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SOCIOLOGIA RURAL 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4 1 INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA RURAL ............................................................... 5 1.1 Conceitos e Objetivos da Sociologia Rural ....................................................... 7 1.2 O que estudam os Sociólogos Rurais? ........................................................... 11 1.3 As Ideias Fundadoras ..................................................................................... 13 1.4 A escola norte-americana ............................................................................... 14 1.5 A escola europeia ........................................................................................... 15 2 O CAMPONÊS E O CAMPESINATO ................................................................... 16 2.1 O conceito de camponês na sociologia marxista clássica .............................. 19 2.2 O camponês em outros lugares do mundo ..................................................... 20 2.3 Ressignificações do conceito de camponês ................................................... 21 3 DEFINIÇÃO DE QUESTÃO FUNDIÁRIA ............................................................. 22 3.1 História fundiária: brasil colônia e brasil império ............................................. 24 4 REFORMA AGRÁRIA .......................................................................................... 30 4.1 As transformações do espaço agrário e a luta pela reforma agrária .............. 31 4.2 Que terra seria objeto de reforma agrária? ..................................................... 32 4.3 Os movimentos sociais no campo .................................................................. 34 4.4 O modelo “legal” de Reforma Agrária no Brasil .............................................. 36 5 AGRICULTURA FAMILIAR .................................................................................. 39 5.1 Duas definições de agricultura familiar: a brasileira e a estadunidense ......... 40 5.2 PRONAF – Programa Nacional De Fortalecimento Da Agricultura Familiar ... 42 5.3 Desafios à agricultura familiar no brasil .......................................................... 44 5.4 Agriculturas Sustentáveis ............................................................................... 45 6 RURALIDADE CONTEMPORÂNEA .................................................................... 48 6.1 A ruralidade contemporânea no Brasil ............................................................ 54 3 7 A QUESTÃO AMBIENTAL ................................................................................... 55 7.1 Recursos Finitos e Consumo Infinito .............................................................. 56 7.2 Brasil: entre avanços nos anos 1990 e retrocessos nos anos 2010 ............... 56 7.3 Agricultura e meio-ambiente ........................................................................... 57 7.4 Desenvolvimento Rural Sustentável ............................................................... 61 7.5 Possibilidades para o desenvolvimento sustentável no campo ...................... 62 8 AGRICULTURA FAMILIAR E CAMPONESA E A PLURIATIVIDADE ................ 64 8.1 Definindo a pluriatividade ................................................................................ 67 8.2 Pluriatividade tradicional ou camponesa......................................................... 69 8.3 Turismo rural e novas ruralidades .................................................................. 70 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 72 4 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 1 INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA RURAL O que exatamente é a “sociologia rural” e do que ela se compõe? A sociologia rural pode ser definida como uma abordagem crítica e científica que se dedica a compreender as complexas relações entre os diversos grupos sociais que formam o mundo rural. Para atingir esse objetivo, ela se apoia na análise das dinâmicas sociais, políticas, culturais e econômicas que ocorrem nesses ambientes. Nesse processo, concede uma atenção especial aos indivíduos e aos contextos sociais que constituem o que chamamos de “mundo rural”. A sociologia rural é a disciplina que se dedica ao estudo das interações entre os habitantes das áreas rurais, bem como das suas formas de organização social. Ela busca compreender as implicações dessas estruturas sociais e suas distinções em relação a outros tipos de organização social. A preocupação com os assuntos rurais ganhou destaque a partir do século XVIII, à medida que as mudanças decorrentes da industrialização começaram a afetar as zonas rurais e a agricultura. Nesse contexto, dois aspectos fundamentais surgiram: o êxodo rural, que envolve a migração das áreas rurais para as urbanas, e a urbanização do campo. A sociologia rural surgiu com o propósito prático de fornecer conhecimento útil para a implementação de reformas sociais que pudessem melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem nas áreas rurais (AQUINO, 2018). Sua concepção inicial se baseia no pensamento de Carmo (2009), que estabelece uma distinção entre dois mundos: o urbano e o rural. Essa abordagem dualista, que exerceu uma influência significativa sobre todas as pesquisas em sociologia rural realizadas do final do século XIX até as primeiras décadas do século XX, ainda repercute nos estudos sociológicos contemporâneos. Essa distinção se baseia nas noções de comunidade e sociedade: na comunidade, as relações são caracterizadas pela afetividade, profundidade, coesão 6 emocional e conservadorismo, com uma ênfase no bem-estar da coletividade. A comunidade geralmente está associada a áreas rurais e é vista como periférica. Em contraste, a sociedade é marcada por interações individuais e conflituosas, ideias contratualistas, ênfase no racionalismo e um papel central na modernização. Portanto, a sociedade é frequentemente associada a áreas urbanas e é considerada a região central (AQUINO, 2018). Muito se tem discutido sobre as supostas distinções entre os conceitos de “sociologia rural” e “sociologia urbana”, caracterizando uma como oposta à outra, principalmente em relação aos seus objetos ou áreas de estudo. Este é o primeiro de muitos equívocos que precisamos abandonar, tanto para aqueles que desejam se dedicar aos estudos de sociologia rural quanto para os estudos de sociologia urbana. Existem, é claro, diferenças teóricas e metodológicas entre essas perspectivas, mas essas diferenças não se anulam mutuamente; pelo contrário, complementam-se. Falar das relações sociais, simbólicas e econômicasno mundo rural se torna uma tarefa difícil, senão impossível, sem considerar as interações que ocorrem no mundo, ou nos mundos, urbanos. E o oposto também é verdadeiro, como veremos ao longo destas aulas, uma vez que o desenvolvimento da história brasileira, seja em seu aspecto político, cultural ou econômico, está profundamente ligado à formação de uma estrutura agrária. Os conceitos de “propriedade” e “posse” da terra, bem como a exploração da terra, desempenham um papel central na compreensão da sociedade brasileira. Especialmente na sociedade brasileira, onde a sociologia rural se preocupa não apenas com o estudo de conflitos agrários ou ambientais, como as lutas pela reforma agrária ou pelo uso dos recursos naturais, mas também com aspectos conceituais. Isso ocorre porque não há consenso sobre o que é melhor ou pior para a sociedade ou para os grupos sociais. Termos como “agricultura familiar”, “reforma agrária” e “desenvolvimento sustentável” só fazem sentido quando colocados em oposição ao “agronegócio” e a “modernização e mecanização agrícola”. Portanto, é fundamental que, como ponto de partida, nos aprofundemos na análise histórica de nossa formação social. Isso nos permitirá compreender os conceitos dentro de seus respectivos contextos e nos capacitará a lançar um olhar crítico e científico sobre o que chamamos de “mundo rural”. Esse processo nos 7 permitirá realizar uma sociologia rural significativa e contextualizada (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012). 1.1 Conceitos e Objetivos da Sociologia Rural A sociologia rural, por ser uma disciplina que se concentra na observação dos fenômenos sociais que ocorrem dentro ou nas proximidades do que geralmente é denominado “mundo rural”, desenvolve métodos específicos de análise e elabora seus próprios conceitos para estudar esses fenômenos. De acordo com Smith, T. Lynn (1963, p. 9-13): [...] A sociologia rural é uma ciência ou um campo científico ligado à sociologia geral. Isto porque pretendem aplicar ao estudo de seus problemas os mesmos métodos, comuns a todas as ciências. E, mais ainda, aquelas técnicas de pesquisa específica da sociologia que visam ao estudo sistematizado das relações entre os homens, pelo fato de viverem em coletividades ou grupos, e as mudanças que daí decorre no seu comportamento. A sociologia rural é, portanto, um campo de estudo da sociologia geral, por isso também chamada sociologia da vida rural. Na definição de um de seus mais autorizados mestres é o gênero sistematizado de conhecimentos que resultam da aplicação do método científico ao estudo da sociedade rural, de sua organização e estrutura e de seus processos. Graziano da Silva (1999) explica que a sociologia rural não é uma especialização criada simplesmente porque as pessoas vivem em áreas com características ecológicas ou geográficas distintas das cidades. Não se trata de considerar a vida no campo ou a prática agrícola como fatores que, por si só, autorizam a existência de um ramo importante da ciência social. Não há evidência de que essas características se transmitam hereditariamente. No entanto, o estudo da sociologia rural se justifica devido às situações especiais que surgem da atividade agrícola e que constituem seu objeto de estudo. Isso inclui aspectos como o tipo de assentamento populacional, a natureza dos direitos de propriedade e os sistemas de demarcação de terras, os sistemas agrícolas e uma série de características sociais e culturais associadas à posse de terras e ao trabalho agrícola, que são frequentemente descritas como “agrários”. 8 Este conteúdo da sociologia rural certamente pode variar dependendo do período histórico e do contexto analisado. Ele se baseia principalmente nas diferenças entre a vida urbana e rural, embora essas diferenças não sejam sempre claramente definidas e, nas sociedades modernas, tendam a se tornar menos distintas. Conforme Graziano da Silva (1999), os autores costumam dividir o conteúdo da sociologia rural em três grandes campos: 1) A população rural, compreendendo seu contingente populacional, distribuição geográfica, crescimento demográfico, características físicas e psicológicas, condições de saúde e educação, bem como os aspectos dinâmicos, como taxas de natalidade, morbidade e mortalidade, além das migrações no espaço. 2) A organização rural, englobando: • A ecologia rural, englobando os padrões de povoamento, os tipos de aglomeração e comunidade no ambiente rural. • As relações institucionais entre o homem e a terra, que podem constituir um subcampo da sociologia rural conhecido como sociologia agrária. Isso inclui as normas, os aspectos da fixação da população à terra, divisões e títulos de propriedade, características da posse e ocupação, tamanho das glebas e sistemas agrícolas. • A morfologia social, abrangendo o estudo da diferenciação da estratificação social, das classes e camadas que compõem a população rural. • As principais instituições sociais, como a família, a escola, as afiliações religiosas e as instituições de administração e governo, todas analisadas sob a ótica das características específicas resultantes de sua implantação no meio rural. 3) Finalmente, a sociologia rural abrange toda a dinâmica social, ou seja, todos os processos sociais que envolvem competição, conflito, cooperação, acomodação, assimilação e mobilidade social. Nesse contexto, inclui-se o estudo da mudança social e dos fatores que influenciam a personalidade humana, além de abordar a problemática social, como crime, prostituição, alcoolismo, que frequentemente acompanham esses processos. Um ponto de partida essencial, que desempenha um papel fundamental na tradição sociológica, mas que ganha destaque especial aqui, é a análise histórica e contextual. Este complexo de elementos confere personalidade aos conceitos e 9 fornece ao sociólogo dedicado ao estudo do mundo rural as lentes específicas que ele utilizará em suas observações. Não se trata apenas de análise histórica nem de considerar apenas os contextos isoladamente, mas sim da “análise histórica e de contexto”, na qual um elemento complementa e qualifica o outro. Esse enfoque é capaz de dar vida aos conceitos básicos da interpretação sociológica. Portanto, daremos ênfase à “análise histórica e de contexto” como ponto de partida essencial, particularmente no contexto dos processos sociais que se desenrolaram no Brasil. Integraremos tanto a história do país quanto a reflexão a partir de contextos específicos que ocorreram dentro dele. Além disso, compreenderemos esses processos por meio de um diálogo contínuo ao longo do tempo, o que nos permitirá estabelecer as bases de alguns conceitos fundamentais da sociologia rural que estamos prestes a explorar. Dentre esses conceitos, destacam-se: 1) a questão agrária; 2) o campesinato; 3) o desenvolvimento rural; 4) a modernização agrícola; 5) a agricultura familiar; 6) e o agronegócio, entre outros. Embora não tenhamos a intenção de abordar todos esses conceitos de maneira detalhada nesta aula, vamos desenvolver uma perspectiva crítica em torno deles para auxiliar em nossas análises (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012). Esse esquema clássico formou o núcleo dos estudos de sociologia rural, como visto nos trabalhos dos pioneiros que estabeleceram as bases científicas dessa disciplina. No entanto, como observado por Graziano da Silva (1999), esse esquema tem passado por mudanças recentemente, influenciado por problemas específicos e pelos interesses de pesquisadores, bem como pela influência de diversas disciplinas, notadamente demografia, psicologia social e antropologia social. Hoje, devido ao intenso intercâmbio e à mútua influência entre essas diferentes áreas da sociologia, novos campos de interesse estão claramente emergindo. Isso é evidente na criação de áreas como a sociologia agrária, que se conectaintimamente com a economia agrária e as ciências jurídicas, particularmente o direito civil e o direito agrário. O direito agrário, por sua vez, é um resultado da combinação de direito de propriedade agrária, direito trabalhista e, mais recentemente, direito da cooperação. Também é o caso da sociologia do desenvolvimento rural, que visa analisar as transformações nas comunidades e áreas rurais à luz dos processos de desenvolvimento que afetam o conjunto da sociedade e se manifestam de maneira específica nas áreas urbanas e rurais. 10 Esse campo tem despertado grande interesse nos países em desenvolvimento, e o Brasil pode ser considerado pioneiro nessa abordagem. Além disso, o estudo das comunidades rurais é outra área que tem sido profundamente explorada em nosso país e representa uma especialização dentro do âmbito da sociologia rural. Por fim, é fundamental mencionar a análise sociológica do planejamento rural, sua natureza e impactos, uma área que se tornou essencial nas obras mais modernas sobre a disciplina. Uma definição contemporânea, que se baseia na teoria dos sistemas, é fornecida por Larson (1968, p. 580): A preocupação central no estudo sociológico da sociedade rural é a de sua organização, os sistemas sociais ou subsistemas e suas interrelações dentro da sociedade rural, com a sociedade urbana e a sociedade global. Este estudo tem sido feito através de vários ângulos: ecológico, cultural e relativo ao comportamento (behavioral). Solari (1979, p. 4) escreve: Cabe à Sociologia apenas a interpretação dos fatos, assumindo um possível caráter enquanto ponto de apoio para as políticas públicas no âmbito rural. A despeito de sua louvável preocupação em promover melhorias, a sociologia rural (como a geral) deveria ter por [...] objeto observar os fatos, descobrir leis, interpretar suas causas, explicá-las; ela se ocupa daquilo que os fatos são, e não do que deveriam ser. Desse modo, conforme Solari (1979), observamos que o homem que vive no campo está progressivamente se transformando em um empreendedor, administrando uma organização de natureza econômica para obter renda. Nesse sentido, esses conceitos e categorias surgem como respostas aos novos desafios enfrentados pela sociologia rural. A criação de ferramentas de classificação e análise dessas áreas é de fundamental importância para a formulação de políticas públicas em níveis municipal, estadual e federal. Conforme Mendras (1978), um dos fundadores da Sociologia Rural Francesa, as sociedades rurais tradicionais, em particular as camponesas, exibem cinco características distintas: • Uma considerável autonomia em relação à sociedade global. • A relevância estrutural dos grupos domésticos. • Um sistema econômico caracterizado pela autossuficiência relativa. • Uma sociedade baseada no conhecimento mútuo entre seus membros. 11 • A presença de intermediários que atuam entre a sociedade local e a sociedade global. De acordo com Wanderley (2000), o termo “rural” representa um modo particular de utilizar o espaço e de construir a vida social. Portanto, seu estudo implica a compreensão dos limites, das particularidades e das representações desse espaço rural. Ele é entendido simultaneamente como um espaço físico, referente à ocupação do território e aos seus símbolos. É o local onde as pessoas vivem, com particularidades no modo de vida e uma referência identitária, mas também é de onde elas observam e experimentam o mundo em um sentido mais amplo, abordando a cidadania do homem rural e sua inserção nas esferas mais abrangentes da sociedade. Do ponto de vista sociológico, quando se menciona o termo “rural”, apontam- se duas características consideradas fundamentais: • Relação com a Natureza: Por um lado, destaca-se a relação específica que os habitantes do campo mantêm com a natureza, a qual eles interagem diretamente, principalmente por meio de seu trabalho e ambiente habitacional. Essa relação envolve as representações do espaço natural e do espaço construído. Vale salientar que a “natureza rural”, por ser intensamente moldada por diversas atividades e usos humanos, é, na realidade, tão natural quanto as intervenções humanas. • Relações Sociais Diferenciadas: Por outro lado, há relações sociais diferenciadas, conforme definido por Mendras (1978) como “relações de interconhecimento”. Essas relações surgem devido à dimensão e complexidade limitadas das “coletividades” rurais. Essas relações sociais resultam em práticas e representações particulares em relação ao espaço, tempo, trabalho, família, e assim por diante. No entanto, é crucial observar que fazer referência a essas características não significa buscar uma forma histórica do “rural”. Conforme Rémy (1993), o “rural” não é uma essência imutável que pode ser encontrada em todas as sociedades. Pelo contrário, é uma categoria histórica em constante evolução. Portanto, cabe aos pesquisadores compreender as diferentes formas do “rural” nas diversas sociedades, tanto passadas quanto presentes. 1.2 O que estudam os Sociólogos Rurais? 12 Quando abordamos a Sociologia Rural, é fundamental destacar que sua institucionalização, ou seja, o reconhecimento como uma disciplina específica com a criação de cursos e programas dedicados a ela, é relativamente recente. De acordo com Brumer & Santos (2021), a introdução da Sociologia Rural no Brasil ocorreu por meio da abertura de cursos de pós-graduação nas décadas de 1950 e 1960. Esse desenvolvimento foi impulsionado durante o governo de Juscelino Kubitschek, por meio de um acordo de cooperação em pesquisa e estudos na área entre Brasil e Estados Unidos. Mesmo durante o período da Ditadura Militar, as pesquisas em Sociologia Rural continuaram, embora temas como a modernização rural fossem mais frequentes do que questões relacionadas à reforma agrária. Em um dos artigos mais citados de um renomado pesquisador em Sociologia Rural, argumenta-se que o futuro dessa disciplina depende da capacidade de oferecer propostas para melhorar a qualidade de vida no campo e de sua habilidade em ouvir as aspirações dos moradores rurais. Além disso, enfatiza-se a importância de promover um diálogo mais amplo, que inclua a colaboração entre diferentes disciplinas, a fim de compreender de forma mais abrangente os fenômenos rurais. Isso envolve a promoção de abordagens multidisciplinares, interdisciplinares e até mesmo transdisciplinares: “É preciso transgredir as imunidades estamentais e corporativas de que a sociologia rural se cercou, fazê-la dialogar mais, comungar mais e aprender mais com a História, a Literatura, a Geografia, a Antropologia. Há mais sociologia rural de alto refinamento em obras de Gabriel Garcia Marquez, Manuel Scorza, John Steinbeck, José Saramago, Juan Rulfo ou Guimarães Rosa do que em muitas de nossas análises complexas e elaboradas”. (MARTINS, 2001, p. 34) Na realidade, muitos dos tópicos investigados pelos profissionais da Sociologia Rural são compartilhados por outros especialistas, como geógrafos rurais, antropólogos rurais e economistas rurais. De fato, existe uma troca significativa de informações e dados entre essas disciplinas, embora o foco e a abordagem de análise possam variar de acordo com a formação do pesquisador (MAKINO, 2022). Pessoalmente, acredito que, embora as pesquisas conduzidas por sociólogos rurais sejam frequentemente rotuladas como “Sociologia Rural”, seria mais honesto chamá-las de “Estudos Rurais” (ou algo similar) e reconhecer a natureza multidisciplinar e interdisciplinar desse campo. A insistência em estabelecer distinções rígidas entre algumas dessas áreas, como Sociologia Rural e Antropologia Rural, 13 muitas vezes está relacionada à formação original do pesquisador e à preferência por abordagens típicas de sua área de formação. Por exemplo, sociólogos e economistas podemsentir-se mais à vontade com análises estatísticas, enquanto um antropólogo pode preferir realizar visitas de campo e entrevistar os moradores. Dentro do campo disciplinar institucionalizado da Sociologia Rural, de acordo com Brumer & Santos (2012), entre aqueles que se autodenominam sociólogos e conduzem pesquisas sobre o ambiente rural, os temas mais frequentemente investigados incluem o campesinato, a agricultura familiar, a modernização no campo, o cooperativismo rural, as novas fronteiras agrícolas, a burguesia agrária, as questões de violência no campo, entre outros. 1.3 As Ideias Fundadoras Foi, sem dúvida, a Sociologia Rural que, no século passado, pioneiramente promoveu uma análise minuciosa do conceito e da natureza das relações entre o meio rural e urbano. Nesse sentido, uma das principais preocupações dessa disciplina foi a elaboração de categorias que permitissem qualificar e compreender a essência dos espaços rurais, em contraste com as dinâmicas da sociedade urbana. Nos estudos sociológicos voltados ao mundo rural, essas categorias, no entanto, receberam distintos enfoques e abordagens. No decorrer da evolução desta ciência, tornam-se aparentes, pelo menos, duas correntes distintas: a abordagem francesa e a norte- americana (SILVA E ROCHA, 2011). A primeira tendência concentra-se na análise dos desafios do desenvolvimento e engloba a Sociologia Agrária. Ela aborda questões relacionadas ao comportamento da população rural em relação ao progresso, investiga as relações comunitárias de vizinhança, solidariedade e cooperação, explora o associativismo rural e se dedica aos estudos sobre os objetivos do planejamento local e regional. A segunda abordagem, de origem norte-americana, visa definir e explicar o mundo rural a partir de suas características sociais, demográficas e produtivas peculiares. Esta abordagem engloba o estudo das comunidades rurais, a extensão e difusão de práticas agrícolas, a avaliação de programas governamentais relacionados à saúde e previdência social rural, entre outros temas. 14 1.4 A escola norte-americana Nos Estados Unidos, a trajetória acadêmica da Sociologia Rural coincidiu com o período de florescimento dos estudos em Ecologia Urbana, liderados pela Escola de Chicago. Como resultado, tornou-se evidente a influência dos conceitos e métodos desenvolvidos por essa escola no âmbito da Sociologia voltada à compreensão do meio rural. A disseminação dos princípios norteadores das pesquisas sobre problemas urbanos, notadamente pelos estudiosos de Chicago como P. Park, E. Burgges, L. Wirth e outros, contribuiu para o surgimento de uma vertente de estudos rurais que compartilhava desses fundamentos. Portanto, pode-se afirmar que alguns sociólogos que se apegavam aos referenciais da Ecologia Urbana, mas que estavam interessados na sociedade rural da época, desempenharam um papel fundamental na criação da Sociologia Rural norte-americana, que, em seus primórdios, estava fortemente ligada às bases científicas dos estudos urbanos (ABRAMOVAY, 2000). O desenvolvimento rural nos Estados Unidos passou por três fases distintas ao longo de sua história. Inicialmente, na formação histórica do país, as áreas rurais se beneficiaram principalmente dos recursos naturais que possuíam vantagens geográficas, como terras férteis, vastas florestas e depósitos minerais. Nos anos 60 e 70, a vantagem comparativa das áreas rurais mudou de um foco nos recursos primários para a ênfase em fatores como “terra acessível, mão de obra de custo reduzido, regulamentações flexíveis e sindicatos fracos ou ausentes”. Esses fatores, combinados com significativos investimentos públicos em infraestrutura de transporte, como o sistema de autoestradas interestaduais, estimularam um aumento significativo da atividade industrial nas áreas rurais dos Estados Unidos. Durante esse período, a participação das áreas rurais no emprego industrial cresceu de 21% para 27% entre 1960 e 1980, como mencionado por Galston e Baehler (1993). A partir dos anos 80, uma nova fase se iniciou, na qual as características naturais das áreas rurais, consideradas como “valores de amenidades” por aposentados, turistas e certos tipos de negócios, emergiram como uma nova fonte de vantagem comparativa para as áreas rurais. Isso levou a um aumento na população rural e na criação de novos empregos, especialmente nas localidades rurais que possuíam recursos naturais valiosos e atrativos para diferentes grupos demográficos. Seguindo a mesma linha de pensamento, Castle (1993), citado por Lindsey (1995/99), que liderou um abrangente programa de pesquisa e intervenção voltado 15 para o desenvolvimento rural nos Estados Unidos, destaca que as áreas rurais distantes das regiões metropolitanas que tiveram melhor desempenho compartilham a presença de três elementos fundamentais: recreação, aposentadoria e residência. 1.5 A escola europeia Na Europa, a associação entre a ruralidade e os espaços naturais é talvez ainda mais evidente do que nos Estados Unidos. A noção de rural frequentemente engloba a ideia de natureza, embora essa associação possua nuances e significados variados de acordo com os diferentes países europeus. Como observou Jollivet (1997, p. 352) em uma coletânea que examina as relações entre o meio rural e o meio ambiente em oito nações da União Europeia, essa dimensão se torna particularmente evidente quando há uma sobreposição entre espaço agrícola e espaço rural. Além disso, essa associação também está subjacente à busca por um certo tipo de habitat, como casas e povoados localizados nas áreas rurais. As questões ambientais desempenham hoje um papel crucial na reforma da Política Agrícola Comum na União Europeia. É interessante notar que, nas negociações que antecederam essa reforma, o espaço rural tornou-se um argumento importante. Os agricultores franceses, por exemplo, perceberam que poderiam utilizar a condição de administradores do espaço rural como justificativa para preservar seus interesses nas negociações com os Estados Unidos, destacando a importância do espaço rural nas relações internacionais (ABRAMOVAY, 2000). Segundo Rios (1979), em contraposição à abordagem americana, a Sociologia Rural europeia buscou evitar a limitação de se tornar simplesmente uma Sociologia da agricultura. Para alcançar esse objetivo, os sociólogos europeus rapidamente reconheceram a necessidade de conectar o estudo da vida rural a uma compreensão abrangente de suas respectivas sociedades. Além disso, eles procuraram enriquecer essa abordagem integrando contribuições de outras disciplinas das ciências sociais, como Economia Agrícola, Direito, Geografia, Psicologia, Demografia e Etnologia. É importante notar que os primeiros estudos interdisciplinares sobre áreas rurais surgiram na Europa. A Sociologia Rural europeia, em particular a francesa, definiu-se com base em seu objeto de estudo e em seu campo de aplicação, em vez de adotar uma teoria ou escola de pensamento específica. A delimitação das preocupações da Sociologia 16 Rural ocorreu principalmente por meio de sua área de atuação e menos pela formulação de proposições teóricas originais. Nesse contexto, os sociólogos rurais franceses se interessaram por uma ampla gama de aspectos da vida social que englobam especialidades da Sociologia, como Sociologia Política, da Família e das Religiões (SILVA E ROCHA, 2011). 2 O CAMPONÊS E O CAMPESINATO As palavras “camponês” e “campesinato” são termos relativamente recentes no léxico brasileiro, sendo introduzidos, de forma definitiva, pelas esquerdas há pouco mais de duas décadas. Eles foram adotados para descrever as lutas dos trabalhadores rurais que emergiram em várias regiões do país durante os anos cinquenta. Antes dessa adoção, um trabalhador com características semelhantes aos camponeses, classificadosassim na Europa e em outros países da América Latina, tinha denominações específicas e variadas no Brasil, muitas vezes específicas a cada região. Um exemplo notável é o termo “caipira”, provavelmente de origem indígena, utilizado para se referir aos camponeses das regiões de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso do Sul. Em contraste, no litoral paulista, esse mesmo trabalhador é chamado de “caiçara”, enquanto no Nordeste do Brasil, é denominado “tabaréu”. Em outras partes do país, pode ser conhecido como “cabloco”, uma palavra que tem diversos significados, variando conforme a época e a região. Por exemplo, no século XVII, em São Paulo, era uma designação pejorativa para mestiços de índios e brancos; no Norte e Centro-Oeste do Brasil, era usada para distinguir pagãos de cristãos, aplicada aos indígenas em contato com os brancos. Em várias regiões, ela designa o homem do campo ou trabalhador rural (MARTINS, 1981). São termos que, desde tempos remotos, carregam um duplo significado. Por um lado, referem-se àqueles que vivem distante, no campo, afastados das povoações e cidades, e, portanto, são muitas vezes associados à rusticidade, ao atraso e à ingenuidade. Por outro lado, essas palavras podem também denotar tolice ou ingenuidade, e ocasionalmente, são utilizadas para descrever alguém como preguiçoso, alguém que não aprecia o trabalho. No geral, são termos depreciativos e, por vezes, ofensivos. Talvez isso explique por que essas palavras gradualmente desapareceram do vocabulário cotidiano, encontrando refúgio final apenas nos 17 dicionários de folcloristas. É notável que a crescente obsolescência dessas palavras tenha coincidido com o aumento das lutas do campesinato e com a inclusão da situação dos camponeses no debate político nacional (MARTINS, 1981). O termo “campesinato” geralmente se refere às famílias que vivem no campo e que produzem todos os aspectos de suas vidas - incluindo culturais, sociais, econômicos e ambientais - no contexto do espaço agrário. Dois elementos essenciais caracterizam esses indivíduos: a contínua luta pela preservação do bem-estar familiar e a busca incansável pela autonomia na produção (OLESKO, 2017). A diversidade dentro do campesinato é notável e tem sido reconhecida por estudiosos há bastante tempo. Chayanov (1985), já na década de 1920, destacava que a classe camponesa deveria ser compreendida como diversa e complexa. De acordo com o autor, a coesão dessa classe não se baseia na identidade, mas sim na manutenção constante de suas famílias e comunidades com um grau significativo de autonomia. Em resumo, podemos entender o campesinato como uma classe que engloba uma diversidade de grupos identitários. Conforme Chayanov (1985), o principal objetivo do campesinato é realizar menos trabalho, mas ainda assim garantir a sustentabilidade da vida familiar. Essa característica é fundamental para a classe camponesa em suas propriedades. Embora a análise do autor se concentre nos camponeses russos, ele destaca que esse aspecto é central para os sujeitos do campo em geral. Portanto, apesar das diferenças culturais, práticas e outras características distintas no mundo camponês, há uma coesão em determinados aspectos dessa classe. É importante ressaltar que a ideia de ser proprietário, no contexto camponês, não implica necessariamente a propriedade dos meios de produção, como é comumente associado ao capitalismo. O camponês vê a terra como o local de reprodução de sua vida, trabalho e família. Ser proprietário é fundamental para garantir sua permanência na terra, não visando à busca de mais-valia, mas à sustentação da família (OLESKO, 2017). Conforme observado por Shanin (1983), é essencial compreender que, em suas diversas manifestações, o campesinato é frequentemente subjugado, independentemente de ser proprietário de terra, posseiro ou sem-terra, ou se enquadrar como parte de uma “comunidade tradicional” ou “povo”. Enquanto classe 18 social, o camponês muitas vezes desempenha um papel necessário e quase sempre está subordinado ao capital. Mesmo que Mendras (1978) argumente que o objetivo central das famílias camponesas seja manter e expandir sua autonomia perante a sociedade, essa meta pode ser vista como utópica, embora continuamente desejável para os camponeses. Para tanto: Os camponeses continuam a existir, correspondendo a unidades agrícolas diferentes, em estrutura e tamanho, do clássico estabelecimento rural familiar camponês, em maneiras já parcialmente exploradas por Kautsky. Os camponeses são marginalizados. (...) Eles servem ao desenvolvimento capitalista em um sentido menos direto, um tipo de “acumulação primitiva" permanente, oferecendo mão de obra barata, alimentação barata e mercados para bens que geram lucros. (Shanin, 1980, p. 58,) O que Shanin enfatiza é que, apesar de algumas abordagens sugerirem o desaparecimento do campesinato em suas análises, essa realidade está longe de se concretizar. Isso é particularmente evidente no contexto brasileiro, onde o campesinato desempenha um papel crucial na produção de alimentos e onde os conflitos em torno da terra persistem, seja para adquiri-la, seja para mantê-la. Além disso, Shanin (1983) nos lembra da necessidade de considerar a diversidade e a complexidade do campesinato, em vez de adotar apenas o modelo clássico da unidade familiar. No Brasil, por exemplo, podemos observar uma ampla gama de realidades camponesas, incluindo assentamentos rurais, pequenos proprietários de origem cabocla ou descendentes de imigrantes, bem como práticas de uso e produção de terras comuns e coletivas. Portanto, compreender o campesinato requer uma análise que leve em conta essa diversidade e a complexidade de suas formas de organização e de suas relações com a terra. No entanto, é crucial reconhecer, que os camponeses são frequentemente marginalizados, independentemente de sua produção. De acordo com Moura (1986) o campesinato é sempre um polo oprimido em qualquer sociedade, em qualquer época e lugar, a posição do camponês é marcada pela subordinação aos proprietários das terras e ao poder, que extrai deles diferentes tipos de renda: renda em produtos, renda em trabalho, renda em dinheiro. Moura (1986) também explora as várias maneiras de definir o campesinato e chega à conclusão de que não se pode adotar uma definição rígida e sectária. Em vez disso, é necessário trabalhar com um arquétipo amplo que abranja a complexidade 19 dessa classe. Portanto, ela constrói o entendimento de que o camponês é o cultivador em contraposição à cidade e à sede do poder político, sujeito a uma subordinação permanente. Vale ressaltar que tanto Moura (1986) argumenta que os próprios camponeses frequentemente não se identificam ou reconhecem o conceito de classe amplamente abordado. Entretanto, isso não diminui a importância da construção intelectual relacionada à classe camponesa. Não se trata de uma mera questão vocabular, mas, sobretudo, de natureza política. 2.1 O conceito de camponês na sociologia marxista clássica Karl Marx é um influente pensador que desempenha um papel significativo como precursor e referência teórica em diversas áreas do conhecimento, incluindo Filosofia, Economia, Ciência Política, Sociologia, entre outras. Em sua obra, o conceito de campesinato assume um papel de destaque, oferecendo uma explicação importante em uma de suas obras mais célebres, “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”. Antes de abordar o papel do campesinato na obra mencionada, é essencial compreender seu significado na perspectiva marxista. O camponês é o habitante do campo que se caracteriza por ser autossuficiente, direcionando suas atividades principalmente para a subsistência. Ele produz apenas o suficiente para seu próprio consumo, gerando poucos excedentes para comercialização, e carece de renda significativaque o torne um consumidor relevante do ponto de vista econômico. Em outras palavras, o camponês é um indivíduo cuja mentalidade não é dominada pela busca de enriquecimento ou acúmulo de capital. Portanto, a imagem do camponês como um vestígio de um passado feudal e medieval, um não-capitalista em um mundo capitalista, e um personagem destinado a desaparecer à medida que o progresso avança, não encontra respaldo entre os sociólogos rurais atualmente informados (OLESKO, 2017). É um conceito originalmente cunhado para analisar um grupo social e uma situação do século XIX. Na teoria marxista, o capitalismo é caracterizado pela luta de classes entre o proletariado e a burguesia, ou seja, entre trabalhadores assalariados e os detentores do grande capital (terra, máquinas, indústrias, empresas e recursos para investimento). A longo prazo, essa luta deveria culminar em uma revolução, que poria fim ao capitalismo e inauguraria uma ditadura do proletariado ou o socialismo. 20 Contudo, no célebre livro “O 18 de Brumário”, a luta entre proletariado e burguesia não seguia o curso de uma revolução, devido à influência moderadora de um terceiro grupo social na França: o campesinato. O tipo ideal de proletário que desempenharia o papel central na revolução era o trabalhador industrial assalariado, mas na França daquela época, os camponeses eram uma classe muito numerosa. Em resumo, um dos sociólogos mais influentes de todos os tempos reconhece a relevância do campesinato nos processos sociais de mudança e continuidade (OLESKO, 2017). 2.2 O camponês em outros lugares do mundo Se na França do século XIX o campesinato desempenhava um papel significativo na estrutura social, o mesmo não pode ser dito de outros lugares e períodos históricos. Por exemplo, de acordo com Garcia Jr (2013), no Brasil Colonial, não se pode afirmar a existência de um campesinato relevante, uma vez que a estrutura social se resumia, por um lado, a famílias latifundiárias e seus dependentes e, por outro, a escravos. Apesar de existirem pequenos agricultores envolvidos na produção de alimentos, eles estavam predominantemente ligados à dinâmica de abastecer as grandes propriedades rurais e, portanto, raramente poderiam ser categorizados como camponeses no sentido estrito. É importante ressaltar que no Brasil Colonial existiam diversas ocupações e papéis sociais além do latifundiário e do escravo. Na obra de Gilberto Freyre, especialmente em “Casa Grande & Senzala”, encontramos menção a burocratas imperiais, soldados imperiais, prostitutas, comerciantes-viajantes, membros da Igreja Católica (padres, freis, freiras, missionários, inquisidores, bispos e outros), indígenas e outros grupos. Além disso, no pensamento social latino-americano, a importância do campesinato também era objeto de discussão. Nas reflexões do intelectual peruano José Carlos Mariátegui (1894-1930), buscava-se compreender a situação de seu país à luz das teorias marxistas. Nessa análise, a situação do indígena sul- americano no início do século XX era comparada à do camponês europeu do século XIX: habitantes do ambiente rural cujo projeto de vida não era orientado pela obsessão pelo acúmulo de capital. No entanto, as implicações dessa equivalência eram motivo de controvérsia. No pensamento marxista tradicional, o Socialismo emergiria das contradições profundas do Capitalismo, ou seja, sem um desenvolvimento pleno do Capitalismo, não haveria condições para uma Revolução Socialista. Da mesma forma que o 21 campesinato bloqueava a revolução na França de Luís Bonaparte, o indigenato bloqueava a revolução no Peru. Isso ocorria porque o Peru possuía uma grande proporção de indígenas, que não eram capitalistas, e uma burguesia nacional fraca. Como explicam duas estudiosas desse tema: “A hipótese sociopolítica decisiva para se pensar Mariátegui é a de que no Peru não existe, e nunca existiu, uma burguesia progressista com uma sensibilidade nacional que pudesse ser declarada como sendo liberal e democrática. Os fatores para tal debilidade estariam na permanência da propriedade feudal e na relação de servidão produtiva, apesar do avanço capitalista”. (RANINCHESKI & PINTO, 2009, p. 99) 2.3 Ressignificações do conceito de camponês Wanderley (1996), em um de seus trabalhos, aborda a problemática do conceito de camponês e da própria natureza dos conceitos. Ela levanta a questão de se o conceito é estático, fixo, e se só pode ser aplicado a determinados momentos históricos. Se a resposta for “sim”, isso implicaria que o termo “camponês” só poderia ser utilizado para se referir ao contexto social descrito por Marx em seu livro “O 18 de Brumário”. No entanto, se a resposta for “não”, isso indicaria que o conceito pode evoluir à medida que o sujeito (ou o objeto) ao qual se refere evolui, requerendo um esforço constante para atualização dos conceitos e identificação dos vários significados que podem ter para diferentes gerações de pesquisadores. A autora mencionada segue essa segunda abordagem (MAKINO, 2022). Essa questão, de certa forma, já havia sido abordada por outros sociólogos brasileiros no passado. Welch et al., (2009), por exemplo, redefine o camponês no contexto brasileiro como o pequeno agricultor que não é empregado por ninguém e que subsiste do seu trabalho (e do trabalho de sua família) na terra que habita, podendo vender o excedente que consegue produzir. Dessa forma, sitiantes, chacareiros e, mais recentemente, assentados de programas de reforma agrária poderiam ser classificados como integrantes do campesinato brasileiro. Reconsiderando a reflexão de Wanderley, é evidente que elementos do campesinato ainda subsistem nos tempos atuais, embora, é claro, não da mesma maneira que no século XIX. Alguns desses elementos incluem a organização da terra para combinar pecuária e policultura, a preservação do horizonte de gerações (com ênfase na importância da família, tradição, herança e legado), uma relativa autonomia nas sociedades rurais (caracterizada por uma forma distinta de vida e mentalidade em 22 relação às sociedades urbanas) e a produção em pequena escala (em grande parte devido ao tamanho reduzido das propriedades rurais) (MAKINO, 2022). Nesse contexto, a representação do camponês no cenário brasileiro pode englobar uma variedade de características que se manifestam nas figuras do caipira, do sertanejo, do caboclo, e em muitos outros sujeitos que compartilham essas características (mas não se limitando a eles). Exemplos mais conhecidos incluem figuras estereotipadas como o Jeca Tatu, na obra de Monteiro Lobato, o Chico Bento, nas histórias de Maurício de Sousa, ou ainda o personagem Amácio Mazzaropi em seus filmes. No entanto, é importante ressaltar que, de maneira menos caricatural, essas características podem ser encontradas em muitas famílias de sitiantes espalhadas pelo Brasil. Makino, (2022) destaca que a humanidade, ao longo de sua história, tradicionalmente se sustentou por meio da coleta ou da agricultura, obtendo do ambiente natural o necessário para sua subsistência. No entanto, o ritmo de exploração estava alinhado com a capacidade de regeneração da natureza. Portanto, não se pode responsabilizar o campesinato pela atual degradação ambiental que assola o nosso mundo contemporâneo. 3 DEFINIÇÃO DE QUESTÃO FUNDIÁRIA A problemática fundiária envolve questões relativas aos direitos, ao acesso e à utilização da terra. Ela aborda dilemas como a quem deveria ser atribuída a propriedade da terra - a um indivíduo, a um grupo étnico, como os quilombolas ou comunidades indígenas, a toda a sociedade ou, até mesmo, se a terra deveria ser de propriedade de ninguém? Também se indaga sobre quais critérios conferem o direito ao uso da terra - herança, compra, força imposta pela lei ou simplesmente o critério de ocupação inicial? As respostas a essasquestões variam consideravelmente de uma sociedade para outra e de uma época histórica para outra. Para ilustrar essa diversidade, tomemos alguns exemplos. Na Europa medieval, a relação entre os servos e a terra era peculiar: a terra não era de posse dos servos, mas era como se estes “pertencessem” à terra. Os servos deveriam viver toda a vida nas terras onde nasceram, e a doação de terras por parte dos nobres, através de cerimônias de suserania e vassalagem, 23 automaticamente envolvia os servos nessa concessão. A terra não podia ser comercializada; apenas podia ser doada, anexada ou conquistada. Em algumas sociedades tradicionais, como os Tupinambá e outros grupos do tronco étnico Tupi, a terra é considerada como um bem comum de toda a etnia, não sujeita a compra ou venda, e não é vista como propriedade ou mercadoria. Nessa perspectiva, a terra tem como função principal garantir o bem-estar de todos os membros da comunidade (MAKINO, 2022). Em contrapartida, em experiências históricas de algumas sociedades, como no caso da União Soviética, a terra era de propriedade do Estado. Nesse contexto, as pessoas que trabalhavam na agricultura estavam sujeitas ao planejamento governamental, que determinava o que deveria ser plantado e em que quantidade. Em outras palavras, o Estado controlava as atividades agrícolas. Além disso, em várias culturas, o direito à posse e ao uso da terra é fundamentado em tradições, mitos e narrativas que afirmam a presença contínua dessas comunidades em determinadas terras, como se estivessem lá desde tempos imemoriais. Alguns povos atribuem um caráter religioso à posse da terra, alegando que ela foi um presente divino ou que foram criados por deidades específicas naquela terra. Além disso, há sociedades que fundamentam seu direito à terra na ideia de conquista, na superioridade da força e na história de uso da violência para estabelecer a posse. Por outro lado, em sociedades modernas capitalistas, a propriedade da terra costuma ser adquirida por meio da compra, herança ou doação, sendo legitimada pelo reconhecimento governamental-estatal. Nessa perspectiva, a terra pode desempenhar a função de mercadoria, servindo como um bem a ser negociado, uma reserva de valor (como forma de poupança ou investimento) ou um meio de produção para atividades econômicas lucrativas, como agricultura ou pecuária (MAKINO, 2022). Conforme estabelecido pela Constituição Federal Brasileira de 1988, mais especificamente no Artigo 5, Inciso XXIII, a propriedade da terra é justificada quando atende à sua função social, ou seja, quando está sendo utilizada para fins habitacionais ou atividades agrícolas, em vez de permanecer ociosa. Essa condição teoricamente possibilita medidas como o usucapião, que ocorre quando uma pessoa adquire o direito à propriedade da terra ao trabalhá-la efetivamente, enquanto o proprietário detentor da escritura não toma nenhuma ação. Além disso, nos Artigos 184, 185 e 186 da Constituição, fica estabelecido que a União (nível federal do 24 governo) tem o poder de desapropriar terras com o propósito de promover a reforma agrária, o que implica na redistribuição de parte das terras no país. 3.1 História fundiária: brasil colônia e brasil império A história da propriedade da terra no Brasil pode ser segmentada em quatro fases, de acordo com Di Pietro (1995, p. 465): (1) sesmarias; (2) posses; (3) Lei de Terras; e (4) Constituição de 1891. Importa ressaltar que as Constituições de 1934 e 1946 também tiveram um papel significativo na consolidação do conceito de função social da propriedade. No entanto, é na Constituição de 1988 e no atual Código Civil que encontramos a afirmação definitiva de que o direito de propriedade deve cumprir sua função social. Diante dessa evolução jurídica, é fundamental analisar a apropriação territorial no Brasil, a partir do sistema de sesmarias e sua transição para a propriedade plena e absoluta. Esse exame é essencial para compreender os conflitos fundiários contemporâneos à luz da história da formação da propriedade privada no Brasil. Antes disso, no entanto, é crucial examinar o contexto que norteou a apropriação do território brasileiro pelos colonizadores, considerando os princípios filosóficos e legais que moldaram os conceitos de posse e propriedade da terra ao longo dos últimos cinco séculos (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012). A concepção plena de “propriedade” na sociedade latino-americana só se consolidou no século XIX. No caso brasileiro, essa evolução conceitual esteve intrinsecamente ligada ao desenvolvimento histórico que acompanhou a nação. A apropriação de terras no Novo Mundo desencadeou o que se conhece como “tempos modernos”, marcando a formação do Estado Nacional europeu, sua expansão para além das fronteiras continentais e o crescimento comercial. A colonização de territórios ultramarinos, e a aquisição de terras na chamada “América”, levantou questões sobre os reais direitos dos reis e do papa sobre essas terras. Além disso, estimulou o debate em torno dos direitos dos habitantes do Novo Mundo, frequentemente descritos como “povo sem fé, sem lei, sem rei”. A história da concepção da “propriedade” tem sido permeada por extensos debates ao longo da história da humanidade. Durante a Idade Média, diversas interpretações, muitas delas de natureza teológica, foram formuladas em relação à propriedade. Essas interpretações, frequentemente embasadas em considerações morais, variavam em relação à propriedade privada, sendo vista como um “mal 25 necessário” para a perpetuação da “injustiça social”. Isso frequentemente envolvia a distinção entre as noções de “meu” e “teu”. Essa perspectiva moral e filosófica sobre a propriedade privada foi refletida nas viagens ultramarinas europeias dos séculos XVI e XVII, nas quais os conquistadores europeus buscavam a apropriação de novas terras e riquezas à custa das populações nativas. Isso gerou debates acalorados sobre os direitos dos seres humanos, em particular no que diz respeito à “propriedade” (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012). Os conquistadores europeus, ao chegarem às terras do Novo Mundo, encontraram territórios já habitados por povos nativos. Essa ocupação anterior impediu que fossem consideradas terras “terra nullius”, ou seja, “terra vazia” ou “terra de ninguém”. No entanto, a justificativa frequentemente apresentada era que essas terras estavam ocupadas por populações “não civilizadas”, pelo menos não de acordo com os padrões encontrados nas populações da Índia e de outros territórios asiáticos e africanos que possuíam estruturas de mercado que os europeus podiam explorar. É importante mencionar que havia civilizações avançadas, como os Incas e Astecas, com sistemas sociais complexos, mas não organizados em moldes de mercado que pudessem ser explorados pelos conquistadores europeus. Nesse cenário, uma autoridade política foi estabelecida sobre as populações nativas do território, concedendo aos conquistadores o domínio ou a “guarda” dessas comunidades, bem como o domínio sobre o território por eles ocupado. A propriedade, agora sistematizada por meio de um sistema legal, passou a representar um direito reconhecido socialmente. No contexto da lei, a propriedade adquiriu características que a relacionavam com o “desenvolvimento econômico”, conforme destacado por Ryan (1988, p. 88). A propriedade inclui o direito de possuir, o direito de usar, o direito de gerir, o direito ao rendimento da coisa, o direito ao capital, o direito à segurança, os direitos de transmissibilidade e ausência de prazo, a proibição de uma utilização prejudicial, passividade de execução e os casos residuários, o que perfaz onze casos principais. Superadas ou disfarçadas, as contradições em torno dos conceitos de propriedade e posse das terras no Novo Mundo, naquele período, decorriam das dificuldadeseconômicas enfrentadas pelas nações europeias. Esses países, motivados pela busca de novos mercados e fronteiras comerciais, demonstravam 26 grande interesse nas terras e recursos naturais do Novo Mundo. No entanto, devido às limitações da época, essas terras não poderiam ser amplamente colonizadas e exploradas. Abandoná-las não era uma opção viável, pois outros exploradores, também em busca de novas terras e mercados, poderiam tomar posse delas. A solução encontrada foi a divisão desse território em vastas parcelas de terras, conhecidas como Capitanias, que eram concedidas a indivíduos particulares, chamados “donatários”. Esses donatários assumiam a responsabilidade de administrar e explorar essas áreas em nome das nações europeias (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012). Superadas ou disfarçadas, as contradições em torno dos conceitos de propriedade e posse das terras no Novo Mundo, naquele período, decorriam das dificuldades econômicas enfrentadas pelas nações europeias. Esses países, motivados pela busca de novos mercados e fronteiras comerciais, demonstravam grande interesse nas terras e recursos naturais do Novo Mundo. No entanto, devido às limitações da época, essas terras não poderiam ser amplamente colonizadas e exploradas. Abandoná-las não era uma opção viável, pois outros exploradores, também em busca de novas terras e mercados, poderiam tomar posse delas. A solução encontrada foi a divisão desse território em vastas parcelas de terras, conhecidas como Capitanias, que eram concedidas a indivíduos particulares, chamados “donatários”. Esses donatários assumiam a responsabilidade de administrar e explorar essas áreas em nome das nações europeias. As Capitanias, conhecidas como “Capitanias Hereditárias”, foram estabelecidas em 1534 por decreto do Rei de Portugal, Dom João III, e perduraram até 1759, quando foram abolidas por ação do Marquês de Pombal. Quando foram inicialmente criadas, as seguintes Capitanias foram estabelecidas: Maranhão, Ceará, Rio Grande, Itamaracá, Pernambuco, Bahia de Todos os Santos, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Tomé, São Vicente, Santo Amaro e Santana. É relevante destacar a característica “hereditária” das grandes extensões de terra concedidas pelo Rei de Portugal aos donatários nas Capitanias. Por meio da “Carta de Doação”, o rei outorgava a posse da capitania ao donatário, que era, por sua vez, caracterizada como hereditária. Isso significava que, após a morte do 27 donatário, a capitania seria administrada por seus descendentes, e a venda da mesma era proibida, já que se tratava de uma questão de “posse” e não “propriedade” (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012). É importante ressaltar que cada um dos donatários tinha o direito de doar parcelas de terra dentro de suas capitanias, conhecidas como sesmarias. No entanto, a concentração de terras permaneceu significativa. Esse sistema de concessão real de terras perdurou por um longo período (MAKINO, 2022). O período de posse No século XIX, a situação fundiária do Brasil era bastante caótica do ponto de vista jurídico. Naquela época, havia um predomínio do senhorio rural, em vez de proprietários de terras no sentido convencional, uma vez que a maioria não possuía títulos legais que legitimassem a propriedade. Isso ocorreu em grande parte devido ao fato de que a maioria das sesmarias não havia sido confirmada, e havia se estabelecido um padrão de ocupação baseado na posse (SILVA, 2008, p. 88). Mesmo com a suspensão do sistema de sesmarias, a apropriação de terras por meio da posse continuou sendo a interpretação predominante, visto que a resolução de Dom Pedro I não afetou as posses, tornando-se essa a única forma de adquirir terras (SILVA, 2008, p. 90). Portanto, o período que se seguiu ao fim das sesmarias até a promulgação da Lei de Terras ficou conhecido como o “período de posse”. De acordo com Lígia Osório (2008), a consolidação do Estado Nacional era necessária para regulamentar a questão fundiária. No entanto, mesmo com a abdicação, que trouxe a elite agrária para o centro da política, o período regencial foi marcado pela instabilidade. Nesse contexto, no que diz respeito às terras, apenas duas disposições da era colonial foram extintas: o pagamento de foro, que como mencionado anteriormente, não foi aplicado de forma efetiva, e o morgadio, que estabelecia a herança de todos os bens exclusivamente para o filho mais velho, embora na prática a divisão das terras entre os filhos e até mesmo a concessão de terras como dote para as filhas fossem comuns (SILVA, 2008). Consequentemente, surgiram conflitos sobre a legitimidade das ocupações de terras, aumentando a pressão por uma legislação que regulamentasse a situação. Em 28 1843, começou a discussão do Projeto de Lei n. 94, que tratava da questão fundiária. No entanto, somente sete anos depois, no mesmo ano em que o tráfico de escravos foi proibido, prevendo assim o fim da mão de obra escrava, a Lei n. 601/1850, a Lei de Terras, foi finalmente promulgada. (SMITH, 1990) A Lei de Terras Um segundo marco significativo na história fundiária brasileira foi a promulgação da Lei de Terras de 1850, essa lei estabeleceu que a propriedade da terra só poderia ser legitimada por meio da compra. Antes dessa legislação, o Estado tinha a possibilidade de conceder terras. No entanto, na prática, apenas um pequeno número de pessoas no Brasil Imperial tinha recursos financeiros para adquirir terras, o que tornava praticamente impossível para ex-escravos e imigrantes pobres terem acesso à terra. O resultado foi a manutenção de uma estrutura fundiária altamente concentrada nas mãos de poucos proprietários. Mendes (2009) destaca que a Lei de Terras estava interligada a outra legislação importante: a Lei Eusébio de Queiroz, Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Essa lei, aprovada no mesmo ano sob pressão britânica, proibia o tráfico de escravos para o Brasil, tornando definitivamente ilegal a importação de escravos africanos. Com a escassez de novos escravos para servirem como mão-de-obra nas grandes propriedades rurais, era essencial impedir que os imigrantes se tornassem pequenos proprietários. Sem acesso à terra, eles seriam forçados a trabalhar para os latifundiários (MAKINO, 2022). A Constituição de 1891 O período da história brasileira conhecido como República Velha (1889-1930) é amplamente caracterizado, de acordo com a maioria dos historiadores, como um período em que o poder político estava firmemente nas mãos das oligarquias rurais. Em outras palavras, durante a República Velha, o Estado brasileiro estava efetivamente a serviço dos interesses dos grandes latifundiários e atuava para neutralizar qualquer potencial oposição a essas elites. Isso significa que todos os ramos do aparelho estatal (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como as agências coercitivas (Polícia e Forças Armadas), estavam alinhados com a questão da 29 propriedade rural e a estrutura fundiária existente, frequentemente em detrimento dos interesses dos camponeses, pequenos e médios agricultores (MAKINO, 2022). A Constituição de 1891 é um marco adicional na história fundiária brasileira, pois transferiu para os estados muitas das competências relativas à regulamentação das terras que anteriormente estavam sob o controle do governo central. Ela permitiu a legalização de terras que eram anteriormente consideradas públicas ou comunitárias, ocupadas por sociedades tradicionais (como as indígenas), sem título de propriedade privada. No entanto, os órgãos encarregados de regularizar essas terras frequentemente mantinham ligações de clientelismo ou vínculos familiares com os grandes proprietários de terras. Os principais resultados da modernização conservadora incluíram o aumento da produção e produtividade agrícola no Brasil, ao mesmo tempo em que houve um processo deconcentração fundiária, bem como um significativo êxodo rural. Este último fenômeno envolveu o deslocamento dos camponeses e trabalhadores rurais para as periferias das cidades, que experimentaram crescimento desordenado, frequentemente carente de infraestrutura ou planejamento adequado. Muitas dessas pessoas, sem qualificações específicas, não conseguiram melhorar suas condições de vida nas áreas urbanas. O primeiro Código Civil brasileiro adveio durante a vigência da Constituição de 1891, através da Lei 3.071, datada de 1º de janeiro de 1916. Ele possuía 1.807 artigos, e destaca-se que a propriedade privada e a liberdade contratual alcançaram uma tutela absoluta sem hipótese de reavaliação. Clóvis Bevilaqua, quando da elaboração do Código Civil de 1916, conceituou propriedade como “o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida, física e moral” (CRUZ, GHIDORSI, 2023). É cediço salientar que durante a evolução legislativa brasileira no que concerne à estrutura fundiária, a Lei buscou harmonizar os interesses individuais e o cumprimento da função social, ou seja, o direito de propriedade não pode ser exercício contra o interesse social ou coletivo. Durante o Regime Militar, foi editada a Lei 4.504/1964 – Estatuto da Terra, a qual introduziu uma vultuosa modificação no âmbito político e jurídico, bem como na organização fundiária. O Estatuto da Terra seguiu admitindo o sistema de posse, no entanto, modernizou-o no intuito de exigir o registro de todos os imóveis, públicos e privados, incluindo os de posse, de forma a instigar a 30 produtividade com a finalidade de proporcionar meios de realização da reforma agrária. A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 institui o direito de propriedade como fundamental, desde que atenda à função social (CRUZ, GHIDORSI, 2023). 4 REFORMA AGRÁRIA O Brasil enfrenta um dos maiores índices de concentração de terras do mundo, caracterizado por uma estrutura fundiária desigual e antiquada. Essa realidade representa um dos principais obstáculos ao desenvolvimento social, político e econômico do país. A implementação de uma reforma agrária desempenharia um papel fundamental na resolução dos problemas que afetam milhões de famílias de trabalhadores rurais, incluindo os sem-terra, posseiros, boias-frias e outros grupos. Nesse contexto, a busca por um pedaço de terra para o cultivo frequentemente resulta em conflitos no campo, com milhares de vítimas todos os anos. Isso ressalta não apenas a necessidade premente de uma reforma agrária, mas também a urgência de oferecer apoio aos agricultores para que possam produzir e comercializar seus produtos de maneira mais eficaz. A reforma agrária está intimamente ligada à valorização da agricultura familiar, que desempenha um papel fundamental na garantia da segurança alimentar da população, assegurando o acesso a alimentos básicos, como leite, arroz, feijão, carnes, hortaliças e muito mais no dia a dia. Para alcançar esse objetivo, é necessário promover a redistribuição da terra, introduzindo modificações no sistema de posse e uso da terra, conforme estabelecido no Estatuto da Terra. Este estatuto regulamenta os direitos e obrigações relacionados a propriedades rurais e é essencial para a execução da reforma agrária e a promoção de políticas agrícolas. Essas medidas contribuem para desafiar a concentração de terras e democratizar a estrutura fundiária, o que é vital para fomentar a produção diversificada de alimentos e promover a policultura. Além disso, estimula a criação de empregos e a geração de renda nas áreas rurais. Portanto, quando a reforma agrária é efetivamente implementada, ela se traduz em um eficaz combate à fome e à miséria, ao mesmo tempo em que favorece a interiorização de serviços públicos essenciais para a população rural. Isso pode reduzir a migração do campo para a cidade. Do ponto de vista econômico, a reforma agrária amplia as oportunidades para 31 diversificação do comércio e dos serviços nas áreas rurais, contribuindo assim para uma maior democratização das estruturas de poder no campo. 4.1 As transformações do espaço agrário e a luta pela reforma agrária A evolução da agricultura brasileira ao longo da história do Brasil foi marcada por várias transformações e crises em seus ciclos produtivos, que abalaram a economia do país, predominantemente agrícola até a década de 1930. A intensa migração rural provocada pelo processo de industrialização a partir da década de 1930 resultou na marginalização dos trabalhadores rurais, que se dirigiram às cidades em busca de melhores condições de vida. No entanto, muitos deles se depararam com desemprego, subemprego e exploração, além de enfrentar questões como a mais-valia e a marginalização nas periferias dos grandes centros urbanos (ROCHA; CABRAL, 2016). Os trabalhadores rurais foram explorados e marginalizados desde os tempos da colonização brasileira. No século XX, o espaço agrário do Brasil passou por profundas transformações, incluindo o surgimento da luta pela Reforma Agrária, que se tornou uma política pública destinada a solucionar os problemas fundiários do país. A luta pela Reforma Agrária ganhou força, principalmente a partir da década de 1950, com o crescimento das ligas camponesas. Vale ressaltar que existe uma distinção importante entre a luta pela terra e a luta pela Reforma Agrária. A luta pela terra sempre foi uma batalha constante dos camponeses e surgiu como uma resposta ao latifúndio, enquanto a luta pela Reforma Agrária é um movimento mais recente. (ROCHA; CABRAL, 2016). Reforma agrária, segundo Brum (1986, p. 83), É a intervenção deliberada do Estado nas bases do setor agrícola, para a modificação da estrutura agrícola de um país, ou região, com vista a uma distribuição mais equitativa da terra e da renda agrícola. [...] Trata-se de uma opção governamental, uma decisão política e planejada para orientar o desenvolvimento de acordo com determinada linha de pensamento. Segundo Leite e Ávila (2007, p. 126), A concepção de reforma agrária que nos parece mais adequada é aquela compreendida não somente como uma política de distribuição de ativos fundiários (o que poderia ser traduzido em inglês por land reform), mas como um processo mais geral – agrário, e não apenas fundiário (o que em inglês se diferencia pelo termo agrarian reform) – envolvendo o acesso aos recursos naturais (terra, água, cobertura vegetal no caso dos trabalhadores 32 extrativistas etc.) ao financiamento, à tecnologia, ao mercado de produtos e de trabalho e, especialmente, à distribuição do poder político. De acordo com Veiga (2006), a Reforma Agrária é uma alteração na estrutura fundiária de uma nação ou região, buscando uma distribuição mais justa da terra e da renda agrícola. Por outro lado, Fernandes (2001) define a questão agrária como o conjunto de problemas relacionados ao desenvolvimento da agricultura e às lutas de resistência dos trabalhadores, problemas esses que são inerentes ao processo desigual e contraditório das relações capitalistas de produção (TREVISOL, 2013). 4.2 Que terra seria objeto de reforma agrária? De acordo com Brum (1986), para a realocação desses grupos de trabalhadores rurais que se beneficiam da reforma agrária, inicialmente, se considera a disponibilidade de terras que totaliza 409,5 milhões de hectares, que pertencem a grandes latifúndios em termos de tamanho e exploração, além de aproximadamente 72 milhões de hectares de terras sob propriedade da União. A quem distribuir as terras desapropriadas? Segundo Brum (1986): • Aos que atualmente trabalham no imóvel desapropriado, como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários. • Aos líderes de famílias numerosas, cujos membros se comprometam a se envolver em atividades agrícolas nas áreas a serem distribuídas. • Aos jovens quetenham a intenção de estabelecer uma família e se dedicar a atividades agrícolas. • Aos agricultores cujas terras se destinem ao seu próprio sustento e ao progresso de suas famílias, conforme devidamente comprovado. • Aos trabalhadores sazonais (boias-frias) que desejam retornar permanentemente às atividades no campo. • Àqueles que estão registrados pelo movimento dos sem-terra. Objetivo da reforma agrária Segundo Leite e Ávila (2007 p. 15), 33 A reforma agrária tem por objetivo proporcionar a redistribuição das propriedades rurais, ou seja, efetuar a distribuição da terra para a realização de sua função social. Esse processo é realizado pelo Estado, que compra ou desapropria terras de grandes latifundiários (proprietários de grandes extensões de terra, cuja maior parte aproveitável não é utilizada) e distribui lotes de terras para famílias camponesas. Entendemos que atualmente metade da população mundial vive em situações de pobreza, sendo que essa condição afeta, em grande medida, a população rural. De acordo com Leite e Ávila (2007, p. 59), diante desse cenário, torna-se evidente a importância de políticas redistributivas, como a reforma agrária. Isso ocorre porque o principal objetivo de uma sociedade não se resume apenas ao crescimento populacional, mas sim à melhoria das condições de vida de sua população. Isso pode ser alcançado, entre outras estratégias, por meio da distribuição de recursos fundiários que permitam a subsistência e a independência da população em relação às estruturas tradicionais detentoras do poder político. De acordo com Brum (1986), a reforma agrária possui diversos objetivos, entre os quais destacam-se: • Garantir o acesso à propriedade, posse e uso da terra, considerando a sua função social. • Promover uma reestruturação da distribuição fundiária, com a eliminação gradual do latifúndio e minifúndio, assegurando um regime de posse e uso que atenda aos princípios de justiça social e promova o aumento da produção socioeconômica, bem como o reconhecimento dos direitos de cidadania dos trabalhadores rurais e suas famílias, contribuindo para o desenvolvimento do país. • Aumentar a produção e oferta de alimentos e matérias-primas, com prioridade para o mercado interno. • Criar novas oportunidades de emprego no meio rural, contribuindo para a expansão do mercado interno e reduzindo a subutilização da força de trabalho. • Combater o êxodo rural e seus impactos nas áreas urbanas, aliviando as pressões demográficas sobre as cidades e os problemas correlacionados. • Oferecer novas perspectivas de vida e trabalho para os desempregados e subempregados nas cidades, ao estimular a atividade econômica urbana (indústria, comércio, serviços) devido ao aumento da capacidade de produção, demanda e consumo da população rural. 34 4.3 Os movimentos sociais no campo Para compreender os movimentos sociais no campo, especialmente durante o século XX, podemos utilizar uma periodização sugerida por Warren (1993). Essa periodização é a seguinte: • Ocorrência de movimentos sociais que se organizaram até o golpe de 1964; • Período de refluxo, marcado pela repressão militar às manifestações da sociedade civil ocorridas nas décadas de 1960 a 1970; • Retomada das manifestações e surgimento de novas formas de organização camponesa a partir da segunda metade da década de 1970. Segundo Warren (1993, p. 66), [...] Como referência aos primeiros movimentos sociais podemos nos reportar aos inúmeros movimentos messiânicos que se têm organizado tanto no Norte como no Sul do país, principalmente nas três primeiras décadas deste século. As lutas dos posseiros, na década de 50. As ligas camponesas no Nordeste e o MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra), no Rio Grande do Sul, durante a década de 50 e 60, organizados, como os movimentos anteriores em torno de fortes lideranças carismáticas sindicais no Brasil, surgem fortemente atrelados ao Estado e rapidamente se tornam uma instituição de caráter predominantemente assistencial. Falando das novas formas de organização camponesas, surgidas nas últimas décadas, Warren (1993) destaca: • O Movimento das barragens, que teve início a partir de 1976, sendo notáveis os casos de Sobradinho e Itaparica no Nordeste, seguidos por Itaipu Binacional em 1978 e, na década de 80, nas áreas afetadas pela construção de barragens na Bacia do Uruguai, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, entre outras regiões. • O Movimento dos sem-terra, que surgiu a partir de 1979 e ganhou particular força nas regiões sul e sudeste do Brasil. Alcançou seu apogeu em 1985, quando ocorreram diversas ocupações coletivas de terras como forma de protesto. É importante ressaltar que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o mais conhecido entre os aproximadamente 20 movimentos sociais populares rurais no Brasil atualmente. Embora seu foco central seja a luta pelo acesso 35 à terra e pelo fim do latifúndio, o MST também se envolve em diversas outras questões, como a participação de desempregados urbanos, moradores de rua, oposição ao modelo econômico e políticas neoliberais, além de buscar a articulação com outros movimentos sociais (TREVISOL, 2013). • O Movimento das Mulheres Agricultoras, que teve início a partir de 1981, se destaca não apenas por suas lutas específicas, mas também por seu envolvimento na questão da terra. Este movimento tem contribuído para fortalecer os movimentos das barragens e dos sem-terra. Estes movimentos camponeses têm se influenciado mutuamente e contam com o apoio de uma corrente do sindicalismo rural conhecida como "novo sindicalismo" ou "sindicalismo combativo". Simultaneamente, esses movimentos também desempenham um papel ativo no estímulo à renovação sindical. Outros movimentos surgiram no mesmo período, muitas vezes com a ajuda de sindicalistas e agentes de pastorais ligados às igrejas progressistas. Estes movimentos adotaram uma abordagem de fazer política que teve repercussões em nível nacional. Isso é descrito por Warren (1993) como um novo modo de fazer política. • Movimentos dos Saques no Nordeste: Esses movimentos ocorreram durante o período de seca entre 1979 e 1983 no Nordeste do Brasil. Inicialmente, eles podem parecer uma exploração de massas, especialmente de mulheres. No entanto, esses movimentos também incorporaram elementos de contestação social. • Movimentos de Boias-Frias: Esses movimentos consistiram em greves de trabalhadores assalariados temporários da agricultura, começando no final da década de 1970. Essencialmente, essas greves representavam reivindicações trabalhistas tradicionais, buscando melhorias nas condições de trabalho e nos salários. A distinção entre os “antigos” movimentos sociais e os “novos” movimentos sociais pode ser identificada nas formas de organização e condução de suas lutas. De acordo com Warren (1993), os movimentos sociais antigos predominantemente adotavam práticas clientelistas e paternalistas na política. Em algumas ocasiões, recorriam à democracia representativa, enquanto em outras não hesitavam em usar a violência física. Por outro lado, as novas formas de organização 36 no campo valorizavam a participação ampla das bases e a democracia direta sempre que possível. Ideologicamente, se opunham ao autoritarismo, à centralização do poder e à violência física. As lutas pela terra e pela reforma agrária se intensificaram a partir da segunda metade do século XX, resultando em conflitos agrários em todo o Brasil. Os trabalhadores ligados à terra resistem e lutam pela conquista de um pedaço de chão. Quando conseguem acesso à terra, persistem na luta para produzir e manter suas famílias, enfrentando inúmeras adversidades. Esse movimento visa à construção de uma sociedade mais justa, que respeite a diversidade cultural e de gênero,assegure o direito à terra para quem nela trabalha e vive, e reconheça a organização e representação dos trabalhadores, promovendo assim uma cidadania mais abrangente (ROCHA; CABRAL, 2016). O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) teve suas origens em 1979, com a ocupação da Gleba Macali, localizada no município de Ronda Altas, no Rio Grande do Sul. Essas terras já haviam sido alvo de lutas pela terra na década de 1960, quando o MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra) organizou acampamentos na região. No entanto, o MST foi oficialmente estabelecido em 1984, durante o 1º Encontro dos Trabalhadores Rurais Sem Terra realizado em Cascavel, no Paraná. Ao longo de sua trajetória, o MST conquistou seu espaço político. O Estatuto da Terra, criado em 1964 durante a Ditadura Militar, estabeleceu diretrizes e ações para a realização da reforma agrária no Brasil. Entretanto, sua efetiva implementação não ocorreu. Somente após a redemocratização em 1985, foi elaborado o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária. Esse plano enfrentou forte oposição por parte dos ruralistas, que criaram a União Democrática Ruralista (UDR) para resistir à nova configuração proposta para o campo. Devido a essa oposição, o Plano Nacional de Reforma Agrária não foi efetivamente implementado (ROCHA; CABRAL, 2016). 4.4 O modelo “legal” de Reforma Agrária no Brasil A política de Reforma Agrária encontra respaldo no Capítulo III da Constituição Federal (CF) de 1988 e é regulamentada pelas Leis nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e nº 8.629/1993, que estabelecem diretrizes relacionadas ao 37 assunto. O princípio constitucional que embasa a desapropriação de terras privadas para a execução da Reforma Agrária é o da função social. De acordo com o Art. 186 da CF, A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. O Estatuto da Terra, em seu Artigo 33, estipula que a Reforma Agrária será efetivada por meio de planos periódicos, abrangendo âmbitos nacionais e regionais, com prazos e objetivos específicos, de acordo com projetos apropriados. Chama atenção o fato de que o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA) somente foi desenvolvido em 1986, o que representa um intervalo de 22 anos desde a promulgação do Estatuto da Terra. Essa demora revela que a promulgação do Estatuto tinha mais a ver com a necessidade de responder às demandas sociais já existentes antes mesmo do regime militar, do que com a intenção real de implementação. Essa postura contrariava um dos pilares do regime militar, que era a preservação dos interesses dos grupos oligárquicos vinculados à posse de terras. É relevante ressaltar que o Estatuto da Terra não abrangia somente a questão agrária, mas também políticas voltadas para a modernização da agricultura e a colonização. Diferentemente das medidas relacionadas à Reforma Agrária, que enfrentaram atrasos em sua execução, as ações voltadas à modernização agrícola e colonização foram efetivadas, ainda que parcialmente. A formulação do I PNRA, apesar do atraso, não ocorreu sem resistência, gerando ampla mobilização das forças conservadoras, notadamente através da União Democrática Ruralista (UDR). Como veremos a seguir. A formulação do II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) só se concretizou em 2003, quase quatro décadas após a promulgação do Estatuto da Terra e 17 anos após o I PNRA. Essa extensa demora carece de justificação, especialmente considerando que o primeiro plano originalmente abordava a implementação de ações 38 em um prazo de apenas quatro anos. Importa ressaltar que esse período coincidiu com uma fase democrática no país, com plena liberdade política. Conforme Nelson Ribeiro, que ocupou o cargo de Ministro da Reforma Agrária durante os dois primeiros anos do governo José Sarney, o legislador brasileiro reconhecia que apenas a Reforma Agrária planejada seria capaz de enfrentar o desafio de proporções gigantescas representado pela questão agrária no Brasil. Portanto, o Estatuto da Terra previa a elaboração de planos periódicos com essa finalidade. A efetivação da política de Reforma Agrária, na prática, frequentemente ocorre como resposta a conflitos entre latifundiários e camponeses. Inicialmente, o Estado costuma agir reprimindo os camponeses. Quando os conflitos ganham visibilidade e obtêm apoio social, o Estado atua no sentido de assentar as famílias de sem-terra. A velocidade da execução dos assentamentos também depende da repercussão e do apoio da sociedade às famílias camponesas. Portanto, é comum que os movimentos sociais ligados à Reforma Agrária organizem mobilizações para chamar a atenção do público e pressionar as autoridades a implementarem as ações necessárias. Conforme a legislação vigente, os assentamentos da Reforma Agrária devem cumprir três fases de execução antes de alcançarem a emancipação: criação, implantação e estruturação. Na fase de criação, o governo é responsável por viabilizar a construção de habitações para acomodar as famílias assentadas, abrir estradas, instalar uma rede de energia elétrica, conceder créditos para fins de produção e oferecer assistência técnica. Na fase de implantação, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) divide a terra em lotes, instala as famílias beneficiadas e disponibiliza as primeiras linhas de crédito subsidiado. Esses créditos, conhecidos como “Crédito Instalação”, englobam o Crédito de Apoio Inicial, Crédito de Fomento, Fomento Mulher, Semiárido, Florestal, Recuperação Ambiental, Cacau, Habitacional e Reforma Habitacional. 39 Na terceira e última fase, a de estruturação, os assentamentos devem ser providos de toda a infraestrutura básica, abrangendo estradas vicinais, saneamento básico, eletricidade, entre outros. Durante essas três fases, os assentamentos permanecem sob a responsabilidade do Incra. Durante esse período, “os beneficiários não poderão vender, alugar, doar, arrendar ou emprestar suas terras a terceiros”. Somente após a conclusão integral dos projetos, os assentamentos são emancipados e as famílias recebem a titulação definitiva das terras. De acordo com a análise de Carter (2010), a política de Reforma Agrária no Brasil é considerada conservadora, uma vez que se mostra reativa e contida. Ela responde a protestos sociais e lida com demandas específicas para mitigar conflitos rurais. Após o assentamento das famílias, estas recebem um apoio limitado ou até mesmo nenhum, sendo que a assistência do Estado é, principalmente, uma reação às agitações dos agricultores. No entanto, como ressaltado por Esquerdo e Bergamasco (2015), a transformação do latifúndio em um assentamento rural equivale à construção de um novo território, que requer condições adequadas para a subsistência das famílias. Isso implica na criação de uma nova lógica de organização do espaço geográfico. 5 AGRICULTURA FAMILIAR Existem diversos critérios para classificar a agricultura. Quando se considera o critério da finalidade, podemos distinguir entre agricultura de subsistência, destinada à alimentação própria, e agricultura comercial, focada na obtenção de lucro para o produtor e intermediários comerciais. Quando levamos em conta o critério da técnica, observamos a agricultura tradicional, que utiliza práticas transmitidas de geração em geração, a agricultura moderna, que emprega amplamente tecnologia avançada, e a agricultura orgânica, que prioriza a sustentabilidade e a preservaçãoambiental. Com base no critério do tipo de produto, é possível categorizar a “modelo texano”, caracterizada por produtos padronizados e intercambiáveis, e a “modelo californiano”, que busca oferecer produtos diferenciados, raros e exclusivos. Quanto ao critério do tipo de mão de obra, alguns autores distinguem a agricultura patronal, que envolve relações de empregador e empregado, da agricultura familiar, baseada na cooperação entre pessoas com laços de parentesco. 40 A agricultura familiar é um dos temas mais amplamente abordados na Sociologia Rural em todo o mundo. No entanto, isso não implica que a expressão se refira exatamente ao mesmo fenômeno, pois não há uma única definição consensual. Existem várias definições com natureza predominantemente acadêmica (sociológica, antropológica, econômica, etc.), bem como aquelas de natureza jurídica. Nesse sentido, a comparação de estudos sobre a agricultura familiar em diferentes países realizados por pesquisadores distintos pode ser desafiadora, uma vez que cada um aborda a definição de maneira singular. 5.1 Duas definições de agricultura familiar: a brasileira e a estadunidense A terminologia “agricultura familiar” pode suscitar a ideia de pequenos agricultores envolvidos em práticas de subsistência, com lucros limitados e técnicas tradicionais, o que pode parecer incompatível com o contexto atual, marcado pela produção em larga escala e pela sociedade de consumo. Outra imagem comum associada a essa expressão é a de um estilo de vida idílico, caracterizado pela simplicidade, saúde e afastamento dos aspectos prejudiciais da sociedade moderna. No entanto, conforme destacado por Wilkinson (1996): “Num primeiro momento focalizei a minha análise sobre o papel do campesinato e a pequena produção, não como vestígio do passado ou atores com uma capacidade peculiar de resistência em face dos processos de modernização, mas como um elo privilegiado do complexo agroindustrial que representava a forma de modernização capitalista da agricultura” (WILKINSON, 1996, p. 81). O renomado pesquisador citado é amplamente reconhecido por sua análise da agricultura familiar dentro de um contexto agroindustrial mais abrangente, revelando que essa modalidade não apenas é compatível com a modernidade, mas está inteiramente integrada a um amplo panorama socioeconômico. Em outras palavras, a agricultura familiar está intrincadamente conectada a uma complexa rede que abrange produção, comercialização e transformação, contudo, essa rede muitas vezes fica obscurecida por questões ou temas mais proeminentes. Consequentemente, é vital entender que esse tipo de agricultura não deve ser automaticamente associado a atraso ou simplicidade. Navarro e Pedroso (2011), destacam que nos Estados Unidos, para ser considerada agricultura familiar, apenas um critério deve ser atendido: a gestão ou 41 administração familiar da unidade de produção rural. No entanto, no Brasil, os critérios que definem a agricultura familiar são numerosos e tendem a favorecer uma abordagem de pequena escala. Os autores sugerem que a natureza desses critérios deriva de uma idealização de um mundo rural com minifúndios ou uma comunidade de pequenos agricultores, assemelhando-se ao mito jeffersoniano. Esses critérios poderiam, em certo sentido, desencorajar os agricultores familiares de expandir seus negócios e se tornarem grandes empreendedores no agronegócio. De acordo com os autores mencionados e, sobretudo, no sistema de classificação proposto por Vieira (2016), há uma lacuna quando se trata de considerar a questão da exploração ou da mais-valia na agricultura familiar. Parece que se parte do pressuposto de que a família é uma unidade em que a exploração e a opressão mútua não ocorrem, ou que os filhos não podem ser economicamente explorados por seus responsáveis, o que nem sempre reflete a realidade. Além disso, a agricultura familiar pode contratar mão-de-obra externa à família, demonstrando, assim, a complexidade desse fenômeno. Navarro e Pedroso (2011) observam que o caso dos Estados Unidos é de grande interesse para análise sob uma perspectiva histórica, uma vez que sua definição mais abrangente de agricultura familiar pode fornecer insights valiosos para o contexto brasileiro. Ao longo de cerca de um século, pelo menos cinco tendências podem ser identificadas na evolução da agricultura familiar nos Estados Unidos: 1) a redução no número total de estabelecimentos rurais; 2) o esvaziamento demográfico das regiões rurais; 3) o aumento da média de tamanho dos estabelecimentos rurais; 4) a transformação das atividades agrícolas em empreendimentos capitalizados, abandonando em grande parte a subsistência; e 5) dependendo do tipo de cultura, uma maior participação de mão-de-obra não familiar em relação à mão-de-obra familiar. Os autores supracitados podem encarar de maneira positiva a quarta e a quinta tendência (capitalização e geração de empregos), pois elas se alinham ao desenvolvimento capitalista, com ênfase no crescimento econômico como objetivo primordial. No entanto, é importante observar que transplantar um modelo de agricultura familiar dos Estados Unidos para o Brasil, que reforça a concentração de terras e o êxodo rural, pode ser contraproducente e agravar os desafios relacionados à questão agrária no país (MAKINO, 2022). 42 No contexto brasileiro, a agricultura familiar é definida legalmente pela Lei nº 11.326/2006, estabelecendo quatro critérios que devem ser cumpridos simultaneamente: (1) a propriedade não deve ter uma área superior a 4 módulos fiscais; (2) a mão-de-obra utilizada nas atividades econômicas do estabelecimento ou empreendimento deve ser composta pela própria família; (3) deve haver um percentual mínimo de renda familiar proveniente das atividades econômicas ou empreendimento, conforme determinado pelo Poder Executivo; e (4) a gestão do estabelecimento ou empreendimento deve ser realizada pela família. Vale ressaltar que o módulo fiscal é uma unidade agrária medida em hectares, calculada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e sua dimensão varia de acordo com o município. Em algumas localidades, o módulo fiscal pode corresponder a 5 hectares, enquanto em outras, ultrapassa 100 hectares. Isso significa que o que é considerado como agricultura familiar em uma região do Brasil pode não se enquadrar nesse conceito em outra região do país. 5.2 PRONAF – Programa Nacional De Fortalecimento Da Agricultura Familiar Como mencionado anteriormente, a mera redistribuição de terras desprovida das condições necessárias para a produção equivale a condenar o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) ao fracasso. Nesse contexto, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) foi estabelecido como uma política pública destinada a fornecer essas condições de produção, principalmente por meio do apoio financeiro para despesas correntes e investimentos. Isso engloba a aquisição de insumos como sementes, fertilizantes, pesticidas, ferramentas e equipamentos. Além disso, abrange a implantação, expansão ou modernização de infraestrutura produtiva, processamento, industrialização e serviços tanto nos estabelecimentos rurais como em áreas comunitárias rurais próximas. Enquanto os grandes latifundiários tinham acesso ao financiamento por meio de bancos comerciais privados, os pequenos agricultores familiares e os assentados do PNRA frequentemente enfrentavam dificuldades para obter esses recursos. Portanto, o PRONAF, que surgiu para preencher essa lacuna, junto com o PNRA, constituem, muito provavelmente, as duas políticas públicas mais significativas voltadas para o benefício dos pequenos agricultores e do campesinato na história do Brasil, embora existam outras políticas importantes (MAKINO, 2022). 43 Dado que os pequenosagricultores constituem um grupo extremamente heterogêneo, e considerando as diversas particularidades regionais do Brasil, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) adotou uma abordagem que categoriza seus potenciais beneficiários em grupos (A, A/C e B), bem como estabeleceu subprogramas e linhas de crédito específicas (como o PRONAF Jovem, PRONAF Mulher, PRONAF Semiárido, PRONAF Floresta, PRONAF Agroecologia, entre outros). Essa estratégia visa constantemente a adaptar esses grupos, subprogramas e linhas de crédito, a fim de melhor atender às variadas necessidades dos agricultores. Em um estudo conduzido por Guanziroli (2017), que analisou o período de uma década do PRONAF (1995-2005), o autor argumentou que o programa não deveria ser encerrado, mas sim aprimorado. Essa melhoria deve ser baseada na identificação dos problemas e fatores que impediram o programa de atingir todo o seu potencial, superando essas barreiras. Os quatro principais obstáculos identificados incluem: 1. A ausência ou a insuficiente qualidade da assistência técnica; 2. Desafios na gestão dos recursos; 3. Falta de perspectiva por parte dos profissionais; 4. Limitações no acesso ao mercado. Naquela ocasião, o autor notou que a maioria das famílias que recorria ao programa proveniente do sul do país, e esse fenômeno se deve ao nível de instrução mais elevado dessas famílias. Além disso, ele enfatizou, ao término do texto, que a eficácia e qualidade do programa têm diminuído com a expansão. Comparando a pesquisa de Guanziroli (2017), que se encerra em 2005, com a pesquisa mais atual de Bianchini (2015), notamos uma flutuação no número de contratos do PRONAF. Durante sua primeira década de existência, o programa registrou um significativo crescimento, mas, na segunda década, começou a apresentar uma tendência à diminuição: “Ao longo da década mais do que dobrou o número de contratos do PRONAF, 2,5 milhões de contratos na safra 2005-06, 2,2 milhões de contratos na safra 2012/2013 e 1,897 milhão de contratos na safra 2014/2015, contra uma média de 900 mil contratos no segundo período do Governo FHC” (BIANCHINI, 2015, p. 96). 44 O destino do PRONAF está inextricavelmente ligado ao futuro da agricultura familiar, e vice-versa. Qualquer decisão governamental de reduzir os recursos do programa ou negligenciar sua atualização pode resultar no enfraquecimento da agricultura familiar no Brasil. Da mesma forma, a desestruturação da agricultura familiar pode levar a uma redução nos contratos estabelecidos pelo programa. Além do PRONAF, outros programas têm se destacado como referência na promoção da agricultura familiar. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são notáveis exemplos. No PNAE, especificamente, a legislação estabelece que pelo menos 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) devem ser utilizados para adquirir alimentos provenientes da agricultura familiar. Isso garante um mercado estável para os produtores locais, impulsionando a economia das regiões e municípios. Esses programas têm servido como modelos exemplares, sendo apontados como referência para outros países. (RIBEIRO; PEREIRA, 2015). A promulgação da Lei nº 11.947/2009, que estabelece a obrigatoriedade da compra de produtos da agricultura familiar, é um marco pioneiro e um avanço significativo no fornecimento de refeições de alta qualidade para os estudantes, garantindo pelo menos uma alimentação diária nutritiva. Além disso, o governo fornece subsídios para apoiar a aquisição de produtos destinados à alimentação escolar. Este programa desempenha um papel fundamental no aumento da renda dos produtores locais, consequentemente melhorando a qualidade de vida de suas famílias, prevenindo o êxodo rural e fomentando o desenvolvimento socioeconômico dos municípios (BERTOLINI; PAULA FILHO; MENDONÇA, 2020). 5.3 Desafios à agricultura familiar no brasil A agricultura familiar, conforme a definição brasileira, enfrenta uma série de desafios no país, incluindo a falta de acesso à terra, a influência e resistência da elite latifundiária e as dificuldades de financiamento e comercialização de produtos. Como mencionado anteriormente, programas como o PRONAF e a cota de 30% do PNAE têm contribuído para mitigar algumas dessas questões. No entanto, existem desafios adicionais que ameaçam a própria continuidade da organização familiar voltada para a produção agropecuária. Por exemplo, muitas vezes os filhos de agricultores 45 familiares não enxergam um futuro no campo ou não encontram as condições necessárias para construí-lo. Nesse contexto, o estudo de Ellen Woortman (2012) aborda a complexidade de manter a agricultura familiar e seu modo de vida tradicional nas comunidades de ascendência alemã no Sul do Brasil ao longo das gerações. No século XX, diversos fatores contribuíram para essa transformação, incluindo a influência de valores mais individualistas, típicos do capitalismo liberal, e o aumento populacional diante da escassez de terras disponíveis na região. Consequentemente, ao longo de diversas gerações, a fragmentação da terra não apenas compromete a capacidade de reprodução social das famílias camponesas, mas também desencadeia processos que variam desde a concentração de propriedades por meio da compra de minifúndios pertencentes a várias famílias que não conseguem manter seu status camponês até a ocupação de terras que não estão sendo trabalhadas. Carneiro (1998), em seu estudo sobre jovens urbanos, cunha o termo “neorurais” para descrever a geração que mescla elementos urbanos e rurais e ressalta que a agricultura familiar está enfrentando uma ameaça geracional, decorrente das aspirações e valores associados à modernidade urbana. Muitos jovens de famílias rurais planejam um futuro que não inclui a continuação das atividades econômicas na propriedade familiar. Em grande parte dos casos, almejam viver na cidade e desempenhar profissões típicas do ambiente urbano. Embora haja uma notável discrepância entre esses planos juvenis e as realidades concretas que moldam as oportunidades e alternativas, a intensificação dessa tendência poderia levar ao esvaziamento das áreas rurais em um futuro próximo. 5.4 Agriculturas Sustentáveis O conceito de desenvolvimento sustentável foi introduzido pela Organização das Nações Unidas (ONU) no contexto do estudo sobre mudanças climáticas, em resposta às crescentes preocupações ambientais. Seu propósito é mitigar os riscos associados ao impacto no meio ambiente e promover o desenvolvimento com menor impacto ambiental, adotando uma abordagem preventiva. Essa perspectiva é essencial para garantir a continuidade da vida humana no planeta com saúde, qualidade e dignidade (BEVILAQUA, 2016). 46 À medida que o mundo se torna cada vez mais globalizado, a ênfase na sustentabilidade se torna urgente e passa a ser um valor universal, essencial para preservar os recursos ambientais para as gerações futuras, incluindo nossos filhos e netos. A agricultura sustentável desempenha um papel fundamental ao satisfazer as necessidades humanas básicas, como água, alimentos, energia, vestuário e abrigo, permitindo a dignidade e a liberdade nas gerações atuais e vindouras. Essa perspectiva deve se centrar nas relações humanas, promovendo a solidariedade e a cooperação, enquanto destaca o papel das mulheres como protagonistas nesse processo de transformação. Com destreza e habilidade, as mulheres que atuam na agricultura abraçam os desafios da sustentabilidade com entusiasmo. Elas aplicam os ensinamentos e conhecimentos transmitidos de geração em geração, diversificando a produção em suas propriedades e priorizando a produção de alimentos. Isso fortalece sua autonomia e empoderamento, refletindo-senos aspectos sociais, ambientais e econômicos. O empreendedorismo feminino busca a qualidade de vida da família e a harmonia com o meio ambiente (BERTOLINI; PAULA FILHO; MENDONÇA, 2020). A agricultura sustentável se tornou um foco central da agricultura familiar devido à crescente pressão da sociedade por práticas que preservem os recursos naturais. Ela busca fornecer alimentos saudáveis e de alta qualidade nutricional sem ameaçar o meio ambiente, a saúde pública, o desenvolvimento tecnológico ou a segurança alimentar, garantindo assim os direitos básicos de todos os seres humanos (BEVILAQUA, 2016). A sociedade enfrenta um desafio significativo ao buscar viabilizar a agricultura familiar, promovendo melhorias na produção sem negligenciar o uso das tecnologias e, ao mesmo tempo, protegendo os recursos naturais. Para alcançar essa meta, é essencial evitar a degradação do solo, preservar a biodiversidade e manter a qualidade da água e do ar. Isso garantirá a sustentabilidade das propriedades, a qualidade de vida dos trabalhadores e tornará o campo uma opção atraente para as novas gerações. Além disso, a preservação da cultura local desempenha um papel vital, pois mantém a relação harmoniosa entre a natureza e o desenvolvimento da comunidade, ajudando a evitar o temido êxodo rural (BEVILAQUA, 2016). Não há dúvida de que a agricultura familiar deve ser fortalecida e expandida com o apoio de políticas públicas que demonstrem um compromisso com a 47 sustentabilidade em termos socioeconômicos e ambientais. Essa forma de agricultura desempenha um papel crucial na geração de mão de obra e na produção de alimentos saudáveis para os agricultores, desempenhando um papel essencial na segurança alimentar do país. Portanto, é imperativo que a sociedade concentre suas atenções nessa modalidade agrícola (BERTOLINI; PAULA FILHO; MENDONÇA, 2020). Para abordar o desafio da desvalorização enfrentado pela agricultura familiar, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, no período de 2019 a 2028, um programa intitulado “Década das Nações Unidas para a Agricultura Familiar”. O principal propósito desse programa é promover a elaboração de políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento agrícola, permitindo simultaneamente a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. Esse esforço oferece uma plataforma para discussões sobre a realidade, as necessidades e a relevância da agricultura familiar, que desempenha um papel vital no fornecimento de alimentos a nível global. É importante ressaltar que a busca pela sustentabilidade requer ação imediata e coletiva, com destaque para o poder da educação como uma ferramenta crucial para a conscientização. Os educadores desempenham um papel fundamental na formação de opiniões, sendo de grande importância na construção de uma consciência voltada para a sustentabilidade ambiental. Esse trabalho deve ser implementado nas redes de ensino, abrangendo todas as etapas da educação, com ênfase na importância de iniciar esse processo o mais cedo possível, envolvendo as crianças na formação de opiniões sobre a preservação e conservação dos recursos naturais (REIS; LIMA; DESIDÉRIO, 2018). Portanto, as políticas educacionais devem priorizar a sensibilização em prol de uma consciência global, na qual todos tenham a oportunidade de adquirir valores, comportamentos e ética necessários para um futuro sustentável, com especial atenção às futuras gerações de agricultores familiares. A Contribuição da Agricultura Familiar para a Sustentabilidade A agricultura familiar representa uma atividade com capacidade para aumentar a produção de alimentos de forma economicamente viável, adotando práticas responsáveis com o meio ambiente e atendendo a uma demanda crescente por produtos saudáveis e frescos diretamente dos produtores. Essa abordagem 48 incorpora dimensões econômicas, sociais e ambientais, pois é conduzida pelo núcleo familiar e valoriza a terra como um bem comum dos membros, utilizada para suprir suas necessidades. A agricultura familiar promove a diversidade por meio da policultura, distribui equilibradamente os espaços e gera qualidade de vida (RIBEIRO, 2017). É crucial ressaltar que o fortalecimento da agricultura familiar não só contribui para a sustentabilidade do meio ambiente, mas também beneficia os agricultores e a sociedade em âmbitos locais, regionais e nacionais. Dada a importância dessa atividade para a segurança alimentar e a conservação dos recursos naturais, é urgente o envolvimento de diversos setores da sociedade, com foco especial no poder público, para implementar ações direcionadas às pequenas propriedades rurais e evitar o abandono do campo, mitigando o êxodo rural e seus impactos socioeconômicos nas áreas urbanas. Observa-se que a falta de estímulo à sucessão familiar pode resultar no esvaziamento do meio rural, à medida que os jovens, filhos de agricultores, buscam novas oportunidades nos grandes centros urbanos (BERTOLINI; PAULA FILHO; MENDONÇA, 2020). 6 RURALIDADE CONTEMPORÂNEA A concepção de ruralidade no Brasil é uma noção polissêmica e frequentemente controversa, relacionada à organização da vida social e à maneira como a sociedade interage com o espaço rural. De acordo com Sorokin et al., (1986), a diferenciação entre o rural e o urbano baseia-se em várias características, como ocupação, ambiente, tamanho das comunidades, densidade populacional, classes sociais e mobilidade. Uma dessas características é a ocupação, na qual a sociedade rural é composta por indivíduos dedicados principalmente a atividades agrícolas, como a coleta e o cultivo de plantas. Esse critério ocupacional é fundamental na definição da população rural. Para Sorokin et al., (1986): [...] o caráter da agricultura é radicalmente diferente de quase todas as ocupações urbanas (SOROKIN et al.,1986, p.201) Portanto, é imperativo explorar a emergência de uma nova concepção de ruralidade, na qual o espaço rural não se define exclusivamente pela atividade agrícola. Conforme Carneiro (1998), a pluriatividade é um fenômeno que surge no contexto rural devido à diversificação das ocupações, marcando o desaparecimento 49 do agricultor como uma figura em tempo integral na zona rural. Além disso, outra distinção significativa entre o rural e o urbano pode ser observada pelas características ambientais, relacionadas ao grau de artificialização do ecossistema. Esse aspecto envolve a predominância de paisagens naturais (ambientais) e a presença de pequenos aglomerados populacionais nas áreas rurais (AZEVEDO, 2017). Conforme a perspectiva de Veiga (2007), a comparação baseada em critérios ambientais e demográficos revela-se inadequada para definir o ordenamento territorial como rural ou urbano, uma vez que ambos os contextos dependem da interconexão entre si. Cidades e áreas rurais estão intrinsecamente ligadas, pois as cidades necessitam da proximidade das zonas rurais para abastecimento de recursos, da mesma forma que as áreas rurais dependem das oportunidades e produtividades geradas pelas cidades. No entanto, a delimitação de espaços rurais e urbanos no Brasil tem raízes no ordenamento territorial baseado em critérios físico-geográficos, que foram estabelecidos nas décadas de 1940 e 1950. Essa abordagem demarca áreas rurais principalmente por oposição e exclusão em relação às áreas urbanas. Diante desse cenário, em uma área de características rurais, a concepção de ruralidade pode ser compreendida como a habilidade de articular diversos atores, reconhecendo que esse espaço possui natureza essencialmente política, estratégica e ideológica, servindo como um instrumento de poder (AZEVEDO, 2017). Nesse contexto, a relação entre o urbano e o rural reflete a herança da formação econômica e social do Brasil, traçando as bases fundamentais para a construção desses espaçosque remontam ao período colonial. A compreensão adequada dessa interação é crucial para evitar distorções no planejamento e gestão das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural, como destacado por Wanderley (2000). Mas afinal, que tipo de ruralidade predomina nos amplos territórios do Brasil? Trata-se do chamado “novo rural brasileiro”, conceito cunhado por Maria José Carneiro (2004), caracterizado pela redução do peso da agricultura como sustentáculo das famílias, um fenômeno interpretado como indício da obsolescência de determinadas modalidades de agricultura familiar. Nos debates contemporâneos, essa realidade rural é frequentemente abordada sob as designações de “novo rural” ou “nova ruralidade”, sob forte influência de abordagens dicotômicas e tipológicas. 50 Nesse contexto, o conceito de ruralidade transcende fronteiras sociológicas e geográficas e origina-se como um espaço habitado por pequenas comunidades humanas que compartilham valores e uma história comum, baseados na fidelidade, no sentimento de pertencimento a uma determinada região e na ligação à família. Essa dinâmica específica resulta em práticas sociais, culturais e econômicas que valorizam a proximidade, a convivência, a cooperação e a colaboração. Assim, o conceito de ruralidade transcende tanto o âmbito sociológico quanto o geográfico, originando-se como um espaço habitado por pequenas comunidades humanas que compartilham valores mútuos e uma história comum, centrados na fidelidade, no sentimento de pertencimento a um determinado território e na ligação familiar. Nesse contexto, emerge uma dinâmica única, caracterizada por práticas sociais, culturais e econômicas fundamentadas na proximidade, na convivência, na cooperação e na solidariedade (MEDEIROS, 2017). Essa comunidade humana frequentemente se expressa por meio de um estilo de vida que integra o território com as relações sociais e a coesão da comunidade. Essas populações mantêm laços estreitos com o ambiente circundante, valorizando as identidades culturais das diversas comunidades. Vale ressaltar que a definição de ruralidade está sujeita a adaptações constantes devido às mudanças contínuas e à diversificação do ambiente rural. As atividades socioeconômicas evoluem, as paisagens se transformam, o manejo do território se modifica, a distribuição populacional se altera e as dinâmicas de vizinhança se ajustam de acordo com as transformações no meio rural. De acordo com Jean (2003), em uma civilização urbana, predominantemente pós-industrial e caracterizada pela desmaterialização da produção, ocorre uma ampliação do mito da natureza. A ruralidade passa a ser associada à natureza como uma fonte de descanso e tranquilidade. Essa natureza é frequentemente vista através de paisagens reais e idealizadas, sendo concebida como um elemento que contribui para uma melhor qualidade de vida. Além disso, ela é reconhecida como a base das atividades agrícolas, responsável pela produção de alimentos e pelo fortalecimento das conexões entre a cidade e o campo. Nesse contexto, a vida rural é muitas vezes percebida como caracterizada por relações pessoais, em contraste com a aparente impessoalidade das relações urbanas. 51 Isso levanta a questão: Será que o ambiente rural é mais ou menos complexo do que o ambiente urbano? Para abordar essa questão, é essencial compreender a realidade de cada local, município, região e território. Torna-se evidente que cada conceito carrega consigo suas próprias representações, ou seja, o que já existe e o que é previamente estabelecido. Nesse contexto, como Siqueira e Osório (1999, p.77) destacam: O conceito de rural, como muitos outros, é simultaneamente suficiente e insuficiente, porque a realidade não conhece classificações ou esquemas de qualquer espécie: nós é que os criamos para nos orientarmos na complexidade da existência, da realidade, a qual precisamos conhecer, seja através de teorias científicas, religiosas ou de senso comum. Para organizar a nossa experiência, nós emolduramos de várias formas a realidade, e o conceito de rural é uma delas. Mesmo os conceitos que se poderiam pensar os mais precisos e objetivos são calcados nas representações várias existentes sobre o aspecto da realidade que se pretende conceituar. O rural e o urbano, portanto, correspondem a representações sociais que estão sujeitas a reinterpretações e ressignificações, variando de acordo com o contexto simbólico a que se referem. A definição e compreensão da ruralidade podem ser abordadas como um modo de vida, uma sociabilidade inerente ao mundo rural, caracterizada por relações internas distintas e diversas em comparação ao modo de vida urbano. A ruralidade evoca uma ampla gama de imagens quando é contemplada e discutida. Ela se configura como uma construção social contextualizada, com uma natureza reflexiva, ou seja, é o resultado das ações dos sujeitos que internalizam e externalizam, por meio dessas ações, sua condição sociocultural atual, que reflete a condição transmitida por seus antepassados. Essa ruralidade reflete a capacidade desses sujeitos de se adaptarem às novas condições decorrentes das influências externas (MEDEIROS, 2017). A modernidade continua a se surpreender com a manutenção, a permanência e a capacidade de transformação que caracterizam o mundo rural. Nesse processo de evolução, torna-se claro que o rural não se “perde”; ao contrário, ele reafirma sua importância e singularidade. Ao abordar essa ruralidade como uma construção social, é essencial destacar e compartilhar perspectivas que reconhecem que se trata de um modo de vida, uma forma de existência mediada pelo território e pela cultura. A ruralidade deve ser 52 compreendida em relação a si mesma, sem depender de comparações com a cidade, como se fosse um mero apêndice com dependência política e econômica dela. Conforme a visão de Francisco Duran (1998), não deve haver distinção entre o rural e a ruralidade, uma vez que essa divisão não se sustenta como uma questão de relevância. Pelo contrário, especialmente ao investigar uma multiplicidade de aspectos, sejam eles socioculturais, econômicos ou ecológicos, essa distinção deve ser ignorada. Por essa razão, as reflexões sobre a ruralidade na contemporaneidade devem incluir a necessidade de reconhecer o mundo rural, levando em consideração suas próprias dinâmicas, bem como suas relações com o mundo urbano. A análise das chamadas “novas ruralidades” devem abranger todas as especificidades e representações desse espaço rural. Isso engloba não apenas o aspecto físico (território e seus símbolos), mas também a relação com o local de moradia (territorialidades e identidades) e a forma como esse espaço se conecta e interage com o mundo mais amplo (cidadania e inserção nas esferas políticas e econômicas da sociedade) (MEDEIROS, 2017). É importante ressaltar que na era da modernidade, há uma relação por vezes tensa entre o rural e o urbano, devido à ênfase excessiva atribuída ao urbano, que ainda é percebido e concebido como sinônimo de modernidade e progresso, enquanto o rural é muitas vezes associado a atraso e tradição. Conforme apontado por Blanco (2004), as “novas ruralidades” não apenas incorporam, mas também ampliam as novas funções e atividades no campo, envolvendo as famílias rurais em parceria tanto com o setor público quanto com a iniciativa privada. Isso é exemplificado pela noção de pluriatividade ou multifuncionalidade do campo, que descreve esse novo cenário no meio rural brasileiro. Nesse contexto, a noção de ruralidade abrange diversas facetas das interações com o ambiente, algo intrinsecamente ligado ao espaço rural. No cenário brasileiro, a discussão sobre ruralidade é retomada e os estudiosos concordam com a fluidez, permeabilidade e interconexão dos processos sociais, atividades econômicase elementos culturais no espaço rural. Em outras palavras, debatem a integração desses aspectos na sociedade contemporânea. As perspectivas presentes nesse debate concentram-se em: 53 • Aspectos demográficos e econômicos, sugerindo uma análise separada da dinâmica social do espaço rural em relação aos processos econômicos e à produtividade agrícola. Nessa perspectiva, a ruralidade abrange muito mais do que a atividade econômica agrícola. • Aspectos sociológicos e etnográficos voltados para os processos de construção e redefinição das identidades sociais, culturais, práticas de convívio e estilos de vida nas comunidades rurais. • Discussões relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade, abordando o uso dos recursos naturais e a adaptação do ambiente. Atualmente, viver no campo, no espaço rural, não necessariamente implica uma vida como agricultor, camponês, ou membro de uma sociedade rural, mas frequentemente reflete uma busca por proximidade com a natureza e tranquilidade, independentemente de estar ligada ao trabalho agrícola. Quando aplicado à noção de urbano, a ruralidade é caracterizada por ser um conceito de natureza territorial, em oposição a setorial. O mesmo princípio se aplica à definição de urbano. Portanto, não são as cidades definidas exclusivamente pela presença da indústria, nem o campo exclusivamente pela agricultura. É fundamental estabelecer uma definição baseada na dimensão espacial, não restrita a setores específicos nas áreas rurais. As características do meio rural abrangem tanto a relação com a natureza quanto a interação com o sistema urbano. O essencial é compreender o que constitui o meio rural, como se manifesta e qual o papel das diversas ruralidades nas sociedades contemporâneas. A ruralidade não é uma etapa do desenvolvimento social a ser superada com o progresso e a urbanização; ela é e continuará sendo um valor fundamental para as sociedades contemporâneas (MEDEIROS, 2017). O rural brasileiro é, portanto, permeado por diversas manifestações de ruralidade que conferem novos significados ao campo. Estas manifestações não se limitam apenas a aspectos culturais, abrangendo também relações econômicas, sociais e políticas. Um exemplo notável de ruralidade em que as dimensões econômicas e políticas se sobrepõem às características culturais é observado no cerrado, uma região dominada pelo agronegócio, com 70% das áreas de chapadas dedicadas ao cultivo de grãos, algodão, eucaliptos e pinus (GONÇALVES, 2006). 54 Silva (1996), por sua vez, destaca a presença de uma outra ruralidade, não mais calcada na produção, mas na busca incessante dos homens por uma qualidade de vida que se perdeu na turbulência da vida nas cidades. O rural passa a ser buscado como ambiente para o lazer e para a fuga dos problemas da vida urbana fazendo com cresçam os investimentos em condomínios horizontais, chácaras, hotéis-fazenda, spas e coisas do gênero. O espaço rural se vê então, gradativamente, interpenetrado por este novo personagem, o neorural, constituído por profissionais liberais, aposentados, amantes da natureza, todos eles ex-habitantes da cidade que buscam no campo tranquilidade e paz, mas todos eles com suas referências urbanas e ligados ao mundo global. 6.1 A ruralidade contemporânea no Brasil Traços marcantes As concepções de desenvolvimento que têm estado em disputa no cenário político e ideológico da sociedade brasileira ao longo de sua história levaram à consolidação de um projeto de desenvolvimento rural que reflete precisamente as relações de poder predominantes na sociedade. Essas relações são estabelecidas principalmente pelos atores provenientes de centros urbanos e setores industriais que se auto definem como impulsionadores do progresso em prol de toda a sociedade, bem como pelas forças sociais ligadas ao “antigo regime” que se consideram uma fração da classe dominante. O modelo de desenvolvimento implementado se manifesta em três dimensões centrais, cujos efeitos diretos recaem sobre as áreas rurais, provocando transformações e direcionando sua integração na sociedade. Primeiramente, o processo de urbanização resultou na criação de inúmeros municípios de pequeno porte, cujas sedes, por imposição legal, são designadas como cidades, mas que, como já mencionado, frequentemente revelam uma complexidade limitada. É importante notar que é precisamente nesses pequenos municípios que reside a maior parte da população hoje classificada como rural. Em segundo lugar, é notável que os setores industriais e de serviços continuam fortemente concentrados nas grandes cidades, embora tenha havido um movimento mais recente de interiorização, que ainda não se equipara em intensidade e alcance ao observado em países desenvolvidos. Este fenômeno também contribui 55 para a vulnerabilidade das pequenas cidades. De fato, urbanização e industrialização, no contexto brasileiro, não geraram com a mesma amplitude e profundidade o fenômeno de difusão no espaço dos efeitos da modernização e do enriquecimento para toda a sociedade, como ocorreu em países desenvolvidos. Em terceiro lugar, é crucial destacar que o modelo de desenvolvimento rural é frequentemente concebido de maneira restritiva, dominado pela perspectiva setorial que o vincula principalmente à modernização da agricultura. Sob essa ótica, esse modelo reforça o poder das elites agrárias, uma vez que as mudanças tecnológicas frequentemente resultam em uma concentração ainda maior de terras. Consequentemente, a modernização da agricultura no Brasil é moldada pelo princípio fundamental da associação entre a capacidade de inovação e o tamanho das propriedades. Nesse contexto, apenas grandes proprietários, capazes de oferecer as garantias necessárias para acessar o crédito bancário, são considerados agentes da modernização e do progresso. Os pequenos agricultores, por sua vez, enfrentam desafios em relação ao acesso à terra e à legitimidade de suas práticas de produção, que frequentemente são subestimadas e questionadas. A maneira como a industrialização, a urbanização e a modernização da agricultura se desenvolveu na sociedade brasileira trouxe consigo três principais consequências que diferenciam o mundo rural brasileiro em comparação com outros países. 7 A QUESTÃO AMBIENTAL Os seres humanos não existem isolados; eles habitam um ambiente e dependem dele para sua sobrevivência. No entanto, à medida que vivem nesse ambiente, o transformam. Em certos casos, essa transformação leva à exaustão dos recursos naturais e à degradação do próprio ambiente, tornando-o incapaz de sustentar a vida. Em outras palavras, a sociedade pode inadvertidamente destruir o ambiente, o que, por sua vez, ameaça sua própria sobrevivência. Esse perigo, por si só, deveria ser o ponto de partida para uma discussão ampla e profunda sobre o futuro do meio ambiente e da humanidade. No entanto, fenômenos como o negacionismo e os interesses de curto prazo de grupos específicos têm dificultado os esforços nessa direção. 56 A relação entre a sociedade e sua interação com o ambiente em que está inserida é objeto de estudo de um campo específico da Sociologia conhecido como Sociologia Ambiental. Essa disciplina aborda questões cruciais relacionadas à forma como a sociedade lida com o meio ambiente. Além disso, a temática ambiental também desperta interesse na Sociologia Rural, especialmente quando envolve áreas rurais, atividades agrícolas e questões fundiárias (MAKINO, 2022). 7.1 Recursos Finitos e Consumo Infinito Na década de 1950, um grupo de intelectuais manifestava preocupação com a exploração ininterrupta de recursos naturais não renováveis, como petróleo, gás natural e minérios, bem como com a rapidez do consumo de recursos naturais renováveis, como madeira, peixes, crustáceos, água, etc., que superava a capacidadede reposição da natureza. Esse grupo de pensadores ficou conhecido como o “Clube de Roma” e sustentava a crença de que, se o ritmo de consumo não fosse reduzido, o planeta Terra não conseguiria sustentar a humanidade por mais de um século. O Paradoxo de Terzi, a previsão de Malthus e as preocupações do Clube de Roma partilham uma característica comum: uma visão pessimista acerca do futuro e da degradação ambiental, assim como das suas consequências para os habitantes do planeta. A previsão de Malthus, entretanto, não se concretizou da maneira como ele previra, pois ele não podia antever os avanços que surgiriam no campo agronômico, como a invenção de máquinas, a criação de fertilizantes, herbicidas, pesticidas e o desenvolvimento de variedades de plantas mais produtivas (MAKINO, 2022). A previsão do Clube de Roma ainda não se materializou, uma vez que o prazo estipulado ainda não se esgotou. Essa concretização também pode ser postergada caso a taxa de consumo de recursos naturais renováveis e não renováveis seja reduzida. Por fim, é válido ponderar que o avanço tecnológico nem sempre é utilizado para destruir, poluir ou promover um maior consumo, mas também pode ser direcionado no sentido oposto, preservando, conservando, reutilizando, reciclando e reduzindo o consumo. Essa abordagem pode ser a chave para escapar do desfecho fatalista do Paradoxo de Terzi. 7.2 Brasil: entre avanços nos anos 1990 e retrocessos nos anos 2010 57 Após o período da Ditadura Militar, uma nova fase nas questões ambientais começou a ser delineada no Brasil. Internacionalmente, já existiam discussões e tentativas de cooperação para a proteção do meio ambiente. O desafio da degradação ambiental reside no fato de que todos habitam o mesmo planeta, embora cada nação seja soberana em tomar decisões sobre seu próprio território. Se uma nação toma decisões que prejudicam o meio ambiente, isso afeta a todos, inclusive aqueles que se preocupam com a preservação ambiental. Portanto, para efetivamente proteger o meio ambiente, é necessária a colaboração de todos, o que muitas vezes se revela um desafio. Nesse contexto, a Conferência de Estocolmo de 1972 é amplamente considerada um marco histórico a partir do qual a questão ambiental ganhou destaque. Nesta conferência, diversos países se reuniram para discutir questões ambientais e propor soluções conjuntas (MAKINO, 2022). No Brasil, em 1992, ocorreu uma das conferências internacionais mais importantes na história da proteção ambiental global, conhecida como “Rio 92” ou “Eco 92”. Ao final deste evento, os países assinaram um documento, a chamada Agenda 21, que estabeleceu compromissos em relação à proteção, preservação e conservação do meio ambiente, bem como ao desenvolvimento sustentável. O próprio Brasil buscou uma posição de liderança internacional na tentativa de abordar seus desafios ambientais, tais como o combate ao desmatamento, a contenção de incêndios florestais, a expansão da coleta seletiva de resíduos e a reciclagem, além da busca pela substituição de combustíveis fósseis altamente poluentes, como diesel e gasolina, por fontes de energia renovável, como etanol e biodiesel. Parcerias internacionais foram estabelecidas por meio da participação em mercados de créditos de carbono, e a criação de fundos internacionais para financiar projetos sustentáveis. 7.3 Agricultura e meio-ambiente A preocupação com o meio ambiente é um desafio global que tem origens no modelo de desenvolvimento adotado inicialmente pelos países industrializados do hemisfério norte. Entretanto, no caso do Brasil e de outros países considerados em desenvolvimento ou do terceiro mundo, o desequilíbrio ambiental não é apenas uma consequência da aceleração de um modelo de desenvolvimento globalizado atual. Antes disso, há um padrão de colonização que, desde o momento da ocupação do território brasileiro, se mostrou igualmente devastador na relação com a natureza. 58 O intento de Portugal de explorar as riquezas naturais resultou na exaustão de recursos produtivos, o que ainda se reflete nas condições atuais da agricultura. Dessa forma, o subdesenvolvimento não é meramente um desdobramento de uma relação de dependência relacionada ao processo global de acumulação de capital. Como diz Leff o subdesenvolvimento é o efeito da perda líquida do potencial produtivo de uma nação, através de um processo de exploração que rompe os mecanismos de recuperação das forças produtivas de uma formação social e de regeneração de seus recursos (1986, p. 44). No contexto brasileiro, a degradação do potencial produtivo na agricultura tem suas raízes no período colonial, desde os tempos do descobrimento. Naquela época, não foram adotadas as técnicas agrícolas avançadas já em uso na Europa; em vez disso, prevaleceu um sistema exploratório que, por vezes, mal poderia ser denominado de agricultura (HOLANDA, 1978). Essa mentalidade exploratória dos recursos naturais, em contrapartida ao cultivo responsável, estendeu-se ao longo dos séculos. Na realidade, a disponibilidade abundante de terras, geralmente acessível a uma elite de grandes proprietários rurais, promoveu uma prática prejudicial de desmatamento indiscriminado. Essa prática coexistia com uma agricultura sazonal caracterizada pela monocultura e por ciclos econômicos. Até recentemente, fazendeiros e coronéis desmatavam e cultivavam a terra até que ela se esgotasse, sem qualquer preocupação em restaurar sua fertilidade (STEIN, 1990). A prática de uma agricultura exploratória não se restringiu apenas aos fazendeiros e grandes proprietários de terras. Até mesmo os colonos na região sul do país exploraram excessivamente os recursos naturais disponíveis. Portanto, é correto afirmar que a recuperação mais intensiva do potencial produtivo começou a ser implementada somente com a política de modernização, desencadeada pela chamada “Revolução Verde”. No entanto, a introdução de novas e modernas práticas agrícolas ignorou as particularidades do clima, da estrutura do solo e da diversidade biológica das variedades adaptadas a diferentes condições (CALASANDRA, LIMA, 2013). A abordagem de modernização negligenciou a sabedoria dos habitantes nativos e caboclos em relação à gestão da natureza, bem como o conhecimento sobre a agricultura baseada na administração dos recursos naturais, introduzida por muitos 59 imigrantes europeus. A modernização, representada pelos interesses do capital industrial, simplesmente transferiu técnicas e conhecimentos desenvolvidos nas economias centrais da indústria. Consequentemente, as novas práticas agrícolas experimentaram sistemas de produção que eram inadequados para nossos ecossistemas agrícolas. Como resultado, máquinas inadequadas para as condições físicas do solo causaram processos erosivos, e variedades de plantas rústicas foram substituídas pela introdução de sementes híbridas, como o milho híbrido. Essa mudança na base técnica, embora tenha aumentado a produção e produtividade de alguns produtos, simplificou os ecossistemas agrícolas, levando a consequências físicas, biológicas e sociais. Isso comprometeu a sobrevivência de grupos de famílias rurais (CALASANDRA, LIMA, 2013). O desmatamento desenfreado, a adoção de sistemas de produção baseados na monocultura e o uso de práticas agrícolas que envolvem agroquímicos continuam a causar desequilíbrios ambientais significativos. Um dos resultados mais alarmantes desses processos é a erosão do solo. De acordo com especialistas, o Brasil perde aproximadamente um milhão de toneladas de terras férteis anualmente. Esse problema é mais acentuado em áreas onde uma agricultura intensiva com práticas modernas e industriais coloca uma pressão significativa sobre os recursos naturais. Além disso, é importante levar em consideração a contaminação da água e os impactos negativosdos agrotóxicos na saúde humana, bem como a erosão da diversidade genética de espécies adaptadas ao ambiente. Isso demonstra o alto custo do empobrecimento de um potencial que, em um passado distante, parecia exuberante e infinito aos olhos de seus exploradores. No contexto da agricultura brasileira, a questão ambiental assume características distintas em comparação aos países desenvolvidos. Em primeiro lugar, não se pode afirmar que a agricultura brasileira tenha adotado as técnicas da primeira revolução agrícola dos séculos XVIII e XIX, como ocorreu na Europa. Em seu lugar, foram introduzidos sistemas predatórios que não consideraram devidamente a relação com os recursos naturais. Em segundo lugar, no Brasil, devido à vasta extensão de terras agricultáveis disponíveis, ainda persiste uma abordagem de lavoura extrativa. Em terceiro lugar, coexistem práticas agrícolas modernas e produtivas com uma agricultura realizada em áreas inadequadas para a atividade ou em terras 60 degradadas, frequentemente conduzida por agricultores pobres marginalizados pelas políticas agrícolas (CALASANDRA, LIMA, 2013). A partir dessa breve reflexão, podemos identificar dois principais tipos de questões ambientais, relacionadas à pressão das atividades humanas sobre os recursos naturais: • A perda do potencial produtivo decorrente de práticas extrativas. • O desequilíbrio causado por práticas agroquímicas e mecânicas inadequadas aos ecossistemas agrícolas. Entretanto, é fundamental compreender que as consequências ambientais resultantes da modernização não estão intrinsecamente ligadas à tecnologia em si, mas sim à lógica de um sistema ao qual essas técnicas estão subordinadas. O desequilíbrio e a perda do potencial produtivo representam apenas um aspecto da questão ambiental. Há outro aspecto do problema que está diretamente relacionado à dimensão social. A modernização da agricultura, devido à expropriação de muitos pequenos agricultores rurais, resultou em uma concentração ainda maior da estrutura fundiária. Além da expansão de sistemas produtivos simplificados, típicos das grandes propriedades agrícolas de monocultura, a modernização acentuou a diferenciação social e levou ao desenraizamento de agricultores de inúmeras comunidades rurais. Esses agricultores não apenas perderam sua base material de subsistência, mas também suas identidades, sendo forçados a buscar maneiras de reconstruir novas relações sociais e de trabalho em uma sociedade que frequentemente oferece poucas oportunidades de emprego e crescimento (CALASANDRA, LIMA, 2013). A transformação que ocorre nas áreas rurais não se restringe apenas à mudança de atividades e aos movimentos migratórios. Ela também implica em uma transformação no mundo da vida rural, com consequências para toda a sociedade. A desintegração das comunidades rurais e a perda de identidade frequentemente resultam na perda de significado e, em última instância, contribuem para a desintegração social em uma sociedade que parece carecer de alternativas (HABERMAS, 1988). É dessa forma que são criadas as condições para o surgimento de manifestações de “irracionalidades”, tais como a violência e a marginalização nas áreas urbanas. 61 7.4 Desenvolvimento Rural Sustentável Muitos discursos tratam da questão do desenvolvimento rural sustentável. É frequente encontrar estudos e obras que partem do pressuposto de que a sustentabilidade do desenvolvimento rural está estritamente relacionada às condições econômicas, desconsiderando a relevância dos aspectos sociais e dos recursos naturais para a conquista do desenvolvimento rural sustentável. No entanto, a concepção de desenvolvimento rural sustentável adotada neste trabalho reconhece que a sustentabilidade vai além das condições econômicas e abrange igualmente fatores socioculturais e naturais, tais como educação, saúde, qualidade de vida e a preservação dos recursos naturais necessários para a subsistência no campo sem prejudicar as gerações vindouras. Nesse contexto, Veiga (2001) enfatiza a importância desses elementos ao destacar que ambos contribuem para a expansão das possibilidades de escolha, ampliando, assim, as potencialidades humanas. Assis (2006) discute que com o surgimento da crise ambiental a partir da década de 1980, tornou-se evidente que os custos da produtividade vão além daqueles que são refletidos nos processos produtivos tradicionais. Esse entendimento aprofundou a crítica de que o crescimento econômico por si só não é suficiente para atingir o desenvolvimento pleno. Como alternativa, o autor sugere a busca por um crescimento econômico qualitativo, que envolve a preservação do conjunto de bens ecológicos, socioculturais e econômicos, promovendo a igualdade de oportunidades. Nesse contexto, o desenvolvimento sustentável coloca como seu ponto central o aprimoramento da qualidade de vida da população, ao mesmo tempo em que respeita os limites de capacidade dos ecossistemas. Assim, à medida que as pessoas se beneficiam desse processo, elas se tornam agentes de transformação, desempenhando um papel fundamental para alcançar o sucesso almejado. (ASSIS, 2006). Partindo da compreensão de que o desenvolvimento se materializa quando os potenciais econômicos, culturais e sociais estão em harmonia com os aspectos ambientais de uma determinada sociedade, Costabeber e Caporal (2003, p.03) 62 preconizam o desenvolvimento rural sustentável como um processo gradual de transformação que “envolve a consolidação de iniciativas educacionais e participativas, incorporando as comunidades rurais e estabelecendo uma estratégia impulsionadora de dinâmicas socioeconômicas alinhadas com a preservação ambiental”. Entretanto, independentemente da adoção de uma definição precisa do desenvolvimento rural sustentável, é imperativo compreender as estratégias que viabilizam a conquista da sustentabilidade. Nesse sentido, serão exploradas a seguir algumas alternativas para a efetiva realização da sustentabilidade nas áreas rurais. 7.5 Possibilidades para o desenvolvimento sustentável no campo Ao examinarmos as vias a serem trilhadas para efetivamente promover o desenvolvimento rural sustentável, torna-se evidente a necessidade de abranger as distintas dimensões da sustentabilidade, entre as quais podemos citar a dimensão social, ambiental, econômica, cultural, política e ética. Conforme destacado por Costabeber e Caporal (2003), cada dimensão desempenha um papel vital nas estratégias para alcançar o desenvolvimento rural sustentável, visto que se complementam e se apoiam mutuamente, constituindo um elemento crucial para atingir a equidade e, por conseguinte, o desenvolvimento sustentável. Como estratégias de suporte para o desenvolvimento rural sustentável, identificam os seguintes caminhos: a valorização da agricultura familiar, o fomento de novos métodos de comercialização e a ênfase na dimensão local do desenvolvimento. O primeiro aspecto diz respeito à importância da agricultura familiar, que possui a capacidade real de contribuir para a soberania e segurança alimentar, uma vez que a maior parte da produção é destinada ao consumo interno das comunidades rurais, promovendo assim a auto-suficiência alimentar (PASQUALOTTO, 2012). Outra evidência da agricultura familiar como uma estratégia para o desenvolvimento rural sustentável é sua capacidade demonstrada de abordar com eficácia os seguintes aspectos, conforme delineado por Costabeber e Caporal (2003, p.12): i) multifuncionalidade e práticas de policultivo; ii) eficiência produtiva e eficiência energética e/ou ecológica; iii) conservação dos recursos naturais não renováveis; iv) proteção da biodiversidade e sustentabilidade a longo prazo; v) práticas de manejo. 63 No que diz respeito à promoção de novas abordagens para a comercialização, é importantedestacar o papel fundamental das práticas agroecológicas nesse processo, uma vez que elas viabilizam a geração de renda sem exercer um impacto ambiental tão agressivo. Além disso, a perspectiva agroecológica representa um componente de forte sensibilidade social, pois escolhe a agricultura familiar como o motor dos processos de desenvolvimento rural. Desta maneira, Costabeber e Caporal (2003) destacam alternativas para novas formas de comercialização, incluindo: a criação de redes de confiança entre agricultores e consumidores; o fomento de sistemas de distribuição de alimentos por meio de feiras livres e mercados locais; o estímulo ao comércio solidário, no qual os agricultores recebem uma compensação justa por seus produtos; e o investimento no consumo institucional. A dimensão local do desenvolvimento assume prioridade à medida que as comunidades rurais, bem como suas garantias de renda, tradições e qualidade de vida, constituem a escala mais relevante no processo de desenvolvimento rural sustentável. Portanto, é essencial que o processo de desenvolvimento comece localmente e, posteriormente, se estenda para o âmbito global. Costabeber e Caporal (2003) ressaltam a importância da criação de planos de desenvolvimento rural a nível municipal e, posteriormente, regional, que atendam às reais necessidades das comunidades presentes nesses territórios. Essas abordagens não apenas asseguram resultados positivos para os atores envolvidos, mas também promovem maior protagonismo das famílias agricultoras. Falando das potenciais soluções para o desenvolvimento rural, Veiga (2001) enfatiza que o Brasil necessita de um arranjo institucional que facilite as parcerias intermunicipais na identificação dos principais desafios enfrentados pelas áreas rurais e na concepção de estratégias de desenvolvimento. Consequentemente, é imperativo que o governo incentive iniciativas locais que possam, posteriormente, ser financiadas visando um progresso mais substancial. A diversificação das economias locais também é destacada por Veiga (2001) como um passo crucial rumo ao desenvolvimento rural, uma vez que essa diversificação promove melhores condições de vida para os trabalhadores e uma interação mais saudável com o meio ambiente, especialmente quando comparada às grandes propriedades dedicadas à monocultura. Essa estratégia, ademais, assegura 64 a pluriatividade na agricultura, possibilitando que membros da família que haviam migrado para áreas urbanas voltem para contribuir com as atividades no campo. Portanto, é evidente que há várias abordagens a serem consideradas para alcançar o desenvolvimento rural sustentável, e essas abordagens devem ser formuladas com uma perspectiva local que, posteriormente, possa se expandir para o contexto global. Pois, nota-se que muitas das oportunidades identificadas pelas comunidades rurais em um município específico podem não ser aplicáveis a outros (PASQUALOTTO, 2012). 8 AGRICULTURA FAMILIAR E CAMPONESA E A PLURIATIVIDADE A agricultura familiar emergiu como um conceito no Brasil nos anos 1990, consolidando uma série de medidas que vinham sendo delineadas desde o início da redemocratização. Esse termo foi adotado para se referir ao que anteriormente era denominado como pequena produção mercantil ou pequena produção familiar, marcando, assim, o reconhecimento de uma categoria social de trabalhadores rurais nas políticas públicas. No entanto, é importante ressaltar que a complexidade desse debate exige uma análise mais detalhada. Em um cenário caracterizado pelo avanço do neoliberalismo no país e pela intensa disputa política entre diferentes grupos de trabalhadores rurais, suas organizações e os grandes proprietários de terras, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foi estabelecido em 1996 como uma política pública de crédito agrícola específica para os agricultores familiares. O objetivo principal do Pronaf era promover a inserção desses agricultores no processo de modernização, tornando-os mais competitivos e viáveis, com o intuito de manter sua presença no campo, por meio da atividade agrícola. O programa foi fortemente influenciado pela pesquisa realizada no âmbito do convênio entre a FAO e o Incra, que demonstrou que a renda líquida obtida nos assentamentos rurais era superior ao custo de oportunidade do trabalho. Com base nesses dados, o Pronaf foi concebido com o propósito de aumentar a capacidade produtiva, gerar empregos e melhorar a renda dos agricultores familiares. Para alcançar esses objetivos, uma de suas diretrizes centrais foi a descentralização das políticas, com a criação dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Desenvolvimento Rural (CMDR, CEDR e CNDR, respectivamente). Cabe aos CMDRs 65 a elaboração dos Planos Municipais de Desenvolvimento Rural (PMDR), como parte integrante desse processo. Embora o Pronaf tenha sido concebido como uma política pública voltada principalmente para o aspecto produtivo de uma parcela dos agricultores familiares, uma série de pesquisas se dedicou a examinar as transformações ocorridas no meio rural e a defender a necessidade de políticas específicas para essa região. Isso levou ao reconhecimento do conceito de pluriatividade como um instrumento fundamental para compreender essas transformações. Segundo Graziano da Silva (1990), a única estratégia viável para manter a população pobre no campo e elevar seu nível de renda seria criar empregos não agrícolas. Essa perspectiva deu início a um novo campo no Brasil, conhecido como o “novo mundo rural”, que ampliou o conceito de rural para além da exploração exclusivamente agrícola, passando a englobar o crescimento das atividades não agrícolas e pluriativas. O conceito de pluriatividade teve origem na França nos anos 1980, em resposta à reorientação da política agrícola devido à crise de superprodução agrícola dos anos 1970. Nesse contexto, a pluriatividade surgiu como uma alternativa à estratégia estatal de incentivar os agricultores considerados inviáveis a abandonarem suas atividades agrícolas e se dedicarem exclusivamente à preservação da natureza para atrair o turismo. Nesse contexto, a pluriatividade na agricultura familiar emerge como um meio, frequentemente o único, para buscar o desenvolvimento da agricultura familiar. Nesse sentido, as palavras de Baumel e Basso (2004, p. 139) são pertinentes: “A pluriatividade se estabelece como uma prática social, decorrente da busca de formas alternativas para garantir a reprodução das famílias de agricultores, um dos mecanismos de reprodução, ou mesmo de ampliação de fontes alternativas de renda; com o alcance econômico, social e cultural da pluriatividade as famílias que residem no espaço rural, integram-se em outras atividades ocupacionais, além da agricultura. ” Como resultado, os agricultores passaram a realizar tanto atividades relacionadas à exploração agrícola, como produção, processamento e comercialização, quanto atividades não agrícolas, como turismo e artesanato. Nesse cenário, a pluriatividade não representou apenas uma saída econômica, mas também uma forma de vida saudável que promoveu a interação entre o meio urbano e rural, combinando atividades agrícolas e não agrícolas (CRUZ, 2012). 66 O processo brasileiro apresenta distinções significativas em relação à experiência francesa. Aqui, o modelo de modernização agrícola não se baseou na exploração da mão de obra abundante no campo, mas na expansão dos grandes estabelecimentos agropecuários. Nesse contexto, recorrer a outras formas de reprodução social que não estivessem estritamente ligadas à agricultura não representou algo novo para garantir a permanência dos pequenos produtores no meio rural. Isso ocorreu considerando os limites de uma reforma agrária progressista, a disponibilidade de crédito e a assistênciatécnica para esse segmento de trabalhadores. Durante o período de redemocratização, impulsionado pelas lutas sociais dos trabalhadores rurais e pela crise de legitimidade do modelo de modernização conservadora, o debate sobre a viabilidade da pequena produção familiar ressurgiu com vigor. Esse debate se materializou com a criação do Pronaf e com o estabelecimento e fortalecimento do conceito de agricultura familiar. O surgimento desse programa ocorreu em um cenário de reconfiguração do capital em âmbito global, com o intuito de recuperar as taxas de lucro. Diante do declínio do modelo fordista de produção e do Estado de Bem-Estar Social (que havia viabilizado a modernização agrícola na França), o capital passou a se reorganizar por meio da reestruturação produtiva, caracterizada pela flexibilização da produção, dos contratos de trabalho e pela redução da intervenção estatal nas políticas sociais, em prol de políticas neoliberais. Isso marcou o início de uma era de desemprego estrutural, na qual os trabalhadores se viram desprotegidos no mercado de trabalho (CRUZ, 2012). No Brasil, apesar dos avanços formais introduzidos pela Constituição de 1988, o Estado tem adotado diretrizes neoliberais, reformulando sua intervenção nos processos de desenvolvimento econômico e social por meio de uma série de “contrarreformas” estatais. Dentro desse cenário, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) deixa de abranger os estratos mais empobrecidos da população rural. Tais observações levam Carneiro (2001) a questionar que, apesar de reconhecer a importância das atividades não agrícolas, o modelo implementado continua a seguir uma abordagem produtivista orientada para o mercado. Seu principal objetivo é tornar os agricultores familiares considerados viáveis mais 67 competitivos. Enquanto isso, aqueles em condições mais precárias são incentivados a buscar atividades não agrícolas ou se envolver em atividades pluriativas. Não se leva em conta, portanto, que a situação de extrema pobreza em que se encontram os agricultores periféricos é, em grande parte, resultado de uma histórica negligência do Estado, ou, em outras palavras, de uma política ativa de exclusão (CRUZ, 2012). 8.1 Definindo a pluriatividade A pluriatividade, conforme nossa compreensão, refere-se a um fenômeno que se manifesta nas áreas rurais, envolvendo a combinação de pelo menos duas atividades, das quais uma é a agricultura. Essas atividades são desempenhadas por indivíduos que compõem um grupo doméstico, unidos por laços de parentesco e consanguinidade (por filiação), podendo eventualmente incluir outros membros sem parentesco consanguíneo (por adoção). Essas pessoas compartilham o mesmo espaço de moradia e trabalho, embora não seja necessário que vivam na mesma habitação, e identificam-se como uma família. (SCHNEIDER, 2009). Para esclarecer o termo “atividade”, podemos definir como a execução de um conjunto de tarefas, procedimentos e operações relacionadas ao trabalho e à produção. Isso pode englobar ações como plantio, manejo, colheita, limpeza, preparação, organização, beneficiamento, entre outras. A atividade agrícola, que envolve o cultivo de organismos vivos, tanto animais quanto vegetais, e a gestão de processos biológicos para a produção de alimentos, fibras e matérias-primas, é notavelmente diversificada e complexa. Essa complexidade torna desafiador definir de maneira precisa o início e o fim de uma atividade agrícola, uma vez que, muitas vezes, essas atividades se estendem por diversos estabelecimentos. Para efeitos de definição, é essencial considerar o estabelecimento agropecuário como a base física para essas atividades, mesmo que sejam executadas por terceiros. No entanto, é importante destacar que, em algumas situações e contextos, a delimitação de atividades agrícolas pode ser subjetiva. Além disso, é relevante considerar as atividades para-agrícolas, que abrangem um conjunto de operações, tarefas e procedimentos relacionados à transformação, beneficiamento e/ou processamento de produtos agrícolas, quer sejam originários da própria unidade de produção ou adquiridos externamente. Estas atividades para-agrícolas podem ter como finalidade a satisfação das necessidades domésticas, para atender às demandas da própria família, ou podem estar orientadas 68 para objetivos comerciais, visando à comercialização desses produtos no mercado (SCHNEIDER, 2009). Por outro lado, as atividades não agrícolas englobam todas aquelas que não se inserem na categoria de atividades agrícolas ou para-agrícolas, frequentemente relacionadas a diferentes setores econômicos, como a indústria, o comércio e os serviços. A interação entre atividades agrícolas, para-agrícolas e não agrícolas culmina na ocorrência da pluriatividade, um fenômeno que ganha intensidade à medida que as interações entre os agricultores e o contexto socioeconômico se tornam mais complexas e diversificadas. A pluriatividade é notavelmente diversa e heterogênea em sua natureza intrínseca. De um lado, ela está intimamente relacionada às estratégias sociais e produtivas adotadas pelas famílias e seus membros. Por outro lado, sua natureza mutável é fortemente influenciada pelas características do contexto territorial em que se insere. A pluriatividade pode ser interpretada de diversas maneiras, servindo tanto para atender a projetos coletivos quanto para refletir decisões de caráter individual. Adicionalmente, suas características podem variar consideravelmente, dependendo do membro da família que a exerce, seja o líder, o cônjuge ou os filhos, uma vez que essa dinâmica social pode ter impactos diversos tanto no grupo doméstico quanto na unidade de produção. Diversos fatores, como o gênero e a posição na hierarquia familiar, desempenham papéis significativos na determinação desses efeitos. Além disso, as condições socioeconômicas locais e o ambiente ou contexto em que a pluriatividade ocorre exercem influência sobre suas características específicas, conforme delineado por Schneider em 2009. A combinação de atividades agrícolas e não agrícolas pode ser considerada tanto um recurso utilizado pela família para garantir a reprodução social do grupo ou coletivo ao qual pertence, quanto uma estratégia adotada de forma individual pelos membros da unidade doméstica. Nesse contexto, conforme sugerido por Ellis (2000), a pluriatividade pode ser interpretada como uma estratégia de resposta (coping) quando os indivíduos enfrentam situações de risco ou vulnerabilidade, ou como uma estratégia de adaptação quando pessoas com capacidade de escolha conseguem tomar decisões diante de uma variedade de oportunidades e possibilidades. Portanto, 69 a pluriatividade está intrinsecamente relacionada ao exercício das capacidades e ao poder de ação dos indivíduos. A definição operacional da pluriatividade também requer a especificação da unidade de análise a ser empregada. De maneira mais precisa, é possível abordar a pluriatividade em relação a um indivíduo, quando este desempenha mais de uma atividade, ou no contexto de uma família, ou ainda concentrar-se em um subconjunto dos membros que compõem a família. Nas investigações conduzidas em nosso contexto, a pluriatividade está sempre associada à família, sendo considerada pluriativa quando, pelo menos, um de seus membros realiza uma combinação de atividades agrícolas, para-agrícolas e não-agrícolas. Portanto, estamos tratando da pluriatividade familiar que ocorre nas áreas rurais. Nessa perspectiva, a definição de pluriatividade se distancia da análise da combinação de rendimentos e da alocação de tempo de trabalho entre os membros que desempenham diversas atividades. Em outras palavras, ter simplesmente múltiplas fontes de renda em uma família, para além das provenientes da agricultura, como pensões,remessas de dinheiro de parentes ou familiares que trabalham fora do estabelecimento, por si só, não qualifica uma família como pluriativa. Até que uma situação envolvendo a combinação de diferentes atividades com a agricultura se configure, não é apropriado falar de pluriatividade. A menos que se esteja se referindo a contextos distintos do meio rural, nos quais a pluriatividade possa ser usada como sinônimo de dupla profissão, como por exemplo, nas situações em que alguém exerce as profissões de professor e médico, advogado e administrador, motorista e comerciante, entre outras. Nesse sentido, o tempo de trabalho da pessoa que realiza uma segunda (ou mais de uma) atividade não deve ser um critério relevante, uma vez que a pluriatividade não é caracterizada pelo tempo de trabalho, seja ele parcial ou integral. É importante observar que o tipo de trabalho e a carga horária podem influenciar de maneira distinta os rendimentos auferidos, porém esses fatores não determinam nem afetam a definição de pluriatividade. (SCHNEIDER, 2009). 8.2 Pluriatividade tradicional ou camponesa Estamos descrevendo uma situação em que a pluriatividade é intrínseca a um estilo de vida que se assemelha às comunidades estudadas por pesquisadores das “sociedades camponesas”. Esses grupos sociais são relativamente autônomos e 70 concentram-se principalmente na produção para consumo próprio, mantendo uma relação limitada com os mercados externos. Dentro dessas unidades, a pluriatividade se manifesta nas propriedades por meio da combinação de atividades relacionadas à produção, transformação e artesanato. Com frequência, essas atividades não agrícolas estão voltadas para a fabricação de itens e equipamentos para uso próprio, como ferramentas e utensílios de trabalho, como balaios, cestos e materiais de selaria. Essa é a forma genuína de pluriatividade que sempre existiu e que caracteriza as unidades de produção familiares no meio rural. O que a diferencia das outras formas de pluriatividade é o fato de não ter a comercialização como objetivo; sua existência é determinada por um modo de vida e organização específicos da produção (SCHNEIDER, 2009). 8.3 Turismo rural e novas ruralidades O turismo rural ocupa uma posição de destaque na Europa, especialmente em nações como Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha, Suécia, Irlanda, Holanda e Alemanha. No Brasil, o turismo rural surgiu em Lages, Santa Catarina, seguindo um modelo amplamente inspirado no contexto europeu, embora também tenha havido influências e ideias importadas dos Estados Unidos da América. O turismo rural se expandiu para todos os estados brasileiros, mesmo com algumas irregularidades, concentrando-se sobretudo nas regiões sul e sudeste. Essas atividades de turismo rural se adaptam de maneira flexível às características culturais e regionais, refletindo a diversidade do patrimônio cultural do país (SANTOS, 2019). Conforme apontado por Kloster (2014), nos empreendimentos de turismo rural, a oferta de atividades destinadas aos turistas frequentemente se destina a cobrir os custos de manutenção e despesas dos estabelecimentos rurais. No entanto, em muitos casos, os lucros gerados por essas atividades superam as expectativas dos produtores rurais. Nessas situações, os produtores se voltam quase que exclusivamente para essas atividades, que variam desde a criação de peixes, abelhas e pequenos animais até a produção de hortaliças, plantas ornamentais, frutas e uma ampla gama de atividades de recreação e lazer. Ao discutir o crescimento do turismo rural no Brasil, é crucial lembrar que isso não apenas responde a programas de incentivo, mas também reflete as mudanças na sociedade. A sociedade atual passa por transformações significativas, adotando uma 71 nova perspectiva em relação ao mundo e à cultura. Geralmente, as pessoas que optam pelo turismo rural possuem um nível mais elevado de renda e escolaridade, frequentando esses estabelecimentos por dois ou três dias, geralmente com suas famílias. Essas atividades não se limitam apenas ao turismo, mas também abrangem campos como artesanato, música, poesia e outras expressões culturais. Essas atividades estão intimamente relacionadas à neoruralidade e à pluriatividade, refletindo as transformações nas dinâmicas do meio rural. O turismo rural surge como uma alternativa significativa e atrativa nesse cenário. No entanto, existe o risco de que as comunidades interessadas em desenvolver o turismo rural possam cair nas mãos de empresas. Portanto, é fundamental oferecer incentivos que permitam aos agricultores se apropriarem dessa nova atividade e reconceitualizarem o espaço em que estão inseridos (SANTOS, 2019). 72 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, 2000. AQUINO, A. A. Fundamentos de sociologia e extensão rural aplicados ao médico veterinário. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018. ASSIS, R. L. Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil: perspectivas a partir da integração de ações públicas e privadas com base na agroecologia. Revista de Economia Aplicada, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 75-89, 2006. AZEVEDO, N. F. A “nova ruralidade” no Brasil Contemporâneo. Anais ENANPUR, v. 17, n. 1, 2017. BAUMEL, A. e BASSO, L. C. Agricultura familiar e a sustentabilidade da pequena propriedade rural. In: CAMARGO, G; CAMARGO FILHO, M. e FÁVARO, J. L. (Org.) 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