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LINGUÌSTICA APLICADA AO ENSINO DO PORTUGUÊS Letramento e o ensino da língua materna Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a importância do conceito de letramento para o ensino de língua materna. Analisar como o ensino de língua materna promove a circulação dos alunos em diferentes práticas de letramento. Avaliar propostas de projeto que integrem a noção de letramento como prática social e o ensino de língua materna. Introdução O conceito de letramento é muito mais complexo e abrangente do que o de alfabetização. Enquanto na alfabetização o foco é a decodificação de signos linguísticos, no letramento há uma análise crítica do uso social da língua. Ou seja, não basta saber ler e escrever; é necessário saber usar a leitura e a escrita como parte do processo de significação do indivíduo. Neste capítulo, inicialmente, você vai verificar a importância do letra- mento para o ensino de língua materna. Em seguida, você vai estudar diferentes práticas cotidianas de letramento. Por fim, vai avaliar o papel da escola e do professor no processo de desenvolvimento do senso crítico do aluno por meio do uso de textos. 1 A importância do letramento no processo de alfabetização É por meio da leitura que os indivíduos desenvolvem a sua capacidade analítica e refl exiva em diferentes contextos sociais. No entanto, saber decodifi car letras, palavras ou enunciados não garante que a pessoa seja letrada; isso apenas certifi ca que o sujeito é alfabetizado. Os termos “letramento”, “alfabetização” e “escolarização”, embora mante- nham uma forte relação semântica, não têm o mesmo significado. De acordo com Macedo (2006), além de se tratarem de três termos distintos, há uma relação de evolução entre a alfabetização e o letramento: Enquanto se entende por escolarização a ação ou efeito de sujeitar-se ao en- sino escolar, alfabetização refere-se ao processo de aquisição individual de habilidades para a leitura e escrita; trata-se da aprendizagem de habilidades específicas, como por exemplo, relacionar símbolos escritos com unida- des sonoras (fonemas) os quais, associados a um processo de construção de sentido, evoluem para o que se chama de letramento (MACEDO, 2006, documento on-line). Ser letrado não é sinônimo de ser alfabetizado ou escolarizado. Há crian- ças que sabem ler e escrever antes mesmo de irem à escola. Caso a leitura e a escrita façam sentido para as crianças e as auxiliem a refletir, e não apenas a repetir o código, elas serão alfabetizadas e letradas, mas não serão escolarizadas. No entanto, há crianças que frequentam a escola, saem-se bem em um ditado na aula de língua portuguesa, mas não conseguem refletir sobre aquilo que leem. Nesse caso, a criança é escolarizada e alfabetizada, porém não é letrada. O desenvolvimento da leitura e da escrita dentro da perspectiva do letra- mento não é sinônimo de alfabetização. O problema é que existe uma grande confusão com os dois conceitos: letramento e alfabetização. Para Soares (2000), a concepção de letramento ainda é muito nova na alfabetização, pois os estudos sobre esse tema tiveram início apenas na segunda metade da década de 1980. Certamente, tal concepção emergiu no Brasil graças ao contexto político do País. Garcia (2011) afirma que, com o fim do regime militar, em 1985, e com a implementação da Constituição de 1988, uma nova fase da educação brasileira nasceu. Ou seja, o conceito de letramento surgiu em função de uma nova situação educacional, em que os alunos deveriam ser estimulados a pensar. Na óptica de Soares (2000), o conceito de letramento representou uma nova necessidade educacional que precisava ser nomeada, já que a reflexão sobre a leitura fazia parte do novo currículo da educação brasileira. Portanto, por meio do conceito de letramento, para a autora, os educadores não desen- volveram necessariamente uma nova visão sobre a leitura, mas modificaram profundamente as práticas pedagógicas em relação à aquisição da linguagem. Letramento e o ensino da língua materna2 Letramento: uma alfabetização crítica O ato de ler ultrapassa a decodifi cação, pois é uma atividade que possibilita a compreensão do indivíduo como autor da sua existência num determinado contexto. Na visão de Freire (2009, p. 11), o ato de ler “[...] não se esgota na decodifi cação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita [...]”, pois “[...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra [...]”. Antes das reformas curriculares nacionais, a escola ignorava as experiências e vivências dos alunos, considerando que o conhecimento docente era mais importante e mais útil do que o conhecimento discente. Com a evolução da linguística e da pedagogia, juntamente às novas políticas públicas educa- cionais e aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a escola passou a compreender que o conhecimento de mundo dos alunos é fundamental para o processo de aprendizagem. Afinal, para que a leitura atinja seu objetivo, ou seja, a compreensão, é necessário que os alunos façam relações entre o que leem e aquilo que já conhecem. De acordo com os PCN, na leitura, o aluno é um sujeito ativo que deve buscar compreender e interpretar o texto de maneira autônoma. Para isso, ele deve unir seus objetivos de leitura ao seu conhecimento de mundo sobre o assunto e sobre o autor; além disso, deve aplicar, de maneira racional, tudo o que sabe sobre linguagem. Nesse contexto, ler é “[...] uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência [...]” (BRASIL, 1998, p. 69). O letramento acontece na medida em que a leitura prepara e desenvolve as crianças, no processo de aquisição da linguagem, para compreender e agir no mundo de forma crítica. Segundo Freire (2009), a compreensão textual somente é alcançada com uma leitura crítica dos textos. Porém, para atingir esse patamar, o leitor precisa relacionar o texto com o seu contexto, já que a linguagem e a realidade se relacionam dinamicamente. Para Tfouni (2002, p. 20), “[...] enquanto a alfabetização se ocupa da apren- dizagem da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos socio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade [...]”. Isto é, ser letrado não significa saber ler e escrever, e sim integrar-se à sociedade de maneira crítica por meio da leitura e da escrita. Portanto, a prática do letramento se reflete na consciência acerca do papel da escrita em suas mais variadas manifestações. Na visão de Soares (2003, p. 5), a alfabetização e o letramento representam dois processos que “se mesclam, se superpõem e frequentemente se confun- dem”. Isso ocorre porque ambos têm um objetivo bastante parecido. Contudo, 3Letramento e o ensino da língua materna é importante não apenas saber diferenciá-los, mas também compreender que o letramento é mais abrangente do que a alfabetização, pois somente com ele a leitura passa a fazer sentido na vida daquele que a pratica. O indivíduo, no processo de alfabetização, desenvolve a habilidade da decodificação dos signos linguísticos. Todavia, apenas com o letramento ele aprimora o seu papel na sociedade em que está inserido. No entanto, não se pode ignorar a necessidade da alfabetização: o sujeito precisa ser alfabetizado para ser letrado. De acordo com Galvan e Remenche (2013, documento on-line) “[...] o letramento traz consequências políticas, econômicas, sociais, culturais e cog- nitivas para as pessoas ou para o seu grupo social, pois seu comportamento, suas atitudes, suas compreensões a respeito do mundo, da vida, da sociedade, passam a ser diferentes [...]”. Ou seja, com a leitura, o indivíduo é capaz de mudar e de evoluir. Para Soares (2000), a alfabetização não representa uma evolução social, mas o letramento, sim. Para a autora, as noções semânticas de estado e de condição são fundamentais para a reflexãocontrastiva entre pessoas analfa- betas, alfabetizadas ou letradas: Estado ou condição: essas palavras são importantes para que se compreendam as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado; o pressuposto é que quem aprende a ler e a escrever e passa a usar a leitura e a escrita, a envolver-se em práticas de leitura e de escrita, torna-se uma pessoa diferente, adquire um outro estado, uma outra condição (SOARES, 2000, p. 36). O professor, em sala de aula, deve estimular não apenas a alfabetização. O processo de ensino e de aprendizagem escolar da língua materna deve ter como principal objetivo fazer com que os alunos passem a enxergar o mundo com outros olhos, de forma mais crítica. Isso vale não apenas para as aulas de língua portuguesa, mas também para a construção do conhecimento como um todo. Somente com o desenvolvimento e o domínio da língua materna é que as crianças e os adolescentes podem se posicionar, refletir e questionar não somente a ordem das coisas, mas também o seu papel social e as relações de poder. O empenho do professor para o desenvolvimento de alunos letrados colabora para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. No Quadro 1, a seguir, veja uma síntese das principais diferenças entre alfabetização e letramento. Letramento e o ensino da língua materna4 Alfabetização Letramento Conceito A alfabetização é o processo de aprendizado que viabiliza a decodificação dos signos linguísticos, a leitura e a escrita. O letramento é o desenvolvimento consciente do uso competente da leitura e da escrita nas práticas sociais. Indivíduo Alfabetizado é o sujeito que sabe ler e escrever. Uma pessoa letrada sabe usar a leitura e a escrita de maneira crítica e de acordo com as necessidades sociais. Atividades envolvidas Codificar e decodificar a escrita e os números. Organizar discursos, interpretar e compreender textos, refletir. Quadro 1. Principais diferenças entre alfabetização e letramento 2 As práticas de letramento no cotidiano Como você viu, o letramento e a alfabetização mantêm uma relação estreita, mas são dois conceitos diferentes — tanto na prática quanto na teoria. De acordo com Soares (2000), ser alfabetizado não signifi ca ser letrado. Considere o seguinte: As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e escrever, mas não necessaria- mente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais da escrita: não leem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta (SOARES, 2000, p. 46). Para a autora, é necessário que o professor não valorize apenas a leitura e a escrita mecanizada do aluno, mas que, a partir disso, crie condições para que os alfabetizados fiquem imersos em um ambiente letrado. Na óptica de Soares (2000, p. 44), letramento “[...] é o estado ou a condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita [...]”. 5Letramento e o ensino da língua materna Esse modelo ideológico de ensino e aprendizagem, segundo Marcuschi (2001), centraliza sua atenção nas práticas sociais específicas dos atos de ler e de escrever e evidencia a relevância do processo de socialização na cons- trução do significado. Afinal, é com base nas práticas sociais e escolares de letramento que o aluno se torna capaz de refletir sobre as funções sociais da escrita e de apropriar-se dela em diferentes esferas. Como você sabe, uma das responsabilidades da escola é formar sujeitos críticos e cidadãos. Para Galvan e Remenche (2013, documento on-line) “[...] cabe à escola a responsabilidade de formar indivíduos letrados, capazes de modificar a realidade e agir, autonomamente, na sociedade [...]”. Portanto, o ensino de uma leitura crítica, embora seja guiado principalmente pelo professor de língua portuguesa, é de responsabilidade de todas as disciplinas, visto que todas as áreas fazem parte da formação crítica e cidadã dos alunos. A partir disso, o professor deve preparar os estudantes para que eles cumpram bem o seu papel de indivíduos letrados não somente na aula de português, mas na sociedade em geral. Para Kleiman (1999, p. 12), o letramento tem o papel de “[...] desenvolver de novas e eficientes estratégias que permitam ao aprendiz a compreensão da palavra escrita, a fim de funcionar plenamente na sociedade que impõe a cada dia mais exigências de letramento, isto é, de contato e familiaridade com a escrita para a sobrevivência [...]”. O acesso ao mundo da escrita, portanto, não é tarefa apenas do professor de língua portuguesa, mas também é responsabilidade da escola, até porque a alfabetização e o letramento são processos complexos e necessários que abarcam não somente o sujeito de forma individual, mas se refletem no seu posicionamento social. O letramento é “[...] mais do que uma decisão individual, é uma opção política, uma vez que estamos inseridos num contexto social e cultural em que aprender a ler e escrever é mais do que o simples domínio de uma tecnologia [...]” (MACIEL; LÚCIO, 2008, p. 31). Para que isso aconteça, é necessário que o corpo docente se organize com o objetivo de que o aluno alfabetizado se torne um sujeito letrado. Somente assim os estudantes serão cidadãos críticos, ativos e atuantes na esfera social, já que a aprendizagem, na óptica do letramento, implica não apenas direcionar o aluno para ser um analista de sua língua, mas também, e principalmente, transformá-lo em um usuário consciente de suas habilidades linguísticas, capaz de adequá-las a qualquer situação comunicativa. Dessa forma, para cumprir o objetivo de deixar a sociedade cada vez mais letrada, são necessárias condições sociais, culturais e econômicas para a educação brasileira como um todo. No momento em que os professores Letramento e o ensino da língua materna6 tiverem apoio institucional para preparar materiais que incentivem a prática de leitura, concomitantemente a metodologias motivacionais, vão ser capazes de formar cidadãos pensantes, e não apenas máquinas humanas reprodutoras de conhecimento. O letramento além da teoria Você já se deu conta de que a sociedade está cada vez mais letrada? Atualmente, na comunicação humana, o uso da escrita no celular está tão presente quanto o uso da fala. Segundo Santos (2009, p. 3), [...] somos praticamente forçados a interagir com a escrita, pois estamos imersos em ambientes nos quais a circulação de material escrito é exacer- bada. Mas é evidente que este envolvimento acontece em diferentes níveis e dependendo desta interação é que favorecemos ou não uma maior inserção social e cultural do cidadão. É crucial refletir em sala de aula sobre como o letramento faz parte da vida das pessoas. O aluno precisa perceber que aquilo que é ensinado ultrapassa os muros escolares e tem utilidade direta na sua vida. Por sua vez, o professor deve perceber que as pessoas não aprendem apenas em sala de aula, principalmente quando está em jogo a linguagem. A imersão leitora na língua materna, seja em contexto escolar ou não, é essencial para o domínio de tal língua e para o pensamento crítico. As diferentes realizações da leitura, inclusive, na visão de Di Nucci (2002), auxiliam no processo de ensino e aprendizagem. Veja: As diferentes práticas de letramento presentes no cotidiano do indivíduo contribuem para que ele possa desenvolver as habilidades de codificar e decodificar a língua escrita e de compreendê-la em seu contexto, sendo que tais habilidades variam de intensidade, em função dos usos. Essa variação é decorrente da familiaridade que ele tem com as práticas sociais e escolares da escrita no cotidiano, o que determina os diferentes níveis de letramento (DI NUCCI, 2002, documento on-line). É importante que os alunos conheçam os benefícios de serem nãoapenas alfabetizados, mas também letrados. A capacidade de relacionar a leitura e a escrita como parte da interação social de qualquer comunidade falante é o primeiro passo para que o desenvolvimento do letramento seja atingido, já que, segundo Deely (1990), os discursos escritos são elaborados em um processo 7Letramento e o ensino da língua materna contínuo de interação social. Afinal, formular um texto implica utilizar os signos de forma que outro sujeito seja capaz de compreendê-los. Na visão de Galvan e Remenche (2013), a leitura crítica oportuniza que a aquisição de conhecimento no processo de ensino e aprendizagem se converta num processo mais concreto, real e útil. Tal processo auxilia todos os campos do saber e aprimora a oralidade, a leitura e a escrita como funções sociais, pois conviver com a língua escrita possibilita melhorias no vocabulário e na oralidade. Ou seja, a sala de aula é apenas mais um momento de prática social, porém é o momento que se reflete sobre o funcionamento da língua como sistema libertador, e não opressor. Você sabia que as expressões “práticas de letramento” e “eventos de letramento” são praticamente sinônimas? O conceito de “eventos de letramento” põe em jogo os elementos mais analíticos de atividades que envolvem a leitura e a escrita em um momento específico. Por sua vez, a definição de “práticas de letramento” não se relaciona à situação imediata em que os eventos acontecem, mas busca analisá-los de acordo com o significado que os indivíduos atribuem à escrita e à leitura nos eventos de que participam. 3 O letramento no ensino como prática social Ninguém toma atitudes sem uma fi nalidade. Por exemplo, as pessoas se exercitam porque desejam se manter saudáveis e bonitas; trabalham para se sustentar ou adquirir algo; estudam por uma prova ou por um título. Esse é o comportamento humano, e o seu refl exo está em todos os âmbitos sociais, seja no ambiente de uma academia de ginástica, de um emprego ou de uma sala de aula. Portanto, quando você refl ete sobre o papel do letramento no ensino, precisa considerar que a leitura e a escrita escolares devem contemplar uma fi nalidade; ou seja, os alunos precisam ter um estímulo, um direcionamento e um motivo. O letramento está mais presente no cotidiano do que se pode imaginar. As práticas sociais também auxiliam o desenvolvimento mais aprofundado do letramento no processo de ensino e aprendizagem escolar. O professor, consciente do conhecimento prévio de seus alunos, deve mergulhar naquele Letramento e o ensino da língua materna8 universo para fazer com que o ensino lhes pareça útil, pois infelizmente ainda há um elevado índice de evasão escolar no Brasil, ou seja, os alunos até ingressam na escola, mas não permanecem nela. Um dos motivos da evasão escolar é a incompatibilidade entre a escola e a realidade do aluno. A evasão se concentra nos alunos de classes mais baixas. Quando esses estudantes frequentam o colégio, eles não se sentem acolhidos. O seu conhecimento de mundo, a sua cultura e a sua linguagem são ignorados. Dessa forma, eles se desestimulam a permanecer no processo educativo. Para Marcuschi (2001), o letramento concentra sua atenção em práticas sociais específicas de leitura e de escrita. Além disso, o autor destaca o sig- nificado do processo de socialização na construção do sentido. Dessa forma, a prática do letramento deve servir para todo e qualquer ser humano, advindo de qualquer classe social: baixa, média ou alta. No entanto, para que se consiga atingir esse objetivo, tanto a escola quanto os professores necessitam compreender o universo de cada comunidade escolar. A partir disso, ambos devem trabalhar para que o conhecimento faça sentido na vida de seus alunos. Somente assim os estudantes vão conseguir se reconhecer como indivíduos pertencentes a uma esfera social e importantes para ela. Desse modo, a partir de práticas sociais e escolares de letramento, o sujeito conseguirá compreender a importância da escrita e o papel social que ela cumpre em uma sociedade letrada. É necessário que se desenvolva a per- cepção de adequação e de apropriação da linguagem em distintas situações. O processo de letramento escolar não pode ser configurado como um mundo à parte; ele deve preparar os alunos para as diferentes realidades nas quais eles podem ou não se inserir. Como trabalhar o letramento em sala de aula? O processo de aprendizagem, antes de qualquer outro aspecto, deve ser acessível e signifi cativo. Uma forma de atrair o interesse dos estudantes é valorizar a cultura, a linguagem e os conhecimentos prévios que eles têm. A partir disso, pode-se ampliar a visão dos alunos, apresentando novas ideias e novos projetos. Como você já viu, a necessidade de desenvolver o conhecimento crítico em sala de aula é tarefa de todos os professores, não apenas do professor de língua portuguesa. Inclusive, na visão de Galvan e Remenche (2013, documento on- -line) “[...] projetos interdisciplinares podem ampliar as forças mediadoras de conhecimento, proporcionando avanços educacionais valiosos para a leitura e a escrita dos alunos [...]”. 9Letramento e o ensino da língua materna De acordo com Kleiman (1995, p. 40), é importante considerar “[...] situações em que a escrita constitui parte essencial [...], tanto em relação à interação entre os participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativas [...]”. Ou seja, os alunos precisam perceber o quão útil e importante é dominar a linguagem e ser letrado na sociedade contemporânea. Dessa forma, para pensar na aprendizagem em relação ao letramento, segundo Leal (2007, p. 54), é necessário, “[...] em primeiro lugar, [compreender] que um texto produzido por um aprendiz manifesta-se como produto de um sujeito que, a seu modo, através das diversas possibilidades e formas de linguagem, busca estabelecer um determinado tipo de relação com o seu interlocutor [...]”. Para que o indivíduo escreva textos relevantes, é substancial, de acordo com Santos (2009, p. 4), “[...] que ele encontre interlocutores verdadeiros que estimulem modos diferentes de relacionar seus textos às suas necessidades. Precisa saber fazê-lo numa situação real de práticas sociais de escrita, no contexto do letramento, que é um processo contínuo [...]”. Ou seja, a produção textual é apenas uma das tantas manifestações do letramento em sala de aula. Para objetivar e estimular a produção textual em sala de aula, pode-se apontar quem são os interlocutores, escolher um tema que facilite e valorize o acesso a conhecimentos prévios e especificar quais são os objetivos do texto. Caso o professor consiga abarcar esses três aspectos, provavelmente ele obterá sucesso, pois dessa forma estimulará a escrita a fim de desenvolver o letramento no processo de ensino e aprendizagem escolar. Nessa mesma perspectiva, segundo Leal (2007), quando o sujeito escreve, ele age para atender a uma finalidade específica e, com essa finalidade, sempre há um destinatário. Ou seja, quando o texto parecer incoerente ou desconexo, é imprescindível questionar como é possível deixá-lo legível e coerente para o seu público leitor. Dessa maneira, o aluno verá utilidade em sua escrita. O uso de dispositivos didáticos também é positivo para a formação de alunos letrados. Levá-los à biblioteca, apresentar-lhes jogos e utilizar mídias sociais são ações que deixam o ambiente mais acolhedor e estimulam o aprendizado. Inclusive, segundo Barton e Hamilton (1998, p. 8), as práticas que envolvem o letramento “[...] são atividades em que o letramento desempenha um papel. Geralmente existe um texto escrito, ou textos, que é central para a atividade. A atividade realizada deve ser relacionada com outras do cotidiano, interligada a outros contextos, dando significado assim ao evento [...]”. Consequentemente, a escolha de um material que instigue a reflexão é um dos diferenciais para a preparação das aulas. Com isso, a possibilidadede alcançar os objetivos previamente propostos torna-se maior. Letramento e o ensino da língua materna10 Conviver com diferentes pessoas, culturas e realidades faz parte do coti- diano docente. Embora a docência não seja a profissão mais bem paga do País, é uma das mais gratificantes. Um dos estímulos para não desistir do ensino é um resultado que somente se pode alcançar por meio da educação: transformar crianças em cidadãos críticos e conscientes em relação à sociedade. Isso repre- senta não apenas um avanço intelectual, mas muda a sociedade como um todo. A cada aluno que estuda e desenvolve sua criticidade, surge uma nova possibilidade de interesse escolar e, quem sabe, consequentemente, se revele um futuro profissional importante para o desenvolvimento social. Portanto, preparar bons leitores representa diminuir, nem que seja aos poucos, a de- sigualdade, fazendo com que a sociedade avance não apenas cultural, mas também economicamente. Ao fim, todos saem ganhando. BARTON, D.; HAMILTON, H. Local literacies: reading and writing in one community. London: Routledge, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portu- guesa. Brasília: MEC, 1998. 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Campinas: Pontes, 1999. 11Letramento e o ensino da língua materna Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995. LEAL, L. F. A formação do produtor de texto escrito na escola: uma análise das relações entre os processos interlocutivos e os processos de ensino. In: VAL, M. G. C.; ROCHA, G. (org.). Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: o sujeito-autor. Belo Horizonte, Autêntica, 2007. MACEDO, C. M. R. A. Uma reflexão sobre os conceitos: letramento, alfabetização e es- colarização. 2006. Disponível em: http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Anais/ Textos_Em_Psicolin/Artigos/Uma%20reflex%C3%A3o%20sobre%20os%20concei- tos%20Letramento,%20alfabetiza%C3%A7%C3%A3o%20..pdf. Acesso em: 01 fev. 2020. MACIEL, F. I.; LÚCIO, I. S. Os conceitos de alfabetização e letramento e os desafios da articulação entre teoria e prática. In: CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I.; MARTINS, R. F. (org.). Alfabetização e letramento na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividade de retextualização. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. SANTOS, J. O. Eventos e práticas de letramento: recortes de uma experiência na edu- cação não-formal. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GENEROS TEXTUAIS, 5., 2009, Caxias do Sul. Anais [...]. Caxias do Sul: [s. n.], 2009. v. 5, p. 1–16. SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003. SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002. Letramento e o ensino da língua materna12
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