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Tese_Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz NOR

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
Centro de Educação e Humanidades 
Faculdade de Educação 
 
 
 
 
 
 
 
Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz 
 
 
 
 
 
 
Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência filosófica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz 
 
 
 
 
 
Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: Uma experiência filosófica 
 
 
 
 
 
Tese apresentada, como requisito parcial para 
obtenção do título de Doutora, ao Programa de 
Pós-Graduação em Educação, da Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: 
Infância, Juventude e Educação 
 
 
 
 
 
 
Orientador: Walter Omar Kohan 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CATALOGAÇÃO NA FONTE 
 UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta 
tese, desde que citada a fonte. 
 
___________________________________ _______________ 
 Assinatura Data 
 
F381 Ferraz, Lara Sayão Lobato de Andrade. 
 Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência filosófica / Lara 
Sayão Lobato de Andrade Ferraz. – 2020. 
 236 f. 
 
 
 Orientador: Walter Omar Kohan. 
 Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de 
Educação. 
 
 
 1. Educação – Teses. 2. Filosofia – Teses. 3. Olimpíadas – Teses. I. Kohan, 
Walter Omar. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia 
e Ciências Humanas. III. Título. 
 
 es CDU 37::1(815.3) 
 
Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz 
 
 
Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência filosófica 
 
 
Tese apresentada, como requisito parcial para 
obtenção do título de Doutora, ao Programa de 
Pós-Graduação em Educação, da Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: 
Infância, Juventude e Educação 
 
Aprovada em 19 de fevereiro de 2020. 
 
Banca Examinadora: 
 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. Walter Omar Kohan (Orientador) 
Faculdade de Educação da UERJ 
 
____________________________________________ 
Prof. Dr. Felipe Gonçalves Pinto 
PPFEN – CEFET/RJ 
 
_________________________________________ 
Prof. Dr. Marcelo Senna Guimarães 
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO 
 
___________________________________________ 
Profa. Dra. Patrícia Del Nero Velasco 
Universidade Federal do ABC -UFABC 
 
___________________________________________ 
Prof. Dr. Renato Nogueira dos Santos 
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ 
 
Rio de Janeiro 
2020 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao Tu que se diz de muitos modos... 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A todos que me encontraram nas encruzilhadas da filosofia e da educação e 
generosamente me tocaram, me permitindo ser eu, sendo outra. 
Aos mais intensos encontros da minha vida: Lafer, Francisco, João, Luiz e Pedro, pela 
força do nosso amor. 
Ao meu pai, pela viagem da sua vida que me deu vida. 
À minha mãe, por me lembrar de lá... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Y no morirse con tantas cosas adentro! 
Y no morirse tantos con cosas adentro! 
Vaz Ferreira 
RESUMO 
 
FERRAZ, Lara Sayão L de A. Olimpíadas de filosofia do Rio de Janeiro: uma experiência 
filosófica. 2020. 236 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Programa de 
Pós-Graduação em Educação – PROPED. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 
Rio de Janeiro, 2020. 
 
O que é uma olimpíada de filosofia? Há uma olimpíada de filosofia ou há muitas? São 
iguais? Em que se diferenciam? O que potencializam nos caminhos da educação e do ensino de 
Filosofia? Quais seus limites? É possível uma olimpíada que não seja uma competição? Então 
por que é chamada de olimpíada? Que relações com as olimpíadas gregas uma atividade 
educativa não competitiva teria para ser chamada olimpíada? Essas questões foram se 
anunciando a partir do contato com as olimpíadas de filosofia do Uruguai, uma atividade 
educativa que tem como pressupostos as concepções de filosofia e educação do filósofo 
uruguaio Maurício Langón. Esta tese busca conhecer tais pressupostos a partir do diálogo entre 
seu pensamento e seus principais interlocutores filosóficos. Busca também conhecer as práxis 
originadas dessa ideia no Brasil e dedica-se, especialmente, a pensar as olimpíadas de filosofia 
do Rio de Janeiro através das percepções e afetos de professores e estudantes envolvidos nas 
sete edições realizadas entre 2013 e 2019. Esta tese é um olhar sobre o início de uma experiência 
coletiva de educação filosófica, que buscou identificar e refletir sobre os conceitos inspiradores 
das propostas e das práticas, atento aos conceitos que o próprio caminhar foi suscitando pensar. 
 
Palavras-chave: Olimpíada de Filosofia. Educação Filosófica. Filosofia latino-americana. 
 
ABSTRACT 
 
FERRAZ, Lara Sayão L de A. Philosophy's Olympics Games in Rio de Janeiro: a 
philosophical experience. 2020. 236 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de 
Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação – PROPED. Universidade do Estado do 
Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, 2020. 
 
What is a Olympics philosophy games? Is there a single Olympics philosophy games or 
are there many? They are the same thing? How do they differ? What's the difference between 
them? What do they potentiate in the ways of Philosophy education and Philosophy teaching? 
What are your limits? Is an Olympics possible that is not as a competition? So why is it called 
the Olympics? What relations with the Greek Olympics would a non-competitive educational 
activity have to be called an Olympics? These questions were announced from the contact with 
the philosophy olympics in Uruguay, an educational activity that presupposes the concepts of 
philosophy and education of the Uruguayan philosopher Maurício Langón. This thesis seeks to 
know such assumptions from the dialogue between his thinking and his main philosophical 
interlocutors. This thesis also seeks to know the praxis originated from this idea in Brazil and 
focus to thinking about the Olympics of philosophy in Rio de Janeiro through the perceptions 
and affections of teachers and students involved in the seven editions held from 2013 to 2019. 
This thesis is a to look at the beginning of a collective experience of philosophical education, 
which sought to identify and reflect on the inspiring concepts of the proposals and practices, 
attentive to the concepts that walking itself has given rise to thinking about. 
 
Keywords: Philosophy Olympics. Philosophical Education. Latin American Philosophy. 
 
RESUMÉN 
 
FERRAZ, Lara Sayão L de A. Olimpíadas de Filosofía de Rio de Janeiro: una experiencia 
filosófica. 2020. 236 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Programa de 
Pós-Graduação em Educação – PROPED. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 
Rio de Janeiro, 2020. 
 
¿Qué es una olimpiada de filosofía? ¿Existe una olimpiada de filosofía o hay muchas? 
¿Son todas iguales? ¿En qué se diferencian? ¿Qué potencializan en los caminos de la educación 
y de la enseñanza de la filosofía? ¿Cuáles son sus límites? ¿Es posible que una olimpiada de 
filosofía no sea una competición? Entonces ¿por qué es llamada de olimpiada? ¿Qué relaciones 
con las olimpiadas griegas una actividad educativa no competitivatendría para ser llamada 
olimpiada? Esas cuestiones fueron anunciándose a partir del contacto con las olimpiadas de 
filosofía de Uruguay, una actividad educativa que se presuponen las concepciones de filosofía 
y de la educación del filósofo uruguayo Maurício Langón. Esta tesis busca conocer tales 
presupuestos a partir del diálogo entre su pensamiento y sus principales interlocutores 
filosóficos. Busca asimismo conocer las praxis originadas de esta idea en Brasil y se dedica, 
especialmente, a pensar las olimpiadas de filosofía de Rio de Janeiro a través de las 
percepciones y afectos de profesores y de estudiantes envueltos en las siete ediciones realizadas 
entre 2013 y 2019. Esta tesis es una mirada sobre el inicio de una experiencia colectiva de 
educación filosófica, que buscó identificar y reflejar sobre los conceptos inspiradores de las 
propuestas y de las prácticas, atento a los conceptos que el propio caminar fue suscitando a 
pensar. 
 
Palabras clave: Olimpiada de Filosofía. Educación Filosófica. Filosofía latinoamericana. 
 
SUMÁRIO 
 
 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 
1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE OLIMPÍADA, OS VALORES 
CULTUADOS E AS VIRTUDES CULTIVADAS NOS ENCONTROS 
OLÍMPICOS GREGOS .......................................................................................... 24 
1.1 O que é uma olimpíada? É possível uma olimpíada ser filosófica? ..................... 24 
1.2 O culto a Zeus Olímpio em suas esferas de atuação Basileus, Tropáios e 
Xênios ........................................................................................................................ 28 
2 UMA VIAGEM PELAS OLIMPÍADAS DE FILOSOFIA .................................. 37 
2.1 International Philosophy Olympiad -IPO .............................................................. 38 
2.2 A bossa latino-americana: As origens das olimpíadas no Uruguai e na 
Argentina .................................................................................................................. 44 
2.2.1 As Olimpíadas de filosofia argentinas ....................................................................... 52 
2.2.2 A olimpíada iberoamericana de filosofia – OIF ......................................................... 56 
2.2.3 A olimpíada de filosofia da Colômbia ....................................................................... 57 
2.2.4 As novas olimpíadas uruguaias .................................................................................. 59 
2.2.5 As olimpíadas de filosofia do Rio Grande do Sul ...................................................... 61 
2.2.6 As olimpíadas latino-americanas de filosofia ............................................................ 66 
2.2.7 As Olimpíadas de Filosofia de São Paulo .................................................................. 73 
2.2.8 As olimpíadas de filosofia do NESEF – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre 
Ensino de Filosofia - Paraná ...................................................................................... 76 
2.3 O NEFI e as olimpíadas de Filosofia ...................................................................... 78 
2.4 Um olhar sobre a viagem... ...................................................................................... 81 
3 A BOSSA DO RIO DE JANEIRO, UMA OLIMPÍADA DE FILOSOFIA 
VIAJANTE, INVENTADA, MACUMBEIRA... ................................................... 83 
4 O PENSAMENTO DE MAURICIO LANGÓN: RUPTURA E COMEÇO... 
SUBVERSÃO E LIBERDADE! ........................................................................... 116 
4.1 Interlocuções filosóficas ......................................................................................... 136 
4.1.1 A Filosofia da Libertação de Enrique Dussel .......................................................... 141 
4.1.2 O caminho para a libertação é uma filosofia popular: Rodolfo Kusch .................... 145 
4.1.3 Um pensar fecundo, espontâneo, sincero e desinteressado. Vaz Ferreira e o 
pensamento fermental. ............................................................................................. 150 
4.2 Uma comunidade de diálogo sobre o conceito de comunidade: Langón, 
Buber, Lipman e nós .............................................................................................. 154 
5 CONCEITOS QUE AS OLIMPÍADAS DO RIO NOS CONVIDAM A 
PENSAR... ............................................................................................................... 162 
5.1 Hospitalidade .......................................................................................................... 162 
5.2 Não competição....................................................................................................... 167 
5.3 Síncope .................................................................................................................... 175 
5.4 Caminhar ................................................................................................................ 178 
5.5 Rodas ....................................................................................................................... 181 
 SARAVÁ! A BENÇÃO QUE EU VOU PARTIR! PRA NÃO TER QUE 
DIZER ADEUS! ..................................................................................................... 185 
 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 189 
 ANEXO A - Propostas de atividades da II Olimpíada de Filosofia do Rio – Rio 
das Ostras, 2014 ....................................................................................................... 197 
 ANEXO B - Textos enviados pelos estudantes para as rodas de conversa na V 
Olimpíada do Rio – Petrópolis, 2017, sobre a pergunta Filosofia, pra quê? ........... 198 
 ANEXO C – Programações das sete edições das olimpíadas do Rio...................... 227 
 
11 
 
INTRODUÇÃO 
 
A bossa dessa escrita... 
 
A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela 
vida. É preciso encontrar as coisas certas da vida, para que ela 
tenha o sentido que se deseja, porque a vida só adquire vida, 
quando a gente empresta a nossa vida, para o resto da vida. 
Vinícius de Morais 
 
Peço uma licença para entrar nesta avenida acadêmica de braços dados com Vinícius de 
Morais, cantando o Samba da Benção...ele me embala desde os dois anos de idade cantado por 
quem foi um dos meus grandes amores: Zé! O irmão da minha mãe, meu padrinho, que 
lindamente dedilhava em seu violão a bossa nova que me embalava. Creio que foi a experiência 
mais gostosa da minha infância e certamente por isso ela insiste em me habitar: é a minha 
infância, é o que me faz lembrar o movimento que dá sentido, ao qual desejo emprestar a vida 
para o resto da vida: os encontros! A palavra bossa, originalmente significa protuberância num 
osso liso, chato, geralmente, do peito, ou seja, algo incomum, fora do esperado, uma saliência, 
talvez o que não devesse estar ali, mas está e se faz perceber. Era também um termo da gíria 
carioca que, no fim dos anos cinquenta, significava “jeito”, “maneira”, “modo”. Quando alguém 
fazia algo de modo diferente, próprio, de maneira simples, dizia-se que esse alguém tinha 
“bossa”. Como a escrita, para ser verdadeira, da alma, tem que ser do modo de quem a escreve, 
com seu ser, com sua vida, essa é a bossa da minha escrita, aquela que revela as “saliências” no 
meu peito e o jeito meu de pensar, de escrever, de ser. 
Uma pesquisa é um movimento da alma (pathos) em direção à beleza, ao que confere 
sentido e gera amor, então sigo escrevendo sobre os encontros1, pondo amor nessa cadência. 
Os encontros valem seus riscos e são eles que movem, são a sua imprevisibilidade e o sagrado 
que escondem que fazem desejar, trabalhar, viajar, seguir, entrar numaescola, o espaço repleto 
dos muitos encontros, cotidianos, encantados, potentes, trágicos. Movida por eles, dedico-me a 
pensá-los e como os entendo indomáveis, tento fomentá-los, favorecê-los, sabendo que eles só 
 
1 FERRAZ, Lara S. L. de A. Uma fundamentação para o ensino religioso na filosofia do encontro de Martin 
Buber. Dissertação. Mestrado em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade 
Católica de Petrópolis, 2006. Minha pesquisa de mestrado foi sobre Martin Buber e sua Filosofia do 
Encontro Eu-Tu, como fundamentação para pensar o Ensino Religioso escolar numa perspectiva dialógica. 
Sou professora de Ensino Religioso na Escola Pública desde 2004 e de Filosofia desde 2008. 
12 
 
acontecem quando querem e quando nos dispomos a eles, criando as condições para sua 
aparição inesperada. Testemunha da beleza dos muitos encontros vividos, sei que não cabem 
numa escrita, e por muito tempo resisti a escrever, mais interessada estive em vivê-los. Mas, 
também testemunha da beleza dos muitos encontros escritos, resolvi tentar encontrar as palavras 
para narrar o vivido (RICOUER, 1997). 
Essa é uma escrita sobre a beleza de um encontro que provocou outros tantos encontros, 
alguns desencontros, fez sair do lugar, caminhar, acolher, se alegrar e se entristecer, pensar 
educação, filosofia, diálogo, libertação, vida. Essa é uma escrita sobre as olimpíadas de filosofia 
como uma forma de encontro. Esse é um encontro em forma de escrita porque o ato de escrever 
não tem nada a ver com a solidão. Ainda que esteja solitário o que escreve, ao escrever, escreve 
com tanta gente! Acontece na escrita uma certa relação com o mistério. Ao escrever, o que 
escreve, escreve sobre o que ele mesmo não conhece, pois só se torna conhecido depois de 
escrito. A escrita está na dimensão do infinito, é uma desleitura. É escrita quando é sobre o que 
não foi lido no que foi lido, quando transcende o lido e passeia para além dele, sem repeti-lo, 
permitindo estar no presente o que não esteve na leitura. A escrita pode ser uma experiência 
metafísica quando deslê o lido para que algo se faça presença, quando rompe com a lógica da 
explicação, postura arrogante que a tudo apequena e se lança na lógica da infância, que tudo 
deseja saber. Escrever tem a ver com namoro. O enamorado se envolve, com ternura acaricia a 
ideia, a beija demoradamente, a saboreia e a faz linda, sentida e querida. Escreve como quem 
canta, como quem sente um perfume e sai do chão por suas notas. A cada amor, a mirada é 
nova. Mudam as ideias, os autores, o olhar se faz novo de novo e o enamorado inventa novas 
canções, experimenta outras carícias. A escrita tem a ver com sair escondido para um encontro 
fortuito com uma ideia profana. É escapar do comum dos dias, do cansaço das frases feitas, do 
que já se sabe, do que já não dá mais ganas de ter. É ir ao encontro do que não cabe nas 
interpretações permitidas, é uma traição. Escrever tem a ver com o vinho, bom companheiro 
que solta as amarras, faz dançar com leveza. Aquece e faz rir, ou chorar, demasiado atento ao 
que de fato se sente, se vive, se é. É um convite, é sedução. Um encontro. 
E quando acontece se inscreve na vida, de si de noutras. Tem a ver com tatuagem, sai 
de si e se mostra, dependente do outro que desenha e do outro que vê, dialoga com o infinito de 
dentro e de fora. Marca, identifica, é. Dentre as muitas possibilidades de ser, é. Faz imortal o 
mortal momento do enamoramento com a ideia que um dia foi a razão do olhar. Com um tu nos 
lábios (BUBER, 2001), minha escrita abraça a prática, toca os meninos e meninas que, com 
paixão, me arrebataram de mim, me geraram outra e me convidaram a caminhar. Deslida nessas 
13 
 
linhas, que talvez nem sejam mais só sobre as olimpíadas de filosofia, posto que são também 
sobre o que elas fizeram comigo. 
No início, a pesquisa tinha outro título, eu imaginei que estava no comando e que eu 
escreveria sobre esses encontros filosóficos chamados olimpíadas de filosofia. Criei para o 
trabalho um título determinante que dizia o que elas eram: Educação filosófica, subversão e 
emancipação no encontro dialógico proposto nas Olimpíadas de Filosofia. Brincalhona, 
menina saltitante, a escrita foi me dizendo para crescer e virar criança (MANOEL DE 
BARROS, 2015) e me chamou para a roda, para cirandar. Na roda, outras crianças, um monte 
delas, e foi então que tudo girou bonito. E a escrita já não era sobre as Olimpíadas de Filosofia, 
mas sobre as olimpíadas de filosofia do Rio, sobre a sua bossa, sobre o que elas me convidaram 
a pensar na ginga da roda, brincando comigo. Um convite para uma experiência, um passar 
perigo juntas (LARROSA, 2014), elas e eu, nessa escrita. Para pensar conceitos, criá-los, 
dialogar com eles, filosofar. Na roda cabe todo mundo e na roda a gente se olha nos olhos, joga, 
conversa, dança... 
 
Entrando na avenida... 
 
Na experiência cotidiana de entrar numa sala de aula como professora de Filosofia, 
muitas questões me acompanham: Por que devo entrar? Alguém me convidou? Os que estão na 
sala de aula querem que eu entre? Quem são essas pessoas? São obrigadas e por isso estão lá 
ou mesmo obrigadas, me aguardam e me convidam? Querem me encontrar? Sabem por que 
estão ali? Querem estar? Quais são suas questões e interesses? O que pensam? Quem me dá o 
direito de entrar? Um diploma? O que diz meu diploma? Diz de mim? Diz quem sou? Diz o 
que sei? Diz o que devo fazer? O que devo fazer? 
Quem me dá o direito de entrar numa sala de aula: um saber ou um não saber? É uma 
relação ao saber e ao não saber? Ou uma relação de saber com o não saber? O que sei? Quem 
disse que sei o que sei? O que sei é o que deveria saber? O que eu deveria saber? O que sei é o 
que interessa saber? O que interessa saber? O que estou fazendo ali? Vou ensinar a aprender? 
Ou aprender a ensinar? Convidar a pensar junto ou pensar sozinha diante de uma plateia? A 
quem importa o que penso? O que penso? Penso? É possível pensar com hora marcada? Eu 
quero pensar sempre, a toda hora? Os que estão ali querem pensar comigo? Querem pensar? É 
possível pensar na escola? Ou se pensa melhor fora dela? Só se pensa na aula de Filosofia? 
Pensa-se na aula de Filosofia? Para que pensar? Pensar faz mais feliz ou mais infeliz? Pensar 
ajuda a viver? Arruma as ideias? As ideias precisam ser arrumadas ou bagunçadas? Precisamos 
14 
 
de Filosofia? É preciso salvar as pessoas de sua pobre condição de ignorância? São mesmo 
ignorantes? Ou precisamos da ignorância e dos supostos ignorantes para nos salvar da condição 
de pretensos sábios? As pessoas que estão numa sala de aula querem ser salvas? A Filosofia 
salva? A quem? De quê? Condena? A quem? A quê? A Filosofia é a história das ideias que os 
filósofos pensaram? É preciso mesmo conhecer as ideias geniais de homens iluminados que 
pensaram mais bonito, com mais profundidade? Pensaram? Seu pensamento é mais bonito? O 
que é um pensamento bonito? Quem pensa bonito é sábio? Os filósofos são sábios ou técnicos 
do saber? Ou técnicos do escrever? Escrever é saber? Saber é viver? É possível saber sem 
escrever? E escrever sem saber? Só os filósofos sabem? Merecem ser conhecidos e repetidos? 
Por que esses homens e não outros? Por que não mulheres? Por que, em geral, homens mortos? 
Não há filósofos vivos? Aqui? Por que não as ideias dos que estão sentados em minha sala de 
aula? Por que não as ideias dos que estão nas praças e nas ruas? Dos que estão em casa? Nas 
fábricas, no campo? Dos rappers? Dos poetas da quebrada? Dos bares e do samba? Por que não 
as minhas ideias? Tenho ideias? As ideias têm dono? São de alguém? Onde estão? Existem 
ideias que nunca foram escritas? Só são filosóficas se forem escritas? Que ideias merecem ser 
conhecidas? O que conhecemos? Sobre o que pensar? Por quê? 
Ao ensinar e ao viver uma vida ensinante, não pensamos demais e amamos de menos...? 
Amar como Sócratesa Alcebíades, não com um amor pessoal, mas o amor pelo modo de ser de 
Alcebíades no mundo, que é também um amor pelo mundo, um cuidado com que o outro cuide 
de si, para que, cuidando de si, cuide também do mundo (KOHAN In: MASSCHELEIN, 
SIMONS, 2014). E ainda, um amor por um modo de ser no mundo, como uma força geradora 
de um tipo de existência ou de vida comum, uma filosofia como pedagogia (ibid, 2014, p. 213) 
mais possível pelos afetos que pela razão. Não seria a educação um modo de amar o mundo? E 
a filosofia um amor pelo modo de amar o mundo? 
Mas, o amor é uma palavra obscena demais para habitar a escola e a academia (PENAC, 
2010), antimetafísica demais para se perder em afirmações de outra ordem que não a do 
cotidiano dos encontros, das possibilidades do ser nos seres. As questões que trago para essa 
escrita não são novas e não são só minhas, são partilhadas por aqueles que pensam a filosofia 
como educação e a educação como filosofia, aqueles com os quais a filosofia fez alguma coisa 
enquanto faziam alguma coisa com ela. Por aqueles que, ensinando filosofia, se encontram 
diante da impossibilidade de continuar a viver como estavam vivendo antes (KOHAN, 2014). 
O incômodo da reprodução sem sentido de pensamentos distantes, de uma realidade 
exclusivamente europeia, sempre me acompanhou. Ao mesmo tempo, a presença do outro, seja 
de onde for, como um outro com suas perguntas, me assedia diariamente. Rejeitar o outro não 
15 
 
me agrada, pois, o diálogo autêntico não escolhe interlocutor (LANGÓN, 2001). Repeti-lo 
tampouco, pois há muitas vozes a serem ouvidas enquanto outras se impõem. É preciso estar 
atento, numa atitude de reverência, para ser capaz de ouvir o que a realidade pode ou quer dizer, 
revelar. Não é sempre que conseguimos ouvir ou ver. A filosofia é um exercício de atenção e 
reverência ao que pode ser revelado na vida vivida na perspectiva da abertura, como um 
exercício de si para o diálogo com o outro, consigo, com o mundo, com o todo. Um diálogo que 
tem no encontro a sua condição. A relação entre diálogo e encontro parece circular. Porque o 
diálogo exige encontro, mas também gera encontro. O que está primeiro? Qual o sentido de um 
e do outro? Há também muitos tipos de encontros. Aqui nos interessa o encontro como um 
acontecimento, um evento, uma aparição livre, não dominada ou determinada por nada além de 
si mesma. O encontro como o que exige a humildade enquanto suspensão das certezas, a 
declaração do não saber e a hospitalidade como relação à alteridade e singularidade do outro, 
em seu ser, teimosamente, não eu, sem lhe perguntar antes o nome (DUFOURMANTELLE, 
2003). 
Encanta-me a potência do encontro, o seu perigo, a sua novidade e a incerteza que o 
cerca. Mais que pensar o que ensinar, habita-me a reflexão sobre o que acontece quando nos 
colocamos frente a frente para dialogar, o colocar-se com, no entre (BUBER, 2001). A filosofia 
é um diálogo exigente, excitante, divertido, alegre e potente. Um diálogo com o outro que pode 
ser um texto clássico, uma imagem, uma canção, uma circunstância, outra pessoa, eu. Um 
diálogo que convoca, exige cuidado, atenção, hospitalidade e humildade. Exige também 
amizade e alegria brincante, coragem do risco e atrevimento para sair do lugar. 
Como a política é a primeira tentação de um professor de filosofia (KOHAN, 2009, p. 
23), em muitos momentos, pode ser entendida como a missão transformadora de uma sociedade 
conturbada pelas injustiças e desigualdades sociais e intelectuais, uma atividade libertadora, 
salvífica. Ensinar a pensar para promover a alteração da ação na pólis atribuía sentido para o 
meu cotidiano docente. Uma atuação eminentemente política, entendendo que pensar liberta e 
salva da condição de obediência à ordem estabelecida que, no Brasil, ainda é injusta e cada dia 
mais preconceituosa e excludente, após o golpe de 2016. A salvação pelo pensamento é muito 
atraente para quem luta por um mundo mais bonito para todos! Mas, essa concepção é perigosa 
para a filosofia porque pode se tornar dogmática e impedir de problematizar a própria filosofia 
e a atividade docente. Coloca o outro numa condição inferior, do ainda não tocado e não salvo 
pela filosofia e pela educação, por isso, infeliz e pobre. Coloca a filosofia por cima da educação. 
Tapa os ouvidos e os olhos para os saberes outros enquanto incensa alguns próprios, impedindo 
de lançar sobre si as perguntas que lança a outros. 
16 
 
Não é tarefa fácil abandonar o ideal político/salvífico da educação e da filosofia. Mas, 
urge dialogar com ele, pois, se, há tanto tempo, tantos fazem pela filosofia e pela educação, 
pensando saídas, métodos, projetos, currículos, por que ainda não alteramos o curso das coisas 
e ainda colhemos incompreensões, injustiças, exclusão e tantas formas de um viver triste? Seria 
a escola um espaço propício para afetos tristes? O que fizemos dela? Encerrada na técnica do 
saber e do pensar, teria abandonado a potência do viver? Condenada a produzir consumidores, 
tem a tristeza fria das fábricas e dos bancos? Por que parece que a educação escolarizada 
diminui a potência de ser? Talvez por que os processos formais de educação tendem a 
desconsiderar as potências singulares e sustentar a universalidade moralizadora em detrimento 
dos afetos? Em sua leitura spinozana da educação, Juliana Merçon analisa três mitos da 
educação, entre eles, o mito da falta, que nos leva a crer na ilusão que nós mesmos criamos 
acerca da universalização de um dever ser em detrimento das potências singulares. Atrelados a 
essa ilusão, seguimos, pela educação, afirmando nossa impotência e a distância entre as 
naturezas e suas potências, enfraquecendo o desejo: 
 
Neste sentido, ao dividir as pessoas entre aquelas que possuem saber e poder e aquelas 
às quais saber e poder faltam, a educação ensina que o desejar não se explica pela 
potência de cada uma, mas, ao contrário, por nossa impotência. Ao criar distâncias e 
prometer reduzi-las, a educação fundamenta seus esforços no mito da falta e no desejar 
passivizado que lhe acompanha. Assim, nosso desejo passivo, ao atribuir a uma força 
alheia o poder de preservar-nos, atesta nossa própria impotência, e aceita como 
explicação dos nossos gestos um suposto vazio, no qual deveria haver certas formas 
de saber-poder. Ao crermos, sem verificarmos através de nossas próprias forças, que 
aquilo que a educação prescreve como sendo útil para a atualização de nossas 
potências de fato o é, afastamo-nos de nosso pensar ativo e revestimo-nos por 
impotências. A falta que é produzida pela educação em seu desejar passivo e 
passivador distancia-nos de um viver ético no qual o desejo configura-se como pura 
positividade, como afirmação de suas potências, como um sim que expressa – e só 
pode expressar - aquilo que é. O aprendizado afetivo que ocorre em um viver ético 
nada tem a ver, portanto, com o preenchimento de uma lacuna. O que move o desejar 
ativo ou devir da ética é o encontro com nossas próprias forças e nosso intento de 
seguir ampliando-as, unindo-nos, em amizade, a outras potências com as quais 
intensificamos a atividade de nosso pensar (MERÇON, 2007, p. 107). 
 
Para Spinoza, os afetos são afecções do corpo pelas quais sua potência de agir é 
aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada (SPINOZA, 2018, p. 98) e o corpo é entendido 
como uma potência em ato, uma força de existir. Somos corpos que coexistem, existimos com 
outros corpos, outros seres e, por isso, somos relações constantes, afetamos e somos afetados. 
A noção de afeto remete-nos, assim, à noção de encontro, o que nos permite pensar a educação 
como a arte do encontro: um aprender sobre o que diminui nossas forças ou nos potencializa 
(MERÇON, 2007, p.22). 
Pensar a educação como a arte do encontro é habitá-la filosoficamente, numa atitude de 
atenção aos afetos. Spinoza chamaria de bons encontros os afetos alegres, porquesão aqueles 
17 
 
que nos abrem para o mundo e abrem o mundo para nós, aumentando nosso conatus2, 
favorecendo uma atitude de diálogo e de amor ao mundo. Os afetos tristes são o que acontece 
quando uma afecção nos leva a uma condição de menor potência, diminuindo nosso conatus, 
nossa força de existir, de ser e de atuar, são maus encontros, são aqueles que fecham o mundo 
para nós e diminuem em nós a capacidade de amar o mundo e de se comprometer com ele. 
O conceito de imanência em Spinoza (2018) permite um diálogo com o conceito de 
encontro em Buber (2001) como acontecimento em ato, no sentido da atenção ao sagrado que 
acontece no aqui. Ao compreender Deus como a única natureza e causa imanente, não transitiva 
de todas as coisas, Spinoza afirma que tal natureza é a própria vida, causa da essência e da 
existência de tudo o que existe como atributo da substância única (2018, p. 29). Buber afirma 
que o ser não está fora da vida, pois fixou morada aqui, e é nos encontros nos quais as partes 
estão em máxima potência e autenticidade que o ser se revela e só aí se revela: nada abandonar, 
ao contrário, incluir tudo, o mundo na sua totalidade, no Tu, atribuir ao mundo o seu direito e 
sua verdade, não compreender nada fora de Deus, mas apreender tudo nele, isso é a relação 
perfeita (BUBER, 2001, p. 102). Assim, habitar filosoficamente a educação é uma atitude de 
atenção ao que só pode acontecer nos encontros da vida, in manere, no que está dentro da vida, 
porque é só o que possuímos: a vida. O conceito Deus aqui é pensado como imanente, 
substância e potência, como o que é sagrado, não determinado, vibrante, pulsante, que garante 
e potencializa a existência. Essa percepção do sagrado da existência está também presente no 
conceito africano de axé, força que permite a realização da vida, que assegura a existência e 
possibilita os acontecimentos e transformações no momento em que acontecem (LOPES, 2015, 
p.26). 
 A educação formal e o cotidiano escolar encerrado nela, parecem desperdiçar as 
existências, calar vozes e impedir devires, fomentando um individualismo diminuído da 
potência de afetar e ser afetado, descomprometido com a responsabilidade e a alegria do viver 
com, porque baseado na afirmação das impotências e nas distâncias como garantia da segurança 
das relações de poder. Os afetos primários, o afeto alegre e o afeto triste são a fonte de todos os 
outros e a mente tem a potência de se alargar e de pensar tanto quanto mais afetada pela alegria, 
enquanto abertura da potência de ser, for. Lipman apontava para essa questão, afirmando que 
 
A maioria das crianças, independente da formação que tenha, entra no sistema 
educacional atenta e ávida por aprender, curiosa e confiante. Mas muitas delas acham 
o processo sem sentido na medida em que percorrem o sistema e, quando isto 
acontece, tornam-se, progressivamente mais apáticas e sem esperança. Por 
 
2 Conatus em Spinoza é a essência do ser enquanto esforço, movimento para perseverar no seu ser (Ética III, 
proposição 6). 
18 
 
consequência, a cada ano, o sistema escolar despeja no mundo dos cidadãos adultos 
um vasto número de indivíduos que ignoram os mecanismos da sociedade em que têm 
que participar, que são céticos de suas tradições e cínicos em relação a seus ideais. 
Não podemos nos resignar com isso (LIPMAN, 1990, p. 66). 
 
 Se entramos ávidos e alegres e saímos céticos e tristes, há algo de errado nesse processo 
de afecções. Mas, curiosamente, é nesse processo que também surgem as questões 
mobilizadoras de tantas vidas que, não resignadas, criam, inventam, resistem, pensam e agem, 
são afetos ativos, e por isso, vidas e escritas que são esforços para a aumentar a potência de ser 
de si e dos outros. 
Se não alcançamos, pela filosofia e pela educação, o mundo melhor que nos esforçamos 
por construir, é talvez porque não saibamos nem sobre nós mesmos e o que nos aumenta a 
potência de ser, nem sobre o mundo, ou talvez porque estejamos mergulhados demais numa 
perspectiva teleológica que nos faz esperar a terra prometida ou o final do labirinto, pela 
racionalidade científica, quando talvez só tenhamos o labirinto. Resta-nos atravessar o rio, 
como na sábia pérola do pensamento taoísta, ‘A alegria dos peixes’: 
 
Chuang Tzu e Hui Tzu atravessavam o rio Hao, pelo açude. 
Disse Chuang: Veja como os peixes pulam e correm tão livremente: isto é a sua 
felicidade. 
Respondeu Hui: Desde que você não é um peixe, como sabe o que torna os peixes 
felizes? 
Chuang respondeu: Desde que você não é eu, como é possível que saiba que eu não 
sei o que torna os peixes felizes? 
Hui argumentou: Se eu, não sendo você, não posso saber o que você sabe, daí se 
conclui que você, não sendo peixe, não pode saber o que eles sabem. 
Disse Chuang: Um momento: vamos retornar à pergunta primitiva. O que você me 
perguntou foi: como você sabe o que torna os peixes felizes? Dos termos da pergunta, 
você sabe, evidentemente, que eu sei o que torna os peixes felizes. Conheço as alegrias 
dos peixes no rio através de minha própria alegria, à medida que vou caminhando à 
beira do mesmo rio. 
Chuang-Tzú - (China, Séc. VI a.C.), (BUZZI, 1972 
 
 A escola, como o rio, porque viva, provoca questões, convida ao que não pode ser 
dominado pela racionalidade cientificista, à não seriedade, ao sagrado, ao não comum, ao 
próprio do espírito, ao riso, a alegria, ao que não pode ser medido, controlado, ao 
acontecimento. Alguns acontecimentos na escola são afetos alegres, aumentam a potência de 
ser, faz mais alegres as pessoas porque mais capazes de agir em suas singularidades. Mas, como 
saber o que faz as pessoas alegres? Caminhar pelo cotidiano da educação filosoficamente (com 
a atenção própria da filosofia, à espreita) talvez seja a chance de perscrutar a alegria humana, 
através da nossa própria alegria. Perscrutar o que seja o humano em sua singularidade como 
percurso ético, com atenção, talvez seja o motivo de estarmos todos nessa travessia. 
 
19 
 
Um encontro potente3 
 
Caminhando pela educação, interessada pelas viagens como filosofia, atenta aos 
encontros como oportunidades de deslocamento do pensar (KOHAN, 2015), em 2011, no 
Uruguai, conheci dois professores que iniciavam um projeto de diálogo entre estudantes e 
professores do Brasil e do Uruguai, que me pareceu vibrante, um convite a brincar, um convite 
a caminhar, um convite a atravessar os muros das escolas, as paredes das salas, as fronteiras 
entre países, um encontro potente: uma olimpíada de filosofia. 
Mas, o que seria uma olimpíada filosófica? Poderia a Filosofia ser olímpica? Uma 
competição de excelências de pensamento? Quais seus fundamentos, qual sua origem, a que se 
propõe, a quem interessa? Que contribuições poderia trazer para a educação e para filosofia? 
Acostumada às olimpíadas promovidas pela educação em suas diversas modalidades: de 
matemática, de língua portuguesa, de física, imaginei uma competição sobre os saberes 
filosóficos, mas quais seriam? Quem os avaliaria? O que seria privilegiado nessa avaliação? A 
retórica, a lógica, a estrutura dos textos? Os textos? As posturas? Seria um jogo? O que estaria 
em jogo? Curiosa, coloquei-me aberta para este encontro. Numa atitude de escuta, aceitei o 
convite e levei sete alunos da escola pública na qual trabalho (Colégio Estadual D. Pedro II, 
Petrópolis, Rio de Janeiro) para a experiência de uma olimpíada de filosofia, em outubro de 
2011, em Porto Alegre. Estavam na segunda edição chamada de latino-americana que reuniu 
alunos e professores do Rio Grande do Sul e de algumas cidades do Uruguai, além de um 
professor de São Paulo com alguns estudantes, um encontro pequeno, de modo especial, entre 
alunos de dois professores: Sandra Tejera e André Pares, mas que fora chamado de latino-
americano como uma proposta seminal. 
Observei que não havia competição, mas colaboração na discussão de um tema. Então,por que o nome olimpíada? Ainda que o ideal olímpico grego remeta à máxima homérica “ser 
sempre o melhor”, que exprime o espírito competitivo dos helenos, a competitividade favorecia 
um ideal democrático no sentido em que derivava basicamente da concepção de que todo ser 
humano possui a capacidade de se defrontar com seu semelhante e mostrar sua excelência. 
Além e acima da superioridade de nascimento ou riqueza, os helenos acreditavam na igualdade 
de direitos, o que é confirmado pela participação de atletas de todas as partes do mundo helênico 
sem discriminação nos jogos olímpicos (CABRAL, 2004). Seriam as olimpíadas gregas uma 
expressão mais democrática que a própria política grega, que era aristocrática e excludente? 
 
3 No sentido de Spinoza, uma potência alegre. 
20 
 
Seria esse o motivo daqueles professores manterem esse nome? Estariam deslendo e relendo 
um conceito? Reconstruindo uma ideia? 
Segundo Stephane Douailler, o olimpismo que conhecemos hoje reivindica 
aproximações com a filosofia nos seguintes aspectos: o fomento das virtudes do citius, altius, 
fortius (mais rápido, mais alto e mais forte) como valorização da excelência e o espírito 
participativo de união entre os povos (KOHAN, 2004, p. 186), fugindo do espírito dos famosos 
concursos filosóficos da modernidade, dos quais participaram Rousseau, Kant e Schopenhauer, 
que tinham como objetivo a resolução de problemas. Em tais concursos, o principal objetivo 
não era participar, mas mostrar a excelência na capacidade argumentativa para solução das 
questões filosóficas propostas. Para Douailler, o movimento de olimpíadas educativas busca ter 
um caráter mais suave que os concursos, favorecendo uma maior participação e não apenas a 
premiação dos mais brilhantes, pois, de um lado, possui um caráter popular e uma dimensão 
internacional que pode atrair comunidades inteiras, de outro lado, desenvolve a ideia gratuita 
de jogo articulando a busca da excelência por ela mesma, como virtude (KOHAN, 2004, p. 
188). Neste ponto, encontrei um caminho interessante para pensar as relações entre as 
olimpíadas e uma atividade educativa filosófica, não competitiva: as virtudes fomentadas nos 
encontros olímpicos. Quais seriam? Seria este o motivo da manutenção do nome olimpíada a 
esses encontros de educação? De experiência? De filosofia? Em tempos nos quais persiste na 
educação a premiação dos melhores nos rankings universitários, nas qualificações, nas provas 
internacionais, numa perspectiva reducionista dos saberes e num embrutecimento das 
possiblidades de invenção, onde são premiadas e reconhecidas as reproduções que mantém as 
diferenças educacionais e sociais, em muitos momentos, embotando a própria ciência, seriam 
as olimpíadas uma subversão? Uma resistência? Uma re-existência? Uma invenção de modos 
de fazer educação em tempos de empreendedorismo de si, nos quais tornamo-nos investimentos 
para nós mesmos? 
Para responder a estas perguntas, foi necessário compreender melhor o movimento 
internacional de olimpíadas de filosofia. Qual a sua origem internacional e quais as outras 
versões? Há uma olimpíada de filosofia ou há olimpíadas de filosofia? O que elas vêm gerando 
e potencializando nos caminhos da educação e do ensino de filosofia? O que tais encontros 
fizeram acontecer? Quais seus limites? Quais dificuldades oferecem? O que acontece? Quem 
se atrai por esta experiência? Quem seus são atores e o que pensam? 
Aos poucos, foi assim se desenhando uma pesquisa com as olimpíadas de filosofia como 
foco. Comecei a pensar sobre os encontros que as olimpíadas de filosofia proporcionam e 
fomentam e fez-se necessário também buscar entender as concepções de filosofia e de 
21 
 
olimpíada de filosofia que pressupõem. Como essa escrita foi acontecendo na rotina da vida 
docente, não foi possível me deslocar aos países e estados nos quais acontecem encontros com 
o nome de olimpíadas, com exceção da Colômbia, quando tive oportunidade de entrevistar o 
professor Diego Piñeda, por ocasião do XIX ICPIC em julho de 2019, as demais olimpíadas 
foram sendo conhecidas através de registros e textos publicados. As perguntas sobre as 
olimpíadas foram aparecendo ao longo do caminho da pesquisa, nas apresentações de 
comunicações em congressos e nos diálogos com colegas envolvidos nas atividades que, com 
as vivências com seus alunos, foram contribuindo para questionar o percurso. O caminhar então 
foi mostrando o caminho (GROS, 2010) e a tese já não era sobre todas as olimpíadas de 
filosofia, pois seria necessário estar mais próxima como pesquisadora, mas sobre o que, juntos, 
meus colegas, tantos meninos e meninas e eu estávamos inventando no Rio de Janeiro. 
Estar envolvida no objeto de pesquisa tem suas dores e amores. Amor, condição do 
filosofar, impulsiona, aproxima, move, apaixona, é bom demais! Mas também nubla o olhar 
sobre o amado, encobrindo seus defeitos e deixando escapar o cru, essencial para conhecer 
(GROS, 2010). Então, convidei colegas e alunos para escrever sobre sua percepção acerca das 
experiências que tiveram4. O tom abarca mais que a construção teórica, abraça os afetos. É uma 
escrita convite para outras escritas sobre o que estamos inventando nessas viagens. É o começo 
de uma história que terá outras tantas páginas. 
Por serem as olimpíadas do Rio uma narrativa em busca de um narrador, esta tese 
dedicou-se a contar um pouco sobre seu início como uma experiência coletiva de educação 
filosófica, buscando identificar e refletir sobre os conceitos inspiradores das propostas e das 
práticas, em especial, o pensamento de Maurício Langón e seus interlocutores. Mas também, 
buscou estar atenta aos conceitos que o próprio caminhar foi suscitando pensar. Caminhos e 
pensamentos potentes, alegres ou tristes, sempre encantados. Arrisco-me numa travessia, entre 
tantas alegrias, com minha própria alegria, traçando essas linhas, quiçá alegres, para poder 
pensar as olimpíadas de filosofia do Rio, sua história, suas práticas, seus sentidos... 
 
Viajar, uma filosofia... 
 
Ninguém se torna sábio sem sair de casa, o homem que viaja, descobre e alarga sua 
compreensão - provérbio da tradição africana Mooyo, que significa vida, força vital (LOPES, 
2005). Mesmo sabendo que a viagem, quando é viajeira, viaja por si, assim como uma pesquisa, 
 
4 Todos os nomes citados são reais e todos os participantes consentiram fazer parte da pesquisa. 
22 
 
sair de casa é preciso e o sair implica dar alguns passos, escolher ao menos o início do percurso. 
As escolhas deste trabalho se iniciam com uma viagem a Olímpia na Grécia (no pensamento), 
numa tentativa de compreensão acerca do que acontecia durante os jogos olímpicos, cerimônias 
religiosas de efervescência cultural, nas quais eram cultuados valores e cultivadas virtudes que 
teciam o modo se ser da cultura grega. Essa escolha se justifica diante da manutenção do nome 
olimpíada para as atividades educativas filosóficas que são o foco dessa pesquisa. Os primeiros 
passos desta viagem revelaram possibilidades de aproximação entre o que acontecia durante os 
jogos olímpicos com o que se cultiva nas olimpíadas de Filosofia e despertaram o interesse e a 
necessidade de analisar obras como as Odes Olímpicas do poeta Píndaro e Descrição da Grécia, 
de Pausânias, bem como iniciar uma busca pelos relatos sobre os jogos em Platão e Aristóteles, 
uma vez que aparecem em algumas passagens como um cenário ou uma referência, o que 
demonstra sua importância para a cultura grega da época e nos permite pensar ecos dessa teia 
de significados. Deste ponto do caminho, seguimos para uma outra viagem: a que busca 
percorrer os muitos modos de ser das olimpíadas de Filosofia, começando pela International 
Philosophy Olympiad (IPO), para analisar suas concepções de filosofia e de olimpíada de 
Filosofia, na busca por perscrutar as escolhas feitas e suas repercussões para o ensino de 
Filosofia.Concordando com Cerletti, afirmo que cada ato educativo atualiza um problema 
filosófico-político fundamental que consiste em como resolver a tensão entre reproduzir ‘o que 
há’ e dar lugar ao novo e diferente (CERLETTI. In: BORBA, KOHAN, 2008, p. 275). Como 
formar para o pensamento crítico e autônomo ao mesmo tempo em que se exige e premia a 
reprodução de saberes chancelados, historicamente situados e eleitos? A hipótese é que essa 
tensão está muito presente na história das olimpíadas de Filosofia, se fazendo perceptível nos 
diferentes posicionamentos e gerando um movimento de ruptura e invenção como o ato 
político-filosófico do professor uruguaio Maurício Langón. 
Defendo nesta tese que as olimpíadas de Filosofia inventadas a partir de seu pensamento 
e atuação na educação são uma subversão ao que está (im)posto na lógica da educação formal, 
que potencializa outros modos de fazer filosofia e educação. O encontro potente com as 
olimpíadas de Filosofia uruguaias nos leva a conhecer o pensamento de Langón, buscando os 
fundamentos de seu ato político de resistência. Langón traz em sua formação, além da filosofia 
clássica, o contato com a proposta de comunidades de investigação de Lipman e referências 
latino-americanas que são fortes presenças em sua concepção de filosofia, de educação e de 
olimpíadas de filosofia, de modo especial Vaz Ferreira, Rodolfo Kusch e Enrique Dussel. 
23 
 
Este ponto da viagem marca o encontro com o desejo (potência alegre) antigo de estudar 
filósofos latino-americanos e parece apontar para a possibilidade de, adentrando no pensamento 
de Langón, e por meio dele, de Vaz Ferreira, Kusch e Dussel, encontrar algumas notas para o 
engajamento numa outra lógica como exigência para pensar uma educação mais nossa, mais 
para nossos meninos e meninas latino-americanos. 
 
24 
 
1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE OLIMPÍADA, OS VALORES 
CULTUADOS E AS VIRTUDES CULTIVADAS NOS ENCONTROS OLÍMPICOS 
GREGOS 
 
1.1 O que é uma olimpíada? É possível uma olimpíada ser filosófica? 
 
A principal questão que se coloca quando se propõe uma olimpíada de filosofia é 
justamente que relação teria esta atividade educativa e filosófica com as Olimpíadas gregas. 
Quais as aproximações com o que se fazia na Grécia Antiga? Por que manter este nome? Em 
que sentido as Olimpíadas são uma referência ou uma inspiração para o que se faz numa 
olimpíada de filosofia? 
Uma pergunta primeira me incomoda: Por que voltar sempre à Grécia? Por que não 
viajamos para outros lugares? Para a África? Para a Índia? Para a América Latina? Foi preciso 
reconhecer a necessidade de voltar aos gregos, neste caso, porque a atividade educativa em 
estudo usa um termo grego que remete a um evento específico, com sua historicidade e seu 
conjunto de significados próprios e se faz necessário saber o que há de grego nas olimpíadas de 
filosofia, não para reproduzir, mas para refletir, dialogar, questionar, significar, ressignificar, 
inventar, reinventar, conhecer. Para entender os caminhos possíveis das olimpíadas de filosofia 
é relevante tentar compreender de onde veio o conceito olimpíada e o que ele abarca para pensar 
as relações com as atividades educativas propostas hoje com esse nome. Entendendo que há 
muita literatura e uma quantidade infindável de símbolos e sentidos para pensar a cultura grega 
e que este não é o objetivo central desta tese, este capítulo tentará perscrutar algumas pistas 
para a compreensão sociológica das olimpíadas e suas implicações educativas. 
Não há consenso sobre a data de início dos jogos olímpicos, uma das versões é que teria 
sido estabelecida pelo sofista Hípias, em 400 a.C., quando fora encarregado, pela cidade de 
Élida de escrever a história das primeiras olimpíadas. A partir de uma contagem de anos (quatro 
em quatro), considerando a 75ª olimpíada vigente na época, determinou a data de 776 a.C. como 
a da primeira olimpíada. Como nenhum traço escrito havia sido conservado, acredita-se que os 
detalhes fornecidos por Hípias, concernentes aos dois primeiros séculos de existência dos jogos, 
tenham sido provavelmente inventados. Os jogos pan-helênicos de Olímpia, realizados de 
quatro em quatro anos, receberam o nome de olympiakoí agônes, para unir as Cidades-Estado 
gregas e propiciar uma trégua divina, ekecheiria (mãos atadas para a guerra), em que a paz 
reinasse durante as competições. Existiam, na Grécia, numerosas festas que permitiam exaltar 
as qualidades físicas e morais dos atletas gregos, o que diferencia os jogos olímpicos é um 
25 
 
sentido particular: a afirmação da identidade grega, pan-helênica, que ressaltava uma cultura 
comum, com uma religião comum, com valores e sonhos reconhecidos e vividos por todos, com 
mitos e ideais comuns. As olimpíadas celebravam a unidade helênica e a fortaleciam com a 
manifestação da pluralidade numa celebração comum. Nesta cerimônia religiosa5 eram 
celebrados os fundamentos do espírito grego que conferem identidade e moldam o corpo social 
e suas práticas. Os jogos estão profundamente ligados às crenças não apenas religiosas, mas 
axiológicas, que tecem a sólida teia de significados da cultura grega (GEERTZ, 2008). A análise 
deste amálgama axiológico é relevante para compreender o que era cultivado nas olimpíadas 
gregas e nos ajudar a pensar o que está sendo cultivado nas olimpíadas de filosofia, em algumas 
de suas formas de ser. 
O valor desses eventos cívicos, os mais grandiosos dentro da dinâmica social da Grécia 
arcaica, ultrapassa em muito a dimensão puramente desportiva ou de entretenimento, pois o 
atletismo na Hélade antiga estava estabelecido no contexto da vida cívica e constituía parte 
indissociável da educação do cidadão: 
 
A paidéia, termo helênico, possui um conteúdo extraordinariamente abrangente e 
profundo: significa o cultivo do homem na sua totalidade e não pode ser dividido em 
educação física e mental, pois a mente não pode existir sem o corpo e o corpo nada 
significa sem a mente. Sócrates, a figura espiritual mais representativa do mundo 
antigo, viveu, inspirou-se e ensinou nos ginásios de Atenas, locais em que os jovens 
treinavam nus (gymnoí). Era ali que ele admirava a beleza física e a força deles e 
continuava a exercitar suas mentes (CABRAL, 2004, p.1). 
 
Há uma complexa rede de inter-relações religiosas, políticas e sociais, permeando esses 
acontecimentos e permanecendo como desdobramento deles. As Odes Olímpicas6 de Píndaro 
(1995), principal legado do poeta grego, nos permitem perscrutar o espírito da época (sec. V a. 
C.). Sua poesia está ligada aos vínculos sociais e espirituais da nobreza e se dirige ao homem 
grego, que, entre outras coisas, enobrece sua vida na atividade desportiva. Suas Odes em honra 
das competições desportivas nos permitem perceber a sociedade à qual se dirigiu sua arte: uma 
sociedade que está política e economicamente num momento importante de afirmação e 
crescente bem-estar na ilhas do Mar Egeo, consolidando a unidade, com uma mesma língua, 
um mesmo estilo de vida unidas espiritualmente pelas representações do divino, ainda que suas 
estruturas cívicas se concentrem em comunidades independentes e, com frequência, engajadas 
em conflitos armados. As Cidades-Estado têm como uma das mais destacadas instituições 
comunitárias a prática dos exercícios desportivos, tradicionalmente vivos desde a sociedade 
 
5 os jogos são uma festa religiosa e justamente por esse motivo deixam de existir em 393, acusados de culto 
pagão, pelo imperador cristão Teodósio I 
6 Odes em honra das competições desportivas e atléticas. 
26 
 
heroica da Ilíada e da Odisseia e as competições têm profunda relação com o culto aos deuses 
que se veem honrados pelas manifestações de força e habilidade dos jovens, além das honrarias 
prestadas pela arquitetura suntuosa dos templos a eles oferecidos: 
 
Todas estas manifestaciones arquitectónicas adquieren su mayor esplendorhumano 
con motivo de los juegos deportivos, que tienen sentido de servicio y culto a la 
divinidad. La victoria lograda es señal de que el dios ha aceptado el esfuerzo físico 
desplegado em el estadio o la palestra como una víctima grata. Las fronteras entre lo 
profano y lo divino son algo desconocido em ese ámbito de la agonística, que 
constituye la fiesta griega por antonomasia. [...] Esta fiesta tiene em sí el carácter 
fundamental de mutua pertinencia, de unión y de conciliación radical 
(ORTEGA,1984). 
 
A história da Grécia antiga está fortemente ligada a história do esporte, pela concepção 
indissociável entre psiquê e soma, o cultivo dos valores passava necessariamente pelo 
desenvolvimento das energias desportivas e do culto a elas prestado. Tal culto remontava aos 
tempos míticos e suas origens mais longínquas. Os heróis olímpicos eram, na crença dos 
helenos, descendentes dos deuses e a origem dos jogos era atribuída às lendas mais antigas: 
 
A relação dos jogos olímpicos com Pélops, o herói sagrado de Olímpia, cultuado em 
Áltis, antes mesmo de Zeus, era estreita e incontestável. Foi Pélops quem derrotou o 
rei Enômaos na primeira corrida de carros e o estádio, na sua fase mais antiga, 
originou-se a partir de seu túmulo, o sagrado Pelópion. Esses dados testemunham que 
os jogos possuíam um caráter sagrado para os helenos, o que significa que os jogos 
colocavam os homens em contato com o próprio deus e, por este motivo, eles eram 
sempre celebrados nos santuários mais sagrados sob tutela do deus: Olímpia, Pítia 
(Delfos), Neméia, Ístmia (Corinto) (CABRAL, 2004, p.1). 
 
As fronteiras entre o sagrado e o profano não existem neste âmbito da agonística e as 
festas que celebram os esportes estão mais relacionadas ao culto aos deuses que ao 
estabelecimento de um recorde ou rendimento. O que constitui a festa olímpica grega é a 
celebração do esplendor humano manifestado nas competições dos jogos desportivos como 
sentido de culto e serviço à divindade. As olimpíadas eram a celebração do espírito grego, 
tinham um caráter fundamental de mútuo pertencimento, de união e conciliação radical, além 
das próprias e individuais estruturas políticas das Cidades-Estado. Ainda que não seja muito 
clara a origem da agonística desportiva como forma de culto, sua forma mais primitiva aparece 
também na historiografia como meio de reverência aos defuntos, pois os exercícios e o 
desenvolvimento das energias juvenis eram sinal do vigor da luta humana para permanecer, 
para garantir a sucessão do nome da família e a herança dos antepassados, estava 
estruturalmente inserida na Paidéia e certamente mobilizava os espíritos em formação em 
direção a um ideal humano, sendo considerada também uma forma de alegrar os mortos com o 
desenvolvimento das forças dos corpos jovens (ORTEGA, 1995). 
27 
 
Não há agón que não esteja consagrado a um deus: a Zeus, em Olímpia e Neméia, a 
Apolo, em Delfos e a Poseidón, em Istmo, os mais importantes, no entanto, são os de Olímpia, 
em honra a Zeus. Culto, etimologicamente, vem do verbo latino colo, que significa eu cultivo, 
de modo especial, estava ligado ao mundo agrário eu cultivo o solo, e cultura, cultivo futuro (o 
sufixo ura remete ao futuro), o que deve ser cultivado. Esse significado material permanece até 
a conquista da Grécia e consequente helenização dos romanos, quando assume o significado de 
Paidéia, ampliando o termo, dando-lhe um sentido imaterial, próximo da educação, num 
sentido amplo: o que se cultiva no e pelo humano em todos os sentidos (BOSSI, 1996). É 
importante a concepção axiológica e não apenas religiosa do culto, porque para os gregos não 
há uma fronteira clara entre as duas concepções, sendo perfeitamente possível dialogar com o 
sagrado no profano. E, talvez, seja essa a única possibilidade de diálogo, no entanto, tal relação 
hoje, para nós, é conflituosa. 
A compreensão que vigora no espírito grego é sobre a unidade que existe entre tudo o 
que existe: a busca pela arché dos filósofos pré-socráticos indica a busca pela unidade presente 
no todo da existência. Essa concepção nos é distante, porque situados estamos numa lógica de 
dissociação, na qual os campos do saber pouco dialogam e até mesmo disputam espaços de 
poder. Compartimentamos o saber e assim, sabemos menos, compreendemos menos. Retornar 
à Grécia para compreender o que se cultivava naquela sociedade nos convida a refletir sobre 
nossa própria concepção das relações entre corpo e alma e entre sagrado e profano. 
 
El precedente inmediato de los físicos de Mileto son los poetas-teólogos, cuyas obras 
presentan sin embargo notables puntos de contacto en el pensamiento de los primeros 
filósofos. La teogonía de Hesíodo, por ejemplo, no propone sólo un origen de los 
dioses, sino también del mundo. No obstante, lo que permite hacer de Tales el primer 
filósofo y lo distingue de los poetas-teólogos, es que se mueve en un nuevo plano, el 
plano de la razón, no el del mito. Esto no quiere decir que Hesíodo, y más en general 
los poetas-teólogos, no usaran la razón, ni que en Tales o los posteriores filósofos el 
elemento mítico esté ausente, sino que en aquéllos predomina el elemento fantástico, 
mitológico, mientras que en Tales y en los jonios la razón o logos prevalece. Prueba 
de ello es que, aun moviéndose en un horizonte especulativo en parte semejante, 
cosmológico, los poetas no se proponen individuar el primer principio absoluto de 
todo lo real, sino más bien transmitir la generación del cosmos. Para los jonios, por el 
contrario, la búsqueda del principio (arjé) constituye la cuestión central de la que parte 
su especulación [...] pero, en todo caso consideran que tal principio debe ser único 
(YARZA,1992, p.25-26). 
 
 Para os atomistas, a diversidade das coisas procede dos átomos que se movem no vazio 
e quando se juntam, produzem geração e quando se separam, produzem corrupção. São eles os 
elementos constitutivos de toda a realidade e seu movimento a justificativa de todos os 
fenômenos, inclusive o conhecimento. A alma e o corpo são constituídos de átomos, assim, o 
conhecimento intelectual não difere substancialmente do sensível e por isso, não é possível 
28 
 
pensar uma superioridade da alma sobre o corpo antes de Platão. É neste espírito que os jogos 
se desenvolvem, dentro de uma lógica da unidade. Segundo Julián Marias (2004), o heleno se 
encontra num mundo que existe desde sempre e é interpretado como natureza, como princípio, 
como pressuposto. O mundo é algo ordenado e submetido a uma lei, o cosmos. Assim, a razão 
se insere nessa ordem do mundo, bem como as relações humanas e as relações com a divindade. 
Tudo está submetido à natureza ordenadora, tudo é um. 
Os jogos atléticos eram apenas uma das competições, as disputas de músicas também 
eram celebradas nos santuários e as atividades esportivas eram executadas ao som das músicas, 
há registros sobre a presença de flautistas acompanhando o movimento dos atletas para garantir 
que sejam desempenhados com harmonia e ritmo, uma vez que o ritmo era considerado 
condição necessária para o desenvolvimento do corpo e da mente: 
 
Talvez não seja demasiado enfatizar a significação especial que os helenos atribuíam 
à música; música instrumental e canções acompanhavam frequentemente a dança, que 
era, segundo Platão, a manifestação humana propriamente dita que unia o homem à 
divindade e o distinguia dos animais: “Os outros animais não têm o senso de ordem 
nem de desordem nos movimentos, os quais denominamos ritmo e harmonia”. Isso 
significa, continua Platão, que o homem que não sabe dançar (akhóreutos) é 
desprovido de educação (apaídeutos), ao passo que o homem educado 
(pepaideuménos) é aquele que sabe dançar e cantar. (CABRAL, 2004, p. 58). 
 
É importante tentar adentrar, considerando todas as limitações de compreensão, neste 
espírito grego para compreender o que entendiam por educaçãoe o papel do esporte e das 
olimpíadas, enquanto atividade base dessa sociedade, na construção de um ideal humano. Esse 
ideal, exposto na agonística, pressupõe a valorização do superior, pois quanto mais forte e 
excelente, mais perto dos deuses, necessariamente livre para desenvolver e mostrar seus 
méritos, suas responsabilidades e seu direito de participação na vida pública, pois só os livres 
poderiam se dedicar a desenvolver seus talentos e serem educados para a plenitude humana. 
Quais são os valores cultuados nas celebrações olímpicas e, por isso, cultivados na educação da 
sociedade grega? Quais as possíveis aproximações com o espírito filosófico das olimpíadas de 
filosofia? 
 
1.2 O culto a Zeus Olímpio em suas esferas de atuação Basileus, Tropáios e Xênios 
 
Os jogos olímpicos aconteciam em culto ao Zeus Olímpio, uma das esferas de atuação 
de Zeus, deus celeste, de poder supremo, que congrega a potência do deus-rei (Vernant, 2006, 
p.34). Zeus tinha um leque de qualitativos, tanto na vida política como na doméstica, a saber: 
Zeus Aithérios (céu claro), deus dos fenômenos atmosféricos, Zeus Ombrios (que propicia a 
29 
 
tempestade) era evocado como propiciador da chuva, Hyetios (chuvoso), IKmaios (da 
umidade), Oúreos (propiciador dos ventos) e Euamenos (dos bons ventos), Kataibates (descido) 
era referente aos raios que vinham dos céus. Tais evocações estão relacionadas à sua esfera 
celeste, mas Zeus também atuava na esfera ctônia, nos domínios do mundo inferior, pois tais 
dimensões eram indissociáveis para os gregos, com as evocações de Zeus Meilichios 
(apaziguador, gentil), o que propiciava purificação, acalmando o que oprime, Zeus Hikésios 
(dos suplicantes), era o que propiciava purificação após um ato de violência, o que atendia aos 
hiketés (aquele que vem), Zeus Philios (amigável) era cultuado nas cerimônias domésticas da 
amizade, Zeus Ktésios (das posses) era evocado como guardião das riquezas da família e Zeus 
Herkeios (do pátio) fecha os domínios do território (BURKERT, 1993 In: LAKY, 2011). 
Como soberano, Zeus presidia relacionamentos cívicos e sociais, como Zeus Polieus, e 
Zeus Agoraios, preserva a ordem e supervisiona os sistemas políticos, ligado ao sistema 
judicial, protegendo a cidade da tirania. As leis vêm de Zeus e os homens que administram a 
justiça, a ele estão submetidos, logo, a justiça só é possível porque um deus a mantém sob seu 
poder. Zeus Xênios protege e orienta as relações de hospitalidade entre os estrangeiros, 
cuidando das relações entre pessoas que não se conheciam antes. Xênios é o propiciador do 
acesso à casa que é estranha e sua salvaguarda. Zeus Eleuthérios (libertador) é evocado como 
libertador divino da tirania dos opressores e Zeus Pater, não por ter gerado os homens, mas por 
exercer autoridade sobre eles. É reverenciado nas batalhas como Zeus Tropáios (derrota, 
destroços), o guerreiro, e, na narrativa de Homero, é Zeus Basileus (combatente de vanguarda, 
que empunha o cetro), aquele que leva o trovão na sua mão direita. Como Panonphaiós é Zeus 
o autor de todos os presságios (LAKY, 2011). 
Segundo Vernant (2006), há papéis de Zeus que tem mais proximidade com o culto 
olímpico: Zeus Basileus, expressa a soberania de Zeus no Olimpo, ressalta a ideia de que 
somente um deus pode garantir a justiça entre os homens, ou seja, há a necessidade de algo que 
seja transcendente aos humanos que os una, garantindo sua unidade e as boas relações entre 
eles. Não necessariamente um deus, mas algo que una as pessoas em torno de si, que faça cessar 
as diferenças e possibilite relações de justiça. 
Zeus Tropáios, de caráter militar e combatente, ressalta o espírito agônico. E aqui é 
muito importante entender Agón, pois os jogos olímpicos são expressão do espírito agônico 
grego e Agón tem vários significados que permitem uma análise curiosa: é um substantivo 
derivado do verbo  (empurrar, conduzir, incitar), que significa também assembleia, reunião, 
encontros para coisas públicas, lugar para jogos públicos, esportes, lutas, combates, processo, 
momento crítico, risco, perigo. E ainda, em retórica, significa o argumento principal. Na 
30 
 
comédia grega, representa o momento do debate entre dois personagens principais (daí deriva-
se a palavra protagonista) apresentando pontos de vista opostos até o esgotamento da 
argumentação (LEMAIRE, 2013). 
E Zeus Xênios, protetor dos estrangeiros e assegurador da hospitalidade, protetor dos 
deveres da hospitalidade, mediador e protetor das diferenças, aquele que garante o principal 
elemento da pan-helenidade: a pluralidade, o encontro dos diferentes nos jogos pan-helênicos, 
e era também o que punia a todos os que não soubessem ser hospitaleiros com o visitante, pois 
este poderia ser um enviado dos deuses ou mesmo um deus disfarçado. Como vimos 
anteriormente, o evento olímpico não se reduzia ao desporto e ao entretenimento, mas, como 
manifestação cultural, conferia identidade e unidade aos que dele participavam e ao helenismo 
de modo geral. Inicialmente cultuado em Olímpia, o Zeus Olímpio, pela convergência que os 
encontros olímpicos propiciavam, passou a ser cultuado em outras cidades também, e seu culto 
difundia os valores das três dimensões mais próximas a esse culto: a soberania do povo grego 
e a busca por um ideal de humanidade (Basileus), seu espírito agônico e público manifestado 
nas reuniões para a discussão dos argumentos (Tropáios) e a hospitalidade em relação aos 
visitantes, a acolhida das diferenças e a reverência ao mistério do estrangeiro (Xênios). Esses 
valores fomentados no culto a Zeus nos jogos olímpicos são uma aproximação para pensar as 
olimpíadas de filosofia. 
A ekecheiria ou trégua sagrada, acordada entre as Cidades-Estado, faz de Olímpia um 
lugar sagrado e quem ousasse entrar nela, nestes dias de jogos para guerrear era considerado 
sacrílego. Os jogos tinham como regulamento a suspensão da hostilidade para que todas as 
pessoas pudessem se dirigir de forma pacífica para Olímpia e todas as fronteiras eram abertas. 
O Zeus Xênios, propiciador da hospitalidade cuidaria de suspender as diferenças entre as 
pessoas. Proibidas as armas, as atividades guerreiras deveriam cessar. Parece-me que neste 
ponto se afigura que, nos jogos olímpicos, as competições não eram belicosas e que seus 
objetivos fomentavam não a derrota e a disputa, mas a virtude, de modo especial da 
hospitalidade e do reconhecimento do outro, do estrangeiro que vem ao encontro. Um outro 
espírito parece se configurar: a excelência buscada não era a ostentação da superioridade de um 
sobre o outro, uma vez que se vivia um período de trégua e as mãos estavam atadas para o 
combate, o que se buscava então, era a manifestação em comum, da excelência da cultura grega, 
a celebração do melhor de si, do ideal de humanidade culturalmente instituído. 
 Os preceitos délficos, na interpretação de Defradas, segundo Foucault, seriam 
imperativos gerais de prudência (phrônesis), virtude necessária para a relação do sujeito com a 
verdade. O gnôthi seautón (conhece-te a ti mesmo) seria o princípio que orienta a cada um a 
31 
 
lembrar-se de sua condição diferente dos deuses para saber-se limitado e não contar demais 
com as próprias forças. O medèn ágan (nada em demasia) indicava, ainda segundo Defradas, a 
conduta sem excessos, nas demandas, na maneira de conduzir-se e nas esperanças. Sobre as 
cauções, um princípio de cuidado em relação às promessas e seus riscos (2010, p.6). Uma 
primeira análise de tais preceitos como presentes no espírito olímpico, parece apontar para uma 
postura não arrogante dos atletas e demais participantes do evento, já que não seria honroso 
vencer sem virtude. O gnôthi seautón preveniria de uma opinião exagerada sobre os próprios 
méritos, fonte da prepotência e favoreceria a busca pela excelência humana, não individual, 
mas grega, entendida como universal. 
O exercícioreflexivo de diálogo histórico que intentamos neste capítulo exige que 
consideremos que nossa teia cultural competitiva, centrada na ideia (ilusória) de indivíduo 
como empresa de si, nos distancia da compreensão de ideais comunitários que exaltam as 
virtudes humanas, não o indivíduo. Essa distância torna difícil pensar como entendiam essa 
competição, que era também política, ao ressaltar a coisa pública, o congraçamento, sem 
imposição do melhor em detrimento do outro (da outra cidade), mas do melhor do humano, 
uma exaltação da humanidade na comunidade a partir da capacidade de hospitalidade e 
reverência pelo sagrado no outro (uma vez que podia ser um deus disfarçado). O altar de Zeus 
estava em um lugar atingido por um raio que tinha sido lançado pelo deus do seu trono no alto 
do Monte Olimpo, onde os deuses se reuniam. Assim, reunir-se neste local era buscar estar 
próximos da noção de máximo, uma aspiração humana, ser o máximo humano possível é estar 
mais perto da deidade, exigir de si o máximo é aproximar-se dos deuses, é um caminho virtuoso. 
Em homenagem aos deuses, os gregos dedicavam-se a mostrar sua excelência, como 
manifestação de reverência. Dar o melhor de si nas modalidades esportivas era uma espécie de 
oferenda juntamente com os animais sacrificados. Os jogos se encerravam oficialmente com 
uma procissão de ação de graças ao deus do santuário e com um banquete para os vencedores, 
coroados com uma coroa de oliva, que, segundo a tradição, teria sido plantada por Héracles, 
fundador mítico dos jogos (Olímpica III, 10-15). Os vencedores eram recebidos com grandes 
honras em suas cidades e em Olímpia, seus nomes ficariam para sempre na memória pois eram 
erigidas estátuas em honra daqueles que vencessem três vezes. Em suas cidades eram recebidos 
com uma saudação oficial feita por um coral, cantando hinos de Píndaro, na Ágora, no Teatro 
ou no Templo (ORTEGA, 1995). Os jovens aspiravam pela imortalidade na poesia de Píndaro, 
que os retratava com dados concretos, nome de sua família, pátria e vitórias, juntamente com 
os louvores ao deus em cuja honra se celebrava a vitória, já que esta é uma graça dispensada 
pela divindade, uma manifestação do divino no humano: 
32 
 
Himnos que domináis la lira! 
Qué dios, qué héroe, qué hombre deberemos cantar? 
Em verdade es Pisa de Zeus. Mas el Juego de Olimpia 
lo estableció Heracles cual primicia de su victoria. 
Pero a Terón, por su cuadriga triunfal, 
Se debe celebrar, justo en su respecto a los extranjeros, 
baluarte de Agrigento, primor de renombrados 
padres que la ciudad enaltece. 
Tras soportar en su corazón dolores inúmeros, 
santa morada ocuparon ellos a orilla del río, y de Sicilia 
fueron ojo, y una vida siguió fijada por el destino, 
Que prestaba riqueza y encanto a sus genuinas virtudes. 
Oh Zeus, hijo de Crono y de Rea, que el asiento 
del Olimpo dominas, la cima de los Juegos y el curso 
del Alfeo, enardecido por nuestros cantos sé con ellos 
benigno y conserva en adelante la paterna campiña a 
la prole futura! De las acciones realizadas, 
sea con justicia o contra justicia ni el Tiempo, 
el padre de todo, puede lograr que no se haya cumplido 
su término [...] 
Cuando el destino de la divinidad envía su bendición 
hasta sublime cumbre. Mi palabra conviene a las hijas 
de Cadmo, las de hermoso trono, que sufrieron 
inmensos dolores. Mas una aflicción gravosa sucumbe 
ante dichas mayores. 
Vive con los Olímpicos la que murió en el fragor del 
rayo, la de larga cabellera, Sèmele, y la ama Palas por 
siempre y Zeus Padre, y mucho la ama su hijo, el coronado 
de hiedra. [...] (Olímpica II). 
 
A Olímpica II, foi escrita em 476 em honra de Terón de Agrigento (488-472 a. C.), 
vencedor na corrida hípica de carros, a mais aristocrática das competições. Píndaro canta mais 
as virtudes que o triunfo, afirmando que a elas segue a felicidade para além da morte e que a 
honra deve ser buscada nesta vida inconstante e cheia de dores e infortúnios. As Odes Olímpicas 
podem nos revelar o espírito agônico direcionado à busca por uma vida virtuosa como o ideário 
dos jogos olímpicos, uma busca pela excelência humana e sua consequente autotranscedência. 
Os jogos faziam aflorar nos gregos o compromisso com essa excelência humana e eram também 
vistos como uma solução diante dos problemas de convivência, pois propunham a trégua, eram 
o espaço para a hospitalidade e o viver juntos se tornava possível. 
Pausânias, em sua obra clássica Descrição da Grécia (2008), afirma que os jogos 
haviam caído no esquecimento até o séc. VIII a.C.7 e a Grécia havia mergulhado em 
intermináveis conflitos quando Ífto, um rei da região de Olímpia perguntou ao oráculo de 
Delfos o que fazer para pôr um fim às guerras, ao que Apolo respondeu que era necessário 
 
7 Historicamente, os Jogos Olímpicos acontecem pela primeira vez em 776 a.C., mas suas origens encontram-
se entrelaçadas no mito e na pré-história grega. Há evidências arqueológicas de que competições atléticas já 
ocorriam em terras helênicas desde a Idade do Bronze (aproximadamente entre 2000- 1100 a.C.), nos 
chamados Período Minóico (com relação à civilização que se desenvolveu na ilha de Creta) e Período 
Micênico (ocorrido na Grécia continental) (FRANCISCATO, 2013). 
33 
 
recomeçar os jogos olímpicos em honra a Zeus e que a ekecheiria deveria ser decretada. Assim, 
ficara proibida qualquer hostilidade para que, juntos, se buscasse o ideal humano para ofertar a 
Zeus. 
Existe um ethos olímpico que nos ajuda a compreender a cultura grega e dialogar com 
a educação e a filosofia para pensar cooperação e competição. Um dos mais fortes ideais que 
orientavam a paidéia era o kalós kagathós, a harmonia entre corpo e alma, a busca pelo Belo e 
pelo Bem, pela forma bela e pela força física juntamente com o bom caráter e a excelência 
humana, a vida virtuosa. A maior vitória era ter o corpo belo e alma virtuosa e a maior honra 
para o vencedor olímpico seria ter uma estátua sua em Olímpia, com seu nome, o nome de sua 
família e de sua cidade de origem. Uma das tradições das cidades para receber seus vencedores 
era derrubar parte das muralhas, pois afirmavam que uma cidade que tinha tais homens, não 
precisava de muralhas, eram eles sua fortaleza (FRANCISCATO, 2013). Observa-se aqui uma 
outra dimensão da competição, mais centrada na cidade, na comunidade, na honra da família e 
na força da virtude que nos méritos ou interesses individuais. 
Heródoto (Histórias, VIII, 26) conta que, durante a guerra entre gregos e persas, alguns 
desertores gregos foram levados à presença de Xerxes, o grande rei. Ele desejou saber o que 
faziam seus inimigos naquele momento. Eles contaram que os gregos realizavam competições 
atléticas e hípicas em Olímpia. Alguém perguntou qual era o prêmio disputado pelos 
concorrentes e eles responderam que era a coroa de folhas da oliveira sagrada, conferida ao 
vencedor. Então, um dos oficiais exclamou, dirigindo-se ao general: “Ah! Mardônio, contra que 
espécie de homens nos faz guerrear, que não competem por dinheiro, mas pela excelência?” 
A busca pela excelência manifestava também o desejo de se aproximar dos deuses, 
alcançando a virtude, o homem alcançaria o máximo daquilo que a humanidade pode alcançar, 
a virtude humana como ultimum potentiae, o bem a que todas as coisas visam (Aristóteles, Ética 
a Nicômaco, livro I, 1094 a), na vida política e contemplativa: 
 
Se afirmamos que a função própria do homem é um certo modo de vida, e este é 
constituído de uma atividade ou de ações da alma que pressupõem o uso da razão, e a 
função própria de um homem bom é o bom e nobilitante exercício desta atividade ou 
a prática dessas ações, se qualquer ação é bem executada de acordo com a forma de 
excelência adequada, o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades 
da alma de conformidade com a excelência, e se há mais de uma excelência, de

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