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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência filosófica Rio de Janeiro 2020 Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: Uma experiência filosófica Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Infância, Juventude e Educação Orientador: Walter Omar Kohan Rio de Janeiro 2020 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde que citada a fonte. ___________________________________ _______________ Assinatura Data F381 Ferraz, Lara Sayão Lobato de Andrade. Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência filosófica / Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz. – 2020. 236 f. Orientador: Walter Omar Kohan. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. 1. Educação – Teses. 2. Filosofia – Teses. 3. Olimpíadas – Teses. I. Kohan, Walter Omar. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título. es CDU 37::1(815.3) Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência filosófica Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Infância, Juventude e Educação Aprovada em 19 de fevereiro de 2020. Banca Examinadora: _____________________________________________ Prof. Dr. Walter Omar Kohan (Orientador) Faculdade de Educação da UERJ ____________________________________________ Prof. Dr. Felipe Gonçalves Pinto PPFEN – CEFET/RJ _________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Senna Guimarães Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO ___________________________________________ Profa. Dra. Patrícia Del Nero Velasco Universidade Federal do ABC -UFABC ___________________________________________ Prof. Dr. Renato Nogueira dos Santos Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ Rio de Janeiro 2020 DEDICATÓRIA Ao Tu que se diz de muitos modos... AGRADECIMENTOS A todos que me encontraram nas encruzilhadas da filosofia e da educação e generosamente me tocaram, me permitindo ser eu, sendo outra. Aos mais intensos encontros da minha vida: Lafer, Francisco, João, Luiz e Pedro, pela força do nosso amor. Ao meu pai, pela viagem da sua vida que me deu vida. À minha mãe, por me lembrar de lá... Y no morirse con tantas cosas adentro! Y no morirse tantos con cosas adentro! Vaz Ferreira RESUMO FERRAZ, Lara Sayão L de A. Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência filosófica. 2020. 236 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação – PROPED. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, 2020. O que é uma olimpíada de filosofia? Há uma olimpíada de filosofia ou há muitas? São iguais? Em que se diferenciam? O que potencializam nos caminhos da educação e do ensino de Filosofia? Quais seus limites? É possível uma olimpíada que não seja uma competição? Então por que é chamada de olimpíada? Que relações com as olimpíadas gregas uma atividade educativa não competitiva teria para ser chamada olimpíada? Essas questões foram se anunciando a partir do contato com as olimpíadas de filosofia do Uruguai, uma atividade educativa que tem como pressupostos as concepções de filosofia e educação do filósofo uruguaio Maurício Langón. Esta tese busca conhecer tais pressupostos a partir do diálogo entre seu pensamento e seus principais interlocutores filosóficos. Busca também conhecer as práxis originadas dessa ideia no Brasil e dedica-se, especialmente, a pensar as olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro através das percepções e afetos de professores e estudantes envolvidos nas sete edições realizadas entre 2013 e 2019. Esta tese é um olhar sobre o início de uma experiência coletiva de educação filosófica, que buscou identificar e refletir sobre os conceitos inspiradores das propostas e das práticas, atento aos conceitos que o próprio caminhar foi suscitando pensar. Palavras-chave: Olimpíada de Filosofia. Educação Filosófica. Filosofia latino-americana. ABSTRACT FERRAZ, Lara Sayão L de A. Philosophy's Olympics Games in Rio de Janeiro: a philosophical experience. 2020. 236 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação – PROPED. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, 2020. What is a Olympics philosophy games? Is there a single Olympics philosophy games or are there many? They are the same thing? How do they differ? What's the difference between them? What do they potentiate in the ways of Philosophy education and Philosophy teaching? What are your limits? Is an Olympics possible that is not as a competition? So why is it called the Olympics? What relations with the Greek Olympics would a non-competitive educational activity have to be called an Olympics? These questions were announced from the contact with the philosophy olympics in Uruguay, an educational activity that presupposes the concepts of philosophy and education of the Uruguayan philosopher Maurício Langón. This thesis seeks to know such assumptions from the dialogue between his thinking and his main philosophical interlocutors. This thesis also seeks to know the praxis originated from this idea in Brazil and focus to thinking about the Olympics of philosophy in Rio de Janeiro through the perceptions and affections of teachers and students involved in the seven editions held from 2013 to 2019. This thesis is a to look at the beginning of a collective experience of philosophical education, which sought to identify and reflect on the inspiring concepts of the proposals and practices, attentive to the concepts that walking itself has given rise to thinking about. Keywords: Philosophy Olympics. Philosophical Education. Latin American Philosophy. RESUMÉN FERRAZ, Lara Sayão L de A. Olimpíadas de Filosofía de Rio de Janeiro: una experiencia filosófica. 2020. 236 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação – PROPED. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, 2020. ¿Qué es una olimpiada de filosofía? ¿Existe una olimpiada de filosofía o hay muchas? ¿Son todas iguales? ¿En qué se diferencian? ¿Qué potencializan en los caminos de la educación y de la enseñanza de la filosofía? ¿Cuáles son sus límites? ¿Es posible que una olimpiada de filosofía no sea una competición? Entonces ¿por qué es llamada de olimpiada? ¿Qué relaciones con las olimpiadas griegas una actividad educativa no competitivatendría para ser llamada olimpiada? Esas cuestiones fueron anunciándose a partir del contacto con las olimpiadas de filosofía de Uruguay, una actividad educativa que se presuponen las concepciones de filosofía y de la educación del filósofo uruguayo Maurício Langón. Esta tesis busca conocer tales presupuestos a partir del diálogo entre su pensamiento y sus principales interlocutores filosóficos. Busca asimismo conocer las praxis originadas de esta idea en Brasil y se dedica, especialmente, a pensar las olimpiadas de filosofía de Rio de Janeiro a través de las percepciones y afectos de profesores y de estudiantes envueltos en las siete ediciones realizadas entre 2013 y 2019. Esta tesis es una mirada sobre el inicio de una experiencia colectiva de educación filosófica, que buscó identificar y reflejar sobre los conceptos inspiradores de las propuestas y de las prácticas, atento a los conceptos que el propio caminar fue suscitando a pensar. Palabras clave: Olimpiada de Filosofía. Educación Filosófica. Filosofía latinoamericana. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE OLIMPÍADA, OS VALORES CULTUADOS E AS VIRTUDES CULTIVADAS NOS ENCONTROS OLÍMPICOS GREGOS .......................................................................................... 24 1.1 O que é uma olimpíada? É possível uma olimpíada ser filosófica? ..................... 24 1.2 O culto a Zeus Olímpio em suas esferas de atuação Basileus, Tropáios e Xênios ........................................................................................................................ 28 2 UMA VIAGEM PELAS OLIMPÍADAS DE FILOSOFIA .................................. 37 2.1 International Philosophy Olympiad -IPO .............................................................. 38 2.2 A bossa latino-americana: As origens das olimpíadas no Uruguai e na Argentina .................................................................................................................. 44 2.2.1 As Olimpíadas de filosofia argentinas ....................................................................... 52 2.2.2 A olimpíada iberoamericana de filosofia – OIF ......................................................... 56 2.2.3 A olimpíada de filosofia da Colômbia ....................................................................... 57 2.2.4 As novas olimpíadas uruguaias .................................................................................. 59 2.2.5 As olimpíadas de filosofia do Rio Grande do Sul ...................................................... 61 2.2.6 As olimpíadas latino-americanas de filosofia ............................................................ 66 2.2.7 As Olimpíadas de Filosofia de São Paulo .................................................................. 73 2.2.8 As olimpíadas de filosofia do NESEF – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino de Filosofia - Paraná ...................................................................................... 76 2.3 O NEFI e as olimpíadas de Filosofia ...................................................................... 78 2.4 Um olhar sobre a viagem... ...................................................................................... 81 3 A BOSSA DO RIO DE JANEIRO, UMA OLIMPÍADA DE FILOSOFIA VIAJANTE, INVENTADA, MACUMBEIRA... ................................................... 83 4 O PENSAMENTO DE MAURICIO LANGÓN: RUPTURA E COMEÇO... SUBVERSÃO E LIBERDADE! ........................................................................... 116 4.1 Interlocuções filosóficas ......................................................................................... 136 4.1.1 A Filosofia da Libertação de Enrique Dussel .......................................................... 141 4.1.2 O caminho para a libertação é uma filosofia popular: Rodolfo Kusch .................... 145 4.1.3 Um pensar fecundo, espontâneo, sincero e desinteressado. Vaz Ferreira e o pensamento fermental. ............................................................................................. 150 4.2 Uma comunidade de diálogo sobre o conceito de comunidade: Langón, Buber, Lipman e nós .............................................................................................. 154 5 CONCEITOS QUE AS OLIMPÍADAS DO RIO NOS CONVIDAM A PENSAR... ............................................................................................................... 162 5.1 Hospitalidade .......................................................................................................... 162 5.2 Não competição....................................................................................................... 167 5.3 Síncope .................................................................................................................... 175 5.4 Caminhar ................................................................................................................ 178 5.5 Rodas ....................................................................................................................... 181 SARAVÁ! A BENÇÃO QUE EU VOU PARTIR! PRA NÃO TER QUE DIZER ADEUS! ..................................................................................................... 185 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 189 ANEXO A - Propostas de atividades da II Olimpíada de Filosofia do Rio – Rio das Ostras, 2014 ....................................................................................................... 197 ANEXO B - Textos enviados pelos estudantes para as rodas de conversa na V Olimpíada do Rio – Petrópolis, 2017, sobre a pergunta Filosofia, pra quê? ........... 198 ANEXO C – Programações das sete edições das olimpíadas do Rio...................... 227 11 INTRODUÇÃO A bossa dessa escrita... A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. É preciso encontrar as coisas certas da vida, para que ela tenha o sentido que se deseja, porque a vida só adquire vida, quando a gente empresta a nossa vida, para o resto da vida. Vinícius de Morais Peço uma licença para entrar nesta avenida acadêmica de braços dados com Vinícius de Morais, cantando o Samba da Benção...ele me embala desde os dois anos de idade cantado por quem foi um dos meus grandes amores: Zé! O irmão da minha mãe, meu padrinho, que lindamente dedilhava em seu violão a bossa nova que me embalava. Creio que foi a experiência mais gostosa da minha infância e certamente por isso ela insiste em me habitar: é a minha infância, é o que me faz lembrar o movimento que dá sentido, ao qual desejo emprestar a vida para o resto da vida: os encontros! A palavra bossa, originalmente significa protuberância num osso liso, chato, geralmente, do peito, ou seja, algo incomum, fora do esperado, uma saliência, talvez o que não devesse estar ali, mas está e se faz perceber. Era também um termo da gíria carioca que, no fim dos anos cinquenta, significava “jeito”, “maneira”, “modo”. Quando alguém fazia algo de modo diferente, próprio, de maneira simples, dizia-se que esse alguém tinha “bossa”. Como a escrita, para ser verdadeira, da alma, tem que ser do modo de quem a escreve, com seu ser, com sua vida, essa é a bossa da minha escrita, aquela que revela as “saliências” no meu peito e o jeito meu de pensar, de escrever, de ser. Uma pesquisa é um movimento da alma (pathos) em direção à beleza, ao que confere sentido e gera amor, então sigo escrevendo sobre os encontros1, pondo amor nessa cadência. Os encontros valem seus riscos e são eles que movem, são a sua imprevisibilidade e o sagrado que escondem que fazem desejar, trabalhar, viajar, seguir, entrar numaescola, o espaço repleto dos muitos encontros, cotidianos, encantados, potentes, trágicos. Movida por eles, dedico-me a pensá-los e como os entendo indomáveis, tento fomentá-los, favorecê-los, sabendo que eles só 1 FERRAZ, Lara S. L. de A. Uma fundamentação para o ensino religioso na filosofia do encontro de Martin Buber. Dissertação. Mestrado em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Católica de Petrópolis, 2006. Minha pesquisa de mestrado foi sobre Martin Buber e sua Filosofia do Encontro Eu-Tu, como fundamentação para pensar o Ensino Religioso escolar numa perspectiva dialógica. Sou professora de Ensino Religioso na Escola Pública desde 2004 e de Filosofia desde 2008. 12 acontecem quando querem e quando nos dispomos a eles, criando as condições para sua aparição inesperada. Testemunha da beleza dos muitos encontros vividos, sei que não cabem numa escrita, e por muito tempo resisti a escrever, mais interessada estive em vivê-los. Mas, também testemunha da beleza dos muitos encontros escritos, resolvi tentar encontrar as palavras para narrar o vivido (RICOUER, 1997). Essa é uma escrita sobre a beleza de um encontro que provocou outros tantos encontros, alguns desencontros, fez sair do lugar, caminhar, acolher, se alegrar e se entristecer, pensar educação, filosofia, diálogo, libertação, vida. Essa é uma escrita sobre as olimpíadas de filosofia como uma forma de encontro. Esse é um encontro em forma de escrita porque o ato de escrever não tem nada a ver com a solidão. Ainda que esteja solitário o que escreve, ao escrever, escreve com tanta gente! Acontece na escrita uma certa relação com o mistério. Ao escrever, o que escreve, escreve sobre o que ele mesmo não conhece, pois só se torna conhecido depois de escrito. A escrita está na dimensão do infinito, é uma desleitura. É escrita quando é sobre o que não foi lido no que foi lido, quando transcende o lido e passeia para além dele, sem repeti-lo, permitindo estar no presente o que não esteve na leitura. A escrita pode ser uma experiência metafísica quando deslê o lido para que algo se faça presença, quando rompe com a lógica da explicação, postura arrogante que a tudo apequena e se lança na lógica da infância, que tudo deseja saber. Escrever tem a ver com namoro. O enamorado se envolve, com ternura acaricia a ideia, a beija demoradamente, a saboreia e a faz linda, sentida e querida. Escreve como quem canta, como quem sente um perfume e sai do chão por suas notas. A cada amor, a mirada é nova. Mudam as ideias, os autores, o olhar se faz novo de novo e o enamorado inventa novas canções, experimenta outras carícias. A escrita tem a ver com sair escondido para um encontro fortuito com uma ideia profana. É escapar do comum dos dias, do cansaço das frases feitas, do que já se sabe, do que já não dá mais ganas de ter. É ir ao encontro do que não cabe nas interpretações permitidas, é uma traição. Escrever tem a ver com o vinho, bom companheiro que solta as amarras, faz dançar com leveza. Aquece e faz rir, ou chorar, demasiado atento ao que de fato se sente, se vive, se é. É um convite, é sedução. Um encontro. E quando acontece se inscreve na vida, de si de noutras. Tem a ver com tatuagem, sai de si e se mostra, dependente do outro que desenha e do outro que vê, dialoga com o infinito de dentro e de fora. Marca, identifica, é. Dentre as muitas possibilidades de ser, é. Faz imortal o mortal momento do enamoramento com a ideia que um dia foi a razão do olhar. Com um tu nos lábios (BUBER, 2001), minha escrita abraça a prática, toca os meninos e meninas que, com paixão, me arrebataram de mim, me geraram outra e me convidaram a caminhar. Deslida nessas 13 linhas, que talvez nem sejam mais só sobre as olimpíadas de filosofia, posto que são também sobre o que elas fizeram comigo. No início, a pesquisa tinha outro título, eu imaginei que estava no comando e que eu escreveria sobre esses encontros filosóficos chamados olimpíadas de filosofia. Criei para o trabalho um título determinante que dizia o que elas eram: Educação filosófica, subversão e emancipação no encontro dialógico proposto nas Olimpíadas de Filosofia. Brincalhona, menina saltitante, a escrita foi me dizendo para crescer e virar criança (MANOEL DE BARROS, 2015) e me chamou para a roda, para cirandar. Na roda, outras crianças, um monte delas, e foi então que tudo girou bonito. E a escrita já não era sobre as Olimpíadas de Filosofia, mas sobre as olimpíadas de filosofia do Rio, sobre a sua bossa, sobre o que elas me convidaram a pensar na ginga da roda, brincando comigo. Um convite para uma experiência, um passar perigo juntas (LARROSA, 2014), elas e eu, nessa escrita. Para pensar conceitos, criá-los, dialogar com eles, filosofar. Na roda cabe todo mundo e na roda a gente se olha nos olhos, joga, conversa, dança... Entrando na avenida... Na experiência cotidiana de entrar numa sala de aula como professora de Filosofia, muitas questões me acompanham: Por que devo entrar? Alguém me convidou? Os que estão na sala de aula querem que eu entre? Quem são essas pessoas? São obrigadas e por isso estão lá ou mesmo obrigadas, me aguardam e me convidam? Querem me encontrar? Sabem por que estão ali? Querem estar? Quais são suas questões e interesses? O que pensam? Quem me dá o direito de entrar? Um diploma? O que diz meu diploma? Diz de mim? Diz quem sou? Diz o que sei? Diz o que devo fazer? O que devo fazer? Quem me dá o direito de entrar numa sala de aula: um saber ou um não saber? É uma relação ao saber e ao não saber? Ou uma relação de saber com o não saber? O que sei? Quem disse que sei o que sei? O que sei é o que deveria saber? O que eu deveria saber? O que sei é o que interessa saber? O que interessa saber? O que estou fazendo ali? Vou ensinar a aprender? Ou aprender a ensinar? Convidar a pensar junto ou pensar sozinha diante de uma plateia? A quem importa o que penso? O que penso? Penso? É possível pensar com hora marcada? Eu quero pensar sempre, a toda hora? Os que estão ali querem pensar comigo? Querem pensar? É possível pensar na escola? Ou se pensa melhor fora dela? Só se pensa na aula de Filosofia? Pensa-se na aula de Filosofia? Para que pensar? Pensar faz mais feliz ou mais infeliz? Pensar ajuda a viver? Arruma as ideias? As ideias precisam ser arrumadas ou bagunçadas? Precisamos 14 de Filosofia? É preciso salvar as pessoas de sua pobre condição de ignorância? São mesmo ignorantes? Ou precisamos da ignorância e dos supostos ignorantes para nos salvar da condição de pretensos sábios? As pessoas que estão numa sala de aula querem ser salvas? A Filosofia salva? A quem? De quê? Condena? A quem? A quê? A Filosofia é a história das ideias que os filósofos pensaram? É preciso mesmo conhecer as ideias geniais de homens iluminados que pensaram mais bonito, com mais profundidade? Pensaram? Seu pensamento é mais bonito? O que é um pensamento bonito? Quem pensa bonito é sábio? Os filósofos são sábios ou técnicos do saber? Ou técnicos do escrever? Escrever é saber? Saber é viver? É possível saber sem escrever? E escrever sem saber? Só os filósofos sabem? Merecem ser conhecidos e repetidos? Por que esses homens e não outros? Por que não mulheres? Por que, em geral, homens mortos? Não há filósofos vivos? Aqui? Por que não as ideias dos que estão sentados em minha sala de aula? Por que não as ideias dos que estão nas praças e nas ruas? Dos que estão em casa? Nas fábricas, no campo? Dos rappers? Dos poetas da quebrada? Dos bares e do samba? Por que não as minhas ideias? Tenho ideias? As ideias têm dono? São de alguém? Onde estão? Existem ideias que nunca foram escritas? Só são filosóficas se forem escritas? Que ideias merecem ser conhecidas? O que conhecemos? Sobre o que pensar? Por quê? Ao ensinar e ao viver uma vida ensinante, não pensamos demais e amamos de menos...? Amar como Sócratesa Alcebíades, não com um amor pessoal, mas o amor pelo modo de ser de Alcebíades no mundo, que é também um amor pelo mundo, um cuidado com que o outro cuide de si, para que, cuidando de si, cuide também do mundo (KOHAN In: MASSCHELEIN, SIMONS, 2014). E ainda, um amor por um modo de ser no mundo, como uma força geradora de um tipo de existência ou de vida comum, uma filosofia como pedagogia (ibid, 2014, p. 213) mais possível pelos afetos que pela razão. Não seria a educação um modo de amar o mundo? E a filosofia um amor pelo modo de amar o mundo? Mas, o amor é uma palavra obscena demais para habitar a escola e a academia (PENAC, 2010), antimetafísica demais para se perder em afirmações de outra ordem que não a do cotidiano dos encontros, das possibilidades do ser nos seres. As questões que trago para essa escrita não são novas e não são só minhas, são partilhadas por aqueles que pensam a filosofia como educação e a educação como filosofia, aqueles com os quais a filosofia fez alguma coisa enquanto faziam alguma coisa com ela. Por aqueles que, ensinando filosofia, se encontram diante da impossibilidade de continuar a viver como estavam vivendo antes (KOHAN, 2014). O incômodo da reprodução sem sentido de pensamentos distantes, de uma realidade exclusivamente europeia, sempre me acompanhou. Ao mesmo tempo, a presença do outro, seja de onde for, como um outro com suas perguntas, me assedia diariamente. Rejeitar o outro não 15 me agrada, pois, o diálogo autêntico não escolhe interlocutor (LANGÓN, 2001). Repeti-lo tampouco, pois há muitas vozes a serem ouvidas enquanto outras se impõem. É preciso estar atento, numa atitude de reverência, para ser capaz de ouvir o que a realidade pode ou quer dizer, revelar. Não é sempre que conseguimos ouvir ou ver. A filosofia é um exercício de atenção e reverência ao que pode ser revelado na vida vivida na perspectiva da abertura, como um exercício de si para o diálogo com o outro, consigo, com o mundo, com o todo. Um diálogo que tem no encontro a sua condição. A relação entre diálogo e encontro parece circular. Porque o diálogo exige encontro, mas também gera encontro. O que está primeiro? Qual o sentido de um e do outro? Há também muitos tipos de encontros. Aqui nos interessa o encontro como um acontecimento, um evento, uma aparição livre, não dominada ou determinada por nada além de si mesma. O encontro como o que exige a humildade enquanto suspensão das certezas, a declaração do não saber e a hospitalidade como relação à alteridade e singularidade do outro, em seu ser, teimosamente, não eu, sem lhe perguntar antes o nome (DUFOURMANTELLE, 2003). Encanta-me a potência do encontro, o seu perigo, a sua novidade e a incerteza que o cerca. Mais que pensar o que ensinar, habita-me a reflexão sobre o que acontece quando nos colocamos frente a frente para dialogar, o colocar-se com, no entre (BUBER, 2001). A filosofia é um diálogo exigente, excitante, divertido, alegre e potente. Um diálogo com o outro que pode ser um texto clássico, uma imagem, uma canção, uma circunstância, outra pessoa, eu. Um diálogo que convoca, exige cuidado, atenção, hospitalidade e humildade. Exige também amizade e alegria brincante, coragem do risco e atrevimento para sair do lugar. Como a política é a primeira tentação de um professor de filosofia (KOHAN, 2009, p. 23), em muitos momentos, pode ser entendida como a missão transformadora de uma sociedade conturbada pelas injustiças e desigualdades sociais e intelectuais, uma atividade libertadora, salvífica. Ensinar a pensar para promover a alteração da ação na pólis atribuía sentido para o meu cotidiano docente. Uma atuação eminentemente política, entendendo que pensar liberta e salva da condição de obediência à ordem estabelecida que, no Brasil, ainda é injusta e cada dia mais preconceituosa e excludente, após o golpe de 2016. A salvação pelo pensamento é muito atraente para quem luta por um mundo mais bonito para todos! Mas, essa concepção é perigosa para a filosofia porque pode se tornar dogmática e impedir de problematizar a própria filosofia e a atividade docente. Coloca o outro numa condição inferior, do ainda não tocado e não salvo pela filosofia e pela educação, por isso, infeliz e pobre. Coloca a filosofia por cima da educação. Tapa os ouvidos e os olhos para os saberes outros enquanto incensa alguns próprios, impedindo de lançar sobre si as perguntas que lança a outros. 16 Não é tarefa fácil abandonar o ideal político/salvífico da educação e da filosofia. Mas, urge dialogar com ele, pois, se, há tanto tempo, tantos fazem pela filosofia e pela educação, pensando saídas, métodos, projetos, currículos, por que ainda não alteramos o curso das coisas e ainda colhemos incompreensões, injustiças, exclusão e tantas formas de um viver triste? Seria a escola um espaço propício para afetos tristes? O que fizemos dela? Encerrada na técnica do saber e do pensar, teria abandonado a potência do viver? Condenada a produzir consumidores, tem a tristeza fria das fábricas e dos bancos? Por que parece que a educação escolarizada diminui a potência de ser? Talvez por que os processos formais de educação tendem a desconsiderar as potências singulares e sustentar a universalidade moralizadora em detrimento dos afetos? Em sua leitura spinozana da educação, Juliana Merçon analisa três mitos da educação, entre eles, o mito da falta, que nos leva a crer na ilusão que nós mesmos criamos acerca da universalização de um dever ser em detrimento das potências singulares. Atrelados a essa ilusão, seguimos, pela educação, afirmando nossa impotência e a distância entre as naturezas e suas potências, enfraquecendo o desejo: Neste sentido, ao dividir as pessoas entre aquelas que possuem saber e poder e aquelas às quais saber e poder faltam, a educação ensina que o desejar não se explica pela potência de cada uma, mas, ao contrário, por nossa impotência. Ao criar distâncias e prometer reduzi-las, a educação fundamenta seus esforços no mito da falta e no desejar passivizado que lhe acompanha. Assim, nosso desejo passivo, ao atribuir a uma força alheia o poder de preservar-nos, atesta nossa própria impotência, e aceita como explicação dos nossos gestos um suposto vazio, no qual deveria haver certas formas de saber-poder. Ao crermos, sem verificarmos através de nossas próprias forças, que aquilo que a educação prescreve como sendo útil para a atualização de nossas potências de fato o é, afastamo-nos de nosso pensar ativo e revestimo-nos por impotências. A falta que é produzida pela educação em seu desejar passivo e passivador distancia-nos de um viver ético no qual o desejo configura-se como pura positividade, como afirmação de suas potências, como um sim que expressa – e só pode expressar - aquilo que é. O aprendizado afetivo que ocorre em um viver ético nada tem a ver, portanto, com o preenchimento de uma lacuna. O que move o desejar ativo ou devir da ética é o encontro com nossas próprias forças e nosso intento de seguir ampliando-as, unindo-nos, em amizade, a outras potências com as quais intensificamos a atividade de nosso pensar (MERÇON, 2007, p. 107). Para Spinoza, os afetos são afecções do corpo pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada (SPINOZA, 2018, p. 98) e o corpo é entendido como uma potência em ato, uma força de existir. Somos corpos que coexistem, existimos com outros corpos, outros seres e, por isso, somos relações constantes, afetamos e somos afetados. A noção de afeto remete-nos, assim, à noção de encontro, o que nos permite pensar a educação como a arte do encontro: um aprender sobre o que diminui nossas forças ou nos potencializa (MERÇON, 2007, p.22). Pensar a educação como a arte do encontro é habitá-la filosoficamente, numa atitude de atenção aos afetos. Spinoza chamaria de bons encontros os afetos alegres, porquesão aqueles 17 que nos abrem para o mundo e abrem o mundo para nós, aumentando nosso conatus2, favorecendo uma atitude de diálogo e de amor ao mundo. Os afetos tristes são o que acontece quando uma afecção nos leva a uma condição de menor potência, diminuindo nosso conatus, nossa força de existir, de ser e de atuar, são maus encontros, são aqueles que fecham o mundo para nós e diminuem em nós a capacidade de amar o mundo e de se comprometer com ele. O conceito de imanência em Spinoza (2018) permite um diálogo com o conceito de encontro em Buber (2001) como acontecimento em ato, no sentido da atenção ao sagrado que acontece no aqui. Ao compreender Deus como a única natureza e causa imanente, não transitiva de todas as coisas, Spinoza afirma que tal natureza é a própria vida, causa da essência e da existência de tudo o que existe como atributo da substância única (2018, p. 29). Buber afirma que o ser não está fora da vida, pois fixou morada aqui, e é nos encontros nos quais as partes estão em máxima potência e autenticidade que o ser se revela e só aí se revela: nada abandonar, ao contrário, incluir tudo, o mundo na sua totalidade, no Tu, atribuir ao mundo o seu direito e sua verdade, não compreender nada fora de Deus, mas apreender tudo nele, isso é a relação perfeita (BUBER, 2001, p. 102). Assim, habitar filosoficamente a educação é uma atitude de atenção ao que só pode acontecer nos encontros da vida, in manere, no que está dentro da vida, porque é só o que possuímos: a vida. O conceito Deus aqui é pensado como imanente, substância e potência, como o que é sagrado, não determinado, vibrante, pulsante, que garante e potencializa a existência. Essa percepção do sagrado da existência está também presente no conceito africano de axé, força que permite a realização da vida, que assegura a existência e possibilita os acontecimentos e transformações no momento em que acontecem (LOPES, 2015, p.26). A educação formal e o cotidiano escolar encerrado nela, parecem desperdiçar as existências, calar vozes e impedir devires, fomentando um individualismo diminuído da potência de afetar e ser afetado, descomprometido com a responsabilidade e a alegria do viver com, porque baseado na afirmação das impotências e nas distâncias como garantia da segurança das relações de poder. Os afetos primários, o afeto alegre e o afeto triste são a fonte de todos os outros e a mente tem a potência de se alargar e de pensar tanto quanto mais afetada pela alegria, enquanto abertura da potência de ser, for. Lipman apontava para essa questão, afirmando que A maioria das crianças, independente da formação que tenha, entra no sistema educacional atenta e ávida por aprender, curiosa e confiante. Mas muitas delas acham o processo sem sentido na medida em que percorrem o sistema e, quando isto acontece, tornam-se, progressivamente mais apáticas e sem esperança. Por 2 Conatus em Spinoza é a essência do ser enquanto esforço, movimento para perseverar no seu ser (Ética III, proposição 6). 18 consequência, a cada ano, o sistema escolar despeja no mundo dos cidadãos adultos um vasto número de indivíduos que ignoram os mecanismos da sociedade em que têm que participar, que são céticos de suas tradições e cínicos em relação a seus ideais. Não podemos nos resignar com isso (LIPMAN, 1990, p. 66). Se entramos ávidos e alegres e saímos céticos e tristes, há algo de errado nesse processo de afecções. Mas, curiosamente, é nesse processo que também surgem as questões mobilizadoras de tantas vidas que, não resignadas, criam, inventam, resistem, pensam e agem, são afetos ativos, e por isso, vidas e escritas que são esforços para a aumentar a potência de ser de si e dos outros. Se não alcançamos, pela filosofia e pela educação, o mundo melhor que nos esforçamos por construir, é talvez porque não saibamos nem sobre nós mesmos e o que nos aumenta a potência de ser, nem sobre o mundo, ou talvez porque estejamos mergulhados demais numa perspectiva teleológica que nos faz esperar a terra prometida ou o final do labirinto, pela racionalidade científica, quando talvez só tenhamos o labirinto. Resta-nos atravessar o rio, como na sábia pérola do pensamento taoísta, ‘A alegria dos peixes’: Chuang Tzu e Hui Tzu atravessavam o rio Hao, pelo açude. Disse Chuang: Veja como os peixes pulam e correm tão livremente: isto é a sua felicidade. Respondeu Hui: Desde que você não é um peixe, como sabe o que torna os peixes felizes? Chuang respondeu: Desde que você não é eu, como é possível que saiba que eu não sei o que torna os peixes felizes? Hui argumentou: Se eu, não sendo você, não posso saber o que você sabe, daí se conclui que você, não sendo peixe, não pode saber o que eles sabem. Disse Chuang: Um momento: vamos retornar à pergunta primitiva. O que você me perguntou foi: como você sabe o que torna os peixes felizes? Dos termos da pergunta, você sabe, evidentemente, que eu sei o que torna os peixes felizes. Conheço as alegrias dos peixes no rio através de minha própria alegria, à medida que vou caminhando à beira do mesmo rio. Chuang-Tzú - (China, Séc. VI a.C.), (BUZZI, 1972 A escola, como o rio, porque viva, provoca questões, convida ao que não pode ser dominado pela racionalidade cientificista, à não seriedade, ao sagrado, ao não comum, ao próprio do espírito, ao riso, a alegria, ao que não pode ser medido, controlado, ao acontecimento. Alguns acontecimentos na escola são afetos alegres, aumentam a potência de ser, faz mais alegres as pessoas porque mais capazes de agir em suas singularidades. Mas, como saber o que faz as pessoas alegres? Caminhar pelo cotidiano da educação filosoficamente (com a atenção própria da filosofia, à espreita) talvez seja a chance de perscrutar a alegria humana, através da nossa própria alegria. Perscrutar o que seja o humano em sua singularidade como percurso ético, com atenção, talvez seja o motivo de estarmos todos nessa travessia. 19 Um encontro potente3 Caminhando pela educação, interessada pelas viagens como filosofia, atenta aos encontros como oportunidades de deslocamento do pensar (KOHAN, 2015), em 2011, no Uruguai, conheci dois professores que iniciavam um projeto de diálogo entre estudantes e professores do Brasil e do Uruguai, que me pareceu vibrante, um convite a brincar, um convite a caminhar, um convite a atravessar os muros das escolas, as paredes das salas, as fronteiras entre países, um encontro potente: uma olimpíada de filosofia. Mas, o que seria uma olimpíada filosófica? Poderia a Filosofia ser olímpica? Uma competição de excelências de pensamento? Quais seus fundamentos, qual sua origem, a que se propõe, a quem interessa? Que contribuições poderia trazer para a educação e para filosofia? Acostumada às olimpíadas promovidas pela educação em suas diversas modalidades: de matemática, de língua portuguesa, de física, imaginei uma competição sobre os saberes filosóficos, mas quais seriam? Quem os avaliaria? O que seria privilegiado nessa avaliação? A retórica, a lógica, a estrutura dos textos? Os textos? As posturas? Seria um jogo? O que estaria em jogo? Curiosa, coloquei-me aberta para este encontro. Numa atitude de escuta, aceitei o convite e levei sete alunos da escola pública na qual trabalho (Colégio Estadual D. Pedro II, Petrópolis, Rio de Janeiro) para a experiência de uma olimpíada de filosofia, em outubro de 2011, em Porto Alegre. Estavam na segunda edição chamada de latino-americana que reuniu alunos e professores do Rio Grande do Sul e de algumas cidades do Uruguai, além de um professor de São Paulo com alguns estudantes, um encontro pequeno, de modo especial, entre alunos de dois professores: Sandra Tejera e André Pares, mas que fora chamado de latino- americano como uma proposta seminal. Observei que não havia competição, mas colaboração na discussão de um tema. Então,por que o nome olimpíada? Ainda que o ideal olímpico grego remeta à máxima homérica “ser sempre o melhor”, que exprime o espírito competitivo dos helenos, a competitividade favorecia um ideal democrático no sentido em que derivava basicamente da concepção de que todo ser humano possui a capacidade de se defrontar com seu semelhante e mostrar sua excelência. Além e acima da superioridade de nascimento ou riqueza, os helenos acreditavam na igualdade de direitos, o que é confirmado pela participação de atletas de todas as partes do mundo helênico sem discriminação nos jogos olímpicos (CABRAL, 2004). Seriam as olimpíadas gregas uma expressão mais democrática que a própria política grega, que era aristocrática e excludente? 3 No sentido de Spinoza, uma potência alegre. 20 Seria esse o motivo daqueles professores manterem esse nome? Estariam deslendo e relendo um conceito? Reconstruindo uma ideia? Segundo Stephane Douailler, o olimpismo que conhecemos hoje reivindica aproximações com a filosofia nos seguintes aspectos: o fomento das virtudes do citius, altius, fortius (mais rápido, mais alto e mais forte) como valorização da excelência e o espírito participativo de união entre os povos (KOHAN, 2004, p. 186), fugindo do espírito dos famosos concursos filosóficos da modernidade, dos quais participaram Rousseau, Kant e Schopenhauer, que tinham como objetivo a resolução de problemas. Em tais concursos, o principal objetivo não era participar, mas mostrar a excelência na capacidade argumentativa para solução das questões filosóficas propostas. Para Douailler, o movimento de olimpíadas educativas busca ter um caráter mais suave que os concursos, favorecendo uma maior participação e não apenas a premiação dos mais brilhantes, pois, de um lado, possui um caráter popular e uma dimensão internacional que pode atrair comunidades inteiras, de outro lado, desenvolve a ideia gratuita de jogo articulando a busca da excelência por ela mesma, como virtude (KOHAN, 2004, p. 188). Neste ponto, encontrei um caminho interessante para pensar as relações entre as olimpíadas e uma atividade educativa filosófica, não competitiva: as virtudes fomentadas nos encontros olímpicos. Quais seriam? Seria este o motivo da manutenção do nome olimpíada a esses encontros de educação? De experiência? De filosofia? Em tempos nos quais persiste na educação a premiação dos melhores nos rankings universitários, nas qualificações, nas provas internacionais, numa perspectiva reducionista dos saberes e num embrutecimento das possiblidades de invenção, onde são premiadas e reconhecidas as reproduções que mantém as diferenças educacionais e sociais, em muitos momentos, embotando a própria ciência, seriam as olimpíadas uma subversão? Uma resistência? Uma re-existência? Uma invenção de modos de fazer educação em tempos de empreendedorismo de si, nos quais tornamo-nos investimentos para nós mesmos? Para responder a estas perguntas, foi necessário compreender melhor o movimento internacional de olimpíadas de filosofia. Qual a sua origem internacional e quais as outras versões? Há uma olimpíada de filosofia ou há olimpíadas de filosofia? O que elas vêm gerando e potencializando nos caminhos da educação e do ensino de filosofia? O que tais encontros fizeram acontecer? Quais seus limites? Quais dificuldades oferecem? O que acontece? Quem se atrai por esta experiência? Quem seus são atores e o que pensam? Aos poucos, foi assim se desenhando uma pesquisa com as olimpíadas de filosofia como foco. Comecei a pensar sobre os encontros que as olimpíadas de filosofia proporcionam e fomentam e fez-se necessário também buscar entender as concepções de filosofia e de 21 olimpíada de filosofia que pressupõem. Como essa escrita foi acontecendo na rotina da vida docente, não foi possível me deslocar aos países e estados nos quais acontecem encontros com o nome de olimpíadas, com exceção da Colômbia, quando tive oportunidade de entrevistar o professor Diego Piñeda, por ocasião do XIX ICPIC em julho de 2019, as demais olimpíadas foram sendo conhecidas através de registros e textos publicados. As perguntas sobre as olimpíadas foram aparecendo ao longo do caminho da pesquisa, nas apresentações de comunicações em congressos e nos diálogos com colegas envolvidos nas atividades que, com as vivências com seus alunos, foram contribuindo para questionar o percurso. O caminhar então foi mostrando o caminho (GROS, 2010) e a tese já não era sobre todas as olimpíadas de filosofia, pois seria necessário estar mais próxima como pesquisadora, mas sobre o que, juntos, meus colegas, tantos meninos e meninas e eu estávamos inventando no Rio de Janeiro. Estar envolvida no objeto de pesquisa tem suas dores e amores. Amor, condição do filosofar, impulsiona, aproxima, move, apaixona, é bom demais! Mas também nubla o olhar sobre o amado, encobrindo seus defeitos e deixando escapar o cru, essencial para conhecer (GROS, 2010). Então, convidei colegas e alunos para escrever sobre sua percepção acerca das experiências que tiveram4. O tom abarca mais que a construção teórica, abraça os afetos. É uma escrita convite para outras escritas sobre o que estamos inventando nessas viagens. É o começo de uma história que terá outras tantas páginas. Por serem as olimpíadas do Rio uma narrativa em busca de um narrador, esta tese dedicou-se a contar um pouco sobre seu início como uma experiência coletiva de educação filosófica, buscando identificar e refletir sobre os conceitos inspiradores das propostas e das práticas, em especial, o pensamento de Maurício Langón e seus interlocutores. Mas também, buscou estar atenta aos conceitos que o próprio caminhar foi suscitando pensar. Caminhos e pensamentos potentes, alegres ou tristes, sempre encantados. Arrisco-me numa travessia, entre tantas alegrias, com minha própria alegria, traçando essas linhas, quiçá alegres, para poder pensar as olimpíadas de filosofia do Rio, sua história, suas práticas, seus sentidos... Viajar, uma filosofia... Ninguém se torna sábio sem sair de casa, o homem que viaja, descobre e alarga sua compreensão - provérbio da tradição africana Mooyo, que significa vida, força vital (LOPES, 2005). Mesmo sabendo que a viagem, quando é viajeira, viaja por si, assim como uma pesquisa, 4 Todos os nomes citados são reais e todos os participantes consentiram fazer parte da pesquisa. 22 sair de casa é preciso e o sair implica dar alguns passos, escolher ao menos o início do percurso. As escolhas deste trabalho se iniciam com uma viagem a Olímpia na Grécia (no pensamento), numa tentativa de compreensão acerca do que acontecia durante os jogos olímpicos, cerimônias religiosas de efervescência cultural, nas quais eram cultuados valores e cultivadas virtudes que teciam o modo se ser da cultura grega. Essa escolha se justifica diante da manutenção do nome olimpíada para as atividades educativas filosóficas que são o foco dessa pesquisa. Os primeiros passos desta viagem revelaram possibilidades de aproximação entre o que acontecia durante os jogos olímpicos com o que se cultiva nas olimpíadas de Filosofia e despertaram o interesse e a necessidade de analisar obras como as Odes Olímpicas do poeta Píndaro e Descrição da Grécia, de Pausânias, bem como iniciar uma busca pelos relatos sobre os jogos em Platão e Aristóteles, uma vez que aparecem em algumas passagens como um cenário ou uma referência, o que demonstra sua importância para a cultura grega da época e nos permite pensar ecos dessa teia de significados. Deste ponto do caminho, seguimos para uma outra viagem: a que busca percorrer os muitos modos de ser das olimpíadas de Filosofia, começando pela International Philosophy Olympiad (IPO), para analisar suas concepções de filosofia e de olimpíada de Filosofia, na busca por perscrutar as escolhas feitas e suas repercussões para o ensino de Filosofia.Concordando com Cerletti, afirmo que cada ato educativo atualiza um problema filosófico-político fundamental que consiste em como resolver a tensão entre reproduzir ‘o que há’ e dar lugar ao novo e diferente (CERLETTI. In: BORBA, KOHAN, 2008, p. 275). Como formar para o pensamento crítico e autônomo ao mesmo tempo em que se exige e premia a reprodução de saberes chancelados, historicamente situados e eleitos? A hipótese é que essa tensão está muito presente na história das olimpíadas de Filosofia, se fazendo perceptível nos diferentes posicionamentos e gerando um movimento de ruptura e invenção como o ato político-filosófico do professor uruguaio Maurício Langón. Defendo nesta tese que as olimpíadas de Filosofia inventadas a partir de seu pensamento e atuação na educação são uma subversão ao que está (im)posto na lógica da educação formal, que potencializa outros modos de fazer filosofia e educação. O encontro potente com as olimpíadas de Filosofia uruguaias nos leva a conhecer o pensamento de Langón, buscando os fundamentos de seu ato político de resistência. Langón traz em sua formação, além da filosofia clássica, o contato com a proposta de comunidades de investigação de Lipman e referências latino-americanas que são fortes presenças em sua concepção de filosofia, de educação e de olimpíadas de filosofia, de modo especial Vaz Ferreira, Rodolfo Kusch e Enrique Dussel. 23 Este ponto da viagem marca o encontro com o desejo (potência alegre) antigo de estudar filósofos latino-americanos e parece apontar para a possibilidade de, adentrando no pensamento de Langón, e por meio dele, de Vaz Ferreira, Kusch e Dussel, encontrar algumas notas para o engajamento numa outra lógica como exigência para pensar uma educação mais nossa, mais para nossos meninos e meninas latino-americanos. 24 1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE OLIMPÍADA, OS VALORES CULTUADOS E AS VIRTUDES CULTIVADAS NOS ENCONTROS OLÍMPICOS GREGOS 1.1 O que é uma olimpíada? É possível uma olimpíada ser filosófica? A principal questão que se coloca quando se propõe uma olimpíada de filosofia é justamente que relação teria esta atividade educativa e filosófica com as Olimpíadas gregas. Quais as aproximações com o que se fazia na Grécia Antiga? Por que manter este nome? Em que sentido as Olimpíadas são uma referência ou uma inspiração para o que se faz numa olimpíada de filosofia? Uma pergunta primeira me incomoda: Por que voltar sempre à Grécia? Por que não viajamos para outros lugares? Para a África? Para a Índia? Para a América Latina? Foi preciso reconhecer a necessidade de voltar aos gregos, neste caso, porque a atividade educativa em estudo usa um termo grego que remete a um evento específico, com sua historicidade e seu conjunto de significados próprios e se faz necessário saber o que há de grego nas olimpíadas de filosofia, não para reproduzir, mas para refletir, dialogar, questionar, significar, ressignificar, inventar, reinventar, conhecer. Para entender os caminhos possíveis das olimpíadas de filosofia é relevante tentar compreender de onde veio o conceito olimpíada e o que ele abarca para pensar as relações com as atividades educativas propostas hoje com esse nome. Entendendo que há muita literatura e uma quantidade infindável de símbolos e sentidos para pensar a cultura grega e que este não é o objetivo central desta tese, este capítulo tentará perscrutar algumas pistas para a compreensão sociológica das olimpíadas e suas implicações educativas. Não há consenso sobre a data de início dos jogos olímpicos, uma das versões é que teria sido estabelecida pelo sofista Hípias, em 400 a.C., quando fora encarregado, pela cidade de Élida de escrever a história das primeiras olimpíadas. A partir de uma contagem de anos (quatro em quatro), considerando a 75ª olimpíada vigente na época, determinou a data de 776 a.C. como a da primeira olimpíada. Como nenhum traço escrito havia sido conservado, acredita-se que os detalhes fornecidos por Hípias, concernentes aos dois primeiros séculos de existência dos jogos, tenham sido provavelmente inventados. Os jogos pan-helênicos de Olímpia, realizados de quatro em quatro anos, receberam o nome de olympiakoí agônes, para unir as Cidades-Estado gregas e propiciar uma trégua divina, ekecheiria (mãos atadas para a guerra), em que a paz reinasse durante as competições. Existiam, na Grécia, numerosas festas que permitiam exaltar as qualidades físicas e morais dos atletas gregos, o que diferencia os jogos olímpicos é um 25 sentido particular: a afirmação da identidade grega, pan-helênica, que ressaltava uma cultura comum, com uma religião comum, com valores e sonhos reconhecidos e vividos por todos, com mitos e ideais comuns. As olimpíadas celebravam a unidade helênica e a fortaleciam com a manifestação da pluralidade numa celebração comum. Nesta cerimônia religiosa5 eram celebrados os fundamentos do espírito grego que conferem identidade e moldam o corpo social e suas práticas. Os jogos estão profundamente ligados às crenças não apenas religiosas, mas axiológicas, que tecem a sólida teia de significados da cultura grega (GEERTZ, 2008). A análise deste amálgama axiológico é relevante para compreender o que era cultivado nas olimpíadas gregas e nos ajudar a pensar o que está sendo cultivado nas olimpíadas de filosofia, em algumas de suas formas de ser. O valor desses eventos cívicos, os mais grandiosos dentro da dinâmica social da Grécia arcaica, ultrapassa em muito a dimensão puramente desportiva ou de entretenimento, pois o atletismo na Hélade antiga estava estabelecido no contexto da vida cívica e constituía parte indissociável da educação do cidadão: A paidéia, termo helênico, possui um conteúdo extraordinariamente abrangente e profundo: significa o cultivo do homem na sua totalidade e não pode ser dividido em educação física e mental, pois a mente não pode existir sem o corpo e o corpo nada significa sem a mente. Sócrates, a figura espiritual mais representativa do mundo antigo, viveu, inspirou-se e ensinou nos ginásios de Atenas, locais em que os jovens treinavam nus (gymnoí). Era ali que ele admirava a beleza física e a força deles e continuava a exercitar suas mentes (CABRAL, 2004, p.1). Há uma complexa rede de inter-relações religiosas, políticas e sociais, permeando esses acontecimentos e permanecendo como desdobramento deles. As Odes Olímpicas6 de Píndaro (1995), principal legado do poeta grego, nos permitem perscrutar o espírito da época (sec. V a. C.). Sua poesia está ligada aos vínculos sociais e espirituais da nobreza e se dirige ao homem grego, que, entre outras coisas, enobrece sua vida na atividade desportiva. Suas Odes em honra das competições desportivas nos permitem perceber a sociedade à qual se dirigiu sua arte: uma sociedade que está política e economicamente num momento importante de afirmação e crescente bem-estar na ilhas do Mar Egeo, consolidando a unidade, com uma mesma língua, um mesmo estilo de vida unidas espiritualmente pelas representações do divino, ainda que suas estruturas cívicas se concentrem em comunidades independentes e, com frequência, engajadas em conflitos armados. As Cidades-Estado têm como uma das mais destacadas instituições comunitárias a prática dos exercícios desportivos, tradicionalmente vivos desde a sociedade 5 os jogos são uma festa religiosa e justamente por esse motivo deixam de existir em 393, acusados de culto pagão, pelo imperador cristão Teodósio I 6 Odes em honra das competições desportivas e atléticas. 26 heroica da Ilíada e da Odisseia e as competições têm profunda relação com o culto aos deuses que se veem honrados pelas manifestações de força e habilidade dos jovens, além das honrarias prestadas pela arquitetura suntuosa dos templos a eles oferecidos: Todas estas manifestaciones arquitectónicas adquieren su mayor esplendorhumano con motivo de los juegos deportivos, que tienen sentido de servicio y culto a la divinidad. La victoria lograda es señal de que el dios ha aceptado el esfuerzo físico desplegado em el estadio o la palestra como una víctima grata. Las fronteras entre lo profano y lo divino son algo desconocido em ese ámbito de la agonística, que constituye la fiesta griega por antonomasia. [...] Esta fiesta tiene em sí el carácter fundamental de mutua pertinencia, de unión y de conciliación radical (ORTEGA,1984). A história da Grécia antiga está fortemente ligada a história do esporte, pela concepção indissociável entre psiquê e soma, o cultivo dos valores passava necessariamente pelo desenvolvimento das energias desportivas e do culto a elas prestado. Tal culto remontava aos tempos míticos e suas origens mais longínquas. Os heróis olímpicos eram, na crença dos helenos, descendentes dos deuses e a origem dos jogos era atribuída às lendas mais antigas: A relação dos jogos olímpicos com Pélops, o herói sagrado de Olímpia, cultuado em Áltis, antes mesmo de Zeus, era estreita e incontestável. Foi Pélops quem derrotou o rei Enômaos na primeira corrida de carros e o estádio, na sua fase mais antiga, originou-se a partir de seu túmulo, o sagrado Pelópion. Esses dados testemunham que os jogos possuíam um caráter sagrado para os helenos, o que significa que os jogos colocavam os homens em contato com o próprio deus e, por este motivo, eles eram sempre celebrados nos santuários mais sagrados sob tutela do deus: Olímpia, Pítia (Delfos), Neméia, Ístmia (Corinto) (CABRAL, 2004, p.1). As fronteiras entre o sagrado e o profano não existem neste âmbito da agonística e as festas que celebram os esportes estão mais relacionadas ao culto aos deuses que ao estabelecimento de um recorde ou rendimento. O que constitui a festa olímpica grega é a celebração do esplendor humano manifestado nas competições dos jogos desportivos como sentido de culto e serviço à divindade. As olimpíadas eram a celebração do espírito grego, tinham um caráter fundamental de mútuo pertencimento, de união e conciliação radical, além das próprias e individuais estruturas políticas das Cidades-Estado. Ainda que não seja muito clara a origem da agonística desportiva como forma de culto, sua forma mais primitiva aparece também na historiografia como meio de reverência aos defuntos, pois os exercícios e o desenvolvimento das energias juvenis eram sinal do vigor da luta humana para permanecer, para garantir a sucessão do nome da família e a herança dos antepassados, estava estruturalmente inserida na Paidéia e certamente mobilizava os espíritos em formação em direção a um ideal humano, sendo considerada também uma forma de alegrar os mortos com o desenvolvimento das forças dos corpos jovens (ORTEGA, 1995). 27 Não há agón que não esteja consagrado a um deus: a Zeus, em Olímpia e Neméia, a Apolo, em Delfos e a Poseidón, em Istmo, os mais importantes, no entanto, são os de Olímpia, em honra a Zeus. Culto, etimologicamente, vem do verbo latino colo, que significa eu cultivo, de modo especial, estava ligado ao mundo agrário eu cultivo o solo, e cultura, cultivo futuro (o sufixo ura remete ao futuro), o que deve ser cultivado. Esse significado material permanece até a conquista da Grécia e consequente helenização dos romanos, quando assume o significado de Paidéia, ampliando o termo, dando-lhe um sentido imaterial, próximo da educação, num sentido amplo: o que se cultiva no e pelo humano em todos os sentidos (BOSSI, 1996). É importante a concepção axiológica e não apenas religiosa do culto, porque para os gregos não há uma fronteira clara entre as duas concepções, sendo perfeitamente possível dialogar com o sagrado no profano. E, talvez, seja essa a única possibilidade de diálogo, no entanto, tal relação hoje, para nós, é conflituosa. A compreensão que vigora no espírito grego é sobre a unidade que existe entre tudo o que existe: a busca pela arché dos filósofos pré-socráticos indica a busca pela unidade presente no todo da existência. Essa concepção nos é distante, porque situados estamos numa lógica de dissociação, na qual os campos do saber pouco dialogam e até mesmo disputam espaços de poder. Compartimentamos o saber e assim, sabemos menos, compreendemos menos. Retornar à Grécia para compreender o que se cultivava naquela sociedade nos convida a refletir sobre nossa própria concepção das relações entre corpo e alma e entre sagrado e profano. El precedente inmediato de los físicos de Mileto son los poetas-teólogos, cuyas obras presentan sin embargo notables puntos de contacto en el pensamiento de los primeros filósofos. La teogonía de Hesíodo, por ejemplo, no propone sólo un origen de los dioses, sino también del mundo. No obstante, lo que permite hacer de Tales el primer filósofo y lo distingue de los poetas-teólogos, es que se mueve en un nuevo plano, el plano de la razón, no el del mito. Esto no quiere decir que Hesíodo, y más en general los poetas-teólogos, no usaran la razón, ni que en Tales o los posteriores filósofos el elemento mítico esté ausente, sino que en aquéllos predomina el elemento fantástico, mitológico, mientras que en Tales y en los jonios la razón o logos prevalece. Prueba de ello es que, aun moviéndose en un horizonte especulativo en parte semejante, cosmológico, los poetas no se proponen individuar el primer principio absoluto de todo lo real, sino más bien transmitir la generación del cosmos. Para los jonios, por el contrario, la búsqueda del principio (arjé) constituye la cuestión central de la que parte su especulación [...] pero, en todo caso consideran que tal principio debe ser único (YARZA,1992, p.25-26). Para os atomistas, a diversidade das coisas procede dos átomos que se movem no vazio e quando se juntam, produzem geração e quando se separam, produzem corrupção. São eles os elementos constitutivos de toda a realidade e seu movimento a justificativa de todos os fenômenos, inclusive o conhecimento. A alma e o corpo são constituídos de átomos, assim, o conhecimento intelectual não difere substancialmente do sensível e por isso, não é possível 28 pensar uma superioridade da alma sobre o corpo antes de Platão. É neste espírito que os jogos se desenvolvem, dentro de uma lógica da unidade. Segundo Julián Marias (2004), o heleno se encontra num mundo que existe desde sempre e é interpretado como natureza, como princípio, como pressuposto. O mundo é algo ordenado e submetido a uma lei, o cosmos. Assim, a razão se insere nessa ordem do mundo, bem como as relações humanas e as relações com a divindade. Tudo está submetido à natureza ordenadora, tudo é um. Os jogos atléticos eram apenas uma das competições, as disputas de músicas também eram celebradas nos santuários e as atividades esportivas eram executadas ao som das músicas, há registros sobre a presença de flautistas acompanhando o movimento dos atletas para garantir que sejam desempenhados com harmonia e ritmo, uma vez que o ritmo era considerado condição necessária para o desenvolvimento do corpo e da mente: Talvez não seja demasiado enfatizar a significação especial que os helenos atribuíam à música; música instrumental e canções acompanhavam frequentemente a dança, que era, segundo Platão, a manifestação humana propriamente dita que unia o homem à divindade e o distinguia dos animais: “Os outros animais não têm o senso de ordem nem de desordem nos movimentos, os quais denominamos ritmo e harmonia”. Isso significa, continua Platão, que o homem que não sabe dançar (akhóreutos) é desprovido de educação (apaídeutos), ao passo que o homem educado (pepaideuménos) é aquele que sabe dançar e cantar. (CABRAL, 2004, p. 58). É importante tentar adentrar, considerando todas as limitações de compreensão, neste espírito grego para compreender o que entendiam por educaçãoe o papel do esporte e das olimpíadas, enquanto atividade base dessa sociedade, na construção de um ideal humano. Esse ideal, exposto na agonística, pressupõe a valorização do superior, pois quanto mais forte e excelente, mais perto dos deuses, necessariamente livre para desenvolver e mostrar seus méritos, suas responsabilidades e seu direito de participação na vida pública, pois só os livres poderiam se dedicar a desenvolver seus talentos e serem educados para a plenitude humana. Quais são os valores cultuados nas celebrações olímpicas e, por isso, cultivados na educação da sociedade grega? Quais as possíveis aproximações com o espírito filosófico das olimpíadas de filosofia? 1.2 O culto a Zeus Olímpio em suas esferas de atuação Basileus, Tropáios e Xênios Os jogos olímpicos aconteciam em culto ao Zeus Olímpio, uma das esferas de atuação de Zeus, deus celeste, de poder supremo, que congrega a potência do deus-rei (Vernant, 2006, p.34). Zeus tinha um leque de qualitativos, tanto na vida política como na doméstica, a saber: Zeus Aithérios (céu claro), deus dos fenômenos atmosféricos, Zeus Ombrios (que propicia a 29 tempestade) era evocado como propiciador da chuva, Hyetios (chuvoso), IKmaios (da umidade), Oúreos (propiciador dos ventos) e Euamenos (dos bons ventos), Kataibates (descido) era referente aos raios que vinham dos céus. Tais evocações estão relacionadas à sua esfera celeste, mas Zeus também atuava na esfera ctônia, nos domínios do mundo inferior, pois tais dimensões eram indissociáveis para os gregos, com as evocações de Zeus Meilichios (apaziguador, gentil), o que propiciava purificação, acalmando o que oprime, Zeus Hikésios (dos suplicantes), era o que propiciava purificação após um ato de violência, o que atendia aos hiketés (aquele que vem), Zeus Philios (amigável) era cultuado nas cerimônias domésticas da amizade, Zeus Ktésios (das posses) era evocado como guardião das riquezas da família e Zeus Herkeios (do pátio) fecha os domínios do território (BURKERT, 1993 In: LAKY, 2011). Como soberano, Zeus presidia relacionamentos cívicos e sociais, como Zeus Polieus, e Zeus Agoraios, preserva a ordem e supervisiona os sistemas políticos, ligado ao sistema judicial, protegendo a cidade da tirania. As leis vêm de Zeus e os homens que administram a justiça, a ele estão submetidos, logo, a justiça só é possível porque um deus a mantém sob seu poder. Zeus Xênios protege e orienta as relações de hospitalidade entre os estrangeiros, cuidando das relações entre pessoas que não se conheciam antes. Xênios é o propiciador do acesso à casa que é estranha e sua salvaguarda. Zeus Eleuthérios (libertador) é evocado como libertador divino da tirania dos opressores e Zeus Pater, não por ter gerado os homens, mas por exercer autoridade sobre eles. É reverenciado nas batalhas como Zeus Tropáios (derrota, destroços), o guerreiro, e, na narrativa de Homero, é Zeus Basileus (combatente de vanguarda, que empunha o cetro), aquele que leva o trovão na sua mão direita. Como Panonphaiós é Zeus o autor de todos os presságios (LAKY, 2011). Segundo Vernant (2006), há papéis de Zeus que tem mais proximidade com o culto olímpico: Zeus Basileus, expressa a soberania de Zeus no Olimpo, ressalta a ideia de que somente um deus pode garantir a justiça entre os homens, ou seja, há a necessidade de algo que seja transcendente aos humanos que os una, garantindo sua unidade e as boas relações entre eles. Não necessariamente um deus, mas algo que una as pessoas em torno de si, que faça cessar as diferenças e possibilite relações de justiça. Zeus Tropáios, de caráter militar e combatente, ressalta o espírito agônico. E aqui é muito importante entender Agón, pois os jogos olímpicos são expressão do espírito agônico grego e Agón tem vários significados que permitem uma análise curiosa: é um substantivo derivado do verbo (empurrar, conduzir, incitar), que significa também assembleia, reunião, encontros para coisas públicas, lugar para jogos públicos, esportes, lutas, combates, processo, momento crítico, risco, perigo. E ainda, em retórica, significa o argumento principal. Na 30 comédia grega, representa o momento do debate entre dois personagens principais (daí deriva- se a palavra protagonista) apresentando pontos de vista opostos até o esgotamento da argumentação (LEMAIRE, 2013). E Zeus Xênios, protetor dos estrangeiros e assegurador da hospitalidade, protetor dos deveres da hospitalidade, mediador e protetor das diferenças, aquele que garante o principal elemento da pan-helenidade: a pluralidade, o encontro dos diferentes nos jogos pan-helênicos, e era também o que punia a todos os que não soubessem ser hospitaleiros com o visitante, pois este poderia ser um enviado dos deuses ou mesmo um deus disfarçado. Como vimos anteriormente, o evento olímpico não se reduzia ao desporto e ao entretenimento, mas, como manifestação cultural, conferia identidade e unidade aos que dele participavam e ao helenismo de modo geral. Inicialmente cultuado em Olímpia, o Zeus Olímpio, pela convergência que os encontros olímpicos propiciavam, passou a ser cultuado em outras cidades também, e seu culto difundia os valores das três dimensões mais próximas a esse culto: a soberania do povo grego e a busca por um ideal de humanidade (Basileus), seu espírito agônico e público manifestado nas reuniões para a discussão dos argumentos (Tropáios) e a hospitalidade em relação aos visitantes, a acolhida das diferenças e a reverência ao mistério do estrangeiro (Xênios). Esses valores fomentados no culto a Zeus nos jogos olímpicos são uma aproximação para pensar as olimpíadas de filosofia. A ekecheiria ou trégua sagrada, acordada entre as Cidades-Estado, faz de Olímpia um lugar sagrado e quem ousasse entrar nela, nestes dias de jogos para guerrear era considerado sacrílego. Os jogos tinham como regulamento a suspensão da hostilidade para que todas as pessoas pudessem se dirigir de forma pacífica para Olímpia e todas as fronteiras eram abertas. O Zeus Xênios, propiciador da hospitalidade cuidaria de suspender as diferenças entre as pessoas. Proibidas as armas, as atividades guerreiras deveriam cessar. Parece-me que neste ponto se afigura que, nos jogos olímpicos, as competições não eram belicosas e que seus objetivos fomentavam não a derrota e a disputa, mas a virtude, de modo especial da hospitalidade e do reconhecimento do outro, do estrangeiro que vem ao encontro. Um outro espírito parece se configurar: a excelência buscada não era a ostentação da superioridade de um sobre o outro, uma vez que se vivia um período de trégua e as mãos estavam atadas para o combate, o que se buscava então, era a manifestação em comum, da excelência da cultura grega, a celebração do melhor de si, do ideal de humanidade culturalmente instituído. Os preceitos délficos, na interpretação de Defradas, segundo Foucault, seriam imperativos gerais de prudência (phrônesis), virtude necessária para a relação do sujeito com a verdade. O gnôthi seautón (conhece-te a ti mesmo) seria o princípio que orienta a cada um a 31 lembrar-se de sua condição diferente dos deuses para saber-se limitado e não contar demais com as próprias forças. O medèn ágan (nada em demasia) indicava, ainda segundo Defradas, a conduta sem excessos, nas demandas, na maneira de conduzir-se e nas esperanças. Sobre as cauções, um princípio de cuidado em relação às promessas e seus riscos (2010, p.6). Uma primeira análise de tais preceitos como presentes no espírito olímpico, parece apontar para uma postura não arrogante dos atletas e demais participantes do evento, já que não seria honroso vencer sem virtude. O gnôthi seautón preveniria de uma opinião exagerada sobre os próprios méritos, fonte da prepotência e favoreceria a busca pela excelência humana, não individual, mas grega, entendida como universal. O exercícioreflexivo de diálogo histórico que intentamos neste capítulo exige que consideremos que nossa teia cultural competitiva, centrada na ideia (ilusória) de indivíduo como empresa de si, nos distancia da compreensão de ideais comunitários que exaltam as virtudes humanas, não o indivíduo. Essa distância torna difícil pensar como entendiam essa competição, que era também política, ao ressaltar a coisa pública, o congraçamento, sem imposição do melhor em detrimento do outro (da outra cidade), mas do melhor do humano, uma exaltação da humanidade na comunidade a partir da capacidade de hospitalidade e reverência pelo sagrado no outro (uma vez que podia ser um deus disfarçado). O altar de Zeus estava em um lugar atingido por um raio que tinha sido lançado pelo deus do seu trono no alto do Monte Olimpo, onde os deuses se reuniam. Assim, reunir-se neste local era buscar estar próximos da noção de máximo, uma aspiração humana, ser o máximo humano possível é estar mais perto da deidade, exigir de si o máximo é aproximar-se dos deuses, é um caminho virtuoso. Em homenagem aos deuses, os gregos dedicavam-se a mostrar sua excelência, como manifestação de reverência. Dar o melhor de si nas modalidades esportivas era uma espécie de oferenda juntamente com os animais sacrificados. Os jogos se encerravam oficialmente com uma procissão de ação de graças ao deus do santuário e com um banquete para os vencedores, coroados com uma coroa de oliva, que, segundo a tradição, teria sido plantada por Héracles, fundador mítico dos jogos (Olímpica III, 10-15). Os vencedores eram recebidos com grandes honras em suas cidades e em Olímpia, seus nomes ficariam para sempre na memória pois eram erigidas estátuas em honra daqueles que vencessem três vezes. Em suas cidades eram recebidos com uma saudação oficial feita por um coral, cantando hinos de Píndaro, na Ágora, no Teatro ou no Templo (ORTEGA, 1995). Os jovens aspiravam pela imortalidade na poesia de Píndaro, que os retratava com dados concretos, nome de sua família, pátria e vitórias, juntamente com os louvores ao deus em cuja honra se celebrava a vitória, já que esta é uma graça dispensada pela divindade, uma manifestação do divino no humano: 32 Himnos que domináis la lira! Qué dios, qué héroe, qué hombre deberemos cantar? Em verdade es Pisa de Zeus. Mas el Juego de Olimpia lo estableció Heracles cual primicia de su victoria. Pero a Terón, por su cuadriga triunfal, Se debe celebrar, justo en su respecto a los extranjeros, baluarte de Agrigento, primor de renombrados padres que la ciudad enaltece. Tras soportar en su corazón dolores inúmeros, santa morada ocuparon ellos a orilla del río, y de Sicilia fueron ojo, y una vida siguió fijada por el destino, Que prestaba riqueza y encanto a sus genuinas virtudes. Oh Zeus, hijo de Crono y de Rea, que el asiento del Olimpo dominas, la cima de los Juegos y el curso del Alfeo, enardecido por nuestros cantos sé con ellos benigno y conserva en adelante la paterna campiña a la prole futura! De las acciones realizadas, sea con justicia o contra justicia ni el Tiempo, el padre de todo, puede lograr que no se haya cumplido su término [...] Cuando el destino de la divinidad envía su bendición hasta sublime cumbre. Mi palabra conviene a las hijas de Cadmo, las de hermoso trono, que sufrieron inmensos dolores. Mas una aflicción gravosa sucumbe ante dichas mayores. Vive con los Olímpicos la que murió en el fragor del rayo, la de larga cabellera, Sèmele, y la ama Palas por siempre y Zeus Padre, y mucho la ama su hijo, el coronado de hiedra. [...] (Olímpica II). A Olímpica II, foi escrita em 476 em honra de Terón de Agrigento (488-472 a. C.), vencedor na corrida hípica de carros, a mais aristocrática das competições. Píndaro canta mais as virtudes que o triunfo, afirmando que a elas segue a felicidade para além da morte e que a honra deve ser buscada nesta vida inconstante e cheia de dores e infortúnios. As Odes Olímpicas podem nos revelar o espírito agônico direcionado à busca por uma vida virtuosa como o ideário dos jogos olímpicos, uma busca pela excelência humana e sua consequente autotranscedência. Os jogos faziam aflorar nos gregos o compromisso com essa excelência humana e eram também vistos como uma solução diante dos problemas de convivência, pois propunham a trégua, eram o espaço para a hospitalidade e o viver juntos se tornava possível. Pausânias, em sua obra clássica Descrição da Grécia (2008), afirma que os jogos haviam caído no esquecimento até o séc. VIII a.C.7 e a Grécia havia mergulhado em intermináveis conflitos quando Ífto, um rei da região de Olímpia perguntou ao oráculo de Delfos o que fazer para pôr um fim às guerras, ao que Apolo respondeu que era necessário 7 Historicamente, os Jogos Olímpicos acontecem pela primeira vez em 776 a.C., mas suas origens encontram- se entrelaçadas no mito e na pré-história grega. Há evidências arqueológicas de que competições atléticas já ocorriam em terras helênicas desde a Idade do Bronze (aproximadamente entre 2000- 1100 a.C.), nos chamados Período Minóico (com relação à civilização que se desenvolveu na ilha de Creta) e Período Micênico (ocorrido na Grécia continental) (FRANCISCATO, 2013). 33 recomeçar os jogos olímpicos em honra a Zeus e que a ekecheiria deveria ser decretada. Assim, ficara proibida qualquer hostilidade para que, juntos, se buscasse o ideal humano para ofertar a Zeus. Existe um ethos olímpico que nos ajuda a compreender a cultura grega e dialogar com a educação e a filosofia para pensar cooperação e competição. Um dos mais fortes ideais que orientavam a paidéia era o kalós kagathós, a harmonia entre corpo e alma, a busca pelo Belo e pelo Bem, pela forma bela e pela força física juntamente com o bom caráter e a excelência humana, a vida virtuosa. A maior vitória era ter o corpo belo e alma virtuosa e a maior honra para o vencedor olímpico seria ter uma estátua sua em Olímpia, com seu nome, o nome de sua família e de sua cidade de origem. Uma das tradições das cidades para receber seus vencedores era derrubar parte das muralhas, pois afirmavam que uma cidade que tinha tais homens, não precisava de muralhas, eram eles sua fortaleza (FRANCISCATO, 2013). Observa-se aqui uma outra dimensão da competição, mais centrada na cidade, na comunidade, na honra da família e na força da virtude que nos méritos ou interesses individuais. Heródoto (Histórias, VIII, 26) conta que, durante a guerra entre gregos e persas, alguns desertores gregos foram levados à presença de Xerxes, o grande rei. Ele desejou saber o que faziam seus inimigos naquele momento. Eles contaram que os gregos realizavam competições atléticas e hípicas em Olímpia. Alguém perguntou qual era o prêmio disputado pelos concorrentes e eles responderam que era a coroa de folhas da oliveira sagrada, conferida ao vencedor. Então, um dos oficiais exclamou, dirigindo-se ao general: “Ah! Mardônio, contra que espécie de homens nos faz guerrear, que não competem por dinheiro, mas pela excelência?” A busca pela excelência manifestava também o desejo de se aproximar dos deuses, alcançando a virtude, o homem alcançaria o máximo daquilo que a humanidade pode alcançar, a virtude humana como ultimum potentiae, o bem a que todas as coisas visam (Aristóteles, Ética a Nicômaco, livro I, 1094 a), na vida política e contemplativa: Se afirmamos que a função própria do homem é um certo modo de vida, e este é constituído de uma atividade ou de ações da alma que pressupõem o uso da razão, e a função própria de um homem bom é o bom e nobilitante exercício desta atividade ou a prática dessas ações, se qualquer ação é bem executada de acordo com a forma de excelência adequada, o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelência, e se há mais de uma excelência, de
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