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1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM
INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA
AULA 2
Marta Célia Feitosa Bezerra
Literatura Brasileira V
A transcendência pela 
violência: uma leitura 
de “A hora e a vez de 
Augusto Matraga”
 � Perceber a grandeza da contística de Guimarães Rosa; 
 � Identificar, em “A hora e a vez de Augusto Matraga”, os 
aspectos determinantes da prosa universalista rosiana;
 � Proceder à análise do conto, considerando a 
violência como categoria de análise.
28
A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
2 COMEÇANDO A HISTÓRIA
Caro aluno,
Dando continuidade ao componente curricular iniciado na aula anterior, vamos 
agora conhecer mais de perto a narrativa de Guimarães Rosa, com a análise do 
conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”. Nessa análise, alguns aspectos serão 
suscitados, na tentativa de desvendar o sertão rosiano.
É preciso relembrar, nesse sentido, conceitos discutidos na aula anterior, como a 
universalidade da obra, o trabalho com a linguagem, o exotismo e o regionalismo 
desvirtuados de seu papel localista, que fazem da narrativa como a que ora 
analisaremos um dos mais inventivos e originais trabalhos da Literatura Brasileira. 
Para tanto, escolhemos como categoria de análise a violência, transfigurando 
um sertão que deixa de ser geográfico e passa a ser afetivo e universal. 
Figura 1 
29
AULA 2
3 TECENDO CONHECIMENTO
Como vimos na aula anterior, a literatura que sucede o Regionalismo de 30 se 
funda na busca de superação da particularização do regional, expressando 
uma crítica ao pitoresco, aos aspectos característicos de localização geográfica, 
para assentar-se num mundo em que os princípios se esvaem, os valores são 
questionados, a subjetividade se manifesta pelo confronto do homem com a 
realidade que o cerca. Nessa perspectiva, a obra de Guimarães Rosa desponta 
no cenário literário brasileiro como marca de superação desse movimento ao 
imprimir uma valorização da cultura sertaneja, aliada a construções formais 
da linguagem, influenciadas, sem dúvida, pelas vanguardas do século XX, mas 
também como resultado do estrato cosmopolita e experimental do escritor. 
A literatura de Guimarães Rosa espelha esse sentido transgressor e visionário, 
no qual o tratamento formal da linguagem ultrapassa o conteúdo narrado. Essa 
transgressão alcança, também, a estrutura da narração. Podemos, nesse sentido, 
pensar na definição usualmente utilizada para conto, como sendo de um relato 
breve, o que o diferiria, por exemplo, do romance. 
Rosa contraria tal perspectiva ao estender seus contos de tal forma que chegam 
a assemelhar-se mesmo a romances. Além disso, os contos rosianos ignoram a 
exigência de um único núcleo de ação, para o qual convergiriam os acontecimentos 
paralelos, contribuindo para garantir o efeito catártico do desfecho.
Aproveite para rever a aula 9 de Literatura Brasileira IV, em que se discutiu 
sobre uma breve teorização sobre o conto.
As inovações trazidas pelo estilo de Rosa se fazem sentir no cruzamento das 
vozes dos personagens, na perfeita confluência entre forma e conteúdo e, 
sobremaneira, na capacidade de trazer para o primeiro plano da narrativa 
a cultura popular, revalorizando, dessa forma, os elementos expressivos de 
uma região em declínio com o processo de industrialização do Brasil. A escrita 
original e inventiva que produz neologismos e resgata expressões arcaicas como 
elementos literários direciona novos caminhos para a literatura no Brasil a partir 
de meados do século XIX. Alfredo Bosi (2012, p. 458) considera que a escritura 
de Guimarães Rosa aboliu intencionalmente as fronteiras entre narrativa e lírica, 
ao voltar-se para as forças virtuais da linguagem e, a partir dela, começou-se a 
entender uma antiga verdade: “os conteúdos sociais e psicológicos só entram a 
2 COMEÇANDO A HISTÓRIA
Caro aluno,
Dando continuidade ao componente curricular iniciado na aula anterior, vamos 
agora conhecer mais de perto a narrativa de Guimarães Rosa, com a análise do 
conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”. Nessa análise, alguns aspectos serão 
suscitados, na tentativa de desvendar o sertão rosiano.
É preciso relembrar, nesse sentido, conceitos discutidos na aula anterior, como a 
universalidade da obra, o trabalho com a linguagem, o exotismo e o regionalismo 
desvirtuados de seu papel localista, que fazem da narrativa como a que ora 
analisaremos um dos mais inventivos e originais trabalhos da Literatura Brasileira. 
Para tanto, escolhemos como categoria de análise a violência, transfigurando 
um sertão que deixa de ser geográfico e passa a ser afetivo e universal. 
Figura 1 
30
A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
fazer parte da obra quando veiculados por um código de arte que lhes potencia 
a carga musical e semântica”.
Figura 2 
Sertão é onde o pensamento da gente se forma 
mais forte do que o lugar.
(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)
Para Antonio Candido (2003), Guimarães Rosa cumpriu tarefa arrojada ao aceitar 
o perigo que era enfrentar o regionalismo, entrando de “armas e bagagens pelo 
pitoresco regional mais completo e meticuloso”, anulando-o como particularidade 
e transformando-o em valor de todos, afinal de contas, o mundo rústico do 
sertão era e é uma realidade no Brasil. Ignorá-lo seria um artifício. As ideias de 
Antonio Candido a respeito da atualidade do regionalismo se comprovam em 
várias narrativas contemporâneas, a exemplo do tema a ser discutido na aula 
seguinte, em que trataremos da literatura de Ronaldo Correia de Brito.
3.1 “Cada um tem a sua hora e a sua vez”
Acreditamos que a leitura do texto literário deve sempre ser a base para a 
compreensão de toda e qualquer teoria e, por isso, vamos, a partir de agora, 
caro aluno, nos dedicar à leitura e à análise do conto “A hora e a vez de Augusto 
Matraga”, que reúne, em larga medida, as características e as motivações antes 
mencionadas, considerando a violência como categoria que engendra uma das 
diversas possibilidades de interpretações do texto. 
Publicado em 1946, no livro Sagarana, o conto é, segundo o autor, a “história 
mais séria, de certo modo síntese e chave de todas as outras (...). Quanto à forma, 
representa para mim vitória íntima, pois, desde o começo do livro, o seu estilo era 
o que eu procurava descobrir” (ROSA, 2001, p. 28). Narrado em terceira pessoa, 
o conto enfatiza duas constantes da vida sertaneja: a violência e a religiosidade, 
ambas interagindo e influenciando o destino dos personagens, revelando uma 
visão maniqueísta de mundo, dividido entre o bem o e mal. 
31
AULA 2
Essa forma simplificada de enxergar o sertão não se verifica na forma como essa 
oposição é desenvolvida no enredo: ora a religiosidade justifica ações cruéis, 
ora a violência engrandece práticas que levam ao aperfeiçoamento espiritual, 
dotando o personagem de múltiplas personalidades assumidas no curso do 
relato, impedindo, assim, o seu enquadramento em apenas um daqueles polos. 
Guimarães Rosa propõe ao leitor um personagem inacabado, indefinível, moldável, 
cujo perfil ambivalente é revelado pelas experiências espaciais vividas e, assim 
entendemos, pelos preceitos da natureza que definem sua existência.
Para proceder à análise a que nos propomos, vamos tentar aqui um resumo do 
conto em questão, mas atenção:
A leitura do texto original é fundamental para 
qualquer análise que se pretenda, por isso, não 
deixe de ler o texto na íntegra, disponibilizado 
na biblioteca do AVA ou nas diversas edições 
que trazem o conto, a exemplo do livro 
Sagarana. Aproveite para se deleitar com a 
coletânea de contos contida no livro.
Figura 3 
“A hora e a vez de Augusto Matraga” conta a estória de um valentão, Augusto 
Esteves Matraga, prepotente, opressor, desrespeitador de mulheres e violento 
ao extremo. Ele nos é apresentado pelo narrador como “alteado, peito largo, 
vestido de luto, pisando pé dos outros [...]”;“duro, doido, sem detença”; e ainda: 
“estúrdio, estouvado e sem regra”. É importante observar que o narrador registra 
o protagonista com as expressões “sem detença” e “sem regra”, o que nos leva 
a entender que a lei dos homens não tinha valor para Augusto Esteves. 
O conto se inicia com uma prova da valentia e dos desmandos do personagem, 
ao arrematar, em um leilão de igreja, a rapariga Sariema e espancar o capiau 
que por ela havia se interessado. A descrição que se segue informa sobre os 
antecedentes de Nhô Augusto, cujo pai havia sido rico fazendeiro da região, 
deixando ao filho grande herança material, e sobre sua vida atual, “com dívidas 
enormes, política do lado que perde, falta de crédito, as terras no desmando, as 
fazendas escritas por paga” (ROSA, 2001, p. 369). 
Já se observa, de início, que o protagonista oscila entre dois polos: o valentão 
afamado e o fazendeiro falido. E a derrocada se acentua com a notícia de que sua 
32
A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
mulher “Dona Dionóra”, a quem ele constantemente “desdeixava”, se apaixona 
por outro, Seu Ovídio, com quem vai acabar fugindo, levando a filha do casal. 
Adélia Bezerra de Menezes, em análise que faz do conto, nos lembra de que o 
nome “Ovídio” é homônimo do poeta latino da Antiguidade, que escreveu “A 
arte de amar”. Para a estudiosa, percebe-se aí um contraponto importante, já 
que dessa arte Nhô Augusto nada conhecia. Acreditando ainda na sua fama, 
Nhô Augusto resolve reunir os capangas para dar fim à vida de Ovídio e de Dona 
Dionóra, mas um segundo golpe sobre ele se abate: Quim Recadeiro avisa-lhe 
que seus capangas o abandonaram e agora trabalhavam para o Major Consilva, 
desafeto de seu pai e, por conseguinte, seu também. Tomado de raiva e de desejo 
de vingança, resolve ir, sozinho, à fazenda do Major, recobrar o que é seu. Sob 
as ordens do Major, os capangas o recebem a pauladas, surram-no até quase a 
morte, ferram-no com ferro em brasa, aos moldes do gado do Major.
“E aí, quando tudo esteve a ponto, abrasaram o ferro com a marca do gado do 
Major – que soía ser um triângulo inscrito numa circunferência –, e imprimiram-na, 
com chiado, chamusco e fumaça, na polpa glútea direita de Nhô Augusto” 
(ROSA, 2011, p. 376). A dor foi tamanha que fez Nhô Augusto, por puro reflexo, 
atirar-se desfiladeiro abaixo, fazendo crer aos capangas que já não lhe restava 
possibilidade de vida.
Há pormenores no conto que se traduzem em aspectos importantes para a sua 
compreensão. A denominação do protagonista é um deles: até o momento da 
surra, ou da queda, o personagem é nominado por “Augusto Esteves” e “Nhô 
Augusto”, o que revela um estágio de sua vida, ligado ainda ao poder e a um 
lugar determinado no estrato social. 
A partir desse momento, a estória, corroborando o pensamento e a estética 
rosiana em que nada é o que parece ser, toma novo rumo, pois Augusto Esteves 
é encontrado por um casal de pretos que, presenciando a queda, acorrem a ele 
para enterrar o defunto, mas, em vez disso, “acham vida funda” no corpo de 
Nhô Augusto. Levam-no ao casebre encrustado na “boca do brejo” e passam a 
cuidar dele. Os cuidados vão desde a alimentação e a cura das enfermidades aos 
rituais religiosos de reza e pedidos de socorro. Nesse momento, a religiosidade 
se faz presente de forma preponderante no conto, pois é a partir dela que as 
transformações começam a se operar na vida de Nhô Augusto. 
O moribundo recobra os sentidos, cura-se a dor física, mas cala fundo um 
sofrimento e um arrependimento nunca antes experimentados, e Nhô Augusto 
se transforma: de valentão, desrespeitador e descrente, passa ao estado de 
humildade, servidão e benevolência, ocupando o seu tempo com o trabalho braçal 
diário e com as orações que intentavam a salvação de sua alma e a misericórdia 
33
AULA 2
divina. Tomando os pretos por pai e mãe, tira-os do esconderijo em que viviam 
para levá-los a outro espaço, mais povoado e onde sua fama de bom caráter, 
prestativo e religioso se faz sentir de maneira contundente. A dedicação do casal 
de pretos é singular no desenrolar da narrativa.
Observe, caro aluno, que, ao intentarmos a análise do texto literário, precisamos 
enxergá-lo como um todo orgânico em que todas as partes se integram e possuem 
uma significação em sua construção. Isso posto, é importante ressaltar que a 
leitura do conto deve respeitar um pormenor decisivo: ele diz respeito a um 
mundo ficcional, cujas inferências devem ser submetidas à dinâmica instituída 
por sua lógica interna. Portanto, compreendemos com isso que nada na obra é 
gratuito. Se atentarmos com mais acuidade, vamos perceber que o espaço que os 
pretos habitam é denominado como gruta, escuro, isolado, perdido; os próprios 
pretos são, ao tempo em que permanecem no lugar, denominados somente 
como “casal de pretos”, não possuem nomes, não são sujeitos e estão à margem. 
A vida na localidade do Tombador, endereço da nova morada de Nhô Augusto e 
do casal de pretos, toma outra dinâmica e o casal de pretos “era quem mandava 
e desmandava na casa, não trabalhando um nada e vivendo no estadão”. É 
interessante observar que a ascensão espacial e geográfica revela um novo 
modus operandi em que as funções são invertidas e dá lugar a uma ascensão 
também social: o casal de pretos passa, a partir de agora, a ser denominado “Mãe 
Quitéria” e “Pai Serapião”, como se recompensados fossem por terem salvado a 
vida de Nhô Augusto, passando também a se apresentarem como pai e mãe do 
protagonista. Teria, então, chegado a hora e a vez do casal de pretos.
Como, de novo, nada é o que parece ser, a tranquilidade que se instalara em sua 
nova morada e o aparente renascimento de Nhô Augusto demonstram ser apenas 
transitórios. Os instantes de paz prenunciavam uma tormenta: desfrutando das 
benesses de seu novo pouso, os três veem chegar ao vilarejo a figura do temido 
jagunço Joaõzinho Bem-Bem, o conhecido e temido cangaceiro, “afamado dos 
dois sertões do rio: célebre do Jequitinhonha à Serra das Araras [...] o arranca-
toco, o treme-terra, o come-brasa, o pega-à-unha, o fecha-treta, o tira-prosa, o 
parte-ferro, o rompe-racha, o rompe-e-arrasa: Seu Joãozinho Bem-Bem”. 
Ao alvoroço e pavor que se instalara no povoado com a chegada do bando, 
de forma contraditória, Nhô Augusto se regozija com sua presença e passa a 
servi-los com a maior hospitalidade possível, não perdendo ocasião para lhes 
admirar os feitos, a bravura, a coragem. É digna de transcrição a passagem em 
que Joãozinho Bem-Bem encara Nhô Augusto e reconhece nele o olhar de um 
valente, convidando-o a fazer parte do bando: 
34
A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
– Mano velho, o senhor gosta de brigar, e entende. Está-se 
vendo que não viveu sempre aqui nesta grota, capinando 
roça e cortando lenha... Não quero especular coisa de sua vida 
p’ra trás, nem se está se escondendo de algum crime, Mas, 
comigo é que o senhor havia de dar sorte! Quer se amadrinhar 
com meu povo? Quer vir junto? (ROSA, 2011, p. 396).
Nhô Augusto declina do convite, mas, depois da partida do bando, não consegue 
mais guiar sua vida no caminho de mãe Quitéria e pai Serapião e decide ir 
encontrar seu próprio destino, pois já estava “madurinho de não ficar mais”: “– 
Adeus, minha gente, que aqui é que mais não fico, porque a minha vez vai chegar, 
e eu tenho de estar por ela em outras partes!” (ROSA, 2011, p. 401).
A presença de Joãozinho Bem-Bem parece ter reavivado em Nhô Augusto os 
pensamentos e sensações adormecidos, sufocados pelo sentimento de gratidão 
e de filiação que povoaram sua vida após a surra e a queda. Sai, então, sem rumo, 
montado num burro e deixando-se guiar por ele, como se o acaso determinasse 
sua direção. O burro ruma com destino ao arraial do Rala-Coco, povoado onde, 
coincidentemente, está Joãozinho Bem-Bem e seu bando, a fim de vingar uma 
traição. É importante ressaltar a presença do destino na obra, oude como o 
homem, abandonado por Deus, embora abdicando do controle de sua vida e 
de suas ações, não consegue dele fugir. 
Um dos membros do bando, Juruminho, havia sido assassinado por um morador 
do povoado. Como não encontrasse o assassino, Joãozinho Bem-Bem, cumprindo 
uma lei do sertão, se vingaria em um dos familiares. Reunidos na varanda da 
casa do assassino, seu pai pedia clemência ao cangaceiro, pelo sangue de Cristo, 
pelas lágrimas da Virgem, e pelo corpo de Cristo na Sexta-Feira da Paixão. Nesse 
momento, surge Nhô Augusto, recebido por Joãozinho Bem-Bem com a mesma 
hospitalidade com que aquele lhe recebera outrora. Recebe, novamente, o convite 
do cangaceiro para fazer parte do bando e, de novo, recusa, considerando-se “um 
pobre pecador”, muito embora o narrador nos avise que “seus dedos tremiam, 
porque essa estava sendo a maior das suas tentações” (ROSA, 2011, p. 397).
Ao presenciar a ameaça de morte sofrida pelo velho pai do assassino e as súplicas 
aos santos com que este se dirigia ao cangaceiro, Nhô Augusto intervém: não 
podia permitir a morte de um inocente, tampouco a recusa de um pedido em 
nome dos santos. Instaura-se, portanto, uma situação que põe em lados opostos 
a lei do sertão, que justifica a sentença “olho por olho, dente por dente” e a lei 
de proteção aos desvalidos. Nesse momento, de extrema tensão, delineia-se ao 
leitor o homem cindido entre duas vontades: devolver o bem que lhe foi feito pelo 
casal de pretos, transubstanciado em eterna gratidão e viver a sua construção 
engendrada a partir de um componente social importante, já que, nas palavras 
35
AULA 2
de Dionóra, “Fora assim desde menino, uma meninice à louca e à larga, de filho 
único de pai pancrácio” (ROSA, 2011, p. 369) e pela própria subjetividade que o 
põe como homem que sente prazer no mal e na violência.
Movido pelo sentimento de justiça, mas também pelo prazer de novamente se 
reconhecer como “Augusto Esteves”, numa alusão ao passado de violência da 
família, Nhô Augusto desafia o bando de Joãozinho Bem-Bem, enfrentando-os, 
“gritando qual um demônio preso e pulando como dez demônios soltos. – Ô 
gostosura de fim-de-mundo!...” (ROSA, 2011, p. 410). Importa na análise perceber 
as transformações por que passa o personagem: de afamado filho de fazendeiro, 
passando por trabalhador humilde e servil a “parente” do cangaceiro Joãozinho 
Bem-Bem. Não sem razão, as nominações do personagem acompanham essa 
transformação: de Augusto Esteves, passando por Nhô Augusto até chegar a 
Augusto Matraga. A esse respeito, Roberto Damata escreveu importante artigo 
em que problematiza a questão dos diferentes nomes 
utilizados pelo narrador para nominar o personagem. 
Segundo o autor, a multiplicidade de nomes simbolizaria 
os processos de formação e aperfeiçoamento do 
personagem que, de certa maneira, fechando um ciclo, 
ascenderia ao transcendente pela violência. Pela violência, 
assumiria uma posição em nenhum momento conquistada 
em toda a narrativa, já que, apenas no final do conto, o 
sobrenome Matraga comparece e, como afirmado no início 
do conto, “Matraga não é Nada”.
3.2 Violência e ascensão ao Divino
Esse pequeno resumo feito de forma ligeira, sem dúvida, deixa escapar aspectos 
importantes da narrativa, mas dá ideia das infinitas possibilidades de interpretação 
que acobertam o conto de Rosa. A crítica tem tendido a encontrar na narrativa 
o caráter simbólico que corresponderia ao que mais se aproximaria do sertão 
emulado pelo autor e, nesse sentido, instada a encarar a existência de Matraga como 
devedora de atributos dissociados de sua vontade, instando-nos a compreender 
a narrativa isolada dos condicionantes históricos em sua construção. É preciso 
perceber também que esses condicionantes históricos se fazem acompanhar 
de preceitos da natureza que envolve sua existência.
Como vemos no início do conto, o narrador, ao descrever o personagem, antecipa 
o ciclo de violência que antecipará a jornada: “Matraga não é Matraga, não é 
nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, 
Figura 4 
36
A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
das Pindaíbas e do Saco-de-Embira” (ROSA, 1984, p. 341). A impressão de não 
existência e insignificância, do aniquilamento que afigura Augusto Matraga 
como um personagem débil e fraco, se dilui temporariamente quando somos 
informados de sua ascendência: filho de um coronel, sobrinho de um tio assassino, 
sua genealogia sugere um passado circundado de poder e autoritarismo que 
se respalda no episódio do leilão na igreja. A índole cruel do personagem é 
reforçada pelas digressões de Dionóra em sua fuga com Ovídio Moura.
Você percebeu, caro aluno, que o declínio da vida de Nhô Augusto se dá a partir 
de sucessivas perdas afetivas e materiais, culminando com a surra, os açoites 
e seu achamento por um casal de pretos que ressuscitou um cadáver à beira 
do falecimento. A percepção das suas quedas e ascensões permite diversas 
interpretações, inclusive em comparação ao texto bíblico que trata do percurso 
de Jesus Cristo (Cf. PEREIRA, 2015).
Vimos, ao longo de nossas aulas, insistindo na interpretação da obra literária 
como um constructo orgânico que mescla o interno ao externo. Por isso, não 
podemos deixar de destacar a função exercida pelos elementos externos que 
engendram a feitura da obra literária. Lembramos aqui o pensamento de Antonio 
Candido ao estabelecer que o fazer literário é sempre arbitrário e deformante, 
mesmo quando a meta a ser alcançada é fazer um exercício de observação 
e transposição da realidade, “pois a mimese é sempre uma forma de poiese” 
(CANDIDO, 2002, p. 12). A matéria narrada, pois, se estrutura a partir de elementos 
externos, convertidos e transfigurados narrativamente em literatura. À luz desses 
pressupostos, entendemos que a interpretação da violência no enredo deve ser 
evidenciada tendo o protagonista como um herói do seu tempo, vivenciando a 
conjuntura histórica vigente no campo ficcional no qual o conto foi plasmado. 
Recuperando a cultura do sertão, em cuja composiçao social a jagunçagem 
impunha a própria lei, a natureza do herói fica subsidiada por exigências de 
um mundo que detinha valores e demandas específicos. 
Ao se apropriar de mecanismos literários para traduzir essa realidade, refletem-se, 
no conto rosiano, antagonismos sociais e contradições de uma região ilhada do 
desenvolvimento do país, ressaltando as estéreis possibilidades de mudança de 
uma sociedade que se encontrava em declínio. 
Exercitando
Caro aluno, apresentamos uma das muitas propostas possíveis de análise do conto 
“A hora e a vez de Augusto Matraga”. A grandeza do conto permite múltiplas 
interpretações que devem ser observadas a partir da leitura pormenorizada do 
37
AULA 2
texto. Indicamos, a seguir, a título de exercício que consolida a perspectiva de 
apreensão desta aula, as seguintes propostas de trabalho:
1) Fazer uma análise comparativa entre o conto “A hora e a vez de Augusto 
Matraga” com o texto bíblico, sobretudo no tocante à via crucis de Jesus Cristo.
2) Observar, de maneira analítica, de que forma a morte é absorvida no conto.
3) Analisar a presença do casal de pretos na narrativa e perceber de que forma 
a obra responde a um contexto sócio-histórico a partir de sua inserção.
4 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO
A aquisição de novos conhecimentos não deve cessar no que é repassado 
em nossas aulas ao longo do curso, ensejando que procuremos outras fontes 
de informações para complementar o que estamos estudando. Pensando no 
aprofundamento do que foi discutido nesta aula, sugerimos que você procure 
ler os livros abaixo relacionados, nos quais temas e abordagens estabelecem 
um diálogo com o assunto aqui desenvolvido.
Lançado em 24 de setembro de 2015, A hora 
e a vez de Augusto Matraga, filme homônimo 
do conto de Guimarães Rosa, relê, de forma 
grandiosa, a obra desse autor, evidenciando 
interpretações que contribuem para avalorização da narrativa.
Vale a pena assistir!
Figura 5 
38
A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
Figura 6 
Publicado em dois volumes, Escritas da 
violência propõe, com base no pensamento 
benjaminiano, pensar criticamente a 
humanidade, trazendo à lume a questão da 
violência e suas modalidades de inscrição na 
modernidade. O livro traz artigos diversos 
que se estendem sobre a Literatura Brasileira, 
hispano-americana, a questão da Shoah, o 
terrorismo, a literatura dos cárceres. É um 
importante e completo trabalho sobre a 
violência na literatura.
Figura 7 
Publicado como parte da coletânea de contos 
no livro Sagarana, “A hora e vez de Augusto 
Matraga” ganhou vida independente e foi 
publicado separadamente como livro. É leitura 
imprescindível para entender os aspectos 
universais da narrativa rosiana.
39
AULA 2
5 TROCANDO EM MIÚDOS
Nesta aula, intentamos a análise do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, 
tomando como categoria de análise a violência. Estruturamos nossa análise a 
partir do movimento de ascensão e queda do personagem, cujas transformações 
e tentativa de transcendência se dão por meio da violência. Em nosso estudo, 
destacamos que o conto, refletindo a estética universalista de Guimarães Rosa, 
porta elementos que remetem a formas de vida que ultrapassam o espaço 
geográfico e localista regional do sertanejo, para atingir outros estamentos 
sociais do país.
6 AUTOAVALIANDO
Caro aluno, uma vez que chegamos ao final da aula, devemos conferir se ela foi 
compreendida de forma satisfatória. O seu aprendizado pode ser observado a 
partir de algumas perguntas. Espera-se que suas respostas sejam coerentes com 
o que foi desenvolvido:
a) Consigo enxergar, no conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, 
o caráter regionalista e universalista que permeou a obra de 
Guimarães Rosa?
b) Identifico no conto a categoria da violência como transfiguradora 
de uma realidade?
40
A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
REFERÊNCIAS
BOSI, A. Céu, inferno. Ensaios de crítica literária e ideologia. 2. ed. São Paulo: 34, 2003.
______. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2012.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: TAQ, 2002.
______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2003.
______. Depoimentos sobre João Guimarães Rosa e sua obra. In: ROSA, João 
Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
GALVÃO, W. N. Mínima mímica: ensaios sobre Guimarães Rosa. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2008.
GINZBURG, J. Crítica em tempos de violência. São Paulo: Edusp, 2012.
PEREIRA, João Batista. The opus dei of violence in A hora e a vez de Augusto 
Matraga. In: Acta Scientiarum. Language and Culture, Maringá, v. 37, n. 1, p. 
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ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
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AULA 2
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	A transcendência pela violência: uma leitura de “A hora e a vez de Augusto Matraga”
	2	COMEÇANDO A HISTÓRIA
	3	TECENDO CONHECIMENTO
	3.1	“Cada um tem a sua hora e a sua vez”
	3.2	Violência e ascensão ao Divino
	4	APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO
	5	TROCANDO EM MIÚDOS
	6	AUTOAVALIANDO
	REFERÊNCIAS

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