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Fundamentos Filosóficos e Sociológicos da Educação Marcos R. C. Ketelhut Virgínia Marcondes AULA 01 Trabalho Para a maioria de nós, o trabalho ocupa um espaço maior da vida do que qualquer outro tipo de atividade. É comum associarmos a noção de trabalho a uma atividade maçante. No entanto, há outras implicações – não fosse assim, as pessoas não se sentiriam perdidas e desorientadas ao ficarem desempregadas. O trabalho representa um elemento estruturador na composição psicológica das pessoas. De todo modo, a palavra “trabalho” pode ter nascido do vocábulo latino “tripallium”, que significa “instrumento de tortura”, e durante muito tempo esteve associada à ideia de atividade penosa. Diversas características do trabalho são relevantes, dentre elas: dinheiro, nível de atividade, estrutura temporal, contatos sociais e identidade pessoal. Dinheiro: um salário é o principal recurso do qual muitas pessoas dependem para satisfazer suas necessidades. Nível de atividade: proporciona uma base para a aquisição e o exercício das aptidões e habilidades, oferecendo um ambiente no qual as energias do indivíduo são absorvidas. Estrutura temporal: o dia se organiza em torno do ritmo do trabalho. Contatos sociais: proporciona amizades e oportunidades de participação em atividades comuns com outras pessoas. Fora do ambiente, é possível uma restrição do círculo de possibilidades em termos de fazer amizades e conhecer pessoas. Identidade pessoal: valoriza-se o trabalho pela sensação de identidade social estável que ele oferece. Estamos inclinados a pensar no trabalho como se ele equivalesse ao emprego remunerado. Entretanto, essa é uma visão simplificada. Por exemplo, quando observamos o trabalho doméstico, este não se ajusta às categorias ortodoxas do emprego remunerado. Outro exemplo é o trabalho feito na economia informal, definido como transações que ocorrem fora da esfera do emprego regular, que às vezes envolve a troca de dinheiro por serviços prestados. 1. Em outros momentos históricos e sociais A escravidão na Antiguidade Na sociedade grega, era a mão de obra escrava que garantia a produção que supria as necessidades da população. Os escravos eram basicamente prisioneiros das conquistas e da guerra. Entretanto, na Cidade-Estado de Atenas, os senhores e proprietários integravam a camada dos cidadãos, à qual cabia discutir os assuntos da cidade. Portanto, para se dedicarem a essa atividade, o trabalho escravo era fundamental. Labor, trabalho e ação De acordo com Hanna Arendt (1906-1975), os gregos classificavam as atividades humanas em três categorias: • labor: esforço físico voltado para a sobrevivência do corpo, como o cultivo da terra; • trabalho: o fazer, fabricar, criar algum produto, como o trabalho do artesão ou do escultor; • ação: atividade que tem a palavra como instrumento, como a política e a vida pública. A produção nas sociedades tribais A produção nas sociedades tribais é diferente uma da outra. De qualquer forma, ela não é estruturada de acordo com a atividade que, em nossa sociedade, denominamos trabalho. Todos fazem quase tudo, e as atividades relacionadas à obtenção do que as pessoas necessitam para se manter (coleta, caça, agricultura) estão associadas aos ritos e mitos, ao sistema de parentesco, às festas e às artes, integrando-se, portanto, a todas as esferas da vida social. Marshall Sahlins (1930-) chama essas sociedades de “sociedades da abundância” ou “sociedades do lazer”, pois seus membros não só tinham todas as necessidades materiais e sociais plenamente satisfeitas, como dedicavam um mínimo de horas diárias ao que nós comumente chamamos de trabalho. Duas explicações podem ser apresentadas para o fato de eles dedicarem menos tempo às atividades que denominamos trabalho. A primeira está no modo como se relacionam com a natureza. A terra, além de ser o espaço em que vivem, tem valor cultural. A segunda está no fato de que a estrutura das sociedades tribais e o modo como os membros produzem e reproduzem sua existência não se baseiam na necessidade de acumular bens ou alimentos. Os excedentes são consumidos em festas e cerimônias. A servidão nas sociedades feudais Nas sociedades feudais europeias, podemos afirmar que o regime de trabalho que dominou o período foi a servidão. Os servos não gozavam de plena liberdade, mas também não eram escravos. Prevalecia um sistema de deveres do servo para com o senhor. Além de cultivar as terras do senhor, eles trabalhavam na construção e manutenção de estradas e pontes. Essa obrigação se chamava corveia. Os servos, os camponeses livres e os aldeãos eram os que trabalhavam. Os senhores feudais e os membros do clero viviam do trabalho dos outros. A terra era o principal meio de produção, e os trabalhadores tinham direito a seu usufruto, mas nunca à propriedade. 2. O trabalho na sociedade moderna Com o fim do período medieval e a emergência do capitalismo, a estrutura de trabalho passou por um processo de transformação. Os artesãos e pequenos produtores trabalhavam, muitas vezes, na própria casa. Eles tinham suas ferramentas e seus instrumentos, e produziam ou obtinham, por meio de troca, as matérias-primas para produzir o que necessitavam. Pouco a pouco, essa situação se modificou. Em primeiro lugar, houve a separação entre a moradia e o local de trabalho. Em segundo, o trabalhador foi separado de seus instrumentos. Por fim, perdeu a possibilidade de obter a própria matéria-prima. Essa transformação fez com que o trabalhador (artesão) já não participasse de todo o processo de produção, consolidando o trabalho coletivo. Cada trabalhador só participava de um passo da produção. No final, o produto tornou-se resultado da atividade de muitos trabalhadores, que passaram a receber um salário. Além disso, trabalhavam durante um tempo definido por quem lhes pagava esse salário. 3. A divisão do trabalho Uma das características mais distintivas das sociedades modernas é a existência de uma divisão do trabalho complexa: o trabalho passou a ser dividido em um número enorme de ocupações diferentes, nas quais as pessoas se especializam. Uma outra característica foi a localização do trabalho. Antes da industrialização, a maior parte do trabalho ocorria em casa, sendo concluído coletivamente por todos os membros da família. Os avanços nas tecnologias contribuíram para a separação entre trabalho e casa. As fábricas de propriedade de empresários tornaram-se o foco do desenvolvimento industrial: maquinário e equipamentos concentraram-se dentro destas, e a produção em massa de mercadorias ofuscou a habilidade artesanal em pequena escala. Um outro aspecto importante das sociedades modernas é a interdependência econômica. Significa dizer que, para termos acesso aos produtos e aos serviços que nos mantêm vivos, dependemos de um número imenso de trabalhadores – que estão espalhados pelo mundo. Marx e Durkheim Os primeiros sociólogos escreveram a respeito das consequências da divisão do trabalho. Para Marx, a mudança para a industrialização e a mão de obra assalariada resultariam em uma alienação entre os trabalhadores. Uma vez que estivessem empregados em uma fábrica, os trabalhadores perderiam todo o controle sobre seu trabalho, sendo obrigados a desempenhar tarefas que despojariam seu trabalho do valor criativo. Em uma sociedade capitalista, os trabalhadores acabam adotando uma orientação instrumental, afirmava ele, vendo o trabalho como nada mais do que uma maneira de ganhar a vida. Durkheim tinha uma visão mais otimista sobre a divisão do trabalho, embora ele também reconhecesse seus efeitos prejudiciais. Segundo Durkheim, a especialização em papéis serviria para fortalecer a solidariedade social dentro das comunidades. Em vez de viverem em unidades isoladas, autossuficientes, as pessoas estariamligadas por sua dependência mútua. A solidariedade seria intensificada por meio de relações multidirecionais de produção e consumo. 4. As mulheres e o trabalho Durante toda a história, homens e mulheres contribuíram para produzir e reproduzir o mundo social que os cerca, tanto diariamente quanto durante longos períodos. Para as sociedades anteriores ao sistema industrial, não havia uma separação entre as atividades produtivas e as atividades domésticas. A produção acontecia em casa ou nas proximidades, e todos os membros da família participavam do trabalho. As mulheres exerciam uma influência considerável dentro do lar, ainda que fossem excluídas dos domínios masculinos da política e da guerra. O desenvolvimento da indústria moderna provocou a separação entre a casa e o local de trabalho. Assim, os empregadores passaram a contratar trabalhadores individuais, e não famílias. A ideia de esferas distintas (pública e privada) arraigou-se nas atitudes populares. Os homens passavam mais tempo no domínio público, envolvendo-se em assuntos locais, na política e no mercado, em virtude de seu emprego fora de casa. As mulheres acabaram sendo associadas aos valores “domésticos”, sendo responsáveis por tarefas como cuidar dos filhos, manter a casa e preparar a comida. A ideia de que “lugar de mulher é em casa” trouxe diferentes implicações para as mulheres em diversos níveis da sociedade. As mulheres ricas contavam com serviços de faxineiras, babás e empregadas domésticas; o fardo era mais cruel para as mulheres pobres, que tiveram que enfrentar os afazeres domésticos, além de se lançarem no trabalho industrial para completar a renda do marido. De todo modo, os índices de mulheres trabalhando fora de casa, em todas as classes, foram bem baixos até o início do século XX. O gênero e as desigualdades no trabalho Apesar da igualdade formal em relação aos homens, as mulheres ainda passam por diversas situações de desigualdade no mercado de trabalho. Por exemplo, a questão da disparidade salarial, que se refere ao fato de que o salário médio das mulheres empregadas é menor do que os dos homens. Uma das causas da disparidade salarial tem a ver com a segregação ocupacional, uma vez que homens e mulheres estão concentrados em tipos diferentes de empregos, baseados nas interpretações dominantes do que vem a ser uma atividade adequada para cada sexo. A divisão doméstica do trabalho O trabalho doméstico nasceu da separação entre o lar e o local de trabalho. Com a industrialização, a casa tornou-se um local de consumo, e não de produção de mercadorias. O trabalho doméstico tornou-se “invisível” assim que o “trabalho de verdade” passou a ser aquele que garante um pagamento direto. Por tradição, o trabalho doméstico sempre foi visto como um território feminino, enquanto o domínio do “trabalho de verdade”, fora de casa, era reservado aos homens. As mulheres assumiam a maioria das tarefas domésticas, se não todas, ao passo que os homens “sustentavam” a família recebendo um salário. Um dos resultados do aumento no número de mulheres que começaram a exercer uma atividade remunerada é a renegociação de certos padrões familiares. O modelo de “homem provedor” tornou-se exceção, em vez de regra, e a crescente independência econômica das mulheres significa que elas estão em melhor situação para escaparem, em casa, dos papéis determinados pelo gênero, se assim o quiserem. Tanto nos afazeres domésticos quanto nas decisões financeiras, os papéis domésticos tradicionais estão passando por mudanças significativas em direção a relações mais igualitárias, embora a mulher continue sendo a responsável pelas tarefas domésticas. Estudos demonstram que mulheres casadas que trabalham fora de casa executam menos tarefas domésticas do que as demais, embora quase sempre sejam as principais responsáveis pelos cuidados da casa – fato que levou a socióloga norte-americana Arlie Hochschild a falar da “dupla jornada”, ou seja, as horas extras de trabalho doméstico que muitas mulheres empregadas executam após o expediente oficial para manter a casa funcionando tranquilamente. 4.Desemprego Os índices de desemprego apresentaram uma flutuação considerável ao longo do século XX. De todo modo, interpretar as estatísticas de desemprego oficiais não é tarefa simples. Não é fácil definir o desemprego: significa “estar sem trabalho”. Porém, o “trabalho” significa uma atividade remunerada em uma “ocupação reconhecida”. Pessoas “desempregadas” oficialmente podem estar exercendo muitas formas de atividade produtiva, como pintar a casa ou cuidar do jardim. Muitas têm um emprego remunerado de meio turno, ou apenas arranjam trabalhos remunerados esporádicos. O desemprego pode ser uma experiência bastante perturbadora. Obviamente, a consequência mais imediata é a perda da renda. Nos países em que há uma garantia de acesso aos serviços de saúde e a outros benefícios assistenciais, os desempregados podem até sofrer grandes dificuldades financeiras, mas continuam sob a proteção do Estado. Estudos sobre os efeitos do desemprego em termos emocionais observaram que as pessoas que estão desempregadas geralmente vivenciam uma série de fases até se ajustarem à sua nova condição. Altos níveis de desemprego podem provocar o enfraquecimento das comunidades e dos laços sociais. Em um estudo sociológico realizado na década de 1930, Marie Jahoda e seus colegas investigaram o caso de Marienthal (pequena cidade austríaca que estava atravessando uma situação de desemprego em massa após o fechamento de uma fábrica). Os pesquisadores notaram como a experiência de desemprego de longa duração acaba desgastando muitas das estruturas sociais e das redes de contatos da comunidade. As pessoas ficaram menos ativas nas questões cívicas e seus convívios sociais diminuíram. 5. O trabalho passa a ser menos importante? O sociólogo francês e crítico social André Gorz afirma que, no futuro, o trabalho remunerado irá desempenhar um papel cada vez menos importante em nossa vida. Ele baseia seus estudos a partir de Marx, para quem a classe trabalhadora lideraria uma revolução que levaria a um tipo mais humano de sociedade. Mesmo escrevendo como um esquerdista, Gorz diz que, ao invés de a classe trabalhadora estar se tornando o maior grupo da sociedade (como Marx sugeriu) e liderando uma revolução de sucesso, ela está encolhendo. Para Gorz, não faz mais sentido supor que os trabalhadores possam assumir a direção das empresas das quais fazem parte, quanto mais tomar o poder do Estado. Não existe nenhuma esperança de se transformar a natureza do trabalho remunerado, já que ele está organizado de acordo com considerações técnicas que são inevitáveis para a eficiência de uma economia. “O essencial agora”, como explica Gorz, é “que nos libertemos do trabalho”. Essa ideia é necessária nas situações em que a organização do trabalho se torna opressiva ou monótona. Ele acredita que o avanço da tecnologia da informação irá reduzir ainda mais a disponibilidade de empregos em turno integral. O resultado provavelmente será um impulso no sentido de rejeitar a visão “produtivista” da sociedade, a qual enfatiza a riqueza, o crescimento econômico e os bens materiais. Nos próximos anos, uma diversidade de estilos de vida permanente, fora da esfera do emprego remunerado, será seguida pela maioria da população. Talvez aumente o número de pessoas a se envolverem com o planejamento da vida, por meio do qual elas poderão programar o trabalho de maneiras distintas nas diferentes fases da vida. Qual é a validade desse ponto de vista? Há grandes mudanças ocorrendo na natureza e na organização do trabalho nos países industrializados. Como sugeriu Gorz, realmente vale a pena enxergar o desemprego por um ângulo que não seja completamente negativo, mas como uma situação capaz de oferecer aos indivíduos oportunidades desaírem em busca de seus interesses e de desenvolverem os seus talentos. Entretanto, para muitos, o emprego remunerado continua sendo a chama para a geração de recursos materiais necessários para manter uma vida diversificada. Podemos perceber, ao longo da aula, que o objetivo principal foi percorrer alguns pontos da história da humanidade referentes ao trabalho. Também observamos suas transformações nos últimos séculos e a questão do desemprego. Fundamentos Filosóficos e Sociológicos da Educação Número do slide 2 Trabalho Número do slide 4 Número do slide 5 Número do slide 6 Número do slide 7 1. Em outros momentos históricos e sociais A escravidão na Antiguidade Labor, trabalho e ação Número do slide 11 A produção nas sociedades tribais Número do slide 13 Número do slide 14 A servidão nas sociedades feudais Número do slide 16 2. O trabalho na sociedade moderna Número do slide 18 Número do slide 19 3. A divisão do trabalho Número do slide 21 Número do slide 22 Marx e Durkheim Número do slide 24 4. As mulheres e o trabalho Número do slide 26 Número do slide 27 O gênero e as desigualdades no trabalho A divisão doméstica do trabalho Número do slide 30 Número do slide 31 Número do slide 32 4.Desemprego Número do slide 34 Número do slide 35 5. O trabalho passa a ser menos importante? Número do slide 37 Número do slide 38 Número do slide 39 Número do slide 40