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GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA Prof.a Vânia Quintão GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL Marília/SP 2023 “A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma ação integrada de suas atividades educacionais, visando à geração, sistematização e disseminação do conhecimento, para formar profissionais empreendedores que promovam a transformação e o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida. Missão da Faculdade Católica Paulista Av. Cristo Rei, 305 - Banzato, CEP 17515-200 Marília - São Paulo. www.uca.edu.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. Todos os gráficos, tabelas e elementos são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência, sendo de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 5 SUMÁRIO CAPÍTULO 01 CAPÍTULO 02 CAPÍTULO 03 CAPÍTULO 04 CAPÍTULO 05 CAPÍTULO 06 CAPÍTULO 07 CAPÍTULO 08 CAPÍTULO 09 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 07 15 27 39 50 60 67 74 83 91 99 108 TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA BRASILEIRA E REGIONAL O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E SEUS REFLEXOS EPIDEMIOLÓGICOS E SOCIAIS ASPECTOS BIOLÓGICOS, PSICOLÓGICOS E SOCIAIS DO ENVELHECIMENTO A QUESTÃO DE GÊNERO DO ENVELHECIMENTO O IDOSO NO MERCADO DE TRABALHO PROCESSO DE ENVELHECIMENTO NO CONTEXTO SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PLANO DE AÇÃO INTERNACIONAL SOBRE O ENVELHECIMENTO POLÍTICA NACIONAL DA PESSOA IDOSA ESTATUTO DA PESSOA IDOSA CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO, INCLUSÃO SOCIAL AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO MECANISMOS DE INCLUSÃO SOCIAL EM FAVOR DO ENVELHECIMENTO ATIVO AVANÇOS E RETROCESSOS DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 6 SUMÁRIO CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 116 125 135 INSTITUIÇÕES DE ATENDIMENTO AO IDOSO E SEUS PAPÉIS O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NOS ABRIGOS/ILPIS E A INTERDISCIPLINARIDADE NO TRABALHO COM A PESSOA IDOSA SERVIÇO SOCIAL E GERONTOLOGIA GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 7 INTRODUÇÃO Neste material, você encontrará um conteúdo importante sobre Gerontologia e Serviço Social, crucial para a formação dos assistentes sociais. O debate inicial começa com as questões demográficas no país, sinalizando os aspectos históricos importantes para compreendermos o envelhecimento. Tendo isso em mente, trataremos do envelhecimento propriamente dito e seus reflexos biológicos e sociais, considerando os aspectos bio-psico-sociais. Para tratar da gerontologia, iremos ainda debater as questões de gênero e de trabalho relacionadas às pessoas idosas, bem como o contexto social que envolve a questão do envelhecimento. Nos aspectos políticos, é importante destacarmos o debate internacional sobre o tema do envelhecimento, e como ele influenciou as políticas públicas no Brasil. Desse debate decorreu o Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento, que influenciou no bojo do movimento de redemocratização do país: a promulgação da Constituição Federal, o Plano Nacional do Idoso e, depois, o Estatuto da Pessoa Idosa. Diante de um novo arcabouço sócio-jurídico de proteção social às pessoas idosas, vamos debater sobre os conceitos de cidadania, participação e inclusão social, e como estes temas estão correlacionados e são capazes de materializar a proteção social através das políticas públicas. Ainda neste material de estudos, vamos conversar sobre os avanços da legislação de proteção social das pessoas idosas, e os seus retrocessos. Falaremos também das instituições de atendimento às pessoas idosas, com principal destaque para as instituições de longa permanência. Por fim, mas não menos importante, no ápice desta jornada acadêmica sobre gerontologia, vamos falar sobre o Serviço Social, e os desafios da atuação profissional. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 8 CAPÍTULO 1 TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA BRASILEIRA E REGIONAL Título: População brasileira Fonte: Foto de Vinicius “amnx” Amano na Unsplash Aprendemos na escola desde pequenos que as fases da vida de todo ser vivo é nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Contudo, quando começamos a nos aprofundar no estudo dos fenômenos sociais, as experiências e as experimentações preenchem esse ciclo da vida de forma única e singular para cada indivíduo. Nem todo ser humano consegue nascer e crescer, ou, então, se reproduzir... seja por escolha ou força da situação política, econômica e cultural, cada experimentação ou contexto social influencia diretamente no ciclo de um sujeito ou em um grupo de sujeitos. O envelhecimento tem sido alvo de estudos de muitas áreas. Não se trata mais somente de saúde física, mas também de saúde mental, espiritual, direitos sociais, classe social e poder aquisitivo, políticas públicas, economia, etc. Segundo a Prof.ª Ruth Gelehrter da Costa Lopes e Beltrina Côrte (Docentes da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), “a genética é responsável por apenas 30% do envelhecimento saudável, e o ambiente determina os outros 70%”. O mundo tem envelhecido cada vez mais. E isso tem sido o enfoque de muitos debates, principalmente a relação do envelhecimento e o crescimento econômico do GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 9 país. Recortando para o Brasil, a população de idosos brasileiros acima de 60 anos tem crescido. Em 1950, o número era de 2,6 milhões, o que representava 4,9% do total da população. Em 2020, o número desse grupo passou a ser de 29,9 milhões de pessoas, representando 14% do total. A projeção é que, em 2100, esse número alcance a 72,4 milhões (40% do total de brasileiros). Recortando esses dados, quando analisamos a evolução de pessoas com mais de 80 anos, em 1950 saímos de 153 mil pessoas (0,3% do total) para 4,2 milhões em 2020 (2% do total) e a projeção para 2100 é que devemos alcançar o número de 28,2 milhões de brasileiros (15,6% do total). *PIA: População em idade ativa Gráfico 1: Projeção da população do Brasil Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 1.1 Cenário político e econômico até 2010 O envelhecimento da população brasileira se iniciou no final do século XIX. Até então, vale lembrar, o Brasil era o cenário do final da escravidão e mudanças nas políticas de migração, com fortes incentivos para que estrangeiros europeus viessem ao Brasil, diante das crises econômicas e sociais profundas que a Europa enfrentava, culminando na Primeira Guerra Mundial. É a partir desse momento que a taxa de crescimento populacional passou a ser de 2%, e manteve-se nesses níveis até meados da década de 1930. Gráfico 2 – Taxa média geométrica de crescimento anual da população – Brasil – 1872/2010 Fonte: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2016 GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 10 Vale refletir neste ponto que, com o fim da escravidão por lei, não houve incentivo financeiro-produtivo do Estado para os negros ex-escravizados. O incentivo oficial foi para o “embranquecimento” da população, a partir de incentivo migratório de países europeus. Dessa forma, a população do Brasil mais que duplicou até 1940, se intensificando nas três décadas seguintes, alcançando a taxa de crescimento de 3% entre 1950 e 1960. Nesta época, esse crescimento se deu a movimentos internos, principalmente de nordestinos, que se deslocavam para os municípios do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília atrás de trabalho. A migração internacional já não tinha mais força. A migração de nordestinos para o Sudeste e Centro-Oeste se deu porfatores conhecidos, como a estagnação econômica, a desigualdade social e, sobretudo, os elevados níveis de desemprego nas áreas urbanas da região. Uma das razões para esse fenômeno foi o processo de industrialização iniciado em 1930, com crescimento a partir de 1940. Esse processo entre 1919 e 1939 crescia à taxa média anual de 5,7% e 6,6%, entre 1939 e 1949; e se intensificando para 9,3%, entre 1949 e 1959. Consequentemente, essas mudanças impactaram em transformações sociais. O mercado de trabalho urbano aumentou, com 1,5 milhões de oferta de empregos, enquanto o rural cresceu apenas 0,5 milhões. A concentração industrial era nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. De 1872 a 1960, a população brasileira passou de 9 930 478 para 70 070 457 milhões de pessoas. O período que a população mais aumentou foi na década de 1950, em que a média era de 2,99% ao ano. Isso representou um aumento populacional de 34,9%, correspondendo a cerca de 18 milhões de pessoas. Vale ressaltar que, nessa época, a taxa de mortalidade apresentava-se em declínio, quanto a fecundidade se mantinha em patamares bastante elevados. Grandes Regiões População residente (1000 pessoas) 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Brasil 41165,3 51941,8 70070,5 93139,0 119002,7 146825,5 169799,2 190755,8 Norte 1467,9 1834,2 2561,8 3603,9 5880,3 10030,6 12900,7 15864,5 Nordeste 14426,2 17992,1 22181,9 28111,9 34812,4 42497,5 47741,7 53082,0 Sudeste 18304,3 22549,4 30630,7 39853,5 51734,1 62740,4 72412,4 80364,4 Sul 5722,0 7835,4 11753,1 16496,5 19031,2 22129,4 25107,6 27386,9 Centro-Oeste 1244,8 1730,7 2943,0 5073,3 7544,8 9427,6 11636,7 14058,1 Tabela 1 – População residente, segundo as Grandes Regiões – 1940/2010 Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1940/2010 GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 11 Se analisarmos por região, observamos que as regiões do Sul, Sudeste e Nordeste foram as que mais cresceram no país. A região do Nordeste apresenta uma taxa de crescimento próxima as do Sudeste e Sul, no período de 2000 a 2010. Um dos fatores para isso ocorrer é o retorno de nordestinos, particularmente de São Paulo, para seus estados de origem. Esse fenômeno aconteceu por fatores sociais e econômicos no centro-sul do país. Outro fenômeno foi os investimentos industriais na Região Nordeste, a partir de 1970, que estimularam tanto a migração de retorno, quanto a redução de migração para outras regiões. Exemplo disso foi o polo industrial de Camaçari na Bahia, com indústrias químicas e petroquímicas, e o polo têxtil e confecções de Fortaleza no Ceará. A partir da década de 1970, houve políticas públicas de planejamento urbano e regional que visavam a redução das desigualdades regionais, interiorizando o desenvolvimento, contendo o fluxo migratório para as metrópoles. Com isso, cidades médias conseguiram se estruturar. Até 1960, a maioria da população residia em área rural, exceto o Sudeste que apresentava 57% da população vivendo em área urbana. Em 1970, a proporção de moradias urbanas nessa região passou para 72,7%, enquanto nas outras regiões não atingia 50%. Gráfico 3 – Evolução da proporção da população urbana, segundo as Grandes Regiões – 1940/2010 Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1940/2010 Com o crescimento urbano aliado ao desenvolvimento agrícola intenso, moderno e tecnológico, temos, pelo Censo Demográfico 2010, uma população brasileira 84,4% urbana. Também não podemos esquecer os baixos valores da taxa de crescimento em todas as regiões do Brasil entre 2000 e 2010, por causa do declínio intensificado da fecundidade desde 1980. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 12 Então, com as novas realidades vivenciadas pela população brasileira, demandando uma prestação de serviço público maior nos centros urbanos, vivemos com o cenário: • Migração do meio rural para o urbano, elevando a população nos centros urbanos; • Aumento do assalariamento da economia brasileira e a participação maior da mulher no mercado de trabalho urbano; • Modelo econômico direcionado para o consumo de bens duráveis, relacionado à generalização das relações de mercado; • Elevação dos custos de reprodução familiar e social. Essa nova realidade vivida pelos brasileiros impactaram diretamente no comportamento reprodutivo, na estrutura etária da população, e nas consequências na educação, saúde, mercado de trabalho e previdência social. Assim, até o final do século XX, não havia políticas públicas muito claras refletindo sobre as profundas transformações que aconteciam no quadro demográfico brasileiro e, por sua vez, nas demandas sociais decorrentes. 1.2 Cenário político e econômico a partir de 2010 De 2010 até os dias atuais, outras transformações ocorreram que trouxeram outro cenário para a população demográfica. No gráfico abaixo, podemos observar o número de pessoas ativas economicamente em relação ao número de nascidos. Esse período que passamos é conhecido como “bônus demográfico”, aumentando a possibilidade de aprimorar o país economicamente. Esse bônus demográfico precisa ser avaliado pela relação entre a população ocupada (trabalhadores efetivos) e a população não ocupada (consumidores efetivos). Gráfico 4 – Pirâmide populacional (distribuição por sexo e idade) do Brasil: 1950, 1985 e 2020 Fonte: https://population.un.org/wpp/Graphs/DemographicProfiles/Pyramid/76 GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 13 Entre 1950 e 2010, a ocupação da população masculina do país permanece em torno de 27%. Já a feminina, durante esse período, aumentou de 4,7% para 19,2%. Isso aponta que a inserção da mulher no mercado de trabalho aumenta o bônus demográfico brasileiro. Em 2010, a porcentagem de ocupados (homens e mulheres) em relação à população total era de 45,3%. Isso aponta que a proporção de trabalhadores aumentou em relação aos consumidores. Mas como o Estado brasileiro aproveitou essa força? Até 2014, a economia gerava postos de trabalho proporcionalmente maiores que o crescimento da população. Porém, quando chegou a recessão econômica e a crise do mercado de trabalho, esse cenário mudou drasticamente. Segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o número de empregos formais foi de 40,8 milhões em 2014 para 39 milhões em 2019. O que gerou um desperdício de bônus demográfico, porém isso já estava acontecendo desde 2014, o que não está relacionado com o envelhecimento da população, contudo, está intimamente conectado com os fundamentos da economia brasileira: crise fiscal, baixa taxa de investimento, baixa competitividade internacional, crise política, etc. A pandemia do Covid-19 também foi um fator importante, chegando ao país com uma economia enfraquecida. O ponto mais angustiante desse período foi a má gestão pública do governo federal frente à crise pandêmica. Como apontado no gráfico abaixo, o rendimento dos trabalhadores caiu drasticamente em 2021 e 2022, e a informalidade teve um aumento significativo. Com a mudança da legislação trabalhista em momentos economicamente conturbados, uma parcela da população em idade ativa trabalhava sem garantia de direitos. Gráfico 5 – Rendimento habitual médio real, por tipo de vínculo Fonte: PNAD Contínua/IBGE GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 14 E, pelo apresentado no gráfico acima, pessoas com carteira assinada tem sua renda deteriorada com o decorrer do tempo. Segundo o World Inequality Report 2022 (Relatório das Desigualdades Mundiais), a desigualdade de riqueza do Brasil é uma das mais altas do mundo. Em 2021, o 1% mais rico da população possui cerca de metade da riqueza do país, em contraponto dos 50% mais pobres que possuem menos de 1%. Ainda segundo o relatório, essa desigualdade tem crescido desde a década de 1990, por conta da desregulamentação financeira e a falta de uma reforma tributária. Gráfico 6:Participação da renda do trabalho feminino no Brasil, 1990-2020 Fonte: World Inequality Lab Somado a isso, conforme mostrado no gráfico acima, a desigualdade salarial entre homens e mulheres intensifica a desigualdade, levando em consideração que, em 2022, 81,6% dos lares brasileiros são comandados por mulheres. O Brasil viveu entre 2015 e 2020 sua melhor janela do bônus demográfico, porém a situação econômica e a má gestão pública geraram uma taxa de desigualdade social enorme. Como citamos no início deste capítulo, o envelhecimento vai além da saúde, é importante refletir que boa parte da população brasileira tem se empobrecido ao longo dos últimos anos, o que reflete em sua aposentadoria. Uma pessoa que trabalhou a vida toda na informalidade também tem impacto no recebimento da aposentadoria. Mulheres com rendas menores também têm seu impacto quando aposentadas. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 15 Gráfico 7: Proporção de idosos com baixa renda pessoal mensal – Brasil 2006/2020 (%) Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Vale destacar também o aumento da participação de idosos na composição da renda familiar. Além disso, o número de idosos como referência na família passou de 5,88% em 2001 para 9,2% em 2015. E o número de pessoas com mais de 60 anos com ocupação também aumentou, conforme gráfico a seguir. Gráfico 8: Taxa de Ocupação dos Idosos (60+) Brasil – 2012/2019 (%) Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Esse levantamento histórico nos faz refletir sobre a mudança demográfica do brasileiro e, além disso, o quanto essas transformações afetam a sociedade com suas consequências. No próximo capítulo, você vai entender como tem sido a condição de vida dos brasileiros com 60+. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 16 CAPÍTULO 2 O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E SEUS REFLEXOS EPIDEMIOLÓGICOS E SOCIAIS Título: Encontro de gerações Fonte: Foto de Philippe Leone na Unsplash 2.1 Introdução Para iniciar este capítulo, vamos definir o que é epidemiologia e sua importância, quando falamos de envelhecimento. Segundo o dicionário de Oxford: “ramo da medicina que estuda os diferentes fatores que intervêm na difusão e propagação de doenças, sua frequência, seu modo de distribuição, sua evolução e a colocação dos meios necessários à sua prevenção”. Entender os impactos epidemiológicos do envelhecimento não é encarar a velhice como doença, porém é entender como o corpo envelhece e preveni-lo de doenças prováveis, garantindo que a sociedade como um todo tenha qualidade de vida. Como GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 17 também precisamos entender os reflexos sociais que ocorrem nos indivíduos idosos e suas famílias. Assim, quanto mais a população envelhece, causada pela queda da taxa de mortalidade, mais muda o estilo de vida dos indivíduos, de suas famílias e da sociedade de forma geral. O aumento da longevidade é fruto de políticas públicas, incentivos promovidos pela sociedade e pelo progresso tecnológico. Um ponto desafiador, por consequência, é a transferência de recursos, desafiando o Estado, os setores produtivos e as famílias. Não podemos esquecer que as aposentadorias são essenciais na renda dos idosos, e ganha mais relevância conforme o avanço da idade. Por essa razão, o pagamento dos benefícios previdenciários pelo Estado determina o grau de dependência dos idosos. Precisamos ter em mente também que há uma quantidade grande de famílias que dependem da pensão dos idosos para compor a renda familiar. Portanto, quando o Estado interfere nas aposentadorias, não afeta somente ao idoso, mas também, a inúmeros rendimentos familiares. A Dr.ª Ana Amélia Camarano em seu relatório “Envelhecimento da População Brasileira: uma Contribuição Demográfica”, publicado pelo Ipea (2002), expõe que muitos trabalhos acadêmicos ou relatórios produzidos apresentam o envelhecimento como perspectiva de gastos sociais para o Estado. Alardeando, muitas vezes, desastres, caso as contribuições ou impostos não aumentarem, ou o valor dos benefícios sociais não se reduzirem, ou até mesmo a idade mínima para aposentadoria não aumentar. Uma preocupação que ela chama de “puramente contábil” e “politicamente ‘neutra’”. O que a autora aponta é que, no contraponto, os benefícios previdenciários foram criados como forma de gerir riscos sociais, e não se tornar uma fonte de geração de outros riscos. O que deveria estar em relevância é “a qualidade de vida e o bem-estar coletivo”, destaca. Então, nos cabe refletir algumas questões: • Existe associação entre envelhecimento populacional e dependência familiar? Esta relação é dinâmica? • Há relação entre a queda da mortalidade e as melhorias nas condições de vida por causa de uma tecnologia médica mais avançada? • Há uma relação entre a universalização da seguridade social e as mudanças tecnológicas? Portanto, consideramos três aspectos da vida do idoso, como: dependência e família, saúde e mortalidade, e proteção social. Vamos ver a seguir cada tema abordado. 2.2 Dependência e família Convenciona-se que a partir de uma determinada idade, uma pessoa consome mais do que produz, o que associa o envelhecimento à dependência. Todas as pessoas acima de 60 anos são consideradas idosas, e esse segmento tem um intervalo etário de dois GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 18 grupos: os idosos jovens e os mais idosos. Com isso, associam-se às consequências biológicas, aparência física, desengajamento da vida social e os novos papéis sociais, como o de avós, por exemplo. Atualmente, as relações intergeracionais são encaradas de uma maneira bidirecional, devido, principalmente, às frequentes crises econômicas no Brasil, que as pessoas mais jovens têm enfrentado, causando uma mútua dependência entre os membros da família. Quando mencionamos estudos sobre famílias, é interessante observar como os papéis se definem entre seus membros. Os recursos familiares não são determinados exclusivamente pelas oportunidades do mercado de trabalho, o ciclo da vida familiar também determina quais membros vão para o trabalho e quais ficarão cuidando dos demais membros. Como vimos no capítulo anterior, em 2020, atingiu-se o número de 29,9 milhões de pessoas idosas, o que representa 14% da população total. Mas como se faz a configuração familiar com pessoas idosas? Qual é o perfil que obtemos? Na tabela abaixo, observamos isso com mais detalhes. * (em %) SEM IDOSOS COM IDOSOS Nucleares Extensas Pess. Sozi. Total Nucleares Extensas Pess. Sozi. TotalSem filhos Com filhos Sem filhos Com filhos Sem filhos Com filhos Sem filhos Com filhos Total de Famílias 9,2 74,2 3,6 6,8 6,2 100,0 18,5 33,7 14,0 18,9 14,9 100,0 Proporção de chefes homens 95,0 77,9 58,8 65,7 61,9 76,9 96,0 68,8 52,2 63,4 30,4 64,8 Proporção de chefes mulheres 5,0 22,1 41,2 34,3 38,1 23,1 4,0 31,2 47,8 36,6 69,6 35,2 Tamanho médio da família 2,0 4,0 2,8 5,1 1,0 3,7 2,0 3,4 2,8 4,8 1,0 3,0 Número médio de filhos 0,0 2,2 0,0 2,1 0,0 1,8 0,0 1,8 0,0 1,9 0,0 1,0 Número médio de pessoas que traba- lham 1,4 1,7 1,8 2,2 0,8 1,6 0,7 1,7 1,0 2,0 0,2 1,2 Idade média do chefe 36,5 38,7 36,2 41,6 40,4 38,7 68,8 67,4 63,1 56,8 71,5 65,7 Proporção da renda familiar que depen- de do chefe 76,6 76,5 64,9 61,2 100,0 76,5 73,9 56,1 65,4 50,5 100,0 66,3 Proporção da renda familiar que depen- de do cônjuge 23,4 16,7 18,7 17,2 100,0 17,6 26,1 15,2 23,6 14,7 100,0 19,5 Proporção de famílias Indigentes 6,0 22,6 13,6 21,2 6,9 21,2 1,4 9,3 9,5 12,6 2,2 9,0 Pobres 12,1 21,2 15,1 22,3 5,0 20,4 11,3 18,4 22,5 24,0 1,8 18,9 Outras 81,9 56,1 71,3 56,5 88,1 58,5 87,3 72,3 68,0 63,4 96,0 72,1 Proporção de famílias com chefes homens Indigentes 6,1 17,6 7,4 15,4 7,4 15,4 1,4 8,6 5,5 10,0 3,5 6,2 Pobres 12,3 20,113,5 20,8 5,3 18,3 11,2 17,4 19,1 23,2 2,6 15,9 Outras 81,6 62,3 79,1 63,8 87,4 66,3 87,4 74,0 75,4 66,8 93,8 78,0 Proporção de famílias com chefes mulheres Indigentes 4,3 28,8 11,0 19,3 6,3 23,9 1,7 3,1 6,2 9,7 1,6 4,5 Pobres 7,4 21,2 16,0 22,9 4,5 19,0 13,9 17,3 25,5 23,4 1,4 15,2 Outras 88,2 50,0 72,9 57,8 89,3 57,0 84,4 79,6 68,3 66,9 97,0 80,3 Tabela 1 – Algumas características das famílias brasileiras, segundo a presença de idosos – 1998 Fonte: IBGE, PNAD de 1998 GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 19 A tabela acima, mesmo que de 1998, aponta para alguns arranjos familiares que precisamos destacar. A primeira informação interessante é que 74,2% das famílias sem idosos são de casais com filhos. Já as famílias com idosos de casais com filhos foram 33,7%. Quando vimos o grupo de famílias idosas com filhos, as famílias extensas, a porcentagem sobe para 52,6%. Nas famílias com idosos, a proporção de casais sem filhos é alta (18,5% entre as nucleares e 14% entre as extensas). Nas famílias unipessoais com idosos, predomina-se mulheres, e nas sem idosos, homens. O relatório “Idosos e Família no Brasil” da Secretaria Nacional da Família, de 2021, nos apresenta um cenário em que a porcentagem de idosos que são responsáveis financeiramente pelas suas famílias passou de 5,88% em 2001 para 9,2% em 2015. Quanto maior a idade do idoso, menor é a taxa de chefia familiar. Porém, contrastando com o gráfico a seguir, vale a pena fazer uma observação: o IBGE considera a Razão de Dependência: “Razão entre o segmento etário da população definido como economicamente dependente (os menores de 15 anos de idade e os de 60 e mais anos de idade) e o segmento etário potencialmente produtivo (entre 15 e 59 anos de idade), na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. A razão de dependência pode ser calculada, separadamente, para as duas faixas etárias identificadas como população dependente”. (IBGE) Por essa razão, o gráfico abaixo não contempla a relação de dependência bidirecional que mencionamos no início do capítulo, pois o idoso pode ser o proveniente financeiro ou ainda estar trabalhando enquanto os mais jovens estudam ou ficam desempregados. O gráfico abaixo contempla a premissa de que pessoas acima de 60 anos consomem mais do que produzem, tornando-se assim dependentes dos que produzem mais que consomem. Gráfico 1 – Razão de dependência (idosos com 60+ anos), Brasil – 1940 / 2050 Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 20 Porém, em 2018, das 71,3 milhões de residências brasileiras, 33,9% eram resididas por pelo menos um idoso. Nesse recorte, o número de moradores era de 62,5 milhões, os quais 30,1 milhões eram pessoas não idosas; e destes, 16,6 milhões não trabalhavam. A contribuição do idoso na renda dessas famílias era de 69,8%, e 56,3% vinha de pensões ou aposentadoria. Dessa forma, o contraponto da tabela com o gráfico é que, ao contrário do aumento da razão de dependência, os dados sugerem uma inversão de direção. As famílias brasileiras com idosos apresentam melhores condições econômicas que as demais. Assim, os benefícios previdenciários funcionam como um seguro de renda familiar ou até, em muitos casos, a única renda das famílias. 2.3 Saúde e Mortalidade Segundo o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro passou de 45,5 anos em 1940 para 76,6 anos em 2019; e houve um aumento de 3 meses em relação a 2018 (76,3 anos). Para homens, a expectativa é de 73,1 anos e mulheres de 80,1 anos. O relatório “Idosos e Família no Brasil” da Secretaria Nacional da Família de 2021 alega que o aumento da expectativa de vida é devido aos avanços da medicina, às melhores condições de vida, à ampliação do acesso aos serviços médicos, à ampliação da cobertura de saneamento básico, ao aumento de escolaridade, ao aumento de renda, etc. Vamos debater mais sobre isso. Em um estudo de Waldvogel e Silva (2000) sobre acidentes de trabalho entre a população idosa no Estado de São Paulo, é interessante observar o número crescente de idosos na produção econômica e, por conta disso, estarem submetidos ao risco de acidentes de trabalho. Estas mortes por acidentes de trabalho são classificadas como óbitos por causas externas. Através do banco de dados do Departamento de Informática do SUS, um estudo aponta que as taxas de incidência de acidentes de trabalho típico, de trajeto e de mortalidade de idosos no Brasil, no período de 2008 a 2010, são de 90,51 para homens e 58,71 para mulheres. O risco maior entre os homens é de acidente de trabalho típico, isso indica que as medidas preventivas das empresas não têm sido suficientes. A morte por causa externa, até então, não tinha um papel importante na população idosa. Contudo, o peso desse tipo de óbito tem aumentado, muito por causa da redução do peso dos óbitos por doenças do aparelho circulatório e também pela melhoria das GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 21 condições de saúde, o que acaba levando a um rejuvenescimento da população idosa. Vamos ver na tabela abaixo a proporção de óbitos entre os anos 2000, 2009 e 2019. Tabela 2 – Proporção de óbitos segundo características demográficas. Brasil 2000, 2009 e 2019 Fonte: SIM Podemos observar que a mortalidade entre as faixas etárias tem aumentado para a de 80 a mais, e diminuído nas demais. Ou seja, apontando realmente o envelhecimento da população brasileira. Mas podemos destacar outras informações importantes desse gráfico. Mais de 31,7% de idosos pretos e pardos, em 2019, vieram a óbito antes de 69 anos. Já para outras raças/cores a porcentagem se faz em torno de 20%. Para idosos brancos, mais de 47,9% faleceram com mais de 80 anos. Para esta faixa etária, os pretos e pardos não alcançaram 40%. Enquanto nas regiões Sudeste e Sul há uma queda nos óbitos, nas outras regiões há um aumento. Esses dados nos fazem refletir sobre as condições de vida que idosos pretos e pardos, ou das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm enfrentado durante os 19 anos contemplados nesta tabela. Enquanto alguns têm esperança de vida para além de 80 anos, outros só alcançam até 69 anos. Ou pensar o que tem ocasionado o aumento de óbitos na população idosa em algumas regiões e em outras a diminuição. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 22 Isso aponta a desigualdade social do país por raça/cor, e regiões mais ricas e mais empobrecidas. Na tabela abaixo, vemos as causas de óbitos pelo mesmo período, levando em consideração a diferença de gênero. Tabela 3 – Distribuição proporcional das causas básicas de morte em idosos, segundo capítulos da CID 10, por ano, Brasil Fonte: SIM Dividimos essas causas por raça/cor, observamos que, enquanto aumenta o número de óbitos por neoplasia em idosos brancos e amarelos, esse número cai drasticamente entre a população de idosos preta e parda. Entretanto, a principal causa de óbito, seja entre homens e mulheres e entre todas as raças/cores, é doenças do aparelho circulatório. ANOTE ISSO A gerontologia é o estudo sobre as questões multidimensionais do envelhecimento e da velhice pelos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Portanto, podemos dizer, por exemplo, que a geriatria é a especialidade médica dentro da gerontologia. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 23 Assim, refletimos a qualidade de vida e a saúde da população idosa brasileira. Quando vemos os dados de mortalidade por doenças crônicas, por exemplo, antes que as doenças alcancem o final da vida, elas são uma ameaça à autonomia e à independência do idoso. Em 1984, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já estimava que das 75% pessoas que vivem até os 70 anos de idade, 33% deles seriam portadoras de doenças crônicase 20% teriam algum grau de incapacidade associada. Isso pode provocar um aumento na prestação de serviços de saúde pública, acarretando um aumento de custos. Porém, o que se espera do aumento na expectativa de vida é que a morbidade em todas as faixas etárias se comprima, trazendo uma qualidade de vida melhor e mais longa para um maior número de idosos. ANOTE ISSO No capítulo seguinte, vamos aprofundar sobre a saúde do idoso, por enquanto nos ateremos aos impactos sociais da qualidade de vida do envelhecimento. Precisamos levar em consideração que não existe uma velhice, mas velhices em que cada grupo de indivíduos envelhece de forma diferente. Conforme o gráfico abaixo, em que as condições socioeconômicas, culturais e ambientais influenciam na qualidade de vida da pessoa. Gráfico 2 – Determinantes sociais de saúde Fonte: Adaptado RENAST GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 24 O maior determinante social de qualidade de vida do envelhecimento no Brasil é a educação. O que as pesquisas recentes apontam é que pessoas com níveis mais elevados de escolaridade ao longo da vida chegam melhor à velhice. Uma das razões sobre essa relação é que a maior escolaridade indica, indiretamente, uma maior renda, contribuindo para o acesso a melhores empregos e condições de trabalho. A desigualdade social acaba interferindo na manutenção de hábitos saudáveis, como atividades físicas, o que contribui para uma melhor condição física e cognitiva na velhice. O fato de ter uma doença crônica não transforma a pessoa em doente, o indicador principal de condição de saúde de pessoas idosas é sua capacidade funcional, de acordo com a OMS. Promover a equidade de saúde entre a população traz oportunidades do alcance total de qualidade de vida, mas o que a realidade nos mostra, conforme já vimos, é que há distinções de raça/cor e gênero. Portanto, as ações e as políticas públicas são importantes para garantir o acesso ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme o artigo 5º da Constituição. “O SUS, assim como a maioria dos sistemas de saúde pública no mundo, foi concebido em uma lógica que historicamente privilegiou a assistência materno-infantil. Agora, que há menos gente nascendo e mais gente idosa, com um aumento das doenças associadas ao envelhecimento, e das doenças crônicas degenerativas, você precisa reorganizar o sistema para dar conta dessas situações.” (Daniel Groisman, professor- pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/Fiocruz). 2.4 Proteção Social Para abordarmos este assunto, importa trazer o marco da Constituição Federal de 1988. Antes da Constituição de 1988, a proteção social não era entendida como parte da cidadania nos aspectos da universalidade, como uma condição inerente ao indivíduo. A Constituição Federal de 1988 não criou a proteção social. Esta já existia anteriormente, como podemos ver abaixo. No ano de 1923, tivemos na história do Brasil a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP). Esta visava garantir a pensão em caso de algum acidente ou afastamento do trabalho por doença, e uma futura aposentadoria. No ano de 1932, tivemos a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). As CAPs são substituídas pelos IAPs, que eram autarquias de nível nacional centralizadas no governo federal. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 25 Por ocasião do governo militar em 1965, tivemos a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), fruto de uma comissão criada em 1964, com vistas a reformular o sistema previdenciário. O INPS é o resultado da fusão de todos os IAPs. No ano de 1942, foi criada a LBA, a Legião Brasileira de Assistência, órgão público que fazia a gestão da assistência social, uma benevolência, prestada pelo trabalho voluntário das primeiras-damas de todo o Brasil, em especial para os soldados enviados à Segunda Guerra Mundial. Ainda falando sobre os sistemas de proteção nestes anos, podemos destacar a criação, em 1977, do SINPAS e do INAMPS, o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social e Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (órgão governamental prestador da assistência médica). Neste sentido, o sistema de proteção social estava vinculado à condição das pessoas, através de dois caminhos. Pela sua condição de trabalho (previdência e saúde) ou pela sua extrema vulnerabilidade social (assistência como benevolência). No que tange ao reconhecimento de sua cidadania pela condição de trabalho, chamada de cidadania regulada, o indivíduo era considerado cidadão se fosse um trabalhador formal. Nesta condição, o indivíduo acessava a previdência social e a saúde como direito, porque contribui com estas. Em relação ao reconhecimento da cidadania pela condição de vulnerabilidade social, chamada de cidadania invertida, o indivíduo era considerado cidadão se provasse que fracassou como trabalhador, em relação ao seu sustento e sustento de sua família, expondo ao Estado sua extrema condição de pobreza, para dele receber assistência social. Nesta condição, o indivíduo acessava os serviços de uma rede assistencial, não porque contribui com o sistema, mas porque “estar fora” do mercado de trabalho formal impacta o sistema econômico. Assim, a Constituição de 1988 inaugura outra concepção de Seguridade Social, com base na cidadania de todos, e acesso aos direitos de forma universalizada. É estabelecida, a partir desta constituição a seguridade social como um completo sistema de proteção social, que tem, dentro de seu guarda-chuva, 3 sistemas que asseguram direitos de forma universalizada. Este tripé abrange direitos relativos à Saúde, à Previdência Social e à Assistência Social. Vale destacar, como vimos, que antes da Constituição de 1988 a Previdência e Saúde estavam relacionadas à capacidade contributiva do trabalhador formal e que a Assistência nada mais era que uma benesse estatal à extrema condição de pobreza. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 26 Inaugura-se uma Seguridade Social, não mais sob a perspectiva da cidadania regulada ou invertida, mas que considera todos e todas cidadãos. Quanto à Previdência Social, esta mantém seu caráter contributivo, retributivo e compulsório. Ou seja, se destina a quem com ela contribuir. Tem, como fim, assegurar aos seus beneficiários/contribuintes meios indispensáveis à subsistência em decorrência de incapacidade, envelhecimento, tempo de contribuição, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. No que tange à Assistência Social, esta tem a característica não contributiva, e é um direito e não uma benesse, uma política de proteção, a quem dela necessitar. Ela também operacionaliza a LOAS, como veremos a seguir. Como podemos perceber, a proteção social veio decorrendo deste modelo, originada nas caixas/institutos de aposentadoria e pensão, relacionados ao trabalho formal, através das contribuições do trabalhador, ligadas ao primeiro damismo, mas ficou ligada ao trabalho voluntário, com marcação contundente da caridade e benevolência. A previdência, a saúde e a assistência se tornaram um completo e complexo sistema de proteção social. Título: Tripé da Seguridade Social Fonte: Adaptado de ssvpbrasil.org Neste sistema de proteção social, importa fazer menção também à LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social, de 1993. Esta tem seu papel fundamental em desenhar a Assistência Social. Neste sentido, destacamos aqui o Benefício de Prestação Continuada. Este é um benefício assistencial, pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no valor de 01 (um) salário mínimo mensal concedido ao cidadão que comprovar ter uma deficiência de longo prazo que o impeça de trabalhar e manter a si mesmo e a sua família, ou um idoso, que nuncacontribuiu para a Previdência Social. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 27 O cidadão, para requerer este benefício, através do CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, precisa atender às seguintes condições: renda familiar não superior a 1/4 do salário mínimo em vigor por pessoa (incluindo o próprio requerente), não estar recebendo outro tipo de benefício, ter nacionalidade brasileira – nato ou naturalizado ou indígena, ter endereço de residência fixa no país. A LOAS traz um novo marco e deixa claro que a Assistência Social é direito do cidadão e dever do Estado. Uma política de seguridade social não contributiva, que deve prover os mínimos sociais, articulada a uma perspectiva intersetorial, para garantir o atendimento às necessidades básicas, previstas na Constituição. Por fim, cabe destacar que, diante de tantos avanços tanto dos estudos demográficos, quanto das conquistas relacionadas ao envelhecimento, não poderíamos deixar de destacar a grande inovação da Constituição de 1988, e a nova perspectiva sobre a Seguridade Social, assim como as conquistas que dela decorreram, como o Plano Nacional do Idoso e o Estatuto da Pessoa Idosa, que veremos nos demais capítulo. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 28 CAPÍTULO 3 ASPECTOS BIOLÓGICOS, PSICOLÓGICOS E SOCIAIS DO ENVELHECIMENTO Título: Quinta com Fogão, do pintor Karl Pärsimägi Fonte: Domínio público e Licença da Unsplash 3.1 Introdução Fomos construindo nos primeiros capítulos a trajetória do envelhecimento da população brasileira, como o Estado tem lidado com o bônus demográfico e os impactos socioeconômicos do envelhecimento da população. Então, para começar este capítulo, vamos tratar de uma curiosidade: você sabia que, em 1º de janeiro de 2022, 34 milhões de brasileiros poderiam ser considerados doentes só por serem idosos? GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 29 A OMS (Organização Mundial de Saúde) recebeu em junho de 2019 uma proposta para categorizar a velhice como doença. O debate ganhou fôlego após o falecimento do Príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth, rainha da Inglaterra na ocasião, em abril de 2021, que teve em seu obituário o motivo do falecimento por “morte por idade avançada”. Nessa época, o príncipe havia sido internado por problemas cardíacos, o que poderia ter sido o motivo da morte. A proposta sugeria alterar o termo “senilidade” (código R54) na CID 10 por “velhice (código MG2A) na CID 11 no capítulo 21”. Isso fomentou um profundo debate por movimentos sociais e científicos em diversos países, que já tinham restrições quanto ao próprio termo “senilidade”. O CNS (Conselho Nacional de Saúde) se manifestou sobre o assunto em nota para OMS: “[...] Considerando que entender e associar a velhice enquanto doença implica em desrespeito à dignidade da pessoa idosa, o que afronta os princípios fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e o Estatuto do Idoso. [...] Considerando o risco da inclusão da velhice na CID-11 como um código, de modo a associá-la a doença, e desta forma mascarar problemas de saúde reais para a pessoa idosa, aumentar o preconceito e o estigma às mesmas, interferindo no tratamento e pesquisa de enfermidades e na coleta de dados epidemiológicos.”. Com tamanha pressão, a OMS recuou e substituiu o termo para “envelhecimento associado ao declínio da capacidade intrínseca” que, segundo Cristina Hoffmann, representante da Coordenação de Saúde do Idoso do Ministério da Saúde, em uma live, menciona que “no futuro pode haver um termo que faça referência à fragilidade do idoso, que é o que nós achamos mais adequado, e que pode vir acompanhado de uma breve descrição [na CID]”. Segundo a SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), a Capacidade Intrínseca pode ser medida por cinco domínios-chave fundamentais para o sucesso do envelhecimento: locomoção, vitalidade (energia e equilíbrio), cognitivo, psicológico e sensorial (visão e audição). Pois, cada indivíduo envelhece de maneira diferente e em ritmo diferente, sendo influenciado pelo ambiente, condição financeira e educacional. Como já vimos, 75% das mortes acontecem por doenças crônicas e, dessas, 70% acometem pessoas idosas. Então, para Vânia Lúcia Leite, representante de usuários no CNS, “é preciso dar (mais) destaque ao tratamento e à prevenção de doenças que acometem pessoas acima dos 60 anos, adotando políticas públicas que levem em consideração o rápido envelhecimento da população”. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 30 ISTO ESTÁ NA REDE Leia a matéria: https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/52800 Então, neste capítulo, vamos entender os principais impactos biológicos, psicológicos e sociais que usualmente acometem as pessoas idosas. 3.2 Aspectos biológicos, psicológicos e sociais Envelhecimento é um processo natural e biológico, e acomete todo ser vivo – é um processo que chamamos de senescência. A SBGG classifica a senescência como “alterações pelas quais o corpo passa e que são decorrentes de processos fisiológicos, que não caracterizam doenças e são comuns a todos os elementos da mesma espécie”. Exemplo: o embranquecimento dos cabelos, o surgimento de rugas pela perda de flexibilidade da pele, etc. Para termos como definição, segundo a OMS, uma pessoa é considerada idosa quando alcança 60 anos ou mais. No Brasil, o mesmo entendimento é instituído na Política Nacional do Idoso (Lei Federal 8.842 de 1994) e no Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 2003). Então, pensar na senescência é pensar na saúde para pessoas acima de 60 anos. A Organização Pan-Americana da Saúde produziu em 2012 um conteúdo importante de como cuidar da saúde de pessoas idosas. E, para iniciar, vamos entender o que é saúde e como podemos classificar um indivíduo idoso como saudável. Saúde é a capacidade de um indivíduo de realização das aspirações e da satisfação das necessidades. Ou seja, uma pessoa saudável, mesmo que tenha alguma doença, é capaz de gerir a própria vida sozinha de maneira independente e autônoma; veja o quadro abaixo. “Bem-estar e funcionalidade são equivalentes. Representam a presença de autonomia (capacidade individual de decisão e comando sobre as ações, estabelecendo e seguindo as próprias regras) e independência (capacidade de realizar algo com os próprios meios), permitindo que o indivíduo cuide de si e de sua vida.”. https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/52800 GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 31 Gráfico 1 – Funcionalidade Global Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012 ANOTE ISSO Cognição: é a capacidade mental de compreender e resolver os problemas do cotidiano. Humor: é a motivação necessária para atividades e/ou participação social. Inclui, também, outras funções mentais como o nível de consciência, a senso-percepção e o pensamento. Mobilidade: é a capacidade individual de deslocamento e de manipulação do meio onde o indivíduo está inserido. Depende da capacidade de alcance/ preensão/ pinça (membros superiores), postura/marcha/transferência (membros inferiores), capacidade aeróbica e continência esfincteriana. Comunicação: é a capacidade de estabelecer um relacionamento produtivo com o meio, trocar informações, manifestar desejos, ideias, sentimentos; e está intimamente relacionada à habilidade de se comunicar. Depende da visão, audição, fala, voz e motricidade orofacial. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 32 As atividades de vida diária básicas são fundamentais para a autopreservação e sobrevivência do indivíduo, e referem-se às tarefas do cotidiano necessárias para o cuidado com o corpo, como tomar banho, vestir-se, higiene pessoal (uso do banheiro), transferência, continência esfincterianae alimentar-se sozinho. As atividades como banhar-se, vestir-se e uso do banheiro são funções influenciadas pela cultura e aprendizado, portanto, mais complexas. Atividades como transferência, continência e alimentar-se são funções vegetativas simples, portanto, mais difíceis de serem perdidas. Esse caráter hierárquico das tarefas é extremamente útil, capaz de traduzir a gravidade do processo de fragilização do indivíduo. Assim, o declínio funcional inicia-se por tarefas mais complexas, como banhar-se, e progride hierarquicamente até chegar ao nível de dependência completa, quando o paciente necessita de ajuda até para alimentar-se. Então, o declínio funcional é classificado de acordo com a gravidade nas atividades de vida diária (AVDs) básicas: • Independência: realiza de maneira independente todas as atividades básicas da vida diária. • Semidependência: é o comprometimento de, pelo menos, uma das funções influenciadas pela cultura e aprendizado, como tomar banho e/ou vestir-se e/ ou usar o banheiro. • Dependência incompleta: é o comprometimento de uma das funções vegetativas simples, como a transferência e/ou a continência, além de, por conseguinte, ser dependente para tomar banho, vestir-se e usar o banheiro. A incontinência urinária, de forma isolada, não deve ser considerada, porque é uma função e não uma atividade. • Dependência completa: é o comprometimento de todas as AVD, inclusive o da alimentação. É o grau máximo de dependência funcional. As atividades de vida diária (AVD) são divididas em 3 categorias: • Atividades relacionadas ao autocuidado – referem-se às tarefas necessárias para o cuidado com corpo ou autopreservação – atividades de vida diária BÁSICAS. • Atividades relacionadas ao domicílio – referem-se às tarefas necessárias para o cuidado com o domicílio ou atividades domésticas – atividades de vida diária INSTRUMENTAIS. • Atividades relacionadas à integração social – referem-se às atividades produtivas, recreativas e sociais – atividades de vida diária AVANÇADAS. Diante disso, no quadro sobre funcionalidade, veja as grandes síndromes geriátricas relacionadas às AVDs. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 33 Gráfico 2 – Autonomia e Independência Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012 As incapacidades são a principal causa precursora de mortalidade, hospitalização e institucionalização de idosos. Dessa forma, as incapacidades precisam ser identificadas e manejadas prontamente para se evitar a iatrogenia. A polipatologia, poli-incapacidades e polifarmácia são muito comuns para os idosos e um dos principais fatores de risco para a iatrogenia. Precisamos ter em mente que “o idoso não é um adulto de cabelos brancos”. O cuidado com a saúde do idoso é diferente do adulto, já que este, de maneira geral, tem um fator de risco somente. ANOTE ISSO ALINHAMENTO DE VOCABULÁRIO Latrogenia: qualquer alteração patológica provocada no paciente pela má prática médica. Polipatologia: presença de duas ou mais comorbidades não infecciosas, como doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes mellitus, fraturas ósseas, insuficiência renal, etc. Poli-incapacidades: incapacidade funcional, resultante das grandes síndromes geriátricas de forma associada. Polifarmácia: é o uso concomitante de quatro ou mais medicamentos (com ou sem prescrição médica). GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 34 Um comitê de especialistas em 2001 organizou o ACOVE (Assessing Care of Vulnerable Elders), um conjunto de Indicadores de Qualidade (IQ) para a saúde do idoso. Para isso, foram identificadas 26 condições ou áreas de atuação essenciais: Demência Depressão Diabetes mellitus Hipertensão arterial sistêmica Doença arterial coronariana Insuficiência cardíaca (ICC) Acidente vascular encefálico/ fibrilação atrial Subnutrição Osteoartrite Osteoporose Pneumonia/influenza Úlcera por pressão Quedas e instabilidade postural Incontinência urinária Déficit visual Déficit auditivo Dor crônica DPOC Câncer colorretal Câncer de mama Distúrbios do sono Hiperplasia prostática benigna Estratégias de prevenção Manejo de medicamentos Cuidado hospitalar Cuidado paliativo Em cima das 26 condições, elaborou-se 392 indicadores de qualidade (IQ), que são avaliados de acordo com: • Condição (SE): identifica a condição ou área de inclusão; • Processo/intervenção (ENTÃO): indica o processo ou intervenção que deverá ser realizado ou não; • Justificativa (PORQUE): refere-se ao impacto esperado caso o indicador de qualidade seja implementado. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 35 Gráfico 3 - Condições clínicas prioritárias – ACOVE-3 Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012 Essa avaliação deveria ser aplicada rotineiramente como atenção à saúde do idoso. Infelizmente, a utilização dos indicadores de qualidade ainda é baixa. Como foco de intervenção da geriatria e gerontologia, o declínio funcional é a principal vulnerabilidade, não importando a idade do idoso. Porém, faz-se o diagnóstico de síndrome de fragilidade, que pode ocorrer devido à presença de três ou mais critérios, como: perda de peso, fatigabilidade (exaustão), fraqueza (redução da força muscular), baixo nível de atividade física e lentidão de marcha. Entende-se que frágil é o idoso com maior risco de incapacidades, institucionalização, hospitalização e morte. Um conceito controverso, pois ocorre em cerca de 10% dos idosos, e acomete com o aumento da idade, no sexo feminino, por baixo nível socioeconômico, na presença de comorbidades (diabetes mellitus e doenças cardiovasculares, respiratórias e osteoarticulares). Baseando-se nesse conceito, valoriza-se somente a mobilidade, esquecendo-se da importância de outros determinantes da funcionalidade global, como a cognição, o humor e a comunicação. Além disso, não se leva em consideração os indicadores de mau prognóstico, como polipatologia, polifarmácia, internação hospitalar recente, idade avançada e risco psicosociofamiliar elevado (insuficiência familiar). GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 36 Como medida de planejamento de saúde, a avaliação e o reconhecimento do idoso frágil é extremamente importante. Como exemplo disso, no Reino Unido, toda pessoa acima de 75 anos é avaliada pela atenção primária de forma multidimensional. Assim, existem programas direcionados àqueles que necessitam mais do sistema de saúde ou demandam mais investimento financeiro. Dessa forma, levando em consideração a funcionalidade e a maior vulnerabilidade, o declínio funcional é o maior determinante de fragilidade, que é uma condição clínica prognóstica de risco de incapacidade, institucionalização, hospitalização e morte. Podemos determinar o declínio funcional como estabelecido ou iminente. • Declínio funcional estabelecido: comprometimento dos sistemas funcionais principais e suas incapacidades (cognitiva, instabilidade postural, imobilidade, incontinência esfincteriana e comunicativa). • Declínio funcional iminente: idosos com idade ≥ 80 anos, polipatologia (≥ 5 diagnósticos), polifarmácia (≥ 5 drogas/dia), história de internações recentes, emagrecimento significativo não intencional (≥ 4,5kg ou ≥ 5% do peso corporal total no último ano) ou risco psicosociofamiliar elevado (insuficiência familiar), são pessoas com alto risco de desenvolvimento de incapacidades. Os idosos frágeis podem ser classificados de alta complexidade, quando apresentam condições múltiplas de alta complexidade clínica, poli-incapacidades ou dúvida diagnóstica ou terapêutica. Como também, em um extremo de classificação clínico- funcional, temos os idosos robustos, que são independentes em todas as suas AVDs e apresentam condições clínicas simples, ou, em outro extremo, idosos em fase final de vida com alto grau de dependência física e baixa expectativa de sobrevida.3.3 Avaliação Multidimensional do idoso Esse é um diagnóstico que é usado para avaliar a saúde do idoso. De acordo com a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade), os requisitos avaliados são a funcionalidade e a incapacidade. A funcionalidade corresponde a todas as funções do corpo, atividades e participação social, já a incapacidade atenta para as deficiências, limitações de atividades e incapacidade de participação social. • Funções do corpo: representam o funcionamento dos sistemas fisiológicos, a perspectiva corporal da funcionalidade. Quando há uma perda de funções, acarreta em algum nível de incapacidade, ou deficiência. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 37 • Atividade: é a capacidade de execução de uma tarefa ou ação. Em outras palavras, é a perspectiva individual da funcionalidade. Se há limitação em alguma atividade, entende-se que a pessoa tem dificuldade de executar essa atividade. • Participação: é o envolvimento de um indivíduo nas situações da vida real. Ou seja, é a perspectiva social da funcionalidade. Quando uma pessoa apresenta restrições na participação social, significa que tem problemas para enfrentar situações reais da vida. Assim, o bem-estar está diretamente relacionado a todos os domínios da vida humana, como aspectos biológicos, psíquicos e sociais. Então, uma doença que compromete o aspecto biopsicossocial, depende da capacidade de adaptação da pessoa. E isso se conecta com o contexto no qual o indivíduo está inserido, como estilo de vida, fatores ambientais e pessoais, por exemplo. Entendemos como fatores ambientais os elementos que fazem parte do ambiente físico, social e cultural no qual as pessoas conduzem suas vidas. Já fatores pessoais como o estilo de vida, sexo, idade, hábitos, nível de instrução, etc. – o que acaba por serem responsáveis pelo equilíbrio psíquico do indivíduo. Vamos relembrar do gráfico que vimos no capítulo 2? Gráfico 2 – Determinantes sociais de saúde Fonte: Adaptado RENAST GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 38 Como já mencionamos, o envelhecimento ou a senescência se manifesta pelas alterações estruturais e funcionais nos sistemas fisiológicos. Exemplos: sarcopenia – redução da massa muscular; osteopenia – redução da massa óssea; redução do conteúdo de água corporal; redução da capacidade aeróbica; etc. Esses declínios não trazem, usualmente, alguma restrição na participação social, porém são caracterizados como deficiências. Assim, uma pessoa apresenta uma lentificação global no desempenho das tarefas do dia a dia (limitação das atividades). O que ocorre é que esses declínios fisiológicos afetam algumas funções que não são fundamentais para manter a homeostasia na velhice. Ou seja, o nosso organismo assume a função filogenética de manter a nossa espécie, manter a vida. Então, as funções perdidas por conta do envelhecimento não são essenciais para a manutenção da vida funcionalmente ativa e feliz. O diagnóstico multidimensional é um processo global que não só envolve o idoso, mas também suas famílias. Assim, desmistifica problemas que eram atribuídos ao envelhecimento por si só. Gráfico 4 - Diagnóstico multidimensional do idoso Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012 GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 39 DIMENSÕES A SEREM AVALIADAS INSTRUMENTOS DE AVA-LIAÇÃO FUNCIONALIDADE GLO- BAL AVD Avançada Avaliação individualizada: lazer, trabalho e interação social AVD Instrumental Escala de Lawton-Brody AVD Básica Índice de Katz SISTEMAS FUNCIONAIS PRINCIPAIS COGNIÇÃO Mini Exame do Estado Mental Lista de 10 palavras do CERAD Fluência Verbal Reconhecimento de 10 Figuras Teste do Relógio HUMOR Escala Geriátrica de Depressão MOBILIDADE Alcance, preensão e pinça Avaliação do membro superior: ombro, braço, antebraço e mão Postura, marcha e transfe- rência Timed up and go test / Get up and go test Teste de Romberg e Nudge test Equilíbrio unipodálico Capacidade aeróbica Teste de Caminhada de 6 mi- nutos Dispneia de esforço Continência esfincteriana Presença de incontinência uriná-ria ou fecal. Diário miccional COMUNICAÇÃO Visão Teste de Snellen simplificado Audição Teste do sussurro Fala, voz e motricidade orofacial Avaliação da voz, fala e deglu- tição Tabela 1 - Avaliação da funcionalidade global e sistemas funcionais principais Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012 3.4 Conclusão Vimos aqui neste capítulo um panorama geral sobre senescência e seus afetamentos fisiológicos, psicológicos e sociais. Também conseguimos entender como são realizados as avaliações e diagnósticos, que não podem levar em conta somente os impactos físicos do envelhecimento, mas também a capacidade do indivíduo de realizar AVDs e sua participação social. Reforçamos como os fatores ambientais e pessoais afetam o bem-estar do idoso e sua adaptação de vida em caso de doença. No próximo capítulo, veremos como se dá a questão de gênero no envelhecimento. Entenderemos as diferenças que vão além da biologia, que afetam principalmente a psicossocial. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 40 CAPÍTULO 4 A QUESTÃO DE GÊNERO DO ENVELHECIMENTO Título: A senhora brasileira Fonte: Foto de Tadeu Jnr na Unsplash 4.1 Introdução Como temos estudado ao longo dos capítulos sobre o envelhecimento da população brasileira, vamos destacar aqui as disparidades entre os sexos. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 41 Para começar, sob uma perspectiva mundial, as mulheres constituem a maior parte da população idosa. Em 1980, havia uma escala de 3 homens de 65 anos e mais para cada 4 mulheres, proporção essa que era mais forte em países desenvolvidos, e isso se devia a grande parte de homens mortos durante a Segunda Guerra Mundial. O que os estudos têm mostrado é que conforme a idade aumenta maior é o número de mulheres. Em 2016 no Brasil, a proporção é de 91 homens idosos para 100 mulheres idosas. A estimativa da ONU para 2040 é de 23,99 milhões de homens idosos e 30,19 milhões de mulheres. Dessa maneira, o envelhecimento acaba por ser um fenômeno feminino – processo chamado de “feminização do envelhecimento”. Para continuarmos essa reflexão, é essencial conceituarmos gênero, porque, dessa forma, conseguimos entender a sociedade em que vivemos, nos ajudando a compreender melhor como se faz a representação de homens e mulheres nas diversas sociedades. 4.2 Gênero e interseccionalidade Heleieth Saffioti faz um debate aprofundado sobre gênero. A princípio trata-se que o gênero é a construção social do masculino e do feminino. Contudo, esse conceito não demonstra as desigualdades entre homens e mulheres. Mesmo que existam leis de proteção da mulher e que garanta a igualdade entre gêneros. Por conta do processo histórico do patriarcado, há culturalmente na sociedade uma relação de subordinação da mulher ao homem. Por essa razão, as desigualdades econômicas, políticas e sociais não são causadas por diferenças biológicas. Os modelos do que é ser masculino e feminino são fruto de ideias e valores construídos socialmente. Tendo isso em mente, será que, ao invés de chamar de velhice, não devemos chamar de velhices? Título: Diversas Fonte: Foto de Meghan Holmes na Unsplash e Foto de Malcolm Lightbody na Unsplash GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 42 Pois não são as mesmas condições de envelhecimento entre homens e mulheres, negros e brancos, pobres e ricos, etc. Muitas dessas diferenças se cruzam, podendo atravessar uma pessoa idosa quanto ao gênero, raça/etnia, diferença de idade e classe social. Kimberle Crenshaw chama esses atravessamentos de interseccionalidade: “A interseccionalidade sugere que, na verdade, nem sempre lidamos com grupos distintos de pessoase sim com grupos sobrepostos.”. Para aprender bem essa ideia, Crenshaw nos traz uma ilustração do entrecruzamento de marcadores sociais. Por exemplo, duas pessoas pertencentes a um mesmo marcador social, ambas com 65 anos de idade, nunca serão iguais, porque cada uma delas será atravessada por outros marcadores diferentes, que trazem consigo vulnerabilidades distintas. Gráfico 1 – Ilustrando a interseccionalidade Fonte: Kimberle Crenshaw No gráfico apresentado, uma mulher negra, pobre e sulista enfrenta inúmeras vulnerabilidades distintas de uma mulher branca e sulista. Ambas enfrentam a determinação do papel de gênero, mas a mulher negra precisa encarar o racismo e a luta de classes, por ser pobre. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 43 ISTO ESTÁ NA REDE O e-book Marcha das Mulheres Negras produzido pela Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, se encontra disponível para download gratuito: <https://www. geledes.org.br/e-book-marcha-das-mulheres-negras/> Trazendo o marcador social gênero como tema para este capítulo, temos em mente que mesmo neste marcador, teremos diferenças por conta da diversidade de raça/ etnia, classe social, orientação sexual, identidade de gênero, etc. A mulher como tema de pesquisas e estudos só ganhou força a partir de 1970, entre academias nos EUA e Europa, assuntos como: violência, sexualidade e trabalho feminino eram o foco dos estudos. E, mais para o final do século, a participação política da mulher. No Brasil, a força de pesquisas e estudos se deu por conta dos movimentos feministas e com a Constituição de 1988. E, posteriormente, com as leis eleitorais, que garantiram 20% de vagas nos partidos para candidatura de mulheres. Contudo, não há produção científica suficiente que aborde a relação de Gênero e Terceira Idade. Isso nos chama a atenção, considerando que, só no Brasil, as mulheres atingem 51,7% da população (Censo 2022). Sabemos que a população brasileira tem envelhecido cada vez mais com o passar dos anos e que as mulheres têm predominância, um fenômeno encarado somente de perspectiva estatística/ demográfica, o que demanda pesquisas e estudos na área. A “feminização do envelhecimento” é uma implicação para a sociedade em sua complexidade, e uma demanda na qual o Estado não está preparado. Por essa razão, categorizar as velhices por suas demandas interseccionais é de grande importância (abordaremos essa temática mais profundamente no capítulo 12). Também é importante analisar o tema gênero na Terceira Idade, pois ele fica limitado a um grupo etário estanque, seja por autoridades governamentais, profissionais de saúde ou pela própria sociedade. Retomando o gráfico que temos abordado desde o capítulo 2, e que relembramos abaixo, cada marcador social determina os desafios que passamos na vida, e que impactam diretamente na nossa saúde. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 44 Gráfico 2 – Determinantes sociais de saúde Fonte: Adaptado RENAST Um idoso homem, cis, hétero, branco, e de alta classe social tem fácil acesso a médicos e a todos os cuidados para se manter sempre saudável, em comparação com uma idosa negra, cis, lésbica, moradora de uma comunidade com grande vulnerabilidade social. Muitas vezes essa senhora pode ter dificuldade em adquirir alimentação, pagar moradia, conseguir vaga para agendamento médico e passar por demora de atendimento em saúde. Comparando os dois casos, qual deles tem facilidade de se manter saudável? Que desafios esses dois idosos enfrentam, quando no Brasil predomina uma cultura patriarcal, heteronormativa, sob perspectiva eurocêntrica? Para refletir bem sobre essa questão, vamos conceituar os termos trazidos. ANOTE ISSO Patriarcado: para definir este termo, vamos usar a voz de Heleieth Saffioti – “Todavia, a sociedade estimula o homem a desenvolver seu animus, desencorajando-o a desenvolver sua anima, procedendo de maneira exatamente inversa com a mulher.”; “patriarcado, quando se trata da coletividade, apoia-se neste desequilíbrio resultante de um desenvolvimento desigual de animus e de anima e, simultaneamente, o produz.”. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 45 Heteronormatividade: “Conceito ou visão que estabelece como norma a heterossexualidade e a instituição de categorias distintas, rígidas e complementares de masculino e feminino.” (Dicionário Priberam) Eurocentrismo: “O eurocentrismo pode ser visto, dessa maneira, como o imaginário dominante do sistema do mundo moderno [...] – um conjunto de categorias e imagens de mundo, adaptável às alterações na organização do poder global, mas sempre emitido a partir de um ponto de vista do centro europeu/ocidental desse sistema.” (José Henrique Bortoluci) 4.3 Feminização do envelhecimento O Estado precisa se preparar para a complexidade da “feminização do envelhecimento”, requerendo políticas públicas próprias para atender as demandas que as diversas mulheres trazem. Um dos pontos é o fato de mulheres viverem mais do que homens, como já vimos em capítulos anteriores. Estatisticamente, elas são mais sujeitas a deficiências físicas e mentais, e têm um número proporcionalmente maior de moradias solas. Muitas moram com suas famílias e, dessas, são formadas de viúvas. Em uma sociedade patriarcal, e com altos índices de violência de gênero, a viuvez pode significar autonomia e liberdade. Precisamos levar em consideração que um grande número de famílias no Brasil é administrado somente por mulheres, consequência do abandono parental dos homens. Quando pensamos em papéis de gênero, precisamos refletir que, em um casal heteronormativo, frequentemente é a mulher que abre mão de sua carreira para cuidar dos filhos, interrompe seus estudos para se dedicar a tarefas domésticas. Então, muitas viúvas podem ser mulheres com baixa escolaridade, com baixa ou nenhuma contribuição para a previdência, e sem acesso ao emprego formal. Essas mulheres que dedicam as suas vidas nas atividades domésticas, cuidando de netos ou outros parentes podem ter sua saúde mental comprometida devido ao estresse, isolamento social e ao não reconhecimento pelo trabalho realizado. A feminização do envelhecimento é um fenômeno que acontece muito antes das mulheres alcançarem a Terceira Idade. Já podemos observar em mulheres de 40, 50 e 60 anos, enfrentando dificuldades na inserção, manutenção e progressão de suas carreiras profissionais por preconceito de gênero e idade. Dados da Felix de 2016 apontam que a formalidade do emprego de mulheres vai regredindo conforme o avanço da idade, começando a partir de 25 anos. Na faixa entre 45 e 49 anos, 28% das mulheres têm emprego formal; após 55 anos, a taxa já é em torno de 20%; e, após 60 anos, menos de 10%. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 46 Além de tudo que já temos apontado, a idade é o prejuízo dobrado, pois a aparência mais madura traz discriminação em idades mais jovens do que para os homens. Há a valorização do homem em idade avançada e do jovem, em detrimento da mulher. Não podemos perder o foco da multidimensionalidade dos marcadores, o que traz experiências particulares, conforme a raça/etnia, classe, orientação sexual e identidade. Na Finlândia foi feita uma pesquisa, partindo de 15 entrevistas individuais e 2 grupos envolvendo 12 gestores entre 30 a 60 anos. As mulheres pesquisadas se sentiram sob vigilância constante quanto a sua vestimenta, aparência e comportamento, dentro e fora do local de trabalho. Para contornar essas situações, desenvolveram estratégias de enfrentamento e autogestão. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Mulheres mais jovens são sempre consideradas maneiras de melhorar a imagem corporativa. Uma experiência que esta professora passou recentemente foi atender um cliente que precisava de um serviço de Recrutamento e Seleção para um novo estagiáriode Administração para sua recepção. O perfil que o cliente (um homem branco, hétero, cis, de classe média) solicitou foi: “ − Preciso de uma estagiária mulher, bonita e com boa aparência. E precisa ter seios fartos, assim os clientes ficam distraídos e consigo fechar negócio.”. Podemos extrair desta fala diversos absurdos! Mas destacamos dois principais, que é a objetificação da mulher e o assédio contido. Isso é um de muitos exemplos de como mulheres com mais idade, por mais que sejam extremamente competentes, não conseguem ter acesso ao emprego formal. Dessa forma, para envelhecer com sucesso, as mulheres precisam consumir produtos de beleza e procedimentos estéticos, por exemplo, para evitar o declínio e ter um certo controle do seu próprio envelhecimento. A aparência para mulheres está sempre muito vinculada à atratividade sexual, já para homens a aparência de jovem só importa se o trabalho estiver ligado ao operacional, demonstrando vitalidade. Não importa a idade, a mulher está sujeita a sofrer preconceito e discriminação em relação à sua aparência e sua sexualidade. Dados das Nações Unidas de 2012 apontam que, nos países desenvolvidos, 26% dos homens idosos e 15% das mulheres idosas compunham a força de trabalho. Já no Brasil no mesmo ano, esse número era de 44% de homens e 21% de mulheres. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 47 Como abordamos acima, muitas mulheres em idade produtiva acabavam não tendo perspectiva de trabalho por conta do cuidado com os filhos e dificuldade na inserção profissional. Já quando idosas, com os filhos atuando no mercado de trabalho, acabam se submetendo ao papel de avós e cuidado com os netos. O fator gênero é tão forte e determinante que nem mulheres em posição de cargos mais elevados conseguem enfrentar o desafio da idade. O número é somente de 37,4% de mulheres em cargos gerenciais e 3% na alta administração, em 2021. Em 2018, foi realizada uma apuração, partindo dos dados da RAIS (MTE), fazendo uma trajetória de tempo, destacando os anos de 1995, 2005, 2015 para se medir a evolução de liderança em relação ao gênero no mercado de trabalho. Sexo 1995 2005 2015 Variação (%) Abs. (%) Abs. (%) Abs. (%) Abs. (%) Masculino 104.847 67,01 52.291 70,00 82.287 63,47 -50,13 57,36 Feminino 51.619 32,99 22.411 30,00 47.360 36,53 -56,58 111,32 Total 156.466 100,00 74.702 100,00 129.647 100,00 -52,26 73,55 Tabela 1 – Trabalhadores líderes, segundo o sexo – 1995/2005/2015 Fonte: SILVA, P. de S.; RODRIGUES, F. D. M.; Queiroz, S. N. de, 2018 Desse levantamento, os pesquisadores apuraram que os líderes homens em 1995 tinham a faixa etária entre 40 e 49 anos (35,24%); em 2005, 33,74%, e pertenciam à mesma faixa etária; já em 2015, 30,97%, e pertenciam à faixa de 50 a 64 anos. Quando focamos nas mulheres líderes, a faixa etária se concentra entre 30 e 39 anos nos três períodos apurados. Levando em consideração que a apuração também traz a diferença salarial entre homens e mulheres em mesmo cargo e escolaridade. Em outro levantamento, partindo dos dados do IBGE de 2018, constatamos que, dos cargos gerenciais e executivos ocupados por mulheres, 43,4% são compostos por mulheres entre 16 e 29 anos; 39,5% entre 30 e 49 anos; 31,6% entre 50 e 59 anos; e somente 31,3% são ocupados por mulheres com 60 anos ou mais de idade. A flexibilização e o teletrabalho beneficiou os homens, visto que na divisão de papéis, o trabalho doméstico recai sobre as mulheres. O que proporciona a elas dupla ou tripla jornada. Porém, vale ressaltar que, muitas dessas mulheres trabalham de maneira informal, tendo menos flexibilidade e menos autonomia que os homens. As mulheres não são a maioria de profissionais que trabalham por conta própria como MEI (Microempreendedor Individual), segundo informação do Relatório do Sebrae de 2015. A realidade é de 52,6% de homens para 47,4% de mulheres. Lembrando que esse registro não garante condições plenas de seguridade social. GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 48 Separando por faixa etária, temos o seguinte quadro: Gráfico 2 – Distribuição de MEI por faixa etária entre 2013 e 2015 Fonte: Sebrae, 2016 Esse gráfico traduz o que dissemos acima, que quanto maior a idade, maior é a inserção da mulher no mercado sem carteira assinada. Contudo, há outras mulheres que nem conseguem ter a opção de teletrabalho por exercerem trabalhos operacionais. Muitas delas, na maioria negras, exercem trabalho como empregadas domésticas. Além disso, muitas não têm registro em carteira e ainda possuem a jornada de cuidado de filhos e organização do lar. Boa parte dessas mulheres são as provedoras e chefes das suas famílias. “Essa falta de reconhecimento do ‘trabalho’ das mulheres mais velhas torna-as menos visíveis nos debates sobre o equilíbrio entre vida profissional e pessoal”. (Vanessa Martines Cepellos) 4.4 As relações de poder Nos capítulos seguintes, veremos quais são os programas, as políticas públicas e as leis que protegem os idosos. No entanto, urge a necessidade de se pensar em políticas públicas mais específicas para mulheres, políticas públicas que beneficiem o envelhecimento das diversas mulheres brasileiras, atendendo às suas necessidades. Em uma sociedade democrática, a desigualdade social é inadmissível. “As desigualdades traduzem verdadeiras contradições, cuja superação só é possível quando a sociedade alcança outro estado, negando, de facto e de jure, o status quo”. (Heleieth Safiotti) GERONTOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL PROF.a VÂNIA QUINTÃO FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 49 A transformação das desigualdades vividas por mulheres brancas, mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres com deficiência, mulheres LBTQIAP+ etc., tem ocorrido muito pela luta de movimentos sociais, como a Constituição de 1988. Mas ainda é pouco, porque por mais que na teoria a igualdade de gênero exista, na prática não é assim. Mesmo que cheguem cada vez mais aliados às pautas, que têm unido suas vozes às mulheres, as mudanças não acontecem na mesma velocidade das demandas que têm surgido. Pois, quanto mais marcadores sociais uma pessoa é atravessada, mais ela tem dificuldade em usufruir de sua cidadania plena. A construção da sociedade brasileira se valeu das desigualdades. O capitalismo aqui desenvolvido, parte do próprio processo de colonização. Um país no século XIX agrícola, que utilizava mão de obra escravizada e exportava seus produtos para Portugal. Dessa maneira, como desassociar o capitalismo brasileiro do racismo estrutural? Como desassociar o capitalismo brasileiro de uma visão eurocêntrica? Conforme acompanhamos na História, não houve, em nenhum momento, a reparação histórica desse acontecimento devastador que foi a escravidão. Já estudamos no capítulo 1 que as ações do Estado foram inversas, com o fim da Escravidão por lei no Brasil, houve a tentativa do embraquecimento da população e o apagamento histórico- cultural dos afrodescendentes. Outro aspecto que podemos relatar que apontam as desigualdades de gênero: o próprio sistema econômico, que é pautado na diferenciação e luta de classes. Ou seja, as desigualdades sociais movimentam esse sistema. Para cada tipo de classe, há um tipo de trabalho determinado. E, se a força do trabalho é o impulsionador do sistema capitalista, é a mulher que o impulsiona nos bastidores dos espaços privados, cuidando de suas famílias. Ao longo dos séculos, o capitalismo se estabelece com uma clara divisão entre domínio público e privado. O que proporciona uma divisão de papéis e espaços. O patriarcado alimenta esse sistema, assim como o racismo estrutural, e também qualquer outra forma discriminatória mantém as engrenagens funcionando, criando formas sistemáticas de opressão – relações de poder. Com a emergência das classes, uma série de transformações acomete no gênero. Portanto, gênero “diz respeito às representações do masculino e do feminino,
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