja a função de
minoria profética, ou seja, como um profeta, ela clama por reforma e
mudança no mundo, preparando assim o caminho para o Senhor. 61
O remanescente como movimento em prol de justiça social
Outros procuram reinterpretar o conceito de remanescente em linhas
sociopolíticas. Impelidos pelos males sociais do mundo, propõem que o papel
do remanescente é tentar solucionar problemas políticos e sociais, e promover
reforma nessas áreas. 62 Há ainda os que foram mais longe e praticamente
despiram o conceito de remanescente de qualquer conteúdo religioso. Em vez
disso, esse é transformado em um movimento social de reforma, em oposição
ao abuso e à opressão sociais, negligenciando, em grande escala, suas claras
dimensões religiosas. 63 Conquanto o remanescente deva exercer algum
impacto social e condenar o mal em todas as suas formas, essa nova
abordagem redefine o conceito em linhas sociológicas e esquece o fato de
que o remanescente é, fundamentalmente, uma entidade religiosa. 64 O
conflito final, conforme descrito na literatura apocalíptica bíblica, é religioso
e seu tema central consiste na lealdade a Deus e na verdadeira adoração.
A discussão acima demonstrou que, entre alguns adventistas, existe uma
tendência de modificar, ou mesmo de redefinir o conceito e a teologia
associados à tradicional visão adventista do remanescente do tempo do fim.
Embora o termo continue sendo usado, “as formas através das quais o
conteúdo é apresentado levanta perguntas acerca de se a mesma mensagem
bíblica como entendida anteriormente está sendo comunicada em um novo
contexto, se há falhas em reafirmá-la, ou até mesmo um desejo consciente de
se envolver o mínimo possível com a mesma”. 65 Em outras palavras, a
terminologia tradicional do remanescente é utilizada, mas imbuída de um
novo significado que, em alguns casos, contradiz o conceito original ou é
incompatível com ele. A despeito das tentativas por parte de alguns de
introduzir mudanças, a igreja oficialmente retém, ao redor do mundo, sua
autocompreensão bíblica como o remanescente de Deus do tempo do fim.
Torna-se, então, necessário levantar o questionamento acerca da relação entre
a Igreja Adventista e outras igrejas cristãs e a igreja denominada invisível.
Os adventistas do sétimo dia e outras igrejas cristãs
Analisaremos, em primeiro lugar, como os adventistas do sétimo dia
enxergam outras igrejas, e a relação entre o remanescente e outros cristãos.
O remanescente e outras igrejas cristãs
Conforme já indicado, os adventistas do sétimo dia nunca tiveram problema
em se identificar de forma clara como a igreja remanescente visível de Deus
no tempo do fim. Essa “identificação com a igreja remanescente da profecia
(Ap 12:17; 14:6-12) não abre espaço para um espírito de exclusivismo ou de
triunfalismo”. 66 Em vez disso, serve para aumentar o senso de
responsabilidade e autocrítica que torna a igreja remanescente totalmente
responsável perante Cristo. 67 Portanto, os adventistas têm expressado,
repetidamente, grande respeito por outros cristãos fiéis. Acreditam que
“vários grupos protestantes serviram como arautos da verdade designados
pelo Céu, restaurando, ponto a ponto, o evangelho a sua pureza primitiva”. 68
Embora seja verdade que “um por um, esses grupos ficaram satisfeitos com
seu conceito parcial da verdade e falharam em avançar à medida que a luz
acerca da Palavra de Deus aumentava”, 69 os adventistas não obstante creem
sinceramente que “os fiéis de Deus se encontram hoje espalhados entre todos
que se propõem a ordenar sua vida de acordo com a vontade divina
revelada”. 70 A importante distinção entre igreja remanescente, de um lado, e
crentes fiéis, de outro, 71 pode ajudar a manter o equilíbrio entre uma
eclesiologia particular e o reconhecimento de que não é a organização que
salva.
Portanto, mesmo aplicando Apocalipse 12:17 a si mesmos, isso “não
significa absolutamente que pensemos que somos os únicos cristãos
verdadeiros no mundo, ou que sejamos os únicos que serão salvos”. 72 Ellen
G. White afirma que “almas fiéis constituíram desde o princípio a igreja na
Terra. Em cada era o Senhor teve Seus vigias que deram fiel testemunho à
geração em que viveram”. 73 Essa atitude se encontra em harmonia com o que
declararam os primeiros adventistas: “atribuímos grande importância às
doutrinas que tanto estimamos; mas sempre defendemos que Deus tem um
povo verdadeiro onde quer que haja seres humanos, o qual obedece de acordo
com a luz que recebeu”. 74
Esse posicionamento encontrou espaço nas diretrizes oficiais que regulam o
relacionamento da Igreja Adventista com outras igrejas cristãs e organizações
religiosas. Lá, entre outras coisas, é declarado:
Para evitar equívocos ou conflitos em nossos relacionamentos com
outras igrejas cristãs e organizações religiosas, estas diretrizes foram
estabelecidas:
1. Reconhecemos essas agências que exaltam o nome de Jesus perante a
humanidade como parte do plano divino para evangelização do mundo, e
sentimos grande estima por homens e mulheres cristãos em outras
comunhões que se encontram engajados em ganhar almas para Cristo.
2. Quando o trabalho interdivisão nos coloca em contato com outras
sociedades cristãs e grupos religiosos, o espírito de cortesia cristã,
franqueza e justiça deve prevalecer em todo tempo.
3. Reconhecemos que a verdadeira religião se baseia em consciência e
convicção. Portanto, é nosso constante propósito que nenhum interesse
egoísta ou vantagem temporal atraia qualquer pessoa para nossa
comunhão; além disso, nenhum laço prenderá qualquer membro, a não ser
a crença e convicção de que nesse caminho a verdadeira conexão com
Cristo é encontrada. Se uma mudança de convicção leva um membro de
nossa igreja a não mais se sentir em harmonia com a fé e prática
adventista do sétimo dia, reconhecemos não apenas o direito, como
também a responsabilidade de esse membro mudar, sem qualquer
opróbrio, de filiação religiosa segundo sua crença. Esperamos que outras
grupos religiosos respondam com o mesmo espírito de liberdade. 75
Na crença fundamental número doze, sobre “A igreja”, os adventistas
afirmam que “em continuidade ao povo de Deus dos tempos do Antigo
Testamento, somos chamados para ir ao mundo” e que o Senhor, em Seu
retorno triunfal, “apresentará a Si mesmo uma igreja gloriosa, formada pelos
fiéis de todas as eras, comprados por Seu sangue”. 76 Outra vez, há
continuidade entre o povo de Deus do Antigo Testamento e os fiéis de todas
as eras. Na crença fundamental número treze, sobre o remanescente e sua
missão, declara-se de maneira explícita que “a igreja universal é composta
por todos que acreditam verdadeiramente em Cristo; porém, nos últimosdias,
uma época de apostasia amplamente disseminada, um remanescente é
chamado para guardar os mandamentos de Deus e a fé de Jesus”. 77 Ao
comentar essa crença fundamental, o livro Seventh-day Adventists Believe:
An Exposition of the Fundamental Beliefs of Seventh-day Adventist Church
afirma: “Deus tem filhos em todas as igrejas, mas, por meio da igreja
remanescente, proclama uma mensagem de restauração da verdadeira
adoração a Ele, chamando Seu povo da apostasia e preparando-o para o
retorno de Cristo.” 78 Isso levanta o questionamento da relação existente entre
esses fiéis em todas as igrejas e o remanescente.
A igreja universal e o remanescente
É comum, para muitos, falar sobre a “igreja invisível” em discussões
eclesiológicas. Precisamos observar com cautela que os adventistas falam
sobre uma igreja universal, composta por todos aqueles que verdadeiramente
creem em Cristo, 79 mas não consideram a igreja como invisível em essência.
Na verdade, os adventistas reconhecem o surgimento de diferentes grupos, ao
longo da história cristã, com o dever de levar as pessoas de volta a uma fé
mais pautada pela Bíblia. Eles têm sido chamados de “grupos remanescentes,
em certo sentido”. 80 “Muito embora os adventistas do sétimo dia sejam
distintos desses grupos em vários aspectos relativos à doutrina e prática, têm
em comum com eles a imagem do remanescente, no sentido de trazer a seus
contemporâneos uma fé mais próxima das Escrituras.” 81 Entre esses, os
adventistas têm tradicionalmente relacionado os valdenses, anabatistas,
puritanos, pietistas alemães, metodistas e pregadores da fé milerita. 82 Todos
esses grupos foram entidades visíveis.
O conceito de uma igreja invisível foi um instrumento apologético dos
reformadores, em especial de Lutero, 83 para condescender com as
declarações de credo relativas a uma “igreja católica” e era baseado numa
concepção particular de eleição incondicional. 84 Já foi observado que Lutero
algumas vezes repetiu “a tradicional ideia agostiniana de uma ‘igreja dos
predestinados’, conhecida somente por Deus”. 85 Os luteranos consideram a
igreja como “a assembleia de todos os crentes, entre os quais o evangelho é
pregado em sua pureza e os santos sacramentos administrados conforme o
evangelho”. 86 Contudo, eles parecem entender a igreja em si mesma mais
como uma comunhão espiritual de todos que creem em Cristo, sendo,
portanto, essencialmente invisível. 87 De maneira semelhante, a teologia
reformada com sua “doutrina da eleição divina, apresenta, como
desdobramento, que devemos destinar somente a Deus o conhecimento de
Sua igreja, pois o fundamento dessa se encontra na eleição secreta”. 88
A insistência de Lutero “na invisibilidade da igreja tinha o propósito de
negar que essa constitui, em essência, uma sociedade externa com cabeça
visível e afirmar que seu cerne se encontra na esfera do invisível: na fé, na
comunhão com Cristo e na participação das bênçãos da salvação por meio do
Espírito Santo”. 89 Portanto, como a igreja é um objeto de fé, não é visível, já
que aquilo em que se crê não é corporal, não é visível. 90Portanto,
Lutero argumenta a favor de uma invisibilidade essencial da fé, aliada ao
ocultamento da igreja verdadeira contra as reivindicações hierárquicas
romanas ao domínio da cristandade e de possuir poder para dela excluir
pessoas, por meio da excomunhão. Nenhum poder terreno tem condições
de estabelecer os limites da igreja e decidir quem pertence a ela, e quem
não. 91
Dito de forma simples, Deus predestinou aqueles que serão salvos desde
antes da fundação do mundo e, somente aqueles predestinados e eleitos por
Ele constituem a verdadeira igreja. 92 A igreja invisível, portanto, consiste
em:
Todos os eleitos de acordo com o decreto divino, independentemente de
tempo, lugar ou mesmo existência pessoal, embora abrangendo dentro da
igreja visível todos aqueles no tempo e no espaço que pessoalmente
professam a fé em Jesus como Senhor e Salvador [...] A prioridade dada à
igreja invisível, baseada no decreto divino antes da criação, desafia a
realidade histórica da igreja, não obstante as afirmações verbais da
existência presente da igreja visível. 93
A filosofia subjacente a essa eclesiologia resulta num estado histórico de
ser, pois, se a igreja verdadeira já foi escolhida pela inescrutável
predestinação divina, na qual todos os eleitos (invisíveis), a despeito de sua
existência temporal, se encontram presentes, então o que acontece na Terra
em relação à resposta humana à revelação de Deus parece não ter qualquer
consequência. 94 A inescrutabilidade da eleição divina necessita de uma igreja
invisível e torna a eleição secreta, além de incapaz de qualquer validação
externa. Em contrapartida, a Bíblia ensina que nossa eleição possui sinais
externos capazes de serem discernidos. A exortação das Escrituras é
“empenhem-se para acrescentar à sua fé” as virtudes da bondade,
conhecimento, autocontrole, perseverança, piedade, fraternidade e amor “para
consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois se agirem dessa forma,
jamais tropeçarão, e assim vocês estarão ricamente providos quando entrarem
no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 1:5, 10, 11,
NVI).
Tendo em vista esses problemas, já se afirmou que a distinção reformada
entre igreja visível e invisível necessita ser revisada, quando não rejeitada,
pois a “teologia bíblica não permite a existência de uma ‘igreja invisível’,
mas sim de uma ‘igreja remanescente’”. 95 A Bíblia apoia a ideia de uma
comunidade visível da aliança. Assim como existe um povo de Deus no
Antigo Testamento, há um povo do Senhor reunido de maneira visível no
Novo Testamento, durante o tempo do fim. Não há nenhuma ocorrência, no
Novo Testamento, do termo ekklesia (“igreja”) adquirindo o significado de
uma assembleia ou congregação invisível. Embora existam cristãos genuínos
em outras igrejas, o remanescente sempre será uma entidade visível, ao qual
podem se unir todos que se encontram dispostos a ser fiéis aos mandamentos
de Deus e ao Seu direcionamento. 96 Portanto, é melhor afirmar que a
visibilidade da igreja é a realidade do remanescente. 97 Ao mesmo tempo em
que existe um aprisco visível e reconhecível, há também “outras ovelhas, não
deste aprisco” (Jo 10:16). Segundo Jesus, há “outras ovelhas”, porém apenas
um Pastor verdadeiro e apenas “um rebanho e um pastor” (Jo 10:16, ênfase
acrescentada). Esse rebanho único se caracteriza pela obediência à Palavra de
Deus (“elas ouvirão a minha voz” [Jo 10:16]). Portanto, Jesus não parece
endossar a existência de múltiplos rebanhos simultaneamente como
expressão legítima do remanescente.
O fato de existirem verdadeiros fiéis na igreja universal nos permite apontar
algumas semelhanças entre o remanescente e os crentes da igreja universal. 98
Os fiéis, tanto na igreja universal quanto na igreja remanescente, se
encontram abertos para a verdade. Abertura à verdade, em vez de plenitude
da verdade, parece ser um laço em comum que caracteriza os dois grupos. Ela
é acompanhada do desejo sincero de seguir a verdade e de um esforço
deliberado para colocar a verdade de Deus em prática na vida pessoal. Essa
abertura à verdade e disposição para segui-la também podem ser aplicadas a
indivíduos não cristãos, no coração dos quais o Santo Espírito trabalha e
desperta interesse genuíno pela verdade de Deus. Ela leva a uma
compreensão mais plena e abrangente da verdade e à aceitação de nova luz. A
fidelidade poderá ser discernida em todos. O desejo individual de ser fiel a
Deus e à Sua Palavra será a base para se unir ao remanescente escatológico.
Esse se conecta historicamente à revelação das verdades divinas na tradição
judaico-cristã e não existe em outras religiões. Assim, o remanescente
escatológico consiste numa extensão da verdadeira igreja de Deus ao longo
dos séculos e se apoia sobre os ombros de seus fiéis antecessores.
Conclusão
No batismo, o cristão se une à comunhão de outros crentes, isto é, ao corpo
de Cristo (1Co 12:13). O conceito de remanescente enfatiza que Deus

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