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75 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Unidade II 5 EMBRIOLOGIA 5.1 Gametogenese – conceitos gerais Chamamos de embriologia a ciência responsável pelo estudo da origem e do desenvolvimento de um ser humano. O início desse processo ocorre quando um ovócito é fertilizado por um espermatozoide, gerando um zigoto. À medida que o zigoto vai se desenvolvendo, forma‑se um embrião e, posteriormente, um feto. Chamamos de período embrionário o período que vai da fertilização até a oitava semana de gestação, enquanto o período fetal se inicia na nona semana e só termina no nascimento. Figura 55 – Estágios iniciais do desenvolvimento embrionário e fetal 76 Unidade II Lembrete O período pré‑natal é a fase em que ocorrem todas as transformações, desde o momento da fertilização até o nascimento; engloba tanto o período embrionário quanto o período fetal. Os primeiros estudos de embriologia datam do século V a.C e são atribuídos a Hipócrates de Cós, um médico grego. Já, na Idade Média, por volta do século XV, Leonardo da Vinci teria feito desenhos oriundos de dissecações de úteros grávidos e das membranas fetais. A primeira observação de um espermatozoide teria sido feita em 1677 por Hamm e Leeuwenhoek. Em 1775, Spallanzani demostrou tanto um óvulo como um espermatozoide. À medida que as técnicas foram ficando mais precisas e novas teorias sendo provadas, vários novos fatores relacionados ao desenvolvimento embrionário e à hereditariedade tornaram‑se mais claros, tanto que, em 1995, Edward B. Lewis, Christiane Nüsslein‑Volhard e Eric F. Wieschaus ganharam o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina por terem descoberto os genes HOX, responsáveis pelo controle do desenvolvimento embrionário. Tal descoberta vem auxiliando no entendimento de algumas causas de aborto espontâneo e anomalias congênitas. Iremos abordar a formação dos gametas femininos e masculinos, bem como alguns aspectos do desenvolvimento embrionário e fetal. Recebe o nome de gametogênese o processo responsável pela formação dos gametas femininos e masculinos, ou seja, os óvulos e os espermatozoides, respectivamente. Observação Os gametas são células germinativas e haploides, portanto, precisam ter o seu número de cromossomos reduzidos pela metade; além disso, são necessárias mudanças na morfologia e no tamanho celular. O processo responsável pela redução do número de cromossomos nos gametas é a meiose. Como visto anteriormente, a meiose é um processo que consiste em duas divisões nucleares. Na primeira, ocorre separação dos cromossomos homólogos, resultando na redução do número de cromossomos de 46 para 23. Na segunda divisão, ocorre a separação das cromátides irmãs. A figura a seguir resume o processo de meiose. 77 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Mitose Interfase (2n) Prófase Metáfase Metáfase I Divisão reducional Anáfase Anáfase I Telófase Telófase I Telófase II 2n 2n n n n n Prófase Meiose Figura 56 – Comparação entre os processos de mitose e meiose Saiba mais Para relembrar os conceitos de mitose e meiose, leia: TORTORA, G. J., GRABOWSKI, S. R. Corpo humano, fundamentos de anatomia e fisiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. A meiose é um fator crucial para a formação dos gametas porque permite a manutenção do número de cromossomos da espécie ao longo das gerações. Por meio do crossing‑over, ocorre a permuta de segmentos gênicos de cromossomos homólogos, garantindo a variabilidade genética nos gametas formados. 78 Unidade II As células germinativas primitivas são observadas já no início da quarta semana como estruturas grandes e esféricas. Por volta da sexta semana de gestação, essas células migram para uma região onde, no futuro, encontraremos a cavidade abdominal. Embora o sexo cromossômico já tenha sido definido no momento da fertilização, as gônadas são indiferenciadas, ou seja, são idênticas nos dois sexos até por volta da sétima semana, quando o cromossomo Y, caso esteja presente, começa a expressar o gene SRY que induzirá a formação dos testículos e dos seus ductos graças à produção de testosterona. Como nos embriões do sexo feminino esse gene está ausente, ocorrerá a regressão dos ductos e o início da formação das estruturas femininas. 5.2 Ovogênese O processo de ovogênese diz respeito ao processo de formação dos gametas femininos no ovário e começa durante o período de desenvolvimento fetal inicial. Nesse momento, as células germinativas primordiais diferenciam‑se em ovogônias. A maioria dessas células se degenera antes mesmo do nascimento, mas as que restam se diferenciam em ovócitos primários. Tanto as ovogônias quanto os ovócitos primários são células diploides, ou seja, 2n=46 cromossomos. Os ovócitos primários entram em meiose I durante o desenvolvimento fetal, porém não completam todo o processo. Os ovócitos primários realizam apenas a prófase I e permanecem parados nesse estágio até a puberdade. Graças à ação dos hormônios secretados pela adeno‑hipófise, existe o estímulo para que o ovócito primário termine a meiose I e gere dois ovócitos secundários de tamanhos diferentes, mas ambos com 23 cromossomos. A célula com uma menor quantidade de citoplasma recebe o nome de corpo polar; aquela que tiver a maior parte do citoplasma receberá o nome de ovócito secundário. Apenas o ovócito secundário continua a divisão meiótica, o corpo polar formado logo se degenera. O ovócito secundário entra em meiose II, porém, mais uma vez, esse processo não se completa: é interrompido na metáfase II. O ovócito secundário parado em metáfase II é expelido do ovário durante a ovulação, capturado pelas fímbrias e conduzido para o interior da tuba uterina. O ovócito só terminará sua meiose II se for fecundado por um espermatozoide, caso contrário, será expelido junto com o endométrio uterino durante a menstruação. Se um espermatozoide penetrar nesse ovócito secundário, a meiose II recomeça e o ovócito secundário termina seu desenvolvimento. Novamente ocorre uma divisão desigual do citoplasma. A célula que recebe quase todo o citoplasma é o óvulo maduro, ou ovócito fertilizado. A célula que recebeu pouco citoplasma é o segundo corpo polar que, assim como o primeiro, não é funcional e acaba se degenerando. A figura a seguir resume os passos descritos no processo de ovogênese. 79 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA 2n 2n n n n Célula primordial No embrião Divisões mitóticas Divisões mitóticas Conclusão da meiose I e início da meiose II Ovulação, entrada do espermatozoide Conclusão da meiose II Primeiro corpo polar Segundo corpo polar Oogônia Ovócito primário (presentes no nascimento), permanece na prófase I da meiose Ovócito secundário interrompe na metáfase II da meiose Fertilização do óvulo Figura 57 – Processo de ovogênese Observação As pílulas anticoncepcionais impedem a maturação do folículo ovariano através da ingestão de hormônios sintéticos. Como consequência, não ocorre a ovulação, uma vez que todos os ovócitos se mantêm parados em prófase da meiose I. Quando o ovócito secundário é liberado durante a ovulação, ele está envolto por uma camada mucoide conhecida como zona pelúcida que fica em contato direto com a membrana do ovócito. 80 Unidade II Acima da zona pelúcida, existe uma camada de células foliculares chamada de corona radiata. A zona pelúcida é formada por glicoproteínas que permitem a adesão das células foliculares. Enquanto a zona pelúcida é responsável pela nutrição do ovócito, a corona radiata é responsável pela proteção da célula contra choques mecânicos. Em termos de organização intracelular, o óvulo tem um citoplasma abundante rico em proteínas que irão auxiliar na nutrição do embrião durante o início do desenvolvimento embrionário até que a placenta esteja formada. Além disso, o citoplasma é rico em fatores morfognéticos, que irão controlar a diferenciação celular e serão segregados para regiões específicas durante a clivagem. Abaixo da membrana plasmática, existem ainda os grânuloscorticais, vesículas ricas em enzimas ácidas e proteolíticas que serão liberadas no momento que o primeiro espermatozoide romper a zona pelúcida, desencadeando o processo de bloqueio à poliespermia que impede a entrada de mais de um espermatozoide no mesmo óvulo. Esse processo será discutido com mais detalhes durante a fertilização. Zona Pelúcida Corona Radiata Figura 58 – Principais estruturas presentes no ovócito secundário e que persistem no óvulo maduro 5.3 Espermatogênese Enquanto a ovogênese inicia‑se durante o desenvolvimento embrionário, a formação dos gametas masculinos só será iniciada na puberdade. Durante o período embrionário, as células germinativas primordiais se diferenciam em espermatogônia, células diploides, ou seja, 2n=46. As espermatogônias ficam se dividindo por mitose até a puberdade, quando, através do estímulo da testosterona, se diferenciam em espermatócitos primários. Durante a primeira divisão meiótica, os espermatócitos primários se transformam em dois espermatócitos secundários haploides que permanecem ligados por uma ponte citoplasmática. Cada um dos espermatócitos secundários sofrerá a meiose II, gerando, ao final do processo, quatro espermátides com 23 cromossomos cada. O processo descrito está resumido na figura a seguir. 81 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Observação Chamamos de criptorquidismo a situação em que os testículos não migram para a bolsa escrotal antes do nascimento. A posição extracorpórea dos testículos é essencial para a ocorrência da espermiogênese na puberdade. 2n n n n nn n Célula primordial no embrião Divisões mitótica Divisões mitótica Divisões mitótica Meiose I Meiose III Diferenciação (células de Sertoli fornecem nutrientes) Célula-tronco de espermatogônia Espermatogônia Espermatócito primário Espermatide primário Espermatozoide Espermatócito secundário uu u 2n 2n u Figura 59 – Processo de espermatogênese 82 Unidade II No entanto, as espermátides são células esféricas e precisam sofrer um novo processo de diferenciação para se tornarem espermatozoides maduros. Durante a espermiogênese, as espermátides sofrem uma metamorfose que envolve a condensação do núcleo, a redução drástica do volume citoplasmático e a formação de duas estruturas essenciais: o acrossoma e o flagelo. A figura a seguir mostra a sequência de eventos responsável pela formação do espermatozoide maduro. Centríolo Golgi Golgi Mitocôndria Acrossomo Grânulo acrossômico Golgi Porção da cauda Porção média Estrutura em anel Núcleo recoberto pelo acrossomo Figura 60 – Representação esquemática do processo de espermiogenese. Em A), temos as espermátides ao final do processo de espermatogênese com o complexo de Golgi iniciando a formação do acrossoma. Em B), as mitocôndrias iniciam sua migração para a base da célula onde o flagelo será formado. Em C), o citoplasma começa a ser descartado e o núcleo passa a ser recoberto pelo acrossoma. Em D), temos o espermatozoide maduro O acrossoma é uma estrutura que ocupa quase toda a cabeça do espermatozoide. É uma organela derivada do complexo de Golgi e rica em enzimas que auxiliaram na penetração da corona radiata e da zona pelúcida durante o processo de fertilização. Paralelamente à formação do acrossoma, as mitocôndrias migram para a extremidade da célula onde encontram‑se os centríolos que iniciarão a formação do flagelo, essencial para que o espermatozoide consiga se locomover para atravessar o corpo do útero e as tubas uterinas até encontrar o óvulo. As mitocôndrias ficam localizadas na base do flagelo justamente para produzir o ATP necessário para a ativação da estrutura. 83 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Acrossoma Cabeça Colo Peça intermediária da cauda Núcleo coberto pelo acrossoma Peça terminal da cauda Peça principal da cauda Figura 61 – Representação esquemática de um espermatozoide maduro Ao compararmos as figuras 59 e 60, podemos perceber que, embora ambos os processos gerem células haploides, ou seja, n=23 cromossomos, a formação dos gametas femininos e masculinos se diferem em vários aspectos. A primeira grande diferença observada diz respeito ao tamanho e à mobilidade do gameta gerado; enquanto o óvulo é grande e imóvel, o espermatozoide é pequeno e possui grande motilidade. Além disso, podemos perceber que, durante a espermiogênese, existe um descarte do citoplasma da espermátides para a formação do espermatozoide maduro, enquanto na ovogênese a citocinese desigual é essencial para que o gameta maduro carregue em seu citoplasma os fatores morfogenéticos necessários para a diferenciação celular durante o desenvolvimento embrionário. Finalmente, um outro aspecto interessante é que a ovogênese não é um processo contínuo, ela tem uma fase embrionária, reinicia‑se na puberdade e se mantém até que a mulher entre na menopausa. Por outro lado, a espermatogênese inicia‑se na puberdade e dura toda a vida do homem. Lembrete Vasectomia é uma cirurgia na qual corta‑se o canal deferente, responsável pela condução dos espermatozoides do testículo até a próstata. Essa interrupção impede que os espermatozoides sejam lançados no canal vaginal. 5.4 Alterações cromossômicas pré‑zigóticas Chamamos de alterações cromossômicas pré‑zigóticas aquelas falhas ocorridas durante o processo de gametogênese e que acarretaram na formação de gametas com alteração no número e/ou na estrutura do cromossomo. 84 Unidade II Quando as alterações ocorrem no número final de cromossomos, chamamos de alterações cromossômicas numéricas, e podem ocorrer em virtude da separação desigual dos cromossomos homólogos durante a anáfase da meiose I ou das cromátides irmãs durante a anáfase da meiose II. Como consequência dessa não disjunção, uma das células‑filhas irá receber um número de cromossomos diferente do normal. As alterações no número final de cromossomos podem levar, embora mais raro, à formação de triploidias e tetraploidias, ou seja, 3n= 69 e 4n=92. No entanto, as alterações cromossômicas numéricas mais comuns são as do tipo aneuploidia, quando ocorre a perda ou a presença de um cromossomo extra. As consequências são alterações no desenvolvimento motor ou intelectual do indivíduo afetado. A gravidade e o tipo de comprometimento vão depender do tipo de cromossomo afetado. Esse tipo de alteração pode afetar tanto os cromossomos autossômicos como os cromossomos sexuais. Lembrete Cromossomos autossômicos, 1‑22, carregam genes que codificam produtos para características não sexuais. O 23º par é o par sexual e possui genes que codificam características sexuais. Já as alterações estruturais ocorrem quando um cromossomo sofre modificações na sua estrutura. Normalmente são fruto do crossing‑over desigual ocorrido durante a prófase da meiose I. As alterações estruturais são classificadas em dois grupos: • alterações balanceadas – quando não há perda da informação genética total; justamente por isso não apresentam efeitos fenotípicos. Os problemas ocorrem, na verdade, nas gerações futuras, pois os indivíduos irão gerar gametas com cromossomos com alterações numéricas não balanceadas; • alterações não balanceadas – quando há alterações no conteúdo genético final, ou seja, há perda ou ganho de segmentos cromossômicos. Sempre há manifestação fenotípica e a gravidade da alteração vai depender da quantidade de genes que foi inserida ou deletada do cromossomo. Essas alterações são mais raras do que as aneuploidias e, na maioria das vezes, são consequência da ação de fatores ambientais como o álcool, drogas, agentes físicos (radiação), medicamentos e infecções. O quadro a seguir resume as principais alterações cromossômicas existentes. 85 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Quadro 5 – Alguns exemplos de síndromes cromossômicas Síndrome Tipo de alteração Consequências Síndrome de Down Alteração numérica Trissomia do cromossomo 21 Alteração estrutural Translocação entre dois cromossomos 21 Anomalia craniofacialCardiopatia Hipotonia Síndrome de Tuner Alteração numérica Monossimia do cromossomo X Ausência de ovários Alterações ósseas e musculares Síndrome de DiGeorge Alteração estrutural Microdeleções no cromossomo 22 Cardiopatias Esquizofrenia Defeitos no fechamento do palato Leucemia mieloide crônica Alteração estrutural Translocação entre o cromossomo 9 e o cromossomo 22 Alterações na produção de células da linhagem mieloide 6 DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO 6.1 Fertilização Para que o desenvolvimento embrionário se inicie, é necessário que ocorra a fertilização. Esse processo se caracteriza pela entrada do espermatozoide no óvulo maduro. A união dessas duas células haploides vai gerar um zigoto diploide (2n=46) de constituição genética única, uma vez que é resultado da combinação de cromossomos maternos e paternos. O processo de fertilização ocorre nas tubas uterinas e o sucesso do evento depende de uma série de outros eventos moleculares que devem ocorrer de forma coordenada. Um fator que deve ser levado em conta é o tempo, como vemos na figura a seguir. A fertilização deve ocorrer entre 12‑24 horas após a ovulação, tempo que o ovócito secundário permanece viável. A maioria dos espermatozoides morrem no útero; aqueles que sobrevivem se tornam aptos a fertilizar o ovócito secundário graças às secreções existentes na tuba uterina. Além disso, os espermatozoides que chegam até o ovócito secundário não conseguem fertilizá‑lo imediatamente, existe um período de cerca de 7 horas chamado de capacitação. Durante esse período, várias alterações químicas ocorrem no espermatozoide que permitem um aumento de velocidade de movimentação da cauda, alteração nas glicoproteínas da sua membrana plasmática para prepará‑la para a fusão com a membrana do ovócito e, finalmente, a ativação das proteases e hialuronidases presentes no acrossoma. 86 Unidade II Blastocistos Parede posterior do útero Mórula Estágio de oito célular Estágio de quatro célular Estágio de duas célular Zigoto Fertilização Ovócito na tuba Ovócito liberado Folículo roto Tecido conjuntivo Sangue coagulado Corpo lúteo em desenvolvimento Folículo em atresia (em degeneração) Endométrio Corpo lúteo maduro Corpo albicans Epitélio Vasos sanquíneos Folículo primário inicial Folículo em crescimento Folículo quase maduro Folículo maduro Folículo secundário Ovócito Figura 62 – Esquema mostrando a coordenação entre os eventos de ovogênese, fertilização, clivagem e implantação O processo de fertilização é dividido, didaticamente, em quatro fases. O primeiro passo é a passagem do espermatozoide pela corona radiata. A liberação das hialuronidases presentes no acrossoma dispersa as células foliculares e permite que o espermatozoide chegue até a zona pelúcida. Vários espermatozoides podem, simultaneamente, dispersar as células foliculares e chegar até a zona pelúcida. O passo seguinte é o rompimento da camada mucosa que protege a membrana do ovócito. Para que o rompimento dessa barreira ocorra, os espermatozoides precisam que os receptores específicos da sua membrana interajam com glicoproteínas presentes na zona pelúcida. Por isso, temos a impressão de que essas células ficam “dando cabeçadas” na barreira mucosa! Quando ocorre a ligação da glicoproteína com o receptor, desencadeia‑se a reação acrossômica, que seria a liberação das proteases presentes no acrossoma criando um caminho para que o espermatozoide atravesse a zona pelúcida através de movimentos ondulatórios do flagelo e acesse a membrana do óvulo. Apenas um espermatozoide é capaz de realizar esse processo, isso porque, quando o primeiro espermatozoide entra na camada mucosa, ele desencadeia uma reação da zona, que altera a composição da região em decorrência da liberação das enzimas dos grânulos corticais do óvulo para o meio externo, enrijecendo a zona pelúcida e impedindo que outros espermatozoides cheguem até a membrana do óvulo. Esse processo recebe o nome de bloqueio à poliespermia. 87 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA No terceiro passo do processo, ocorre a fusão das membranas dos gametas. A membrana plasmática e o citoplasma residual do espermatozoide são desprezados e o flagelo se degenera. Apenas o núcleo e os centríolos do espermatozoide penetram no citoplasma do ovócito secundário. A entrada de um novo material genético estimula o ovócito secundário a terminar sua segunda divisão meiótica e se tornar um óvulo maduro; o núcleo gerado nesse processo é chamado de pronúcleo feminino. Paralelamente ao término da maturação do óvulo, o núcleo do espermatozoide aumenta de tamanho para também formar um pronúcleo masculino. Finalmente, no último passo, temos a aproximação dos dois pronúcleos. A membrana dos pronúcleos irá se dissolver e os cromossomos irão se condensar e se distribuir pelo citoplasma do zigoto para dar início à primeira divisão mitótica utilizando os centríolos do óvulo e os centríolos do espermatozoide que penetraram junto com o núcleo. Todo esse processo dura cerca de 24 horas. Vesícula acrossômica Conteúdo acrossômal Célula granulosa Membrana plasmática do oócito Zona pelúcida o conteúdo do espermatozoide entra no citoplasma do oócito fusão das membranas fusão das membranas plasmáticasplasmáticas penetração através da penetração através da zona pelúcidazona pelúcida reação de acrossomoreação de acrossomoligação do ligação do espermatozoide à espermatozoide à zona pelúcidazona pelúcida 1 2 3 4 5 Figura 63 – Esquema mostrando os passos da fertilização: (1) espermatozoide se aproxima das células foliculare; (2) liberação da enzima hialuronidase para romper a união entre as células foliculares da corona radiata; (3) liberação das proteases do acrossoma para digerir a zona pelúcida, em contrapartida existe a reação de zona onde ocorre a liberação dos grânulos corticais do óvulo para impedir a entrada de outros espermatozoides; (4) fusão da membrana do espermatozoide com a membrana do óvulo, apenas o núcleo e os centríolos do espermatozoide penetram no óvulo 88 Unidade II Exemplo de aplicação A fertilização in vitro permitiu que muitos casais com diferentes problemas de fertilidade pudessem realizar o sonho de serem pais. Reflita sobre como os avanços no conhecimento da área de embriologia contribuíram para o desenvolvimento das técnicas de fertilização. 6.2 Clivagem Logo após a fusão dos pronúcleos, os cromossomos alinham‑se no citoplasma do zigoto para iniciar uma série de divisões bivalentes. As repetidas divisões mitóticas que resultam em um rápido aumento do número de células do zigoto recebem o nome de clivagem. A mitose é um processo que sempre gerará células idênticas que não se diferenciam, nesse primeiro momento, em nenhuma direção. A clivagem é um processo de divisão exponencial. Cada uma dessas células recebe o nome de blastômero e ainda é contida pela zona pelúcida, bastante espessa e gelatinosa. À medida que o número de células aumenta, ocorre uma compactação dos blastômeros que possibilita uma maior interação entre as células e forma uma estrutura que recebe o nome de mórula. Blastômeros Corpos polares Estágio de duas células Estágio de Estágio de quatro célulasquatro células Mórula em estágio Mórula em estágio inicialinicial Mórula em estágio Mórula em estágio avançadoavançado Massa celular interna Biastocele Blastocisto Trofobiasto dias 7-10: implantação na parede uterina Ovulação dias 7-10: fertilização dia 2 dia 3 dia 4 dia 5 dia 6 Primeira divisão de clivagem Figura 64 – Processo de fertilização e clivagem 89 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Após a formação da mórula, as células continuam a se dividir e a se movimentar em um processo chamado de cavitação. O resultado desse processo é a geração de uma estrutura chamada de blastocisto, formada por uma camada de células externamente posicionadas e de aspecto achatado chamada de trofoblasto e um grupo de células internas de aspecto esféricochamado de embrioblasto. Massa celular interna ou embrioblasto Epitélio uterino Estroma uterino Cavidade blastocisto Massa celular externa ou trofoblasto Embrioblasto Células trofoblásticas Figura 65 – Representação esquemática de um blastocisto ao final da clivagem A) e no início da implantação B). O esquema mostra a importância do trofoblasto no processo de implantação Todo esse processo ocorre nas tubas uterinas e leva cerca de 4‑6 dias. Assim que o blastocisto é formado, a zona pelúcida é fragmentada e o blastocisto entra na cavidade uterina pronto para ser implantado. 6.3 Implantação A formação do blastocisto (figura 62) é essencial para o processo de implantação, também conhecido como nidação, pois permite a aderência da massa celular ao endométrio uterino. Ao olharmos o blastocisto (figura 65), podemos perceber a presença do trofoblasto e do embrioblasto. O trofoblasto tem um posicionamento mais externo e será responsável pela formação da parte embrionária da placenta. Já o embrioblasto é uma massa interna de células que será responsável pela geração do embrião em si. A degeneração da zona pelúcida ocorre quando o blastocisto já está na cavidade uterina e permite o aumento do tamanho do blastocisto. Até o momento da nidação, o blastocisto ficará “levitando” na cavidade uterina. Finalmente, entre o 6º‑8º dia após a fertilização, o blastocisto irá se aderir à mucosa intestinal, ocasionando a implantação em si. A implantação ocorre pelo lado adjacente ao embrioblasto e é seguida de uma rápida proliferação das células do trofoblasto. Como consequência da expansão do trofoblasto são formadas duas camadas: o citotrofoblasto, posicionado mais internamente; e o sinciciotrofoblasto, camada mais externa e que fica em contato direto com o endométrio uterino. 90 Unidade II O sinciciotrofoblasto é o grande responsável pela implantação, pois secreta enzimas proteolíticas do tipo metaloproteinases, que irão causar a erosão do endométrio uterino, permitindo a aderência do blastocisto. O sinciciotrofoblasto continua a se infiltrar na mucosa com um padrão de invasão similar ao de um tumor e estimula a produção do hormônio gonadotrofina coriônica (HCG). O hormônio impede a degeneração do corpo lúteo, que passará a produzir os hormônios que sustentam a gravidez e a descamação uterina. Paralelamente começam a surgir no sinciciotrofoblasto cavidades chamadas de lacunas, que se enchem de sangue materno e secreções das glândulas uterinas. Essas substâncias fornecerão nutrientes e oxigênio para manter os processos celulares que estão ocorrendo no blastocisto implantado. É o início da circulação uteroplacentária. Tecido conjuntivo endometrial Secreção glandular Cavidade amniótica Cavaidade exocelômica Membrana exocelômica Hipoblasto Citotrofoblasto Epiblasto Epitélio endometrial Âmnio Sinciciotrofoblasto Glândula uterina Capilar endometrial Sinciciotrofoblasto Embrioblasto Citotrofoblasto Hipoblasto (endoderma primário) Cavidade blastocística Figura 66 – Diferentes fases do processo de implantação. A) Início do processo, quando o sinciciotrofoblasto inicia a liberação de metaloproteases para a escavação do endométrio uterino. B) Estágio avançado da implantação quando sinciciotrofoblasto já se infiltrou no endométrio uterino, iniciando o processo de formação da parte embrionária da placenta Enquanto isso, o embrioblasto se divide de maneira mais lenta. Por volta do 7º dia, são observados dois grupos de células diferenciadas. O primeiro é formado por células cuboides na superfície do embrioblasto – é o hipoblasto, que dará origem também ao saco vitelino; e outra camada de células mais cilíndricas e altas, o epiblasto, que forma uma vesícula preenchida por líquido, a chamada cavidade amniótica. Conforme vão ocorrendo mudanças no trofoblasto e no endométrio uterino para estabelecer e amadurecer a circulação uteroplacentária, células do epiblasto e do hipoblasto continuam a de dividir e se diferenciar, gerando o disco embrionário bilaminar. 91 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Cavidade amniótica Mesodema extraembrionário Vesícula vitelínica definitiva Hipoblasto Epiblasto Sinciciotrofoblasto Citotrofoblasto Figura 67 – Formação do disco embrionário. Em amarelo, o saco vitelino formado a partir do hipoblasto e, em azul, a cavidade amniótica formada a partir do epiblasto 6.4 Gastrulação e neurulação A formação do disco embrionário bilamelar marca o início da terceira semana de gestação e o início da gastrulação. Chamamos de gastrulação o processo responsável pela geração de estruturas essenciais para a formação dos órgãos, ou seja, é o início da morfogênese. O quadro a seguir resume as principais estruturas formadas durante a clivagem e a implantação, bem como os folhetos que serão formados durante a gastrulação. Três importantes estruturas são formadas durante a gastrulação: a linha primitiva, os folhetos germinativos e a notocorda. O surgimento da linha primitiva é o primeiro sinal do início da gastrulação. As células do epiblasto começam a se proliferar e a migrar para o plano mediano do disco embrionário. Ela se apresenta como uma faixa linear espessa e opaca e através dela podemos identificar o eixo cefalocaudal do embrião. Sinciciotrofoblasto Citotrofoblasto Hipoblasto Epiblasto Mesoderme Ectoderma Saco vitelino Cavidade amniótica Linha primitiva Ectoderme embrionária Endoderme embrionária Endoderme extraembionária Parte embrionária da plancenta Embrioblasto Bl as to ci st o Trofoblasto Figura 68 – Esquema das principais estruturas formadas durante as três primeiras semanas de gestação 92 Unidade II Placa pré‑cordial Membrana bucofaríngea Prega neural Sulco neural Placa neural Nó primitivo Ectoderma do embrião Linha primitiva Extremidade caudal Células recém‑ acrescentadas Processo notocordal Membrana cloacal A 15 dias B 17 dias C 18 dias D 21 dias Notocorda subjacente ao sulco neural Figura 69 – Formação da linha primitiva e da notocorda durante a terceira semana de gestação As células da linha primitiva continuam a se movimentar e se distribuem em duas regiões: a mesoderma e a endoderma, esta última próxima ao saco vitelino. Outras células que permanecem no epiblasto e não participam da linha primitiva irão formar a ectoderme. Ou seja, é através da movimentação e da diferenciação das células do epiblasto que serão formados os três folhetos germinativos, endoderme, mesoderme e ectoderme, cujas células são precursoras de todos os tecidos e órgãos do embrião. O quadro a seguir resume quais estruturas serão geradas por cada um dos folhetos formados. Quadro 6 – Tecidos e órgãos originados a partir dos folhetos germinativos formados durante a gastrulação Ectoderma Mesoderme Endoderme Sistema nervoso Epiderme (pelos e unhas, por exemplo) Glândulas endócrinas e exócrinas Cristalino, retina e córnea, Revestimento de cavidades (boca, ânus e nariz, por exemplo) Esmalte dos dentes Músculos, ossos e cartilagens Tecido conjuntivo propriamente dito Tecido hematopoiético Sistema cardiovascular Sistema genitouretral Revestimento externo dos órgãos (pleura, peritônio, pericárdio) Revestimento interno do sistema respiratório e digestório Glândulas anexas do sistema digestório (fígado e pâncreas) Timo Glândulas tireoidianas e paratireoidiana Revestimento interno das vias urinárias A partir da quarta semana, as células da linha primitiva reduzem sua velocidade de proliferação e de diferenciação, de forma que, com o passar do tempo, se torna uma estrutura insignificante na região sacrococcígea e desaparece totalmente ao final da quarta semana. 93 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Na extremidade cranial da linha primitiva, observa‑se um espessamento abaulado chamado de nó primitivo. As células desse nó primitivo se proliferam e se organizam formando um bastão que se estende na direção cranial. À medida que mais células migram nesse sentido, a estruturaem forma de bastão se aprofunda, crescendo na direção cranial e empurrando a linha primitiva na direção caudal. A estrutura formada recebe o nome de notocorda (figura 69). A notocorda formada não irá se diferenciar em nenhum órgão especial, porém irá estimular as células da ectoderme a se movimentarem, iniciando o processo de neurulação. A neurulação é o processo responsável pela formação do sistema nervoso primitivo do embrião. As células que formam a notocorda liberam substâncias indutoras que induzem a diferenciação das células da ectoderme em uma placa neural que se aprofunda e forma as pregas neurais. A aproximação das pregas neurais forma o tubo neural a partir do qual se desenvolverão todas as estruturas do sistema nervoso central (figura 70). Cardiogenic area Neural plate Neural groove Neural fold Level of section B Coelomic spaces Cut edge of amnion Yolk sec covered with extraembryonic medoderm Coelomic spaces Level of section D First somite Connecting stalk Pericardial coelom Pericardio‑peritoneal canal Peritoneal coelom (cavity) Level os section F Intraembryonic coelom Spianchnopleure Somatopleure Neural folds about to fuse to form neural tube Somile Intraembryonic coelom Intraembryonic spianchnic mesoderm Somite Neural folds Intraembryonic somatic mesoderm Coelomic spaces Lateral mesoderm Intermediate mesoderm Paraxial mesoderm Neural groove Embryonic ectoderm Amnion Figura 70 – Processo de neurulação mostrando a formação da placa e do tubo neural 94 Unidade II Durante o processo também se inicia a angiogênese e a formação de um sistema cardiovascular primitivo. A formação das células sanguíneas ocorre a partir de movimentações de células da superfície do saco vitelíneo (figura 67). Esse processo é essencial para a sobrevivência do embrião devido à baixa quantidade de vitelo. Enquanto os vasos sanguíneos embrionários não estiverem formados, a nutrição do embrião ocorrerá por difusão dos elementos do sangue materno e do saco vitelino, mas à medida que o saco vitelino vai regredindo, o processo de angiogênese ocorre, resultando na formação da circulação uteroplacentária. As células que formam os vasos sanguíneos recebem o nome de angioblastos e se agregam, primeiramente, em ilhotas sanguíneas que se confluem e formam diversos canais revestidos por endotélio. Um par desses túbulos sofre, durante a terceira semana de gestação, uma nova diferenciação, gerando os tubos endocárdicos, que, ao se fundirem, geram o tubo cardíaco primitivo, ou seja, um coração embrionário que se unirá aos vasos provenientes das ilhotas sanguíneas, formando o primeiro sistema de órgão funcional do embrião. Saco aórtico Aorta dorsal III II I Arcos aórticos Pericárdio Cavidade pericárdica Átrio esquerdo IV V Átrio esquerdo primitivo Ventrículo esquerdo primitivo Canal atrioventricular Forame intervetricular primitivo Septo interventricular Borda bulboventricular Ventrículo direito primitivo Átrio direito primitivo Cone arterial Tronco arterioso Raízes aórticas Sulco bulboventricular Átrio Seio venoso 23º dia 22º dia 24º dia 30º dia Bulbo cardíaco Figura 71 – Formação do tubo cardíaco primitivo 6.5 Gêmeos Os gêmeos sempre foram um capítulo à parte na embriologia e sempre despertam muita curiosidade. O estudo dos gêmeos é de extrema importância na genética humana, pois permite a avaliação da resposta dos genes em diferentes condições ambientais, permitindo, muitas vezes, o entendimento das bases da hereditariedade de algumas heranças. Mas, a primeira questão é: como surgem os gêmeos? Primeiro precisamos deixar claro que existem dois tipos de gêmeos: aqueles chamados de monozigóticos (MZ) e aqueles chamados de dizigóticos (DZ). 95 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Os gêmeos MZ são também chamados de gêmeos idênticos, já que se desenvolveram a partir de um único óvulo fertilizado. Portanto, possuem o mesmo repertório genético e são sempre do mesmo sexo. Esse tipo de gêmeos é resultado da separação do zigoto em dois embriões distintos em qualquer fase do desenvolvimento, normalmente em torno de 8‑10 dias após a fertilização. Caso a separação ocorra mais tardiamente, existe um alto risco de formação dos gêmeos siameses que compartilham algumas estruturas corporais. O tipo de placenta e de membranas formadas dependerão do momento do desenvolvimento em que ocorreu a separação dos embriões. Já os gêmeos DZ são consequência da liberação independente de dois ovócitos secundários fertilizados por dois espermatozoides diferentes, assim, são conhecidos como fraternos. Embora tenham a idade gestacional muito próxima e de se implantarem quase simultaneamente no útero, eles são geneticamente diferentes e podem, inclusive, serem de sexos diferente. Os gêmeos DZ sempre terão dois âmnios diferentes, embora as placentas possam estar fundidas dependendo do ponto de implantação. Hoje já se sabe que existe uma tendência hereditária na formação dos gêmeos DZ, sendo o risco de recorrência em família três vezes maior do que no resto da população. A figura a seguir mostra as diferenças entre a concepção de gêmeos MZ e DZ. Implantação dos blastocistos um junto ao outro Dois córions (fundidos) Sacos coriônicos fundidos Sacos coriônicos separados Dois blastocistos Duas mórulas Placentas diamnióticas dicoriônicas separadas Placentas diamnióticas dicoriônicas fundidas Gêmeos Monozigóticos Gêmeos Dizigóticos Sacos coriônicos fundidos Dois âmnios Placentas fundidas Placentas fundidas Placentas separadasCórions fundidos Zigoto Estágio de duas células Dois córions Dois âmnios Dois âmnios Figura 72 – Comparação entre a concepção de gêmeos MZ e DZ 96 Unidade II 6.6 Fatores que afetam o desenvolvimento embrionário O desenvolvimento embrionário é modulado não apenas por fatores genéticos intrínsecos ao organismo. Fatores exógenos de origem química, física e biológica podem afetar de diferentes maneiras e em diferentes estágios o desenvolvimento embrionário, causando alterações de natureza metabólica, comportamental, cognitiva e estrutural. O grupo de alterações que pode ocorrer em conjunto ou isoladamente no indivíduo recebe o nome de anomalias congênitas. Pode ser causado por fatores exclusivamente genéticos, exclusivamente ambientais ou, ainda, pela interação ente os dois primeiros, então diremos que é multifatorial. Multifatorial 55% Genética 30% Ambiental 15% Figura 73 – Distribuição da origem das anomalias congênitas Existem três tipos de anomalias: malformações, que ocorrem normalmente na organogênese e podem resultar na ausência total ou parcial de um determinado órgão ou ainda sua formação de maneira diferente do normal; rupturas (disrupções), quando as alterações ocorrem depois da estrutura já estar formada; e deformações, quando a alteração é consequência da ação de forças mecânicas nas estruturas, por exemplo, o próprio cordão umbilical e o líquido amniótico. Durante o desenvolvimento embrionário é quando ocorrem mais frequentemente as anomalias, sendo o período entre a terceira e a oitava semana de gestação o mais susceptível devido à intensa modulação da atividade celular. 97 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA Primeira consulta pré‑natal Semanas de gestação Período embrionário Período fetal 388 Pa rt o Ri sc o cr es ce nt e 530 Figura 74 – Representação gráfica mostrando qual o risco de ocorrência de anomalias congênitas de acordo com o período de gestação Comumente chamamos de síndrome o conjunto de anomalias que ocorrem juntas em consequência de uma causa comum; por exemplo, a Síndrome de Down, em que todas as alterações são consequência da cópia extra do cromossomo 21. Já a teratologia é a área da medicina que estuda as causas e as consequências dessas alterações. Os fatores ambientais começaram a ser considerados como fortes agentes teratogênicos na década de 1950 com as associações das malformações causadas pela infecçãoda mãe pelo vírus da rubéola, e, na década de 1960, com a associação da focomelia ao uso de talidomida pela mãe. Entre os anos de 2015‑2016, foi associada a presença de microcefalia em fetos cujas mães apresentaram febre zika durante os quatro primeiros meses de gestação. Saiba mais Para saber mais sobre os avanços em pesquisa médica sobre os efeitos do zika vírus na gestação e o desenvolvimento de vacinas, acesse: <http://zika‑virus‑resource‑center.elsevier.com.br/>. Hoje sabemos que a intensidade dos efeitos teratogênicos depende de uma série de fatores. O estágio da gestação em que ocorreu a exposição ao agente (físico, químico ou biológico) é apenas um deles, e o desenvolvimento de cada um dos sistemas terá uma fase de maior susceptibilidade. Outro fator é a dose e o tempo de exposição, já que altas doses do teratógeno (carga microbiana ou concentração) precisam de pouco tempo de exposição, mas o risco de doses baixas com exposição frequente é tão agressivo quanto. 98 Unidade II Atualmente, várias pesquisas têm demostrado que a constituição genotípica da mãe bem como o genoma fetal podem influenciar a forma como o teratógeno afetará o feto em desenvolvimento. Cada teratógeno, independente da sua origem, tem um mecanismo de ação específico que resultará na inibição total ou parcial de vias bioquímicas específicas que se manifestará fenotipicamente como malformações, comprometimento intelectual e motor, ou até mesmo na morte do concepto. O quadro a seguir mostra alguns teratógenos e os efeitos causados por ele. Lembrete Observando a figura 73, fica claro que os teratógenos podem atuar em qualquer fase do desenvolvimento. Quadro 7 – Teratógenos e consequências do seu uso para o desenvolvimento embrionário Teratógeno Anomalia provocada Toxoplasmose Microcefalia, microftalmia, cacificações cerebrais, aborto Sífilis Alterações craniofaciais (molar de Moon), comprometimento intelectual. Rubéola Cardiopatias, catarata, glaucoma, perda auditiva Raio X Espinha bífida, fenda palatina, lábio leporino, microcefalia Lítio Cardiopatia Opioides Cardiopatias, defeito no tubo neural Isotretinoína Cardiopatia, fenda palatina, hipoplasia medular Metais pesados Transtornos neurológicos Álcool Cardiopatias, comprometimento intelectual, fenda palatina Diabetes gestacional Cardiopatias, anomalias do tubo neural Exemplo de aplicação O aconselhamento genético é uma prática muito utilizada para assessorar os casais que já tiveram algum problema de anomalias congênitas em gestações passadas ou que possuem um histórico familiar de malformações. Reflita sobre o papel de cada membro da equipe multidisciplinar que participa desse processo. 6.7 As células‑tronco embrionárias Durante a clivagem são formados os blastômeros, um grupo de células embrionárias que ainda não responderam aos fatores morfogenéticos de diferenciação. Essas células são referidas normalmente como células‑tronco. Duas características podem ser atribuídas às células‑tronco: 1) capacidade de se dividir por períodos indefinidos, se corretamente manejadas; 2) originar muitos tipos de células diferentes por serem não especializadas. 99 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA No organismo adulto podemos encontrar as células pluripotentes, com capacidade de gerar alguns tipos celulares se corretamente estimuladas. Essas células são encontradas principalmente na medula óssea, onde atuam na geração de células sanguíneas, na polpa do dente jovem e nos tecidos mineralizados. Por já fazerem parte de um organismo adulto, possuem capacidade limitada de diferenciação. Existem também as células‑tronco do cordão umbilical, que são resquícios daqueles blastômeros do início do desenvolvimento embrionário. Essas células possuem uma capacidade maior de gerar outras células quando comparadas com as células pluripotentes adultas, mas, por já terem sido expostas a fatores de diferenciação celular, também têm uma capacidade limitada de diferenciação. As células‑tronco “verdadeiras”, ou seja, capazes de gerar qualquer tipo celular, são as células‑tronco embrionárias, colhidas ainda na fase de blastômero. Os estudos dessas células e a forma como elas responderiam aos estímulos específicos abrem caminho para pesquisa na área de doenças degenerativas, como as distrofias musculares e doença de Parkinson e Alzheimer que envolvem células que perderam a capacidade de regeneração. Outra linha de pesquisa com essas células busca sua aplicação no transplante de órgãos e tecidos, pois o fato de serem indiferenciadas reduziria o risco de rejeição. No entanto, apesar dos enormes progressos que vemos nas pesquisas com células‑tronco, pouco se sabe sobre a segurança do seu uso em longo e médio prazo, e novas pesquisam continuam sendo feitas para que essa nova estratégia terapêutica possa ser aplicada com segurança na população. Adipócito Neurônio Macrófago Célula muscular lisa Astrócitos e oligodendrócitos estímulo estímulo estímulo estímulo estímulo Células‑tronco embrionárias cultivadasEmbrião precoce (blastocistos) Células da massa celular interna Figura 75 – Mecanismo de obtenção e utilização das células‑tronco embrionárias 100 Unidade II Resumo Chamamos de gametogênese o processo responsável pela produção dos gametas femininos e masculinos. Os gametas são células haploides, ou seja, possuem metade do número de cromossomos de uma célula somática, que são diploides. Enquanto as células somáticas, como a da pele, são diploides, ou seja, possuem 2n=46 cromossomos, os gametas, óvulos e espermatozoides possuem apenas n=23 cromossomos A espermatogênese só se inicia na puberdade, quando é estimulada pelo hormônio folículo estimulante (FSH). Os espermatozoides iniciam seu desenvolvimento nos túbulos seminíferos situados nos testículos. A célula primordial desse processo é a espermatogônia. Essas células ficam dispostas ao longo dos túbulos. Ao final de uma série de divisões mitóticas, elas se diferenciam em espermatócitos primários. Os espermatócitos primários entram em meiose I para gerar os espermatócitos secundários, que rapidamente entram em meiose II. Cada espermatócito secundário gera 2 espermátides, que se diferenciam em 4 espermatozoides através do processo de espermiogênese. O processo de desenvolvimento dos óvulos nas mulheres inicia‑se ainda no período embrionário, por volta do 2º ao 3º mês de desenvolvimento embrionário. No nascimento existem cerca de 2,5 milhões de ovócitos. A célula primordial do processo é a ovogônia, situada no córtex ovariano. Ao 3º mês de gestação, inicia‑se o desenvolvimento do ovócito primário. No entanto, essa célula interrompe o seu desenvolvimento na prófase I da meiose. Os óvulos permanecem em prófase I até que a mulher atinja a maturidade sexual. Após o estímulo hormonal, uma vez por mês, um óvulo termina seu amadurecimento através da meiose I, gerando o ovócito secundário. Apenas o ovócito secundário entra em meiose II para que haja a separação das cromátides. A divisão ocorre até a metáfase II, quando o ovócito secundário fica em repouso até o período fértil da mulher (antes da menstruação). Se houver fecundação (entrada do espermatozoide), o ovócito secundário terminará o desenvolvimento; caso contrário, será eliminado junto com o endométrio uterino durante a menstruação. Ao término da meiose II, existem duas células: corpo polar – célula menor e o óvulo maduro. Somente então ocorrerá a fusão do núcleo do óvulo maduro com o núcleo do espermatozoide. 101 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA A fertilização (união entre o óvulo e o espermatozoide) ocorre normalmente na ampola da tuba uterina, embora possa ocorrer em outras partes da tuba uterina. A fertilização nunca ocorre no útero. O processo de fertilização é uma sequência de eventos coordenados e sincronizados; falhas em qualquer parte desse processo acarretam em morte do zigoto. Para que a fertilização ocorra, são necessários os seguintes passos: a) reconhecimento mútuodo óvulo e espermatozoide; b) rompimento da zona pelúcida; c) bloqueio à polispermia; d) fusão da membrana do óvulo e do espermatozoide e término da meiose II do óvulo; e) fusão do núcleo do óvulo e espermatozoide. O zigoto formado é uma célula geneticamente única, visto que possui uma combinação original de genes, fruto do “embaralhamento” de cromossomos maternos e paternos. A fecundação desencadeia uma série de sinais químicos que levará o zigoto a entrar em novas divisões mitóticas. Essa divisão gera dois polos: o polo (ou hemisfério) animal, pobre em nutrientes; e o polo (ou hemisfério) vegetal, rico em nutrientes. À medida que o número de células aumenta, o blastômero muda de forma, tornando‑se uma bola compacta de células, a mórula. Na mórula existe uma grande interação entre as células, o que permite uma grande comunicação química necessária para os próximos passos do desenvolvimento do zigoto. Algumas divisões depois, as células da mórula aglomeram‑se em um polo da mórula criando uma estrutura chamada blastocisto. No blastocisto encontramos internamente o embrioblasto e, externamente, o trofoblasto. Ao final da clivagem, o embrião migra para o útero, onde se adere à parede do endométrio: é a chamada implantação. Após a implantação, o trofoblasto se prende ao endométrio uterino e diferencia‑se em citotrofoblasto e sinciciotrofoblasto. O citotrofoblasto é uma camada mais interna que irá originar a ectoderme primitiva, que no futuro fará parte da geração de alguns anexos. Já o sinciciotrofoblasto é a camada mais externa, rica em enzimas proteolíticas que encavam o endométrio uterino permitindo a implantação. É nesse momento que a mãe libera o HCG (hormônio da gonadotrofina coriônica humana) e mantém sua secreção durante toda a gravidez. A massa interna de células ira se transformar no disco embrionário, em que podemos distinguir duas regiões: hipoblasto e epiblasto. No hipoblasto, as células se diferenciam e dão origem à mesoderme extraembrionária. Essas células continuarão a se diferenciar e contribuir para a formação de parte dos anexos embrionários, no caso, o saco vitelíneo. No epiblasto, as células se diferenciarão em anexos embrionários, como a cavidade amniótica e a linha primitiva que permite o início da gastrulação, processo que originará os órgãos. 102 Unidade II Durante a gastrulação, ocorre a migração e a diferenciação de células da massa interna de células até então indiferenciadas e sem função definida. Essas células irão se dividir em três camadas chamadas de folhetos germinativos, que irão originar os tecidos e os órgãos do corpo. Os folhetos germinativos gerados na gastrulação são: a) ectoderma – epiderme, sistema nervoso central (SNC), sistema nervoso periférico (SNP); b) mesoderme – musculatura lisa, sistema cardiovascular, células sanguíneas, medula óssea, músculo estriado, órgãos reprodutores, órgãos excretores; c) endoderme – revestimento das vias respiratórias, revestimento interno do trato gastrointestinal, glândulas, fígado e pâncreas. A neurulação ocorre a partir da 3ª semana de desenvolvimento. Nessa fase, iniciam‑se movimentos celulares na região do ectoderma. Essas células irão se concentrar em uma região central do disco embrionário que irá se chamar placa neural. Essa região se desdobrará formando o tubo neural a partir do qual irá se desenvolver todo o sistema nervoso. A fase de diferenciação e amadurecimento fisiológico dos órgãos e tecidos que serão formados a partir dos folhetos germinativos recebe o nome de organogênese. O primeiro sistema a ser formado é o sistema nervoso seguido pelo sistema cardiovascular, permitindo a correta distribuição dos nutrientes. O sistema respiratório é o último sistema a amadurecer, uma vez que a sua função é desempenhada pela placenta. O desenvolvimento embrionário pode ser afetado por fatores chamados teratógenos. Os agentes podem ser de natureza química, física ou biológica e provocar alterações no desenvolvimento embrionário em qualquer fase do desenvolvimento, provocando diversas consequências para o feto. Exercícios Questão 1. (UFPR 2004) “As células‑tronco conhecidas há mais tempo são as embrionárias, que aos poucos, com o desenvolvimento do embrião, produzem todas as demais células de um organismo. As células‑tronco embrionárias são estudadas desde o século 19, mas só há 20 anos dois grupos independentes de pesquisadores conseguiram imortalizá‑las, ou seja, cultivá‑las indefinidamente em laboratório. Para isso, utilizaram células retiradas da massa celular interna de blastocisto (um dos estágios iniciais dos embriões de mamíferos) de camundongos”. Fonte: CARVALHO, A. C. C. de. Células‑tronco. A medicina do futuro. Ciência Hoje, 2001, v. 29, n. 172, p. 28. O estágio inicial de desenvolvimento a que o texto se refere é o final da clivagem. Sobre o assunto, é incorreto afirmar: 103 BIOLOGIA, HISTOLOGIA, EMBRIOLOGIA A) A clivagem caracteriza‑se por uma sequência de divisões celulares, que na maioria dos animais acontece muito rapidamente. B) Ao final da clivagem, o embrião apresenta‑se como uma blástula. C) Na natureza, conservou‑se um padrão único de clivagem para todos os tipos de ovos. D) O blastocisto é a blástula de mamíferos. E) Ovos com uma quantidade muito grande de vitelo sofrem divisões parciais, ou meroblásticas, durante a clivagem. Resposta correta: alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: consiste em divisões mitóticas repetidas do zigoto, resultando em um rápido aumento no número de células. B) Alternativa incorreta. Justificativa: o primeiro estágio da clivagem é a mórula, um maciço celular originado entre o terceiro e quarto dia após a fecundação. Na segunda e última etapa ocorre a blástula, onde as células delimitam uma cavidade interna chamada blastocele, cheia de um líquido produzido pelas próprias células. C) Alternativa correta. Justificativa: o tipo da clivagem está diretamente ligado à distribuição de vitelo no ovo, sendo alguns tipos o isolécito, centrolécito e telolécito. D) Alternativa incorreta. Justificativa: blástula (broto), ou blastocisto (em mamíferos placentários), é uma esfera oca de células embrionárias, conhecidas como blastômeros, em torno de uma cavidade interna cheia de fluido chamada blastocele. E) Alternativa incorreta. Justificativa: os ovos telolécitos, também chamados de megalécitos, possuem uma enorme quantidade de vitelo ocupando boa parte do ovo. Nesse caso, o vitelo é chamado de gema. Os ovos telolécitos são encontrados em aves, répteis, peixes e moluscos cefalópodes e as clivagens são mais lentas. 104 Unidade II Questão 2. (UFPR 2004) Analisando a figura a seguir, que representa um cariótipo humano, é correto afirmar que se trata do cariótipo de um indivíduo: 1 6 13 19 16 2 7 14 20 21 22 Y 17 3 8 15 18 9 10 11 12 X 4 5 Figura A) Do sexo feminino, com Síndrome de Down. B) Do sexo masculino, com Síndrome de Down. C) Com uma anomalia numérica de autossomos, com Síndrome de Patau. D) Do sexo feminino, com Síndrome de Edwards. E) Do sexo feminino, com cariótipo normal. Resolução desta questão na plataforma.
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