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AULA 20 - JOELHO - LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR Professora Nayra Rabelo 1. Anatomia e Biomecânica Básica do Ligamento Cruzado Anterior (LCA) O LCA tem a forma de uma corda que se estende da parte posterior do fêmur até a parte anterior da tíbia cruzando-se com o Ligamento Cruzado Posterior (LCP) no centro do joelho. O LCA é composto por duas bandas principais: Banda anteromedial: Se origina na porção mais proximal do LCA e se insere na porção mais anteromedial da sua inserção tibial. É mais tensionada durante a flexão de joelho Banda posterolateral: Se origina mais distal em relação à origem femoral e se insere mais póstero-lateral na inserção tibial. É mais tensionada durante a extensão do joelho e impede rotação interna excessiva. Figura 1: anatomia do LCA. A principal função do LCA é evitar o deslocamento anterior da tíbia em relação ao fêmur. Além disso, o LCA limita o movimento posterior dos côndilos femorais sobre o platô tibial durante a flexão de joelho em Cadeia Cinética Fechada (CCF) e previne a hiperextensão da articulação do joelho. O LCA também participa como estabilizador das rotações do joelho, especialmente na rotação interna. WPS_1660134844 Ink A tensão máxima do LCA ocorre entre 10° e 30° de flexão, sendo reduzida com maior flexão ou extensão. A tensão do LCA também aumenta com a rotação interna e diminui com a rotação externa. 2. Epidemiologia das Lesões de LCA A incidência das lesões do LCA é de 120 mil por ano nos Estados Unidos. As mulheres são mais suscetíveis a sofrerem lesões de LCA. 41% das lesões do LCA são causadas por mecanismos sem contato, ou seja, sem colisão com outro jogador ou objeto. Lesões do LCA corresponde 50% de todas as lesões de joelho. 60% de todas as cirurgias relacionadas ao esporte é de Reconstrução do LCA (RLCA) 3. Mecanismo de Lesão do LCA O LCA é um importante ligamento do joelho que desempenha um papel fundamental na estabilização do joelho, principalmente em relação à translação anterior da tíbia em relação ao fêmur. Ele também ajuda a controlar os movimentos rotacionais do joelho. As lesões do LCA são relativamente comuns, e podem ocorrer devido a diferentes mecanismos, como: Trauma direto: Contatos diretos na região posterior da tíbia, que podem forçar uma anteriorização excessiva da tíbia em relação ao fêmur. Contatos diretos na região lateral do joelho podem favorecer um valgo excessivo do joelho. Sem contato: As lesões do LCA também podem ocorrer sem contato direto com outra pessoa ou objeto. Alguns dos mecanismos sem contato mais comuns incluem: Rotação do fêmur sobre a tíbia: Isso pode ocorrer quando o pé está fixo no solo e o atleta faz mudanças de direção rápidas, paradas bruscas ou desacelerações durante atividades esportivas, como futebol, basquete e esportes de corte. A rotação do fêmur pode criar forças que estressam o LCA e podem levar a lesões. Hiperextensão forçada após aterrissagem: Isso pode ocorrer em esportes que envolvem saltos, como o salto em altura, onde o joelho é forçado a uma posição de hiperextensão quando o atleta aterrissa de maneira inadequada. A hiperextensão excessiva pode sobrecarregar o LCA e causar lesões. Tríade infeliz: O termo "Tríade Infeliz" se refere a uma lesão do joelho que envolve a ruptura do LCA, do ligamento colateral medial (LCM) e do menisco medial. Essas três estruturas são frequentemente lesionadas em conjunto quando há uma força em valgo com rotação interna do fêmur sobre a tíbia fixa no chão. Figura 2: mecanismos de lesão do LCA. 4. Testes Especiais Teste de Lachman: Esse é o teste mais sensível e específico para detectar lesões do LCA. Para realizá-lo, o paciente deve estar deitado em decúbito dorsal com o joelho a ser testado flexionado a 30 graus. O examinador segura firmemente a coxa do paciente com uma mão e a tíbia com a outra, e aplica uma força de tração anterior na tíbia, enquanto observa o deslocamento e a sensação de fim de curso. Se houver uma translação anterior excessiva da tíbia, sem uma parada firme, o teste é positivo para lesão do LCA. Teste da Gaveta anterior: Esse teste é semelhante ao teste de Lachman, mas é realizado com o joelho flexionado a 90 graus. O examinador deve sentar-se sobre o pé do paciente para estabilizar a tíbia, e abraçar a tíbia com as duas mãos, colocando os polegares na interlinha articular. Em seguida, o examinador traciona a tíbia anteriormente, verificando o deslocamento e a sensação de fim de curso. Se houver uma translação anterior excessiva, sem uma parada firme, o teste é positivo para lesão do LCA. Teste de Pivot Shift: Esse teste é o mais complexo e difícil de realizar, mas é o único que reproduz a instabilidade rotacional do joelho causada pela lesão do LCA. Para realizá-lo, o paciente deve estar deitado em decúbito dorsal com o joelho estendido. O examinador segura o pé do paciente com uma mão e aplica uma força em valgo no joelho com a outra. Em seguida, o examinador flexiona lentamente o joelho, mantendo a força em valgo e a rotação interna. Se houver uma subluxação anterior da tíbia no início da flexão, seguida de uma redução súbita na flexão de 20 a 40 graus, o teste é positivo para lesão do LCA. Figura 3: teste de Lachman. Figura 4: teste de Gaveta Anterior. Figura 5: teste Pivot Shift. 5. Características Radiológicas da Lesão de LCA O principal exame de imagem para detectar a lesão do LCA é a ressonância magnética (RM). A RM permite visualizar o LCA em diferentes planos e cortes. As características da lesão do LCA na RM podem variar de acordo com o grau, a localização e o tempo da lesão. Em geral, as lesões agudas do LCA apresentam as seguintes características: Interrupção da continuidade das fibras do LCA, que podem aparecer como um sinal de alto brilho (hipersinal) na sequência ponderada em T2. Aumento do diâmetro e da irregularidade do LCA, que pode estar ausente ou deslocado da sua posição normal. Translação anterior da tíbia em relação ao fêmur. Presença de líquido na bainha do LCA ou no espaço intercondilar anterior, que indica inflamação ou hemorragia. Figura 6: corte sagital em RM do joelho, evidenciando o LCA íntegro. Figura 7: corte sagital em RM do joelho, evidenciando lesão LCA. 6. Características Clínicas do Paciente com Lesão do LCA Dor: A dor é frequentemente um sintoma imediato após a ruptura do LCA e pode variar em intensidade, dependendo da gravidade da lesão. Edema: O edema é uma resposta natural do corpo a lesões e ocorre quando há acúmulo de fluido no joelho lesionado. Instabilidade mecânica: A instabilidade mecânica refere-se à capacidade de a tíbia deslocar-se anteriormente em relação ao fêmur quando uma força é aplicada. Instabilidade funcional: A instabilidade funcional é quando o paciente relata uma sensação de que o joelho está "dando um falseio" durante a descarga de peso ou durante movimentos. Isso pode ocorrer quando o paciente tenta realizar atividades que envolvem estresse no LCA, como torcer o joelho ou fazer movimentos bruscos. É importante destacar que nem todos os pacientes com ruptura do LCA experimentam todos esses sintomas, e a gravidade dos sintomas pode variar de um paciente para outro. Como mencionado, a presença de instabilidade funcional pode depender da gravidade da lesão e da capacidade dos músculos isquiotibiais em compensar a falta de suporte do LCA. Em algumas rupturas parciais ou lesões menos graves, os músculos podem ajudar a manter a estabilidade do joelho. 7. Técnicas Cirúrgicas para a RLCA Os dois tipos de cirurgias de reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) são a técnica de túnel simples e a técnica de túnel duplo. Ambas as técnicas consistem em substituir o LCA lesionado por um enxerto retirado do próprio paciente, que pode ser o tendão patelar, o tendão quadricipital ou os tendões isquiotibiais. A diferença entre as técnicas está na forma como o enxerto é fixadonos ossos do fêmur e da tíbia, formando um novo ligamento. 7.1. Túneis: Túnel simples ou técnica transtibial: Nessa técnica é feita uma única perfuração na tíbia, que atravessa o platô tibial e o espaço intercondilar. O enxerto é passado por esse túnel e fixado na parte anterior da tíbia com um parafuso ou um pino. Em seguida, é feita uma perfuração no fêmur, na região posterior do côndilo femoral lateral, e o enxerto é fixado nesse local com outro parafuso ou pino. Essa técnica é mais simples e rápida de realizar, mas tem algumas limitações, como a dificuldade de reproduzir a anatomia original do LCA e a possibilidade de aumentar a tensão no enxerto durante a flexão do joelho. Túnel duplo ou técnica anatômica: Nessa técnica são feitas duas perfurações na tíbia e duas no fêmur, correspondendo aos locais de inserção das bandas anteromedial e posterolateral do LCA. O enxerto é dividido em duas partes, que são passadas pelos respectivos túneis e fixadas com parafusos ou pinos. Essa técnica visa restaurar a anatomia e a função do LCA de forma mais precisa e fisiológica, respeitando as diferentes tensões das bandas anteromedial e posterolateral em diferentes graus de flexão do joelho. No entanto, essa técnica é mais complexa e demorada de realizar, requer maior experiência do cirurgião. Figura 8: túneis de inserção do enxerto do LCA. Figura 9: vista de perfil de uma radiografia de joelho evidenciando a técnica de túnel simples na RLCA. Figura 10: vista de perfil de uma radiografia de joelho evidenciando a técnica de túnel duplo na RLCA. 7.2. Tipos de Fixação: A fixação do enxerto nos ossos do fêmur e da tíbia é feita por meio de dispositivos especiais, que podem ser de metal ou de material bioabsorvível. Parafusos de interferência bioabsorvíveis: Os parafusos de interferência bioabsorvíveis são os mais utilizados atualmente, pois apresentam algumas vantagens em relação aos parafusos de metal, como a biocompatibilidade, a ausência de interferência na imagem da ressonância magnética e a possibilidade de uma nova cirurgia sem a necessidade de remoção do implante. Os parafusos de interferência bioabsorvíveis são feitos de polímeros sintéticos, como o ácido poliláctico (PLLA), que são gradualmente absorvidos pelo organismo em um período de aproximadamente dois anos. Os outros tipos de fixação mencionados são menos utilizados atualmente, mas podem ser encontrados em cirurgias mais antigas. Eles são: Cross-pin: é um pino transversal que atravessa o enxerto dentro do túnel ósseo, formando uma espécie de cruz. Ele pode ser metálico ou bioabsorvível. Endobutton: é um dispositivo em forma de botão que fica preso na cortical externa do osso, mantendo o enxerto tensionado por meio de um laço. Ele pode ser metálico ou bioabsorvível. Agrafe: é uma peça metálica em forma de grampo que fixa o enxerto na cortical óssea por meio de pressão. Ele pode ser simples ou duplo. Intrafix: é um sistema que consiste em um cilindro e um parafuso que ficam dentro do túnel ósseo e comprimem o enxerto contra as paredes do túnel. Ele pode ser metálico ou bioabsorvível. Washer lock: é um sistema que consiste em uma arruela e um parafuso que ficam na parte anterior da tíbia e fixam o enxerto por meio de compressão. Ele pode ser metálico ou bioabsorvível. Figura 11: diferentes tipos de fixação do LCA. 7.3. Posicionamento dos Tùneis: O posicionamento dos túneis ósseos determina a orientação e a tensão do enxerto que substitui o LCA lesionado, e pode influenciar no resultado funcional e na prevenção de complicações pós-operatórias. A Linha de Blumensaat é uma linha imaginária que representa o teto do sulco intercondilar do fêmur, e que pode ser visualizada em uma radiografia lateral do joelho. Essa linha é usada como referência para avaliar o posicionamento do túnel femoral na reconstrução do LCA. A Linha de Blumensaat é dividida em quatro quadrantes, sendo o primeiro o mais anterior e o quarto o mais posterior. O posicionamento ideal do túnel femoral deve ser no terceiro ou quarto quadrante da Linha de Blumensaat, correspondendo à inserção anatômica do LCA original. Se o túnel femoral estiver muito anterior, no primeiro ou segundo quadrante, o enxerto ficará muito verticalizado e com lassidão, e perderá a sua função de estabilizador anterior e rotacional do joelho. Além disso, o enxerto poderá sofrer um maior atrito com o teto do sulco intercondilar, causando desgaste e perda de tensão. Esses fatores podem levar a um déficit de flexão do joelho e a uma instabilidade residual. Se o túnel femoral estiver muito posterior, no quarto quadrante próximo à cortical posterior do fêmur, o enxerto ficará muito horizontalizado e perderá a sua função de estabilizador rotacional do joelho. Além disso, o enxerto poderá sofrer uma maior tensão durante a extensão do joelho, causando dor e limitação de movimento. Esses fatores podem levar a um déficit de extensão do joelho e a uma rigidez articular. Figura 12: linha de Blumensaat. 7.4. Enxertos: O enxerto é um tecido retirado do próprio paciente, que substitui o LCA lesionado. A escolha do tipo de enxerto depende de vários fatores, como a preferência do cirurgião, a disponibilidade dos tecidos, o grau de lesão do LCA, a presença de lesões associadas e as expectativas do paciente. Os três principais tipos de enxertos são: Osso-tendão patelar-osso: é o enxerto mais tradicional e consiste em retirar uma parte do tendão patelar com um bloco ósseo em cada extremidade, proveniente da patela e da tíbia. Esse enxerto tem a vantagem de ter uma boa resistência e uma boa fixação óssea, mas tem a desvantagem de causar mais dor na região doadora, maior risco de tendinite patelar e maior perda de força do quadríceps. Tendão dos flexores (semitendíneo ou grácil): é o enxerto mais utilizado atualmente e consiste em retirar um ou dois tendões dos músculos flexores da coxa, que são o semitendíneo e o grácil. Esse enxerto tem a vantagem de causar menos dor na região doadora, menor risco de complicações no joelho e maior facilidade de manipulação, mas tem a desvantagem de ter uma menor resistência e uma menor fixação óssea. Tendão do quadríceps femoral: é o enxerto menos utilizado e consiste em retirar uma parte do tendão do quadríceps femoral com um bloco ósseo proveniente da patela. Esse enxerto tem a vantagem de ter uma boa resistência e uma boa fixação óssea, mas tem a desvantagem de causar mais dor na região doadora, maior risco de fratura patelar e maior perda de força do quadríceps. Quando o enxerto é dos flexores, ele pode ser utilizado com banda dupla ou com banda quádrupla. A banda dupla consiste em dobrar o tendão ao meio, formando duas bandas que correspondem às bandas anteromedial e posterolateral do LCA original. A banda quádrupla consiste em dobrar o tendão duas vezes, formando quatro bandas que aumentam a espessura e a resistência do enxerto. Quando o paciente chega na clínica fisioterapêutica para a reabilitação pós-operatória de RLCA, é importante saber qual foi a área doadora para o enxerto, pois isso pode influenciar no tipo e na intensidade dos exercícios indicados. Uma forma de identificar a área doadora é observar a localização da sutura na região anterior do joelho. Se a sutura se encontrar na região do tendão patelar, provavelmente a área doadora foi o tendão patelar. Se a sutura estiver acima da patela, a área doadora pode ter sido o tendão quadricipital. Se estiver uma sutura na região anteromedial proximal da tíbia, a área doadora foi os tendões dos flexores. Figura 13: áreas doadoras para o enxerto do LCA. 8. Tendão Patelar vs Tendões dos Flexores Quando se utiliza o tendão patelar como área doadora para a RLCA no joelho, é importante observar que alguns pacientes podem experimentar desconforto ou dor na área doadora em certas atividades, como durante a extensão resistida do joelho, exercícios de agachamento ou ao ajoelhar-se. Estudostêm demonstrado que não existem diferenças significativas na força dos músculos quadríceps femoral e isquiotibiais quando se compara o uso do tendão patelar e dos tendões dos flexores em mulheres. Além disso, a taxa de ruptura ou falha do enxerto pode ser semelhante entre os enxertos dos flexores do joelho e o tendão patelar. No que se refere ao desenvolvimento de osteoartrite (OA) do joelho após 10 anos da cirurgia de reconstrução do LCA, não parece haver uma diferença significativa entre o uso de enxertos do tendão patelar e dos flexores do joelho. 9. Tensão do LCA em Certas Atividades Durante o processo de reabilitação fisioterapêutica após uma RLCA, é essencial levar em consideração a tensão e o estresse no enxerto do LCA. Contração isométrica do quadríceps a 15 graus de flexão de joelho: Esta atividade gera uma das maiores tensões no LCA. Portanto, não é recomendável aplicar esse exercício nas fases iniciais (até 12 semanas) da reabilitação após a reconstrução do LCA. Nesse período inicial, o objetivo é poupar o enxerto de tensões excessivas para permitir que ele cicatrize e se integre adequadamente. Prática de pedaladas com bicicleta: Exercícios de pedaladas gera uma carga menos significativa no LCA em comparação com a contração isométrica do quadríceps a 15 graus de flexão do joelho. Portanto, é uma opção mais segura para as fases iniciais de reabilitação, ajudando os pacientes a manter a mobilidade e a força da perna afetada. Contração isométrica do quadríceps a 60 e 90 graus de flexão do joelho: Essas atividades não imprimem tensão no LCA, tornando-as apropriadas para as fases mais iniciais de reabilitação após uma reconstrução do LCA. Elas podem ser usadas para fortalecer o quadríceps e manter a função da perna enquanto minimizam o estresse no enxerto do LCA. A tabela abaixo compara os valores de tensão máxima do LCA durante atividades comuns. A tabela mostra que atividades que envolvem contração isométrica do quadríceps, agachamento e flexão/ extensão ativa do joelho geram maior tensão no LCA do que atividades como pedalar. A tabela também indica o número de sujeitos que participaram de cada atividade. Os valores de tensão são expressos em porcentagem e foram obtidos por meio de sensores implantados cirurgicamente no LCA dos sujeitos. Tabela 1: valores de tensão máxima do LCA em certas atividades.
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