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Prévia do material em texto

Presidência da República 
Luiz Inácio Lula da Silva 
Ministério da Justiça e Segurança Pública 
Flávio Dino de Castro e Costa 
Secretaria Nacional de Segurança Pública 
Francisco Tadeu Barbosa de Alencar 
Diretoria de Ensino e Pesquisa 
Michele Gonçalves dos Ramos 
Coordenação-Geral de Ensino 
Ana Claudia Bernardes Vilarinho de Oliveira 
Coordenação Pedagógica 
Joyce Cristine da Silva Carvalho 
Coordenação de Ensino a Distância 
Renata Guilhões Barros Santos 
Gerente de Curso 
Danilo Bruno Moreira 
Conteudistas 
Alan Fernandes 
Elizabeth Albernaz 
Ignacio Cano 
Colaboração: Renato Sérgio de Lima 
 
Revisão Técnica 
Ana Paula Santos Meza 
Danilo Bruno Moreira 
 
Revisão Pedagógica 
Evania Santos Assunção 
Revisão Textual 
Julio Cezar Rodrigues 
Programação e Edição 
Renato Antunes dos Santos 
Fábio Nevis dos Santos 
Design Instrucional 
Wagner Henrique Varela da Silva 
 
Sumário 
 
APRESENTAÇÃO DO CURSO ................................................................................................................... 6 
OBJETIVOS DO CURSO ................................................................................................................................ 10 
OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................................................................... 10 
ESTRUTURA DO CURSO ..................................................................................................................................... 11 
MÓDULO 1 – O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO .............................................................................................. 12 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO ............................................................................................................................ 12 
OBJETIVOS DO MÓDULO ................................................................................................................................... 12 
ESTRUTURA DO MÓDULO ................................................................................................................................. 13 
AULA 1 - O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO ............................................................................... 14 
1.1 O NASCIMENTO DA DEMOCRACIA MODERNA E LIBERAL: AS REVOLUÇÕES BURGUESAS E A CONSTITUIÇÃO DA NOÇÃO DE 
CIDADANIA ..................................................................................................................................................... 15 
AULA 2 – CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS ....................................................................................... 27 
AULA 3 - O PAPEL DA SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE 
DIREITO ............................................................................................................................................... 37 
FINALIZANDO.... ................................................................................................................................... 46 
MÓDULO 2 – CONCEITO DE POLÍCIA E ORIGENS HISTÓRICAS ............................................................... 48 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO ............................................................................................................................ 48 
OBJETIVOS DO MÓDULO ................................................................................................................................... 48 
ESTRUTURA DO MÓDULO ................................................................................................................................. 48 
AULA 1 – O CONCEITO DE POLÍCIA E O SURGIMENTO HISTÓRICO DAS POLÍCIAS MODERNAS .............. 49 
AULA 2 – DOIS MODELOS BÁSICOS DE POLÍCIA: DEFESA DO ESTADO VERSUS DEFESA DOS CIDADÃOS 61 
AULA 3 - A DOUTRINA POLICIAL ENTRE O COMBATE AOS CRIMINOSOS E A PROTEÇÃO DO CIDADÃO . 72 
AULA 4 - A DISCRICIONARIEDADE NO TRABALHO POLICIAL ................................................................. 84 
AULA 5 – LEGITIMIDADE E TRABALHO POLICIAL .................................................................................. 94 
FINALIZANDO.... ................................................................................................................................. 103 
MÓDULO 3 - POLÍCIA E A ESFERA DA POLÍTICA .................................................................................. 106 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO .......................................................................................................................... 106 
OBJETIVOS DO MÓDULO ................................................................................................................................. 107 
ESTRUTURA DO MÓDULO ............................................................................................................................... 107 
AULA 1 - DILEMAS DO GOVERNO POLÍTICO DA POLÍCIA .................................................................... 108 
 
AULA 2 – POLÍCIA POLÍTICA E POLÍTICA DA POLÍCIA ........................................................................... 121 
2.1 POLÍCIA E POLÍTICA ................................................................................................................... 121 
2.2 ................................................................................................................. POLÍCIA POLÍTICA
 .......................................................................................................................................................... 126 
2.3 POLÍTICOS DE ESQUINA ............................................................................................................... 130 
AULA 3 – POLÍCIA E A RECONSTITUIÇÃO DA ESFERA DA POLÍTICA ..................................................... 134 
3.1 CARACTERÍSTICAS DE CONTEXTOS PÓS-CONFLITO ........................................................................ 135 
3.2 ................................................................. O CONCEITO DE CORE POLICING DE BAILEY & PERITO
 .......................................................................................................................................................... 139 
3.3 .......................................................... A POLÍCIA E A (RE)CONSTITUIÇÃO DA ESFERA DA POLÍTICA
 .......................................................................................................................................................... 143 
AULA 4 – PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E ASSOCIATIVISMO POLICIAL ...................................................... 152 
4.1 ..................................................................................................... POLICIAL E TRABALHADOR
 .......................................................................................................................................................... 153 
4.2 CONDIÇÕES DE TRABALHO E DEMOCRACIA ................................................................................... 158 
4.3 ....................................................................................... ASSOCIATIVISMO E SINDICALIZAÇÃO
 .......................................................................................................................................................... 161 
FINALIZANDO.... ................................................................................................................................. 165 
MÓDULO 4 - OS DESAFIOS DO ESTADO BRASILEIRO E A SEGURANÇA PÚBLICA: O SISTEMA ÚNICO DE 
SEGURANÇA PÚBLICA ........................................................................................................................ 168 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO .......................................................................................................................... 168 
OBJETIVOS DO MÓDULO .................................................................................................................................169 
ESTRUTURA DO MÓDULO ............................................................................................................................... 169 
AULA 1 - OS DESAFIOS BRASILEIROS E SUAS REPERCUSSÕES NA OFERTA DE SEGURANÇA PÚBLICA .. 170 
AULA 2 - A SEGURANÇA PÚBLICA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................................ 176 
AULA 3 – O SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA (SUSP) ........................................................... 183 
3.1 ...................................................................... GOVERNANÇA: MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
 .......................................................................................................................................................... 184 
3.2 LEGISLAÇÃO E CONCEPÇÃO DO SUSP .......................................................................................... 186 
3.3 A POLÍTICA NACIONAL E OS PLANOS FEDERAL E SUBNACIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA 
SOCIAL ............................................................................................................................................... 191 
 
3.4 PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL: OS CONSELHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL 196 
3.5 FINANCIAMENTO DO SUSP: FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA E FUNDO PENITENCIÁRIO 
NACIONAL .......................................................................................................................................... 197 
3.6 SISTEMAS DO SUSP ..................................................................................................................... 199 
CONCLUSÃO ................................................................................................................................................. 202 
FINALIZANDO.... ................................................................................................................................. 208 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 209 
 
 
 
 
6 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
APRESENTAÇÃO DO CURSO 
 
Caras alunas e caros alunos, 
 
Sejam bem-vindas e bem-vindos ao curso: “O Estado democrático de 
direito e o papel dos profissionais do Sistema Único de Segurança 
Pública”. A Segurança Pública tem um papel fundamental na defesa da 
Democracia. O exercício pleno da cidadania, compreendida genericamente 
como os direitos e deveres da população de um país, não pode ser atingido sem 
que as pessoas tenham assegurados o direito à vida, à liberdade, à propriedade 
e ao livre exercício de suas atividades econômicas. A possibilidade de viverem 
suas vidas livres da ameaça constante da violência é fundamental para a 
garantia daquelas condições. 
Nesse sentido, entendemos que os/as profissionais do Sistema Único de 
Segurança Pública (SUSP) constituem a linha de frente da luta pela defesa da 
cidadania e da Democracia no Brasil. Mas como esses profissionais podem 
defender a Democracia? A tarefa é desafiadora e pode parecer distante da 
realidade cotidiana desses/as agentes. Um dos objetivos do nosso curso é 
justamente mostrar como o SUSP pode ser um aliado desses/as profissionais. 
Antes de falarmos diretamente sobre as estruturas e o funcionamento do 
sistema, introduziremos conceitos e informações relevantes para a 
contextualização dessa missão tão importante. Percorreremos eventos 
históricos e diversos campos de conhecimento com o intuito de fazer com que 
esses/as profissionais possam enxergar oportunidades para a defesa da 
democracia e do Estado do Direito em seu dia-a-dia, enquanto trabalhadores, 
representantes do Estado e provedores de um serviço essencial à sociedade. 
 
 
 
 
 
 
7 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Este curso está dividido em quatro módulos: 
Primeiro Módulo 
Iniciaremos a nossa jornada com a discussão de “poder de polícia” como 
associado ao bom funcionamento das cidades e ao resguardo dos cidadãos, 
mostrando que a especialização da polícia como “burocracia de combate ao 
crime” é um processo histórico associado à consolidação do Estado Liberal 
Moderno na Europa (XVIII-XIX). Apresentamos ainda uma reflexão sobre a 
legitimidade e a discricionariedade policiais. 
Segundo Módulo 
Na sequência, falaremos das origens históricas da democracia, do estado 
democrático de direito e definiremos alguns conceitos-chave nesse sentido. 
Trataremos ainda dos dilemas da defesa da democracia pelos/as profissionais 
de segurança em sociedades complexas, em que o conflito é característica 
fundamental e positiva de sociedades livres e plurais. 
Terceiro Módulo 
A partir daí introduzimos uma discussão sobre a relação da polícia com a 
esfera da política em que trataremos do difícil equilíbrio entre o controle e a 
instrumentalização política das polícias na democracia. Falaremos ainda sobre 
condições de trabalho e dilemas da participação política desses/as profissionais 
enquanto “trabalhadores da segurança”. Partimos do princípio de que para que 
esses profissionais desempenhem um papel na produção de adesão aos 
princípios e normas democráticos, é preciso que estes/as vivam a democracia 
em seus ambientes de trabalho. 
Quarto Módulo 
Por fim, encerramos o curso com a apresentação da arquitetura e 
funcionamento do Susp e os dilemas enfrentados para a sua implementação 
considerando a realidade brasileira, que se caracteriza por um modelo de 
cidadania que encarna uma tensão entre princípios formais democráticos e 
práticas sociais hierarquizantes. 
 
 
8 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Este curso tem, dentre seus propósitos, oferecer os instrumentos para que 
os profissionais de Segurança Pública atuem ainda mais fortemente para 
assegurar a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a 
igualdade e a justiça previstas já nas primeiras linhas da nossa Constituição 
Federal, a Lei Maior. Os caminhos que apresentaremos aqui passam, em 
resumo, por refletir sobre o papel da Segurança Pública e seus profissionais na 
construção do Estado de Direito. Por meio dos conteúdos que serão trazidos 
aqui, almejamos que os/as profissionais do SUSP disponham de um repertório 
para sua atuação junto à sociedade e junto aos órgãos e corporações das quais 
fazem parte. Nesse esforço, procuramos alcançar os profissionais da ponta da 
linha, mas também os gestores e lideranças policiais e dos órgãos ligados ao 
Sistema de Segurança Pública. 
Ao final, esperamos que esse conteúdo contribua para avanços na 
Segurança Pública no Brasil, retratando-se em uma compreensão ampliada do 
papel desse serviço público na construção das relações sociais, na tomada de 
decisão mais adequada aos limites e potencialidades providas pelo Estado de 
Direito e no impulsionamento de um arranjo institucional que atinja níveis 
melhores de eficácia e eficiência na Segurança Pública. 
Sua participação é fundamental nesse processo pedagógico. 
 
 A Segurança Pública exerce um papel fundamental para a nossa 
vida em sociedade, sem a qual se fragiliza a noção de cidadania, central 
para o Estado Democrático de Direito. Esse cenário exige refletir sobre o 
papel dos profissionais de Segurança Pública na construção do Estado de 
Direito, com base em discussões sobre a provisão de segurança às 
pessoas, o papel da polícia enquanto instituição encarregada da ordem e 
da aplicação das leis, as origens do Estado e da democracia e os arranjos 
institucionais brasileiros que configuram a segurança como serviço, direito 
e bem público. Espera-se que, ao final do conteúdo, o/a instruendo/a amplie 
seu repertório para suas atuações junto à sociedade e junto aos órgãos e 
corporações das quais fazem parte. Nesse esforço,procuramos alcançar 
os profissionais na ponta da linha, mas também os gestores e lideranças 
 
 
9 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
policiais e dos órgãos ligados ao Sistema de Segurança Pública, 
promovendo uma compreensão ampliada do seu papel e da tomada de 
decisão em conformidade aos limites e possibilidades do Estado de Direito 
no Brasil. 
 
 
 
 
Figura 1: A sociedade brasileira 
 
Fonte: Misael Alberto Cossio Orihuela/ https://jus.com.br/artigos/44467/elementos-
constitutivos-do-estado 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
OBJETIVOS DO CURSO 
O curso “O Estado democrático de direito e o papel dos profissionais 
do Sistema Único de Segurança Pública” tem como objetivo desenvolver uma 
compreensão dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da 
cidadania, de modo a fortalecer o papel das instituições de segurança pública na 
defesa da sociedade e da democracia, a partir da valorização do profissional que 
integra o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) para a preservação da 
integridade dos poderes e o respeito às leis. 
 
OBJETIVOS ESPECÍFICOS 
 Introduzir conceitos que contribuam para uma melhor compreensão do 
papel das organizações de segurança pública na defesa da democracia; 
 Contextualizar historicamente o surgimento do Estado Democrático de 
Direito e o papel das polícias estatais em sua consolidação; 
 Problematizar a relação daquelas organizações com a esfera política, 
introduzindo o dilema entre o controle e a instrumentalização política das 
polícias no contexto da democracia contemporânea; 
 Promover o papel dos/as profissionais de segurança pública como 
mediadores da ordem em sociedades complexas, marcadas por conflitos 
de interesse e diversidade; 
 Discutir a importância da promoção de ambientes de trabalho 
democráticos e da participação dos profissionais do SUSP como 
“trabalhadores da segurança” para a promoção da democracia; e 
 Apresentar a arquitetura do Susp, sua finalidade, princípios organizativos, 
potenciais benefícios e desafios de implementação na sociedade 
brasileira. 
 
 
 
 
 
11 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
ESTRUTURA DO CURSO 
Este curso possui uma carga horária de 60 horas e compreende os 
seguintes módulos:
Módulo 1 - O Estado Democrático de Direito
Módulo 2 - Conceito de Polícia e Origens Históricas
Módulo 3 - Polícia e a Esfera Política
Módulo 4 - Os desafios do Estado brasileiro e a Segurança Pública: o 
Sistema Único de Segurança Pública
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
MÓDULO 1 – O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 
Para falarmos sobre o Estado Democrático de Direito e o papel dos 
profissionais do Sistema de Segurança Pública (Susp) é importante fazermos 
uma retrospectiva histórica. A proposta aqui não é dar uma aura de 
academicismo ao conteúdo, mas sinalizar o papel que oferece para a 
constituição da democracia, que é o melhor instrumento até então criado para 
estabelecer uma convivência que se pretenda pacífica e realizadora das 
potencialidades humanas, sobretudo em sociedades complexas como as 
contemporâneas. 
Embora as atuais configurações de Estado não sejam necessariamente 
modelagens perfeitas, a constante atuação da sociedade civil, dos funcionários 
públicos e da classe política, cuja participação está assegurada pela lei permitirá 
aumentar as potencialidades para que o Estado ofereça as condições para, 
como diz no Preâmbulo da nossa Constituição Federal, “assegurar o exercício 
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o 
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma 
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e 
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das 
controvérsias”. 
Assim, reafirmando o propósito de obter uma melhor dimensão dos papéis 
dos profissionais da segurança pública, trataremos de alguns autores que dão 
sustentação a essa construção política chamada Estado. 
 
OBJETIVOS DO MÓDULO 
Este módulo tem por objetivos: 
Conhecer os fundamentos históricos e filosóficos que orientam a 
formação do Estado Democrático de Direito; e 
 
 
13 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Discutir o papel dos profissionais de Segurança Pública na consolidação 
do Estado Democrático de Direito, tendo por base a construção da ordem em 
sociedades complexas. 
 
ESTRUTURA DO MÓDULO 
Este módulo compreende as seguintes aulas: 
Aula 1 – O surgimento do Estado Moderno; 
Aula 2 – Cidadania e Direitos Humanos; e 
Aula 3 – O papel da segurança pública na consolidação do Estado 
Democrático de Direito. 
 
 
 
14 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
AULA 1 - O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO 
Muito embora a tradição da ciência política remonte o surgimento do 
Estado à Grécia da Antiguidade, partiremos dos escritos dos autores da 
Modernidade. 
Diferentemente da Antiguidade, e da Idade Média que a sucedeu, a 
Modernidade vai ocorrer em um ambiente econômico e político muito mais 
próximo dos tempos atuais. Isso não apenas cronologicamente, mas, sobretudo, 
pelo fato de que foi na Idade Moderna que se formaram as instituições 
econômicas e políticas que dão a conformação inicial do nosso cenário, dentre 
as quais o Estado Moderno (BOBBIO, 2002). 
A principal diferença da sociedade moderna reside no fato de que a 
divisão de poderes políticos não mais se dava sobre a tradição ou pelo 
nascimento (como a sucessão do governante por seu filho mais velho, ou a 
proibição do casamento entre os senhores e seus servos). Agora, a sociedade 
se dividia por critérios econômicos e, apesar da desigualdade que ela trouxe (às 
vezes até maior que no feudalismo), sinalizou-se que qualquer pessoa poderia 
alcançar qualquer posição social. Essa transformação econômica, que se deu 
ao longo de séculos, retirou as amarras ideológicas que vinculavam as pessoas 
daquele tempo às suas posições de poder por regras imutáveis. Nesse momento 
da história, as forças que estruturavam a ordem social, como a religião, perdem 
força para um papel cada vez maior do indivíduo (ELIAS, 1990). No fundo, junto 
com outras construções filosóficas da Modernidade, introduziu-se a noção de 
liberdade. 
É pela noção de liberdade que trataremos de dois dos principais autores 
que deram as bases filosóficas que originaram o Estado. Falaremos de Hobbes 
e Rousseau. Chamados de contratualistas, eles pensaram em resolver a 
seguinte equação: como assegurar liberdade aos indivíduos, sem que a 
humanidade recaia em modelos políticos em que o governante se transforme em 
um tirano? Em outras palavras: 
 
 
 
 
15 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Vamos Refletir! 
 
 Qual a melhor forma de assegurar níveis de harmonia e paz na 
sociedade? 
 
 
1.1 O NASCIMENTO DA DEMOCRACIA MODERNA E LIBERAL: 
AS REVOLUÇÕES BURGUESAS E A CONSTITUIÇÃO DA 
NOÇÃO DE CIDADANIA 
Na seção anterior, tratamos brevemente sobre como política e economia 
foram os motores para as transformações humanas que levaram à consolidação 
do Estado Moderno, instituição que conhecemos hoje simplesmente como 
Estado. Neste tópico, vamos apresentar alguns fatos históricos que nos 
trouxeram até aqui. Por meio deles, encontraremos alguns instrumentos políticos 
que se mantiveram ao longo de todos esses anos e que impactam a nossa 
sociedade até os dias atuais. Esperamos que, com isso, possamos, por um lado, 
dar umadimensão do papel dos profissionais de segurança na defesa do Estado 
Democrático de Direito e, por outro, frisar que alcançar uma sociedade justa e 
pacífica exige esforço diário e cotidiano de todos nós. 
Assim, vamos repassar dois acontecimentos fundamentais para se 
compreender a formação do Estado, ambos ocorridos na Europa, nos séculos 
XVII e XVIII: a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, e a Revolução Francesa. De 
início, importa dizer que, com eles, surgiram instrumentos tão importantes para 
a nossa democracia, como a existência de uma Constituição que regule o 
exercício do poder e a própria democracia formal (a que prevê os mecanismos 
que franqueiam a alternância de governo), sem a qual a Democracia tende a 
desembocar na Tirania. 
 
 
 
 
 
 
16 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Os contratualistas Thomas Hobbes e Jeans-Jacques Rousseau 
Uma das bases do pensamento político moderno foram os escritos dos 
chamados contratualistas. Para eles, na origem do Estado teria ocorrido um 
pacto em que os indivíduos decidem por outorgar uma parcela de suas 
liberdades para um ente abstrato encarregado de lhes garantir a vida, a 
propriedade e a parcela de liberdade que fora conservada. Esse grande acordo 
dos indivíduos seria como um contrato (daí o nome “contratualistas”) que os 
indivíduos firmassem entre eles mesmos e que receberia o nome de Estado. E, 
assim como nos contratos que assinamos durante a nossa vida, estariam 
prescritos direitos e deveres mútuos, cujas infrações resultariam em penalidades 
de parte a parte. 
Apesar de parecer que esse pensamento não é tão inovador, ele 
representou uma ruptura no pensamento político até então vigente. Primeiro 
porque dizia ao mandatário do governo, em especial às monarquias absolutistas 
vigentes, que ele não podia exercer um poder infinito, mas restrito à medida do 
pacto estabelecido pela sociedade. Assim, a vida, que não havia sido objeto de 
cessão no contrato social, não poderia ser requerida pelo rei em nome do 
Estado. Segundo, porque colocava a subordinação do governante aos 
instrumentos escritos e legitimados pela sociedade, o que fez emergir uma 
pressão nos países para que fossem redigidas leis que estabelecessem os 
limites do exercício do poder político. A partir daí, a ideia de uma Constituição 
ganhou força, fazendo com que (não sem muita luta), as monarquias absolutistas 
se tornassem monarquias constitucionais, e, em alguns casos, repúblicas. 
Apesar de passados cerca de quatro séculos, as questões práticas sobre 
a observância do contrato ou pacto social são ainda razões que exigem a 
atenção coletiva e de cada um dos indivíduos. Isso porque as regras do jogo são 
ultrapassadas por governos e pelos indivíduos. Esses atos, classificados como 
ilegais, requerem que o Estado atue regulando e punindo as ações individuais 
 
 
17 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
que se coloquem contra a lei, mas também que a sociedade civil1 se posicione 
em face dos abusos de poder que o Estado pratique. 
Thomas Hobbes tem como sua principal obra Leviatã. Para ele, a 
sociedade pré-estatal (chamada de estado de natureza) é uma guerra 
permanente entre os indivíduos pela ausência de um ente que pudesse regular 
a vida social. Em sua concepção, 
 
 
A natureza faz os homens tão iguais, quanto às faculdades do 
corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem 
manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do 
que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em 
conjunto, a diferença entre um e outro homem não é 
suficientemente considerável para que qualquer um possa com 
base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa 
também aspirar, tal como ele (Hobbes, 1988, p. 74 apud Ribeiro, 
2006, p. 54). 
 
No estado de natureza, o indivíduo, para manter sua vida e liberdade, não 
teria outro caminho senão recorrer à violência física ou viver sob a ameaça de 
ser vítima de outros indivíduos ou grupos. Os homens hobbesianos eram tão 
iguais, que o mais razoável – seja para evitar um ataque ou simplesmente para 
sobrepujar outro homem – seria atacar. Assim, dada a inexistência de um Estado 
capaz de controlar e reprimir as violências entre as pessoas, fazer a guerra 
contra os outros é a atitude mais “racional” a ser adotada (RIBEIRO, 2006, p. 
55). 
Dentre outras contribuições para o pensamento político, Hobbes nos 
oferta a ideia da criação de um poder soberano – o Estado - que proporcione 
 
1 O Estado também possui deveres de atuar contra a ação de seus integrantes em caso de 
ilegalidades. Para um aprofundamento quanto a isso, recomendamos o estudo das análises 
sobre check and balances, incialmente tratada em O Federalista (LIMONGI, 2010). 
 
 
18 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
estabilidade às relações sociais e, que, nessa medida, fosse capaz de impedir a 
guerra de todos contra todos. 
Ao mesmo tempo, Hobbes também se preocupava de que esse Estado 
não se tornasse uma tirania capaz de retirar a vida de seus cidadãos. Em sua 
concepção, o Estado é limitado, pois ele não pode dispor de todos os direitos 
dos indivíduos, já que somente a liberdade lhe foi outorgada, e parcialmente, 
pelos cidadãos que firmaram o contrato social. A vida, mesmo no modelo de 
Hobbes, permanece indisponível. 
 
 
Thomas Hobbes viveu entre 1588 e 1679 e suas ideias 
circularam durante a Revolução Gloriosa na Inglaterra. Suas 
ideias monarquistas se opunham à República de Cromwell 
instalada naquele país, tendo sido exilado na França por suas 
ideias. 
Acesse: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/thomas-hobbes.htm 
 
A questão sobre os limites da ação do Estado se coloca de maneira ainda 
mais intensa nos anos em que Jean-Jacques Rousseau viveu. Passados quase 
cem anos entre as vidas de Rousseau e Hobbes, as forças políticas e sociais 
europeias se modificaram com a ascensão de uma classe que passara a 
reivindicar parcelas maiores de atuação no poder político. Fraturando a 
hegemonia da Igreja católica e da monarquia, agora uma classe 
economicamente poderosa, a burguesia, exigia novas formas de organização do 
Estado. Rousseau se defronta com uma sociedade mais complexa em relação 
àquela que existia na transição do período feudal ao mercantil, haja vista o 
adensamento da população em ambientes urbanos e a oposição das classes 
subalternas aos ditames da monarquia. Ele será o teórico do poder político que 
se origina do povo, fonte originária de todo poder. 
Rousseau irá catalisar esse pensamento presente nessa época e é 
considerado por muitos o pensador da Revolução Francesa (1789), muito 
Saiba mais 
 
 
19 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
embora tenha vivido antes desse acontecimento (1712-1778) que derrubou o rei 
Luis XVI do trono e provocou o questionamento de todas as monarquias vigentes 
na Europa. Seus escritos, representados sobretudo nas suas principais obras, 
“O Contrato Social” e “Discurso sobre a origem e os fundamentos da 
desigualdade entre os homens”, tiveram impacto mesmo fora do continente 
europeu, como na Independência dos Estados Unidos da América (1776) e na 
Inconfidência Mineira do Brasil, nos anos de 1780. 
 
Uma das principais diferenças em relação a Hobbes é que, para 
Rousseau, o momento pré-estatal é pacífico e o Estado tirano quem usurpa 
o poder. Assim, ganham relevância as formas com as quais o Estado 
alcança a legitimidade para atuar na sociedade. Não importa que o governo 
seja uma monarquia, uma aristocracia ou uma república, o povo deve 
manter-se como soberano do poder político, perante o qual o governo se 
subordina. 
 
Esse pensamento é tão vigoroso que, passados quase 300 anos, inspirou 
a ConstituiçãoFederal brasileira vigente que diz, no parágrafo único do artigo 1º, 
que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes 
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL. 
CONSTITUIÇÃO (1988). Isso significa que o povo é o corpo a partir do qual 
advém a legitimidade que permite ao governo exercer suas atribuições. Por ser 
o povo a origem desse poder, é a ele que se voltam as ações realizadas pelos 
agentes públicos. Isso não se dá por uma elevação moral, abstrata, dos 
integrantes do Governo, ainda que isso seja importantíssimo, mas decorre, 
sobretudo, da lei. Aqui, voltamos a Rousseau. 
 
 
“Sempre se é livre quando se está submetido às leis, mas não quando 
se deve obedecer a um homem; porque neste segundo caso devo 
obedecer à vontade de outrem, e quando obedeço às leis acato apenas 
 
 
20 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
a vontade pública, que é tanto minha como de qualquer outro.” 
(ROUSSEAU apud BOBBIO, 2002, p. 172). 
 
 
Neste trecho, podemos encontrar dois temas fundamentais do 
pensamento de Rousseau: os termos em que se estrutura o pacto social e como 
se constrói a legitimidade que permite a prevalência da lei sobre as vontades dos 
indivíduos. Para ele, as pessoas não devem se submeter aos mandamentos de 
um governante que não tenha alcançado essa posição senão por força da 
vontade popular. Essa vontade popular se materializa, por sua vez, pela sujeição 
à lei que, mediante regras estabelecidas também coletivamente, fornece o 
conjunto de regras pelas quais tais governantes (sejam os políticos, sejam os 
funcionários estatais), vão exercer o poder. A sujeição a esse poder decorre, 
portanto, da escolha livre dos indivíduos em ceder parte de sua liberdade para 
que o Estado lhes garanta, sobretudo, segurança contra terceiros que atentem 
contra bens que não foram alienados, como a vida, a propriedade e a liberdade. 
Diferentemente de Hobbes, que estudamos acima, Rousseau depositará 
na democracia os fundamentos para que o poder possa ser exercido sobre a 
coletividade, desde que nos termos do que será chamado posteriormente de 
Estado de Direito. 
 
As Revoluções burguesas 
Os pensamentos iluministas presentes no mundo a partir do século XVI 
promoveram mudanças significativas no ambiente político. Os governos 
autoritários passaram, no decorrer de alguns séculos, a se verem questionados 
quanto às formas de exercício do poder, exatamente por seu caráter despótico 
e opressor. Diversos países foram atingidos por essas mudanças, mas, nos 
casos da Inglaterra e França, foram especialmente marcantes em razão da 
importância que possuíam nas relações políticas internacionais daquele período. 
Por essa razão, as chamadas Revoluções Inglesa e Francesa são fundamentais 
para compreender os processos que trouxeram até nós as noções de: 
 
 
21 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Democracia 
Estado de Direito e 
Direitos Humanos. 
 
A Revolução Inglesa 
1603-1649 
A Revolução Inglesa foi um processo político ocorrido entre os séculos 
XVI e XVII que culminaram na transição do absolutismo para o parlamentarismo. 
Esse período foi marcado por fortes conflitos entre a monarquia, a classe 
econômica (burguesia) e a Igreja em razão de reiteradas discordâncias das 
decisões do rei nos campos econômico e religioso. Em resumo, foram sobretudo 
as decisões da monarquia inglesa quanto ao aumento de impostos e apropriação 
de terras que trouxeram desagrado às classes sociais afetadas. A forte oposição 
do Parlamento em relação à Coroa veio à tona no período do reinado da Dinastia 
Stuart (1603-1649), que teve como um de seus principais nomes o Rei Carlos I, 
que, em seu reinado, decretou a obrigatoriedade de empréstimos à Coroa. 
Claramente, como já afirmado, a vontade do rei gerou uma forte oposição por 
parte do Parlamento. Apesar disso, o monarca aprofundou a tomada de medidas 
impopulares. 
Tais medidas aprofundaram o descontentamento dos comerciantes 
marítimos e dos proprietários de terras. Some-se a isso um forte 
descontentamento das classes populares, igualmente afetadas pela política 
econômica. Em face da crise interna, em 1642 teve início uma guerra civil que 
levou à execução de Carlos I em 1649. Essa guerra teve como um de seus 
principais nomes o de Oliver Cromwell que criou o chamado Exército Novo 
Modelo que combatia as forças reais. Com Cromwell, tem início um intervalo 
republicano na história inglesa. 
1660-1668 
A Inglaterra se viu dominada por militares após o Rei Carlos I ter sido 
derrubado. Essa ditadura inglesa foi marcada fortemente pelo puritanismo 
 
 
22 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
empregado pelos revolucionários ingleses. O governo de Oliver Cromwell teve 
como principal ação os chamados “Atos de Navegação”, que exigia que todos 
os produtos importados pela Inglaterra fossem transportados por navios de 
bandeira Inglesa o que causou uma insatisfação por parte da Holanda, em uma 
clara tentativa de Cromwell de afirmar a hegemonia marítima e comercial 
britânica. Todavia, Oliver Cromwell morreu vítima de uma febre e por sua 
vontade seu filho, Richard Cromwell, assume. Seu governo não durou muito pois 
lhe faltava influência sobre os oficiais do Exército britânico, que tivera importante 
papel na guerra civil, e logo saiu do poder. Com isso foi feita a chamada 
Restauração (1660-1668) a qual simbolizava a volta da monarquia absolutista à 
Inglaterra, cujo principal nome era o Rei Carlos II, filho de Carlos I. 
1688 
Com a monarquia restaurada e sem muitas revoltas por parte do povo, 
Carlos II morre e seu irmão Jaime II sobe ao trono; porém, por contrariar o 
Parlamento, é deposto pelo mesmo em 1688, no que ficou conhecido como 
Revolução Gloriosa, que leva esse nome pois simbolizou a substituição pacífica 
e sem derramamento de sangue de Jaime II pela então coroada rainha Mary e o 
Rei holandês Guilherme de Orange. 
Os acontecimentos havidos na Inglaterra e que culminaram na Revolução 
Gloriosa representam um dos primeiros movimentos que buscaram pôr fim à 
situação própria do feudalismo. Os privilégios econômicos e políticos da 
monarquia, que se assentavam em uma estrutura social fundamentada nos 
cânones religiosos imutáveis foram sendo questionados, por força do surgimento 
de uma classe comercial (burguesia) que passaram a se colocar contra esse 
estado de coisas e ter maior possibilidade de influenciar as decisões do governo. 
O despotismo, que marcou a história inglesa por muitos séculos, não tinha mais 
espaço. 
1689 
A monarquia constitucional parlamentarista inglesa, pela qual o monarca 
subordina-se às leis elaboradas pelo Parlamento, consolida-se em 1689 com a 
Declaração dos Direitos. Antes de serem coroados, Guilherme de Orange e 
Maria Stuart, tiveram que jurar obediência a ele, em uma clara inversão dos 
tempos anteriores. O tratado estabeleceu o princípio de eleições livres e 
 
 
23 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
liberdade de expressão no Parlamento. Também incluiu que nenhum direito de 
tributação ocorresse sem o aval do Parlamento, o direito de os súditos 
apresentarem petições ao Rei e tratamento justo das pessoas pelos tribunais. 
 
Semelhante à Revolução Inglesa, a Revolução Francesa, cujos fatos 
mais marcantes se deram no século XVIII, é um evento ímpar para a 
compreensão da criação do Estado Moderno, em razão da passagem do 
Absolutismo para governos constitucionais. 
 
Devemos lembrar que, nessa época, na França, vigorava o que se 
chamaria Antigo Regime, que, além do despotismo monárquico, ainda mantinha 
algumas características de uma sociedade feudal, dentre as quais o imobilismo 
social e grande desigualdade na distribuiçãodo poder, concentrado na nobreza 
e no clero. Segundo Norbert Elias, em Sociedade de Corte2, essa disposição das 
forças sociais possibilitava que a França possuísse uma das mais autoritárias 
monarquias, que, com o rei Luís XIV (1643-1715) atingiu seu ponto máximo. A 
ele é atribuída a frase “O Estado sou eu”, em uma clara simbologia da tamanha 
concentração de poderes nas mãos do governante. 
Muito embora a sociedade fosse uma monarquia absolutista, as 
condições sociais passam, gradualmente, a exercerem uma pressão sobre o rei, 
de forma a que suas decisões fossem cada vez mais aderentes aos interesses 
de outros grupos, que não a nobreza e o clero. 
 
 
O rei, “pela graça de Deus”, era a fonte da justiça, da legislação e da 
autoridade administrativa, decidindo, ainda, pela guerra e pela paz. Essas 
atribuições, contudo, foram escapando, uma a uma, do controle direto da 
monarquia, sendo atribuídas, gradativamente, a instâncias intermediárias. 
A justiça e a legislação, por exemplo, cada vez mais passaram a ser 
 
2 ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Tradução de Ana Maria Alves. Lisboa: Editorial 
Estampa, 1987, 240 
 
 
24 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
exercidas pela Parlamento e pelas Cortes – tudo em nome do rei, 
evidentemente. Ainda aqui, a centralização encontrava forte resistência em 
setores onde a justiça senhorial sobrevivia.” (Miceli, 1987, p. 51). 
 
 
Em termos sociais, a França era dividida em três classes sociais bastante 
demarcadas, que recebiam o nome de Estados. Essa divisão era também 
política, com a definição de espaço na Assembleia Nacional Francesa, como 
veremos adiante: 
 
Primeiro Estado 
O primeiro Estado era constituído por representantes do clero. Sua 
influência se dava tanto do ponto de vista religioso como da cobrança de taxas 
sobre o uso de suas terras – que cobriam cerca de 10% do território francês –, 
além de taxas sobre batismo, casamento, etc. 
 
Segundo estado 
A nobreza constituía o segundo Estado. Além de viver junto ao próprio rei 
e desfrutar do consequente fausto que a vida da corte proporcionava, possuía 
alguns privilégios de exploração econômica decorrentes de seus títulos. 
 
 
Os maiores benefícios da nobreza, entretanto, vinham da isenção de 
tributos e da prestação de serviços obrigatórios, tais como alojar soldados 
e cuidar dos caminhos. Possuíam, ainda, direito de caça e pesca e 
detinham o monopólio de acesso aos cargos superiores do exército, da 
Igreja e da magistratura.” (Miceli, 1987, p. 55). 
 
 
 
25 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Terceiro Estado 
O terceiro estado era constituído por todos os demais franceses e 
constituíam mais de 96% da população. Comerciantes, banqueiros, profissionais 
liberais, lojistas, além de todo o campesinato faziam parte dele. Era um Estado 
bastante heterogêneo, mas que, em diferentes níveis, tinham em comum o fato 
de participarem muito fragilmente do poder político, apesar de, sobretudo a 
burguesia, disporem de forte poder econômico. 
 
Nos últimos anos do século XVIII, já com o reinado de Luís XVI, a França 
passava por uma severa crise fiscal. Isso exigiu que Luís XVI propusesse ao 
Parlamento francês o fim das isenções econômicas usufruídas pelos primeiro e 
segundo Estados. Diante da crise que tais propostas geraram junto a esses 
grupos, somado à insatisfação que já existia no terceiro Estado, o Parlamento 
exigiu que o rei convocasse a Assembleia Nacional. Nela, cada Estado teria 
direito a um voto o que, diante da disparidade na composição em termos das 
quantidades populacionais que representavam, indicava uma clara perda para o 
terceiro Estado. Não somente o rei Luís XVI foi colocado em xeque, mas a 
própria noção de representatividade da Assembleia Nacional, pois, apesar de o 
terceiro estado ser a imensa maioria da população, sua participação nas 
discussões tinha o mesmo peso que o primeiro e segundo estados. 
O terceiro estado então fez uma série de reivindicações, dentre as quais 
a de que o voto fosse por cabeça e não mais por ordem, já que representavam 
a maioria da população francesa, exigências as quais não tiveram respostas do 
rei Luís XVI. Paralelamente ao processo político, ocorre um importante 
acontecimento que simbolizou a Revolução Francesa - a Queda da Bastilha 
(1789) - movimento de cunho popular caracterizado por derrubar uma prisão a 
qual continham presos políticos, um lugar o qual representava uma grande 
marca do velho e decadente Regime absolutista francês. Com isso, o rei Luís 
XVI foi ficando cada vez mais fragilizado politicamente. Encurralado e sem 
saídas, tomou como medida sancionar as vitórias populares. 
Com toda essa crise, o rei decide fugir do palácio a fim de tentar organizar 
forças estrangeiras para, de alguma forma, tentar reconquistar seus direitos 
 
 
26 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
reais. Porém, acaba sendo descoberto na fronteira e é trazido para Paris. Luís 
XVI então é julgado, considerado um traidor da França e acaba sendo 
condenado à guilhotina, encerrado, assim, a monarquia absolutista francesa. 
Mais do que uma disputa pelo poder, tão comum na história, a Revolução 
Francesa representa o fim dos privilégios de classe, a vitória de uma ideia de 
igualdade entre os indivíduos e a definição de que a legitimidade do poder 
político advém do povo, por meio de seus representantes legalmente 
constituídos, o que, à época, constituíam ideias profundamente reformadoras. A 
dimensão de tais acontecimentos foi tamanha que o documento pelo qual os 
revolucionários redigiram os seus princípios se tornou a base a partir da qual foi 
construída a ideia de que a garantia à vida, à liberdade e à propriedade são 
inerentes à condição de ser humano. Essa condição política é vista, a partir de 
então, como condição essencial para a existência de um governo legítimo. A 
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita em 1789, materializa 
esse pensamento e é, a partir dela, que os Direitos Humanos vão passar a ser 
uma dimensão essencial para a construção do Estado Democrático de Direito. 
Tanto a citada Declaração quanto os Direitos Humanos serão mais bem 
explorados em aula adiante. 
 
Em resumo, as Revoluções Inglesa e Francesa legaram ao mundo 
as lições de que a legitimidade dos governos advém do povo, mediante os 
processos democráticos que estabelecem como esse poder deve ser 
exercido, colocando término quanto à origem de outras formas de 
legitimidade, como a pessoal, tradicional ou religiosa, comum a regimes 
absolutistas. A partir de então, a lei é o instrumento que subordina a ação 
de governos, a qual, por sua vez, deve derivar de processos que sejam 
democráticos a ponto de conferir ampla participação na sua elaboração. 
 
 
 
27 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
AULA 2 – CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS 
 
As mudanças políticas que o mundo assistiu na era moderna não foram 
possíveis sem que uma nova sociedade – em comparação com a feudal – 
surgisse. As pessoas, sem as amarras da antiga ordem, passaram a reivindicar 
seus espaços de poder, representados pelas Revoluções Inglesa e Francesa 
que trouxemos anteriormente. Prevalece, a partir desse momento histórico, a 
concepção de que os indivíduos possuem direitos que não poderão ser atacados 
pelo Estado, pois, somente a partir desse novo status que receberá o nome de 
cidadania, poderá existir democracia e, consequentemente, o exercício do 
poder legítimo por parte do governo. Assim, não é exagero afirmar que a noção 
de Direitos Humanos surge nesse período que, como vimos, coloca a pessoa 
humana como centro dos processos sociais e políticos (e, portanto, não mais a 
tradição nobiliárquica nem areligiosa). 
Os Direitos Humanos, por sua vez, são garantias de direito que se aplicam 
universalmente, independente de especificidades das condições dos indivíduos. 
Raça, credo, idioma, nacionalidade, condição econômica, como exemplos, não 
são critérios para destituir determinada pessoa de seus atributos legais. 
O instrumento político-jurídico que deu os passos iniciais para toda a 
construção de direitos humanos se dá exatamente em 1789, no país palco da 
Revolução Francesa. A ideia de um “Direito Humano” é filha, portanto, das 
mesmas agitações sociais que deram origem aos ideais iluministas de 
“indivíduo” e de “igualdade”. O surgimento de um indivíduo universal na França 
(o “cidadão”), portador de direitos iguais, independentes de seu status social 
(renda, títulos, nome), quando expandido para uma escala mundial, redundou no 
surgimento de um direito que se pretende aplicável a toda “humanidade”, 
independentemente de qualquer diferença observável entre os “seres humanos”. 
A ideia de um Direito Humano, como a conhecemos hoje, surgiu e se 
desenvolveu a partir da Revolução Francesa, cujo marco histórico foi a “Tomada 
da Bastilha”, em 14 de julho de 1789, quando foi oficialmente derrubada a 
monarquia na França. Como a monarquia era considerada, pelos revolucionários 
franceses, um regime de governo “corrompido”, que atribuía direitos e distribuía 
 
 
28 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
propriedades observando o status social das pessoas, foi elaborada uma nova 
“constituição” para a recém instaurada “República Francesa”. Esta, além de 
proclamar a “igualdade de direitos” como princípio, foi a responsável por cunhar 
o termo “cidadão”. 
A “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” foi promulgada 
naquele mesmo ano “revolucionário” de 1789. Em seu preâmbulo, o legislador 
escreveu: 
 
 
Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia 
Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o 
desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males 
públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar 
solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do 
homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos 
os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus 
direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo 
e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento 
comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam 
por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos 
cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e 
incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e 
à felicidade geral. 
 
 
Como você deve ter notado, já em seu preâmbulo, a Declaração deixa 
clara a intenção do legislador, em primeiro lugar, de instituir e proteger os 
“direitos do homem” igualmente, colocando a “felicidade geral” e a própria 
proteção desse instituto jurídico (a “Constituição”) como objetivos últimos para a 
recém fundada República Francesa e seus cidadãos. Para sustentar sua 
intenção de aplicar-se a todos e todas igualmente, a ideia nascente de um direito 
 
 
29 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
universal precisava encontrar uma espécie de “unidade de medida” comum a 
toda a humanidade. Essa medida era a ideia de “indivíduo”, surgida do chamado 
“século das luzes”, do Iluminismo, movimento que valorizava a razão e a figura 
humana, tomada como “medida de todas as coisas”, e teve seu auge entre os 
séculos XVIII-XIX. O indivíduo viria a se tornar o “cidadão” da República 
Francesa (1789). A diferença é que o cidadão passa a ser sujeito de direitos. E 
os direitos são iguais para todos os cidadãos, independentemente da origem e 
posição social. 
 
Figura 2: O Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci 
 
Fonte: wikipedia 
 
 
Todos e todas são cidadãos, porque iguais em suas diferenças. Essa 
medida de igualdade, o “indivíduo”, refletia a humanidade como uma experiência 
social diversa, em seus modos e aparência, mas unida por uma mesma 
“natureza humana”. Sobre esse substrato comum, o legislador francês atrelou os 
chamados “direitos naturais”, inalienáveis e sagrados, como vimos acima. Essas 
“garantias fundamentais” seriam consideradas essenciais à viabilidade material 
e moral da existência humana. 
Necessárias à reprodução da vida e das condições de vida do povo 
francês, na percepção do legislador da época, os direitos naturais eram “a 
 
 
30 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão” (Declaração, 
artigo 2º). 
A partir da França “revolucionária” de 1789, a “capital mundial das luzes”, 
berço do Iluminismo (séc. XVII-XVIII), estas ideias viajaram o mundo, 
atravessando oceanos e influenciando gerações. 
Por outro lado, se o Iluminismo representa a inspiração da noção de 
direitos humanos, a sua formulação concreta acontece como consequência da 
Segunda Guerra Mundial. Nela, foram cometidas inúmeras barbaridades, 
especialmente pelo regime nazista, que culminaram numa tentativa de 
extermínio de judeus, homossexuais, doentes mentais, comunistas e outros 
indivíduos considerados como inimigos do Estado ou como prejudiciais para o 
sucesso da raça ariana. 
Em suma, o Estado não era apenas o garantidor dos direitos individuais, 
como defendiam os contratualistas que apresentamos nesse mesmo Módulo, ele 
era também um potencial violador desses mesmos direitos e possuía um poder 
gigantesco para tal, quando decidia enveredar por esse caminho. Portanto, os 
indivíduos precisavam de proteção supraestatal, na medida em que ficava 
patente que o Estado, e a legislação nacional, não podiam ser os únicos 
garantidores da proteção dos direitos individuais. Era preciso gerar um 
arcabouço moral e jurídico que reconhecesse os direitos básicos de todas as 
pessoas do planeta, independentemente do país onde morassem e da legislação 
nacional vigente nesse território. Nenhuma lei nacional poderia anular ou 
comprometer esses direitos básicos e inalienáveis. A ideia era gerar uma ordem 
internacional pós-Segunda Guerra Mundial baseada nesses princípios, que 
deveriam servir para evitar uma repetição das atrocidades cometidas. De alguma 
forma, os direitos humanos constituem uma tentativa de plasmar a noção do 
direito natural, que é consubstancial ao ser humano pelo simples fato de sê-lo e 
que, portanto, não dependem da sua conduta, não precisam ser merecidos nem 
ganhos. 
O resultado dessa visão foi a “Declaração Universal dos Direitos 
Humanos” aprovada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, cujo 
preâmbulo reza: 
 
 
 
31 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
(...) a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos 
Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e 
todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da 
sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio 
do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e 
liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e 
internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância 
universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros 
quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. 
 
 
A Declaração foi aprovada por 48 votos a favor, 8 abstenções (sobretudo 
de países socialistas que tinham algumas ressalvas) e nenhum voto contrário. 
Os direitos reconhecidos aos indivíduos por essa declaração são os 
seguintes: 
 
1 Igualdade em dignidade e direitos (art. 1) 
2 Igualdade de direitos sem diferenciação de raça, cor, sexo, língua, 
religião, opinião política,origem nacional ou social, riqueza, 
nascimento ou condição jurídica do território a que pertença uma 
pessoa (art. 2) 
3 Direito à vida, liberdade e segurança pessoal (art. 3) 
4 Proibição da escravidão ou servidão (art. 4) 
5 Proibição da tortura e dos tratamentos cruéis, desumanos ou 
degradantes (art. 5) 
6 Reconhecimento como pessoa perante a lei (art. 6) 
7 Igualdade perante a lei e proteção contra discriminação (art. 7) 
8 Remédios efetivos contra violações aos direitos fundamentais (art. 
8) 
9 Proibição de prisão e banimento arbitrários (art. 9) 
 
 
32 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
10 Direito a tribunais imparciais (art. 10) 
11 Presunção de inocência e proibição de castigos por crimes não 
tipificados antes da conduta julgada (art. 11) 
12 Proteção contra interferências à vida privada e contra ataques à 
honra (art. 12) 
13 Liberdade de locomoção dentro do Estado e direito a deixar 
qualquer país (art. 13) 
14 Direito ao asilo para as vítimas de perseguição (art. 14) 
15 Direito à nacionalidade (art. 15) 
16 Direito a contrair matrimônio livremente consentido e à proteção da 
família (art. 16) 
17 Direito à propriedade (art. 17) 
18 Liberdade de pensamento, consciência e religião (art. 18) 
19 Liberdade de opinião e expressão (art. 19) 
20 Liberdade de reunião e associação (art. 20) 
21 Direito à participação política expressa em eleições por sufrágio 
universal e secreto (art. 21) 
22 Direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à dignidade 
da pessoa e ao livre desenvolvimento da sua personalidade (art. 
22) 
23 Direito ao trabalho que assegure uma remuneração digna e à 
sindicalização (art. 23) 
24 Direito ao repouso e ao lazer (art. 24) 
25 Direito a um padrão de vida que garanta bem-estar (art. 25) 
26 Direito à educação, que deve ser gratuita no nível fundamental 
(art. 26) 
27 Direito a participar da vida cultural e proteção do direito autoral (art. 
27) 
28 Direito a uma ordem social e internacional que respeite os direitos 
humanos (art. 28) 
 
 
33 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
29 Direito a ser sujeito apenas às limitações estabelecidas por lei (art. 
29) 
30 Proibição de interpretar qualquer parte dessa Declaração como 
justificativa para vulnerar direitos aqui reconhecidos (art. 30) 
 
Após a Declaração, os direitos foram expandidos e codificados no Pacto 
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional dos 
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembleia 
Geral das Nações Unidas em 1966. Ambos os pactos já foram ratificados por 
mais de 170 países. 
Posteriormente, outras convenções mais específicas outorgaram um 
conteúdo concreto a vários desses direitos, como a Convenção sobre os Direitos 
da Criança (1989) ou a Convenção contra à Tortura e Outros Tratos o Penas 
Cruéis, Inumanos ou Degradantes (1984). 
No nível do continente americano, e dentro dele no âmbito da 
Organização de Estados Americanos (OEA), foi adotada em 1969 a Convenção 
Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José. 
 
 
Essa convenção, que contempla uma Comissão Interamericana de 
Direitos Humanos e uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi 
ratificada pelo Brasil em 1992. Em 1998, o Brasil reconheceu a 
competência da Corte sobre o seu território, tornando-se desde então 
obrigatório o cumprimento das sentenças dela. Cortes continentais 
semelhantes existem na Europa (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) 
e na África (Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos). 
 
Os diplomas de direitos humanos (declarações, pactos, convenções, etc.) 
contém tanto direitos “negativos” quanto “positivos”. Os primeiros dizem respeito 
a ações que o Estado deve se abster de fazer, para poder respeitá-los, tais como 
direito à vida ou a proibição da tortura. Se referem aos direitos civis e políticos, 
basicamente. Essa abordagem visa colocar limites às ações dos Estados para 
Saiba mais 
 
 
34 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
evitar abusos contra os cidadãos, tal como tinha sucedido na Segunda Guerra 
Mundial. 
 Por sua vez, os direitos positivos são relativos a bens, serviços ou 
oportunidades que o Estado deve prover para que os indivíduos sob seu cargo 
tenham uma vida digna, como o direito à educação ou ao trabalho. 
Correspondem sobretudo aos direitos econômicos, sociais e culturais. 
Alguns direitos podem ser ao mesmo tempo positivos e negativos, como, 
por exemplo, o direito à saúde. Os Estados devem prover serviços de saúde, 
mas também devem evitar tomar medidas que comprometam a saúde dos 
cidadãos. 
Outra forma comum de classificar os direitos é dividi-los em direitos de 
primeira, segunda e terceira geração, em função do momento em que foram 
propostos e reconhecidos. Os de primeira geração são os direitos civis e 
políticos, começando pelo direito à vida, sem os quais os outros não podem ser 
realizados. Os de segunda geração são os econômicos, sociais e culturais, 
objeto do Pacto Internacional de 1966. Por último, os de terceira geração, os 
mais recentes, são direitos coletivos e não mais individuais, como o direito a um 
meio ambiente limpo, o direito à paz e o direito à autodeterminação cultural. 
De forma geral, os direitos humanos são considerados como direitos 
brandos (soft law), isto é, como direitos propositivos e ideais, mas cuja garantia 
efetiva depende mais da aceitação dos Estados do que de sentenças jurídicas. 
A própria Declaração Universal em seu preâmbulo que acabamos de ver define 
os direitos humanos como “um ideal comum a ser atingido”, isto é, como um 
dever-ser ou um desideratum. Isto é especialmente verdadeiro para os direitos 
positivos, econômicos, sociais e culturais. A despeito do direito individual ao 
trabalho, por exemplo, existem pessoas desempregadas em todos os países do 
mundo, e o objetivo é tentar que esse percentual seja reduzido ao mínimo 
possível. 
Mas mesmo no caso dos direitos negativos de interpretação mais 
inequívoca, como os direitos civis e políticos, não existe um aparato coercitivo 
para garanti-los, a diferença dos direitos protegidos na legislação nacional, que 
podem ser defendidos por sentenças judiciais nacionais que, se resistidas, 
podem ser aplicadas pela polícia. A polícia, como vimos, possui o monopólio da 
 
 
35 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
violência legítima. Não existem, entretanto, polícias universais nem polícias das 
Nações Unidas que garantam a aplicação da lei internacional que, por isso, é 
conceituada como uma “lei branda", que depende da aceitação dos Estados. 
 
2.1 A FALSA OPOSIÇÃO ENTRE SEGURANÇA E DIREITOS HUMANOS 
Em muitos países, incluindo o Brasil, há setores sociais que percebem os 
direitos humanos como beneficiando apenas os criminosos e, portanto, 
prejudicando o resto da sociedade. Isso é mais comum ainda entre indivíduos 
que compartilham essa percepção dicotômica e maniqueísta que divide a 
sociedade em dois grupos rígidos: cidadãos de bem e bandidos (ver Aula 3 do 
Módulo I). 
Nessa visão, se a lei impõe limites ao que o Estado pode fazer em relação 
a um suspeito ou mesmo a um criminoso convicto, isso é percebido como um 
empecilho na busca da segurança. Gera-se, assim, um falso antagonismo entre 
direitos humanos e segurança, como se essa última só pudesse ser obtida 
mediante o sacrifício dos direitos individuais. Na realidade, não há evidências de 
que o atropelo dos direitos das pessoas tenha resultado numa sociedade mais 
segura e há muitas evidências em sentido contrário: quando o Estado pôde agir 
livremente contra seus opositores ou inimigos, sem limites legais, isso provocou 
grande insegurança napopulação. 
Quem vê os direitos humanos como inimigos da segurança tende a 
perceber os defensores de direitos humanos como traidores à sociedade, 
particularmente quando a segurança pública é entendida como uma guerra (ver 
Aula 3 do Módulo I). A culpa do fracasso na luta contra o crime é então atribuída 
aos “direitos humanos” como conceito ou como grupo de pessoas que os 
defendem. Curiosamente, isso acontece mesmo que os direitos humanos em 
geral, especialmente no que concerne aos direitos negativos, não fazem senão 
reafirmar o que as legislações nacionais já contêm. 
 
A proibição da tortura e da execução sumária, por exemplo, não é 
algo inventado pelos pactos de direitos humanos, mas está contida nos 
 
 
36 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
códigos penais de quase todos os países do mundo. Porém, os detratores 
dos direitos humanos focalizam as críticas neles ao invés de atacar a lei 
nacional. 
Essa concepção é consequência de uma visão deturpada da realidade. 
Obviamente, como seu próprio nome indica, os direitos humanos não defendem 
apenas os suspeitos ou os delinquentes, mas a todos os cidadãos que são 
sujeitos desses direitos universais. Os policiais são, como qualquer cidadão, 
sujeitos de direitos humanos, tanto como pessoas quanto como trabalhadores. 
Esses direitos trabalhistas nem sempre são respeitados pelas corporações. 
Por outro lado, o teste principal dos direitos humanos advém justamente 
no tratamento que o Estado dá às pessoas mais vulneráveis, como os presos, 
ou àqueles suspeitos de cometerem os piores crimes. O tratamento dado a esses 
indivíduos é a medida do nível civilizatório de uma sociedade. Só quando 
indivíduos eventualmente considerados indesejáveis forem tratados conforme a 
lei estipula é que todos teremos a garantia de que nossos direitos serão 
respeitados. 
A verdadeira discussão não é se os direitos humanos defendem a uns ou 
a outros, a divisão se dá entre os que desejam uma atuação do Estado pautada 
e limitada pela lei e aqueles outros que promovem uma atuação ilegal e sem 
controle por parte dos agentes do Estado, rumando assim de volta à Idade 
Média. 
Se a polícia tem como missão central a defesa da lei, seria um absurdo 
que fizesse isso quebrando a própria lei, pois nesse percurso anularia sua 
própria missão. 
 
Os policiais precisam tomar cuidado com os cantos de sereia que 
vêm de determinados setores sociais que defendem uma atuação ilegal da 
polícia (como aqueles que defendem que “bandido bom é bandido morto”), 
pois, para além de razões morais e sociais, serão os policiais os que 
eventualmente se sentarão no banco dos réus para responder de possíveis 
abusos, e não aqueles que advocaram esses caminhos. 
 
 
 
37 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 3 - O PAPEL DA SEGURANÇA PÚBLICA NA 
CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
 
3.1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
Nas aulas anteriores, vimos o surgimento histórico do Estado moderno e 
da democracia, os dois pilares essenciais do Estado Democrático de Direito. 
Na sociedade pré-moderna ou feudal, o poder era exercido por uma 
pessoa, o monarca, ou por um grupo, tomando em conta apenas sua visão de 
mundo e seus interesses. É o que se chama despotismo. O monarca absoluto 
não é obrigado a justificar suas decisões, que não precisam necessariamente 
ser coerentes ou sistemáticas. Obviamente, isso é a definição mesma de 
arbitrariedade, ou seja, medidas que obedecem exclusivamente ao livre arbítrio 
de quem as toma. 
Como forma de evitar a arbitrariedade, as sociedades desenvolveram um 
conjunto de regras que definem os limites da ação dos titulares do poder e 
balizam as ações que estejam ao seu alcance: as leis. O Estado de Direito é 
aquele em que a lei se sobrepõe à vontade dos governantes, que estão 
subordinados às regras legais definidas coletivamente. Nisso se contrapõe ao 
Estado Despótico. 
O Estado de Direito pode ser caracterizado por uma série de traços 
centrais, entre eles: 
1 Igualdade perante a lei. As normas obrigam a todos pois num 
Estado de Direito, não há ninguém acima da lei. Ela não pode ser 
aplicada de forma seletiva ou pessoalizada, a favor ou contra 
determinado indivíduo. 
2 Transparência e previsibilidade. As normas devem ser públicas 
para que todos as conheçam e possam cumpri-las e ninguém pode 
ser sancionado senão pelo descumprimento de uma lei 
previamente existente. Isso confere previsibilidade ao governo e à 
vida em geral, que constitui um dos componentes essenciais da 
vida em sociedade. 
 
 
38 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
3 Devido processo. A tomada de decisões por parte de qualquer um 
dos poderes (executivo, legislativo ou judicial) deve seguir 
determinados procedimentos previamente estabelecidos para 
serem legais e legítimas. 
4 Prestação de contas. Os tomadores de decisão, em qualquer um 
dos poderes, precisam justificar publicamente suas decisões para 
que elas possam ser submetidas a escrutínio e para que eles 
possam ser responsabilizados por suas decisões (accountability) 
(ver Aula 1 do Módulo III). 
5 Segurança jurídica. As leis devem ser aplicadas de forma 
isonômica a todas as situações que apresentem as mesmas 
características, e as decisões tomadas de acordo com a lei não 
podem ser mudadas pela iniciativa individual de nenhum ator. A 
segurança jurídica é outro fator de extrema relevância para conferir 
previsibilidade à vida social. 
6 Separação e independência de poderes, que não podem estar 
concentrados numa única pessoa ou instância. Tradicionalmente, 
as funções de elaboração de leis (legislativa), de condução do 
Estado (executiva) e de aplicação das leis (judiciais) são atribuídas 
a órgãos diferentes e independentes entre si, para evitar a 
acumulação de poder nas mãos de algumas pessoas. 
7 Acesso à justiça. Todas as pessoas, independentemente da sua 
condição, devem poder apresentar suas solicitações e 
reclamações a um sistema de justiça que seja imparcial. 
Paralelamente, todos os indivíduos devem ter a possibilidade de 
representação legal. 
 
O Estado de Direito se corresponde exatamente com a noção de 
legitimidade legal-racional de Max Weber que vimos no Módulo I (Aula 5), que 
estava baseada num conjunto de normas escritas e racionais. 
A diferença entre o Estado de Direito e o Estado Democrático de Direito é 
que, nesse último caso, as leis são necessariamente aprovadas com a 
participação de toda a coletividade e integrando todos os setores sociais, isto é, 
 
 
39 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
são geradas de forma democrática. Com isso, a lei e o exercício do poder tendem 
a atingir uma legitimidade maior e, dessa forma, aumenta a obediência a essas 
leis que foram desenvolvidas de forma coletiva. Se os contratualistas falavam de 
um contrato implícito para a criação do Estado, nesse caso trata-se de um 
contrato explícito em que as pessoas participam na gestação das normas a que 
estarão sujeitas. 
 
Os dois termos (Estado de Direito e Estado Democrático de 
Direito) são usados muitas vezes de forma quase indistinta, mas o 
último sublinha o caráter democrático do Estado e a legitimidade 
subsequente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É justamente porque as trajetórias das nações que melhor responderam 
a esse desafio se inspiraram nas ideias de justiça, democracia, respeito às leis 
e aos direitos humanos, pensadas em seu alcance universal e irrestrito. 
 
Muito provavelmente, quando perguntamos quais as sociedades que 
melhor conseguiram resolver seus problemas ligados à violência, somos levados 
a pensar em países com baixos índices de crimes, tais como Japão,Noruega, 
Suécia. As explicações para isso são inúmeras; contudo, ainda que possa 
parecer que estes países sempre possuíram ótimos níveis de convivência e que 
tal estado de coisas é resultado que alguma característica inata às suas 
Mas, afinal, por que é de fato importante que todos esses conceitos 
sejam levados a efeito pelos profissionais do Susp, diante de problemas de 
tamanha ordem e gravidade como são aqueles com os que têm de lidar 
constantemente? 
Na prática 
Vamos Refletir! 
 
 
40 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
populações, um olhar mais atento às suas histórias nos provará que foram 
processos políticos que possibilitaram bons níveis de convivência social. Para 
discutir uma dessas possibilidades, vamos trazer uma análise realizada pela 
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). 
 
A OCDE é uma organização internacional composta por 38 países-
membros, que reúne as economias mais avançadas do mundo, além de 
alguns países chamados “emergentes”. O ingresso de um país junto a 
essa organização significa uma espécie de credenciamento que sinaliza 
que as práticas adotadas e o ambiente político estão conseguindo 
enfrentar os desafios sociais, econômicos e ambientais de forma 
satisfatória. 
 
 
Fazem parte da OCDE: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, 
Chile, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Dinamarca, Eslováquia, 
Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, 
Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, 
Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Suécia, 
Suíça, Reino Unido, República Tcheca, Turquia. Os primeiros passos para o 
ingresso do Brasil junto à OCDE ocorreram em janeiro de 2022, juntamente 
com Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia. 
Acesse: https://www.oecd.org/about/ 
 
 
Um dos quesitos avaliados pela OCDE para o credenciamento de países 
é o rule of law ou Estado de Direito, que eles definem como a capacidade de o 
país-candidato oferecer as mesmas regras, procedimentos e princípios para 
indivíduos e organizações, incluindo o próprio governo, garantindo um 
tratamento justo pelas instituições e igual acesso à justiça (OECD, 2019). Assim, 
segundo a OCDE, rule of law é um conceito multidimensional composto por 
Você sabia? 
Saiba mais 
 
 
41 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
diversos elementos como os direitos fundamentais, ordem e segurança, 
capacidade de aplicar a lei (regulatory enforcement) e justiça civil, além de um 
governo aberto (OECD, 2019). O desdobramento de cada um desses 
componentes diz muito sobre quais são as variáveis de importância para verificar 
se um país promove o Estado de Direito em seu território. A seguir, 
apresentamos um resumo (WORLD JUSTICE PROJECT, 2022): 
 
1 Tratamento igualitário e ausente de discriminação; 
2 Existência do devido processo legal e direitos aos acusados em 
delitos e infrações administrativas; 
3 Garantia efetiva à vida e à segurança, à liberdade de expressão e 
opinião, à liberdade de crença e religião, à liberdade de associação, 
ao direito ao trabalho e contra a interferência indevida à 
privacidade; 
4 Controle efetivo do crime; 
5 Controle efetivo dos conflitos civis; 
6 Interdição à vingança privada para a resolução dos conflitos; 
7 Efetividade das regulações governamentais, tais como leis e 
normas infralegais; e 
8 Acesso à justiça, sem discriminação. 
 
Pode-se observar no mapa a seguir que os países possuem diferentes 
níveis de efetivação do Estado de Direito. Grosso modo, aqueles que foram 
avaliados com melhores níveis são exatamente os que registram menores níveis 
de violência. 
 
 
 
 
 
 
42 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Figura 3: Estado de Direito pelo mundo 
 
Fonte: WJP Rule of Law Index, 2022. 
 
* As cores mais avermelhadas indicam maiores níveis de aderência ao Estado de Direito 
enquanto as cores voltadas ao azul mostram menores níveis de aderência. 
 
 
Esse estudo nos traz duas conclusões importantes: 
Primeira conclusão: 
Decorridos cerca de 400 anos desde os escritos e eventos que inspiraram 
o Estado Democrático de Direito, seus fundamentos são bastante atuais. Os 
avanços resultantes desse processo histórico fundamentam as análises 
promovidas nos dias atuais, na medida em que o Estado Democrático de Direito 
é considerado um requisito para atingir fins que vão muito além da questão da 
imposição da lei e da participação no poder, pois é por meio dele que se 
promovem avanços econômicos, sociais e ambientais. 
 
Segunda conclusão: 
Direitos humanos, democracia, segurança, cidadania e capacidade de o 
Estado regular os conflitos humanos são os caminhos mais bem sedimentados 
 
 
43 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
para ofertar melhores níveis de convivência social. Ainda que existam outros 
fatores que expliquem os motivos pelos quais determinados países possuem 
menores níveis de violência, há fortes razões para se defender que são 
exatamente os elementos oferecidos pelo Estado Democrático de Direito 
aqueles que conduzem a maiores ganhos nesse campo. 
 
3.2. O PAPEL DA SEGURANÇA PÚBLICA PARA O ESTADO 
DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
Todos os direitos elencados na Declaração Universal de Direitos 
Humanos, que vimos na aula anterior, só podem ser usufruídos se o cidadão 
está e se sente em segurança. Quem teme pela própria vida, pela integridade 
pessoal ou inclusive pela sua propriedade dificilmente poderá exercer outros 
direitos. Paralelamente, a prevalência da ordem pública é também um 
componente importante para a possibilidade de usufruir os direitos básicos e 
para a previsibilidade das relações sociais. Num cenário caótico e desordenado, 
será difícil gozar dos direitos que a lei confere ao cidadão. 
 
O conceito de “segurança humana”, proposto pelo PNUD (1994) em 
contraposição à segurança nacional, pode ser concebido, na sua 
formulação mais sintética, como a libertação dos indivíduos do medo 
e da necessidade. Nesse sentido, une tanto a satisfação dos direitos 
econômicos, sociais e culturais (a necessidade) com a proteção 
contra ameaças à integridade pessoal (o medo). Mas, no fundo, os 
dois aspectos estão intimamente relacionados na medida em que, 
como argumentamos, o medo pode acabar anulando a possibilidade 
de satisfazer outros direitos. 
 
Considerando que é obrigação do Estado garantir a segurança da 
população, a segurança torna-se necessariamente pública. Em consequência, o 
Estado é o sujeito central que deve garantir a segurança, embora várias 
legislações, incluindo a Constituição Brasileira de 1988, reforcem o papel dos 
próprios cidadãos no processo. 
 
 
44 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
A segurança tem componentes por um lado objetivos e por outro lado 
intangíveis e subjetivos. Assim, oferecer segurança implica não apenas reduzir 
os riscos e as ameaças que as pessoas apresentam de serem vítimas de crimes 
ou violência, mas também conseguir que elas percebam esses riscos como 
baixos, se sentindo efetivamente seguras. 
Em tudo isso, o papel das instituições de segurança pública é 
fundamental, pois são elas, através da sua função preventiva e repressiva, as 
encarregadas de prover segurança às pessoas e, dessa forma, possibilitar que 
elas usufruam o conjunto dos seus direitos. Nesse sentido, as instituições de 
segurança são garantidoras do Estado Democrático de Direito. 
 
 
Especificamente, elas também garantem o próprio exercício da 
democracia representativa, possibilitando que as eleições sejam livres. 
Por exemplo, perseguindo os crimes eleitorais, que tentamimpedir, 
condicionar ou comprar o voto. E, em ocasiões, impedindo a atuação 
daqueles que querem derrubar o governo democraticamente eleito por 
meio da força. De fato, uma democracia sem instituições de segurança 
pública ficaria extremamente vulnerável à ação de extremistas que 
quisessem acabar com ela. 
 
Mas para além desses casos mais dramáticos, as instituições de 
segurança pública cumprem uma função mais ampla de legitimação do sistema 
político e da democracia. Pois um clima de insegurança e uma alta incidência de 
crimes tendem a corroer a confiança dos cidadãos e questionam a própria 
legitimidade de um Estado que não é capaz de lhes oferecer segurança. Nesse 
cenário, é mais provável que surjam tendências antidemocráticas e formas 
violentas de exercício do poder ou de abordagem dos conflitos. Os linchamentos 
de pessoas suspeitas de cometerem crimes, por exemplo, estão associados ao 
medo e à raiva na população, que não sente que o Estado funcione corretamente 
para protegê-las e que, em consequência, e opta por medidas ilegais e brutais, 
com o risco de vitimar inocentes e de incrementar, ainda mais, a própria 
sensação de insegurança. 
Na prática 
 
 
45 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Assim, instituições de segurança pública que consigam prover segurança 
aos cidadãos com eficácia são também promotoras do Estado Democrático de 
Direito e da própria democracia. 
Entretanto, o fortalecimento do Estado de Direito não depende só do 
fornecimento de segurança, mas também da forma como esse serviço é 
oferecido. Assim, se as instituições de segurança desempenham suas funções 
conforme a lei, e tratando a todos os cidadãos de maneira justa, imparcial e 
equitativa, elas estarão ao mesmo tempo promovendo o Estado Democrático de 
Direito. 
Adicionalmente, se essas instituições funcionam com transparência e 
prestando contas das suas atuações à sociedade, abrindo-se ao escrutínio da 
cidadania ao invés de operar com sigilo e opacidade, elas também estarão 
fortalecendo o Estado Democrático de Direito. Em suma, espera-se delas que 
funcionem com as mesmas características que são exigíveis a esse Estado: 
igualdade, transparência, previsibilidade, devido processo e prestação de contas 
à sociedade. 
 
 
 
46 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Finalizando.... 
Neste módulo você aprendeu: 
 Os fundamentos históricos e filosóficos que orientam a formação do 
Estado Democrático de Direito e os sucessos conseguidos na 
consolidação deste novo dispositivo, que configurou a mais bem acabada 
forma de exercício do poder político nas sociedades contemporâneas. 
Assim, abordamos os teóricos contratualistas, as Revoluções Burguesas 
e suas principais derivações conceituais: o Estado de Direito, a cidadania, 
a democracia e os Direitos Humanos. 
 Os direitos humanos, inspirados no Iluminismo, aparecem como uma 
formulação explícita em meados do século XX como resultado das 
barbaridades cometidas pelos Estados contra seus próprios cidadãos 
durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo a tentativa de genocídio. 
Em consequência, eles sublinham a importância de estabelecer limites à 
atuação do Estado, limites definidos pelos direitos inalienáveis que todos 
os indivíduos possuem pelo fato de serem pessoas e, portanto, sujeitos 
de direitos. 
 Embora algumas pessoas percebam os direitos humanos como 
defensores de delinquentes e antagônicos em relação à segurança 
pública, o texto tenta desmontar essa falsa oposição mostrando que a 
universalidade dos direitos humanos diz respeito a todos, inclusive aos 
policiais, cujos direitos trabalhistas nem sempre são respeitados pelas 
organizações. De fato, os países que apostaram por um modelo político 
baseado na democracia e os direitos humanos são hoje os países com 
menores níveis de violência no mundo. 
 Na última aula, definimos o Estado Democrático de Direito e suas 
características centrais, tais como igualdade perante a lei, transparência, 
devido processo, prestação de contas, segurança jurídica, separação de 
poderes e acesso à justiça. De forma geral, o Estado Democrático de 
Direito é uma tentativa de conjugar a capacidade de o Estado promover 
níveis aceitáveis de convivência social aliada ao estabelecimento de 
limites ao seu poder. Esses limites devem assegurar aos indivíduos a 
liberdade que lhes é inerente e sem a qual o poder passa a ser opressor. 
 
 
47 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 Por último, analisamos o papel da segurança pública e dos agentes de 
segurança pública na consolidação do Estado Democrático de Direito. 
Esse papel é central na medida em que sem segurança é impossível o 
exercício do resto dos direitos. São os policiais os que garantem também 
eleições livres, perseguindo os crimes eleitorais e evitando que 
extremistas possam tentar derrubar os governos eleitos 
democraticamente através da violência. Além disso, de forma mais ampla, 
a provisão de segurança e ordem pública tende a fortalecer a confiança 
dos cidadãos no sistema político e melhora a legitimidade do Estado. 
 Em resumo, este módulo procurou mostrar que segurança pública, 
direitos humanos e aplicação da lei não são expressões que se 
contrapõem. É exatamente o oposto. Esses termos conjugam-se para 
enfrentar os mesmos problemas. Promovê-los é, em grande medida, 
papel do Estado e de seus agentes, incluindo, inquestionavelmente, os 
profissionais do Susp. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
48 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
MÓDULO 2 – CONCEITO DE POLÍCIA E ORIGENS HISTÓRICAS 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 
Este módulo buscará discutir o papel da polícia na constituição do Estado 
Democrático de Direito, começando pelas origens e o processo de formação das 
polícias modernas, e continuando pelos dilemas mais importantes que enfrenta 
uma organização policial contemporânea. Um dos conceitos que será abordado 
em maior profundidade é o de legitimidade, tanto do ponto de vista geral quanto 
na forma em que a legitimidade afeta às organizações policiais. 
OBJETIVOS DO MÓDULO 
Este módulo tem por objetivos: 
● Aprofundar as origens históricas da polícia; 
● Compreender o papel da polícia e os sentidos do trabalho policial 
no mundo contemporâneo, em especial no diálogo entre proteção 
e limitação de direitos; e 
● Refletir sobre a importância da legitimidade para que a polícia 
possa desenvolver suas funções. 
● 
ESTRUTURA DO MÓDULO 
Este módulo compreende as seguintes aulas: 
Aula 1 – O conceito de polícia e o surgimento histórico das polícias 
modernas; 
Aula 2 – Os dois modelos básicos de polícia: defendendo o Estado versus 
defendendo os cidadãos; 
Aula 3 – A doutrina policial entre o combate aos criminosos e a proteção 
do cidadão 
Aula 4 – A discricionariedade no trabalho policial; e 
Aula 5 – Legitimidade e trabalho policial. 
 
 
49 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
AULA 1 – O CONCEITO DE POLÍCIA E O SURGIMENTO 
HISTÓRICO DAS POLÍCIAS MODERNAS 
1.1 ORIGENS DA POLÍCIA 
Etimologicamente, a palavra “polícia”, que existe com pequenas variações 
em todas as principais línguas europeias, deriva do termo grego “polis”, que se 
traduz como cidade ou forma de governar a cidade, mas também do termo latino 
“politia”, que identifica um regime político e administrativo (Mulone, 2019). Assim, 
polícia tem a ver com cidade e com governança (ver Aula 3 do Módulo IV) ou, 
vinculando os dois termos, com a governança da cidade. De fato, a criação das 
polícias está fortemente associada às cidades e, particularmente, às grandes 
cidades onde ela se originou. 
No seu texto Omnes et Singulatim, Michel Foucault (Foucault,1981: 243–
254) descreve o trabalho de Turget de Mayenne, quem em 1611 apresentou o 
seu programa de polícia aos parlamentares holandeses. Para Turquet o 
significado de polícia era “governo”, de uma forma muito abrangente. 
O primeiro tratado sobre polícia foi escrito por Nicolas de La Mare, um 
comissário real que vivia em Paris, entre 1722 e 1729. Nesse texto, “polícia” 
significava ordem ou, nas palavras do autor, uma “linda ordem”. Segundo ele, a 
ideia de ordem urbana possuía onze dimensões: 
1 Religião; 
2 Moralidade; 
3 Saúde pública; 
4 Suprimento de alimentos; 
5 Estradas públicas; 
6 Pontes e prédios públicos; 
7 Segurança para as pessoas; 
8 Ciências e artes; 
9 Comércio, Indústrias e artes mecânicas; 
10 Serventes e trabalhadores; e 
 
 
50 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
11 Os pobres. 
 
O filósofo ilustrado alemão, Christian Wolff, desenvolveu nesse mesmo 
período uma “ciência da polícia” (Policeywissenschaft), que era consistia na 
administração governamental e que serviu de base para a conformação de um 
precedente do estado de bem-estar na Prússia. As primeiras cátedras dessa 
nova ciência foram criadas em 1727 pelo rei da Prússia. 
Em seu texto clássico de 1748, “O Espírito das Leis”, Montesquieu (2000) 
usa o conceito de “polícia”, entendido como um conjunto de regulações menos 
estritas e sobre assuntos menos graves do que aqueles que estão regidos pela 
lei: 
 
 
“Há criminosos que o magistrado pune; há outros a quem ele corrige; 
os primeiros estão sujeitos ao poder da lei, os últimos à sua autoridade; os 
primeiros são retirados da sociedade, obriga-se aos últimos a viver de 
acordo com as regras da sociedade. 
No exercício da polícia, é o magistrado quem pune, antes do que a 
lei; nos julgamentos dos crimes, é a lei que pune antes que o magistrado. 
Assuntos de polícia são coisas de todos os instantes, que geralmente 
equivalem a pouco; quase nenhuma formalidade é necessária.” 
(Montesquieu, 2000: 5.26.24.) 
 
 
Lenoir, que foi nomeado Tenente-Geral da polícia (Lieutenant général de 
police) de Paris em 1774, define polícia como “a ciência de governar os homens 
e de fazer bem a eles” (1779:34). Por sua vez, Boucher d’Argis, na Enciclopédia 
(Encyclopédie) de Diderot e d’Alembert, define polícia como “a arte de prover 
uma vida confortável e tranquila” aos indivíduos (Boucher d’Argis, 1765). Dessa 
forma, o termo foi ficando estabelecido e foi estendido a outros países. No 
 
 
51 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Dicionário da Língua Inglesa (Dictionary of the English Language), de Samuel 
Johnson, aparece o termo “polícia” como importado do francês com o seguinte 
significado: “a regulação e governo de uma cidade ou país, no que diz respeito 
aos habitantes” (volume 2 da edição de 1806). 
Observe-se que, até esse momento, o termo “polícia” equivale a um 
conjunto de regulações e à governança, e não é aplicado às pessoas 
encarregadas dessa missão. Isto é, o termo designava a função, mas não o 
órgão nem os agentes que devem desenvolvê-la. Por outro lado, a ideia de 
polícia se aplicava a tudo o que estivesse relacionado com o governo e o bem-
estar da cidade e, portanto, abrangia além da manutenção da ordem ou da 
preservação da lei, tal como as entendemos nos tempos modernos. 
Diversos autores argumentaram que o controle social tradicional que 
vigorava nas sociedades tradicionais e no mundo rural desapareceu na medida 
em que as pessoas passaram a viver em cidades de maior tamanho. Nas 
pequenas comunidades rurais, todos se conhecem e qualquer conduta contrária 
à norma grupal pode ser castigada de uma maneira informal, mas que pode ser 
ao mesmo tempo muito dura, como, por exemplo, por meio do isolamento social 
dos transgressores ou do ‘ostracismo’ romano, isto é, da expulsão da 
comunidade. Essa possibilidade não existe mais na grande cidade, onde o 
anonimato é rei e na qual um transgressor num canto da cidade pode fugir ao 
outro extremo do local sem ser reconhecido. Assim, alguns autores argumentam 
que a polícia foi criada a partir da necessidade social de manter a paz entre 
desconhecidos, isto é, entre os habitantes da cidade. 
Na Roma clássica, foi criada a figura do Aedil no ano 497 a.C. O Aedil se 
encarregava da ordem e da segurança, além de muitas outras funções, entre 
elas a manutenção de aquedutos, banhos, prédios, esgotos, além do controle da 
moral pública, das apostas, da usura, dos animais perigosos, dos esportes, dos 
funerais e dos mercados, garantindo que os preços nesses últimos fossem 
razoáveis. 
No mundo pré-moderno, as pessoas encarregadas de manter a ordem e 
defender a lei nas cidades não costumavam ser funcionários, mas cidadãos 
comuns. No século XIII, na Inglaterra, o Estatuto de Winchester criou a figura do 
 
 
52 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
“vigilante noturno” (night watchman), um habitante da cidade designado para 
desempenhar esse papel como um dever cívico, sem receber remuneração 
alguma (Rawlings, 2003). Com o tempo, alguns dos designados preferiram pagar 
a outros para exercer a função, de tal forma que o vigilante acabou se 
transformando numa profissão. 
 Na Idade Média, diversas cidades criaram a figura do ‘constable’, um 
cidadão que preenchia o cargo de forma honorária durante um ano e cujas 
funções incluíam, além da manutenção da ordem e da aplicação da lei, a 
organização do recrutamento militar, a coleta de impostos, a regulação das 
moradias e o controle da vadiagem, entre outras. Diversas tarefas que 
atualmente são responsabilidade da administração municipal. Em suma, as 
funções atribuídas aos cargos equiparáveis aos de um policial dos nossos dias 
eram muito mais amplas do que as desses últimos e abrangiam diversas tarefas 
que hoje em dia são responsabilidade da administração municipal. 
 
Historicamente, a aplicação da lei, incluindo a investigação dos crimes, 
pertencia à esfera privada, não à pública, e dependia da vontade das 
vítimas e dos recursos que elas pudessem angariar. Tanto em Atenas 
quanto em Roma, a vítima e seus familiares deviam investigar a autoria 
do crime sofrido e encontrar o culpado (Emsley, 2021). Em Londres, na 
segunda metade do século XVII, os caçadores-de-ladrões (thief-takers) 
eram pagos pelas vítimas para recuperar os bens roubados e para 
capturar e conseguir a condenação dos criminosos. 
 
Em suma, as funções atribuídas aos cargos equiparáveis aos de um 
policial dos nossos dias eram muito mais amplas do que as desses últimos como 
são previstas atualmente e, além de abranger atividades que hoje não são de 
competência das polícias, não eram nem mesmo todas consideradas da esfera 
pública governamental. 
Desse modo, o surgimento das polícias modernas está vinculado a três 
processos que foram acontecendo paralelamente ao longo do tempo: 
 
 
53 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
1º Processo: 
A progressiva aceitação pelo poder executivo da obrigação de prover 
segurança aos cidadãos e garantir a aplicação das leis, incorporando essas 
funções na esfera pública. Esse processo está intimamente ligado com a criação 
e o fortalecimento do Estado moderno (ver Módulo II, Aula I). Apesar da 
existência simultânea da segurança privada, o Estado foi desenvolvendo uma 
progressiva monopolização, e centralização, das organizações policiais. Até o 
ponto de que possuir uma polícia passou a ser considerada uma das 
características centrais do Estado moderno e um símbolo de progresso. 
 
2º Processo: 
A profissionalização crescente dos encarregados da lei e da ordem, que 
deixaram de ser cidadãos comuns e passaram a ser funcionários públicos pagos 
pelo seu trabalho. Eles começaram aser treinados especificamente para essa 
função e tiveram acesso a carreiras policiais dentro de instituições criadas ao 
efeito. 
 
3º Processo: 
A especialização progressiva das funções atribuídas aos encarregados de 
prover segurança. Essa especialização se deu em relação a várias dimensões, 
entre elas: 
1) a polícia foi ficando restrita à manutenção da ordem e a aplicação 
das leis, enquanto outras tarefas, que tinham mais a ver com o funcionamento 
efetivo da cidade, foram transferidas a outras instituições com mandatos 
diferenciados. 
2) o papel da polícia foi se concentrando na função executiva, e 
deixando de lado a legislativa e a judicial. Em alguns momentos da história, o 
conceito de polícia abrangia a capacidade de ditar normas e de decidir e aplicar 
castigos, isto é, contemplava funções legislativas e judiciais, embora de forma 
 
 
54 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
limitada. Com o tempo, a polícia foi ficando restrita ao poder executivo, perdendo, 
em tese, qualquer capacidade legislativa ou judicial. Isto significa que as polícias 
modernas carecem, em princípio, de qualquer função punitiva, a despeito da 
pressão significativa que com frequência enfrentam por parte da sociedade e dos 
governos para que apliquem punições. Contudo, numa sociedade moderna a 
decisão sobre punições cabe exclusivamente ao poder judicial e a sua aplicação, 
fundamentalmente ao sistema prisional. 
 
1.2 SEGURANÇA INTERNA VERSUS SEGURANÇA EXTERNA 
Na próxima aula, veremos os dois modelos pioneiros de criação da polícia 
na Europa, o francês e o inglês, com suas semelhanças e diferenças. Por 
enquanto, vale a pena acrescentar que, na criação do Estado moderno, além 
dos três processos antes mencionados vinculados ao surgimento da polícia 
moderna (caráter público, profissionalização e especialização), há outra 
evolução de grande importância para a constituição da polícia: a separação entre 
a segurança externa (ou segurança nacional) e a segurança interna (ou 
segurança pública). 
Historicamente, a segurança e a proteção contra inimigos internos ou 
externos eram uma coisa só. Progressivamente, exércitos nacionais foram 
sendo criados para enfrentar as ameaças provenientes de outros países e se 
iniciou um processo de profissionalização militar. No início do século XIX, o 
exército prussiano determinou que os oficiais não seriam mais pessoas de classe 
alta, mas aqueles que tivessem demostrado um melhor desempenho nas 
escolas militares ou no combate. A partir do exemplo prussiano, que teve um 
grande sucesso na guerra franco-prussiana de 1870, os exércitos se 
democratizaram, admitindo pessoas de todas as classes sociais em todas as 
posições de comando, e se profissionalizaram. 
Na mesma medida, foi crescendo a necessidade percebida de criar e 
fortalecer outra instituição, a polícia, especializada na ordem interna e na defesa 
da lei contra desordeiros e delinquentes. 
 
 
55 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
A doutrina militar parte do enfrentamento ao inimigo, como alguém 
externo à nossa sociedade. Mas se o exército lidava com inimigos que 
precisavam ser derrotados ou aniquilados, o perigo de enviar uma força militar a 
enfrentar revoltosos ou pequenos criminosos era causar um grande número de 
vítimas entre a população civil e, com isso, estimular ainda mais as revoltas. 
Como mostrou o exemplo inglês, que será apresentado em detalhe na próxima 
aula, um dos motivos para criar uma corporação policial diferenciada foi o de 
limitar os danos e promover a pacificação das populações, algo dificilmente 
possível através de um exército. Assim, enquanto o exército devia combater 
inimigos e aplicar toda a força necessária para tanto, a polícia devia enfrentar 
cidadãos suspeitos de terem cometido alguma transgressão, com uma força 
muito mais comedida, para que eles pudessem ser julgados, punidos e, 
finalmente, reintegrados à sociedade. 
Dessa forma, a especialização antes mencionada no processo de criação 
das polícias modernas incluiu também essa diferenciação entre uma instituição 
encarregada de enfrentar ameaças do exterior e outra com a missão de enfrentar 
ameaças internas, que incluíam desordens e crimes. 
 
1.3 A NATUREZA DO TRABALHO POLICIAL 
As polícias, a despeito do seu papel central no Estado moderno, não 
receberam historicamente muita atenção como objeto de análise. Apenas nos 
últimos 50 anos começaram a surgir pesquisadores dedicados especificamente 
ao estudo das organizações policiais e do fenômeno do policiamento. A maior 
parte desses autores procedem do mundo anglo-saxão e, em menor medida, do 
francófono. Em consequência, as teorias sobre polícia costumam estar 
baseadas nas realidades desses dois âmbitos geográficos e culturais. 
A polícia é uma organização presente em praticamente todos os países 
do mundo e todas as pessoas, se perguntadas, sabem identificar um policial. A 
sua onipresença, porém, não significa que a sua natureza ou sua função sejam 
fáceis de conceitualizar nem que exista uma definição universal do que seja a 
polícia. 
 
 
56 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Egon Bittner, um dos pioneiros no estudo da polícia, baseia sua definição 
da instituição policial em dois eixos: o uso potencial da força e a capacidade 
de atuar em emergências. 
Em relação ao primeiro eixo, ele argumenta que o papel da polícia é o de: 
 
 
“um mecanismo para a distribuição da força coercitiva não-
negociável empregada de acordo com os ditados de uma compreensão 
intuitiva das exigências situacionais” (Bittner, 1990:13). 
 
Na mesma linha, Brodeur afirma que: 
 
 
“os agentes policiais são parte de várias organizações conectadas 
que estão autorizadas para usar de formas mais ou menos controladas 
meios diversos, geralmente proibidos por lei ou regulação ao resto da 
população, para aplicar vários tipos de regras e costumes que promovam 
uma ordem definida na sociedade” (Brodeur, 2010: 130). 
 
Essa última definição não fala explicitamente de força, mas de meios 
proibidos às pessoas comuns. Além do uso da força, o direito de interceptar 
comunicações, por exemplo, poderia ser outro exemplo de meios que não estão 
legalmente à disposição dos indivíduos. 
Essa visão de polícia baseada no uso potencial da força encaixa 
perfeitamente com à de Max Weber, que define o Estado como 
 
“uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do 
uso legítimo da força física dentro de um determinado território” (WEBER, 
1982, p. 98) (ver conceito de legitimidade na Aula 5 desse módulo). 
 
 
57 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
De forma a acabar com a violência entre os indivíduos, resultado das 
disputas entre eles, o Estado assume a responsabilidade de resolver esses 
conflitos e de exercer, só ele, a força que for necessária para aplicar sua decisão. 
Isso deveria evitar uma espiral de vinganças e violências descontroladas entre 
as pessoas e, em função disso, pacificar a sociedade (ver Módulo II, Aula 1). 
 
A expectativa era que outorgar a legitimidade do uso da força apenas 
a essa força pública resultaria numa solução mais efetiva, mais profissional, 
mais justa e menos violenta para as desordens e os conflitos sociais. 
 
Obviamente, o monopólio da força não é absoluto, pois todas as 
legislações reconhecem o direito individual ao uso da força em casos de legítima 
defesa, mas é sobre-entendido que essa defesa é legítima enquanto o Estado 
ainda não se fizer presente e, em consequência, o indivíduo precisar se proteger 
com urgência por si mesmo até a chegada dos agentes públicos. Quando esses 
últimos chegarem, serão eles os encarregados de prover a força necessária para 
sustentara lei. 
 
O bordão “chama a polícia” aponta justamente o momento em que o 
indivíduo percebe que há um risco claro de violência e, nesse ponto, deve 
se omitir e chamar os profissionais. 
 
 
Há ainda circunstâncias em que o monopólio da violência legítima é 
questionado pela existência de outras legitimidades alternativas à do 
Estado. Por exemplo, nos casos de linchamentos em que pessoas 
enfurecidas capturam e torturam ou matam alguém supostamente 
responsável de ter cometido um delito. Essa violência não é legítima do 
ponto de vista das leis e do Estado, mas se beneficia do apoio, e 
consequentemente da legitimidade, popular. 
Na Prática 
 
 
58 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Por outro lado, há também uma grande controvérsia hoje em dia sobre se 
a proliferação da segurança privada em muitos países do mundo supõe ou não 
uma erosão desse monopólio da violência legítima do Estado. 
A ideia do monopólio da violência como um mecanismo pacificador se 
enquadra também dentro da concepção do processo civilizatório de Norbert 
Elias, que descreve como a humanidade tem feito um esforço para reduzir os 
níveis de violência entre os seres humanos nos últimos séculos e desenvolvido 
valores contrários a ela. Como veremos na próxima aula, a criação da polícia 
inglesa no século XIX está ligada, entre outras coisas, à vontade de evitar as 
mortes que provocava a intervenção do exército para reprimir conflitos civis. Mais 
uma vez, encontramos um propósito pacificador por trás da criação das polícias. 
A ideia-força da definição da polícia em termos da possibilidade do uso da 
força, que vem desde Bittner até nossos dias, não implica que a polícia deva 
usar a força de forma corriqueira ou muito menos intensa. Os pesquisadores que 
observaram o trabalho diário das polícias registraram que os incidentes do uso 
da força física eram bastante raros (Bayley & Garofalo, 1989). E, de fato, 
princípios internacionais estabelecem que a polícia deve tentar usar o mínimo 
grau de força possível, e ainda assim limitando os danos, na procura dos seus 
objetivos legítimos. Em suma, o elemento definidor não é nem deve ser a 
quantidade de força usada, mas a simples possibilidade de ela vir a ser usada. 
Bittner compara a capacidade de um policial para usar a força de forma legítima 
e competente à de um sacerdote para administrar sacramentos; trata-se de uma 
capacidade definitória e negada a terceiros. 
Idealmente, o fato de a polícia ser uma organização legal e bem treinada 
no uso da força deveria servir como um elemento dissuasório para diminuir a 
resistência a ela e, portanto, reduzir a probabilidade desse uso da força. 
Observe-se que a literatura policial prefere o termo “uso da força” ao de 
“violência” quando se refere ao trabalho policial, mas a rigor não há uma 
diferença conceitual entre ambas (Brodeur, 2003: 208). 
O segundo eixo central do conceito de Bittner é ver a polícia como uma 
organização que pode ser acionada em casos de emergência. Isso fica refletido 
de forma muito gráfica na sua descrição de que o papel do policial é intervir em 
situações em que: 
 
 
59 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
“alguma-coisa-não-deveria-estar-acontecendo-e-sobre-a-qual-
alguém-precisa-fazer-alguma-coisa-agora” (Bittner 1990: 249). 
 
 
Esse alguém é, obviamente, o policial. As emergências não estão 
necessariamente ligadas a delitos, ou a situações potencialmente violentas, e 
podem ser de natureza muito variada. Em Bolívia, alguns anos atrás, a escassez 
de gás tornou-se um problema e causou tensões na disputa pelos botijões. A 
polícia foi então incumbida de distribuir os botijões pela cidade. Observe-se que, 
na medida em que a polícia é chamada para intervir em emergências que não 
estão relacionadas com a criminalidade, isso vai na direção contrária da 
tendência antes descrita de especialização crescente das suas funções que, em 
tese, teriam sido restritas à aplicação da lei e à manutenção da ordem. 
Nesse sentido, Bittner (1990:263) analisa o contraste entre a função 
teórica das polícias modernas, isto é, a manutenção da ordem e a defesa da lei, 
e as atividades diversas que elas acabam levando a cabo. Essa contraposição 
não é simples para os policiais, que a vivem de forma conflituosa: 
 
 
 
Acreditando que a razão real para a sua existência é a perseguição 
perene de pessoas como Willie Sutton [um criminoso conhecido na época 
nos EUA] —para o qual ele carece tanto da oportunidade como dos 
recursos— o policial se sente obrigado a minimizar a significação dos 
exemplos do seu desempenho nos quais parece seguir os passos de 
Florence Nightingale [fundadora da enfermagem moderna na Inglaterra]. 
Temendo o papel da enfermeira ou, pior ainda, o papel do assistente social, 
o policial combina ressentimento contra o que ele tem de fazer no dia a dia 
com a necessidade de fazê-lo. E nesse percurso perde a sua verdadeira 
vocação”. (Bittner, 1990:263). 
 
 
60 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
1.4 UMA DEFINIÇÃO PROVISÓRIA DE POLÍCIA 
 
Após revisar o conteúdo das seções anteriores, poderíamos arriscar 
uma definição provisória e sempre sujeita a críticas e revisões. Assim, a 
polícia moderna seria uma instituição pública incumbida da missão de 
preservar a ordem e aplicar a lei, missão para a qual possui a prerrogativa 
de usar a força, como ultima ratio, sempre de acordo com as leis, em nome 
da sociedade e do Estado. O objetivo de aplicar a lei inclui corriqueiramente 
a prevenção dos delitos, a investigação dos crimes e a captura dos 
presumíveis responsáveis, mas exclui a princípio qualquer capacidade 
punitiva. 
 
Além dessas funções precípuas relativas ao crime e à ordem, as polícias 
são usualmente convocadas para atuar em situações diversas, particularmente 
em emergências, em função da sua disponibilidade e da sua capacidade de usar 
legalmente a força. 
A missão da preservação da ordem significa também a preservação do 
status quo. Nesse sentido, diversos autores avaliam que a polícia tende a ser 
uma instituição conservadora (Ericson, 1982), noção que se pode aplicar ao 
conjunto do sistema de justiça criminal e não apenas à polícia. Porém, isso não 
significa que a polícia não possa ser também um agente de mudança social. 
Assim, por exemplo, a chefa de polícia de uma cidade canadense deu uma 
entrevista para uma revista gay alguns anos atrás, como uma forma de combater 
o preconceito contra essa comunidade e favorecer a integração. 
 
 
 
 
61 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
AULA 2 – Os dois modelos básicos de polícia: defendendo o 
Estado versus defendendo os cidadãos. 
A polícia moderna, desde o seu nascimento, vive uma tensão entre dois 
grandes modelos: uma polícia pensada para defender o Estado ou o regime 
versus uma polícia desenhada para proteger os direitos dos cidadãos e para 
pacificar as relações entre eles, mais afastada, portanto, de preocupações 
políticas. Todas as polícias possuem, em alguma medida, ambos os polos, 
embora em proporções diferentes. 
Para introduzir esses dois modelos vamos apresentar inicialmente as 
duas polícias consideradas como as pioneiras da polícia moderna na Europa: 
1 a francesa no século XVII e 
2 a inglesa no século XIX, essa última também chamada de Nova Polícia 
(New Police). 
 
Esses dois casos, embora foram obviamente reais historicamente e 
influenciados pela realidade do seu tempo, podem nos servir também quase que 
como tipos-ideais, isto é, como formulações gerais de cada um dos dois 
modelos. Isso porque ambos representam bem os dois respectivos extremos 
desse continuum entre polícia para a preservação do Estado e polícia para a 
preservação dosindivíduos e dos seus direitos. 
 
2.1 A CRIAÇÃO DO TENENTE GERAL DE POLÍCIA (LIEUTENANCE 
GÉNÉRALE DE POLICE) NO SÉCULO XVII NA FRANÇA 
Em março de 1667, um decreto de Louis XIV, rei da França, criou a figura 
do Tenente Geral de Polícia (Lieutenance Générale de Police). Gabriel Nicolas 
de la Reynie, que ostentava o cargo de Mestre dos Pedidos à Casa Real (maîtres 
des requêtes), um cargo para o qual era preciso ter desempenhado o cargo de 
magistrado nas Cortes, foi a primeira pessoa designada como Tenente Geral de 
Polícia. 
O rei criou essa figura para integrar as funções policiais, particularmente 
no que se refere a Paris, numa única instância. Até esse momento, as funções 
estavam divididas entre um Tenente Civil (Lieutenant Civil) e um Tenente 
 
 
62 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Criminal (Lieutenant Criminel), o que gerava confusão e insatisfação. Diversas 
fontes históricas recolhem panfletos e poemas da época que descreviam uma 
grande falta de segurança nas ruas de Paris (Buisson, 1950: 16–17). 
Por outro lado, o decreto reconhecia que havia uma certa 
incompatibilidade entre as funções policiais e as judiciais, de forma que nenhum 
funcionário deveria ser responsável por ambas. Em decorrência disso, o 
funcionário encarregado da administração de justiça seria dali em diante o 
Tenente Civil (Lieutenant Civil). No entanto, como veremos em breve, o Tenente 
Geral de Polícia continuava conservando algumas funções que podemos 
considerar legislativas ou judiciais. A explicação é que o conceito de 
administração judicial estava reservado às faltas ou crimes mais graves, como 
aparecia com clareza na citação de Montesquieu no seu livro “O Espírito das 
Leis” que vimos na Aula 1. 
 
De fato, o Tenente Geral de Polícia, além do seu poder executivo 
como chefe de polícia, podia também decretar normas e regulações cujo 
descumprimento acarretava penas pesadas, e atuava como juiz em todos 
os assuntos que a lei não remetia necessariamente às cortes judiciais, 
aqueles de menor gravidade. Mesmo assim, o Tenente de Polícia tinha o 
poder de impor penas de prisão e inclusive a pena de morte. 
 
Essa concentração do poder de polícia numa única instância, numa única 
pessoa na realidade, inaugura em França uma tradição centralizadora que pode 
ser encontrada na segurança pública do país até os nossos dias (Brodeur, 2010: 
51). 
Embora o rei tenha criado a polícia como uma função e não como um 
conjunto de homens, o Tenente Geral de Polícia obviamente precisava de uma 
equipe para desenvolver seu trabalho. Ele tinha sob seu comando um número 
aproximado de 40 comissários (commissaires) responsáveis pelos diversos 
bairros de Paris. Como delegados do Tenente Geral, esses comissários também 
possuíam poderes judiciais e podiam conduzir julgamentos. Os comissários 
 
 
63 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
eram assistidos por uns 20 inspectores cuja principal missão era a vigilância. 
Todos eles, comissários e inspetores, podiam solicitar o apoio da Guarda de 
Paris, que possuía mais de 1.000 homens armados, alguns dos quais tinham 
treinamento militar. Na prática, era esse componente militar que andava 
uniformizado e usava a força quando necessário. 
 
De acordo com Lenoir, que foi nomeado Tenente Geral de Polícia no 
século XVIII como já foi mencionado, os inspectores por sua vez 
recrutavam informantes, que geralmente procediam da própria 
criminalidade, para obter informação (Lenoir, 1779: 154). Assim, 
prostitutas, donos de tabernas e de casas de apostas, entre outros, 
constituíam uma rede de indivíduos que mantinham a polícia bem-
informada do que acontecia. 
 
Williams, 1979: 202: 
Para além das suas múltiplas ocupações, a questão essencial é saber 
quais eram as prioridades do Tenente Geral de Polícia. Por um lado, alguns 
autores destacam seu papel de manutenção da ordem e de provisão de 
segurança para as pessoas, objetivos que se traduziam no patrulhamento 
ostensivo (Williams, 1979: 202). 
 
Clément, 1866: 72: 
Por outro lado, porém, diversos outros autores sublinham que a prioridade 
do Tenente Geral da Polícia era o controle da opinião pública (Clément, 1866: 
72). 
 
Bondois, 1936: 21: 
Assim, por exemplo, a Polícia se preocupava em combater a dissidência 
religiosa, inicialmente os jansenistas e posteriormente os protestantes, que 
foram proibidos pelo rei Louis XIV em 1685. Quando o famoso Tenente Geral La 
 
 
64 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Mare, já mencionado, recebeu uma pensão do rei, suas façanhas no posto foram 
glosadas. Nenhuma delas tinha a ver com crime violento, mas com fraude 
econômica, falhas no suprimento de alimentos à população, religião, matérias de 
Estado e censuras de livros (Bondois, 1936: 21). 
 
O ponto central para entender a polícia francesa é pensar que ela foi 
criada como um serviço auxiliar do rei. Desse modo, o poder de polícia é 
concebido como emanado diretamente do soberano. Em função disso, a 
manutenção do regime monárquico e da figura do rei é parte fundamental da sua 
missão. 
 
Para as monarquias absolutas do século XVII e XVIII o maior perigo 
não provinha dos delinquentes, mas das revoltas populares, muitas vezes 
relacionadas com a dificuldade de conseguir alimentos. 
 
 
Por isso, a garantia no fornecimento dos alimentos era uma questão tão 
sensível para a polícia. Ao mesmo tempo, a polícia se preocupava em combater 
as “ideias perigosas” como um requisito para a manutenção da ordem, ordem 
essa que precisa ser entendida não apenas como a ausência de atos vandálicos 
ou criminais, mas sobretudo como a manutenção do status quo político 
imperante. Para evitar o contágio dessas ideias, ideias estas que finalmente 
acabariam provocando a Revolução Francesa, algumas das estratégias usadas 
pela polícia incluíam a censura e o espalhamento de boatos falsos. Em suma, a 
polícia francesa do século XVII pode ser classificada como uma polícia política 
(ver Aula 2 do Módulo III). 
No dia a dia, o principal alvo da atuação policial desde 1667 até a 
Revolução Francesa era o lumpemproletariado3. Vadios que não trabalhavam, 
 
3 O lumpemproletariado é o termo usado para designar o conjunto de indivíduos que 
compõem a camada mais marginal e empobrecida da sociedade. Eles carecem de recursos 
regulares e de trabalho formal ou legal, além de consciência de classe. 
Você sabia? 
 
 
65 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
mendigos e trabalhadores informais que sobreviviam precariamente nas 
margens do mercado eram sempre suspeitos (Williams, 1979, cap. 5) por 
diversas razões. 
 
Em primeiro lugar: 
Vadios e mendigos eram considerados um símbolo de degradação moral. 
 
Em segundo lugar: 
Eles eram tratados como os suspeitos principais de cometerem crimes 
nas ruas da cidade. 
 
E, em terceiro lugar: 
Este contingente era visto como sempre pronto para aderir a uma revolta, 
que como vimos era o maior temor do regime. 
 
De acordo com Brodeur (2010), o sistema de justiça criminal francês do 
Antigo Regime procurava a prevenção a partir de quatro elementos: 
 
1 leniência, de forma que os magistrados preferiam optar por admoestações 
e soluções não penais; 
2 procura de postos de trabalho para as pessoas, como forma de evitar o 
que era considerado como o principal fator de risco; 
3 vigilância da população como instrumento central. Observe-se que 
enquanto no modelo inglês a vigilância era exercida através do 
patrulhamento ostensivo e uniformado, como será apresentado mais 
adiante, na França a vigilância era desenvolvida por meio do recrutamento 
de informantes não ostensivos, isto é, de forma oculta e reservada; e 
4 Controle da opinião pública, como jáfoi abordado. 
 
 
 
66 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Depois da Revolução Francesa, essa contraposição tradicional entre uma 
polícia que se ocupava dos assuntos do Estado e uma polícia que se ocupava 
dos crimes de rua e da regulação do cotidiano deu lugar a dois termos 
característicos na literatura francesa: alta polícia (“Haute Police”) e baixa polícia 
(“Basse Police”). 
 
Alta polícia (“Haute Police”): 
A primeira se concentra na proteção do Estado e em atuações de cunho 
político para proteger o regime sob a chamada “razão de Estado”. 
 
Baixa polícia (“Basse Police”): 
A segunda lida com crimes comuns e desordens nas ruas. 
 
Pelos próprios termos utilizados é claro que a primeira é considerada mais 
relevante e a segunda é vista como secundária. Os elogios ao desempenho do 
Tenente La Mare anteriormente mencionados também evidenciavam que os 
serviços policiais reconhecidos como de grande importância eram aqueles 
funcionais para a preservação do regime. 
O fato de a polícia ser um órgão do rei podia também, em ocasiões, 
representar alguma vantagem para a população. Assim, enquanto na Inglaterra 
as acusações contra os suspeitos de cometerem crimes dependiam 
fundamentalmente da atuação das vítimas, na França o policiamento era todo 
ele considerado um assunto de lei pública e as cortes não dependiam tanto da 
acusação da vítima, considerando que qualquer crime contra um terceiro era, ao 
mesmo tempo, um crime contra o rei (Beattie, 2001). 
 
2.2. ACRIAÇÃO DA POLÍCIA METROPOLITANA DE LONDRES 
(METROPOLITAN POLICE) NO SÉCULO XIX NA INGLATERRA 
Em 1829 Sir Robert Peel, o Ministro do Interior (Home Secretary), 
consegue aprovar no Parlamento a Lei da Polícia Metropolitana (Metropolitan 
Police Act) que criava a Polícia Metropolitana para Londres. Até esse momento, 
 
 
67 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
o policiamento na cidade estava a cargo de diversas agrupações, como os 
“constables”, já descritos acima, os vigilantes da noite, os “beadles” e os “city 
marshals” (Beattie, 2001: 122). E, em caso de revoltas, os militares eram 
chamados. Por outro lado, o papel dos caçadores de ladrões (thief-takers), pagos 
pelas vítimas, seguia sendo fundamental para capturar criminosos. Existia 
também a suspeita de que muitos desses caçadores de ladrões atuavam de fato 
em conluio com os próprios delinquentes. Esse policiamento através de tantos 
grupos diferentes e descoordenados era considerado insatisfatório e uma 
proposta de lei de reforma policial já tinha sido apresentada em 1785, sem 
sucesso. 
Três são os motivos principais alegados para a reforma policial que foi 
finalmente bem-sucedida em 1829: 
1 a necessidade de coordenação e de centralização do policiamento; 
2 o clima de desordem e insegurança, principalmente em relação aos 
crimes contra a propriedade, imperante nas ruas de Londres; e 
3 o alto número de vítimas fatais que aconteciam quando os militares eram 
chamados para reprimir distúrbios civis. 
 
A diferença medular entre o modelo de polícia inglês e o francês pode ser 
observada já desde o instrumento da sua criação: um decreto do rei em França 
e uma lei aprovada no Parlamento na Inglaterra. A Inglaterra de 1829, 
diferentemente da França de 1667, era uma monarquia parlamentar onde o rei 
reinava, mas não governava. Além disso, quase dois séculos tinham se passado 
entre esses dois momentos, a estrutura social dos países europeus tinha se 
transformado com o ascenso da burguesia em detrimento da aristocracia, e o 
mundo inteiro tinha sido abalado pelas ideias do Iluminismo. A burguesia inglesa, 
dominante no início do século XIX, tinha evitado até esse momento o surgimento 
na Inglaterra justamente de uma “polícia do rei” nos moldes da França (Mulone, 
2019: 216), para evitar ser submetida. 
 
 
 
68 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Em suma, enquanto a polícia francesa tinha como objetivo central a 
manutenção do regime, a polícia inglesa foi criada para preservar a ordem 
e a paz entre os cidadãos, e para combater a delinquência comum. 
 
A Nova Polícia criada em 1829 era conformada por um grupo de homens 
sob comando único que vestiam uniforme azul, para diferenciá-los do uniforme 
vermelho do exército, patrulhavam a pé e carregavam como arma, com algumas 
exceções, apenas um cassetete de madeira. A despeito das mudanças 
históricas, o conceito do policial desarmado subsiste basicamente até hoje no 
Reino Unido. 
Os policiais, chamados “bobbies” em referência a Sir Robert Peel, tinham 
como missão apreender delinquentes e desordeiros, mas, sobretudo, prevenir a 
ocorrência de crimes através do patrulhamento ostensivo. Se a vigilância na 
França era desenvolvida por informantes anônimos, o que era imprescindível 
para detectar possíveis crimes políticos ou ideias contrárias ao regime, na 
Inglaterra era o policial uniformado quem vigiava e dissuadia delitos comuns com 
a sua presença. Apenas em 1842, a Polícia Metropolitana criou um 
departamento de investigação criminal com detetives não uniformizados, devido 
ao receio de que a nova polícia dependesse de espiões ou informantes, tal como 
a polícia francesa (Wade, 1829: 358). 
Grande ênfase foi colocada na necessidade de que os novos policiais 
tivessem uma moral ilibada, de tal forma que houve muitas expulsões de agentes 
no início, a grande maioria por causa de serem surpreendidos bêbados (Taylor, 
1998: 89–95). Paralelamente, foram criados mecanismos e comissões oficiais 
para controlar possíveis abusos e exercer o controle externo da organização 
policial. 
A criação da Nova Polícia aprofundou a tendência à especialização da 
função policial. Apesar de que a polícia conservou algumas tarefas que não eram 
sempre estritamente criminais, ela passou a ser vista não mais como um sistema 
autônomo de governança da cidade e sim como um braço do sistema de justiça 
criminal. 
A partir desse momento, a palavra polícia passou também a designar um 
conjunto de pessoas dedicadas profissionalmente a preservar a ordem e a fazer 
 
 
69 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
cumprir a lei, uma organização com essa missão, e não apenas uma função 
como acontecia anteriormente. Para a função se reserva agora o termo 
policiamento, palavra que, no entanto, não existe em todas as línguas. 
Na Inglaterra, o novo modelo policial teve um impacto enorme sobre as 
acusações criminais, que passaram a depender majoritariamente do trabalho e 
das decisões da polícia, deixando para atrás o modelo dos caçadores de ladrões 
e a dependência da iniciativa das vítimas. 
O fato de a Polícia Metropolitana de Londres ter sido a primeira polícia 
moderna a ser criada para a proteção da sociedade e de, em função disso, ter 
servido de modelo para muitas outras polícias em países democráticos no 
mundo, provoca às vezes uma certa idealização dos “bobbies”. Assim, proteger 
a população não significava respeitar os direitos de todos os grupos sociais por 
igual de forma democrática. 
 
Os alvos principais da polícia britânica não eram muito diferentes 
dos da polícia francesa e se concentravam nas camadas mais humildes da 
sociedade: prostitutas, bêbados e vadios. 
 
 
 
De acordo com a própria lei de criação de 1829, o policial podia 
“prender todas as pessoas ociosas, vadias e desordeiras que ele 
encontrasse perturbando a paz pública ou de quem ele tivesse justa causa 
para suspeitar de intenções malignas” (Metropolitan Police Act, 10 Geo. 4. 
chap. 44, sect. 7). 
 
 
Desse modo, a detenção discricionária e arbitrária era comum, embora 
não com intenções diretamente políticas (Beattie, 2001: 97–98). 
 
Na Prática 
 
 
70 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e osProfissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
2.3. UMA POLÍCIA PARA PROTEGER OS CIDADÃOS VERSUS UMA 
POLÍCIA PARA PROTEGER O GOVERNO 
 
Como acabamos de ver, os modelos francês e inglês servem bem para 
exemplificar os dois extremos desse continuum relativo ao objetivo central da 
polícia: proteger os cidadãos versus proteger o sistema político da ameaça vinda 
dos próprios cidadãos. 
Obviamente, as polícias dos países democráticos se situam e devem se 
situar muito mais perto do primeiro polo do que do segundo. Aqui é preciso fazer 
uma distinção fundamental entre proteção do sistema político e proteção do 
governo que ocupa o poder num certo momento. 
 
Nenhuma polícia democrática deve ter como objetivo a preservação 
do governo atual, embora não seja raro que elas sofram pressão para agir 
de uma forma que convenha ao governante, considerando que são parte 
do poder executivo e devem obediência a ele (ver Aula 1 do Módulo III). 
 
Paralelamente, todas as polícias do mundo, inclusive as dos países 
democráticos, dedicam parte do seu tempo a monitorar e desativar ameaças ao 
sistema político, por exemplo, golpes de estado ou tentativas de intimidar ou 
atacar aos cargos públicos. Todas as legislações, incluindo as dos países 
democráticos, possuem dispositivos que criminalizam a tentativa de derrubar os 
poderes constituídos pela força. 
Em consequência, todas as polícias possuem elementos do modelo 
francês e do modelo inglês em alguma medida (Mulone, 2019: 216). Porém, as 
polícias dos países democráticos apresentam grandes diferenças e vantagens 
em comparação com as dos países autoritários. 
 
Em primeiro lugar: 
Os níveis de legitimidade dos sistemas políticos democráticos costumam 
ser muito mais elevados (ver Aula 5 desse Módulo I), o que facilita enormemente 
 
 
71 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
o trabalho da polícia, que pode contar, com maior probabilidade, com o apoio da 
população. Ela não precisa ser temida para ter respeito dos cidadãos. 
 
Em segundo lugar: 
A esfera do que é politicamente proibido e, portanto, reprimido, é muito 
maior nos sistemas autoritários, onde por exemplo, manifestações públicas, ou 
inclusive a expressão de ideias contrárias ao governo, não são toleradas. Isso 
magnifica exponencialmente a tarefa de uma polícia destinada a conter os 
descontentes. Nos regimes democráticos, a fração de tempo que as polícias 
dedicam a prevenir ou combater crimes políticos é muito pequena, e o resto do 
tempo pode ser empregado na luta contra a criminalidade comum. O contrário 
acontece nas ditaduras onde, não raro, a criminalidade comum é secundária 
para as forças de segurança pública desde que não perturbe o sistema. 
 
Em primeiro lugar: 
Os regimes democráticos se caracterizam pelo respeito ao estado de 
direito, de modo que as polícias devem se pautar sempre pela lei. Isso permite 
aos policiais se recusarem a obedecer a ordens do executivo que extrapolem os 
limites legais e, inclusive, os limites técnicos. Por exemplo, as polícias podem se 
negar a seguir indicações de como reprimir uma manifestação opositora ou um 
motim prisional, se elas não se ajustarem às diretrizes técnicas contidas nos 
protocolos de atuação policial para manifestações ou motins. Em regimes 
autoritários não costumam existir limites quanto ao que a polícia pode ou não 
fazer, nem quanto ao que os governos podem exigir das polícias. 
 
 
 
 
 
72 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 3 - A DOUTRINA POLICIAL ENTRE O COMBATE AOS 
CRIMINOSOS E A PROTEÇÃO DO CIDADÃO 
Nas aulas anteriores vimos uma oposição essencial para entender a 
polícia: uma instituição para proteger o poder político versus uma instituição para 
defender os cidadãos. 
Dentro desse último paradigma de uma polícia para proteger os cidadãos, 
cabe estabelecer outra polaridade de grande relevância: uma polícia para 
combater os criminosos versus uma polícia para proteger os cidadãos. Ou, dito 
de outra forma, uma polícia para limitar direitos versus uma polícia para defender 
direitos. Essa antinomia só cobra sentido se a polícia tiver como objetivo geral a 
proteção do cidadão, pois ela torna-se irrelevante se a sua meta for preservar o 
governo ou o regime. Nesse último caso, a instituição operará sempre 
restringindo os direitos individuais para assim defender os titulares do poder. 
A princípio, poderia parecer que a oposição aqui colocada é carente de 
sentido ou redundante, pois para proteger os cidadãos é preciso com frequência 
reprimir os criminosos. Ou seja, para defender os direitos de uns cidadãos é 
preciso limitar os direitos de outros. No fundo, é isso o que uma boa polícia 
teoricamente faz, restringe os direitos de alguns para preservar os da grande 
maioria. 
Entretanto, a diferença radica na ênfase que a instituição coloca em um 
ou outro extremo. 
Polícia pensada fundamentalmente para combater os delitos: 
Terá como objetivo central a identificação e prisão dos responsáveis, isto 
é a repressão ao crime, e, provavelmente, deixará a prevenção e a segurança 
dos cidadãos em segundo plano. Nesse cenário, as prisões e apreensões 
costumam ser os indicadores básicos de desempenho policial. 
 
Polícia desenhada para a proteção dos cidadãos: 
Considerará sobretudo o bem-estar deles, mesmo que isso signifique 
permitir que alguns autores de delitos, sobretudo delitos menores, continuem 
 
 
73 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
soltos. Essa polícia deverá priorizar aquilo que realmente gera insegurança na 
população e dedicar menos esforços a condutas que não provocam medo, 
mesmo que constituam crimes. Por outro lado, privilegiará a prevenção sobre a 
captura de meliantes, pois nada protege melhor a comunidade do que evitar os 
crimes, ao invés de ter que correr atrás dos responsáveis a posteriori. 
 
Há situações concretas em que a diferença entre ambos os enfoques fica 
patente. Num congresso sobre segurança pública em Belém do Pará uma 
pessoa relatou um incidente em Buenos Aires, quando correu um boato de que 
seriam vendidas entradas para um show dos Rolling Stones num shopping 
center do centro da cidade. Concentraram-se lá milhares de pessoas que ficaram 
frustradas quando souberam que a informação sobre a venda de entradas não 
era verdadeira. Houve quebra-quebra, algumas vitrines de lojas foram 
quebradas e produtos foram furtados. Quando a polícia chegou ao local, avaliou 
que se tentasse intervir contra os autores dos furtos poderia gerar uma 
debandada que poderia provocar graves consequências. Por isso, optou por 
esvaziar completamente o shopping, direcionando todas as pessoas para a 
saída, sem se ocupar, nesse primeiro momento, dos furtos. Na hora das 
perguntas, um policial brasileiro inquiriu se a polícia argentina aceitava a 
impunidade em relação aos crimes contra a propriedade, sugerindo que 
deveriam ter tentado prender os responsáveis. Para esse policial, provavelmente 
o combate aos criminosos era a prioridade que deveria pautar a intervenção 
policial, e a preocupação com a possibilidade de provocar feridos na debandada 
que poderia ter acontecido era secundária. 
 No Brasil, não é incomum que as polícias desenvolvam operações contra 
grupos criminosos que desembocam em tiroteios em áreas densamente 
povoadas, gerando sérias consequências negativas para a vida dos moradores 
(impossibilidade de trabalhar, assistir a escola ou receber tratamento médico) 
além de colocá-los sob risco de serem atingidos por balas perdidas. 
 
Nesse sentido, um policial guardião precisa, antes de deflagar 
qualquer operação policial, avaliar o risco para as pessoas que moram 
 
 
74 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
nessasregiões, de forma a não gerar mais custos sociais do que 
benefícios. 
 
Outra situação bastante comum é aquela em que um policial se depara 
com criminosos num contexto inesperado e em inferioridade numérica. Tentar 
intervir poderia colocar o policial e a população ao redor em situação de risco, 
por isso pode ser melhor optar por um recuo tático, acompanhando os 
delinquentes de longe e pedindo reforços. De forma geral, uma superioridade 
numérica por parte da polícia permite um menor emprego da força e uma maior 
segurança para os envolvidos. Mas para policiais concentrados no combate ao 
crime, o recuo pode ser considerado uma falha técnica ou moral, ou até ser 
classificado como prevaricação. 
Por outro lado, a discricionariedade no trabalho policial, que será 
abordada em detalhe na próxima aula, tende a ser entendida de forma diferente 
por aqueles que entraram na polícia basicamente para enfrentar bandidos, em 
comparação com os que privilegiam a proteção da cidadania. 
 
 
“Pois pessoas que tem escolhido a polícia como a sua carreira —
sob o suposto de que consiste em lutas contra as forças do mal e com a 
compreensão de que serão livres para fazer em cada encontro específico 
aquilo que as circunstâncias demandarem segundo o seu próprio 
julgamento— devem ver cada restrição regulatória e cada tentativa de 
monitoramento como uma mudança fundamental nas condições do seu 
emprego.” (Bittner, 1984: 211). 
 
De fato, diversas subculturas policiais privilegiam noções como o risco, a 
masculinidade assertiva e o heroísmo que parecem ter muito mais a ver com a 
luta contra criminosos do que com proteção do cidadão. Na mesma linha, a 
tentativa de introduzir modelos de polícia comunitária muitas vezes enfrenta 
resistências de policiais que acreditam que isso não é uma verdadeira polícia, 
 
 
75 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
pois esta última precisa de criminosos para serem combatidos. Numa pesquisa 
para avaliar a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio 
de Janeiro, um sargento entrevistado que era contrário a esse novo modelo 
policial de proximidade assinalava que, mesmo assim, às vezes havia 
ocorrências “boas” que devolviam a ele a sensação de retornar à “verdadeira 
polícia”. Para ele, a vocação autêntica da polícia parece ser a de trocar tiros com 
bandidos: 
 
 
“Teve uma ocorrência boa nossa. Patrulhamento ali, ô. Foram três 
elementos, vieram lá do [nome de outra comunidade] pra assaltar ali. A 
viatura estava fazendo uma abordagem ali, eles passaram voados. A 
viatura foi até trocar tiro com a minha viatura. Resumindo: morreu um, 
morreu um elemento e foram dois presos, e dois carros recuperados e duas 
armas apreendidas. [...] Então, foi feita aquela ocorrência boa, deu até 
manchete porque era uma coisa boa. E é feito TRO (Talão de Registro de 
Ocorrência), tudo legal.” (Cano, Borges & Ribeiro, 2012: 153) 
 
Um elemento que estimula a visão do policiamento como luta contra os 
criminosos é a percepção dicotômica e maniqueísta da sociedade, que se 
dividiria em dois grupos claramente diferenciados e antagônicos: os “cidadãos 
de bem” e os “bandidos”. Considerando que esses últimos são considerados 
fatalmente inclinados ao delito, a única solução seria o combate sem quartel 
contra eles como forma de proteger os primeiros. Os cidadãos de bem, por sua 
vez, não apresentariam risco algum de se verem envolvidos em atividades 
ilícitas, pois eles seriam, por definição, bons. Em consequência, quando a 
sociedade é percebida dessa forma, a probabilidade de que a polícia seja 
concebida como uma cruzada contra os criminosos é muito maior. Na verdade, 
todos os cidadãos podem cometer um delito em algum momento das suas vidas 
em função das circunstâncias e ninguém pode ser permanentemente excluído 
dessa possibilidade. Paralelamente, pessoas hoje envolvidas em atividades 
ilícitas podem ser ressocializadas e abandonar a vida do crime. 
 
 
76 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
3.1. POLÍCIA COMO CONTROLE SOCIAL VERSUS POLÍCIA COMO 
SERVIÇO SOCIAL 
Quando a polícia existe para preservar o regime ou o governo, como 
vimos na aula 2 desse módulo, a sua função precípua é o controle social dos 
indivíduos para evitar a subversão. Mas mesmo quando a meta central é a 
proteção do cidadão, esse objetivo pode tentar ser atingido através do controle 
das pessoas, agora não com fins políticos, mas para evitar a criminalidade. 
 
 
Esse controle se exerce preferentemente, mas não exclusivamente, 
sobre grupos e camadas sociais considerados suspeitos de cometerem 
crimes. 
 
Muitas polícias no mundo funcionam sob esse paradigma de controle 
social. Não raro, as populações por elas policiadas temem a polícia, a quem 
consideram uma instituição criada para controlá-las. A suspeita, portanto, opera 
em ambas as direções, da polícia em relação aos cidadãos e desses últimos em 
relação à polícia. 
 
Na tradição dos países latinos: 
os prenomes da polícia costumam ser “força” (força policial ou força pública) ou 
“corporação”, ambos reforçando a noção do controle como objetivo primordial. 
 
Já na tradição anglo-saxã: 
que bebe da experiência pioneira dos ‘bobbies’ londrinos apresentada na aula 2 
desse módulo, o prenome da polícia costuma ser “serviço”: serviço policial 
(police service). Obviamente, tal nome não garante uma polícia de qualidade, 
mas o seu significado transmite a concepção da polícia como uma instituição a 
serviço dos cidadãos, que seriam a sua clientela. 
Na Prática 
 
 
77 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
As implicações simbólicas do conceito de serviço policial não podem ser 
desconsideradas. 
 
Em primeiro lugar: 
Se a sociedade é a sua clientela, espera-se que a polícia tente satisfazer 
essa clientela e que, para tanto, assuma as prioridades dela como próprias. Em 
diversos países de tradição anglo-saxã, como a Austrália, a avaliação de 
desempenho da instituição policial incorpora como um dos seus indicadores 
centrais a percepção dos cidadãos em relação à instituição e avaliação que 
fazem do seu trabalho. Não poderia ser considerada uma polícia de boa 
qualidade aquela que deixa seus cidadãos, a sua clientela, insatisfeitos, mesmo 
no suposto de que a incidência criminal seja baixa. 
 
Em segundo lugar: 
Se a polícia é um serviço aos cidadãos, ela deve a eles total transparência 
e uma prestação de contas (accountability) detalhada (ver Aula 1 do Módulo 3). 
Sigilo e opacidade não combinam com essa visão. 
 
Em primeiro lugar: 
E talvez isso seja o mais importante, a ideia de serviço policial altera a 
relação de poder entre a cidadania e a polícia. Se uma polícia desenhada como 
um mecanismo de controle sobre os cidadãos tende a se colocar numa posição 
de superioridade, espera-se que uma polícia concebida como serviço outorgue 
preeminência hierárquica à própria sociedade ou, como muito, se situe numa 
posição de igualdade, considerando que os policiais são também cidadãos e 
membros da sociedade que devem proteger. 
 
Em suma, embora a eleição dos termos usados para definir a polícia 
(força, corporação, serviço etc.) responda a razões linguísticas e culturais de 
longa data, eles traduzem também valores que refletem qual é o papel da 
 
 
78 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
instituição na sociedade e qual a sua posição na hierarquia social. Se bem muitos 
países latinos assumiram o lema de “servir e proteger” como inspiração, eles o 
fazem desde o conceito de uma força ou uma corporação policial. O conceito de 
corporação, especificamente, aponta à solidez e à estrutura interna da instituição 
mais do que a sua função perante a sociedade. 
 
Obviamente, nãobasta mudar o nome para mudar a natureza de 
uma instituição, mas a importância simbólica dos termos não pode ser 
desprezada. 
 
3.2. POLICIAL GUERREIRO VERSUS POLICIAL GUARDIÃO 
Dois termos que encarnam bem a dicotomia apresentada na seção 
anterior são os de “policial guerreiro” e “policial guardião”. 
 
Policial guerreiro: 
O policial guerreiro vai um passo mais longe na direção antes descrita de 
uma polícia para combater a criminalidade, pois considera que esse combate é, 
de alguma forma, uma guerra. 
O policial guerreiro se caracteriza por uma doutrina de enfrentamento ao 
inimigo, voltando atrás na tendência histórica que separou as polícias dos 
exércitos. Ele tem como prioridade o combate a um inimigo que precisa ser 
derrotado. O uso de equipamentos e táticas de tipo militar na segurança pública 
seriam características frequentemente associadas a esse modelo. 
 
Policial guardião: 
Pretende sobretudo proteger os cidadãos. A luta contra os criminosos 
seria uma meta secundarizada em relação à primeira. De novo, a prevenção 
encaixa perfeitamente nessa visão, pois a ausência de violência e do crime é a 
melhor proteção que pode ser oferecida. 
 
 
79 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Já a prevenção não faz muito sentido para o policial guerreiro, pois ele 
deve enfrentar um inimigo que em geral já foi plenamente definido e identificado. 
Da mesma maneira que nas seções anteriores, a percepção dicotômica e rígida 
da sociedade entre cidadãos de bem e bandidos fortaleceria a aposta por este 
tipo de policial. 
Noutro sentido, a noção de policial guerreiro reforça a ideia do 
patrulhamento ostensivo em lugares públicos (o “campo de batalha”) e se afasta 
da investigação policial, que não precisa de guerreiros, mas de detetives. 
Portanto, a aposta pelo policial guerreiro é também uma aposta pela 
ostensividade em detrimento da investigação criminal. 
Nas últimas duas décadas o conceito do policial guerreiro tem sido muito 
discutido nos EUA, especialmente após os atentados de 11 de setembro de 
2001. O primeiro resultado dos atentados foi que a ênfase em medidas e políticas 
antiterroristas acabou minando a distinção entre segurança interna e externa. 
A discussão sobre o policial guerreiro está, nos EUA, fortemente 
imbricada com a polémica sobre a militarização das polícias. 
Segundo Balko (2013: 46), a militarização da polícia começou nos 
Estados Unidos já nos anos 60 e foi intensificada nos anos 80, durante a guerra 
contra as drogas, para receber posteriormente outro novo impulso depois do 11 
de setembro de 2001. Em 1965, houve revoltas populares no bairro de Watts, 
em Los Angeles, que duraram vários dias e causaram perdas de vidas e enormes 
danos materiais. A polícia enfrentou coquetéis-molotov e disparos isolados. Em 
consequência, a polícia de Los Angeles (LAPD) pediu conselho ao exército sobre 
como enfrentar essas situações e criou um dos primeiros grupamentos de 
operações especiais dentro de uma organização policial: o chamado SWAT. 
 
 
O acrônimo inicialmente queria dizer Special Weapons Attack Team 
(Time de Ataque com Armas Especiais), mas depois veio a ser conhecido 
de forma mais moderada como Special Weapons and Tactics (Armas e 
Táticas Especiais). 
Você sabia? 
 
 
80 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Esse grupamento passou a ter armamento mais poderoso e treinamento 
militar, incluindo táticas militares. Assim, a criação do SWAT foi inspirada por 
uma doutrina de contra-insurgência urbana, isto é, do combate contra a 
insurgência política. Seus integrantes foram treinados para lidar tanto com 
revoltas generalizadas quanto com atiradores que se atrincheiravam para causar 
o maior número de vítimas, como aconteceu na Universidade do Texas, em 
Austin, em 1966. Esse tipo de incidente de lá para cá tornou-se, infelizmente, 
frequente. Em pouco tempo, os grupos SWATs se estenderam por todo o país. 
Uma pesquisa publicada a finais dos anos 90 mostrava que 89% das cidades 
estadunidenses com mais de 50.000 habitantes tinham um grupamento SWAT, 
o dobro do percentual registrado em 1980 (Kraska & Kappeler, 1997). Inclusive 
65% das cidades com população entre 25.000 e 50.000 possuíam também um 
grupo SWAT. Em outras palavras, o modelo SWAT tinha se universalizado. 
E não era só que os grupos de operações especiais fossem mais 
frequentes, eles eram também crescentemente utilizados, inclusive em 
operações que não tinham nada a ver com o propósito original. Em muitas 
ocasiões, o SWAT era usado para policiamento de rotina, como uma forma de 
intimidar pessoas em lugares considerados perigosos ou indivíduos que 
tivessem cometido ou pequenas transgressões. 
 
 
“Usamos patrulhas de saturação em pontos quentes. Fazemos muito 
do nosso trabalho com a unidade SWAT porque temos armas maiores. 
Enviamos dois carros, com dois a quatro agentes em cada um, procuramos 
transgressões menores e pulamos, seja nas pessoas na rua ou nos 
automóveis. Depois de pularmos, o segundo carro fornece cobertura 
periférica com exibição ostentosa de armamento. Estamos enviando uma 
mensagem clara: se os tiroteios não pararem, vamos atirar em alguém.” 
(Kraska & Kappeler, 1997: 10). 
 
Os membros do SWATs estavam fortemente armados, com um 
equipamento defensivo e ofensivo que impressionava, e eram considerados a 
 
 
81 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
“elite policial”, o que marcava fortemente a instituição policial para além das 
intervenções desses grupos. Por outro lado, a lei norte-americana permitia que 
o exército repassasse seus equipamentos excedentes às organizações policiais, 
o que facilitava o acesso dessas últimas a armamentos militares (Simckes et al., 
2019). 
Outro ponto de grande importância é que a formação nas academias de 
polícia se inspirava nesse modelo do policial guerreiro, privilegiando o 
treinamento físico e as técnicas de uso da força e deixando de lado o ensino de 
habilidades comunicacionais e de procedimentos de desescalada das tensões 
(Rahr & Rice, 2015). Além disso, o treinamento para produzir policiais guerreiros 
tornou-se muito hierárquico e autoritário, exigindo dos recrutas a obediência de 
um soldado e o submetimento automático, atitudes que o novo policial tendia a 
reproduzir com os cidadãos uma vez acabada sua formação. 
Stoughton (2016) considera que a mentalidade do guerreiro possui, 
idealmente, características muito positivas como a tenacidade, a vontade de 
enfrentar qualquer obstáculo e a disposição ao sacrifício por uma causa, 
características que ele resume em quatro traços: 
1 honra, que se traduz em um estrito código moral pensado para servir a 
outros, de preferência aos mais débeis que não podem se defender por si 
mesmos; 
2 sentido do dever, mesmo quando demande sacrifícios pessoais; 
3 determinação para enfrentar as dificuldades e para obedecer ordens, 
inclusive quando não estejam de acordo com o conteúdo delas; e 
4 disposição a exercer uma violência justa contra o mal, que é visto como 
inevitável e omnipresente. 
 
O autor tenta também entender as razões da forte atração da figura do 
policial guerreiro para os policiais no país e oferece vários motivos: 
1 ele é visto como um bastião essencial para proteger a sociedade e, com 
isso, o agente se sente importante e imprescindível; 
2 é uma posição exclusiva, que não está ao alcance de todos, pois é preciso 
possuir diversas virtudes para poder desempenhá-la; 
 
 
82 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
3 é um conceito que reduz a dissonância cognoscitiva (isto é a contradição 
percebida pelo indivíduo) entre a função ideal que se supõe que realiza a 
polícia e a sua realidade no dia a dia. Assim,os policiais se veem a si 
mesmos como os ‘mocinhos’ das disputas, mas algumas das suas ações 
não encaixam bem nesse papel, e o ideal do guerreiro ajuda a diminuir 
esse contraste; e 
4 é um modelo que recebe apoio externo, ao menos de parte importante da 
população que subscreve essa filosofia e às vezes a demanda. 
 
Entretanto, a despeito das suas virtudes teóricas, o modelo do policial 
guerreiro acaba, na prática, provocando diversos efeitos negativos. Durante o 
treinamento, o policial guerreiro é ensinado a desconfiar de tudo e de todos e a 
ver a qualquer cidadão como uma possível ameaça. Transmitem-lhe que essa é 
a melhor forma de reduzir os riscos contra sua pessoa num mundo que seria 
essencialmente hostil. No entanto, essa atitude provoca hipervigilância e 
agressividade, e tensiona as relações com as pessoas. 
A consequência é que o culto ao policial guerreiro provocou a deterioração 
da relação com a comunidade, a desconfiança dos cidadãos aos quais devia 
servir (Stoughton, 2014) e, em última instância, a deslegitimação da instituição 
policial (ver Aula 5 desse módulo). Décadas de investimento no paradigma da 
polícia comunitária ficaram comprometidas pela proliferação do policial guerreiro 
nos EUA, com os efeitos subsequentes, especialmente na relação entre minorias 
étnicas e as polícias. 
O policial guerreiro, que desconfia de todos, não consegue estabelecer 
uma relação horizontal com o cidadão, muito menos uma relação de serviço. 
Espera submissão dele e, quando não a consegue, tende com maior facilidade 
à confrontação e ao uso da força, muitas vezes de forma desnecessária. O 
resultado é que um modelo que foi desenhado em tese para aumentar a 
segurança do policial acaba provocando um aumento do risco de ferimentos não 
apenas para as pessoas comuns, mas também para o próprio policial. 
O policial guerreiro e a visão militarizada da segurança pública têm sido 
usados também para justificar abusos policiais ou condutas extralegais. Embora 
os conflitos bélicos possuam normas precisas, codificadas no Direito 
 
 
83 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Internacional Humanitário, muita gente ainda está convencida de que tudo vale 
numa guerra e, portanto, abusos devem ser ignorados ou perdoados. 
 
Para tentar retornar a um paradigma do policial guardião, Stoughton 
(2014) oferece duas recomendações centrais. 
Primeira recomendação central: 
A primeira é estimular os policiais, desde a academia, a manter contatos 
com os cidadãos que não estejam relacionados diretamente com a aplicação da 
lei. Em outras palavras, deve-se encorajar os agentes a conversar informalmente 
com as pessoas em situações que não sejam revistas, buscas, multas, prisões, 
interrogatórios ou paradas para pedir identificação. Obviamente, isso supõe 
voltar ao modelo da polícia comunitária, onde a maioria dos contatos são 
proativos e espontâneos, não pautados por suspeitas de crimes ou 
contravenções. 
 
Segunda recomendação central: 
A segunda recomendação é enfatizar a contenção tática (tactical restraint) 
no treinamento inicial e na revisão de incidentes de uso da força. O conceito de 
contenção tática pode ser entendido como uma tentativa de reduzir os riscos 
evitáveis para os policiais e para terceiros, sempre que isso não comprometa o 
objetivo central da intervenção. O recuo tático é uma dessas opções, entre 
outras, para evitar males maiores. O autor dá exemplos concretos de 
corporações policiais que instruem seus membros a não efetuar uma prisão ou 
a não continuar uma perseguição a pé a não ser que contem com apoio de outros 
colegas, como formas de evitar a escalada no uso da força. 
 
 
 
 
 
 
84 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 4 - A DISCRICIONARIEDADE NO TRABALHO POLICIAL 
 
4.1 O QUE É A DISCRICIONARIEDADE 
Uma das questões mais debatidas em relação ao trabalho policial é a sua 
discricionariedade, isto é, a possibilidade de decidir o que fazer numa situação 
específica sem que essa decisão esteja plenamente pautada por leis, normas ou 
regulamentos. A ideia é que normas e regulamentos impõem limites ao que o 
policial pode fazer, mas não determinam o que ele ou ela devem fazer em 
concreto, pois não podem prever a multitude de situações que deverão ser 
enfrentadas no dia a dia. 
De fato, quanto mais se avança no fluxo do sistema de justiça criminal 
(que começa com a polícia e acaba no sistema prisional), menor tende a ser a 
discricionariedade. Pensemos no trabalho de um juiz. O juiz possui um longo 
tempo de reflexão no seu próprio escritório para tomar a sua decisão, que deve 
ser fundamentada por escrito. Além disso, ela é pública por definição e 
submetida ao escrutínio das partes e da opinião pública em geral. 
Adicionalmente, ela é sujeita a revisão dos tribunais superiores através do 
mecanismo de apelação. Nesse cenário, qualquer decisão que não responda à 
lei e aos princípios jurisprudenciais poderá ser revisada e revertida 
posteriormente. Tudo isso não significa que o juiz não tenha discricionariedade, 
que de fato existe na medida em que ele ou ela interpreta tanto a lei quanto as 
provas apresentadas, sob o princípio, no Brasil, do “livre convencimento 
motivado”. Entretanto, essa discricionariedade é limitada por todos os elementos 
apresentados acima. 
Em contraposição, o policial trabalha muitas vezes na rua, sozinho ou em 
pequenos grupos, com escassa supervisão, e muitas das suas ações não são 
sequer registradas e, portanto, dificilmente poderão ser sujeitas a revisão. A 
aparição das câmeras corporais e de outros mecanismos tecnológicos veio 
alterar essa situação em alguma medida, mas o nível de registro das atuações 
e de supervisão é ainda bastante limitado. A discricionariedade começa pela 
decisão inicial que o policial deve tomar, a de intervir ou não numa determinada 
situação. 
 
 
85 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Nenhuma polícia do mundo, por mais estrita e autoritária que seja, 
intervém em todos os casos de desordem ou pequenos delitos, pois em 
ocasiões pode não valer a pena ou pode provocar efeitos indesejados. Já 
o juiz, para seguir com a comparação, não pode decidir não se pronunciar 
sobre os assuntos que são levados à sua consideração. 
 
Na literatura policial, o aspecto mais estudado dentro da 
discricionariedade é a decisão de abrir um procedimento formal contra alguém 
por ter cometido um crime ou uma contravenção, ou não o fazer. A polícia, como 
de resto todo o sistema de justiça criminal, opera sob o conceito ideal da 
aplicação da lei a todos os infratores e a todos os crimes. Mas essa ideia não 
passa de uma fantasia, especialmente nas contravenções e nos crimes de menor 
gravidade. Em todos os países do mundo, a polícia ignora algumas 
transgressões e reprime outras só em determinadas circunstâncias. A 
possibilidade legal de não apresentar uma acusação penal mesmo quando há 
evidência de crimes é maior nos sistemas de lei comum ou common law, nos 
quais pode se desistir da acusação por motivos do interesse público, mas existe 
em alguma medida em todos os sistemas legais. 
 
Nos sistemas de “common law”, vigentes nos países anglo-saxões e 
nas suas colônias, a aplicação da lei depende fundamentalmente da 
jurisprudência anterior e, por isso, os diplomas legais tendem a ser menos 
detalhados. Contrariamente, nos sistemas de “civil law, adotados na 
Europa continental e nas suas colônias, os códigos legais escritos são a 
fonte primária do direito e, por isso, tendem a ser mais específicos. A 
jurisprudência nesses casos desempenha um papel menos importante. 
 
Em primeiro lugar, não seria provavelmente desejável, do ponto de vista 
da sociedade, se a polícia aplicasse as normas de forma implacável,pois poderia 
gerar mais problemas do que soluções. Imaginemos que os motoristas que 
Saiba Mais 
 
 
86 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
tivessem cometido alguma violação a alguma norma de trânsito nos últimos 24 
meses fossem todos eles, de repente, multados e tivessem seu automóvel 
apreendido. Boa parte da frota de veículos do país ficaria subitamente 
imobilizada, o que provocaria enormes custos sociais. O objetivo das normas de 
trânsito, pode ser arguido, não é conseguir que nunca ocorra transgressão 
alguma, mas manter as infrações num nível suficientemente baixo para permitir 
um trânsito relativamente seguro e ordenado. 
O caso é mais evidente quando as condutas proibidas pela lei são ou bem 
aceitas por uma parte significativa da população, como o consumo de drogas, 
ou bem consideradas como algo que deveria pertencer à esfera privada e não 
deveria ser objeto de sanção penal. Esses cenários dão lugar ao que se conhece 
como “leis inexequíveis” (“unenforceable laws”). O adultério era crime de acordo 
com o Código Penal brasileiro até 2005. Mas, mesmo antes dessa data, teria 
sido um escândalo se a Polícia Civil de um estado brasileiro tivesse dedicado 
seus recursos e seu pessoal a investigar adultérios e a prender adúlteros ao 
invés de lidar com roubos ou homicídios. A onipotência punitiva nesses dois 
exemplos geraria mais problemas do que soluções. 
Em segundo lugar, mesmo que a polícia quisesse verdadeiramente 
aplicar a lei a todos os infratores de todas as leis, ela não contaria, nem de longe, 
com recursos ou pessoal suficientes para fazê-lo. 
Em suma, a polícia vive a contradição entre a realidade e um ideal 
certamente inaplicável e provavelmente indesejável. Em palavras de Herman 
Goldstein, um dos estudiosos que mais tem se dedicado a refletir sobre o tema: 
 
 “Dado que a discricionariedade policial tem sido encoberta e não 
autorizada, não existe um sistema para estruturá-la e controlá-la. Por isso, 
a polícia sofre realmente o pior de todos os mundos: deve exercer ampla 
discricionariedade por trás de uma fachada de um desempenho 
burocrático; e se espera dela um alto nível de equidade e justiça nas suas 
determinações discricionárias apesar de que não lhe foram fornecidos os 
meios dos quais os governos comumente dependem para atingir esses 
fins.” (Goldstein, 1977: 110) 
 
 
87 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Essa contradição faz com que a polícia deva deixar de lado a aplicação 
da lei em muitas situações, mas experimente ao mesmo tempo grandes 
dificuldades em reconhecer publicamente que o faz, sob risco de sofrer danos 
reputacionais e inclusive sanções legais, como as contidas no crime de 
prevaricação. 
Obviamente, a discricionariedade relativa à decisão de processar o 
responsável por uma transgressão vai diminuindo de acordo com a gravidade do 
crime e com as consequências negativas para a sociedade. Não seria aceitável, 
por exemplo, que a polícia decidisse não proceder contra o responsável por um 
homicídio, independentemente de qualquer consideração. 
Mas, mesmo nos crimes graves, a polícia deverá decidir que prioridade 
dará a cada um deles e, com isso, ajudará a determinar a probabilidade de 
esclarecimento de cada um. 
Tudo isso configura um cenário de aplicação seletiva da lei, que é ainda 
mais inevitável no contexto em que se encontram a grande maioria das polícias 
da América Latina e de muitos outros países no mundo, sobrecarregadas por um 
alto número de denúncias que não podem ser investigadas em detalhe na sua 
totalidade. Assim, se a seletividade é inevitável, a forma como ela será exercida 
determinará a qualidade e equidade do serviço policial. 
 
A discricionariedade contempla não apenas a decisão de abordar ou 
não um infrator, mas o modo de fazê-lo, que pode ir de uma prisão a uma 
advertência, uma mediação ou uma referência a outros serviços sociais. 
 
Além disso, a discricionariedade não afeta só a decisão de abordar ou 
processar ou não uma pessoa, mas abrange todas as áreas do trabalho policial. 
Quando usar a força e com que intensidade, que níveis de vigilância sigilosa 
devem ser aplicados, que tipos de pessoas devem ser paradas e revistadas e 
muitas outras atuações estão impregnadas por uma ampla margem decisória. 
Outro motivo da discricionariedade é o intervalo temporal de que os 
policiais dispõem para tomar suas decisões. Na citação de Montesquieu no “O 
Espírito das Leis” que vimos no início da Aula 1, ele afirmava que “assuntos de 
 
 
88 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
polícia são coisas de todos os instantes, que geralmente equivalem a pouco; 
quase nenhuma formalidade é necessária”. Essa visão da polícia como sinônimo 
de informalidade, ao contrário do poder judicial, prenuncia também um alto grau 
de discricionariedade. Mas essa mesma citação contínua do modo seguinte: 
 
 
“As ações da polícia são rápidas e a polícia [poder de polícia] é 
exercida sobre coisas corriqueiras; portanto, grandes punições não são 
próprias dela. Ela está perpetuamente ocupada com detalhes; portanto, 
grandes exemplos não encaixam nela. Ela tem regulações ao invés de leis.” 
(Montesquieu, 2000: 5.26.24.) 
 
Assim, além de registrar que a polícia se ocupava na época de assuntos 
menos importantes, em contraposição ao poder judicial, Montesquieu sublinha 
também a necessidade da rapidez na atuação policial. 
 
A polícia, diferentemente do juiz, não pode demorar em tomar 
decisões, especialmente quando intervém em emergências e em situações 
de risco, o que, como Bittner assinalava, constitui uma das marcas da sua 
função. 
Policiais do mundo todo destacam a dificuldade de decidir em décimas de 
segundo, às vezes sem conhecer bem o local ou o contexto, e considerando que 
essas decisões podem ter consequências graves. É justamente a possibilidade 
do uso da força conferida à polícia que magnifica as consequências, positivas ou 
negativas, da sua intervenção. 
Em suma, em função da urgência e da multiplicidade de situações que 
envolvem o trabalho da polícia, é impossível fazer com que o trabalho policial 
siga exatamente as diretrizes de uma norma, porque nenhuma pode ser 
suficientemente exaustiva ou específica. A lei, no melhor dos casos, poderia 
prover uma justificação da atuação policial depois dos fatos. E se um policial for 
questionado sobre uma ação com base em algum princípio, ele sempre poderia 
 
 
89 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
responder “você tinha que estar aí” (Manning, 2013 :63). Isso leva a Skolnick, no 
seu livro clássico “Justice without Trial”, a descrever 
 
 
“a concepção de policial como um artesão mais do que como um 
ator legal” (Skolnick, 1966: 231). 
 
 
4.2 OS RISCOS DA DISCRICIONARIEDADE 
Até aqui apresentamos evidências no sentido de que a discricionariedade 
é inevitável e pode ser desejável na medida em que permite uma resposta 
policial mais ajustada ao caso e ao contexto específico (Verhage, 2022: 88). 
Porém, existe também um lado obscuro do fenômeno que não pode ser ignorado 
e que apresentamos a seguir. 
 
Em primeiro lugar: 
A discricionariedade é prima irmã do casuísmo, isto é, se cada policial 
decide em cada momento segundo seus próprios critérios é muito possível que 
esses critérios variem de forma subjetiva e pouco criteriosa. E que dependam 
das crenças, ou dos preconceitos, do agente individual, distanciando-se do 
princípio de uma administração impessoal, de acordo com o artigo 37 da 
Constituição Brasileira. 
 
Em segundo lugar: 
E pelos mesmos motivos apontados acima, uma ampla e irrestrita 
margem de discricionariedade torna mais difícil garantir o princípio de igualdade 
perante a lei. Não seriasurpresa se o casuísmo acabasse provocando que 
alguns grupos sociais fossem tratados de forma mais favorável e outros de forma 
mais dura, ainda mais numa sociedade tão desigual quanto a brasileira (ver 
 
 
90 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Módulo IV). Esse tratamento desigual já seria um abuso em si mesmo e poderia 
provocar outros. 
 
Em terceiro lugar: 
A ampla margem de decisão poderia aumentar a probabilidade de 
corrupção. Se a lei é aplicada seletivamente, como de fato acontece na prática, 
os funcionários corruptos poderiam exigir dinheiro para se omitir perante 
determinados transgressores enquanto perseguem outros. Com efeito, nessas 
situações a perseguição contra alguns aumenta o valor a ser cobrado dos outros 
pela omissão institucional. 
 
Em quarto lugar: 
A discricionariedade dificulta a transparência e a prestação de contas, na 
medida em que os membros de uma instituição atuam de formas diferentes em 
diferentes momentos e lugares e, portanto, carecem de uma posição institucional 
comum que possa ser monitorada e debatida. 
 
Dois temas de grande relevância para a polícia que têm sido vinculados à 
discricionariedade são a subcultura policial e a socialização informal, ambos 
por sua vez também estreitamente relacionados entre si. 
A ampla discricionariedade na tomada de decisões que não podem ser 
estreitamente pautadas por normas, abre espaço para que a subcultura 
organizacional, isto é o conjunto de regras e princípios informais que regem as 
relações dentro de uma instituição sem que sejam escritas nem oficialmente 
endossadas pela autoridade institucional, adquira grande importância na 
determinação de como os policiais vão agir. Claro que todas as profissões e 
instituições desenvolvem subculturas próprias, mas estas parecem ser 
especialmente influentes na polícia. 
 
 
 
91 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
“Minhas observações sugerem... que as normas localizadas dentro 
das organizações policiais são mais poderosas do que as decisões judiciais 
na conformação do comportamento policial, e que na realidade o processo 
de interação entre ambas explica em última instância como a polícia se 
comporta.” (Skolnick, 1966: 219) 
 
Alguns autores afirmam que, confrontada com a necessidade de produzir 
resultados, a polícia com frequência sacrifica a legalidade em prol da eficiência 
(Goldsmith, 2010: 95). A ideia que estaria por trás seria a de que não seria 
possível prover segurança seguindo a lei, pois essa última atrapalharia a 
consecução dos objetivos, uma ideia muito perigosa pois abre a porta para todo 
tipo de abusos. 
Se a cultura policial chegar ao ponto de se superpor à lei, chegaria a ser 
inócuo tentar modificar o comportamento policial através de mudanças legais, 
pois, se a subcultura policial for contrária às mudanças, ela encontraria formas 
de impedi-las na prática. 
Conectado com o ponto anterior, numerosos estudos com polícias de 
diversos países relatam que o impacto da socialização formal, isto é, da 
formação oficial nas academias de polícia, é muito menor do que a influência dos 
pares, ou seja, do que a subcultura policial. De novo, a discricionariedade na sua 
atuação profissional desempenharia um papel importante nessa predominância 
da socialização informal sobre a formal. 
 
 
 
“O que acontece tipicamente é que os policiais descobrem, depois 
de ter se graduado da sua formação de recrutas e de assumir seus 
primeiros cargos, que constantemente são chamados a tomar decisões; 
que relativamente pouco do que lhes fora ensinado parece aplicar às 
 
 
92 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
situações que enfrentam; e que com frequência não tem orientação para 
decidir o que fazer numa situação dada. Eles aprendem gradualmente da 
sua associação com o pessoal mais experimentado e dos seus 
supervisores, que há um conjunto de “saber-fazer” no qual eles devem se 
inspirar.” (Goldstein, 1977: 101). 
 
 
4.3 O QUE FAZER COM A DISCRICIONARIEDADE 
Frente à discricionariedade policial, há várias posições possíveis. A 
primeira é a negação. De fato, a visão tradicional mantinha que não havia 
discricionariedade no desempenho policial, que só começou a ser reconhecida 
no início dos anos 60 (Cordner & Scott, 2014), isto é, pouco tempo atrás. 
Inclusive hoje, muitos departamentos de polícia operam como se ela não 
existisse. 
 A segunda opção é admitir que há discricionariedade, mas 
considerá-la como algo essencialmente negativo que deve ser combatido e 
reduzido à sua mínima expressão. Os setores que defendem essa visão 
costumam destacar vários argumentos para opor-se a ela: 
1 o grande poder atribuído à polícia, que inclui a possibilidade de usar a 
força letal contra as pessoas; 
2 a reputação que muitas polícias possuem de exceder a sua autoridade 
legal; 
3 o fato de essa discrição tolerada ter sido abusada no passado. 
 
Uma terceira possibilidade é assumir a discricionariedade como natural e 
não fazer nada em relação a ela, deixando de lado os riscos que possa acarretar, 
que é a situação prevalecente em muitas instituições policiais. 
 E a quarta possibilidade é aceitar a discricionariedade, mas se 
esforçar para estruturá-la e controlá-la dentro de parâmetros institucionais. Um 
dos defensores dessa visão, Goldstein argumenta que, a despeito dos riscos 
 
 
93 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
inerentes à discricionariedade anteriormente mencionados, a falta de 
reconhecimento da natureza discricionária do trabalho policial é o que explica, 
ao menos em parte, alguns dos abusos e deficiências mais comuns nas 
operações policiais (Goldstein, 1977: 108). Segundo ele, a qualidade do serviço 
policial depende da forma de exercício da discricionariedade. 
O objetivo seria então formular princípios institucionais e protocolos de 
atuação que sirvam de orientação para o policial na rua e que o protejam contra 
punições arbitrárias em função do exercício da discricionariedade. Com efeito, 
muitas polícias têm se dedicado nos últimos tempos à criação de protocolos 
operacionais que traduzam os princípios abstratos em regras práticas que, se 
não determinam nunca plenamente o que deve ser feito, oferecem, no entanto, 
uma orientação mais explícita. A ideia é que uma posição institucional será 
sempre mais ponderada e cuidadosa do que o casuísmo de cada agente atuando 
por sua conta. Essa parametrização dos espaços de decisão deve 
favorecer também a supervisão dentro da instituição e facilitar a prestação de 
contas fora dela. 
De qualquer forma, a discricionariedade precisa sempre, como 
contrapartida, a necessidade de transparência no trabalho policial e de prestação 
de contas (accountability), como forma de evitar que essa flexibilidade seja 
usada de forma desigual ou em benefício do próprio policial ou de terceiros 
interesses (ver Aula 1 do Módulo III). 
O objetivo final é que a discricionariedade seja empregada, na medida do 
possível, em função do bem comum e de forma igualitária entre os diferentes 
grupos sociais. 
 
 
 
 
 
 
94 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 5 – Legitimidade e Trabalho Policial 
 
5.1 O CONCEITO DE LEGITIMIDADE 
A legitimidade pode ser definida como a crença de que o exercício de um 
poder é justo e adequado à situação, em outras palavras, de que tal poder 
deveria continuar a ser aplicado da mesma forma. Em consequência, a 
legitimidade do poder não é uma descrição da sua existência, o ser, mas está 
vinculada ao dever-ser. A crença sobre a legitimidade do poder procede 
daqueles que se submetem a ele. Por sua vez, aqueles que detêm o poder 
costumam acreditar quetêm direito a ele, mas isso não lhes confere legitimidade. 
Para que ela exista, é preciso que a crença seja compartilhada por aqueles sobre 
os quais o poder é exercido. 
A necessidade do conceito surge justamente porque um poder pode ser 
real e incontestado, mas ilegítimo. Nessa situação, as pessoas se submetem por 
medo ou coação, mas, se tivessem uma alternativa, se rebelariam. 
Frequentemente, apresenta-se uma oposição entre os conceitos de 
autoridade (autoritas), que contaria com legitimidade, e poder sem mais 
(potestas), esse último carecendo dela. 
 
A legitimidade pode ser relacionada a um regime político, a uma 
pessoa, a uma norma ou a uma instituição. Um governante legítimo é 
aquele que é aceito de forma espontânea pelos seus governados. Uma 
norma legítima é aquela que é considerada justa por aqueles que devem 
obedecê-la. 
 
Observe-se que a presença ou ausência de legitimidade é fundamental 
para o controle social. Se as pessoas aceitam as normas e os regimes políticos 
como legítimos, o custo da fiscalização e do controle social será mínimo, 
necessário apenas para aqueles sujeitos que são, excepcionalmente, 
transgressores. Por outro lado, se os membros de uma sociedade percebem 
 
 
95 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
uma norma ou uma instituição como ilegítima, a tendência a desobedecer será 
frequente e o custo de fiscalização, muito elevado. Será preciso gerar ameaças 
e castigos para que as pessoas sigam normas que não aceitam de bom grau. 
Se para Sigmund Freud, o “superego” é a instância psíquica através da 
qual o indivíduo interioriza as normas que antes vinham de fora, fazendo com 
que ele as obedeça sem necessidade de vigilância ou castigo, a legitimidade 
cumpre uma função semelhante no nível social. Se uma coletividade assume 
uma norma como legítima, tenderá a se pautar por ela, independentemente da 
vigilância ou da imposição de sanções. 
O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) distingue três tipos clássicos 
de legitimidade ou dominação legítima (“Legitimen Herrshaft”): 
 
Legitimidade tradicional: 
Baseada nos costumes e na tradição histórica. As pessoas obedecem 
porque sempre foi assim e isso gerou a expectativa de que deveria continuar 
sendo assim; 
 
Legitimidade carismática: 
Os indivíduos seguem a uma pessoa concreta pelas suas qualidades 
individuais e sua influência. O que ele ou ela determinar será, então, legítimo. 
Essa legitimidade é pessoal e intransferível. Profetas, senhores da guerra, 
demagogos e alguns líderes políticos podem desfrutar desse tipo de 
legitimidade, que não precisa de justificação externa; e 
 
Legitimidade legal-racional: 
Fundamentada na existência de leis que, por sua vez, entende-se que 
seguem princípios racionais que beneficiam a coletividade. Esse é o tipo de 
legitimidade em que se baseia o Estado moderno (ver Aula 1 do Módulo 2). Para 
os contratualistas, que interpretam o Estado como resultado de um pacto entre 
os indivíduos, esse tipo de legitimidade fica ainda mais evidente, pois os próprios 
 
 
96 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
indivíduos teriam cedido originalmente o poder ao Estado para seu próprio bem-
estar. Dessa forma, ao ser eles mesmos a fonte original do poder, a legitimidade 
viria de forma natural. 
 
5.1.1 A LEGITIMIDADE COMO BASE DO TRABALHO POLICIAL: “POLICING BY 
CONSENT” 
Como já foi dito na seção anterior, a legitimidade diminui drasticamente o 
custo de fiscalização das normas. Nesse sentido, resulta evidente que é 
essencial para a polícia, que é a instituição encarregada de vigiar o cumprimento 
das normas mais importantes, tipificadas penalmente, e de prender os 
responsáveis por transgredi-las. 
A doutrina policial britânica, inaugurada pela Polícia Metropolitana de Sir 
Robert Peel em 1829, passou a ser conhecida como “policiamento por 
consentimento” (policing by consent). A ideia é que a polícia só pode realizar seu 
trabalho de forma satisfatória se conta com a aceitação e a cooperação da 
sociedade. Contrariamente, a polícia dificilmente poderá funcionar a contento se 
a comunidade a vê de forma negativa ou, pior ainda, como inimiga. A polícia 
precisa ser aceita socialmente como instituição para poder desenvolver seu 
trabalho. 
A doutrina policial do “policing by consent” veio a ser resumida nos 
chamados “9 Princípios de Policiamento de Sir Robert Peel”. Na verdade, 
embora derivados das instruções gerais que recebiam os novos recrutas da 
Polícia Metropolitana de Londres em 1829, não há registro histórico de que 
Robert Peel tenha, ele próprio, enumerado esses princípios (Lentz et al., 2007). 
Eles aparecem pela primeira vez no livro de um historiador da polícia, Charles 
Reith, em meados do século XX (Reith, 1952), e têm feito um grande sucesso 
até o ponto de ter sido incorporados pelo governo britânico. 
 
Acesse: https://www.gov.uk/government/publications/policing-by-
consent/definition-of-policing-by-consent 
O segundo desses princípios reza da seguinte forma: 
Saiba mais 
 
 
97 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
“Reconhecer sempre que o poder da polícia para cumprir as suas 
funções e deveres depende da aprovação pública da sua existência, ações 
e comportamento e da sua capacidade de garantir e manter o respeito 
público.” 
 
Assim, o primeiro requisito de uma polícia é que ela deve ser aceita pela 
sociedade, que deve aprovar não apenas a sua existência, mas também a sua 
forma de atuar. O terceiro dos princípios de Peel vai além ao afirmar que a polícia 
deve procurar ativamente a “cooperação voluntária do público na tarefa de 
garantir a observância das leis”, numa proposta que parece sugerir um papel de 
pedagogia social para os policiais, além de uma coprodução da segurança por 
parte dos cidadãos. Essa cooperação entre polícia e sociedade é mais esperável 
se, como afirma o princípio 7, “a polícia é o público e o público é a polícia”, 
frisando a noção de que os policiais não são senão membros da sociedade aos 
quais foi encarregada uma tarefa que, no fundo, é de todos. 
Uma sociedade que coopera com a polícia garante, por um lado, um 
menor nível de transgressão e, por outro, quando a transgressão acontece, 
significa que as pessoas colaborarão identificando os responsáveis e 
apresentando provas contra eles. Em suma, a inteligência policial depende 
fundamentalmente da cooperação ativa dos cidadãos. 
 
A legitimidade da polícia pode ser decomposta em dois níveis: 
1º Nível: 
Em primeiro lugar, a legitimidade do próprio Estado a que ela representa. 
É muito difícil que uma polícia seja vista como legítima se pertence a um poder 
executivo que, em si mesmo, é percebido como ilegítimo. Isso é justamente o 
que acontecia com as polícias coloniais nos séculos XIX e XX, entendidas como 
órgãos de um poder externo e opressor. 
 
 
 
98 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
2º Nível: 
Em segundo lugar, a polícia como instituição também precisa estabelecer 
sua própria legitimidade, para além da legitimidade do Estado. E para esse 
segundo nível de legitimidade a conduta dos policiais é o fator fundamental. 
 
Em sociedades democráticas, o nível de legitimidade do Estado tende a 
ser muito superior e, nessa mesma medida, o caminho para a polícia atingir 
também legitimidade é muito mais claro. Em sociedades autoritárias, onde a 
polícia é dedicada à proteção do regime, as chances de legitimidade institucional 
são muito pequenas. 
Entre os três tipos de legitimidade apresentados por Weber, a polícia 
depende fundamentalmente da legitimidade legal-racional. Ocasionalmente, ela 
pode também se beneficiar de algum grau de legitimidade tradicional ou 
carismática, por exemplo atravésde um chefe de polícia muito popular, mas o 
que fundamentará a sua aceitação popular de maneira geral é a sua observância 
das leis. 
 
O conceito de “polícia por consentimento” está fortemente vinculado 
ao de serviço policial que vimos na Aula 4 deste módulo, na medida em que 
o consentimento é muito mais provável se os cidadãos percebem que a 
instituição está ao seu serviço. 
 
Infelizmente, em muitos países da América Latina encontram-se 
realidades muito distantes do paradigma de policiamento por consentimento. 
Pesquisas de opinião mostram níveis de aprovação muito baixos para as polícias 
latino-americanas, em geral muito inferiores aos dos exércitos. Setores 
significativos da população consideram as polícias ineficazes ou pior, corruptas 
e excessivamente violentas. Nas áreas marginais das grandes cidades, onde 
moram os cidadãos com menos recursos, aqueles que não têm acesso a 
segurança privada e dependem, portanto, em maior medida da segurança 
 
 
99 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
pública, as relações com as polícias costumam ser particularmente tensas. Em 
algumas zonas, a polícia é recebida com desconfiança ou inclusive hostilidade, 
e os policiais devolvem esse mesmo tratamento. 
Nesse sentido, a relegitimação das polícias é um desafio significativo em 
muitos países da região, particularmente entre os jovens e nas populações mais 
desfavorecidas. E não é só na América Latina. Reiner (1992), por exemplo, 
afirma que o desafio da polícia britânica na pós-modernidade é recuperar a 
legitimidade do velho “bobbie”. 
 
5.2 OCEDIMENTAL E LEGITIMIDADE POLICIAL 
Os trabalhos de Tom Tyler (1990) têm projetado o conceito de justiça 
procedimental na compreensão dos motivos que levam as pessoas a 
obedecerem às leis. A ideia central é que a justiça pode ser dividida em dois 
componentes: a justiça distributiva, que tem a ver com o fato de as decisões 
finais serem justas; e a justiça procedimental, referida à justiça do procedimento 
seguido para chegar na decisão final, qualquer uma que ela seja. O postulado 
central é que se as pessoas percebem que os procedimentos através dos quais 
as decisões foram tomadas foram justos, elas aceitarão o veredito mesmo que 
não gostem do conteúdo. Considerando que as sentenças dificilmente agradarão 
a todas as partes, é fundamental então conseguir que os procedimentos sejam 
percebidos como justos e imparciais. 
Esse princípio foi inicialmente pensado para a administração de justiça, 
mas foi estendido também à polícia. Nesse último caso, os proponentes da teoria 
argumentam que a percepção de justiça procedimental por parte das pessoas 
depende do tratamento recebido por parte dos policiais. 
De acordo com Tyler e Meares (2019), a avaliação que as pessoas fazem 
dos contatos com a polícia depende de quatro elementos: 
1 o grau em que elas percebem que tiveram uma oportunidade real de 
expressar seus pontos de vista e seus argumentos, o que na literatura 
se conhece com o termo de ‘voz’ (“voice”); 
 
 
100 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
2 a percepção dos cidadãos de que os policiais foram imparciais e neutros, 
o que também inclui a explicação por parte destes últimos dos seus 
procedimentos; 
3 o sentimento de ter sido tratado com respeito por parte da polícia, de 
uma forma que não fira a dignidade pessoal (ver Aula 2 do Módulo III); e 
4 a percepção de que os policiais têm a intenção de beneficiar as pessoas 
e, portanto, de que seus motivos são louváveis. 
 
Um grande volume de estudos tem sido desenvolvido sobre a relação 
entre justiça procedimental e legitimidade policial. Uma meta-análise (ou seja, 
um estudo sintético que tenta extrair conclusões de um conjunto de pesquisas 
empíricas anteriores) de 56 pesquisas concluiu que existe uma correlação 
positiva entre a percepção de justiça procedimental e a legitimidade policial, mas 
que a direção causal dessa relação não pôde ser testada (Bolger & Walters, 
2019, p. 98). Em outras palavras, não está claro em que medida a justiça 
procedimental melhorou a legitimidade policial ou, pelo contrário, em que medida 
uma polícia percebida como legítima tenderá se comportar de uma maneira mais 
respeitosa em relação aos procedimentos. Outra meta-análise anterior 
(Mazerolle et al., 2013) concluiu que o diálogo entre policiais e cidadãos é um 
mecanismo relevante para estimular a satisfação dos cidadãos, a confiança na 
polícia e a percepção de justiça procedimental. 
Diversas avaliações de impacto de programas de treinamento de policiais 
em justiça procedimental nos Estados Unidos encontraram uma redução dos 
incidentes de uso da força, mas nem sempre obtiveram uma melhora na 
legitimidade policial (Weisburd et al., 2022). 
A grande maioria desses estudos acontece nos países do Norte, em 
Estados Unidos e na Europa. A minoria de estudos em países do Sul Global, ou 
seja, países em desenvolvimento, nem sempre encontra resultados 
convergentes. Na Turquia, por exemplo, a utilização de protocolos de justiça 
procedimental para os policiais de trânsito conseguiu melhorar a percepção dos 
condutores em relação ao agente que parava seu carro, mas não em relação à 
polícia em geral (Sahin et al., 2017). Em Ghana, a percepção da justiça 
 
 
101 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
procedimental não estava correlacionada com a disposição das pessoas a 
cumprir com as leis de trânsito (Tankebe et. al, 2019). 
De fato, a grande promessa dessa teoria era justamente que a percepção 
da justiça procedimental nas interações com a polícia levaria os cidadãos não 
apenas a melhorar a legitimidade policial, mas sobretudo a colaborar com a 
polícia e a cumprir as leis. 
 
Esse vínculo está longe de ser comprovado empiricamente, 
especialmente em países do Sul global com baixos níveis de 
legitimidade do Estado e uma forte percepção de corrupção policial. 
 
 
Podem os grupos criminosos atingir legitimidade? 
 
 
 
 
 
 
Em determinadas áreas de países como México, Colômbia ou Brasil é 
possível encontrar grupos criminosos que são apoiados por uma parte dos 
habitantes das comunidades onde moram. Isso se origina não apenas porque 
eles geram renda através das atividades ilegais, mas porque em alguns casos 
esses grupos desenvolvem atividades assistenciais para beneficiar a população 
(compra de medicamentos ou alimentos, organização de festas etc.), em função 
da omissão do próprio Estado que abandona muitos dos seus cidadãos à própria 
sorte. É muito comum que tais grupos adotem uma estratégia dupla, fazendo uso 
da coação e da violência contra indivíduos que não obedecem a suas ordens e, 
Na Prática 
Até aqui, falamos de legitimidade das leis e das instituições, isto é, de uma 
legitimidade legal. Mas é possível que pessoas ou grupos contrários à 
legalidade atinjam legitimidade? A resposta é que, a princípio, grupos 
criminosos podem receber legitimidade da mesma forma que o Estado. 
Vamos Refletir 
 
 
102 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
ao mesmo tempo, da assistência às pessoas como mecanismo para ganhar 
legitimidade. 
Obviamente, existe uma correlação negativa entre a legitimidade de 
grupos criminosos e a da polícia, de maneira que a legitimidade dos primeiros 
pode ser considerada tanto causa quando consequência da crise de legitimidade 
da instituição policial. Quando os grupos criminosos recebem algum tipo de 
legitimidade, a tarefa da polícia se torna muito mais difícil. Nesses cenários, a 
repressão policial contra esses grupos não diminui necessariamente a sua 
legitimidade, pois ela depende de fatores estruturais mais profundos, como a 
omissão do Estado, que estão muito além do alcance da polícia. Mesmo assim, 
um dosobjetivos prioritários dela deve ser incrementar progressivamente a 
própria legitimidade e contribuir para criar condições para a redução da 
legitimidade dos grupos criminosos. 
 
 
 
 
103 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Finalizando.... 
Neste módulo você aprendeu: 
 Nesse módulo, começamos por apresentar as origens históricas da 
polícia desde a época clássica até os nossos dias. Se o conceito de polícia 
começou sendo sinônimo de governança das cidades num sentido muito 
amplo, o surgimento da polícia moderna foi resultado de um processo de 
profissionalização, incorporação pelo Estado e especialização de 
funções. A polícia perdeu todas as funções legislativas, judiciais e 
sancionadoras, e ficou encarregada do cumprimento da lei e da 
manutenção da ordem. A criação da polícia como instituição separada dos 
exércitos sinaliza, por um lado, a diferenciação entre segurança interna e 
externa e, por outro, a necessidade de não tratar como inimigos os 
cidadãos do próprio país, mesmo aqueles que tenham transgredido as 
leis. De acordo com Egon Bittner, a instituição policial se diferencia de 
outras instituições do Estado por duas características centrais: o uso 
potencial da força e o emprego em emergências. Na prática, os policiais 
acabam desenvolvendo diversas funções, inclusive assistenciais, para 
além da missão de fazer cumprir a lei e manter a paz social, mas se 
ressentem de ter que desempenhar essas outras tarefas, o que faz com 
que muitos deles questionem sua identidade profissional. 
 De forma geral, há dois paradigmas gerais de polícia: uma polícia que tem 
como missão a preservação do poder político, inspirada na polícia 
francesa criada no século XVII, e uma polícia que pretende proteger os 
cidadãos, de acordo com o modelo pioneiro da Polícia Metropolitana de 
Londres fundada em 1829. Todas as polícias do mundo contêm em si 
mesmas uma parte do modelo francês e outra do modelo inglês. Isso se 
aplica também às polícias democráticas, que também precisam combater 
os crimes políticos. Mas estas últimas dão prioridade à proteção dos 
cidadãos sobre a preservação do Estado. Embora algo idealizada, a 
polícia londrina do século XIX representa até hoje um modelo para as 
polícias democráticas no mundo. 
 Dentro do modelo de polícia para proteger a cidadania, há também duas 
opções: enfatizar o combate ao crime ou privilegiar a proteção das 
 
 
104 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
pessoas. Ambos os extremos podem ser caracterizados pelos conceitos 
de “policial guerreiro”, que coloca a luta contra os criminosos como 
prioridade central, e “policial guardião”, que favorece a proteção e a 
prevenção sobre a repressão aos criminosos. Obviamente, a militarização 
da segurança pública tende a favorecer o policial guerreiro. 
 Mesmo que ambos os aspectos sejam naturalmente complementários, a 
ênfase em um ou outro revela muito sobre a doutrina policial. Outro 
binômio muito relacionado com o anterior é a contraposição entre uma 
visão de polícia como serviço, comum nos nomes das polícias em países 
anglo-saxões, e uma polícia percebida como controle da sociedade. 
 Uma das características centrais do trabalho policial é a 
discricionariedade, isto é, a necessidade de decidir o que fazer em 
contextos concretos sem que essa decisão esteja plenamente pautada 
por normas ou protocolos. Na prática, é impossível que uma norma possa 
prever todas as situações que podem surgir no dia a dia do trabalho 
policial. Além da multiplicidade dos contextos, a necessidade de 
contrabalançar direitos diversos e de agir com rapidez em emergências 
tornam a discricionariedade inevitável. Não serve de nada negá-la, mas é 
importante que ela seja pautada por normas e protocolos institucionais 
para evitar os riscos do casuísmo, da inequidade no trato de pessoas com 
diferentes perfis sociais e da corrupção. 
 A última aula foi dedicada ao conceito de legitimidade, que equivale a 
aceitação de um poder como justo por parte daqueles que se submetem 
a ele. Para Weber, a legitimidade pode se originar na tradição, no carisma 
ou num conjunto de leis, e essa última é fundamental para alavancar a 
legitimidade policial num regime democrático. A legitimidade é essencial 
para que a polícia possa desenvolver o seu trabalho, recebendo apoio e 
informação da população a quem deve proteger. Esse é o cerne do 
conceito “policiamento por consentimento” que inspirou a polícia britânica 
até hoje. O conceito de “justiça procedimental” está relacionado não ao 
conteúdo das decisões, mas ao modo como são tomadas. No caso das 
polícias, a avaliação que o cidadão faz dos seus encontros com a polícia 
depende de se ele se sentiu ouvido, respeitado e tratado de forma 
imparcial. 
 
 
105 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 Com essas bases históricas e conceituais, esperamos ter desenhado um 
cenário sobre o papel da polícia numa sociedade democrática, como um 
ator central que não só vigia o cumprimento das normas acordadas entre 
todos, mas que também pode promover harmonia e coesão social. 
 
 
 
 
 
 
 
106 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
MÓDULO 3 - POLÍCIA E A ESFERA DA POLÍTICA 
 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 
Como vimos no Módulo 1, existe uma distância entre as leis que 
organizam formalmente os sistemas políticos democráticos e as normas 
informais que orientam as práticas sociais numa democracia. Entretanto, 
podemos afirmar que todos os regimes políticos que um dia já foram praticados 
possuem essa mesma característica. Em grande parte, essa dissociação deriva 
da relação entre os sistemas políticos e as estruturas de poder da sociedade e 
aumenta proporcionalmente ao incremento das desigualdades. No exercício de 
sua missão, os profissionais de segurança pública ocupam esse lugar em que a 
lei encontra suas condições materiais de aplicação. Um lugar conflituoso, mas 
crítico para a defesa da democracia como princípio e experiência viva. Pesquisas 
mostram que as condições de (in)segurança impactam os níveis de 
desigualdade, afetando diferencialmente as condições materiais dos sujeitos e o 
pleno exercício de direitos. 
Por conta dessas características, nos focaremos na relação dos 
profissionais de segurança pública com a esfera política. Apresentaremos o 
conceito de “política”, por um lado, enquanto capacidade de influenciar a 
distribuição de poder na sociedade e, por outro, como direito de associação e 
participação na construção das políticas públicas por parte dos “trabalhadores 
da segurança pública”. Trataremos as dimensões políticas do seu trabalho como 
um tipo de tensão permanente entre a necessidade de controle e o perigo de 
instrumentalização pela classe política, um risco inerente ao funcionamento das 
democracias e seus ciclos eleitorais. Nesse mesmo diapasão, introduziremos o 
tema da governança de polícia como uma forma de controle político. 
Finalizaremos colocando uma discussão sobre a importância das condições de 
trabalho dos profissionais de segurança pública. Entendemos que a democracia 
deve ser promovida a partir de instituições democráticas em seu cotidiano de 
trabalho e na relação com a sociedade. 
 
 
 
107 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
OBJETIVOS DO MÓDULO 
Este módulo tem por objetivos: 
● Desenvolver uma compreensão mais aprofundada da relação 
entre a polícia e o que chamamos de esfera da política, 
desconstruindo falsas dicotomias que podem ameaçar a 
democracia; 
● Discutir os aspectos políticos do trabalho da polícia a partir do seu 
lugar na ordem do Estado e da sua relação com a estrutura das 
desigualdades; e 
● Apresentar a perspectivado/a policial como um trabalhador da 
segurança pública, os dilemas e possibilidades dos modelos de 
organização existentes, reforçando a ideia de que apenas 
organizações que vivem uma democracia na prática podem 
reforçá-la na relação com a sociedade. 
 
ESTRUTURA DO MÓDULO 
Este módulo compreende as seguintes aulas: 
Aula 1 – Dilemas do governo político das polícias; 
Aula 2 – Polícia política e a política da polícia; 
Aula 3 – Polícia e a Reconstituição da esfera da Política; e 
Aula 4 – Polícia e (re)constituição da esfera política. 
 
 
 
 
 
 
 
108 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 1 - DILEMAS DO GOVERNO POLÍTICO DAS POLÍCIAS 
 
Você já deve ter ouvido a frase “segurança pública deve ser uma política 
de Estado, não de Governo”. Você mesmo já deve ter recorrido a essa expressão 
algumas vezes. Em especial, naqueles momentos em que testemunhamos um 
bom trabalho ser interrompido por esse tipo de interferência que chamamos de 
“política”, esse é um pensamento que pode vir à tona. 
A frase mobiliza concepções diferentes de “política” para reclamar uma 
importante continuidade das políticas de segurança pública, buscando um certo 
nível de blindagem contra a esfera da política a partir da associação com a ideia 
de “Estado” e o caráter mais estável do funcionamento dos sistemas políticos. 
Ela mobiliza de forma bastante concreta, a partir do dia a dia dos/as profissionais 
de segurança pública, algumas das problemáticas de fundo para as reflexões 
que nos propomos a fazer aqui. Em especial, a importância da distinção entre o 
governo político das polícias e a sua instrumentalização político-partidária. 
 Parafraseando o historiador e estadista francês François Pierre 
Guillaume Guizot (1787 - 1874), que lutou contra as tentativas de usurpação do 
poder legislativo pelo rei Charles X após a segunda Revolução Francesa de 
1930, 
 
“quando a política penetra no recinto dos Tribunais, a Justiça se 
retira por alguma porta”. 
 
 
É a mais pura verdade que a interferência política sobre o sistema de 
justiça e segurança é um perigo para a democracia. Mas como podemos evitar 
essa interferência nefasta? A ironia, para efeitos da nossa discussão, é que a 
própria política, ou seja, o funcionamento democrático da esfera política, é a 
única que pode impedir o uso politicamente enviesado dos serviços policiais e 
do Estado. 
 
 
109 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Como vimos nos módulos anteriores, o Estado corresponde ao conjunto 
do sistema político, incluindo aí o Governo, que se refere à condução política 
das funções executivas do Estado. Em uma democracia, a polícia presta contas 
ao Governo. Isso porque o Governo é eleito pelo povo e é nessa legitimidade 
que deve executar as suas funções de coordenação política dos vários órgãos 
constitucionalmente autorizados ao exercício do poder. Nesse sentido, o 
descontentamento refletido na expressão que abre a nossa aula sobre a ameaça 
constante de descontinuidade associada à interferência do Governo, não é 
totalmente infundado. Entretanto, a dissociação política que ela sugere é 
perigosa para a democracia. Se uma polícia instrumentalizada politicamente pelo 
Governo pode ser ruim, a sua emancipação da esfera da política é ainda mais 
preocupante. 
Enxergar a diferença entre uma coisa e outra, como veremos a seguir, 
implica uma ampliação da nossa visão sobre a relação da polícia com a esfera 
da política e encarna a própria distinção entre tirania e democracia. 
 
1.1 ENTRE O CONTROLE E A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA 
 
 
 
 
 
 
 
Esse caráter de neutralidade ou melhor de justiça procedimental (ver 
Aula 5 do Módulo I) deve nortear a ação do Estado de uma maneira geral e é 
garantido por meio da submissão de seus órgãos a uma série de controles 
democráticos associados a esfera política. Mas o que estamos chamando aqui 
de “esfera da política”? Por que falamos em “controle político” das polícias? 
Você concorda que a atuação dos órgãos de segurança, enquanto burocracias 
de Estado, deve ser neutra e não promover ideologias de partidos e nem 
diferenciações de tratamento entre pessoas baseadas em sua raça, gênero, 
orientação sexual, religião ou classe social? 
Vamos Refletir 
 
 
110 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Discutiremos algumas definições consagradas de “política” no início da 
segunda aula desse Módulo. O que chamamos aqui de “esfera da política” 
abrange tanto os espaços institucionais em que o poder é disputado na 
sociedade (ex. política eleitoral, associações e sindicatos, mídia) quanto a esfera 
pública de uma maneira geral. Nesse sentido, os “controles políticos” das polícias 
seriam as formas institucionais (ex. o Executivo, as corregedorias e comissões 
legislativas) e processos sociais de natureza política (ex. formação de opinião, 
construção das políticas de governo, manifestações populares) pelos quais são 
estabelecidos os limites e prioridades para a ação dessas organizações. Como 
vimos na seção anterior, esse espaço de construção do Governo é constrangido, 
em última instância, pelo parâmetro da legalidade em um Estado Democrático 
de Direito. 
Tendemos a abordar a discussão sobre controle das organizações 
policiais de maneira bastante limitada, focada em formas institucionais 
especializadas, como as Corregedorias. Falaremos melhor sobre o 
funcionamento dessas estruturas mais à frente. Por hora, é importante conveniar 
a ideia de que os controles políticos sobre as polícias (sobre a operação do 
Estado, de uma maneira geral) são instrumentos de governo que buscam 
garantir que o interesse público esteja sempre no centro de suas ações. 
 
Figura 4 
 
Fonte: Revide. 
A diferenciação entre "interesse público" e "interesse privado" é 
fundamental para a teoria política e o Direito e tem sido discutida por vários 
autores, que adotam perspectivas diversas. Para Rousseau, o interesse 
público está ligado ao bem-estar coletivo da sociedade e pode conflitar com 
 
 
111 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
os interesses privados, que corresponderiam aos desejos egoístas e 
individuais. Adam Smith, por sua vez, em "A Riqueza das Nações", 
argumenta que, por meio da busca do interesse próprio, os indivíduos 
contribuem para o interesse público ou geral. John Rawls, quando fala do 
princípio da "justiça como equidade" (2003), considera o interesse público 
como aquele que promove a igualdade de oportunidades e melhora a 
posição dos menos privilegiados. Robert Dahl, por sua vez, em O “Mito do 
Mandato Presidencial” (1991), fala que o interesse público não pode ser 
imediatamente associado ao exercício do Governo, mas que é um conceito 
contestável, resultado de um processo de negociação e competição entre 
grupos com capacidades diferenciais de incluir seus próprios interesses na 
agenda governamental em sociedades democráticas. 
 
Michel Foucault em a Microfísica do Poder (1979) afirma que o “governo” 
é a correta disposição de coisas e pessoas com vistas a produção de um objetivo 
adequado dentro de uma finalidade específica. Para Foucault, existem diversos 
espaços em que o governo é exercido na sociedade, numa empresa, na família, 
numa congregação religiosa, onde quer que se pretenda maximizar uma 
finalidade de maneira explícita. Para o autor, o governo político da sociedade é 
prerrogativa do Estado e a polícia constitui o seu principal instrumento. 
Com base no que já aprendemos nos módulos anteriores, podemos dizer 
que a finalidade específica do Governo em um Estado Democrático de Direito é 
a submissão da sociedade e do próprio Estado ao “império da lei”, que por sua 
vez permitirá atingir objetivos socialmente consensuais.Nesse sentido, a 
questão que se coloca para essa aula é como governar a polícia de modo a 
materializar essa finalidade. 
 
1.2 ENTRE A GOVERNANÇA DE POLÍCIA E A GOVERNANÇA POLICIAL 
Em seu livro Governing the Police, David Bayley e Philip C. Stenning 
(2017) falam sobre os limites e possibilidades do exercício da governança 
democrática sobre as polícias e afirmam que as democracias enfrentam um 
 
 
112 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
dilema fundamental nesse sentido. Os autores se perguntam, como podem os 
representantes eleitos democraticamente governar a polícia para que ela aja 
segundo o interesse público, evitando a tentação de usá-la para avançar seus 
próprios interesses político-partidários. Para responder a essa questão, os 
autores realizaram uma instigante análise focada em observar o cotidiano da 
relação entre políticos e comandantes operacionais da polícia em seis 
democracias do mundo anglo-saxão (Austrália, Grã-Bretanha, Canadá, Índia, 
Nova Zelândia e Estados Unidos). O objetivo da pesquisa foi compreender os 
fatores que contribuem para que, no exercício de seus respectivos papéis, a 
relação entre esses atores produza condições de governança focada na 
realização do interesse público. 
Os resultados são instigantes e merecem ser conhecidos pelo seu valor 
comparado. Entretanto, devido a associação direta entre o formato dos sistemas 
de governança das polícias e os tipos de sistemas legais vigentes nos países, a 
comparação deve ser sempre cuidadosa. Por exemplo, na Grã-Bretanha os 
autores identificaram uma mudança relevante no sistema de nomeação dos 
chefes de polícia local, que passaram a ser eleitos pela comunidade e não mais 
indicados pelo Executivo. Lembramos que o sistema legal vigente na Grã-
Bretanha é a “common law” ou “lei comum”, em que a eleição para cargos do 
sistema judiciário é comum. Para os autores, essa mudança representou uma 
exposição positiva da polícia ao controle social, reforçando ideais de 
consentimento e legitimidade. No entanto, a medida também enredou os 
comissariados de polícia dos condados diretamente nos jogos de poder e 
alianças que caracterizam a vida política em nível local. Resultados como esse 
levaram os autores a concluírem que essa ambiguidade é inerente ao governo 
democrático da polícia e que um equilíbrio deve sempre ser buscado. O trabalho 
de Bayley e Stenning mostra também a importância das pesquisas sobre esse 
tema para que possamos conhecer esses desafios e contorná-los. 
 
 
 
 
 
 
113 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Nos sistemas de “common law”, vigentes nos países anglo-saxões e 
nas suas colônias, a aplicação da lei depende fundamentalmente da 
jurisprudência anterior e, por isso, os diplomas legais tendem a ser menos 
detalhados. Contrariamente, nos sistemas de “civil law, adotados na 
Europa continental e nas suas colônias, os códigos legais escritos são a 
fonte primária do direito e, por isso, tendem a ser mais específicos. A 
jurisprudência nesses casos desempenha um papel menos importante. 
 
 
Proença Júnior, Muniz e Poncioni (2009) publicaram os resultados de uma 
exaustiva revisão da bibliografia nacional e internacional sobre governança em 
seu artigo com o instigante título “Da governança de Polícia à Governança 
Policial: controlar para saber; saber para governar”. Nesse trabalho, os autores 
propõem uma distinção entre “governança de polícia” e “governança policial”. 
A governança da polícia: 
corresponderia à institucionalidade dos mecanismos executivos que 
asseguram a aderência da polícia à democracia e as leis de um país. Ela resulta 
de uma composição entre as metas e métodos estabelecidos pelo Governo, as 
predileções, prioridades e problemas da comunidade de cidadãos que concede 
o mandato policial (autorização pública) e as demandas das próprias agências 
policiais. Estas últimas são colocadas a partir do campo da governança policial. 
 
A governança policial: 
constitui a medida de autonomia decisória concedida às polícias para gerir 
as suas próprias organizações com base em seu saber profissional específico. 
 
A governança de polícia não se confunde, mas contém e subordina a 
governança policial. Entretanto, pretensões de controle total das polícias 
Saiba mais 
 
 
114 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
estariam fadadas ao insucesso, pois tenderiam a produzir uma burocratização 
excessiva das organizações e a estimular o imobilismo, prejudicando, em última 
instância, a própria finalidade de promover a “democracia como anterioridade, 
contexto e ambição” da ação policial (PROENÇA JÚNIOR; MUNIZ; PONCIONI, 
2009, p. 32). A questão, mais uma vez, é a busca de um equilíbrio, de uma 
proporção ideal entre autonomia e controle político. Como apontado por Bayley 
e Stenning, a solução encontrada pelos autores está na busca das condições 
ideais de operação da governança policial, ou seja, da execução cotidiana de 
seu mandato. Para Proença Júnior, Muniz e Poncioni, a governança de polícia e 
a governança policial compartilham a tarefa de estabelecer as prioridades e a 
forma de utilização dos recursos para o policiamento. O entendimento sobre a 
importância dessa relação está colocado no próprio subtítulo do trabalho 
“controlar para saber; saber para governar”. Se para o trabalho de Bayley e 
Stenning aparece a metáfora de um gradiente, no caso de Proença Júnior, Muniz 
e Poncioni vemos emergir um ciclo virtuoso entre conhecimento e controle. 
Com base nas referências trazidas ao texto, gostaríamos de concluir a 
presente seção destacando três pontos que nos auxiliam a lidar com o dilema 
que colocamos entre o governo político das polícias e a sua instrumentalização 
político-partidária. 
 
1º ponto: 
Em primeiro lugar, chamamos a atenção para o caráter inescapável desse 
dilema. Como vimos, mesmo alternativas que colocam a polícia sobre intenso 
controle social apresentam reveses e um equilíbrio entre autonomia e controle 
deve ser buscado. 
 
2º ponto: 
Em segundo lugar, destacamos a relação entre a procura pelo 
conhecimento e as formas de controle político das organizações policiais. Nesse 
quesito, a abertura das organizações à realização de pesquisas empíricas, 
sejam conduzidas por seus próprios agentes ou por atores externos, é 
 
 
115 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
fundamental, assim como o diálogo constante com a esfera da governança 
policial, ou seja, com as exigências práticas da execução do mandato. 
 
3º ponto: 
Um terceiro ponto colocado pelos autores e que toca especialmente o 
tema de que tratamos é a importância de uma arquitetura institucional que 
consiga traduzir as crescentes complexidades das funções de segurança pública 
e que faculte uma supervisão equilibrada da aplicação dos recursos policiais e o 
monitoramento de seus resultados. O Sistema Único de Segurança Pública 
(Susp) é uma tentativa nesse sentido. 
 
Por fim, esperamos ter conseguido esclarecer o tema da interferência dita 
“política” de Governos sobre a segurança pública. Na verdade, o que expõe as 
organizações a estas interferências é a falta de regras claras e de disposição 
para governar a polícia de forma equilibrada e informada, a partir de estruturas 
e processos institucionais de governança que devem ser construídos de forma 
pactuada. 
 
1.3 CONTROLE SOCIAL E ACCOUNTABILITY 
Como esperamos que tenha ficado claro a partir da discussão da seção 
anterior, a relação entre conhecimento e controle é central para o governo da 
polícia, assim como a existência de uma arquitetura organizacional abrangente, 
que articule as diversas instâncias de controle político das organizações 
policiais. Conheceremos melhor asestruturas institucionais previstas pelo 
Sistema Único de Segurança Pública para esse propósito no módulo 4, que vai 
tratar do histórico, funcionamento e arquitetura do SUSP. Elas incluem 
conselhos, comissões e sistemas de informação que formam a governança do 
sistema. Na presente seção, vamos tratar de três mecanismos importantes para 
a viabilização da governança de polícia: a participação e controle social, a 
articulação entre as formas de controle externo e interno, e a discussão sobre a 
relação entre inteligência organizacional e accountability. 
 
 
116 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
1.4 CONTROLE SOCIAL E ACCOUNTABILITY 
Definir participação social implica entender as múltiplas ações que 
diferentes forças sociais desenvolvem com o objetivo de influenciar a formação, 
execução, fiscalização e avaliação de políticas públicas. A participação da 
sociedade na gestão de políticas e programas públicos é chamada de controle 
social. O paradigma da participação social nas democracias advém de duas 
importantes constatações. A primeira é que o Estado não possui todas as 
respostas para o caráter multifacetado dos problemas que afetam sociedades de 
escala e complexidade crescentes. Nesse sentido é que afirmamos, por 
exemplo, que as políticas públicas devam estar baseadas em diagnósticos 
detalhados dos contextos e valores sociais de seus potenciais beneficiários e 
beneficiárias. Para que isso aconteça, a participação da população é condição 
sine qua non. Em segundo lugar, o nível de participação em uma determinada 
política pública é fundamental para a adesão social necessária à sua 
implementação e à consecução de seus objetivos. 
 
Figura 5 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Departamento de Polícia da Cidade de Lovejoy, Georgia - E.U.A. 
Projetos de policiamento comunitário são um bom exemplo de 
iniciativas que sofrem com a descontinuidade nas políticas de segurança 
pública, principalmente em vizinhanças marcadas pela desconfiança em 
relação ao Estado e seus agentes. Nesses lugares, um período prolongado 
de cooperação positiva entre as forças policiais e a comunidade é 
fundamental para a (re)construção das bases de legitimidade de suas 
 
 
117 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
ações. Esses projetos encontram-se inseridos no conjunto das políticas de 
governo e sua continuidade depende de uma série de fatores internos e 
externos, incluindo a própria prerrogativa do governo de encerrar as suas 
atividades. A proximidade com a comunidade constitui uma importante 
ferramenta de governança das polícias na democracia. Entretanto, como 
buscamos mostrar em nossa aula, toda a forma de governo guarda o risco 
prático da instrumentalização política. No caso do policiamento 
comunitário, pesquisas mostram que esse risco advém de grupos locais 
que concentram poder econômico e que tentam definir as prioridades do 
policiamento de forma não-representativa das demandas da comunidade 
como um todo (ver Muniz et al, 1997; Skogan, 2004). Lidar com esse tipo 
de risco implica que as polícias busquem alternativas para contornar esses 
desequilíbrios, criando oportunidades iguais de participação social para 
ouvir as demandas da população de forma ampla. 
 
Na segurança pública, o princípio democrático segundo o qual todos os 
que são atingidos por medidas sociais e políticas devem participar de seu 
processo decisório acumulou avanços importantes no século XXI, com a 
revolução digital e o avanço da política de Dados Governamentais Abertos (do 
Inglês Open Government Data - OGD; ver box informativo). Entretanto, ainda é 
bastante limitado pelos argumentos da técnica e do segredo. A técnica blinda as 
organizações policiais em relação à participação social com base na tese de que 
apenas policiais tem conhecimento para discutir a polícia. A polícia é um órgão 
público e o público, seja ele leigo ou especializado, tem o direito de ter sua 
perspectiva considerada. O argumento do segredo afirma que o 
compartilhamento de informações sobre o funcionamento das polícias pode 
comprometer a segurança da população e a integridade de suas operações. 
De fato, existem informações que circulam nos ambientes de trabalho da 
polícia que são altamente sensíveis e condições de acesso devem ser 
estabelecidas. Entretanto, o segredo não deve ser a regra geral, mas a exceção 
em uma democracia. Além disso, muito embora seja óbvio que certos assuntos 
exijam a perspectiva específica dos policiais para serem encaminhados, como 
opções mais adequadas de calibres policiais ou de viaturas para manobras de 
 
 
118 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
direção defensiva, ainda assim, a decisão de como utilizá-los permanece sendo 
política, ou seja, sujeita ao escrutínio da sociedade. 
 
 
1.5 RELAÇÃO ENTRE CONTROLE EXTERNO E CONTROLE INTERNO 
 
O primeiro grau de controle em qualquer sistema de responsabilização 
policial são os mecanismos de controle interno das polícias. Tais 
mecanismos possuem três componentes principais: 
1 padrões profissionais e de integridade, 
2 supervisão e monitoramento contínuos e 
3 relatórios internos e mecanismos disciplinares (DCAF, 2015). 
Todas as ações policiais devem estar fundamentadas na lei. No entanto, 
as definições legais podem ser insuficientes quando se trata do exercício diário 
dos poderes da polícia (ver Aula 3 do Módulo 2). É imperativo, portanto, que esta 
desenvolva padrões profissionais abrangentes (códigos de conduta), fornecendo 
orientações claras sobre o exercício prático dos deveres e poderes dos agentes. 
A supervisão e monitoramento contínuos visam verificar a conformidade dessas 
práticas quotidianas de policiamento com a lei, as políticas e os padrões de 
integridade, detectar comportamentos ilegais e/ou antiéticos, mas principalmente 
a melhora geral do serviço e da eficácia da instituição (ICRC, 2013, p. 140). O 
mesmo se aplica à prática de produção de relatórios internos e aos mecanismos 
disciplinares formais, como as corregedorias. 
Entretanto, outro componente central dos sistemas de responsabilização 
e governança da polícia em uma democracia são os mecanismos independentes 
para tratar tanto denúncias internas de irregularidades e abusos de poder como 
as queixas públicas contra a polícia de uma forma imparcial. Chamamos essa 
dimensão de mecanismos de controle externo das polícias. Existe uma 
variedade de estruturas e processos que conformam essa esfera de 
responsabilização e governança das organizações, na estrutura do Judiciário, do 
 
 
119 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Executivo e do Legislativo, como as comissões de inquérito, as ouvidorias de 
polícia, os termos de ajuste de condutas, dentre outros. A articulação entre os 
mecanismos de controle interno e externo das polícias é essencial para a 
construção de um sistema de responsabilização e governança policial funcional, 
tanto numa perspectiva preventiva quanto reativa. 
 
1.6 INTELIGÊNCIA ORGANIZACIONAL E ACCOUNTABILITY 
Segundo Couto e Macedo-Soares (2004), a “inteligência organizacional” 
seria a capacidade coletiva de uma organização para identificar situações que 
justifiquem iniciativas de aperfeiçoamento e de conceber, projetar, implementar 
e operar os sistemas aperfeiçoados para propiciar a utilização ótima de recursos 
intelectuais, materiais e financeiros da própria organização. Organizações 
inteligentes sabem lidar com as informações produzidas pelo seu 
funcionamento, transformando o registro meramente burocrático de tarefas em 
insumos de conhecimento a partir da sua catalogação e análise. Muitas vezes, 
as organizações não dispõem dessa capacidade instalada e podem contar com 
o apoio de instituições externaspara a sua consecução. 
 
Figura 6 
 
Fonte: https://digital.gov/2021/10/08/census-led-prize-challenge-incentivizes-using-
open-data-for-good/ 
 
O “Open Data for Good Grant Challenge” foi uma experiência de 
Dados Governamentais Abertos (do Inglês Open Government Data - OGD) 
lançada pelo Governo dos Estados Unidos em 2021 para estimular o uso 
 
 
120 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
de dados públicos no desenvolvimento de aplicações que resolvessem 
problemas relevantes para os cidadãos americanos. O avanço da 
digitalização no setor público conduziu à produção de grandes quantidades 
de dados, tornando o Estado um dos principais produtores de dados 
processáveis na economia digital. Nesse contexto, parcerias com centros 
de pesquisa e a iniciativa privada são comuns e se mostram estratégicas 
na busca por alternativas para o incremento da capacidade de 
planejamento e execução das organizações públicas. Ao aderir à política 
de Dados Governamentais Abertos, as instituições públicas tornam-se mais 
transparentes e responsáveis perante os cidadãos. Ao incentivar a sua 
utilização, reutilização e distribuição gratuita, os governos promovem 
soluções de políticas públicas inovadoras e centradas nos cidadãos. 
 
A ideia de accountability está diretamente associada às boas práticas de 
governança democrática no setor público. Esta é formada por dois componentes 
principais: “prestação de contas”, que é o fornecimento de informações, e 
“responsabilização”, por meio da qual é feito um julgamento sobre a adequação 
do comportamento, com base nesta e em outras informações. 
 
Em português, a palavra, que é de origem Inglesa, é comumente 
substituída por termos como “dever de transparência e prestação de 
contas”. 
 
A possibilidade de responsabilização do Governo significa que os 
funcionários públicos – eleitos e não-eleitos – têm a obrigação de explicar as 
suas decisões e ações aos cidadãos. Entretanto, para que o Governo seja 
passível de responsabilização, este precisa adotar uma política de dados 
transparente e práticas de prestação de contas regulares à sociedade. Em última 
instância, a organização precisa manter padrões de registro, sistematização e 
difusão das informações produzidas pelo seu funcionamento (relatórios, boletins, 
fichas), de modo que estas formem conjuntos de dados processáveis e 
publicáveis. 
 
 
121 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
AULA 2 – POLÍCIA POLÍTICA E A POLÍTICA DA POLÍCIA 
 
2.1 Polícia e Política 
Na presente aula, discutiremos a relação da polícia com a esfera da 
política a partir da caracterização do seu lugar estrutural na organização do 
Estado e da ordem social. Para explorar esse tema, iniciaremos nossa discussão 
pela definição do sociólogo Max Weber. Segundo Weber, a política se 
caracteriza como um meio de exercer influência sobre a distribuição, 
manutenção ou transferência do poder em uma determinada associação política 
(WEBER, 2011). 
 
 
“Todo homem, que se entrega à política, aspira ao poder — seja 
porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outros 
fins, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder “pelo poder”, para gozar 
do sentimento de prestígio que ele confere.” (WEBER, 2011, p. 26). 
 
 
A partir dessa definição de política, passaremos agora a tratar das 
diversas maneiras por meio das quais o trabalho da polícia é influenciado e 
influencia a distribuição de poder na sociedade por meio de pesquisas que 
mostram como as condições de insegurança interferem no acesso a bens e 
serviços, como educação e saúde, atingindo os grupos sociais de forma 
diferenciada. É nesse sentido que entendemos que a atuação da polícia possui 
um impacto político importante, em termos “weberianos”. 
 
 
 
 
 
122 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Figura 7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: https://www.imdb.com/title/tt2137321/ 
O documentário “The Dorp: 40 days of our lives” (2009), dirigido pelo 
cineasta sul-africano Max Fabian Meis, retrata a dimensão geracional da 
filiação às diversas gangs juvenis que operam na região dos Cape Flats, 
na Cidade do Cabo, e coloca com clareza gráfica os efeitos da violência 
armada na vida de uma comunidade. O termo “dorp”, em Africâner, significa 
uma pequena cidade, ou vila. O documentário acompanha quatro 
personagens que representam quatro gerações (infância, juventude, idade 
adulta e terceira idade) em caminhadas pelo seu bairro para explorar suas 
diferentes visões sobre o lugar e os graves problemas sociais que o afetam. 
Todos os personagens almejam um futuro melhor, mas parecem presos 
num círculo de pobreza e violência difícil de ser rompido. 
 
Comecemos nossa discussão pelas formas através das quais a política 
de segurança pública é afetada pelas relações de poder na sociedade 
considerando recortes de raça, gênero, classe social, capacidade física, local de 
residência, orientação sexual dentre outros. Quando analisamos o perfil das 
áreas mais afetadas pela violência e a insegurança em termos de sua população 
residente, características urbanísticas e de habitação podemos observar certos 
padrões de concentração. Esses padrões são indicativos de fatores estruturais 
 
 
123 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
que operam sobre aqueles espaços de modo a torná-lo mais suscetíveis à 
violência e suas consequências. 
Atualmente, o entendimento de como esses diferentes pertencimentos 
afetam à exposição à violência tem sido profundamente influenciado pelo que 
ficou conhecido como “teoria da interseccionalidade” (ver Crenshaw, 2017; 
Collins & Bilge, 2020). 
 
A teoria da interseccionalidade se concentra na análise das 
interconexões entre diferentes formas de opressão, discriminação e 
desigualdade a que indivíduos ou grupos podem estar submetidos e que 
operam simultaneamente no sentido de aumentar ou reduzir a 
probabilidade destes figurarem como autores ou vítimas de violência. 
 
Por exemplo, no Brasil, as maiores vítimas e autores em casos de 
violência armada são do sexo masculino. Os homens, entretanto, não estão 
igualmente expostos a esse tipo de violência. Homens negros, jovens e 
periféricos estão estatisticamente mais expostos à violência armada (ver Costa 
& Lima, 2017). Nesse caso, além do sexo, a raça, a faixa etária e o local de 
residência dos sujeitos operam de forma articulada para construir uma situação 
de exposição diferencial à violência. A interseccionalidade explora como estas 
diferentes desvantagens se acumulam, operam de forma articulada na vivência 
social, comunitária e familiar dos sujeitos e como seus efeitos se sobrepõem 
para configurar uma situação de desigualdade e desempoderamento estrutural. 
Medeiros (2019), afirma que essa reflexão é importante de ser incorporada às 
políticas públicas para que estas não reproduzam cegamente as situações de 
desigualdade e recomenda algumas medidas: 
1 Foco no espaço e nos modos de vida que nele se desenvolvem 
para entender como as múltiplas desvantagens operam sobre os 
sujeitos; 
Saiba mais 
 
 
124 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
2 Adoção de uma perspectiva crítica sobre o modo como as políticas 
públicas são planejadas, implementadas e avaliadas (ciclos da 
política); 
3 Criação de mecanismos antidiscriminação e de estratégias que 
promovam a inclusão e representatividade social no processo da 
política pública como um todo; e 
4 Adoção do modelo de políticas públicas baseadas em evidências. 
 
Figura 8 
 
Fonte: Redes da Maré, 2021. 
 
 
Uma outra dimensão política importante e que se relaciona com as 
políticas de segurança pública e o trabalho da políciaencontram-se 
consolidadas em uma bibliografia sobre os impactos ou custos sociais 
da violência. Esses trabalhos também utilizam os recortes de gênero, raça, 
classe social etc., mas podemos dizer que se focam mais nas 
consequências da violência, enquanto a análise interseccional parte de 
uma situação de exclusão e opressão para buscar as suas causas. Em 
verdade, as duas abordagens são complementares. Pesquisas que 
busquem investigar os efeitos da violência urbana sobre a frequência 
escolar, por exemplo, podem identificar que certas áreas das cidades são 
mais afetadas que outras nesse sentido. 
Pesquisa desenvolvida pela Iniciativa de Defesa da Infância do 
Departamento de Justiça dos EUA (Swaner, Ayoub & Rempel, 2015) e pelo 
 
 
 
125 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
escritório especial das Nações Unidas (United Nations, 2020), mostram que 
a exposição de crianças a situações de violência continuada pode 
prejudicar o seu desenvolvimento emocional, psicológico e até mesmo 
físico. As crianças expostas à violência têm maior probabilidade de ter 
dificuldades na escola, abusar de drogas ou álcool, agir agressivamente, 
sofrer de depressão ou outros problemas de saúde mental e envolver-se 
em comportamentos criminosos quando adultos. Estudo desenvolvido pelo 
Fundo Monetário Internacional (Ouedraogo & Stenzel, 2021) em países da 
África Subsaariana, por sua vez, sugere que um aumento de 1 ponto 
percentual na violência contra as mulheres está associado a um nível de 
atividade econômica 9% inferior. No curto prazo, isso acontece porque as 
mulheres provenientes de lares abusivos tendem a trabalhar menos horas 
e a ser menos produtivas quando trabalham. No longo prazo, níveis 
elevados de violência doméstica podem diminuir o número de mulheres na 
força de trabalho, minimizar a aquisição de competências e educação pelas 
mulheres e resultar em menor investimento público e geração de riquezas 
em geral. 
 
Sabemos que o trabalho da polícia não vai resolver o problema da 
desigualdade. As condições de segurança da população também não dependem 
unicamente da ação das polícias. A segurança, em muitos aspectos, é uma 
condição existencial que envolve a percepção das pessoas sobre as suas 
condições de vida, como o acesso a moradia digna, emprego e liberdade de 
circulação. Entretanto, como vimos até aqui, a segurança, enquanto direito a 
uma vida livre dos efeitos deletérios do crime e da violência, é fundamental para 
o acesso a direitos e a recursos materiais. Enquanto principal instrumento de 
intervenção direta da política de segurança pública, o trabalho da polícia é 
fundamental para a construção das condições de usufruto pleno de direitos e de 
desenvolvimento dos sujeitos. 
 
 
 
 
126 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
2.2 Polícia política 
Uma “polícia política”, diferente de uma “polícia democrática”, opera 
fora dos limites da soberania popular que, numa democracia, delimita o campo 
de ação, métodos e prioridades dos serviços policiais. Ela é um instrumento da 
vontade personalista de um ditador, de um partido político ou instituição que 
busca manter uma situação de dominação ou alcançá-la por meio do uso de 
violência contra dissidentes e oposicionistas. A polícia política opera nas 
sombras, no sentido de que suas atividades não estão sujeitas aos controles 
sociais e políticos de uma democracia, implementados, como vimos, por meio 
do que chamamos governança de polícia (Proença Júnior, Muniz & Poncioni, 
2009). 
 
A “polícia política” não é, entretanto, sinônimo de “polícia secreta”, 
menos ainda de “serviços de inteligência”. 
 
Podemos chamar de polícias secretas os serviços de coleta de 
informações que utilizam técnicas sigilosas de vigilância, infiltração, 
recrutamento de informantes e interceptação de mensagens. Muito embora as 
polícias políticas possam incorporar estas técnicas ao seu trabalho de supressão 
de dissidências ao regime, ela não necessariamente atua inteiramente com base 
no segredo. Isso porque as demonstrações públicas de violência servem para 
dissuadir manifestações de descontentamento. As polícias secretas, por sua 
vez, não podem ser confundidas com os serviços de inteligência que constituem 
uma parte importante da manutenção da soberania mesmo em regimes 
democráticos. Portanto, a confusão entre polícia política, polícia secreta e 
serviços de inteligência ocorre por conta dessa superposição de métodos, mas 
também pelo fato de setores de inteligência estatais em regimes democráticos 
terem sido utilizados em ocasiões em benefício do governo e contra a oposição. 
O perigo dos serviços de inteligência se tornarem polícias políticas é real 
exatamente pela mistura perigosa entre o imperativo do segredo de suas 
operações e a sua proximidade com o poder político. Com baixa transparência 
 
 
127 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
e controle social, os serviços de inteligência estão sujeitos a serem desviados da 
missão que lhes compete, para um trabalho mesquinho de coleta de informações 
contra grupos oposicionistas. Nesse sentido, respeitadas as necessidades 
específicas desse tipo de atividade, os serviços de inteligência também devem 
estar submetidos a estruturas de governança e prestação de contas, desde que 
as pessoas destinatárias estejam integradas aos “círculos de sigilo” da 
comunidade de inteligência no interior das três esferas de governo. O foco maior 
no controle interno da atividade de inteligência deve, portanto, ser 
complementado pela aplicação rigorosa de padrões de integridade e ética 
profissional à conduta de seus membros. 
 
Figura 9 
 
Fonte: https://www.brookings.edu/books/secrets-and-spies/ 
 
Em 2017, uma série de ataques terroristas em Londres e Manchester 
mataram trinta e seis pessoas e feriram quase duzentas outras. Três dos 
seis agressores eram conhecidos do Serviço de Segurança Britânico, dois 
deles tendo sido anteriormente objeto de interesse e um, Khuram Butt, de 
uma investigação ativa. Essa situação levantou questões sobre os níveis 
de prestação de contas dessas agências no Reino Unido. A sociedade, o 
Parlamento Britânico e o Judiciário passaram a questionar o serviço de 
inteligência do país e a forma como o dinheiro público estava sendo 
aplicado por estas agências. O livro “Secrets and Spies” (Segredos e 
Espiões) reúne informações sobre esse e outros casos, bem como a 
 
 
128 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
literatura técnica especializada e sociológica sobre o tema, para discutir em 
profundidade a questão da busca desse equilíbrio difícil entre segredo e 
transparência que deve marcar o funcionamento dos setores de inteligência 
em uma democracia. 
 
 
O jurista Roberto Romano, Professor da Unicamp, em seu artigo 
“Sigilo Jornalístico e Segredo de Estado” (2006), coloca essa questão de 
forma definitiva. Em suas palavras, a “democracia começa e termina com 
o segredo” (:226). Essa frase encarna perfeitamente o caráter dilemático 
da questão. Se, como afirma Michel Foucault em seu livro “Segurança, 
Território e População” (FOUCAULT, [1978] 2008), conhecer as 
características de uma população é fundamental para o governo da 
sociedade, função para a qual colaboram tanto a estatística como a própria 
atividade de inteligência, a limitação desse saber-poder do Estado foi 
fundamental para o surgimento do Estado Democrático de Direito. 
 
 
O resultado que emerge do processo de instrumentalização política das 
polícias pode ser definido como um “Estado policial”. O jurista francês Raymond 
Carré de Malberg (1861–1935) oferece uma das mais utilizadas definições desse 
conceito. Nas palavras do autor, em um Estado policial:“a autoridade administrativa pode, de modo discricionário e com uma 
liberdade decisória mais ou menos completa, aplicar aos cidadãos todas as 
medidas que ela julga útil de serem tomadas por iniciativa dela mesma, 
para enfrentar circunstâncias e atingir em cada momento os fins a que se 
propõe. O Estado policial se opõe ao Estado de direito.” (Malberg, 1920). 
 
Palavra do Especialista 
 
 
129 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Á título de conclusão, podemos dizer que existem dois caminhos 
para a degeneração de uma polícia democrática em uma polícia política. 
Ambos se nutrem da falta de transparência e submissão aos controles 
políticos e democráticos. 
1º caminho: 
O primeiro e principal deles, como vimos, é a permeabilidade das 
organizações à instrumentalização política pela ausência de um sistema de 
governança de polícia. 
 
2º caminho: 
O segundo, como tratamos nesta seção, é o argumento da técnica e do 
segredo, que blinda a polícia do controle da sociedade e facilita o seu uso político 
por governantes autocráticos. 
 
Essa mesma fragilidade, entretanto, tende a redundar na emancipação 
política das organizações policiais, ou seja, na sua total independência dos 
controles políticos democráticos. Esse é o problema principal da ideia 
equivocada de que a política deva passar longe do trabalho da polícia. 
 
Se a política é um meio de disputar o poder na sociedade, como nos 
define Max Weber, e é verdadeira a máxima imortalizada por John Dalberg-
Acton de que o poder absoluto corrompe absolutamente, a busca por uma 
relação equilibrada entre a polícia e a esfera da política se mostra 
fundamental para uma polícia verdadeiramente democrática. 
 
 
 
 
 
130 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
2.3 Políticos de esquina 
 
Em uma situação em que os membros de uma sociedade deixam de 
reconhecer a capacidade do Estado de prover alternativas justas e adequadas 
para o encaminhamento dos conflitos sociais, este perde significativa 
capacidade regulatória. As pessoas deixam de reportar esses conflitos, que 
passam a “não existir” como registros oficiais (subnotificação) e podem passar a 
ser administrados fora do campo estatal, como no recurso a formas de 
justiçamento ou a grupos que disputam a autoridade do Estado. 
Como vimos, não é possível governar aquilo que não se conhece, menos 
ainda quando não existe reconhecimento da legitimidade para tal. Essa falta de 
reconhecimento pode ter diversas causas contextuais, como a distância e o 
isolamento de comunidades, a sua prolongada exposição a situações de 
violência perpetrada por agentes estatais, a existência de grupos locais que 
capturam funções de regulação disputando com o Estado a legitimidade para tal, 
dentre outras. Nessa aula, entretanto, vamos identificar algumas causas 
estruturais importantes nesse sentido e que mostram que a construção da 
legitimidade da lei do Estado é um processo constante e diário de convencimento 
cujo objetivo é ganhar “corações e mentes” para as vantagens da mediação 
estatal dos conflitos. 
Esse fato é histórico e contraria um certo senso comum “legalista” que 
entende que a simples existência da lei produz efeitos regulatórios imediatos, 
inequívocos e definitivos sobre a sociedade. Quando as pessoas apresentam 
forte adesão às leis, esse estado de ordem é com certeza fruto de um esforço 
continuado de construção. Essa é uma construção política, porque constrói a 
legitimidade do Estado e conforma o espaço regulatório das sociedades. Mais 
do que a simples aplicação de sanções, a redução desse intervalo entre a lei e 
sua obediência envolve um esforço orientado de mediação e elaboração 
simbólica. A capilaridade da ação da polícia a coloca exatamente nesse lugar 
conflituoso em que a lei, enquanto formulação ideal, encontra as suas condições 
materiais de realização no mundo e por isso os policiais desempenham um papel 
fundamental nesse sentido. 
 
 
131 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Antes de falarmos sobre estas características do trabalho policial, vamos 
tratar das causas históricas dessa condição. Segundo Norbert Elias (1990), no 
mundo ocidental a história do “processo civilizador” foi marcada por dois 
movimentos principais. 
 
1º movimento: 
Em termos sociais, este se caracterizou pela contínua transformação do 
que o autor chamou de “padrões de vergonha e repugnância”, fontes simbólicas 
importantes para o exercício do controle social informal ou difuso. 
 
2º movimento: 
Em termos político-institucionais, transformações nas sociedades 
europeias levaram à progressiva concentração do direito ao uso legal e legítimo 
da violência na figura do Estado, que passou a exercê-lo por meio de um grupo 
de indivíduos profissionalmente treinados para tal (ver Aula 1 do Módulo I). 
Dentre as categorias profissionais autorizadas a fazê-lo, a polícia definitivamente 
é uma das mais presentes no cotidiano da vida em sociedade. 
 
Nesse sentido, a consolidação do monopólio estatal da violência no 
mundo moderno, a partir do século XVIII, trouxe como principais vantagens 
civilizatórias a maior imparcialidade e objetividade das funções de regulação e 
de produção de justiça no âmbito do Estado, que passou a operar como uma 
terceira-parte neutra na intermediação dos conflitos sociais. A desvantagem 
desse movimento é que com a retirada dessas funções da comunidade, criou-se 
um hiato de reconhecimento entre: 
 
A lei universal, 
aplicável igualmente a todos. 
 
 
 
132 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
E a norma social, 
que reconhece os atributos da pessoa e sua trajetória para a produção de 
alternativas de regulação adequadas a cada situação específica. 
 
 Acontece que, por vezes, as demandas de natureza moral que informam 
as reivindicações por justiça das comunidades não são contempladas pelas 
alternativas universais oferecidas pelo Estado. 
William Ker Muir (1977), em seu livro “Street Corner Politicians”, define os 
policiais como “políticos de esquina”. Isso porque sua função seria marcada por 
um trabalho cotidiano e diligente de fazer com que as “leis do mundo” (normas 
sociais e práticas culturais) possam encontrar o “mundo das leis” (normas 
positivadas e universais). O autor fez seu trabalho de campo no departamento 
de polícia da cidade norte-americana de Lacônia4. Numa democracia, como 
vimos, esse trabalho da polícia precisa obter consentimento social e Muir 
pensava esse atributo em oposição à necessidade de aplicação da força. Quanto 
maior o consentimento, menos a necessidade de usar meios mais invasivos para 
obter a submissão das pessoas às leis. Essa competência, entretanto, 
demandava um entendimento das percepções sobre justiça e sobre a natureza 
dos conflitos e daquilo que está sendo disputado pelas pessoas. 
Nesse sentido, o trabalho do antropólogo Luis Roberto Cardoso de 
Oliveira pode nos auxiliar na caracterização dessa problemática. Em seu texto 
“Existe violência sem agressão moral?” (2008), o autor apresenta casos em que 
circunstâncias de desrespeito à cidadania não são devidamente captadas pelo 
processo judicial ou pela linguagem dos direitos universais. Com base em suas 
análises, ele propõe o conceito de “insulto moral” como uma dimensão 
importante do fenômeno jurídico e do Direito. Nas palavras de Cardoso de 
Oliveira, 
 
 
 
4 Nome fictício dado pelo autor. 
 
 
133 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
“Trata-se de direitos acionados em interações que não podem 
chegar a bom termo por meio de procedimentos estritamente formais e que 
requerem esforços de elaboração simbólica da parte dos interlocutores 
para viabilizaro estabelecimento de uma conexão substantiva entre eles, 
permitindo o exercício dos respectivos direitos.” (OLIVEIRA, 2008, p. 136). 
 
 
O trabalho de “elaboração simbólica” a que o autor se refere implica 
que os interlocutores de casos como esses estejam abertos a reconhecer 
demandas por “respeito” e “consideração” que muitas vezes permeiam as 
percepções das pessoas sobre o que constitui uma agressão, formas 
“satisfatórias” de reparação e o próprio significado social do direito. O limite 
desse trabalho de mediação, num Estado Democrático de Direito, será sempre 
a lei. 
Em seu livro "Policing the Frontier: An Ethnography of Two Worlds in 
Niger" (Policiando a Fronteira: Uma Etnografia de Dois Mundos no Níger), Mirco 
Göpfert, também aborda essa questão das moralidades que moldam as 
demandas regulatórias da sociedade e, por consequência, as práticas policiais. 
Göpfert aborda os dilemas dos policiais para fazer cumprir a lei em um contexto 
de fraca penetração e legitimidade das instituições do Estado na cidade de 
Godya5, localizada na zona de fronteira entre o Niger e a Nigéria. Naquele 
contexto, segundo o autor, mesmo os próprios policiais de Godya entendiam que 
as instituições e leis do Estado eram inadequadas para trazer justiça aos modos 
de vida das pessoas e tentavam produzir formas mutuamente compatíveis de 
sociabilidade e moralidade entre a forma burocrática e a vida vivida. Ele chamou 
essa atividade de “trabalho de reparação”, um esforço para reparar a lei por 
meio da incorporação de concepções populares de certo e errado em seu 
trabalho rotineiro, produzindo maior adesão social às leis do Estado. 
 
5 Nome fictício dado pelo autor. 
 
 
134 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
AULA 3 – POLÍCIA E A RECONSTITUIÇÃO DA ESFERA DA 
POLÍTICA 
 
Encerramos a última aula (Aula 2) deixando alguns conceitos importantes 
para a discussão que fazemos nas seções seguintes sobre o papel da polícia no 
que chamamos de “reconstituição da esfera da política”. Ao compreendermos 
o lugar da polícia na estrutura do Estado, que caracterizamos como um ponto de 
encontro entre o mundo das leis e as leis do mundo, propusemos a imagem 
do serviço policial como caracterizado por um trabalho de mediação entre a lei 
e a realidade social. 
 
Ao contribuir para a restituição da fé das pessoas na lei e na justiça 
estatal, a polícia pode ser um instrumento fundamental para fortalecer a 
legitimidade do Estado e a sua capacidade regulatória. 
 
Entretanto, não é qualquer forma de atuação da polícia que pode ser 
considerada trabalho de mediação. Na verdade, o trabalho de polícia que media 
é aquele que é guiado por princípios e atitudes de abertura para a sociedade, 
para a compreensão da natureza e motivação dos conflitos, dos valores que 
informam as noções de justiça e das condições materiais de acesso à direitos. 
Um trabalho feito na legalidade, ao qual as pessoas atribuem legitimidade e que 
por isso tem a capacidade de (re)constituir a autoridade do próprio Estado. Em 
contextos que estamos chamando aqui de pós-conflito, em que a capacidade 
regulatória estatal foi completamente perdida ou encontra-se em frangalhos, 
esse trabalho de mediação se torna altamente relevante, como veremos. 
Nesse sentido, nas seções seguintes, vamos desenvolver essas 
questões, iniciando com uma breve caracterização desses contextos pós-
conflito. Em seguida, apresentaremos o conceito de “core policing” de David H. 
Bayley e Robert M. Perito desenvolvendo um pouco mais sobre as 
características do policiamento que têm o potencial de reparar a ordem social e 
 
 
135 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
reabilitar a autoridade do Estado. Como encerramento da aula, trazemos um 
caso concreto de reconstrução das bases de legitimidade da polícia na África do 
Sul após o fim do regime do apartheid, em 1994. O caso sul-africano é 
considerado paradigmático, pois envolveu a polícia em um processo de reforma 
ampla do Estado e de reconciliação da sociedade. 
 
3.1 Características de contextos pós-conflito 
As características de contextos pós-conflito podem variar amplamente 
com base na gravidade do conflito, sua história e duração, o contexto social e 
cultural do país, dentre outros fatores. Em alguns casos, grupos dissidentes ou 
insurgentes mantêm-se mobilizados mesmo depois de um acordo ou armistício 
ter sido alcançado por suas lideranças. Em outros, o medo de represálias, uma 
vez estabelecidos processos de alternância de poder, pode refrear os esforços 
de reconciliação. Certos conflitos apresentam motivações étnicas ou religiosas 
e objetivam a supressão de um grupo ou prática social. Outros visam o 
estabelecimento de um determinado grupo no poder ou simplesmente a 
derrubada do regime. Os conflitos podem ser generalizados ou localizados, 
envolver disputas regionais internas ou com outros países. Podem provocar 
deslocamentos massivos de refugiados, mas também limitações para o 
deslocamento interno. Podem envolver antagonismos entre facções dentro dos 
exércitos, entre milícias ou desses grupos com a própria polícia. As 
possibilidades são amplas. 
Entretanto, podemos dizer que países que passaram por guerras civis 
ou conflitos prolongados compartilham algumas características gerais 
desafiadoras. A principal delas é o reestabelecimento das instituições, da ordem 
e da previsibilidade social em um ambiente de profunda instabilidade política 
causada pela suspensão das regras que regem a sociedade em situações de 
normalidade. Mais desafiador ainda é o restabelecimento da fé das pessoas no 
Estado e suas instituições, no reconhecimento de sua função de terceira-parte 
neutra para a mediação dos conflitos sociais. 
 
 
 
136 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
É relativamente comum que as pessoas utilizem o termo “guerra 
civil” para falar de conflitos que, na verdade, não poderiam ser 
classificados dessa forma. Para caracterizar uma guerra civil é preciso que 
sejam identificados grupos que abertamente contestem o poder político de 
forma violenta. Se não existe a ambição explícita de tomar o Governo ou 
transformar o regime por meio do recurso às armas, um conflito, por 
definição, não pode ser chamado de guerra civil. Mesmo que prolongado e 
violento, um conflito armado movido exclusivamente por motivações 
econômicas, como a exploração de mercados ilegais, também não pode 
ser classificado dessa forma. Apesar de inegavelmente produzirem 
impactos políticos no sentido de afetar certos grupos sociais de forma mais 
gravosa, com a limitação de seus direitos, acesso a recursos materiais e 
limitação de sua circulação, conflitos de base econômica tendem a ser 
vistos como dinâmicas criminais. 
 
A nomenclatura “contexto pós-conflito” pode levar a alguns equívocos, 
como quando pensamos nessas situações como sinônimos de paz ou de 
superação de um conflito existente. Os contextos pós-conflito não são, 
necessariamente, marcados pela paz social. A paz costuma ser definida como 
um estado de tranquilidade, harmonia e estabilidade. Se considerarmos que 
nenhum agrupamento humano reúne essas características de forma ampla e 
continuada é possível dizer que a paz seria, na verdade, um horizonte para a 
ação, raramente uma realidade concreta. Mesmo para aquelas sociedades que 
não estão em guerra, não seria correto afirmar que a paz reina na vida de seus 
habitantes. 
 
A paz não significa superação ou eliminação total dos conflitos. O 
conflito, na verdade, faz parte da própria vida em sociedade. 
 
 
 
Vamos Refletir 
 
 
137 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
O sociólogo Georg Simmel, em seu texto “O Conflito como Sociação” 
(2011[1964]), nosfala do conflito como uma forma de relação social que o 
autor denomina “sociação” e que seria típica da vida nas grandes cidades. 
Nesse sentido, o autor contraria a perspectiva de que o conflito possuiria 
apenas atributos negativos e desagregadores, afirmando que a 
organização interna da vida urbana se basearia em uma hierarquia 
complexa de simpatias, indiferenças e aversões que estariam na base 
de antagonismos de tipo mais efêmero ao mais duradouro. Para Simmel, 
existe muito pouco espaço para a indiferença na sociedade. Relações de 
simpatia e aversão seriam as forças que movem a formação de grupos 
sociais, que são agrupamentos humanos baseados na identificação mútua 
e na comunidade de gostos e interesses. Existirão conflitos entre esses 
grupos e dentro de cada um deles. Para Simmel, entretanto, as situações 
de antagonismo em si não produzem sociação. O que produz sociação é a 
forma como estes são expressos e encaminhados, o que permitirá a 
continuidade da sociedade em um tipo de unidade na diferença, que 
Simmel chama de situação de “equilíbrio provisório”. 
 
 
Quando falamos em contextos pós-conflito falamos dos desafios de 
reconstruir a legitimidade do Estado após uma guerra civil ou governo autoritário. 
Entretanto, os desafios e dilemas implicados nesse processo são compartilhados 
por outros contextos sociais e da vida em sociedades complexas. Nesse sentido, 
trazemos as orientações de Simmel para afirmar que, assim como nos contextos 
pós-conflito, a vida urbana seria caracterizada por situações de equilíbrio 
provisório, mais ou menos duradouras e abrangentes, e que dependeriam de 
articulações políticas, sociais e de base comunitária para se manterem e 
expandirem. A ideia de paz, apesar de utópica, não deixa de apresentar uma 
relevância política importante nesse processo. Ela criaria um tipo de unidade de 
sentido para os esforços coletivos do Governo e da sociedade para a construção 
de uma situação de equilíbrio que, como vimos, tende a não ser definitiva. 
Palavra do Especialista 
 
 
138 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
No geral, em contextos pós-conflito são criados fóruns de diálogo 
que não raramente recebem nomes como “comitês de paz” e que buscam 
promover reconciliação e justiça. Estabelecer um processo político 
inclusivo e transparente, que permita a participação de todas as partes 
implicadas no conflito, é essencial para alcançar um equilíbrio que 
necessariamente envolverá compromissos de parte a parte. 
 
A polícia também desempenha um papel fundamental nesse sentido. Em 
contextos de pluralismo jurídico, em periferias urbanas, áreas rurais ou 
comunidades fronteiriças, ou onde a violência de conflitos prolongados fez com 
que a lei do Estado parecesse distante e ameaçadora, perguntar por que as 
pessoas denunciam crimes específicos à polícia pode fornecer informações 
importantes sobre as bases sociais da legitimidade do Estado. No livro 
“Peacekeeping, Policing and the Rule of Law after Civil War” (Manutenção da 
Paz, Policiamento e Estado de Direito após a Guerra Civil), Robert A. Blair (2020) 
analisa as condições para que as intervenções das Nações Unidas (ONU) 
consigam (re)estabelecer o Estado de Direito em contextos pós-conflito. 
 
Veja a análise de Blair sobre as condições para que as intervenções 
das Nações Unidas (ONU) consigam (re)estabelecer o Estado de Direito em 
contextos pós-conflito: 
O autor analisa o caso da guerra civil da Libéria (1989-1997) e oferece 
uma definição operacional do conceito de Estado de Direito como a disposição 
das pessoas em recorrer a alternativas de mediação sancionadas pelo Estado 
em detrimento de formas de justiça de base comunitária, como o linchamento e 
o banimento. O autor mostrou que comunidades rurais expostas a patrulhas 
policiais diárias, realizadas conjuntamente pelas tropas da ONU e oficiais da 
polícia liberiana, estavam mais inclinadas a denunciar crimes graves à polícia, 
como homicídios e roubos. Esta conclusão é relevante não apenas no contexto 
das intervenções da ONU, mas demonstra o papel crítico do policiamento regular 
 
 
139 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
na sustentação (ou destruição) das crenças das pessoas nos poderes 
reguladores da lei e na sua capacidade de distribuir a justiça do Estado de formas 
consideradas adequadas e legítimas também pelas comunidades. 
 
Entretanto, não é qualquer tipo de policiamento que restabelece a fé das 
pessoas na justiça do Estado. Nas seções seguintes, desenvolveremos mais 
sobre esse tema, tratando da forma como as funções e características do serviço 
policial podem atuar no sentido de promover a adesão das pessoas às leis e 
instituições, mesmo em contextos em que o Estado pareça distante, goze de 
níveis baixos de legitimidade ou tenha sido inviabilizado materialmente pela 
destruição total ou parcial de estruturas e instituições públicas. 
 
3.2 O conceito de Core Policing de Bailey & Perito 
 
Qual é o núcleo do trabalho policial? Sua característica mais elementar? 
Em “The Police in War: Fighting Insurgency, Terrorism, and Violent Crime” (A 
Polícia na Guerra: Combatendo a Insurgência, o Terrorismo e o Crime Violento), 
David H. Bayley and Robert M. Perito (2010) refletem sobre aquelas perguntas 
para propor um conjunto de medidas focadas na reabilitação de forças policiais 
para a atuação em funções de segurança pública após períodos de guerra civil 
ou conflito. Nesses contextos, como vimos, movimentos de resistência 
(“insurgentes”) ainda encontram-se ativos, impondo a necessidade da 
continuidade de operações conjuntas entre as Forças Armadas e policiais. 
Nesse ambiente confuso, em que crimes comuns muitas vezes se confundem 
com crimes políticos, Bayley e Perito advogam pela importância do reencontro 
das forças policiais com suas funções civis essenciais de prevenção e 
investigação dos crimes, e de garantia da ordem pública, que constituiriam o 
núcleo de suas atividades e que os autores chamam de “core policing” 
(“policiamento essencial”). 
Em sua definição do conceito, Bayley e Perito afirmam que três princípios 
devem nortear as atividades essenciais do policiamento: 
 
 
140 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Disponibilidade (availability): 
No que se refere à disponibilidade, os autores falam em aspectos como a 
visibilidade do policiamento e a postura dos/as policiais. Nesse sentido, por 
exemplo, uma viatura baseada em uma esquina, mas com os vidros fechados 
ou com agentes em postura pouco amistosa não seria o suficiente para 
configurar um policiamento disponível. 
 
Pronta-resposta (responsiveness): 
Pronta-resposta se refere à capacidade da polícia de responder aos 
chamados e atender efetivamente as demandas do público em tempo hábil e de 
forma previsível. 
 
Imparcialidade (even-handedness): 
Finalmente, aquilo que os autores chamam de imparcialidade se aproxima 
daquilo que discutimos sobre “justiça procedimental” (ver Aula 5 do Módulo I), 
que defende a equidade e a transparência como fundamentos dos processos e 
procedimentos do Estado. 
 
O "crime comum" refere-se a delitos que violam as leis gerais de 
uma sociedade, como homicídio, roubo, estupro, entre outros. Por sua vez, 
o "crime político" é um termo de definição mais complexa, pois pode variar 
segundo contextos históricos e políticos específicos. Segundo autores 
como Hannah Arendt e Carl Schmitt, a diferença entre crime comum e 
crime político reside principalmente na motivação por trás do ato delituoso. 
 
Veja a opinião dos estudiosos: 
Hannah Arendt (1989): 
Hannah Arendt (1989), em sua obra “As Origens do Totalitarismo”, 
argumenta que o crime político é cometido com base em motivações políticas ou 
 
 
141 O ESTADO DEMOCRÁTICODE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
com o objetivo de atingir fins políticos específicos, como mudar o governo, 
promover uma ideologia ou desafiar o status quo. Arendt enfatiza que o crime 
político é uma manifestação da ação política, uma tentativa de intervir na esfera 
pública para expressar descontentamento, buscar ou conservar o poder. 
 
Carl Schmitt (2008): 
Já para Carl Schmitt (2008), em sua obra “O Conceito do Político”, o crime 
político ocorre quando um indivíduo ou grupo age contra o Estado ou as 
instituições políticas estabelecidas como parte de um conflito mais amplo, em 
que o seu autor questiona a ordem política existente. 
 
O livro de Bayley e Perito é baseado em um estudo de caso de 
experiências de “transferência de poder” (“power handover”) implementadas 
durante a ocupação Norte Americana no Afeganistão e no Iraque. Em especial, 
os autores se dedicam às medidas adotadas para a requalificação e treinamento 
da polícia local de modo que esta pudesse reassumir funções de segurança 
pública e realizar atividades de policiamento regular, em um contexto em que 
grupos insurgentes ainda permaneciam ativos. O trabalho seminal de Bayley e 
Perito nos fala principalmente sobre a importância da segurança pública e da 
ação da polícia para a (re)construção do Governo civil. Esse processo, 
entretanto, seria uma via de mão dupla. A legitimidade das organizações policiais 
também depende da existência de um Governo com estruturas e procedimentos 
claros de governança de polícia e uma política de segurança pública que defina 
as prioridades do policiamento (ver Aula 1 desse módulo). 
Sem segurança não há Governo e sem Governo não há política de 
segurança pública. Então como resolver esse dilema em contextos pós-conflito, 
em que o Governo civil está sendo reconstruído e a segurança ainda é um 
problema grave? Por onde começar? Na perspectiva dos autores, a polícia seria 
o “agente primário” desse movimento. 
 
 
 
 
142 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
“Em resumo, existem duas razões para considerarmos a polícia local 
como agente primário no desenvolvimento de um Governo legítimo: ela 
pode prover informações cruciais para o enfrentamento da violência e ela 
pode demostrar para um público cético que vale a pena apoiar o Governo. 
Esses efeitos se reforçam mutuamente. As pessoas que consideram o 
Governo legítimo estarão mais inclinadas a cooperar com a polícia; as 
informações do público que auxiliem o incremento da segurança pública 
aumentam também a legitimidade do Governo. Sem apoio público, ambos, 
o controle da violência e a estabilidade do Governo encontram-se em risco. 
A polícia local é mais importante para ganhar esse apoio do que qualquer 
outro agente de segurança, seja este local ou estrangeiro.” (Bayley & 
Perito, 2010, p. 152–153). 
 
 
Em suma, enquanto o Governo está sendo reconstruído, o segredo para 
estabelecer esse ciclo virtuoso de mútua legitimação social de que nos fala 
Bayley e Perito é focar nos aspectos essenciais (“core”) do trabalho da polícia. 
A pesquisa de Bayley e Perito confirma que o bom trabalho policial é essencial 
para promover a adesão e respeito às leis e instituições de um país. O inverso 
também é verdadeiro e o funcionamento dos controles políticos do Governo - o 
que chamamos de governança de polícia - atribui legitimidade ao trabalho da 
polícia, ao garantir que seus serviços sejam prestados de forma disponível, 
pronta e justa. Nesse sentido, o principal mérito do conceito de core policing de 
Bayley e Perito é prover uma referência de parâmetros mínimos para definir o 
que seria esse “bom trabalho policial” que reconstrói a fé das pessoas no Estado 
de Direito. 
Como vimos, mesmo em situações em que o Governo ainda é incipiente 
e luta para reconstruir sua legitimidade em meio a profunda insegurança e 
instabilidade política, a crença coletiva de que a lei deve se aplicar a todos 
depende grandemente do desempenho de uma polícia que conheça os códigos 
locais. Mesmo nesses contextos altamente militarizados, segundo Bayley e 
 
 
143 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Perito, a polícia deve buscar reencontrar as suas funções civis. Entretanto, não 
basta treinar a polícia para que esse “reencontro” aconteça. Faz-se necessário 
um esforço simultâneo de reformulação e fortalecimento das estruturas de 
governança do sistema de justiça e segurança de forma ampla. O que, segundo 
os autores, demandaria vontade política, liderança estratégica e participação 
social. 
Sem um sistema judiciário e penitenciário funcional, o restauro da ordem 
pública e o processo de estabilização em contextos pós-conflito ficam 
profundamente comprometidos no longo prazo. Nesse contexto, formas de 
justiça sumária podem florescer, tanto na sociedade quanto nos meios policiais, 
sem nenhuma consequência legal para os seus perpetradores. Essa armadilha 
acaba por corromper até os/as policiais mais bem treinados, minando a 
confiança pública no Governo e qualquer tentativa de estabelecimento de um 
modelo de governança democrática. 
Uma visão clara sobre os serviços de segurança pública seguindo 
os princípios de core policing é apenas o ponto de partida. O dilema da 
construção da paz é, portanto, fazer com que essas coisas caminhem 
juntas, segurança e o desenvolvimento de um governo civil eficaz. 
 
 
3.3 A polícia e a (re)constituição da esfera da política 
A África do Sul, entre os anos de 1948 e 1994, viveu sobre o regime do 
apartheid. O apartheid representou um tipo de autoritarismo peculiar, baseado 
em teorias racistas vigentes à época, em que a restrição de direitos para certos 
grupos sociais era operada não em um contexto de “exceção”, como 
normalmente operam os regimes totalitários, mas de funcionamento regular das 
instituições e sob o resguardo das leis do país. Tratava-se de um sistema de 
governo altamente legalista, obcecado com a ideia de ordem e que pregava a 
separação total entre regimes político-jurídicos por “grupos raciais”: um Estado, 
uma lei, uma polícia para os brancos, outra para a população negra. Para tanto, 
foram criadas áreas segregadas autorizadas a instituir o seu próprio Governo, 
 
 
144 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
sua própria polícia e sistema de justiça, mas sempre subordinadas aos desígnios 
do Governo central. 
 
Figura 10: Apartheid fence, Johannesburg, 1953. 
 
Fonte: Schadeberg, Jurgen, 1953. 
 
A palavra apartheid significa “separação” em afrikaans e foi adotada 
como slogan pelo Partido Nacional Sul-africano depois da vitória de Daniel 
François Malan nas eleições parlamentares de 1948. Na foto acima, 
denominada “apartheid fence” (“cerca do apartheid” em português), vemos 
a ideia de separação encarnada no registro feito por Jurgen Schadeberg 
em um parque de Joanesburgo (Johannesburg, 1953). 
 
De modo a garantir a separação entre os grupos raciais, foi implementado 
um sistema de passes, um tipo de passaporte interno onde o Estado fazia 
constar o lugar em que as pessoas negras podiam morar e trabalhar, limitando 
a sua circulação. A polícia sul-africana era a principal responsável pela 
fiscalização do sistema de passes, auxiliada, por vezes, pelas forças armadas. 
Sem o apoio da maioria da população, com a sua atuação focada na repressão 
política (ver “polícia política” na Aula 2 desse módulo) e na manutenção da ordem 
racial do apartheid, a South African Police (SAP) era a principal força policial do 
país e ficou conhecida por casos extremos de violência. 
 
Saiba mais 
 
 
145 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Figura 11: Hector Pieterson sendo carregado por Mbuyisa Makhubo após ser baleadopela polícia sul-africana. Sua irmã, Antoinette Sithole, corre ao lado deles. 
 
 
Fonte: Sam Nzima. 
 
 
 
Diversos episódios de violência policial ocorridos durante o apartheid 
ganharam projeção internacional. Um dos mais famosos foi o "Massacre de 
Sharpeville". O episódio ocorreu em 21 de março de 1960, na cidade de 
Sharpeville, na África do Sul, e desempenhou um papel fundamental na 
história da luta contra o regime de segregação racial no país, gerando 
comoção pública e pressão internacional pelo seu fim. Durante uma 
manifestação pacífica contra as "Leis do Passe" a polícia de Sharpeville 
abriu fogo contra os manifestantes, matando sessenta e nove pessoas e 
ferindo centenas de outras. Dezesseis anos depois, em 1976, em Soweto, 
bairro negro da cidade de Joanesburgo, um outro episódio de brutalidade 
foi protagonizado pela polícia sul-africana. Em junho daquele ano, cento e 
setenta e seis jovens em idade escolar que protestavam contra a 
obrigatoriedade do ensino do afrikaans, língua de origem colonial 
holandesa, em detrimento de línguas nativas, foram mortos pela polícia. 
Contagens não oficiais falam em até setecentos jovens mortos no episódio 
que ficou conhecido como o “Levante de Soweto” e foi imortalizado pela 
imagem do menino Hector Pieterson, de apenas doze anos, sendo 
carregado sem vida por um colega e pela irmã, em busca de socorro (ver 
figura 12). 
 
 
Você sabia? 
 
 
146 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
 
Segundo David Welsh (2010), em seu livro “The Rise and Fall of 
Apartheid” (O Surgimento e a Queda do Apartheid), os elevados custos de 
manutenção do sistema de passes, associados a pressões diplomáticas 
internacionais, embargos econômicos e movimentos de resistência 
internos tornaram o regime do apartheid inviável e precipitaram o seu fim. 
Na década de 90, quando Nelson Mandela deixou a prisão, existiam onze 
forças policiais diferentes operando no território sul-africano. A principal era 
a SAP, cuja atuação se concentrava nas cidades, áreas de moradia da 
população branca. Os postos de baixa-patente da SAP eram reservados à 
população negra, mantendo-se os níveis estratégicos e de comando da 
organização nas mãos da minoria branca. As demais polícias eram 
compostas a partir de efetivos da SAP e eram responsáveis por atuar nos 
dez territórios reservados exclusivamente para os negros africanos, os 
chamados Bantustões. 
 
 
Ainda na década de 90, iniciam-se às conversas sobre paz e reconciliação 
e o funcionamento da polícia foi um tópico importante nas negociações. O 
período foi marcado por muitas incertezas e instabilidade política, pelo 
crescimento da criminalidade comum e por episódios de violência política. Como 
vimos na discussão de Bayley e Perito (2010) sobre core policing, o principal 
desafio enfrentado pelo novo Governo sul-africano naquela época era o de 
construir uma identidade civil e de serviço para a SAP em um contexto em que 
funções de segurança pública e segurança nacional ainda se sobrepunham. De 
modo a lidar com esses desafios de forma estruturada, foram criados comitês 
locais e regionais de transição, chamados Peace Committees (Comitês de Paz), 
previstos em uma legislação transicional provisória chamada National Peace 
Accord, um acordo nacional entre os diferentes grupos políticos que definia os 
termos do processo de transição pacífica para a democracia na África do Sul. 
 
 
147 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Como vimos nas seções anteriores, o termo “contexto pós-conflito” pode 
ser mal interpretado como um período de paz social (“peacetime society”). A paz 
é um processo, uma construção, que envolve pactuações e um gerenciamento 
adequado das tensões e motivações para o conflito, de modo a administrá-lo na 
direção da construção de padrões de convivência democráticos. No caso da 
África do Sul, havia um forte pânico revanchista por parte da população branca, 
que temia ser perseguida pelo Governo de maioria negra. Por sua vez, o novo 
Governo temia que a burocracia do Estado, herdada do apartheid, sabotasse o 
projeto político de emancipação da população negra encampado pelo Congresso 
Nacional Africano (CNA). Esse pedregoso, mas necessário caminho para a paz 
foi trilhado sob a liderança de Nelson Mandela, talvez uma das únicas 
unanimidades políticas em um país racialmente dividido e temeroso em relação 
ao futuro. 
 
Figura 12 
 
Fonte: 
 
"Invictus” (2009) mergulha no turbulento período pós-apartheid na 
África do Sul e destaca o extraordinário papel de Nelson Mandela na busca 
pela paz e reconciliação. O filme foi dirigido por Clint Eastwood e é uma 
adaptação da história real contada no livro "Playing the Enemy" de John 
Carlin. A história começa com Nelson Mandela (Morgan Freeman) saindo 
da prisão após 27 anos de detenção, determinado a unir a África do Sul. A 
estratégia de Mandela é tão surpreendente quanto eficaz: ele decide usar 
o esporte, em particular o rugby, como uma ferramenta para unir as 
pessoas. O rugby era tradicionalmente visto como um esporte associado à 
 
 
148 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
minoria branca, enquanto a maioria negra odiava-o como um símbolo do 
regime opressor. No entanto, Mandela reconhece que o sucesso da equipe 
nacional de rugby, os Springboks, poderia ser uma oportunidade única para 
unir a nação. Ele se aproxima do capitão da equipe, François Pienaar (Matt 
Damon), e apoia os esforços da equipe na Copa do Mundo de Rugby de 
1995. O filme retata muito bem a habilidade política de Nelson Mandela, 
que enxergou no sucesso dos Springboks uma oportunidade para colocar 
a ideia de paz e reconciliação no centro do imaginário social e político da 
África do Sul naquela época. 
 
Segundo Janine Rauch (2000), em seu paper “Police Reform and South 
Africa's Transition” (Reforma Policial e Transição na África do Sul), a missão da 
polícia durante o apartheid era fazer cumprir as leis de segregação racial e suas 
funções eram muito assemelhadas às de uma “polícia política” (ver Aula 2 desse 
módulo), o que não exigia grandes competências em funções policiais 
tradicionais e permitia abusos em grande escala. Demonstrações de lealdade 
política e a força bruta eram as únicas habilidades exigidas de seus agentes. A 
tarefa de transformar a SAP em uma organização legítima para a maioria da 
população e eficaz contra o crime era gigantesca e ficou conhecida como um 
dos mais ambiciosos processos de reconstrução das bases de legitimidade de 
uma força policial na história das democracias modernas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
149 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Figura 13: Nelson Mandela depositando o seu voto nas primeiras eleições 
democráticas da África do Sul, realizadas em Abril de 1994, momento histórico registrado pelo 
fotógrafo Paul Weinberg. 
 
 
Fonte: Paul Weinberg. 
 
Em 1994, Nelson Mandela é eleito o primeiro presidente da África do Sul 
democrática. Uma das primeiras medidas adotadas pelo seu Governo foi a 
mudança de foco da SAP para um conceito de polícia como “serviço” (ver Aula 
3 do Módulo I). No ano seguinte, a nomenclatura “força policial” foi abandonada 
e a SAP passou a se chamar South African Police Service (SAPS) com a edição 
da Lei da SAPS (SAPS Act/1995). Naquele período, outras medidas foram 
adotadas, como o redesenho de uniformes, insígnias e viaturas, bem como a 
substituição da longa cadeia de postos e graduações militares por um modelo 
civil, mais enxuto, inspirado na polícia britânica. Foram adotadas políticas de 
recrutamento, aposentadoria compulsória e estímulos de progressão na carreira 
que facilitaram o acesso da população negra aos cargos de chefia da 
organização, tornando-amais racialmente balanceada. 
 
De modo a reduzir a instabilidade política e evitar que pessoas com 
treinamento militar fossem incorporadas por grupos criminosos, foi adotada 
uma política de desmobilização das diversas guerrilhas que lutaram contra 
o regime do apartheid que incluía a sua incorporação aos efetivos da polícia 
e das forças armadas. 
 
 
 
150 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
A polícia comunitária passou a ser a base filosófica do sistema de 
governança da organização. Nesse sentido, foram criadas estruturas de 
accountability e participação social como os Community-Police Forums (Fóruns 
de Polícia Comunitária) e o Independent Complaints Directorate (Diretoria 
Independente de Reclamações, um tipo de Ouvidoria de Polícia). A nova lei da 
SAPS tornou também obrigatória a divulgação anual dos planos e prioridades da 
organização, seus focos orçamentários e gastos, bem como um relatório anual 
sobre desempenho. Foram criadas instâncias consultivas e de fiscalização, 
como os Secretariats for Safety and Security (Secretarias de Segurança), 
estruturas de gestão da política pública em nível estadual formadas por policiais 
e especialistas em segurança pública. A formulação da política pública de 
segurança passou a ser proposta federativamente, no âmbito das Secretarias de 
Segurança estaduais, com a participação de policiais e da população civil, sob a 
coordenação do então Minister of Safety and Security (Ministério da Segurança), 
hoje Minister of Police (Ministério da Polícia). 
 
Figura 14 
 
Fonte: South African Police Service 
 
 
 
A insígnia adotada pela SAPS em 1995 usa uma árvore de aloe vera 
como imagem principal. Planta típica da África do Sul, o aloe vera é uma 
vegetação de gosto amargoso, mas que é reconhecida mundialmente por 
suas propriedades curativas e simboliza a ideia de que a polícia pode ser 
um remédio amargo, mas fundamental para a saúde da comunidade. 
 
Saiba mais 
 
 
151 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Se considerarmos o tamanho dos desafios e das dificuldades enfrentadas 
para a construção de uma polícia legítima pós-apartheid e o espaço de tempo 
limitado em que todas essas transformações foram implementadas, pode-se 
dizer que todo o processo resultou na transição de uma polícia de Estado, com 
características de polícia política, para uma organização focada no cidadão. A 
SAPS, entretanto, ainda enfrenta desafios sérios, principalmente no que se 
refere ao combate à corrupção e ao enraizamento de valores como direitos 
humanos e igualdade racial entre seus membros. A despeito desses desafios, 
em grande parte compartilhados com organizações policiais em muitos países, 
a SAPS é um exemplo da importância estratégica da polícia para o processo de 
construção e defesa da democracia em contextos de pós-conflito. 
 
 
 
 
 
 
 
152 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
AULA 4 – PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E ASSOCIATIVISMO 
POLICIAL 
 
Nesta aula que encerra o Módulo III, trataremos de uma dimensão da 
relação da polícia com a esfera da política que tem recebido bastante atenção 
na literatura internacional, mas que, no Brasil, em especial, encontra-se ainda 
pouco desenvolvida. A dimensão do/a policial como um trabalhador da 
segurança pública. Na primeira aula deste módulo, colocamos um dilema para 
a relação da polícia com a esfera da política, entre o governo político das 
polícias, que chamamos de governança de polícia, e a sua 
instrumentalização política. Nas duas aulas que se seguiram (Aulas 2 e 3), 
falamos sobre o lugar da polícia na estrutura do Estado, sua relação com 
moralidades e desigualdades, e apresentamos a discussão de core policing 
para pensar como a polícia pode reconstituir (ou destruir) a legitimidade do 
Estado e das leis. Na presente aula, entretanto, a relação entre a polícia e o 
Estado parte da perspectiva do mundo do trabalho para falarmos da polícia. 
O tema levanta debates acalorados. A pergunta é como dar vazão às 
demandas de ordem trabalhista dos/as policiais de modo institucional e 
transparente, sem que isso constitua uma ameaça para a ordem do Estado e da 
sociedade. Como veremos em nossa seção inicial, essa tarefa encontra 
barreiras no próprio reconhecimento do/a policial como trabalhador em razão do 
lugar contraditório de sua ocupação na sociedade de classes. Na seção 
seguinte, apresentamos a tese de que apenas uma organização que vive a 
democracia em seu dia a dia pode atuar como sua defensora. Essa é uma 
aplicação do princípio de justiça procedimental ao trabalho da polícia e que tem 
ganhado espaço nas discussões sobre o que chamamos aqui de 
associativismo policial. Por fim, apresentaremos as vantagens e desvantagens 
dos dois modelos de organização dos trabalhadores policiais mais difundidos, as 
associações e os sindicatos. 
 
 
 
153 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
4.1 Policial e trabalhador 
O trabalho da polícia tem uma característica peculiar. Seu dia a dia, 
grande parte do tempo, pode ser repetitivo, burocrático e enfadonho, mas uma 
emergência qualquer subitamente faz explodir os níveis de adrenalina e 
estresse. No transcorrer de um turno de trabalho, esses profissionais podem 
viver um verdadeiro carrossel de emoções. Essas características fazem com que 
o seu trabalho seja fonte de prazer e orgulho, mas também de grande sofrimento 
físico e emocional. Sentimentos de isolamento social, inadequação e a 
percepção de que seus esforços não seriam reconhecidos pela sociedade 
agravam esse quadro. 
 
Por conta dessas características, os policiais costumam ser 
associados à figura do herói. O herói é um arquétipo universal que 
personifica virtudes e valores humanos, como coragem, sabedoria e justiça, 
servindo de modelo de comportamento. O herói é também alguém que vive 
a sua vida pela busca de um propósito maior, como a luta contra o mal. 
Nessa jornada, ele aprende e ensina a todos nós sobre a vida e a condição 
humana. 
 
No entanto, a associação com a figura do herói, em certos aspectos, pode 
ser problemática. Primeiro, porque o herói é uma personagem. Pense nos filmes 
de ação hollywoodianos. Entre explosões e escapadas espetaculares, ninguém 
vê as dores cotidianas do herói, suas fraquezas e vulnerabilidades. Nas raras 
vezes em que elas são mostradas em filmes, o herói sempre triunfa sobre elas. 
Segundo, porque os padrões de moralidade claros que informam as ações do 
herói na ficção raramente se verificam na prática. Na vida real, as circunstâncias 
são bem mais complexas e ambíguas, exigindo maior atenção e compreensão 
acerca das motivações e pressões que conformam as decisões de pessoas de 
carne e osso. 
 
 
 
 
154 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Diversas pesquisas na área de saúde e segurança do trabalho 
identificam que essa associação com a figura do herói leva à 
desconsideração da importância das condições de trabalho dos policiais. 
Em alguns casos, observa-se a glorificação explícita de situações laborais 
que estão longe das ideais. Afinal, o valor do herói está em superar todas 
as dificuldades, negligenciando suas dores para realizar o propósito maior 
de ser um exemplo. Mesmo o treinamento por vezes reflete essa crença e 
coloca esses profissionais em situações-limite para que possam sobreviver 
ao dia a dia de sua profissão: longas horas de pé, turnos de serviço 
exaustivos, equipamentos inadequados, alimentação insuficiente etc. 
(Silveira & Oliveira, 2016; Albernaz & Pires, 2022). 
 
 
 
Se é verdade que sua profissão exige níveis de dedicação e 
preparação diferenciados, estas exigências não podem naturalizar causas 
deadoecimento físico, emocional e moral associados ao seu trabalho. 
 
 
Em parte, isso se deve a dificuldade que a sociedade, o Estado e, muitas 
vezes, os próprios profissionais têm de se identificarem como trabalhadores da 
segurança pública. 
Mas o que é um “trabalhador”? Por definição, o trabalhador é alguém que: 
1 não possui os meios de produção (fábricas, terras, máquinas 
etc.) e, portanto, 
2 precisa vender sua força de trabalho em troca de um salário. 
 
Palavra do Especialista 
Você concorda que a atuação dos órgãos de segurança, enquanto 
burocracias de Estado, deve ser neutra e não promover ideologias de 
partidos e nem diferenciações de tratamento entre pessoas baseadas em 
sua raça, gênero, orientação sexual, religião ou classe social? 
Vamos Refletir 
 
 
155 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Estas são suas características principais. Nesse sentido, o profissional de 
segurança pública é um trabalhador. Mas por que o reconhecimento dessa 
condição é tão difícil? Já falamos sobre a imagem do herói que leva à exaltação 
de atributos sobre-humanos dos agentes, naturalizando as agruras de sua 
situação de trabalho. Entretanto existem outros motivos, bem mais estruturais, 
para essa situação. 
Veja os dois motivos: 
 
1º motivo: 
O primeiro motivo seria o lugar contraditório ocupado pela polícia na 
sociedade de classes. Robert Reiner, em um texto clássico de 1978, chamado 
The Police in the Class Structure (A Polícia na Estrutura de Classe) fala sobre 
essa questão em relação à polícia do Reino Unido. Mas antes precisamos 
esclarecer o que chamamos aqui de “sociedade de classes”. A sociedade é 
formada por diversos segmentos populacionais que chamamos “classes sociais” 
(classe média, classe alta, classe baixa etc.), que se diferenciam entre si 
segundo critérios como faixa de renda, educação, padrões de consumo, hábitos 
e valores. Um dos elementos de diferenciação mais importantes entre as classes 
sociais, entretanto, é a ocupação. No exercício de sua ocupação, os policiais, 
que são também trabalhadores, são empregados na repressão a movimentos 
reivindicatórios de outros trabalhadores. Por conta disso, segundo Reiner, na 
sociedade Inglesa, nem o/a policial se identificava com a classe trabalhadora, 
nem esta com o trabalho dos policiais. 
 
2º motivo: 
Em segundo lugar, podemos mencionar a questão da sindicalização. A 
Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece o direito à sindicalização 
como um direito fundamental dos trabalhadores, e isso é refletido em sua 
Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Essa 
declaração afirma que todos os membros da OIT têm a obrigação de respeitar e 
promover a liberdade de associação, ou seja, o direito dos trabalhadores de 
 
 
156 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
formar e se juntar em sindicatos, e o direito de negociação coletiva com 
empregadores sobre salários, condições de trabalho e outros assuntos de 
interesse mútuo. 
 
Figura 15 
 
Fonte: 
 
 
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência 
especializada das Nações Unidas dedicada a promover direitos 
trabalhistas, emprego decente e relações de trabalho justas em todo o 
mundo. Ela enfatiza a importância do direito à sindicalização como um dos 
princípios fundamentais do trabalho. O direito à sindicalização é abordado 
principalmente nas convenções e recomendações da OIT, bem como em 
suas declarações e documentos relacionados. A OIT trabalha para garantir 
que os países membros respeitem e implementem esses princípios 
fundamentais. A organização também monitora a conformidade dos países 
membros com esses princípios e pode prestar assistência técnica para 
promover a sindicalização e a negociação coletiva em nações que 
enfrentam desafios nessa área. 
 
Em diversos países, os policiais não podem formar sindicatos. Os 
sindicatos são organizações formadas por trabalhadores com o objetivo principal 
de representar os interesses e direitos de uma determinada categoria 
profissional. Essas organizações atuam como intermediárias entre os 
trabalhadores e os empregadores ou governos, buscando melhorar as condições 
Você sabia? 
 
 
157 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
de trabalho através de acordos coletivos. Diferente dos serviços de assistência 
jurídica das associações policiais, cujas decisões não geram efeitos coletivos, os 
acordos têm status de lei e devem ser obedecidos pelos empregadores, 
beneficiando toda categoria. 
A proibição da sindicalização da polícia, como veremos nas seções 
seguintes, não é uma regra universal e pesquisas mostram que existem prós e 
contras em torno dessa medida. Por hora, é importante frisar que os policiais são 
trabalhadores essenciais, encarregados do monopólio da violência legal e 
legítima do Estado e, por conta disso, não podem fazer greves. 
 
 
A paralização dos serviços policiais historicamente tem sido 
associada a problemas graves de desordem e insegurança (Rocha, 2018; 
Benzaquen, 2020). 
 
 
Essa característica, que distingue esses profissionais, acaba afastando-
os ainda mais da identidade de trabalhador, cujos direitos de sindicalização e 
greve são garantidos por lei nas democracias. Mas, então, como tratar essa 
questão das condições de trabalho da “classe policial”? Se concordamos que a 
profissão é essencial e que sua execução pode comprometer física, psicológica 
e moralmente seus praticantes, é preciso garantir condições de trabalho 
adequadas para estes profissionais. 
Falaremos das vantagens e desvantagens de diferentes modelos de 
participação política de policiais enquanto trabalhadores mais à frente. 
Entretanto, é importante mencionar que existe uma experiência relativamente 
recente no Brasil em que essa identificação promoveu um modelo de 
participação efetiva. No ano de 2009, aconteceu a primeira Conferência Nacional 
de Segurança Pública (CNSP). A CNSP envolveu meses de um amplo processo 
de consulta à sociedade, com grupos de trabalho organizados em nível municipal 
 
 
158 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
e estadual, focados em construir propostas para a política nacional de segurança 
pública, segundo eixos temáticos. A participação nesses grupos era dividida por 
categorias e uma escolha importante foi a separação entre os “trabalhadores da 
segurança pública” e o “Governo”. Com essa medida, deixou-se claro que, muito 
embora os interesses do Governo e da polícia sejam coincidentes na promoção 
da ordem pública, estes podem estar separados quando se fala em condições 
de trabalho. 
 
4.2 Condições de trabalho e democracia 
 
 
Na área de saúde e segurança do trabalho, estudos recentes têm 
incluído a questão do “sofrimento moral” dos policiais referindo-se a 
situações em que agentes cometem, deixam de prevenir ou testemunham 
mortes ou atos graves de violência que violentam suas crenças morais 
profundas sobre certo e errado, justiça e dignidade (Papazoglou et al., 
2020). 
 
Como os próprios autores desses estudos apontam, a dimensão do 
sofrimento moral ainda é pouco explorada tanto na pesquisa quanto na política 
pública de segurança. Podemos adicionar a esse diagnóstico o fato de que a 
dimensão moral do sofrimento emocional e físico dos policiais não deve se 
restringir às suas atividades finalísticas, incluindo, por exemplo, as relações 
entre pares e superiores hierárquicos. 
A moral se refere a um conjunto de princípios, valores e normas que 
orientam o comportamento humano em relação ao que é considerado certo ou 
errado dentro de uma determinada sociedade, cultura ou grupo, sendo 
influenciada por fatores como a religião, a origem social, a ocupação, a 
orientaçãosexual, dentre outros. Nesse sentido, o que é considerado 
moralmente aceitável em determinado contexto pode não ser em outras 
 
 
159 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
situações e conflitos morais podem emergir. Quando conflitos desse tipo 
acontecem no dia a dia - e eles acontecem bastante - é possível ignorá-los, 
aceitando que as concepções de certo e errado entre as pessoas simplesmente 
diferem e a vida segue. Em uma situação de trabalho, entretanto, não há muita 
escapatória. As pessoas precisam desempenhar tarefas compartilhadas, tomar 
decisões conjuntas e entregar resultados. A questão é como lidar com esse tipo 
de conflito, que atinge as nossas crenças mais arraigadas sobre certo e errado, 
no ambiente de trabalho das polícias, em que a hierarquia e disciplina são 
altamente valorizadas. 
Hierarquia e disciplina existem em todas as organizações. Em um sentido 
lato, podemos dizer que qualquer espaço social, formal ou informalmente, possui 
suas próprias hierarquias e formas disciplinares. Nas organizações policiais, 
estes princípios organizadores são basilares para a coordenação entre as 
frações de efetivos e para garantir que o poder armado da polícia não se volte 
contra a sociedade e o próprio Estado. Todo o sentimento de desconforto ou 
desacordo que não afronte esses propósitos deve contar com canais 
apropriados de expressão. O represamento dessas demandas, além de causa 
para o sofrimento moral, como vimos, pode gerar uma situação de desgoverno 
estrutural em razão da adoção de estratégias individuais e coletivas de 
sabotagem que impactam a possibilidade de uma governança de polícia eficiente 
e efetiva. 
Essas são algumas das conclusões do estudo de Fleming, Marks e Wood 
(2006), consolidadas no artigo “Standing on the inside looking out: the 
significance of police unions in networks of police governance" (Olhando de 
dentro para fora: a importância dos sindicatos policiais nas redes de governança 
policial). 
Ao analisarem o estado da arte das relações trabalhistas e do 
funcionamento dos sindicatos policiais, os pesquisadores chegaram a uma 
importante constatação: uma polícia que não abre espaços de escuta e 
participação focados no aprimoramento do seu ambiente laboral tem 
dificuldades de se enxergar como promotora da democracia. 
 
 
160 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Se a realização de uma democracia de fato depende da materialização de 
um Estado Democrático de Direito, que tem como nortes a justiça procedimental 
e a legalidade (ver Aula 5 do Módulo I), apenas uma organização que viva esses 
princípios na prática poderá reforçá-los na relação com a sociedade. Segundo 
os autores, a falta de respeito a esses princípios dentro da instituição policial 
tende a contribuir para o desenvolvimento de uma concepção cínica do seu 
trabalho e da relação com a sociedade e com o Governo, o que se reflete na 
forma como os policiais se relacionam com pessoas fora da instituição. Muito 
embora existam diversas causas para o que os autores chamam de cinismo 
policial (ver Graves, 1996; Caplan, 2003), o estudo de Fleming, Marks e Wood 
tem o mérito de relacioná-lo diretamente à identificação do policial como 
trabalhador e suas condições de trabalho. 
 
Em parte, o “cinismo” pode ser uma forma de autodefesa, pois as 
pessoas cínicas têm dificuldade em acreditar na honestidade e integridade 
de terceiros. Os cínicos tendem a criticar constantemente o status quo, as 
normas sociais e as ações das pessoas. Entretanto, a característica 
fundamental do cinismo é um ceticismo acentuado em relação a ideias, 
valores, instituições e pessoas. Eles veem as instituições sociais como 
corruptas e desonestas. Uma postura excessivamente cínica pode levar a 
relações sociais difíceis, isolamento social e um senso geral de 
desconfiança em relação ao mundo, o que pode provocar sofrimento 
emocional e privação. 
 
Outros estudos focados no desenvolvimento de sistemas de governança, 
tanto no setor público quanto no privado, corroboram esse entendimento, que 
não se restringe de forma alguma às organizações policiais. Esses estudos 
mostram também que quando questões relacionadas ao ambiente de trabalho 
não são tratadas pelas organizações por meio de canais e procedimentos 
estabelecidos, florescem estratégias de sobrevivência e progressão na carreira 
que usam a patronagem e a troca de favores como moedas. Falaremos mais 
sobre isso na próxima seção. Por hora, gostaríamos apenas de fixar que toda a 
Saiba mais 
 
 
161 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
experiência social rotineira produz um tipo de pedagogia prática, ou seja, ensina 
algo que vira um conhecimento arraigado devido ao seu caráter vivencial. Nesse 
sentido, se em seu ambiente de trabalho o/a policial precisa barganhar direitos 
como privilégios, essa é a lógica que ele/a adotará ao tratar dos direitos de 
outros. 
 
 As "relações de patronagem" se referem a um tipo de interação 
social ou prática em que uma pessoa em posição de poder, conhecida 
como "patrão" ou "patrono," fornece proteção, favores, apoio ou recursos a 
outra pessoa em troca de lealdade, obediência ou serviços. Essas relações 
são desiguais em termos de poder e influência, e o patrão detém uma 
posição social, política ou econômica superior à pessoa que recebe o 
patrocínio, conhecida como "protegido" ou "afilhado". Embora as relações 
de patronagem possam ter benefícios mútuos, elas também podem criar 
desigualdades e oportunidades limitadas para aqueles que não têm acesso 
a um patrono influente. Em muitos casos, as relações de patronagem 
podem perpetuar sistemas de nepotismo e corrupção. Portanto, em muitos 
países e contextos, esforços são feitos para regulamentar ou reduzir essas 
práticas a fim de promover maior igualdade de oportunidades e justiça. 
 
 
4.3 Associativismo e sindicalização 
 
Como vimos no início de nossa aula, a polícia vive sob um regime de 
trabalho especial. Seus serviços são considerados essenciais e o exercício do 
direito à greve dessa categoria pode ser altamente danoso para a sociedade. 
Por sua vez, o direito à sindicalização não se aplica universalmente à polícia, 
como no caso dos demais trabalhadores. Existem países que adotam o modelo 
que podemos chamar “associativista” e outros autorizam a organização de 
sindicatos, mas com a vedação do direito de greve. 
Saiba mais 
 
 
162 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Em alguns países, como a África do Sul, apenas os funcionários civis 
da polícia podem paralisar as suas atividades. 
 
 
Falaremos sobre as vantagens e desvantagens desses modelos mais à 
frente. 
Essa situação nos coloca um conjunto de desafios importantes. 
1 Como promover melhores condições de trabalho por meio de 
canais e processos institucionalizados e universais? 
2 Como viabilizar a participação desses trabalhadores na política 
pública de segurança, que os afeta diretamente? 
3 Como construir uma pedagogia institucional democrática dentro 
das polícias, para que estas possam ser verdadeiras defensoras da 
democracia? 
 
Como mencionamos no início da seção, podemos dizer que sindicatos e 
associações policiais são os dois modelos mais comuns operando hoje na 
regulação das relações de trabalho entre a polícia e seu empregador, o Estado. 
Estudos mostram diferentes resultados em termos da obtenção de 
melhoramentos efetivos das condições de trabalho dos policiais e da promoção 
da democracia entre os dois modelos. Entretanto, podemos dizer que a principal 
diferença entre eles gira em torno do que chamaremos de efeitos coletivos. 
A organização de associações policiais é aceita universalmente nas 
democracias contemporâneas.Os/as policiais, como qualquer pessoa, podem 
se associar em grupos de interesse ocupacionais, fraternais, recreativos, dentre 
outros. Estas associações, no mundo policial, notadamente, oferecem serviços 
de diversas ordens, incluindo assistência jurídica. Entretanto, os efeitos dessas 
decisões judiciais pontuais não têm validade para o restante da categoria 
profissional, ou seja, não geram efeitos coletivos. Mas isso não quer dizer que 
Saiba mais 
 
 
163 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
essas organizações não tenham seu espaço de negociação com o Governo de 
melhorias para a classe que representam. Os sindicatos, por sua vez, têm um 
“assento” na mesa de negociações garantido por lei, em câmaras de arbitragem. 
As associações participam de conselhos consultivos de Governo e trabalham 
com a estratégia de construir redes de influência política. 
 
 
Nesse ponto, retornamos ao trabalho de Robert Reiner (1978), “The 
Police in the Class Structure” (A Polícia na Estrutura de Classe) que mostra 
que mais importante que a distinção de modelos é a questão de como estas 
organizações, sejam sindicatos ou associações, constroem o seu poder de 
barganha na prática. Reiner afirmou ainda que os sindicatos de policiais 
no Reino Unido não poderiam ser definidos facilmente como 
“conservadores” ou “progressistas”. Segundo o autor, isso se devia à 
postura pragmática que estas organizações adotavam na negociação de 
suas reivindicações com o Governo. Reiner identifica ainda os perigos da 
negociação permanente entre a polícia britânica e a classe política acerca 
das condições de trabalho e das demandas (materiais, legislativas, 
operacionais) de execução do mandato da polícia. O autor entende que 
quanto maior a permeabilidade do comando das organizações a estas 
negociatas, maior o risco de instrumentalização política das polícias. Para 
Reiner, mesmo os contratos de sindicatos, que são formas 
institucionalizadas de negociação da classe política com as organizações 
policiais, precisam ser transparentes para que não criem brechas para a 
impunidade, como apresentado pelo trabalho de Stephen Rushin, 
abordado mais à frente no texto. 
 
 
Ainda segundo Robert Reiner, a principal maneira de construir poder de 
barganha pelos sindicatos e associações é o tamanho de sua membresia e o 
seu enraizamento nas unidades policiais. O autor também menciona o papel da 
 
 
164 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
relevância dessas organizações na construção do debate público sobre polícia. 
Mas aquilo que as associações e sindicatos precisam, acima de tudo, é mostrar 
resultados. Que tipo de resultados? Isso vai variar, dependendo de quais sejam 
as demandas da categoria naquele momento e contexto. O trabalho de 
representação precisa ser dinâmico e estar em contato direto com suas bases 
de apoio. Na busca por esses resultados, surge como assunto delicado a relação 
dessas organizações com a esfera política. 
Se, por um lado, a falta de poder de barganha coletiva pode expor mais o 
modelo associativista à lógica de estabelecimento de relações de patronagem 
com políticos e comandantes, sabotando os esforços de profissionalização da 
polícia, os contratos produzidos pelos sindicatos têm sido motivo de 
preocupação, ameaçando a democracia em diversos países do mundo. Esse é 
um amplo debate que tem questionado exatamente a forma como as demandas 
trabalhistas de policiais podem ser ouvidas de forma institucionalizada, universal 
e transparente. 
O extenso trabalho do pesquisador Stephen Rushin, Police Union 
Contracts (2017) analisou um total de 178 contratos firmados entre 
sindicatos policiais e governos de cidades nos Estados Unidos. 
Com base nessa amostra, o autor e sua equipe analisaram em quantos 
destes contratos foi verificada a concessão de proteções processuais que 
dificultavam a responsabilização de policiais acusados de desvios de conduta. 
Os resultados foram alarmantes, pois na grande maioria das 
grandes cidades dos Estados Unidos, esse tipo de medida tinha sido 
acordado entre governos municipais e sindicatos. Isso mostra a 
responsabilidade dos Governos na supervisão, não apenas de aspectos 
técnicos do trabalho da polícia, mas principalmente políticos, no sentido de 
definir e defender meios aceitáveis para se obter resultados em uma 
democracia. 
 
 
 
165 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Finalizando.... 
Neste módulo você aprendeu: 
 Nesse módulo, tratamos das dimensões políticas do trabalho policial 
como um tipo de tensão permanente entre a necessidade de controle e o 
perigo de instrumentalização da polícia pela classe política, um risco 
inerente ao funcionamento das democracias e seus ciclos eleitorais. 
Depois de diferenciarmos entre o “controle político” e a 
“instrumentalização político-partidária”, introduzimos o tema da 
“governança de polícia” (Proença Júnior, Muniz e Poncioni, 2009) como 
solução para o problema e tratamos dos riscos de uma “polícia política”. 
Destrinchamos ainda os aspectos “políticos” do trabalho policial, 
finalizando o módulo colocando uma discussão sobre a importância das 
condições de trabalho dos profissionais de segurança pública como um 
aspecto fundamental para a defesa da democracia. 
 No exercício de sua missão, os profissionais de segurança pública 
ocupam um lugar estratégico na proteção do Estado Democrático de 
Direito. Não apenas em razão do seu trabalho de controle e prevenção do 
crime que, como vimos, é fruto de um processo histórico de 
especialização dos serviços policiais. Mas em razão de sua atuação se 
situar em um lugar - que é físico, mas também político - que 
caracterizamos como um “ponto de encontro”. Um encontro que acontece 
entre a polícia e a população, entre os cidadãos e o Estado, entre o mundo 
das leis e as leis do mundo. Em sociedades altamente desiguais, 
funcionários/as públicos/as que trabalham diretamente com as demandas 
da população tendem a experimentar o Estado como uma espécie de 
“fronteira” (Göpfert, 2020), em que a distância entre as circunstâncias 
ideais visualizadas pelo Legislativo e as condições materiais de aplicação 
das leis parece por vezes intransponível. 
 Nesse contexto, cabe aos poderes Judiciário e Executivo, que atuam 
diretamente no espaço regulatório dos sistemas políticos, trabalhar para 
reduzir esse intervalo. A polícia, enquanto instituição estatal, é 
considerada um híbrido: um instrumento de intervenção do Executivo, 
mas que se incorpora ao processo Judiciário por meio do seu trabalho de 
 
 
166 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
identificação e processamento legal de crimes e condutas 
desestabilizadoras da ordem pública. Sabemos que a polícia não vai 
resolver o problema da desigualdade. Muito menos fechar o intervalo 
regulatório que caracteriza os sistemas político-jurídicos. Entretanto, 
devido à natureza dos seus poderes e à autorização para o emprego da 
força, a polícia desempenha um papel “político” fundamental no sentido 
de influenciar a distribuição de poder na sociedade (Weber, 2011). 
 Mas de que maneiras isso acontece? Ao longo do Módulo III, mostramos 
que essa dimensão política do trabalho da polícia se manifesta, por 
exemplo, nos impactos diferenciais da violência e da insegurança sobre 
determinadas áreas e segmentos da população, mas também no trabalho 
cotidiano dos/as policiais enquanto “políticos de esquina”, realizando um 
trabalho de mediação simbólica que incorpora demandas por respeito e 
consideração (Oliveira, 2008) nos conflitos em que são chamados/as a 
intervir. Mostramos que a adequada mediação dessas conflitualidades 
cotidianas, que fazem parte da vida em sociedades urbanas complexas(Simmel, 2011[1964]), pode fazer a diferença no acesso a direitos. 
 Entretanto, para que isso aconteça, como vimos, é preciso interromper o 
processo avançado de militarização das polícias, priorizando o 
desenvolvimento de suas funções civis com o objetivo de ampliar a sua 
disponibilidade, capacidade de pronta-resposta e imparcialidade (Bayley 
& Perito, 2010), configurando a polícia enquanto um serviço essencial 
focado no cidadão. Recorremos, nesse sentido, ao exemplo dos 
chamados “contextos pós-conflito”, em que os dilemas implicados na 
reconstrução da confiança das pessoas nas leis e na justiça do Estado, 
ou seja, na reconstrução do Estado de Direito, são mais agudos. Vimos 
com o exemplo sul-africano que, mesmo nesses cenários extremos, é 
possível realizar esse trabalho de reconstituição da esfera da política em 
que a reforma da polícia se mostrou fundamental para o processo de 
construção da democracia. 
 Ao longo do módulo, argumentamos que o Estado de Direito e a 
sociedade como um todo se beneficiam muitíssimo de uma polícia 
consciente de seu papel e relevância social. Entretanto, mostramos 
também que a democracia é importante para a própria polícia. Nesse 
 
 
167 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
contexto, afirmamos que a discussão sobre formas de expressão e 
encaminhamento de demandas trabalhistas e conflitos internos às 
organizações policiais contribui para uma relação equilibrada entre a 
polícia e a esfera da política, no sentido de reduzir oportunidades para o 
recurso à “troca de favores” e ao “apadrinhamento político” na 
reivindicação de direitos que deveriam ser garantidos aos trabalhadores 
e trabalhadoras da segurança pública. 
 
 
 
168 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Módulo 4 - OS DESAFIOS DO ESTADO BRASILEIRO E A 
SEGURANÇA PÚBLICA: O SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA 
PÚBLICA 
 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 
Esse módulo buscará se aprofundar nos desafios que estão presentes na 
realidade nacional brasileira, em especial, no referente à questão da segurança 
pública. Tentaremos oferecer uma discussão sobre a prestação do serviço de 
prover segurança às pessoas, debatendo sobre os problemas que ora 
remanescem de nosso passado, ora dizem respeito às lacunas que a segurança 
pública possui em relação a outros campos das políticas públicas que, apesar 
de problemas estruturantes da vida nacional, têm obtido melhores índices de 
eficiência e eficácia na provisão dos seus respectivos bens públicos. 
Assim, com o objetivo de melhorar o serviço ofertado, discorreremos 
sobre as questões presentes nessa área, recorrendo à análise de suas variáveis 
sociais e político-jurídicas, em especial a Constituição Federal. A partir daí, 
lançaremos mão da discussão sobre como o Estado brasileiro estabelece seus 
caminhos (legais, políticos e administrativos) para atingir os objetivos 
consensuados politicamente, o que chamaremos provisoriamente de 
governança da Segurança Pública. 
O Sistema Único de Segurança Pública (Susp) será, então, objeto das 
nossas discussões, com o objetivo de torná-lo um instrumento do Estado e da 
sociedade civil na alavancagem de melhores condições de segurança à 
população e aos profissionais de Segurança Pública. Abordaremos as questões 
afetas a este sistema, dentre as quais sua concepção, legislação vigente, 
orçamento, desenho institucional e políticas públicas no seu escopo. 
 
 
 
 
169 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
OBJETIVOS DO MÓDULO 
Este módulo tem por objetivos: 
 Abordar os desafios do Estado brasileiro na construção do Estado 
Democrático de Direito do ponto de vista da Segurança Pública; 
 Compreender o desenho legal e institucional que orienta a 
Segurança Pública no Brasil; 
 Apresentar instrumentos ligados à governança da Segurança 
Pública no Brasil; e 
 Apresentar o Susp, de forma a oferecer aos profissionais de 
Segurança Pública possibilidades de otimização do trabalho 
desenvolvido. 
 
ESTRUTURA DO MÓDULO 
Este módulo compreende as seguintes aulas: 
Aula 1 – Os desafios brasileiros e suas repercussões na oferta de 
segurança pública; 
Aula 2 – A Segurança Pública e a Constituição Federal de 1988; e 
Aula 3 – O Sistema Único de Segurança Pública (Susp). 
 
 
 
 
 
170 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 1 - OS DESAFIOS BRASILEIROS E SUAS REPERCUSSÕES 
NA OFERTA DE SEGURANÇA PÚBLICA 
Muito embora se pense que segurança pública seja sinônimo da atuação 
na área de justiça criminal, a capacidade de prender criminosos e levá-los a 
julgamento é apenas uma das faces do amplo trabalho que significa prover 
melhores níveis de segurança e uma resolução menos violenta dos conflitos, 
cerne da atuação dos profissionais do Susp. Em outras palavras, o sistema de 
justiça criminal, responsável pelo atendimento estatal prestado após o 
cometimento de um delito é apenas um aspecto do esforço para a preservação 
do Estado de Direito. Como vimos, assegurar o império da lei (rule of law) passa 
pela promoção da cidadania muito antes de se acionar mecanismos que 
estabeleçam sanções penais. Essa afirmação alcança um ponto central do 
trabalho policial, pois, não obstante as polícias possuírem uma potencialidade 
de fazer valer, nas ruas, a força da lei, seu papel começa muito antes e, podemos 
dizer, vai muito além da lei penal. 
Nos módulos anteriores, tratamos da polícia como um serviço policial 
orientado mais para a sociedade do que para o Estado. De fato, nosso próprio 
conjunto legal brasileiro, construído a partir da Constituição Federal de 1988, 
também assim o faz. Apesar disso, podemos dizer que a segurança pública no 
Brasil não foi capaz de fazer uma guinada que fosse além de sua forte vinculação 
com o Direito Penal. 
Essa dificuldade nacional tem suas razões e tentar abordá-las e, mais, 
encontrar caminhos para superá-las é o que vamos buscar neste módulo, ao 
resgatar algumas leituras sobre o Brasil. Feito isso, procuramos apresentar os 
avanços que vêm sendo construídos no sentido de entregar melhores níveis de 
segurança pública. 
 
Conseguir níveis de sucesso melhores é, contudo, uma construção 
coletiva de muitas mãos. Esperamos poder oferecer alguns elementos para 
ela. 
 
 
 
171 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
O Brasil é reconhecidamente um dos países mais violentos do mundo 
(UNODC, 2019), não obstante possuir índices socioeconômicos melhores que 
muitas nações com menores taxas de crimes violentos. 
 
 
Ao mesmo tempo, a distribuição de tais taxas é desigual: enquanto 
populações de determinados territórios e de determinadas clivagens 
sociais possuem números dentre os melhores do mundo, outras têm uma 
incidência de violência superior à de países envolvidos em guerras internas 
(FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2023). 
 
Assim como os crimes que atentam contra a vida e a incolumidade das 
pessoas, os crimes contra a propriedade são igualmente expressivos. Esse 
panorama traz a questão da insegurança para o cotidiano das pessoas, as quais 
chegam a reorientar suas vidas em face do medo de serem vítimas de crimes. 
Essa situação não é própria somente dos nossos dias. A violência compõe 
a nossa própria história, desde a configuração histórica das nossas relações 
sociais, marcada por séculos de submissão de parcela substancial da nossa 
população à escravidão e, por óbvio, à violência, até a naturalização da violência 
para a solução de conflitos. 
Uma das principais peculiaridades brasileiras reside no fato de que alguns 
elementos que perpassaram a nossa conformação como país comunicam-se 
muito fortemente com o nosso atual momento, impondo grandes obstáculospara 
se alcançar níveis mais “civilizados”, ou menos violentos, nos termos de Norbert 
Elias (1990), já trazidos neste curso. 
Por certo que, tão variadas sejam as lentes de análise sobre os problemas 
estruturantes de nossa sociedade, tão variadas serão as explicações para eles. 
Para nosso módulo, vamos nos deter em duas marcas de nossa sociedade que, 
em nossa concepção, guardam forte relação com a violência e a oferta de 
segurança pública pelo Estado. 
 
 
172 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Uma das características mais marcantes da sociedade brasileira é o 
autoritarismo, marca de nossa cultura política em que o poder se 
concentra nas mãos de uma pessoa ou grupo político, com pequena 
participação das pessoas nas decisões que afetam suas vidas 
(SCHWARCZ, 2019). 
 
Ainda que isso seja marcante nas questões que envolvem Estado e 
sociedade, o autoritarismo se construiu nas diversas esferas de relações sociais 
com grande disparidade (ou assimetria) de poder, como o caso dos senhores e 
a população escravizada, nas relações familiares com pouco espaço de poder 
para mulheres e filhos, ou nas relações de trabalho que se constituíram após o 
regime escravocrata. 
Paulo Sérgio Pinheiro (1991, 1997) estabelece uma relação entre o 
autoritarismo e a incapacidade de o Brasil estabelecer um Estado de Direito que, 
por meio da lei, conferisse um estatuto de igualdade aos cidadãos na 
participação no poder, a despeito da existência de previsões legais no sentido 
de reduzir essas disparidades. 
 
 
Esse autoritarismo socialmente implantado persiste também naquilo 
que podemos chamar de “microdespotismo” da vida diária, que se 
manifesta na forma de racismo, sexismo, elitismo e outras hierarquias 
socialmente entrincheiradas. Uma dramática desigualdade entre ricos e 
pobres, um gap profundo e histórico que não diminuiu, mas, pelo contrário, 
aumentou as dificuldades das novas democracias. A combinação de uma 
falta de controle democrático sobre as classes dominantes e a negação dos 
direitos para os mais pobres reforça as diferenças sociais hierárquicas, 
fazendo com que os direitos e o império da lei sejam pouco mais que uma 
cortina de fumaça para uma terrível dominação (PINHEIRO, 1997, p. 47). 
Você sabia? 
 
 
173 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Como apontado por Pinheiro, é por meio do Estado Democrático de 
Direito que o autoritarismo pode ser enfrentado. Isso é especialmente válido para 
o Brasil contemporâneo, onde o conjunto de leis apresenta um repertório que se 
coloca de forma bastante propositiva; o que ocorre, todavia, é que essas leis, 
aqui, não conseguem ser colocadas em prática, pela ineficácia do Estado 
brasileiro em fazer valer esse ordenamento. Isso é fruto, em parte, da dificuldade 
dos grupos mais vulneráveis para fazerem valer sua cidadania, e, em parte, e 
principalmente, da deficiência da própria arquitetura do Estado em alcançar 
essas populações. 
No que se refere à segurança pública, o autoritarismo se reflete em 
algumas dimensões, veja algumas delas abaixo: 
Violência ou abuso policial: 
Uma delas se traduz em práticas de excesso de poder que recebe o nome 
de violência ou abuso policial. Sob o prisma em questão, trata-se exatamente de 
uma das faces do autoritarismo, uma vez que faz presente o exercício do poder 
sob o domínio do outro e, portanto, com a retirada do arcabouço jurídico que lhe 
assegure as garantias individuais. 
 
Grupos criminais: 
Se o excesso de poder estatal é um reflexo do autoritarismo, ele não se 
faz presente apenas nas instituições, pois existe também nas micro relações 
sociais. Outra marca do nosso autoritarismo é a capacidade de grupos criminais 
imporem sua autoridade. Se, por certo, os grupos, ou facções, criminais mais 
conhecidos nacionalmente logo nos vêm à mente, há, infelizmente, um rol de 
outros grupos que, valendo-se da força bruta, mas também da ameaça, 
constrangem parcelas imensas da população. Esse é o caso das chamadas 
milícias, dos grileiros que se valem da força para a remoção forçada de 
populações, dos madeireiros e extrativistas ilegais, dentre outros exemplos, 
cujas ações, sobretudo exercidas sobre as populações mais desassistidas, 
reforçam a marca do autoritarismo brasileiro. 
 
 
174 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
Outra questão bastante peculiar à nossa sociedade é a crença de que os 
bens e serviços públicos são, ao invés de coletivos, especialmente voltados a 
atender determinados grupos. É o que se denomina patrimonialismo. Por meio 
dessa concepção deturpada, grupos poderosos se apropriam daquilo que 
deveria atender ao bem comum. A distribuição desigual de recursos a 
populações mais poderosas constitui uma distorção dos fins a que o Estado se 
destina. 
Um dos principais teóricos sobre isso foi Raymundo Faoro (2001), em seu 
livro “Os Donos do Poder”. Nele, Faoro descreve como, desde o início da história 
nacional, um grupo, para o qual o Estado funciona como uma extensão de seus 
interesses, alcançou posições de destaque no Brasil. Nessa trajetória, o governo 
no Brasil privilegiou o atendimento às classes economicamente poderosas, 
deixando de lado critérios que atendessem a fins públicos definidos em leis. 
Assim, segundo essa leitura, os integrantes do Estado orientavam suas práticas 
para o atendimento a esse grupo, negligenciando, portanto, as camadas menos 
favorecidas e mais carentes. 
O patrimonialismo presente no Estado brasileiro é objeto de diferentes 
esforços por combatê-lo. Veja o que diz Fernando Abrucio e Maria Rita Loureiro: 
 
 
No trabalho “Burocracia e Ordem Democrática: desafios 
contemporâneos e experiência brasileira”, Fernando Abrucio e Maria Rita 
Loureiro (2018) descrevem um conjunto de iniciativas adotadas pelo Brasil 
no sentido de conferir melhores níveis de profissionalismo e 
impessoalidade à burocracia nacional, como forma de estabelecer uma 
dissociação entre interesses públicos e privados, muito embora apontem 
para a incompletude desse esforço nacional. 
 
 
 
 
175 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Podemos dizer que uma das consequências mais evidentes do 
patrimonialismo é a corrupção, mediante a qual servidores públicos apropriam-
se dos recursos públicos para seu próprio benefício. A existência de órgãos, tais 
como tribunais de contas e corregedorias, que se coloquem frente a essas 
práticas, revela-se ainda mais importante em contextos em que as diferenças 
entre o público e o privado são tênues, e em serviços públicos que gozam de 
grande potencial discricionário, como a polícia. 
 
 
 
Se é verdade que sua profissão exige níveis de dedicação e 
preparação diferenciados, estas exigências não podem naturalizar causas 
de adoecimento físico, emocional e moral associados ao seu trabalho. 
 
 
 
 
 
Combater o patrimonialismo exige uma dimensão ética que seja capaz de 
reafirmar que, nas suas diferentes atuações, o Estado deverá entregar 
níveis de eficiência e efetividade, calcados em uma moralidade pública. 
Caso contrário, corre-se o risco de que, mesmo nas decisões mais triviais, 
a segurança pública seja um instrumento das distorções que reproduzam 
esses problemas. 
Vamos Refletir 
 
 
176 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 2 - A SEGURANÇA PÚBLICA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
DE 1988 
Como dissemos, os problemas quanto à nossa formação social e política 
derivam de configurações que são resultado de especificidades da história 
nacional e que vêm até o presente. Contudo, mesmo os países com melhores 
níveis de desenvolvimento político e social tiveram percursos históricos que, em 
alguma medida, assemelham-seao do Brasil, mas, por força de novos arranjos, 
tiveram maior sucesso em superá-los. 
Um problema que permeia a sociedade brasileira e o próprio Estado para 
a consolidação do Estado Democrático de Direito é a distribuição desigual de 
poder na sociedade. Trata-se de um problema que alcança em cheio os 
profissionais da segurança pública. 
 
Para ilustrar, vamos pensar nas eleições brasileiras que ocorriam no 
começo do século passado. Com o fim da Monarquia em 1889 e a 
instalação da República, logo na passagem do século, o Brasil teve 
eleições para presidente. Nada mais democrático, certo? Mas, quem podia 
votar? Para se ter ideia, nas eleições da chamada Primeira República 
(1889-1930) apenas 6% dos eleitores eram autorizados a votar*. Parece 
inegável que a participação na definição das regras do país restringia-se a 
uma pequeníssima parcela da população, esses mais poderosos 
economicamente. 
*Disponível na página eletrônica do Tribunal Superior Eleitoral. 
Acesse:https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Fevereiro/90-anos-da-justica-
eleitoral-12-eleicoes-presidenciais-ja-foram-realizadas-no-brasil-desde-1945 
 
Esse exemplo nos mostra que o exercício do voto deve ser amplo o 
suficiente para que contemple a vontade coletiva, caso contrário, teríamos a 
reprodução da concentração de poder, reforçando a desigualdade e a mitigação 
da cidadania para enormes parcelas da população. 
Na Prática 
 
 
177 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
A possibilidade de votar e ser votado é indispensável, mas não é 
suficiente para que tenhamos um Estado Democrático de Direito pleno para 
todos, que assegure universalmente direitos tais como o direito à vida, à 
liberdade, à educação e à segurança, que concretizam a possibilidade de 
participação na vida política de um país. 
 
 A vigente Constituição Federal, promulgada em 1988, busca 
superar os problemas políticos que remanescem no Brasil e consolida o esforço 
nacional para estabelecer uma nova pactuação que promova cidadania a grupos 
que, historicamente, tiveram sua participação excluída. 
 
Chamada de “Constituição Cidadã”, representa a tentativa de 
romper com um passado marcado pelo autoritarismo e pela reprodução de 
estruturas que consolidaram forte desigualdade social e que estiveram na 
base da formação da nossa nação e, consequentemente, do Estado 
brasileiro. 
 
Ela tenta superar os problemas que percorrem nossa história, não só pela 
sedimentação da democracia, mas, em grande parte, pela organização do 
Estado brasileiro com o intuito de torná-lo capaz de ser aderente aos interesses 
da sociedade. Nestes termos, podemos afirmar que a Constituição Federal 
possui tanto uma dimensão cidadã – representada com destaque nos seus 
artigos 5º e 9º, que tratam dos direitos civis e dos direitos sociais – como uma 
dimensão gerencial, como, por exemplo, no artigo 37 e seguintes, que abordam 
a administração pública. 
Podemos representar essa passagem em três pontos principais: 
1 o fortalecimento dos mecanismos e instituições que garantissem a 
realização de eleições nos três níveis federativos (União, Estado e 
Município); 
Você sabia? 
 
 
178 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
2 a proteção aos direitos civis, sociais e políticos como base da 
construção de nossa sociedade; e 
3 uma organização do Estado que fosse capaz de atender às 
exigências dessa sociedade, baseada em princípios básicos nas 
principais democracias, como eficiência, eficácia e efetividade, 
legalidade e impessoalidade. 
Nos termos constitucionais vigentes, a segurança pública se relaciona 
com os últimos dois pontos que trouxemos anteriormente. Isso porque ela tanto 
se coloca como um dos direitos a que os brasileiros fazem jus, assim como uma 
na questão da organização administrativa do Estado na oferta desse serviço 
público. Ocorre que, ainda que se possa dizer que houve avanços em relação 
às Constituições Federais anteriores, a atual Carta vigente, por outro lado, 
manteve alguns problemas e apresentou outros novos. 
Em termos do texto constitucional, a segurança pública aparece em dois 
momentos. 
O espaço especialmente dedicado à segurança pública vem previsto no 
artigo 144, o qual, em seu caput, prevê que a segurança pública é: 
 
 
 “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (BRASIL. 
CONSTITUIÇÃO (1988). 
 
Esse dispositivo se coaduna com o espírito que permeia a Constituição 
Federal na medida em que busca trazer a sociedade para participar das ações 
do Estado, em uma clara inflexão em relação aos padrões vigentes até então na 
segurança pública, cujas questões eram pensadas como “assuntos de Estado”, 
sem a participação da sociedade, portanto. Esse esforço em promover maior 
participação social será uma tônica em todo o texto constitucional, como nas 
áreas de saúde (artigo 198) e educação (artigo 205, caput), dentre outras. 
 
 
 
179 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
O artigo 144 passa, então, a definir as competências de cada uma das 
agências policiais, quais sejam a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, 
a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares, os Corpos 
de Bombeiros Militares e a Polícia Penal*. 
 
*O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida em 28 de agosto 
de 2023, reconheceu as Guardas Municipais como integrantes do rol de 
agências que integram a Segurança Pública. Para mais informações, 
recomendamos a leitura do julgamento da Arguição de Descumprimento de 
Preceito Fundamental nº 995. 
Acesse: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6444398 
 
Não será objeto do presente conteúdo descrever cada uma das missões 
dessas agências policiais, as quais estão definidas no dispositivo legal, muito 
embora existam importantes zonas de superposição de atuação. Para nossa 
finalidade, cabe destacar uma outra questão ligada a esse artigo, qual seja a 
falta de articulação entre essas agências. Para isso, vamos passar brevemente 
pelo capítulo que trata de outra importante área de prestação estatal: a saúde e 
os artigos 196 a 200 em que serão encontrados dispositivos mais bem 
elaborados em relação à governança. 
Muito diferentemente da segurança pública, a Constituição Federal 
dedicou muito maior detalhamento sobre o funcionamento, financiamento, 
formas de controle social e, até mesmo, vencimentos dos profissionais de saúde. 
Tomemos, por exemplo, a forma com que o legislador constitucional buscou 
avançar na articulação entre os diferentes atores da área da saúde: 
 
 
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede 
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado 
de acordo com as seguintes diretrizes: 
Saiba mais 
 
 
180 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; 
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades 
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; 
III - participação da comunidade (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 1988). 
 
 
Dentre a enormidade de ações disponíveis na saúde, a Constituição 
Federal define que são prioritárias as atividades preventivas, em comparação 
com as adotadas após o acometimento de doenças, por exemplo. Além disso, a 
participação da comunidade é sinalizada como uma diretriz necessária à 
prestação do serviço que, por sua vez, deverá contemplar ao mesmo tempo 
atendimento descentralizado, mas que atenda a ditames mais centralizados. 
Além desse artigo, outros vão compor o esforço em estabelecer uma articulação 
que busque entregar bons níveis de eficiência e efetividade. É o que se vê 
quando define como cada um dos entes federativos (União,Estado ou Distrito 
Federal, e Municípios) participará no financiamento da área de saúde, qual o 
papel da iniciativa privada e, até mesmo, como serão formuladas as políticas 
salariais dos servidores ligados a essa área. 
Ainda que haja muito em que se avançar nos assuntos ligados à oferta de 
saúde no Brasil, podemos afirmar que os mecanismos vigentes são capazes de 
congregar um conjunto de medidas que permite reorganizar os rumos dessa 
política, por meio de instrumentos que derivam do governo, em suas diferentes 
instâncias federativas, mas que contemplam a participação social, de forma a 
buscar melhor atender a população. Atendo-se somente ao cenário 
constitucional brasileiro, a segurança pública recebeu um tratamento bastante 
aquém (SILVA et al., 2023). Mais do que apontar as razões que levaram a esse 
tratamento legal à segurança pública (FERNANDES, 2021), importa dizer que 
avanços ou retrocessos de uma sociedade são construções coletivas, que 
envolvem os indivíduos, em seus múltiplos papeis, e as instituições que 
compõem a vida nacional. 
 
 
181 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Esse pensamento também se aplica a outro desafio, que deriva 
igualmente da Constituição Federal. Neste caso, mais do que uma questão 
inerente ao próprio texto, diz respeito a como a segurança pública foi 
compreendida como um tema desconectado de outras áreas da vida social, a 
despeito do pensamento do legislador constitucional. 
Além do artigo 144, a segurança está também prevista, no artigo 6º, como 
um direito social, ao lado de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, 
dentre outros. Nestes termos, a segurança pública é um direito fundamental e 
condição essencial para o exercício pleno da cidadania, tal como desenvolvemos 
nos módulos anteriores, em especial quando tratamos sobre o Estado de Direito 
(rule of law) e sobre como a segurança é condição fundamental para o exercício 
desse Estado de Direito. 
Mas, o que gostaríamos de problematizar aqui é a razão pela qual a 
segurança pública no Brasil conecta-se muito menos à noção de um direito social 
e, muito mais, a uma série de órgãos ligados, tão-somente, à justiça criminal. Se, 
inquestionavelmente, a prisão de pessoas que incorrem na prática de crimes é 
uma das condições para assegurar melhores níveis de segurança, também é 
certo que promover segurança não se resume a esse tipo de atuação. 
 
Prevenir o cometimento de crimes, diminuir os riscos de as pessoas 
serem vítimas das mais diversas formas de violência, restabelecer social e 
individualmente um cenário de mitigação da violência sofrida ou tornar 
pessoas e comunidades mais resilientes à eclosão da violência são 
exemplos de medidas que se dão muito distantemente à Justiça Criminal e 
que dialogam com a noção de segurança pública enquanto direito. 
 
E ainda, revestir a segurança pública como uma área de atenção social 
preferencial por parte do Estado, implicaria, ao menos conceitualmente, 
conceder o tratamento que outras áreas, como alimentação, enfrentamento à 
pobreza, saneamento básico e educação, além da própria saúde já trazida aqui, 
também recebem. 
 
 
 
182 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
 
A prestação de um melhor serviço de segurança requer que as 
ações sejam pensadas enquanto políticas públicas, o que, minimamente, 
envolve transparência, prestação de contas, participação social, 
planejamento de políticas multisetoriais, monitoramento e avaliação de 
resultados e a reorientação dos rumos adotados em face das evidências 
existentes (BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2014; CAPELLA, 
2018; FARAH, 2016; FILGUEIRAS, 2018). 
 
 
No entanto, a despeito das mudanças incrementais verificadas nas 
últimas décadas, que aumentaram a eficiência operacional e tecnológica das 
forças de segurança do país, a persistência de opções político institucionais que 
valorizam um modelo de segurança reativo impede que o tema seja tratado como 
uma política social universal que atinja toda a população brasileira. 
 
 
 
183 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Aula 3 – O SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA (SUSP) 
 
Até este momento, procuramos, neste módulo, apresentar os desafios 
que cercam a oferta de melhores níveis de segurança pública para a 
consolidação de um Estado de Direito. Revisamos algumas mazelas que dizem 
respeito a como o Estado brasileiro se colocou na relação com a sociedade, 
como o autoritarismo e o patrimonialismo, para pensar em como a Constituição 
Federal buscou enfrentar tanto esses como um conjunto de outros problemas. 
Neste ponto, apresentamos algumas análises sobre fragilidades e possibilidades 
de avanço em uma leitura essencialmente ligada ao texto constitucional. 
Buscamos deixar claro, contudo, que as dificuldades que existem exigem 
esforços para superá-las que passam por novas percepções sobre o trabalho 
dos profissionais de segurança pública e que não passam necessariamente por 
mudanças legais. São, muito mais, novas formas de se abordar o problema da 
segurança pública no Brasil que requerem igualmente outros arranjos 
institucionais. 
A partir daqui, pretendemos apresentar uma ferramenta que, à 
semelhança de outras áreas de atuação do Estado, pretende promover avanços. 
Abordaremos o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Para introduzir 
esse conteúdo, trataremos inicialmente sobre o principal produto que o Susp 
pretende entregar, e que busca enfrentar um dos principais problemas da 
segurança pública no Brasil: como coordenar os diferentes atores interessados 
(chamados pela literatura de stakeholders). Falamos aqui dos órgãos de Estado, 
como as polícias, as guardas municipais, os órgãos de polícia forense, as 
secretarias estaduais e os órgãos federais de gestão da segurança pública, mas 
também da sociedade civil, destinatária e, portanto, centralmente interessada no 
tema. Aqui, emerge um problema que tem sido objeto de estudo em diferentes 
contextos internacionais, que é o de: 
Promover a organização do Estado e da sociedade civil, de forma 
articulada, com a finalidade de buscar a maximização dos bens públicos. É 
o que chamamos governança. 
 
 
184 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
 
3.1 Governança: monitoramento e avaliação 
Para iniciarmos essa discussão, vamos buscar compreender o que 
significa governança. O artigo de Bernardo Buta e Marco Antonio Carvalho 
Teixeira discute os diferentes sentidos da palavra e nos traz algumas definições. 
Para os fins que pretendemos aqui, daremos ênfase à definição trazida por 
Gisselquist para quem governança é “o exercício do poder político para gerenciar 
assuntos coletivos” (GISSELQUIST, 2014, apud BUTA e TEIXEIRA, 2020, p. 
381). Em estudo sobre governança e a Polícia Rodoviária Federal, Duarte Pires 
(2016, p. 27) vai nos trazer uma definição da Organização das Nações Unidas, 
que diz muito a respeito sobre como conjugar essa temática com a segurança 
pública no Brasil. 
 
 
Governança não é necessariamente uma “entidade física”, nem é o 
ato de governar sobre cidadãos. É mais realisticamente entendida como 
um processo: o processo por meio do qual instituições, organizações e 
cidadãos “guiam” a si próprios. Governança trata, também, da interação 
entre o setor público e a sociedade, e de como esta se organiza para a 
tomada de decisão coletiva, de modo a que sejam providos mecanismos 
transparentes para que tais decisões se materializem (PIRES, 2016, p.17). 
 
 
Um dos pontos centrais a respeito da governança é como articular atores 
com realidades, inserções institucionais e problemas diversos para propiciar 
avanços em uma determinada questão. Um exemplo é trazido pelos trabalhos 
de um autorligado à Universidade Erasmus, em Roterdã, Holanda, chamado 
Erik Hans Klijn, que discorre sobre as dificuldades de se implementar ações 
conduzidas pelo Estado, mesmo em um país unitário e com um território bem 
 
 
185 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
menor que o Brasil, como a Holanda. Em um de seus textos, escrito em coautoria 
com Van Gils (2007), Klijn explica como foi possível conciliar interesses que 
colidiam para promover a reforma do porto de Roterdã, em um trabalho que 
exigiu 30 anos de negociação para que os diferentes interessados conseguissem 
ter seus interesses atendidos, ainda que parcialmente, na concretização da 
reforma. Traz como lição que, apesar dos conflitos, é fundamental que sejam 
promovidos arranjos, sistemas, desenhos institucionais, dentre outras medidas, 
que busquem atender interesses públicos. Com base nessas lições, podemos 
dizer que, sem isso, há uma falha na provisão dos interesses coletivos, uma em 
razão das disputas, outra porque os esforços, quando descoordenados, 
sobrepõem-se, deixam vazios de atuação ou, simplesmente, anulam-se. 
Agora, observem o quadro a seguir. Ele foi elaborado por Renato Sérgio 
de Lima e utilizado por Iara Sennes em seu trabalho que diz respeito à 
governança em segurança pública no Brasil (SENNES, 2021). Ele apresenta um 
mapeamento dos stakeholders da burocracia estatal ligados à segurança pública 
nacional. 
Figura 16: Mapa de Stakeholders pertencentes ao Estado (Segurança Pública, 
Sistema Socioeducativo e Justiça Criminal) 
 
Fonte: Sennes (2021). 
 
 
Já por esse ponto de vista, é possível ter um retrato do desafio brasileiro 
para fazer com que tais órgãos atuem de forma articulada. Quando incluímos os 
stakeholders da sociedade civil, tais como os ligados ao setor econômico privado 
 
 
186 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
(mercado), as associações e sindicatos dos trabalhadores de segurança pública, 
a imprensa e a opinião pública, apenas para citar alguns, esse panorama se 
torna ainda mais complexo. Integrá-los, todos, de forma a conferir sentidos que 
atendam à pactuação política prevista, por exemplo, em leis e planos nacionais, 
é, por certo, uma difícil tarefa. Além da capacidade de conciliar sentidos 
federativos e institucionais diversos, importa, para uma eficiente governança, 
avaliar se os planejamentos e ações em curso entregam bons níveis de eficácia, 
ou, em outras palavras, se atendem ao interesse público com níveis adequados 
de investimento e se conectam-se com os anseios da sociedade. Com estas 
questões no horizonte, o Susp foi elaborado. Passaremos a abordá-lo com mais 
detalhamento. 
 
3.2 Legislação e Concepção do Susp 
Instituído pela Lei Federal nº 13.675, de 11 de junho de 2018 (BRASIL 
LEGISLATIVO, 2018), o Susp representa o esforço para estabelecer as bases 
para uma ação articulada dos órgãos e instituições de segurança pública do 
Brasil, em seus diferentes níveis federativos, e da sociedade civil. Do ponto de 
vista constitucional, esta lei dialoga com o artigo 144, inciso 7º da Constituição 
Federal, que postergou para lei futura a organização e o funcionamento dos 
órgãos responsáveis pela segurança pública. A lei nº 13.675 estabelece em seu 
artigo 1º que o SUSP tem por finalidade a: 
 
 
“preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do 
patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e 
integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos 
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a 
sociedade.” 
 
 
 
 
187 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
A questão que essa lei busca enfrentar é como o Brasil pode promover 
melhores condições de segurança às pessoas, organizando os atores públicos, 
em especial as Polícias, Guardas Municipais, Bombeiros, apenas para citar 
alguns, ao mesmo tempo em que estabelece espaços privilegiados de 
participação da sociedade na segurança pública. Busca ir além das capacidades 
individuais de cada servidor e de cada instituição para tornar o conjunto desses 
órgãos, reconhecidos como um “sistema”, eficazes, efetivos e eficientes. Para 
isso, não bastam o voluntarismo, o heroísmo e as boas intenções. 
 
A oferta ótima de qualquer bem público, assim como a segurança, 
requer: 
 
1 que os atores conheçam suas atribuições (evitando sobreposições 
ou ausências); 
2 que sejam estabelecidas responsabilidades (“quem coordena?; 
quem presta contas?”); 
3 que sejam estabelecidos espaços institucionais de qualificação dos 
quadros em razão de novos desafios que se colocam à frente; e 
4 que espaços de diálogo sejam definidos entre a segurança pública 
enquanto Administração Pública e a sociedade, de forma que não 
ocorra um processo de insulamento (ABRUCIO; LOUREIRO, 2018) 
muito comum nas burocracias estatais. Com o insulamento, a 
técnica administrativa, no limite, desconecta-se dos anseios da 
população, guiando-se apenas pelas lógicas institucionais. 
A Lei nº 13.675/18 estabelece o conjunto de princípios, diretrizes e 
objetivos que traduzem os sentidos das políticas de segurança pública no Brasil 
(artigos 4º, 5º e 6º). Muito embora princípios, diretrizes e objetivos digam respeito 
a diferentes momentos da formulação e implementação de uma política pública, 
podemos, a partir deles, compreender quais são as principais ideias que 
promoveram a concepção desse sistema. 
 
 
188 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
A prevenção e repressão à violência e seus riscos é o que qualifica, 
em última análise, os objetivos do Susp. Isso se representa na interdição ao uso 
da violência na resolução dos conflitos (artigo 4º, inciso VIII), na atuação 
moderada e proporcional na atuação estatal (artigo 4º, inciso IX) e na proteção 
da vida, junto ao patrimônio e ao meio ambiente (artigo 4º, inciso X). Dedica 
atenção às políticas destinadas à preservação da ordem pública (artigo 1º; artigo 
6º inciso II), à investigação de crimes (artigo 6º, inciso III e XXIV), ao tráfico de 
drogas (artigo 6º, XVI) e aos crimes transfronteiriços (artigo 6º, inciso VIII). 
Além da legalidade que deve orientar as políticas e ações promovidas em 
segurança pública (artigo 4º, inciso I), a Lei 13.675/18 tem a proposta de conferir 
melhores níveis de eficiência, eficácia e efetividade. Essas exigências se 
colocam ao Estado, em geral, no seu papel de oferta de bens públicos 
(BRESSER-PEREIRA, 2008; CAPELLA, 2018; CAVALCANTE; PIRES, 2018), o 
que se aplica também na segurança pública. 
Essas concepções perpassam diferentes princípios e objetivos do Susp e 
coincidem com os referenciais que regem a governança das políticas públicas 
de forma geral (BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2014). Em 
especial quando tratam da articulação entre os entes federativos e entre as 
agências responsáveis pela Segurança Pública (artigo 5º, inciso IV; artigo 6º, 
inciso I e XIX) nas fases de planejamento, execução, monitoramento e avaliação 
das ações, promovendo-se a racionalização dos meios com base nas melhores 
práticas (artigo 5º, inciso V), incluindo-se o compartilhamento de bancos de 
dados (artigo 5º, inciso VIII) e informações de inteligência (artigo 6º, X), a 
interoperabilidade tecnológica (artigo 5º, inciso XI; artigo 6º, incisos III, VII) e a 
unificação dos registros policiais. 
Outro aspecto incluído na concepção do Susp foi a construção de uma 
Segurança Pública que estabelecesse canais de comunicação com a sociedade 
civil. Com esse intuito, a lei reafirma a importância do controle social sobre as 
ações em Segurança Pública, enfatizando a publicidade e a transparência das 
atuações (artigos 4º, incisos XI e XVI, e artigos 33 a 35), que abrem a 
possibilidadede definição de responsabilidades quanto às ações a serem 
promovidas diante da ausência da provisão de segurança pública (controle social 
 
 
189 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
a priori) ou diante de excessos (controle social a posteriori) (PROENÇA JÚNIOR; 
MUNIZ; PONCIONI, 2009). 
Aliada à concepção de gestão pública baseada em evidências, a Lei do 
Susp incentiva, em diversas passagens, a produção de conhecimento que 
impulsione avaliações sobre os resultados das ações adotadas (artigo 4º, 
inciso XII, artigo 5º, inciso IX e artigo 6º, incisos VI, XVI e XVIII) de forma a 
reorientar as políticas adotadas de forma mais eficaz, a qualificação dos 
profissionais de Segurança Pública (artigo 5º, inciso VI e artigo 6º, inciso XI) para 
a adoção das melhores práticas (artigo 5º, inciso V) e a inovação tecnológica 
(artigo 5º, incisos VII e XI; artigo 6º, inciso III). 
A Lei 13.675/18 dedica especial espaço à promoção de melhores 
condições de trabalho para os profissionais de Segurança Pública (artigo 4º, 
inciso II; artigo 5º, inciso VI e artigo 6º, inciso XXI e XXII), por meio de sua 
valorização, programas de apoio à sua incolumidade física e mental (artigo 42) 
e constante melhoria em sua qualificação
 
 
190 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Figura 17: Princípios, diretrizes e objetivos que informam a concepção do Sistema Único de 
Segurança Pública (Susp). 
 
Fonte: Lei Federal nº 13.675/18; do conteudista. 
 
 
 
 
 
• Interdição ao uso da violência na resolução dos conflitos 
• Proteção da vida, do patrimônio e do meio ambiente 
• Preservação da ordem pública, investigação de crimes, 
enfrentamento ao tráfico de drogas e aos crimes 
transfronteiriços 
 
Prevenção e 
repressão às 
violências e 
seus riscos 
 
• Racionalização dos meios com base nas melhores práticas 
• Compartilhamento de bancos de dados e informações de 
inteligência 
• Interoperabilidade tecnológica 
• Unificação de registros policiais 
 
Articulação entre 
os entes 
federativos e 
entre as 
agências de 
Segurança 
Pública 
 
• Transparência 
 
• Responsabilização 
 
• Prestação de contas 
 Controle social 
 
• Realização de avaliação e monitoramento das políticas 
pública 
• Reorientação da capacitação profissional com base nas 
melhores práticas 
• Inovação tecnológica 
 
Produção de 
conhecimento 
 
• Proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais 
de Segurança Pública 
• Formação continuada e qualificada 
• Criação de mecanismos de proteção aos profissionais e 
seus familiares 
• Monitorar ações nas áreas de valorização profissional 
 
Promoção de 
melhores 
condições de 
trabalho 
 
 
191 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Inspirado no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de 
Assistência Social (Suas), exemplos que contam com maior longevidade (SILVA 
et al., 2023), a Lei do Susp busca estabelecer um arranjo político que ofereça na 
segurança pública melhores níveis de eficiência e efetividade. 
 
A fórmula elaborada se estrutura em três pontos, quais sejam: 
 
1 a existência de uma Política Nacional em Segurança Pública e seus 
decorrentes Planos Nacional, Estaduais e Distrital; 
2 o funcionamento de Conselhos pluralmente constituídos pelo Estado 
e pela sociedade civil; e 
3 a destinação orçamentária consoante os objetivos estabelecidos 
pela normatização e pelas instâncias de participação. 
Esse tripé Plano/Conselho/Fundo resume como a Lei do Susp estrutura a 
governança do Sistema (SENNES, 2021; SILVA et al., 2023) e é sobre cada um 
desses pontos que vamos tratar a partir daqui. 
 
 
3.3 A Política Nacional e os Planos Federal e subnacionais de Segurança 
Pública e Defesa Social 
Alcançar objetivos requer o estabelecimento de um planejamento sobre 
quais caminhos adotar, quais são principais e quais secundários, quanto de 
recurso vou empregar para alcançá-los, quais são as etapas que pretendo 
superar e como reoriento o percurso em face das incertas do futuro. Esse 
planejamento é consolidado, geralmente, em um plano. Sobre ele, temos 
autonomia para ajustar o curso. 
Isso se torna mais complexo quando há outras pessoas interessadas 
nesse plano. Como são diversos os objetivos a serem alcançados, torna-se 
necessário estabelecer consensos mínimos que dirijam os planos, seus objetivos 
e diretrizes. É o que se denomina a política que rege o plano. 
 
 
192 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
“Políticas” e “planos” são encontrados em diferentes instituições da 
sociedade, inclusive em empresas privadas, cujo número de atores interessados 
é menor que em uma nação e cujos interesses tendem a ser menos plurais e 
conflituosos. 
É exatamente para definir objetivos, estabelecer metas finais e 
intermediárias, promover o monitoramento e avaliações constantes da 
efetividade das ações planejadas e permitir o avanço de todo esse processo que 
o Brasil, seguindo exemplos mundiais, estabeleceu Políticas Nacionais, que se 
desdobram em Planos Nacionais e subnacionais. 
 
Há inúmeros exemplos disso como a Política Nacional de Resíduos 
Sólidos, a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional de 
Habitação, a Política de Defesa Nacional, a Política Nacional de Energia, a 
Política Nacional de Saúde, dentre outras, cada qual com seus planos 
correspondentes. Essas iniciativas diferenciam-se entre si em termos de 
suas capacidades de entregar os bens públicos previstos em seus 
objetivos, dentre outras variáveis. 
 
Já vimos que, em 2018, foi promulgada a Lei Federal nº 13.675 que cria 
a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, aqui resumida. A partir 
da promulgação dessa lei, foi criado o Plano Nacional de Segurança Pública e 
Defesa Social (BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA., 
2021). 
 
 
 
 
 
 
Na Prática 
 
 
193 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Figura 18: Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030. 
 
Fonte: https://www.gov.br/mj/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/categorias-de-
publicacoes/planos/plano_nac-_de_seguranca_publica_e_def-_soc-_2021___2030.pdf 
 
O Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (BRASIL. 
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, 2021, p. 10) traz como 
objetivos: 
 
1 Determinar ciclos de implementação, monitoramento e avaliação do 
PNSP; 
2 Apresentar ações estratégicas alinhadas aos objetivos da Política 
Nacional de Segurança Pública e Defesa Social; e 
3 Definir metas estratégicas e indicadores alinhados aos objetivos da 
Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e às ações 
estratégicas apresentadas; 
4 Estabelecer estratégias de governança e gerenciamento de riscos 
com vistas à plena execução, o acompanhamento e a avaliação do 
PNSP; e 
 
 
194 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
5 Orientar os entes federativos quanto ao diagnóstico, elaboração, 
conteúdo e forma dos planos de segurança pública e defesa social, 
visando o alinhamento com a PNSPDS e o PNSP. 
Existem competências distribuídas entre os entes federativos, conforme 
previsão constitucional. Isso se reflete nos objetivos do Plano, que se concentra 
na apresentação, definição e orientação de estratégias e metas que subsidiem 
as instituições subnacionais na concretização desses esforços. 
O Plano estabelece os objetivos, representados por algumas metas 
almejadas para o final do ciclo 2021-2030. São algumas delas: 
Figura 19: Metas do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-30 
Problema Metas 
Homicídios 
Redução de 23,57 vítimas por 100 mil habitantes 
para 16 vítimaspor 100 mil habitantes. Queda de 
32,13% 
Lesão Corporal seguida de Morte 
Redução de 0,44 vítimas por 100 mil habitantes 
para 0,30 mil por 100 mil habitantes. Queda de 
31,64% 
Latrocínio 
Redução de 0,97 vítimas por 100 mil habitantes 
para 0,70 vítimas por 100 mil habitantes. Queda 
de 27,61% 
Mortes Violentas de Mulheres 
Redução de 4,09 vítimas por 100 mil mulheres 
para 2,00 vítimas por 100 mil mulheres. Queda de 
51,12%. 
Mortes no trânsito 
Redução de 17,54 vítimas por 100 mil habitantes 
para 9 por 100 mil habitantes. Queda de 48,7%. 
Vitimização de profissionais de 
Segurança Pública 
Redução de 30% dos números absolutos 
Suicídio de profissionais de Segurança 
Pública 
Redução de 30% dos números absolutos 
 
 
195 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Furto de veículos 
Redução de 236,4 furtos por 100 mil veículos 
para 140 furtos por 100 mil veículo. Queda de 
40,78% 
Roubo de veículos 
Redução de 241,11 roubos por 100 mil veículos 
para 150 roubos por 100 mil veículos. Queda de 
31,79% 
Vagas no sistema prisional 
Aumento para 677.187. Acréscimo de 60% em 
relação a 2017 
Atividades laborais no sistema 
prisional 
Meta de 363.414 pessoas atendidas. Aumento de 
185% em relação a 2017 
Atividades educacionais no sistema 
prisional 
Meta de 218.994 presos. Aumento de 185% em 
relação a 2017. 
Prevenção de desastres e acidentes 
Meta de 50% das Unidades Locais6 devidamente 
certificadas, por meio de alvará de licença dos 
Corpos de Bombeiros Militares até 2030. 
 
Fonte: Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social; elaboração própria 
 
O Plano avança metas que esmiuçam as pretensões da Lei nº 13.675/18, 
constituindo-se num referencial sobre os caminhos a serem trilhados pelos 
órgãos e instituições de Segurança Pública. Podemos citar as ações, 
denominadas “estratégicas” nas áreas de governança, na articulação entre 
governos e sociedade, nas ações preventivas e repressivas com vistas à 
redução de crimes e conflitos sociais, no enfrentamento aos crimes 
transnacionais e na melhoria da capacitação e valorização dos profissionais de 
Segurança Pública, dentre outras recomendações. 
A redação do artigo 22, § 5º da Lei nº 13.675/18 sinaliza para que Estados, 
Distrito Federal e Municípios elaborem seus respectivos Planos, os quais 
 
6 Unidade Local é unidade de produção numa única localização geográfica (endereço), onde a 
atividade econômica é realizada (ou a partir de onde é conduzida) (IBGE, 2007 apud BRASIL, 
2021, p. 22). 
 
 
196 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
deverão ter por base o Plano Nacional (SENNES, 2021). Muitos Estados já 
possuem seus respectivos instrumentos orientadores das políticas públicas de 
segurança e defesa social consolidados na forma de Planos Estaduais de 
Segurança Pública e Defesa Social, o que consideramos fundamental para que 
os órgãos envolvidos possam balizar suas iniciativas bem como para apontar à 
sociedade quais são os objetivos traçados e como alcançá-los, permitindo tanto 
o controle das ações quanto o apoio necessário para sua sustentação ou 
correção. 
 
3.4 Participação da sociedade civil: os Conselhos de Segurança Pública e 
Defesa Social 
Alcançar objetivos requer o estabelecimento de um planejamento sobre 
quais caminhos adotar, quais são principais e quais secundários, quanto de 
recurso vou empregar para alcançá-los, quais são as etapas que pretendo 
superar e como reoriento o percurso em face das incertas do futuro. Esse 
planejamento é consolidado, geralmente, em um plano. Sobre ele, temos 
autonomia para ajustar o curso. 
A participação social é condição necessária para uma política que seja 
aderente aos anseios da sociedade. Ela se faz por meio de canais de 
participação definidos previamente segundo regras democráticas. Com essa 
intenção, a Lei Federal nº 13.675/18 definiu os canais de participação social junto 
à Administração Pública. Segundo o referido diploma, ela se dá por meio de 
Conselhos existentes nos níveis federativos. De acordo com o artigo 19, § 2º, 
 
 
“os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social congregarão 
representantes com poder de decisão dentro de suas estruturas 
governamentais e terão natureza de colegiado, com competência 
consultiva, sugestiva e de acompanhamento social das atividades de 
segurança pública e defesa social, respeitadas as instâncias decisórias e 
as normas de organização da Administração Pública.” 
 
 
197 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Assim, os Conselhos têm como funções principais acompanhar as 
condições de trabalho, a valorização e o respeito pela integridade física e moral 
dos profissionais de Segurança Pública, o cumprimento das metas previstas, 
além do resultado da apuração das denúncias em tramitação nas respectivas 
corregedorias e as ações promovidas em função delas. Cabe, ainda, aos 
Conselhos proporem diretrizes para as políticas públicas de segurança pública 
e defesa social, com vistas à prevenção e à repressão da violência e da 
criminalidade (artigo 20, §§ 4º e 5º). 
Em nível federal, o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa 
Social – (CNSP) está regulado pelo Decreto nº 9.489, de 30 de agosto de 2018 
(BRASIL EXECUTIVO, 2018). Ele é presidido pelo Ministro da Justiça e 
Segurança Pública e formado por representantes de outros Ministérios do 
Governo Federal, representantes de agências policiais federais, estaduais e 
municipais, representantes do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria 
Pública e Ordem dos Advogados do Brasil, e pessoas com notórios 
conhecimentos na área de políticas de segurança pública e defesa social (artigo 
35). O Decreto prevê ainda que o Conselho se reunirá semestralmente ou 
mediante convocação extraordinária. 
Atendidas as regras legais previstas, sobretudo nos artigos 19 e 20 da Lei 
nº 13.675, cada Estado, o Distrito Federal, e cada Município deve estruturar seu 
respectivo Conselho, que, ressalvadas as definições editadas por cada ente, 
possuirão as mesmas funções do CNSP. Assim como ocorre com a edição dos 
Planos, há diferentes estágios de implementação dos Conselhos de Segurança 
Pública e Defesa Social no Brasil, resultado que creditamos à recente 
implementação do Susp e à necessária maturidade institucional a ser alcançada. 
 
3.5 Financiamento do SUSP: Fundo Nacional de Segurança Pública e Fundo 
Penitenciário Nacional 
Seguindo a metodologia de explorar as três bases que dão estrutura ao 
Susp (Plano/Conselho/Financiamento), passamos agora a estudar como se dá 
a alocação de recursos orçamentários para a consecução das políticas de 
segurança pública, a partir das normas que definem o assunto. 
 
 
198 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Para isso, vamos falar dos Fundos que a Lei nº 13.675/18 contemplou em 
seu texto: o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo 
Penitenciário Nacional (Funpen)*. É por meio deles que, somados a outras fontes 
orçamentárias, o Governo Federal busca promover uma articulação que envolva 
os entes federativos. Muito embora os Estados sejam quem empenha a maior 
parte dos recursos investidos no Brasil em Segurança Pública, em torno de 80% 
do total, os valores gerenciados pela União, por volta de 11% do total, contribuem 
significativamente para as políticas públicas de segurança. Em 2017, foram 
empenhados aproximados 95 bilhões de reais, dentre os quais 11 bilhões 
tiveram como origem o Governo Federal (FÓRUM BRASILEIRO DE 
SEGURANÇA PÚBLICA, 2019, p. 15). 
 
Por uma limitação de objeto de análise, não discutiremos o Fundo 
de Direitos Difusos e o Fundo Nacional Antidrogas. Indicamos as normas 
que disciplinam tais temas, que são a Lei Federal nº 7.347, de 24 de julhode 1985, e a Lei Federal nº 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 
respectivamente. 
 
O FNSP é regulado pela Lei nº 13.756 e se destina a apoiar projetos, 
atividades e ações nas áreas de segurança pública e de prevenção à violência. 
As ações contempladas incluem construção, reforma e melhoria de unidades 
policiais, melhoramentos logísticos e tecnológicos e programas de prevenção à 
violência e redução da criminalidade. Segundo previsão legal, entre 10 e 15% 
dos recursos do FNSP devem ser destinados a programas habitacionais e para 
a melhoria da qualidade de vida dos profissionais do Susp (artigo 5º, § 1º). 
Com o objetivo de atender a Política Nacional de Segurança Pública e 
Defesa Social, recentes publicações do Ministério da Justiça e da Segurança 
Pública buscaram conferir maior adesão dos investimentos financiados pelo 
FNSP aos princípios e diretrizes nela contidos, bem como materializar as 
concepções do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 
(FIGUEIREDO; MATTOS, 2023). Assim, por meio da Portaria MJSP nº 440 
(BRASIL EXECUTIVO, 2023a) e da Portaria MJSP nº 439 (BRASIL 
Saiba mais 
 
 
199 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
EXECUTIVO, 2023b), ambas de 4 de agosto de 2023, buscou-se aplicar um 
pensamento sistêmico aos processos de segurança pública no Brasil, de modo 
a potencializar, por um lado, uma maior articulação entre os atores do SUSP e, 
por outro, uma capacidade de governança maior sobre os fins a que os recursos 
se destinam. Itens elegíveis de aquisição, planos de ação que contemplem 
metas e indicadores de processos e resultados, e dotações especificamente 
dedicadas a determinados problemas públicos (mortes violentas intencionais, 
violência contra a mulher e melhoria da qualidade de vida dos profissionais da 
Segurança Pública), previstos nas Portarias citadas, procuram estabelecer 
esforços coordenados. 
O Funpen é previsto na Lei Complementar n.º 79, de 7 de janeiro de 1994 
(BRASIL (LEGISLATIVO), 1994) e tem por finalidade proporcionar recursos e 
meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e 
aprimoramento do sistema prisional, tais como construção, reforma e ampliação 
dos estabelecimentos penais, formação e especialização de servidores e 
elaboração e execução de projetos voltados à reinserção dos presos e egressos 
(artigo 3º). 
 
3.6 Sistemas do Susp 
Seguindo a metodologia de explorar as três bases que dão estrutura ao 
Susp (Plano/Conselho/Financiamento), passamos agora a estudar como se dá 
a alocação de recursos orçamentários para a consecução das políticas de 
segurança pública, a partir das normas que definem o assunto. 
A Lei do Susp prevê o funcionamento de alguns sistemas que devem dar 
sustentação ao desenvolvimento das políticas estabelecidas. Falaremos sobre 
cada um deles. 
 
 
 
 
 
 
200 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
SINAPED: 
O Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas 
de Segurança Pública e Defesa Social (SINAPED) tem como função realizar 
o monitoramento do alcance das metas indicadas no Plano Nacional de 
Segurança Pública e Defesa Social, sob o ponto de vista do acompanhamento 
dos indicadores de resultado (metas) e dos indicadores de processo (avaliação 
de planos de ação, gestão dos programas, ações, atividades e projetos em curso 
e acompanhamento financeiro-orçamentário). É por meio do SINAP que o Plano 
Nacional deve ser avaliado, sobretudo ao final de sua vigência, não obstante a 
existência de avaliações periódicas e de acompanhamento. Conforme o artigo 
29, o processo de avaliação das políticas deve contar com a participação de 
representantes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, do Ministério 
Público, da Defensoria Pública e dos Conselhos de Segurança Pública e Defesa 
Social, em cuja composição há integrantes da sociedade. 
 
SINESP: 
O Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de 
Rastreabilidade de Armas e munições, de Material Genético e de Drogas 
(SINESP) tem a finalidade de armazenar, tratar e integrar dados e informações 
para auxiliar na formulação, implementação, execução, acompanhamento e 
avaliação das políticas de segurança pública e defesa social. O SINESP se 
coloca como um banco de dados que permite fazer a gestão do SUSP, além de 
ser uma base de informações para a atuação operacional das corporações, a 
interface do sistema mais conhecida pelos profissionais da segurança pública no 
Brasil. Mais do que uma ferramenta de apoio às ações de ponta-de-linha, o 
SINESP se coloca como o repositório que oferece aos gestores informações 
para a tomada de decisão, mas também para a elaboração e avaliação das 
políticas em curso. 
 
 
 
 
 
201 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Segundo o texto legal já citado, o SINESP tem por objetivos: 
 
 
I - proceder à coleta, análise, atualização, sistematização, integração 
e interpretação de dados e informações relativos às políticas de segurança 
pública e defesa social; 
II - disponibilizar estudos, estatísticas, indicadores e outras 
informações para auxiliar na formulação, implementação, execução, 
monitoramento e avaliação de políticas públicas; 
III - promover a integração das redes e sistemas de dados e 
informações de segurança pública e defesa social, criminais, do sistema 
prisional e sobre drogas; 
IV - garantir a interoperabilidade dos sistemas de dados e 
informações, conforme os padrões definidos pelo conselho gestor. 
 
 
SIEVAP: 
O Sistema Integrado de Educação e Valorização Profissional (SIEVAP) 
volta-se aos profissionais do Susp. Este sistema atua na gestão das áreas de 
formação e capacitação pessoal e das políticas de valorização, atenção 
psicossocial e saúde. No que se refere à educação, o SIEVAP tem como 
instrumentos de concretização das políticas a Rede Nacional de Altos Estudos 
em Segurança Pública (Renaesp), formada por instituições de ensino e pesquisa 
para a produção de difusão de conhecimento nessa área, a matriz curricular 
nacional, instrumento pelo qual se pretende conferir diretrizes comuns na 
capacitação desse público e a Rede EaD-Senasp , por meio da qual oferece 
cursos de formação continuada aos profissionais do SUSP de todo o Brasil, 
sobretudo pela oferta de cursos à distância. Já quanto à atenção às condições 
de saúde e valorização, o SIEVAP atua por meio do Programa Nacional de 
 
 
202 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança Pública (Pró-Vida), que tem 
por objetivo fazer a governança dos “programas de atenção psicossocial e de 
saúde no trabalho dos profissionais de segurança pública e defesa social, bem 
como a integração sistêmica das unidades de saúde dos órgãos que compõem 
o Susp”, conforme o artigo 42 da Lei 13.675/18. 
 
CONCLUSÃO 
Como os profissionais do Susp podem defender a democracia? 
 
Todo poder emana do povo. Essa afirmação de princípios abre não 
apenas a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo primeiro, mas uma nova 
era na história política de nosso país. Uma era em que o princípio da soberania 
popular substitui à força das armas como fonte do poder político e da autoridade. 
Nesse sentido, a carta magna de 1988, também conhecida como a “Constituição 
Cidadã”, inaugura a própria democracia brasileira. O século XX viu a democracia 
se tornar um dos pilares do mundo moderno ocidental. Em uma democracia, o 
povo é soberano e exerce seu poder na participação direta no processo político, 
por meio do sufrágio universal e da gestão de políticas públicas, e também na 
participação indireta através de seus representantes eleitos. A participação 
efetiva dos cidadãos, entretanto, deve se dar emcondições de igualdade, 
princípio constitucional que visa garantir que nenhuma pessoa seja tratada de 
maneira desigual com base na sua classe, sexo, raça, origem social, orientação 
sexual ou filiação religiosa. 
O princípio da igualdade implica que as leis e políticas públicas sejam 
aplicadas de forma imparcial e justa. É nesse sentido que a realização prática 
daquele princípio enfrenta o desafio permanente das desigualdades que existem 
de fato na nossa sociedade. A política pública é o principal instrumento do 
governo para a promoção da justiça social, ou seja, para a redução das 
assimetrias de poder e de acesso a recursos. É nesse sentido que o 
funcionamento das instituições de governo é crucial. Por meio do ciclo das 
políticas públicas, os governos podem influenciar as dinâmicas de distribuição 
 
 
203 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
de riqueza e poder na sociedade. Dentre as instituições de governo existentes, 
a polícia desempenha um papel fundamental ao contribuir com as condições de 
previsibilidade e segurança necessárias ao pleno usufruto dos direitos 
constitucionais. Seu mandato e sua localização na estrutura do Estado fazem 
dela um ator estratégico na defesa do Estado Democrático de Direito. 
A democracia depende da segurança e da ordem pública para funcionar 
eficazmente e a polícia possui um papel fundamental nisso. Vejamos como: 
Em primeiro lugar: 
A segurança pessoal é um requisito para poder exercer todos os outros 
direitos que o Estado de Direito e os direitos humanos reconhecem ao indivíduo. 
Se a vida, a integridade e a propriedade das pessoas não estiverem garantidas, 
não será possível usufruir o resto dos direitos. 
 
Em segundo lugar: 
É a polícia que garante a celebração de eleições livres, impedindo aqueles 
que eventualmente tentem tomar o poder pela força e coibindo os crimes 
eleitorais. 
 
Em terceiro lugar: 
Num sentido mais amplo, a ausência de segurança e a prevalência de 
crimes tendem a criar um ambiente de medo e incerteza que mina a confiança e 
a legitimidade do Estado. No limite, sem que sejam asseguradas a liberdade e a 
vida, constituintes originárias da noção de cidadania, é o próprio Estado de 
Direito que se vê questionado. Nessa tensão, as formas de participação política 
democrática, assumidas como as que melhor atendem à sociedade, tendem a 
ser esvaziadas, reproduzindo e aprofundando formas não democráticas e 
violentas de exercício do poder. 
 
 
 
 
204 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
 
 
 
 
 
 
A polícia constitui o principal instrumento da política de segurança, 
atuando no ponto de encontro entre o “mundo das leis” e as “leis do mundo”. 
Entretanto, para que a política de segurança pública possa contribuir com a 
construção de condições efetivas de igualdade ela precisa ser guiada por 
princípios democráticos, como o dever de transparência e a justiça 
procedimental. Nesse diapasão, a polícia precisa ser gerenciada e percebida 
como um serviço público essencial, focado na promoção da segurança em 
sentido amplo, como bem-estar e tranquilidade pública. A proteção do cidadão e 
de seus direitos deve ser o seu objetivo maior e o consentimento público precisa 
ser o fundamento de sua autoridade. A cidadania precisa ser percebida pela 
polícia como sua clientela, cuja satisfação com o serviço deve ser um dos 
parâmetros do sucesso institucional. Para que isso aconteça, algumas condições 
precisam ser atendidas. 
A primeira delas se refere ao abandono de velhos arquétipos como o do/a 
policial “guerreiro/a”, focado/a exclusivamente no combate ao crime por meio de 
ações repressivas, marcadas por níveis elevados de violência e letalidade e 
inspiradas por uma mentalidade de combate e extrema militarização. Todas as 
polícias democráticas possuem forças táticas especiais responsáveis por 
situações graves com alta probabilidade de confronto armado. Entretanto, no 
âmbito das relações cotidianas de negociação da ordem pública, no contato 
direto com a população, a ideologia do policial guerreiro não oferece ferramentas 
Com isso, pretendemos dizer que a segurança pública vai muito além do 
enfrentamento a crimes: ela tem como função prover condições para 
exercer todos os outros direitos, entre eles os direitos políticos, longe de 
constrições autoritárias. 
Para refletir 
 
 
205 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
adequadas para que esses agentes trabalhem com foco nas demandas dos 
cidadãos. Se considerarmos que boa parte do trabalho da polícia se concentra 
em ocorrências de trânsito, conflitos do cotidiano e chamados de natureza 
assistencial, fica claro que o bom uso do armamento, apesar de importante, não 
é uma competência que ofereça respostas sobre como lidar com aquilo que de 
fato a polícia é demandada a maior parte do tempo. Esse tipo de trabalho, 
desvalorizado sob o paradigma do policial guerreiro, mostra-se na realidade 
crítico para a construção da legitimidade e da imagem pública da polícia e do 
próprio Estado. 
Neste curso, propusemos algumas imagens alternativas em relação 
àquele paradigma como, por exemplo, a do/a “policial guardião/a” (ver Aula 3 do 
Módulo I), dentro da mudança de foco de uma “polícia de Estado” para uma 
polícia protetora dos cidadãos. Uma polícia de Estado renuncia à busca da 
legitimidade social e do consentimento público como princípios basilares da 
atuação policial. Ao servir ao Estado, a polícia corre o risco de ser reduzida a 
mero instrumento da vontade personalista do governante. Num regime 
democrático pautado pelo Estado de Direito, a polícia tem como missão a 
proteção do regime, isto é, da própria democracia, mas nunca a preservação do 
governo de turno. 
Para que a polícia seja um instrumento efetivo de proteção da democracia, 
ela precisa realizar o seu potencial de administração dos conflitos que 
caracterizam a ordem pública em sociedades complexas. Nesse sentido 
propusemos uma imagem alternativa do trabalho policial como um trabalho de 
mediação (ver Aula 2 do Módulo III) e de promoção da justiça de forma ampla. 
Não apenas no enfrentamento do crime e da impunidade, mas na proteção 
efetiva de direitos por meio de um trabalho de mediação entre a lei e suas 
condições materiais de aplicação. Ao levar em consideração as diferentes 
moralidades presentes na sociedade, a polícia desenvolve uma melhor 
compreensão sobre a natureza e a motivação dos conflitos sobre os quais ela é 
chamada a intervir. Seu trabalho de mediação deve sempre ter como limite último 
a lei. Dentro desse limite, a polícia deve promover a proteção dos direitos das 
pessoas e o fortalecimento da legitimidade institucional. Quanto maior a 
 
 
206 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
legitimidade, menor será a necessidade do emprego da força pela polícia para 
produzir a obediência às leis. 
Mas se afirmamos que a polícia é fundamental para a defesa da 
democracia, buscamos mostrar que esta é também importante para a polícia e 
para os/as policiais. Por um lado, a gestão democrática da segurança pública e 
das polícias se beneficia da implementação de estruturas de governança 
transparentes e participativas que reduzam o risco de instrumentalização política 
das polícias. 
Apenas num regime democrático pautado pelo Estado de Direito é que os 
policiais poderão procurar proteção contra interferências políticas ou 
manipulação por parte do governo de turno. Ao contrário, em regimes autoritários 
não há limites quanto ao que o poder executivo pode exigir das polícias, que 
serão arrastadas à ilegitimidade junto com o sistema político e acabarão 
enfrentadas aos cidadãos que deveriam proteger. 
O uso da polícia a serviço de interessesde grupos políticos e elites 
econômicas não é apenas prejudicial à saúde da democracia, como também 
produz um ambiente de trabalho que é prejudicial à saúde do/a próprio/a policial. 
Quando as regras de funcionamento da organização policial são cooptadas por 
essas lógicas, os direitos, para essa categoria de trabalhadores, que deveriam 
ser garantidos em razão da importância da sua função, ficam mais suscetíveis à 
patronagem e a troca de favores. 
Por fim, argumentamos que uma mudança de paradigma importante para 
a consolidação de uma polícia defensora da democracia é o entendimento do/a 
policial enquanto um/a “trabalhador/a da segurança pública”. Essa abordagem 
segue no sentido oposto de muitos cursos de formação policial, que promovem 
um distanciamento entre o/a policial e a sociedade, da qual seria preciso afastar-
se para se tornar um policial eficiente. A imagem do/a policial enquanto 
trabalhador/a não só aproxima a polícia da sociedade, mas permite que o/a 
policial possa expressar demandas sobre condições de trabalho e conflitos 
institucionais por meio de canais e procedimentos estabelecidos. Isso significa 
que a situação de trabalho da polícia não pode ser vista de forma separada de 
suas finalidades. A consequência lógica desse entendimento é que apenas uma 
 
 
207 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
polícia que vive uma democracia em seu ambiente laboral poderá reforçá-la na 
prática. 
 
 
 
 
208 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
Finalizando.... 
Neste módulo você aprendeu: 
 Neste módulo, você estudou alguns dos problemas nacionais que se 
localizam em nossa constituição histórica como sociedade e como eles se 
conectam com a oferta de segurança pública no Brasil hoje. Revisamos, 
então, as formas encontradas na Constituição Federal para enfrentar 
esses e outros problemas na atuação do Estado e, nesse percurso, 
buscamos dar ênfase a como o texto constitucional tratou a segurança 
pública. A partir daí, explicamos como estabelecer níveis mais elevados 
de governança em segurança pública pode contribuir para avanços nessa 
área, tratando, em especial, do Sistema Único de Segurança Pública. 
 
 Concluímos que a consolidação do Estado de Direito, instrumento capaz 
de promover cidadania, inclusive na oferta da segurança enquanto direito, 
requer, além de medidas punitivas, uma visão de segurança enquanto 
uma política pública que inclua também a prevenção. Assim, é possível 
contemplar as percepções da sociedade e promover avanços gerenciais 
que melhorem a prestação do serviço público da segurança. 
 
 
 
209 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e os Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública 
 
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