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Levantamento arquitetônico de bens inventariados Apresentação Bens inventariados são aqueles registrados por meio de inventários, um meio de proteger esses elementos. Para que um bem possa ser inventariado e consequentemente protegido, é necessário fazer seu levantamento de forma completa e profunda para que todos os detalhes, características, materiais, técnicas construtivas, história, alterações ao longo do tempo e outros elementos sejam registrados. O levantamento, além de servir para o inventariamento do bem, cadastra as características de uma edificação histórica para que possa, posteriormente, sofrer alguma intervenção. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai entender o que é o levantamento arquitetônico de um bem, sua importância para protegê-lo e quais etapas e métodos essa atividade pode desenvolver. Também vai conhecer um exemplo de bem arquitetônico levantado por meio de desenhos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir levantamento de sítios históricos, bens arquitetônicos e suas respectivas etapas. • Descrever a metodologia de levantamento arquitetônico de bens históricos. • Demonstrar exemplares de levantamento de bens inventariados.• Infográfico Um bem arquitetônico, para ser preservado por uma ação de inventário, deve, antes de tudo, ser levantado fisicamente, a fim de que todas as suas características sejam compreendidas para posteriormente serem registradas. Neste Infográfico, veja as principais etapas que fazem parte da identificação e do conhecimento do bem, entre elas o levantamento físico das edificações, que gera diferentes tipos de desenho. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/95e5eb76-1587-4a3b-8c9c-b2eace30aebb/89db6d62-a127-4a27-b69f-b49f5a1356f3.jpg Conteúdo do livro Os inventários podem ser compreendidos como instrumentos de preservação que buscam identificar as diversas manifestações culturais e bens de interesse de preservação, de natureza imaterial e material. O principal objetivo do inventário é compor um banco de dados que possibilite a valorização e salvaguarda, planejamento e pesquisa, conhecimento de potencialidades e educação patrimonial. Nesse sentido, para que um bem possa ser protegido por um inventário, ele necessita ser levantado. O levantamento arquitetônico é capaz de identificar as características globais e específicas de uma edificação ou sítio histórico de maneira a compreender toda a história, elementos, materiais e detalhes daquele bem. Esse levantamento deve considerar algumas etapas de estudo, análise e produção de dados e desenhos, a fim de que o produto final seja completo e fiel ao bem levantado. No capítulo Levantamento arquitetônico de bens inventariados, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, compreenda o que é um inventário, o que são bens arquitetônicos e sítios históricos. Entenda também o que é a atividade de levantamento arquitetônico, identificando todas as fases e tarefas que devem ser cumpridas em cada momento da pesquisa. Você também vai reconhecer o exemplo de levantamento arquitetônico de uma vila significativa para a cidade de São Paulo. Boa leitura. TEORIA DO RESTAURO E DO PATRIMÔNIO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir levantamento de sítios históricos e bens arquitetônicos e res- pectivas etapas. > Descrever a metodologia de levantamento arquitetônico de bens his- tóricos. > Demonstrar exemplares de levantamento de bens inventariados. Introdução Um bem cultural, seja ele uma edificação, um conjunto urbano ou um sítio histórico, só pode ser salvaguardado se for conhecido. Nesse sentido, para que ele possa ser mantido em seu estado atual de conservação, é necessário que seja levantado. O levantamento arquitetônico é composto por diferentes etapas, que vão desde uma pesquisa histórica sobre o bem até fotografias, esboços, desenhos, análises e conclusões. Essas etapas estão voltadas para o desco- brimento do maior número de informações e detalhes possíveis sobre o bem, para que ele possa ser inventariado de forma completa. Além disso, a atividade de levantamento não está relacionada somente à criação de um inventário. Ela é muito utilizada na arquitetura em geral, mas também de maneira específica, com o intuito de registrar as características de edificações antigas que poderão sofrer intervenções de restauro ou reabilitação. Levantamento arquitetônico de bens inventariados Vanessa Guerini Scopel Neste capítulo, você vai estudar o que é um inventário e qual é a importância do levantamento de um bem arquitetônico ou sítio histórico para essa ação de inventariar. Além disso, vai identificar as etapas e metodologias que podem ser utilizadas na realização dessa atividade. Por fim, vai conhecer um exemplo de levantamento arquitetônico de um bem cultural. Levantamento de sítios históricos e bens arquitetônicos Em relação às atividades de arquitetura, existem várias ações que devem ser realizadas com base nos mais diferentes tipos de projetos. Dentre tais ações, é possível levantamentos, estudos, pesquisas, projetos e outras atividades. Em relação à área do restauro e patrimônio, essas atividades também são importantes e relacionam-se aos bens materiais de significativa importância para a sociedade. A atividade do levantamento é fundamental para identificar a situa- ção específica de cada bem, ou seja, como está o conjunto arquitetônico, a edificação, as cidades históricas ou qualquer outro bem. O levantamento, de modo geral, conforme ressalta Sanpaolesi (1972), é uma etapa na qual o profissional verifica as condições do bem em questão, atentando-se para todos os detalhes e realizando a atividade da forma mais completa e precisa. O levantamento adequado de fato, além das necessárias representações dos paramentos, formas e policromias, deve indicar com exatidão as estruturas dos elementos arquitetônicos, como são construídos os arcos, as coberturas e também as estruturas de fundação (SANPAOLESI, 1972, p. 63). Conforme a Secretaria da Comunicação Social e da Cultura do Estado do Paraná, um bem é qualquer elemento que se refere à identidade de uma dimensão da sociedade, ou seja, que seja significativo para a humanidade (PARANÁ, 2011). Assim, um bem arquitetônico refere-se a uma edificação importante, que tenha história, estilo, significado ou contexto que a tornem singular. O termo sítios históricos refere-se não só a uma única edificação, mas a um conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico que tenha um signifi- cado nacional. Segundo o Ministério da Cultura, um sítio histórico pode ser compreendido como: Levantamento arquitetônico de bens inventariados2 [...] locais privilegiados onde repousam experiências coletivas e princípios de iden- tidade. Os monumentos são sinais que perpetuam os testemunhos das sociedades passadas — das possibilidades perdidas, assim como dos processos formadores de nossa realidade presente (BRASIL, 2005, p. 20). Freitas (2016) destaca que o levantamento relacionado a bens arquite- tônicos ou sítios históricos é uma atividade imprescindível para a criação de inventários, pois garante o entendimento das condições de cada bem, facilitando sua proteção e manutenção. Assim como os bens tombados, os bens inventariados são protegidos, mas por meio de um efeito jurídico mais brando, como expõe Fonseca (2015). O autor acrescenta que o inventário de bens é um instrumento interessante para proteção do patrimônio, pois não necessita envolver a administração pública. Você sabe a diferença entre tombamento e inventário? Conforme Fonseca (2015), o tombamento é uma ação prevista no Decreto-lei nº 25, de 1937 (BRASIL, 1937), que instrui como deve ocorrer o tombamento, regulamentando seus efeitos e sanções. O inventário é uma ação que não tem regulamentação por lei, mas produz os mesmosefeitos do tombamento de forma mais simplificada. Assim, para inventariar um bem, é necessário o levantamento dele, de maneira a identificar e registrar as características de tal bem, sua localização, estado de conservação, entre outros fatores, para que ele possa ser protegido. Sob o ponto de vista prático, o inventário consiste na identificação e registro por meio de pesquisa e levantamento das características e particularidades de determinado bem, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisa- gística e antropológica, entre outros (FONSECA, 2015, documento on-line). Portanto, para que um inventário seja realizado, é necessário, antes, um levantamento completo e detalhado, que vai expor tudo que existe de rele- vante nessa arquitetura ou sítio histórico. Segundo o Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005), o levantamento físico está englobado na atividade de identificação e conhecimento do bem, que deve ser realizada por meio de diferentes etapas, Levantamento arquitetônico de bens inventariados 3 sempre iniciando de um âmbito mais geral sobre o bem e indo para itens mais específicos. Essa etapa principal de identificação e conhecimento do bem está subdi- vidida em outros itens específicos, bastante complexos, que exigem muitas informações a serem levantadas. Considerando o estudo e a análise sobre todos os itens da edificação ou do sítio histórico e realizando todas as etapas de atividades para que o levantamento seja completo, é possível chegar a um resultado abrangente, o mais próximo possível da realidade do bem. Metodologia e levantamento de bens históricos O levantamento arquitetônico é uma atividade que identifica, mede e registra o bem de forma geral, seus detalhes, suas especificidades e tudo o que o compõe. Contudo, conforme Freitas (2016), quando se fala em inventariar bens, além de realizar um levantamento arquitetônico físico de cada edificação ou elemento, é fundamental estudar, pesquisar e conhecer profundamente o que está sendo levantado. Nesse sentido, o levantamento arquitetônico completo do bem é intitulado, no Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005), como identificação e conhecimento do bem. Dourado (1993, p. 57) destaca que, ao realizar um inventário de um bem, o arquiteto precisa conhecer: [...] as formas, os estilos próprios deste edifício e a escola da qual se origina, devendo ainda mais, se possível, conhecer a sua estrutura, a sua anatomia, o seu temperamento, porque antes de tudo é necessário que o faça viver. É preciso que ele tenha compreendido todas as partes desta estrutura como se ele próprio a tivesse executado. Considerando as instruções do Manual de elaboração de projetos de pre- servação do patrimônio cultural (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005), o profissional deve cumprir a etapa de identificação e conhecimento do bem que está sendo levantado. Essa etapa tem como objetivo principal compreender a edificação, analisando-a sobre os mais diversos aspectos, que vão desde as questões históricas e estéticas até os elementos formais, técnicos e artísticos da edi- ficação. “Objetiva também compreender o seu significado atual e ao longo do tempo, conhecer a sua evolução e, principalmente, os valores pelos quais foi reconhecida como patrimônio cultural” (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005, p. 20). Levantamento arquitetônico de bens inventariados4 Segundo o Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005), dentro dessa etapa existem algumas atividades que devem ser realizadas. Veja alguns exemplos a seguir. Pesquisa histórica Esse item tem por intuito conhecer a edificação e situá-la no tempo, com- preendendo sua origem. Nesse momento, o profissional deve pesquisar todos os aspectos que influenciaram diretamente ou indiretamente a vida pregressa do bem. O levantamento de todos esses dados deve ser feito com muito cuidado, para que não haja falsas interpretações que possam prejudicar a veracidade das informações. Ainda, essa atividade também é realizada a fim de “[...] aferir a autenticidade dos elementos, identificando alterações, avaliando qualitativamente a ambiência da edificação” (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005, p.20). O resultado da pesquisa histórica é compilado em alguns documen- tos, como relatório (no qual constam as principais informações e dados da edificação), documentação pesquisada (com reprodução de documentos, manuscritos, fotos, entre outros), cronologia construtiva da edificação (com a reprodução dos desenhos arquitetônicos do bem e memoriais, além de um demonstrativo da cronologia do bem) e relação dos elementos móveis artísticos integrados (como mobiliários, forros, azulejos, entre outros). Levantamento físico O levantamento físico é uma etapa dividida em algumas partes e tem como finalidade ler e conhecer a forma da edificação e de seus elementos físicos. O levantamento é realizado por meio de visitas e vistorias nas quais o bem é registrado de forma gráfica e fotográfica. Tendo em vista a importância dessa atividade tanto para gerar um inventário quanto para a proteção de um bem material, o levantamento deve ser realizado por meio de diferentes métodos. Sanpaolesi (1972) destaca que um bom levantamento combina mais de um método de trabalho. O autor indica que se deve utilizar o método tradi- cional, em que cada elemento arquitetônico é medido e redesenhado, junto ao levantamento fotogramétrico, que é bastante preciso. Assim, há uma compatibilização de medidas. “A sucessiva reprodução gráfica deverá então reproduzir com exatidão, conforme adaptadas escalas métricas, para tornar claramente inteligível por meio de uma grafia bem estudada, o aspecto geral do edifício e sua forma” (SANPAOLESI, 1972, p. 64). Levantamento arquitetônico de bens inventariados 5 A fotogrametria é uma fotografia digital, ou como destaca Kutyla (2016), uma ciência que consegue dimensionar medidas a partir de fotos. Essa técnica não é recente, mas foi melhorada ao longo do tempo. Hoje, as fotografias podem ser realizadas de forma aérea, por meio de drones ou outros instrumentos. Ainda, esse tipo de fotografia é processado em softwares, e os dados do item fotografado podem ser carregados em programas de CAD e BIM. Veja a seguir, conforme o Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005), quais são os resultados dessa atividade de levantamento físico. � Levantamento cadastral — Item que consta toda a representação gráfica da edificação, considerando suas características físicas e geométricas, o local onde ela está inserida e todos os detalhes necessários ao seu entendimento. O levantamento gera plantas de situação, locação, plantas baixas, plantas e cobertura, fachada e cortes com o maior número de informações possível. � Topografia do terreno — Representação gráfica do terreno, “[...] con- tendo ângulos, pontos, distâncias, referências de níveis, curvas de nível e perfis longitudinal e transversal” (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005, p. 25). � Documentação fotográfica — Fotos internas e externas da edificação realizadas com o intuito de registrar o seu estado atual. Análise tipológica, identificação de materiais e sistema construtivo Essa é uma atividade da etapa de identificação e conhecimento do bem que analisa e conclui tudo o que foi pesquisado e levantado nos itens anteriores. A análise tipológica refere-se tanto à forma da edificação quanto ao seu uso, incluindo as mudanças referentes a esses aspectos ao longo do tempo. Por meio dessa análise, é possível compreender melhor elementos específicos que compõem a edificação. Para complementar a análise tipológica, realiza-se a identificação dos materiais que foram utilizados na construção e a forma como eles foram implantados,ou seja, quais técnicas construtivas foram utilizadas para edificar o bem pesquisado. Levantamento arquitetônico de bens inventariados6 Segundo o Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005), a análise consolida essas informações e gera um relatório que deve conter uma exposição de todas as características e detalhes da edificação, um parecer sobre a autenticidade do conjunto arqui- tetônico e de suas partes, uma identificação de todos os elementos que foram retirados ou alterados na edificação ao longo do tempo, um reconhecimento dos itens acrescidos na edificação e observações sobre o entorno do bem. Todo esse trabalho de identificação e conhecimento do bem é bastante complexo e requer o cuidado para que todos os detalhes sejam percebidos e levantados. A pesquisa histórica do bem e o entendimento desde o seu surgimento até o momento atual também são fundamentais para garantir a eficiência do processo. Exemplo de levantamento de bens inventariados O entendimento da importância de preservação dos bens culturais está ligado diretamente a uma busca por métodos que possam garantir a proteção do patrimônio. Assim, “[...] os inventários surgem neste entremeio como um instrumento da preservação, uma documentação sobre o bem cultural para seu conhecimento e entendimento para desenvolver as ações de preservação” (CARVALHO; AMARAL, 2011, p. 3). Segundo Carvalho e Amaral (2011), foi por meio da Recomendação de Nai- róbi, em 1976, que os inventários começaram a ter mais relevância. Deixaram de ser simples levantamentos analíticos ou quantitativos e passaram a ser elaborados de forma completa, com dados de diversos aspectos. Os autores complementam que, em 1987, a Carta de Petrópolis confirmou a relevância da elaboração de inventários, destacando a eles a mesma importância da ação de tombamento. O levantamento de bens inventariados deve ser realizado com cuidado e dedicação. Afinal, são muitos detalhes que devem ser percebidos na atividade. Na maioria dos casos, existem profissionais especializados que prestam esses serviços e que, na maioria das vezes, não divulgam esses materiais completos para exemplificação, pois são trabalhos autorais e requisitados por clientes particulares. De qualquer forma, existem alguns exemplos de levantamentos arquitetônicos de bens realizados para proposição de intervenções, mas que servem como referência de exemplificação do que seria um levantamento para inventário. Levantamento arquitetônico de bens inventariados 7 Um desses exemplos é o levantamento para recuperação física da Vila Itororó (Figura 1), situada na cidade de São Paulo. A Vila Itororó, segundo Freitas (2016), é um conjunto de 37 casas que foram edificadas em 1920 com materiais tradicionais. A Vila já é tombada, tanto pelo Estado quanto pelo Município. Conforme D’Alambert e Fernandes (2006), a Vila Itororó, atualmente, é resultado de variadas intervenções, que incluem ampliações e contenções, sendo caracterizada por edificações multifamiliares. “O caráter plástico do conjunto se definiu como uma colagem de surpreendente originalidade, com acento onírico e pitoresco, que passou a ser identificado espontaneamente como a vila surrealista” (TOLEDO, 2015, p. 19). Figura 1. Parte da Vila Itororó. Fonte: Toledo (2015, p. 50). Em um primeiro momento, segundo Freitas (2016), foi realizada uma pes- quisa histórica sobre a Vila, entendendo sua formação e sua evolução ao longo do tempo, com informações sobre seu surgimento e o contexto dessa época. Nessa etapa, foram pesquisados também os desenhos arquitetônicos realizados na época (Figura 2). Levantamento arquitetônico de bens inventariados8 Figura 2. Exemplo de desenho arquitetônico antigo da Vila Itororó. Fonte: Toledo (2015, p. 39). Freitas (2016) destaca que, em seguida, foi realizado o levantamento físico da área, com atenção aos parâmetros da situação atual das edificações da Vila, considerando seus graus de estabilidade, elementos subtraídos ou adicionados ao longo do tempo, entre outros fatores. Para garantir a adequada realização das ações a serem planejadas, era preciso um levantamento arquitetônico convertido a processo crítico, ou seja, como instrumen- to de ampliação da cognição histórica da construção existente para a produção de documentos sobre os estados pretéritos das edificações, com variados graus de aproximação e fidúcia construtiva (FREITAS, 2016, p. 6). Levantamento arquitetônico de bens inventariados 9 Para isso, optou-se pela utilização da fotogrametria digital (Figura 3), a fim de conseguir dados mais precisos e detalhados da área. Esse método também contribuiu, segundo Freitas (2016, p. 6), para a “[...] compreensão de texturas, padrões, cores, elementos construtivos e alterações visíveis de modo muito rápido e intuitivo”. Figura 3. Uso da fotogrametria no levantamento da Vila Itororó. Fonte: Freitas (2016, p. 7). Tendo em mãos as fotos de cada porção da Vila, foi possível selecioná- -las e organizá-las em sequência. Junto às vistas esquemáticas desenhadas com base nas medições do local, foi possível compatibilizá-las com as fotos, de modo a facilitar o entendimento de cada visual. Com essa técnica, foi possível realizar alguns estudos sobre a Vila Itororó, de forma a compreender melhor sua estrutura atual (Figura 4). Figura 4. Esquema de estudo dos perfis da Vila Itororó. Fonte: Freitas (2016, p. 10). Levantamento arquitetônico de bens inventariados10 Após a realização dos levantamentos completos, foi elaborada a análise e a síntese de toda a pesquisa relacionada à Vila Itororó. Por meio dessa síntese, foram finalizados os esquemas e definidos os desenhos arquitetônicos do local, separados por partes. A seguir, veja alguns dos exemplos dos desenhos arquitetônicos produzidos do Bloco 1 da Vila Itororó. Na planta de identificação (Figura 5a), estão marcadas informações im- portantes referentes a essa construção levantada, como esquadrias, pilares, nomes dos ambientes e níveis. No levantamento geométrico (Figura 5b), constam todas as cotas da edificação, em planta baixa, considerando tanto as dimensões de comprimento e largura, medidas de forma reta, quanto as dimensões de canto a canto. Figura 5. (a) Planta de identificação. (b) Levantamento geométrico. Fonte: Instituto Pedra (c2016, documento on-line). a b Outros desenhos importantes para o levantamento físico de um bem são os cortes (Figura 6a), nos quais constam os elementos da edificação seccionados, com suas hachuras, além de cotas verticais, cotas de nível e elementos que aparecem em vista. Na fachada (Figura 6b), é possível identificar as cotas de nível e alguns materiais principais que compõem a edificação e são descritos através das linhas de chamada. Levantamento arquitetônico de bens inventariados 11 Figura 6. (a) Corte. (b) Fachada. Fonte: Instituto Pedra (c2016, documento on-line). a b No desenho de fachada que se refere ao que foi demolido e construído ao longo do tempo (Figura 7a), é possível identificar os elementos por meio das cores e das linhas de chamadas que contêm informações. Na fachada relacionada ao mapeamento de danos (Figura 7b), podemos perceber que cada cor identifica um tipo de material, e cada hachura refere-se a um dano da edificação, como descascamento, umidade, oxidação, entre outros. Figura 7. (a) Identificação do que foi demolido e construído. (b) Mapeamento de danos. Fonte: Instituto Pedra (c2016, documento on-line). a b Para finalizar, o levantamento de esquadrias e colunas (Figura 8) demonstra todos esses elementos da edificação, desenhados tal qual eles estão no local, com seus detalhes e dimensões. O levantamento arquitetônico é uma atividade presente em vários setores da arquitetura, sendo relevante em qualquer um deles. Afinal, para entender o que é existente, seja um bem tombado, protegido ou uma edificação qualquer que vá receber uma intervenção, é fundamental pesquisar e levantaro maior número de dados possível sobre o elemento. Levantamento arquitetônico de bens inventariados12 Figura 8. (a) Levantamento de esquadrias. (b) Levantamento de colunas. Fonte: Instituto Pedra (c2016, documento on-line). a b Em relação ao inventário do bem, para que ele seja de fato protegido, ele deve ser levantado da maneira mais completa possível, pois isso garantirá que todas as suas características sejam compreendidas e mantidas ao longo do tempo. Para isso, é necessário seguir todas as etapas, compreendendo dados gerais da edificação, questões de localização, suas dimensões e confor- mações, suas técnicas construtivas e materiais, seus detalhes, acabamentos, as intervenções que ocorreram ao longo do tempo e diversos outros elementos que vão colaborar para a análise e síntese. Os desenhos arquitetônicos devem ser realizados minimamente conforme descreve o Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural (GOMIDE; SILVA; BRAGA, 2005), mas qualquer outro desenho pode ser acrescentado, dependendo das especificidades de cada edificação, para levantá-la e representá-la da forma mais completa possível. Referências BRASIL. Decreto-Lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patri- mônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm. Acesso em: 15 abr. 2021. BRASIL. Ministério da Cultura. Sítios históricos e conjuntos urbanos de monumentos nacionais: norte, nordeste e centro-oeste. Brasília: Ministério da Cultura, 2005. (Pro- grama Monumenta, v. 1; Cadernos Técnicos, n. 3). Disponível em: http://portal.iphan. gov.br/uploads/publicacao/CadTec3_SitiosHistoricos_m.pdf. Acesso em: 15 abr. 2021. CARVALHO, T. S.; AMARAL, L. C. P. Os inventários como instrumentos de preservação: da identificação ao reconhecimento. In: SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, 9., Brasília, 2011. Anais [...]. Brasília: Docomono Brasil, 2011. Levantamento arquitetônico de bens inventariados 13 D’ALAMBERT, C. C.; FERNANDES, P. C. G. Bela Vista: a preservação e o desafio da reno- vação de um bairro paulistano. Revista do Arquivo Municipal, v. 204, p. 151-168, 2006. DOURADO, O. Viollet-Le-Duc: restauro. Pretextos, série b, n. 1, 1993. FONSECA, L. V. N. Tombamento versus inventário. A eficácia na proteção do patrimônio cultural: análise a partir de entendimento jurisprudencial. Jusbrasil, 2015. Disponível em: https://lucasvalladao.jusbrasil.com.br/artigos/204312226/tombamento-versus- -inventario-a-eficacia-na-protecao-do-patrimonio-cultural#:~:text=O%20tomba- mento%20est%C3%A1%20regulamentado%20pelo,foi%20regulamento%20por%20 lei%20federal.&text=216%2C%201%C2%BA%20da%20CF%2F88,os%20mesmos%20 efeitos%20do%20tombamento. Acesso em: 15 abr. 2021. FREITAS, P. M. G. O levantamento arquitetônico em perspectiva crítica: experiências didáticas no canteiro de restauração da Vila Itororó, São Paulo. In: SEMINÁRIO NACIONAL DO CENTRO DE MEMÓRIA - UNICAMP, 8., 2016, Campinas. Anais [...]. Campinas: Unicamp, 2016. Disponível em: https://www.sigaa.ufs.br/sigaa/verProducao?idProducao=151739 8&key=9f36e763cddafd1c413fc5fcfd7b27d9. Acesso em: 15 abr. 2021. GOMIDE, J. H.; SILVA, P. R.; BRAGA, S. M. N. Manual de elaboração de projetos de preserva- ção do patrimônio cultural. Brasília: Ministério da Cultura, 2005. (Programa Monumenta; Cadernos Técnicos, n. 1). Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/ CadTec1_Manual_de_Elaboracao_de_Projetos_m.pdf. Acesso em: 15 abr. 2021. INSTITUTO PEDRA. Vila Itororó. c2016. Disponível em: http://institutopedra.org.br/ projetos/vila-itororo/. Acesso em: 15 abr. 2021. PARANÁ. Secretaria da Comunicação Social e da Cultura. Tombamento: conceitos. Curitiba: SEEC, 2011. Disponível em: http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/ conteudo/conteudo.php?conteudo=4. Acesso em: 15 abr. 2021. SANPAOLESI, P. Discorso sulla metodologia generale del restauro dei monumenti. Firenze: EDAM, 1972. TOLEDO, B. L. Vila Itororó: canteiro aberto. São Paulo: Instituto Pedra, 2015. Leitura recomendada KUTYLA, J. Drones e renders: como a fotogrametria aérea insere a topografia real nas visualizações. ArchDaily, 2016. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/ br/784600/drones-e-renders-como-a-fotogrametria-aerea-insere-a-topografia-real- -nas-visualizacoes. Acesso em: 19 abr. 2021. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os edito- res declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Levantamento arquitetônico de bens inventariados14 Dica do professor A fim de compreender as características de uma arquitetura, um conjunto urbano ou sítio histórico, é fundamental medir toda a área estudada de forma que seja fielmente registrada. Essa medição faz parte da etapa de levantamento, utilizada tanto para elaborar inventários como identificar informações relevantes de uma edificação para que ela seja reabilitada. Na Dica do Professor, veja algumas maneiras de medição que podem colaborar com a etapa de levantamento físico de um bem. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/e6b0efd45cebcf9cab8d20bc210f1c38 Na prática Uma forma possível de proteger uma edificação histórica significativa é usar um processo de inventário. Para inventariar um bem, é necessário conhecer todos os seus elementos, materiais, dimensões, alterações, técnicas construtivas, entre outros itens. Isso é descoberto com pesquisas e levantamentos. Na Prática, veja como identificar e conhecer um bem arquitetônico para que ele seja inventariado. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/0e1bab02-c81a-4af4-a546-dce725a01464/83fb93fa-2e12-40db-8410-8adb0668d851.jpg Saiba + Para ampliar seu conhecimento no assunto, veja a seguir as sugestões do professor: Inventário Os inventários são relevantes instrumentos de preservação de bens materiais, responsáveis pelo conhecimento profundo de cada bem. Leia mais sobre o assunto no artigo a seguir. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Inventário digital da arquitetura moderna de Curitiba: a casa do arquiteto (1962-1985) As tecnologias digitais estão cada vez mais presentes na sociedade e são elementos facilitadores das atividades. Neste artigo, leia sobre metodologia de inventário digital, que teve como objetivo identificar, documentar e disponibilizar o acervo de dez casas projetadas por arquitetos para si mesmos, em Curitiba, entre as décadas de 1960 e 1980. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. O inventário como possibilidade de preservar o patrimônio arquitetônico O inventário arquitetônico é uma possibilidade de salvaguarda das cidades e do patrimônio arquitetônico pois possibilita que a história urbana seja contada. Leia mais sobre a importância do inventário no ato da preservação da arquitetura e das cidades no artigo a seguir. http://publica.sagah.com.br/publicador/objects/attachment/562395687/Inventrio.pdf?v=2089686530 https://www.researchgate.net/publication/320863782_Inventario_digital_da_Arquitetura_Moderna_de_Curitiba_A_casa_do_arquiteto_1962-1985 Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. http://publica.sagah.com.br/publicador/objects/attachment/1328435627/532-2010-1-PB.pdf?v=1620777724 Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin Apresentação A teoria do restauroestilístico, desenvolvida por Eugène Viollet-le-Duc, indicava que qualquer monumento que fosse restaurado deveria parecer ao máximo possível com o original, descartando os acréscimos desenvolvidos no decorrer de sua história. Já John Ruskin influenciava o movimento antirrestauro, ressaltando que apenas poderiam ser realizadas intervenções imperceptíveis, pois os monumentos históricos deveriam ser intocados. Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá compreender a importância de Viollet-le-Duc e Ruskin para as teorias e práticas de restauração até os dias atuais, sendo influenciadas por seus conceitos e suas ideias. Acompanhará também uma exemplificação dos exemplares de arquitetura que tiveram grande influência desses teóricos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os conceitos e teorias de restauro de Eugène Viollet-le-Duc.• Descrever as ideias e teorias de preservação de John Ruskin.• Ilustrar as ideias dos teóricos aplicadas a exemplares de arquitetura.• Infográfico John Ruskin foi um crítico de arte influente na arquitetura que se aprofundou na preservação e na conservação do patrimônio histórico, incentivando a preservação da memória e da história dos antepassados. Em seu livro As sete lâmpadas da arquitetura, escrito em 1849, ele abordou a preservação e a restauração dos monumentos, apresentando as suas principais teorias — que ficaram conhecidas como as "leis da arquitetura". Confira, neste Infográfico, os conceitos que definem cada uma das leis desenvolvidas por esse teórico. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/9b8757ac-6580-4dc0-8f25-fd500247dce3/75678718-326d-45f5-a2cd-773050b9e913.png Conteúdo do livro A valorização do patrimônio histórico era defendida desde a Idade Média, ressaltando a importância do valor memorável que determinadas edificações apresentavam para a sociedade. Eugène Viollet-le-Duc e John Ruskin foram importantes nomes no ramo da restauração de obras, impactando os princípios e as teorias de restauro até os dias atuais. No capítulo Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, estude as ideias e os princípios que foram desenvolvidos por esses teóricos, passando por exemplares de arquitetura que tiveram a influência deles em seus processos de restauração. Boa leitura. TEORIA DO RESTAURO E DO PATRIMÔNIO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar os conceitos e teorias de restauro de Eugène Viollet-le-Duc. > Descrever as ideias e teorias de preservação de John Ruskin. > Ilustrar as ideias dos teóricos aplicadas a exemplares de arquitetura. Introdução A preservação do patrimônio histórico teve como grandes influenciadores Eugène Viollet-le-Duc e John Ruskin, escritores, críticos e historiadores que atuaram principalmente na França e na Inglaterra, respectivamente. Apesar de terem visões contrárias, Viollet-le-Duc defendia a doutrina intervencionista, enquanto Ruskin defendia a doutrina anti-intervencionista, foram, e continuam sendo, importantes nomes da restauração arquitetônica. Além de incentivar a valorização do patrimônio histórico, ambos definiram princípios e teorias essenciais para a realização de restauros por meio de análises e informações levantadas a partir de suas pesquisas e trabalhos. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet- -le-Duc e Ruskin Jaqueline Ramos Grabasck Neste capítulo, você estudará sobre os conceitos e teorias desenvolvidas por Viollet-le-Duc assim como por Ruskin, e verá exemplos de edificações que foram focos de seus trabalhos e que se encontram preservadas até hoje. Eugène Viollet-le-Duc Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc foi um arquiteto, escritor, crítico e histo- riador que defendia a coerência conceitual e a destruição dos acréscimos executados em edificações de épocas passadas, quando ainda não havia estudos de restauração e de intervenção em edificações históricas. Sua doutrina intervencionista pregava que deveriam ser realizadas intervenções que levassem a obra ao seu estado mais puro, mesmo que esse estado jamais tivesse existido. Segundo ele, com a busca pelo estado de pureza da obra, o arquiteto poderia vir a projetar sobre a estrutura original (POIARES, 2020). Nos trabalhos de Viollet-le-Duc, basicamente, realizavam-se estudos e pesquisas para compreender à qual época determinada edificação pertencia, e, assim, eram retiradas todas as partes que poderiam ter sido desenvolvidas após a sua construção. Seu intuito era evitar a descaracterização do projeto original. Segundo Poiares (2020), Viollet-le-Duc foi o principal mentor da doutrina intervencionista. Sendo um grande incentivador da restauração, utilizando o princípio da unidade de estilo, Viollet-le-Duc trabalhou sobre edificações concebidas durante a Idade Média, cujas restaurações influenciaram as ideias ocidentais durante o século XIX. A busca pelo modelo ideal fazia com que Viollet-le-Duc alterasse grandes extensões das edificações, com o intuito de atingir a pureza de estilo. Para isso, o arquiteto partia da concepção da edificação, tentando compreender a lógica que havia sido utilizada. No entanto, Viollet-le-Duc desconsiderava as técnicas e práticas que eram utilizadas na época de concepção da obra e a reconstituía conforme as práticas e técnicas utilizadas em seu próprio tempo, que compreendia a ciência de 1800 (VIOLLET-LE-DUC, 2000). Caso a edificação estivesse incompleta, Viollet-le-Duc utilizava como fundamento para reconstrução a unidade estilística que havia sido utilizada na época de concepção da obra. Para obter essa unidade estilística, Viollet- Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin2 -le-Duc fundamentava-se nas regras gerais do estilo da edificação obtidas por meio de estudos arqueológicos desenvolvidos antes da concepção da obra. Com os dados obtidos, o arquiteto aplicava critérios análogos, a fim de realizar uma integração dos estilos durante a restauração da edificação (SALCEDO, 2013). Dessa maneira, Viollet-le-Duc colocava o restauro como uma conciliação da análise histórica da obra e da sua arquitetura. A partir dessa conciliação, surgia a teoria moderna da arquitetura de Viollet-le-Duc, abrangendo a análise científica, a pesquisa e a aprendizagem por meio dos objetos do passado. Além dos trabalhos de restauração desenvolvidos nas edificações, Viollet- -le-Duc publicou as obras Entretiens sur l'architecture (Palestras de arquite- tura) e o Dictionnaire Raisonné de l'Architecture Française du XIe au XVIe siècle (Dicionário racional de arquitetura francesa do século XI ao XVI), as quais fizeram grande sucesso ao rodar mundo e estiveram ao alcance de diversos profissionais, não só de arquitetos (VIOLLET-LE-DUC, 2000). Os conhecimentos de Viollet-le-Duc foram apresentados nesses textos indicando novos percursos para a arquitetura a partir da “[...] difusão de princípios racionais de construção e na propagação da ideia de que o ver- dadeiro futuro da arquitetura estaria em se estabelecer um sistema tão coerente, coeso, racional e eficiente quanto aquele da arquitetura gótica” (VIOLLET-LE-DUC, 2000). O Dictionnaire apresentava teorias resultantes das práticas realizadas por Viollet-le-Duc, com recomendações que eram consideradas incisivas, mas muito utilizadas em reconstituições e quando o arquiteto pretendia corrigir algo que, segundo ele, não se encontrava de acordo com o estilo do projeto (VIOLLET-LE-DUC, 2000). A atuação de Viollet-le-Duc ganhou destaque após a Revolução Francesa, quando o Estado francês criou ações para combater o vandalismo advindo da Revolução. Ao participar da comissão que realizava o levantamento preciso dos bens de interesse patrimonial e das premissas de conservação, atuando prin- cipalmente frente a catedrais góticas, Viollet-le-Duc teve a oportunidadede participar das primeiras iniciativas de restauração (ALMEIDA, 2009). A Figura 1 representa um modelo ideal de catedral desenvolvido por Viollet-le-Duc, o qual deveria seguir fielmente o seu estilo, sendo esse o estilo gótico. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin 3 Figura 1. Modelo ideal de catedral, segundo Viollet-le-Duc. Fonte: Almeida (2009, p. 28). Prosper Mérimée, arquiteto, pintor, historiador, escritor e amigo da família de Viollet-le-Duc, foi uma grande influência para a evolução profissional do arquiteto. Ambos atuaram na Comissão de Artes e Edifícios Religiosos, criada pela administração do Serviço dos Cultos, que era responsável pelas igrejas e possuía seu próprio corpo de profissionais. Juntos, Viollet-le-Duc e Mérimée desenvolveram, em 1849, uma instrução técnica que tratava da restauração de edifícios pertencentes a dioceses, em que foram apresentadas recomendações para incentivar a realização de manutenções periódicas com o intuito de evitar as restaurações. Viollet-le-Duc trabalhou na restauração da Catedral de Notre-Dame de Paris, em que fez alterações significativas, mudando completamente o perfil da igreja. Na fachada de Notre-Dame, Viollet-le-Duc inseriu esculturas góticas, tomando como base a Igreja de Santo André de Bordeaux, pois considerava que ambas tinham sido construídas na mesma época (SALCEDO, 2013). A Figura 2 é uma maquete da Catedral de Notre-Dame de Paris antes de passar pelo processo de restauração de Viollet-le-Duc. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin4 Figura 2. Maquete da Catedral de Notre-Dame antes de ser restaurada por Viollet-le-Duc. Fonte: Salcedo (2013, p. 30). Durante a sua atuação profissional, os conceitos de Viollet-le-Duc eram aceitos pela população em geral, porém, com o passar do tempo, o seu radica- lismo começou a ser questionado. No final do século XIX, outros teóricos como Camillo Boito afirmaram que o ideal das intervenções seria a sua utilização em um nível intermediário. Entretanto, anos mais tarde, Boito, arquiteto, engenheiro e professor de arquitetura, se aprofundou nos conceitos e afirmou que os restauros realizados por Viollet-le-Duc são como “falsificações”. Apesar de suas intervenções radicais, associadas, inclusive, à descaracteri- zação de obras originais, Viollet-le-Duc realizava levantamentos completos das edificações em que trabalhava. Essas informações referentes à construção das edificações mediante pesquisas criteriosas vieram a ser importantes relatos da memória da sociedade. O fato de estudar cada detalhe e chegar à estrutura de determinadas obras fazia com que as técnicas e práticas empregadas no desenvolvimento das edificações fossem compreendidas em sua totalidade. Dessa forma, Viollet-le-Duc é considerado um importante arquiteto, his- toriador e escritor, deixando um excelente legado para a sociedade e para a história da arquitetura. John Ruskin John Ruskin foi escritor, crítico de arte e sociólogo e professor na Universidade de Oxford. Ruskin frisava a importância de manter a edificação intacta, com o intuito de manter a essência da obra, sem alterar as marcas do tempo. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin 5 De sua filosofia, surgiu a doutrina anti-intervencionista, a qual afirma que monumentos do passado devem ser intocados, partindo do pressuposto que só serão aceitas intervenções imperceptíveis. Todo o trabalho desenvolvido por Ruskin tinha como base a religiosidade, devido à educação recebida em sua infância. Dessa forma, Ruskin reforçava a ideia de que as obras deveriam ser tratadas como templos. Ruskin colocava a verdade e o belo na esfera ética e na esfera estética, segundo ele, conceitos indissociáveis, ou seja, a estética e a ética sempre deveriam ser trabalhadas em conjunto (MARANTES, 2011). Como professor, Ruskin tratava o ensino do desenho como algo empírico. Ele transmitia os seus conceitos aos alunos, e cada um deveria desenvolver por si mesmo a própria forma de olhar. Amaral (2010) coloca Ruskin como um profeta e os seus alunos como discípulos. A única regra apresentada por Ruskin era a associação de assuntos justapostos, em que o aluno deveria trabalhar com a carga que advém da sua memória, juntamente como o tempo no qual se encontra, para então desenvolver a sua obra. Apesar de ser contra as intervenções, Ruskin admitia que as manutenções frequentes fossem realizadas, desde que se tratasse de pequenos reparos a fim de evitar a degradação do patrimônio. Além disso, de acordo com Amaral (2015), Ruskin ressaltava a importância da manutenção constante em edifícios históricos e afirmava que, caso a construção estivesse comprometida, essa deveria ser demolida para dar lugar a uma edificação totalmente nova e diferente da anterior, evitando a imitação do desenho original. Essa premissa foi utilizada por Ruskin para criticar Viollet-le-Duc, que construiu cópias das torres de St. Oven, na França, após elas serem demolidas. Apesar de ser um crítico arquitetônico, Ruskin não tinha formação em arquitetura, porém defendia a ideia de que qualquer pessoa tinha o direito de opinar sobre arquitetura, pois as edificações eram consideradas por ele como bens pertencentes à sociedade. Monteiro (2012, p. 92) afirma que Ruskin trabalhava na premissa de “[...] uma reconciliação entre arte e vida, trabalho e prazer. A arquitetura era vista por ele como expressão da vida humana, de seu intelecto, alma e poder corporal, e por isso deve ser preservada como a memória de uma época”. Ruskin desenvolveu o livro As Sete Lâmpadas da Arquitetura, que, em sete capítulos, apresentava as “leis” da arquitetura, sendo elas: sacrifício, verdade, poder, beleza, vida, memória e obediência. No capítulo “A Lâmpada da Memória”, Ruskin abordou as teorias de preservação e de conservação do patrimônio histórico desenvolvidas por ele, as quais seguem o viés do Movimento Antirrestauração. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin6 O Movimento Antirrestauração, exaltado por Ruskin, indica que a restau- ração é uma forma de destruir o patrimônio, devendo ser evitada mediante a conservação das edificações, que pode ser realizada com a estruturação de elementos como escoras de madeiras e chapas metálicas. Ao utilizar-se desses recursos, Ruskin acreditava que a essência da obra será mantida, preservando a sua história e lhe trazendo dignidade (MONTEIRO, 2012). A seguir, veja alguns conceitos que compõem as “leis” da arquitetura desenvolvidas por Ruskin. O sacrifício Amaral (2008) afirma que “O sacrifício” se trata de uma metáfora, pois Ruskin, na verdade, quer dizer que se deve apresentar algum comprometimento ideológico, independentemente de qual seja a profissão que o profissional desempenha. Para Ruskin, tanto a arte como a arquitetura têm a função de gerar condições que ressalte a composição natural por meio da sensibilidade e da imaginação. O artista deve explicar aos que não podem enxergar a lógica que a natureza apresenta. Sendo assim, Amaral (2005) resume o sacrifício apresentado por Ruskin a um apelo religioso, uma vez que a ideologia para ele seria considerada um sinônimo de fé. Na Figura 3, Ruskin apresenta Veneza por meio do desenho e da pintura, utili- zando a sua sensibilidade para transmitir a essência da cidade aos observadores. Figura 3. Veneza pintada por John Ruskin. Fonte: Amaral (2005, p. 67). Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin 7 A verdade das estruturas Para Ruskin, a composição natural trata-se de um relacionamento que há entre as partes que geram o todo, sendo esta lógica utilizada também para definir a composição arquitetônica. Ruskin indica que os elementos arquitetônicos se encontram em constante movimento, resultando em seu equilíbrio dinâmico. Seguindo essa premissa, tanto a composição natural como a composição arqui- tetônica resultam na condição de equilíbrio entre os elementos, acarretandoa proporcionalidade e a distribuição de forças (AMARAL, 2008). A arquitetura ruskiniana relaciona o desenho estrutural à exposição dessa estrutura, que pode ser observada livremente pelo observador, vindo a ser compreendida a sua resolução. Para Amaral (2005), o elemento que apresenta maior importância na teoria ruskiniana é a relação de equilíbrio com o todo. “A verdade das estruturas” representa o desenvolvimento de um desenho didático de forma que, ao observar a edificação, qualquer pessoa possa identificar o equilíbrio e a segurança advindos das partes que compõem a obra (AMARAL, 2005). A verdade dos materiais “A verdade dos materiais” advém da verdade da estrutura, sendo a verdade a forma na natureza. Ou seja, ao utilizar os materiais em uma obra, esses devem expressar a sua verdade, que corresponde também à sua essência e caráter. Ruskin afirma que todo material possui um processo de envelhecimento próprio de sua constituição. Esse envelhecimento do material constituía e transmitia a sua história, conferindo-lhe dignidade. A passagem do tempo e o desgaste dos materiais geram rachaduras, alteram a cor das pinturas e facilitam o crescimento de plantas. Essas alterações eram consideradas por Ruskin como parte da memória da edificação, por corresponderem ao seu processo natural de envelhecimento. Por esse motivo, Ruskin não tolerava que os materiais envelhecidos fossem substituídos por outros novos, pois, para ele, seria como uma imitação do elemento original, o que resultaria na descaracterização da edificação. Amaral (2008) reforça que Ruskin não era contra o restauro, mas sim contra o ato de substituir materiais velhos por materiais novos de forma a adulterar o original da obra. Para a substituição desses materiais, Ruskin propunha o uso de materiais que apresentassem idade e aparência similares com os que deveriam substituir, apresentando todas as marcas advindas do tempo. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin8 A teoria de Ruskin sobre a substituição de materiais similares envelhe- cidos no lugar dos materiais em más condições, levou o Conde Zorvi a escrever um livro que apresenta a teoria da percepção de Ruskin. O material produzido por Conde Zorvi, que se empenhava em defender a restauração sem alterar a obra original, evitou a intervenção na Igreja São Marcos, que teria as suas partes redesenhadas e substituídas (AMARAL, 2005). Diferentemente de Viollet-le-Duc, Ruskin via a arquitetura como um bem público, de forma que todos, independentemente de serem arquitetos ou não, teriam o direito de opinar com relação ao estado de conservação da edificação e o que deveria ser feito nela (MESSIAS, 2018). Além dos prédios sacros e oficiais, Ruskin frisava a importância das resi- dências para contar a história de seus moradores, garantindo que as futuras gerações estivessem a par das vivências de seus antepassados. Segundo Ruskin, as residências deveriam ser tratadas como templos, preservando a história e as marcas de seu tempo, sendo que, naquela época, apenas os prédios sacros e oficiais eram considerados patrimônio histórico. Seguindo essa premissa, Ruskin colocava a arquitetura como centraliza- dora e protetora de uma influência sagrada, acrescentando que a memória permeia a arquitetura e a poesia. No entanto, a arquitetura é vista pelo autor como a mais poderosa, pois possibilita que as futuras gerações tenham conhecimento do que foi pensado, sentido, manuseado e contemplado na época de construção da obra (MONTEIRO, 2012). Apesar das intervenções de Ruskin não se mostrarem tão radicais quanto as de Viollet-le-Duc, quando uma obra se encontrava seriamente comprometida, as suas teorias defendiam a demolição em vez da restauração. Ruskin foi um importante crítico, que ressaltou a importância da preservação da memória da sociedade e a conservação dos prédios históricos, colocando-se contra as intervenções radicais que descaracterizavam as obras. De acordo com Monteiro (2012), a educação rígida com ideologias puritanas na qual Ruskin cresceu, levaram-no às máximas morais que lhe colocaram contra a industrialização, sendo conhecido como “[...] o grande solucionador dos problemas da Era da Industrialização” (MONTEIRO, 2012, p. 98). Ruskin culpava a industrialização pela destruição ocasionada nos monumentos e na paisagem da Inglaterra no século XIX. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin 9 Restauração de exemplares da arquitetura As teorias de restauração defendidas por Viollet-le-Duc permitiam que uma obra fosse totalmente modificada, com o intuito de atingir o seu estado mais puro. Outros profissionais defendiam a magnitude da obra intocada, que deveria ser preservada tal e qual ela foi gerada. Com o passar dos tempos, os profissionais entenderam que o ideal era adotar um parâmetro intermediário, que possibilitava e indicava a realização de manutenções preventivas, mas que também preservava a essência da obra. Para garantir que essas premissas sejam atendidas, atualmente há ins- tituições responsáveis por proteger e preservar os patrimônios históricos. Entretanto, isso é relativamente recente, e, até então, muitas obras já pas- saram por alterações significativas. Luso, Lourenço e Almeida (2004), indicam que a Basílica de Vézelay encon- trava-se em péssimo estado em 1840, tendo a sua restauração concedida a Viollet-le-Duc em 1843. Conforme esses autores, Viollet-le-Duc realizou um reforço nas fundações que compõem os pilares da nave central, adicionou dois contrafortes, reconstruiu a abóbada, modificou a fachada, escorou as partes que poderiam vir a ruir e reposicionou a janela gótica que se encontrava deslocada a 50 cm da sua posição inicial. Com as alterações realizadas e a permanência dos elementos inacabados, Viollet-le-Duc manteve uma coerência estilística e recompôs o estilo próprio da igreja. Diferentemente do que se poderia esperar de Viollet-le-Duc e de sua teoria intervencionista, devido aos seus princípios de restauração, o arquiteto optou por não complementar a torre norte da igreja e nem mesmo reconstruir o seu pináculo (LUSO; LOURENÇO; ALMEIDA, 2004). A Figura 4 apresenta como se encontra a Basílica de Vézelay. Luso, Lourenço e Almeida (2004) indicam que o restauro do Castelo de Pierrefonds, na França, é considerado a obra mais emblemática do trabalho do Viollet-le-Duc, tendo início em 1857, a pedido de Napoleão III. O castelo foi construído em 1396 para ser uma fortificação militar, sendo um quadrilátero irregular, composto por oito torreões, destinados a abrigar nichos com uma estátua. Já em 1617, parte do castelo foi demolido, apresentando algumas zonas em estado de ruína e o seu telhado completamente destruído por ordem do Rei Luís XIII. A Figura 5 apresenta as ruínas do Castelo de Pierrefonds, na França. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin10 Figura 4. Basílica de Vézelay, na França. Fonte: Pichard (2021, documento on-line). Figura 5. Ruínas do Castelo de Pierrefonds antes de ser restaurado. Fonte: Luso, Lourenço e Almeida (2004, p. 7).w Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin 11 Após diversas pesquisas, o arquiteto conseguiu reconstruir a planta original do castelo e a disposição das oito estátuas que compõem as torres. Porém em 1863, Napoleão solicita a Viollet-le-Duc que o castelo seja habitável, o que leva o arquiteto a realizar alterações em seu interior, inserindo salas que apresentam influências românticas e agregando um andar (LUSO; LOURENÇO; ALMEIDA, 2004). Com a morte de Viollet-le-Duc em 1879, a restauração do castelo foi conclu- ída por seu genro, o arquiteto Ouradou, em 1885. Na restauração desse castelo, Viollet-le-Duc pôde utilizar os princípios defendidos por ele na doutrina intervencionista, que reforçam a necessidade de realizar todas as alterações necessárias para atingir o estado original da obra. A Figura 6 apresenta o castelo atualmente com as alteraçõesrealizadas por Viollet-le-Duc. Figura 6. Castelo de Pierrefonds atualmente. Fonte: Decarpentrie/ Pixabay.com Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin12 Com ideias intermediárias às de Viollet-le-Duc e de Ruskin, surge Luca Beltrami, arquiteto, historiador e o sucessor de Camillo Boito, indicado para realizar a restauração do Campanário da Praça São Marcos, em Veneza. Luca adotou uma postura mais próxima dos ideais de Viollet-le-Duc ao utilizar o edifício como próprio documento histórico na sua reconstrução, em 1912, pois, em 1902, a edificação havia sido destruída (MESSIAS, 2018). Na Figura 7, é possível observar o Campanário da Praça São Marcos recons- truído em sua totalidade seguindo os princípios defendidos por Viollet-le-Duc a partir da doutrina intervencionista. Figura 7. Campanário na Praça São Marcos, em Veneza. Fonte: Peggychoucair/ Pixabay.com. De acordo com Messias (2018), Ruskin foi considerado um dos teóricos mais famosos do século XIX, sendo lembrado devido ao seu trabalho como crítico das artes e da sociedade. Porém, na arquitetura, Ruskin deixou um legado sobre a valorização da cultura e da memória, que se destaca até os dias de hoje em termos de restauro e de preservação de patrimônios. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin 13 Segundo Monteiro (2012), as teorias de Ruskin eram utilizadas já no final do século XIX nos Estados Unidos e na Europa. Entretanto, no Brasil, as te- orias e as ideias de Viollet-le-Duc e Ruskin foram utilizadas já no século XX, reforçando a importância da conservação do patrimônio para que ocorresse a preservação da memória dos antepassados. No relatório “Os reparos nos Fortes de Bertioga”, realizado por Euclides da Cunha, já se pode encontrar conceitos de Ruskin, aplicados no solo brasileiro em 1904. Para Monteiro (2012), os conceitos de Ruskin são encontrados nesse relatório devido à valorização da edificação, que é justificada pela sua idade e pelos princípios de antirrestauração observados no fato do autor condenar a realização de retoques na obra para excluir as marcas do tempo. O Forte São João de Bertioga encontra-se em meio às etapas neces- sárias para tornar-se Patrimônio Mundial pela UNESCO, que determina que a comunidade faça parte dos processos, compreendendo a importância da obra e a responsabilidade compartilhada para que ocorra a preservação desse patrimônio (FORTIFICAÇÕES..., 2020). Na Figura 8, é possível observar as marcas deixadas pelo tempo no Forte São João de Bertioga, como a presença de vegetação no piso junto às rodas do canhão e as diferentes tonalidades tanto nas paredes como no piso. Figura 8. Forte de São João de Bertioga. Fonte: Paul Trmntn/ Shutterstock.com. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin14 Além das obras monumentais, Ruskin também ressaltava a importância de conservar as residências, pois elas são de edificações que carregam a história de cada família. Sendo essa premissa adotada também por Lucio Costa, que indicava que as residências deveriam “[...] expressar o caráter, a ocupação e a história de cada morador” (MONTEIRO, 2012, p. 97). Ruskin coloca a residência como a referência que origina as demais ar- quiteturas. No Brasil, isso pode ser observado em cidades como Ouro Preto, Diamantina e Tiradentes, que conservam as residências do período Colonial, abrangendo os seus centros urbanos (MONTEIRO, 2012). A Figura 9 apresenta as residências coloniais preservadas em Diamantina, Minas Gerais. Figura 9. Construções coloniais em Diamantina, Minas Gerais. Fonte: Jandira Silva/ Pixabay.com. Os primeiros teóricos do restauro: Viollet-le-Duc e Ruskin 15 Por fim, é possível afirmar que as teorias e os conceitos desenvolvidos por Viollet-le-Duc e Ruskin impactaram diretamente nos estudos da arqui- tetura. Apesar de terem ideias opostas, ambos estudiosos prezavam pela conservação do patrimônio exaltando a sua essência. Enquanto Viollet-le-Duc era considerado radical devido às grandes intervenções que realizava nas obras buscando a unidade de estilo, Ruskin era contra as restaurações que modificavam as edificações, afirmando que intervenções para manutenção deveriam ser realizadas de forma imperceptível. Viollet-le-Duc e Ruskin influenciaram fortemente nos métodos e princípios adotados atualmente na restauração de edificações, além de suas teorias contribuírem para a preservação dos monumentos históricos, garantindo que as futuras gerações, por meio da arquitetura, estejam cientes dos fatos memoráveis que determinaram a história. Referências ALMEIDA, E. de. O “construir no construído” na produção contemporânea: relações entre teoria e prática. 2009. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/dispo- niveis/16/16133/tde-26042010-150955/en.php. Acesso em: 18 maio 2021. AMARAL, C. 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John Ruskin: teorias da preservação e suas influências na preser- vação do patrimônio brasileiro no início do século XX. Revista do Colóquio de Arte e Pesquisa do PPGA-UFES, n. 3, p. 90-101, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufes. br/colartes/article/view/7641/5347. Acesso em: 18 maio 2021. PICHARD, Y. Vézelay basilic. Wikipédia, 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/ wiki/Bas%C3%ADlica_e_Colina_de_V%C3%A9zelay. Acesso em: 18 maio 2021. POIARES, R. Construir sobre o construído. 2020. 88 f. Dissertação (Mestrado em Arquite- tura) – Escola Superior Artística do Porto, Porto, 2020. Disponível em: https://comum. rcaap.pt/handle/10400.26/35066. Acesso em: 18 maio 2021. SALCEDO, R. F. B. Teoria e métodos na restauração arquitetônica. In: MAGAGNIN, R. C.; SALCEDO, R. F. B.; CONSTANTINO, N. R. T. (org.). Arquitetura, urbanismo e paisagismo: contexto contemporâneo e desafios. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013. v. 2. p. 25- 43. 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Nesta Dica do Professor, compreenda a importância desse arquiteto para a preservação dos patrimônios históricos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/73d0237f9612e615c9632d9d4f58eb87 Na prática Viollet-le-Duc iniciava os seus trabalhos partindo da lógica de concepção da edificação, a fim de compreender a sua execução, e a reconstruía como se tivesse sido desenvolvida na época em que a restauração estava sendo feita. Compartilhando dessa essência, encontra-se a obra de restauração do Theatro São Pedro, que passou por diversas intervenções ao longo do tempo. Confira, neste Na Prática, as alterações que foram realizadas na obra original do Theatro São Pedro. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/5d717251-55e1-4b56-95c0-158f9aae500e/39d20aae-8d9a-4e95-a9cc-6e7ccdef7565.png Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja as sugestões do professor: Viollet-le-Duc e Lucio Costa: tradição e modernidade Neste material, os pensamentos de Viollet-le-Duc e de Lucio Costa se aproximam na conciliação da modernidade e da tradição. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Leituras essenciais: John Ruskin e As sete lâmpadas da arquitetura Confira trechos do capítulo A lâmpada do sacrifício, que compõe a obra As sete lâmpadas da arquitetura, de John Ruskin. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. O ornamento no pensamento de John Ruskin Neste artigo, a autora evidencia o pensamento de John Ruskin sobre o ornamento na arquitetura. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://enanparq2016.files.wordpress.com/2016/09/s26-02-batista-a.pdf https://www.archdaily.com.br/br/805439/leituras-essenciais-john-ruskin-e-as-sete-lampadas-da-arquitetura?ad_source=search&ad_medium=search_result_all https://www.revistas.udesc.br/index.php/palindromo/article/view/16949/11401 Viollet-le-Duc Neste vídeo, assista a uma breve explicação sobre a vida de Viollet-le-Duc e a influência que ele exerce no patrimônio histórico brasileiro. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/guVXSKkN_Zw Patrimônio cultural Apresentação O patrimônio cultural de um povo se refere às expressões culturais que formam a sua identidade. Tais expressões podem ser objetos, edifícios ou até mesmo músicas ou danças. Para garantir que esse acervo cultural seja preservado, foram criadas entidades que defendem a preservação e a educação sobre o patrimônio cultural em diferentes escalas. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conferir o que é patrimônio cultural e como ele pode ser material ou imaterial. Além disso, verá quais órgãos são responsáveis pela sua preservação. Por fim, você vai conferir alguns exemplos de bens culturais protegidos nacional e internacionalmente. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir os conceitos de patrimônio cultural, patrimônio material e imaterial.• Identificar os principais institutos e órgãos de preservação no mundo e no Brasil.• Demonstrar exemplares de patrimônio material e imaterial no Brasil e no mundo.• Infográfico O Brasil é um país muito rico e diverso e abriga vários locais considerados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como patrimônios mundiais culturais e naturais. Em conjunto com os órgãos específicos, os governos federais, estaduais e municipais promovem a preservação e a manutenção desses locais catalogados. Neste Infográfico, confira os 14 locais considerados patrimônios mundiais culturais do Brasil. Observe, também, que um sítio pode ser considerado tanto patrimônio cultural quanto patrimônio natural. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Conteúdo do livro Os bens culturais podem ser materiais, quando são diretamente ligados a um artefato, seja este um edifício, uma cidade ou uma escultura, por exemplo, ou imateriais, quando se referem a modos de se produzir objetos, danças, festas ou qualquer outra expressão cultural contínua. Atualmente, entende-se ser de extrema importância a preservação das expressões culturais únicas de cada lugar, de modo a documentar a história e a manter os costumes dos povos que formaram o local. Essa prática leva à valorização de entidades que promovam a preservação e a difusão desse patrimônio. No capítulo Patrimônio cultural, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai conferir o que é patrimônio cultural e como ele pode existir de diferentes modos, desde as festas populares até o reconhecimento de cidades inteiras como bens culturais a serem preservados. Além disso, vai conhecer quais entidades são responsáveis pela preservação e pela salvaguarda desse patrimônio. Por fim, você vai conferir exemplos de bens culturais protegidos em diferentes instâncias. Boa leitura. TEORIA DO RESTAURO E DO PATRIMÔNIO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir os conceitos de patrimônio cultural e patrimônio material e imaterial. > Identificar os principais institutos e órgãos de preservação no Brasil e no mundo. > Demonstrar exemplares de patrimônio material e imaterial no Brasil e no mundo. Introdução O patrimônio histórico de um povo é composto pelo conjunto de bens ma- teriais ou imateriais que representam a sua cultura. Com o passar dos anos, foi necessário criar órgãos para proteger tal patrimônio em diferentes instâncias, desde municípios até entidades internacionais que zelam pela preservação da cultura humana. Os eventos traumáticos do século XX, sobretudo, mostraram que a cultura e os bens culturais são frágeis e valiosos, e necessitam, portanto, de proteção especial. Neste capítulo, você vai estudar o conceito de patrimônio cultural e as di- ferenças entre os bens materiais e imateriais. Além disso, você vai conhecer os órgãos de pesquisa e proteção desses bens nas diferentes instâncias. Por fim, você vai ver alguns exemplos de expressões culturais materiais e imateriais que são protegidas no Brasil. Patrimônio cultural Gabriel Lima Giambastiani Patrimônio cultural, patrimônio material e imaterial A Constituição Federal de 1988 define, em seu artigo 216, o Patrimônio Cul- tural como “[...] os bens de natureza material e imaterial [...] portadores de referência à identidade, à ação, à memória” (BRASIL, 2016, p. 126), ampliando a noção predominante até então que caracterizava como “patrimônio artístico e histórico” apenas os artefatos culturais. O contraste entre a definição apresentada na CF de 1988 e aquela vigente até então, presente em um decreto de 1937, ano da fundação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, fica evidente já no primeiro pará- grafo da legislação da década de 1930: “Constitueo patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público” (BRASIL, 1937, p. 24056). Enquanto em 1937 o patrimônio histórico e artístico era constituído por “bens móveis e imóveis”, como edificações e esculturas, na Constituição Cidadã o patrimônio cultural inclui, além dos artefatos, as expressões imateriais, como os costumes e práticas dos povos que compõem a população brasileira. Nessa redefinição promovida pela Constituição, estão as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às ma- nifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (PATRI- MÔNIO..., [20--a], documento on-line). Patrimônio material O patrimônio cultural material é composto por bens móveis ou imóveis que tenham relevância para a cultura, seja por sua “vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil”, seja por seu “[...] excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (PATRIMÔNIO..., [20--a], documento on-line), conforme define o Decreto-Lei nº 25 de 1937. Essa ampla definição permite que sejam considerados como parte do patrimônio cultural bens que variam desde as cidades históricas até livros ou filmes. O mesmo decreto da década de 1930 estabeleceu as quatro categorias principais nas quais os bens culturais poderiam se enquadrar. Tais categorias correspondem aos quatro livros do tombo, vigentes até hoje para classificar o acervo cultural e artístico: Patrimônio cultural2 � Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, referente às “coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular” (BRASIL, 1937); � Livro do Tombo Histórico, que se refere às “coisas de interêsse histórico e as obras de arte histórica” (BRASIL, 1937); � Livro do Tombo das Belas Artes, referente às “coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira” (BRASIL, 1937); � Livro do Tombo das Artes Aplicadas, que se refere às “obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras” (BRASIL, 1937). Veja a seguir um pouco sobre cada uma das categorias. Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico Nesta categoria, está incluído o patrimônio cultural referente a regiões em que a ação do homem transformou a natureza, deixando registros de modos de vida e fatos históricos relevantes para o entendimento da história brasileira. Os bens inscritos nesse livro podem ter o seu valor associado tanto ao registro de civilizações originárias, como o Parque Nacional da Serra da Capivara, que guarda os registros mais antigos da presença humana na América do Sul, como a sítios moldados por momentos únicos na história nacional, como o Quilombo de Palmares, em Pernambuco (Figura 1). Figura 1. Mapa da Capitania de Pernambuco, com representação do Quilombo dos Palmares (1647). Fonte: Post (2020, documento on-line). Patrimônio cultural 3 Livro do Tombo Histórico Esta categoria dos bens materiais tombados é a mais reconhecida pelo pú- blico em geral. Nela, estão inscritos os artefatos “[…] cuja preservação seja de interesse público por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil” (PATRIMÔNIO..., [20--b], documento on-line), ou seja, sua preservação está mais ligada à relação entre bem cultural e história do que aos atributos artísticos específicos da peça preservada. Os artefatos inscritos nesse livro são divididos em bens imóveis, como edifícios, chafarizes e pontes, por exemplo, e móveis, que incluem também quadros e gravuras, por exemplo. A cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, é um exemplo conhecido de tecido urbano tombado, pois foi a primeira cidade tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), ainda em 1938. Veja na Figura 2 a Praça Tiradentes, em Ouro Preto, com a Casa de Câmara e a Cadeia de Vila Rica ao fundo. Tanto a Praça como o edifício são tombados. Figura 2. Praça Tiradentes, em Ouro Preto (MG). Fonte: L. LorenzI e G. Lorenzi ([20--], documento on-line). Patrimônio cultural4 Livro do Tombo das Belas Artes Nesta categoria, estão inscritos os bens cujo valor artístico tem relevância para a cultura nacional. De acordo com o IPHAN, o termo Belas Artes deve ser empregado aos artefatos sem caráter utilitário, como imagens religiosas, esculturas e demais expressões artísticas despidas de utilidade. Um exemplo bastante relevante deste livro são as figuras dos profetas produzidas por Aleijadinho no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos e Con- gonhas, em Minas Gerais, considerado o maior conjunto de arte colonial do país. Veja na Figura 3 alguns dos profetas instalados na escadaria do conjunto. Figura 3. Profetas de Aleijadinho. Fonte: Miranda (2020, documento on-line). Livro do Tombo das Artes Aplicadas Nesta categoria, se encaixa grande parte das obras arquitetônicas tombadas, pois neste livro constam aquelas que têm um bem que tenha valor artístico associado a uma função utilitária. Um exemplo relevante desse tipo de pa- trimônio é o conjunto de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, cuja igreja e artefatos são tombados. Veja na Figura 4 o Museu das Missões, onde é possível encontrar um grande acervo de artes aplicadas. Patrimônio cultural 5 Figura 4. Museu das Missões, em São Miguel das Missões (RS). Fonte: Feitosa ([20--], documento on-line). Patrimônio imaterial A cultura de um povo é constituída pelos objetos produzidos por ela, mas tam- bém pelas formas de fazer, pelos hábitos, costumes e tradições únicas. Para proteger esse conhecimento, a Constituição de 1988 incluiu os bens imateriais como parte daqueles passíveis de preservação pelos órgãos responsáveis. Atualmente, esses bens estão assegurados no Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e no Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR). Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebra- ções; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas) (PATRIMÔNIO..., [20--b], documento on-line). Uma das características apontadas pelo IPHAN como própria de bens culturais imateriais é o fato de esse conhecimento ser transmitido por meio de diversas gerações, “[...] constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente” (PATRIMÔNIO..., [20--b], documento on-line). Portanto, a sua preservação garante a perpetuação de modos de fazer específicos de um povo em determinado lugar. No Brasil, um dos casos emblemáticos do patrimônio cultural imaterial é o ofício das Baianas do Acarajé, em Salvador, na Bahia. Esse inventário foi realizado entre 2003 e 2005 a fim de documentar as técnicas de feitura do acarajé, comida típica da região, e o universo simbólico envolvido nessa Patrimônio cultural6 produção. De acordo com o IPHAN, é importante reconhecer essa prática como relevante para o cenário cultural brasileiro: Portanto, o inventário do Ofício das baianas de acarajé em Salvador aborda a rele- vância de tradições afro-brasileiras no cotidiano e identidade nacional, em especial o acarajé como importante símbolo de uma certa identidade étnica, regional e religiosa que integra a cultura brasileira - um bem cuja densidade simbólica está relacionada ao Ofício da Baiana de Acarajé (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, [2005], documento on-line). Como você viu, o patrimônio cultural pode ser material quando se trata dos artefatos produzidos por um povo, sejam estes utilitários ou não; e é imaterial quando está relacionado aos saberes e tradições de uma população. Em ambos
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