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A SÍNDROME DE ESTOCOLMO ANTE A VIOLAÇÃO SEXUAL INFANTIL CONTINUADA POR INCESTO OU INDIFERENÇA COM FAMILIARES DE PRIMEIRO E SEGUNDO GRAU1 STOCKHOLM SYNDROME BEFORE CONTINUING CHILD SEXUAL VIOLATION BY INCEST OR INDIFFERENCE WITH FIRST AND SECOND DEGREE FAMILY Rafael Alexandre Martins2 Mônica Welchen Siqueira3 RESUMO Diante do atual prisma de violação sexual infantil diária, o presente artigo discute o aumento dos casos de violação sexual infantil, perpetrado por familiares de 1° e 2° grau, bem como, analisa a possibilidade de existência do estado de síndrome que a vítima de tais abusos pode vir a desenvolver, em razão do constante estado de abuso sofrido e indiferença apresentado por sua genitora ou responsável. É notória a relevância social do assunto e o ingresso da necessidade de políticas públicas, no sentido de conscientizar e prevenir a violência sexual infantil. Outrossim, preliminarmente, já é possível levantar que a síndrome de Estocolmo pode sim, ser diagnosticada nas vítimas que sofrem de violação sexual, em especial a violação sexual infantil, tendo em vista, a suscetibilidade do infante, a indução e a coerção psicológica do qual esse, se torna suscetível quando colocado em situações de extrema vulnerabilidade. Por fim, é sabida que, o assunto violência sexual infantil, no âmbito do seio familiar, ainda se encontra sendo amplamente negligenciado, pois, é costumeiramente ignorado ou refutado pelas famílias brasileiras, tendo até mesmo se tornado um tabu, conforme é possível verificar atualmente, normalmente quando a criança passa por esta violação, ela é refutada e se sente desamparada perante a própria família, motivo pelo qual, o debate e o estudo acerca de tal assunto é tão relevante. Palavras-chave: Criança e adolescente. Incesto Familiar. Síndrome de Estocolmo. Violência sexual infantil. ABSTRACT In view of the current prism of daily child sexual violation, this article discusses the increase in cases of child sexual violation, perpetrated by family members of the 1st and 2nd degree, as well as analyzing the possibility of the existence of the syndrome state that the victim of such abuses may develop, due to the constant state of abuse suffered and indifference shown by their mother or guardian. The social relevance of the subject and the need for public policies to raise awareness and prevent child sexual violence are well known. Furthermore, preliminarily, it is already possible to say that Stockholm syndrome can indeed be diagnosed in victims who suffer from rape, in particular child sexual rape, in view of the infant's susceptibility, the induction 1 Trabalho orientado pela Professora Me. Aline Pires de Souza Machado de Castilhos. 2 Acadêmico de direito da UNIFTEC. E-mail: rafaelnovomartins@gmail.com. 3 Acadêmica de direito da UNIFTEC. E-mail: monicawelchens@gmail.com. and psychological coercion of which this one becomes susceptible when placed in situations of extreme vulnerability. Finally, it is known that the subject sexual violence against children, within the family environment, is still being largely neglected, as it is usually ignored or refuted by Brazilian families, having even become a taboo, as it is possible to verify today. Normally when the child goes through this violation, he is refuted and feels helpless before his own family, which is why the debate and study on this subject is so relevant. Keywords: Child and adolescent. Family Incest. Stockholm syndrome. Child sexual violence. INTRODUÇÃO Ao longo dos últimos dois séculos, tivemos uma série de descobertas, mudanças e alterações que nos trouxeram e ainda nos trazem uma série de incógnitas. Um exemplo é a constante discussão que se formula acerca da evolução tecnológica e seus reflexos sociais, porém todas estas mudanças, nos “obrigam” a rediscutir a organização social e costumeira de nossa sociedade. Diante deste prisma a presente obra visa discutir as alterações psicossociologias e familiares que ocorrem em razão do abuso familiar infantil. Deste modo, o problema de pesquisa consiste em encontrar uma resposta e/ou ligação da síndrome de Estocolmo com os casos de violação sexual infantil continuada por familiares em famílias com tendências incestuosas e indiferentes, bem como, compreender os principais reflexos cognitivos na mente da vítima. O objeto a ser estudado busca compreender a violação e a indiferença psicológica e fática expressa através de atos incestuosos no âmbito familiar de 1° e 2° grau. A partir disso, trazemos como objeto geral, a compreensão dos motivadores condicionantes e estressores específicos que proporcionam a indiferença e a tendência ao abuso sexual infantil, normalmente cometido no seio familiar, buscamos ainda, desvelar a repercussão social de tais atos libidinosos quando repercutidos, bem como, a exploração do total ou parcial consentimento do ato por parte da vítima. Optou-se neste projeto pela análise de caráter qualitativo, consistente em pesquisa bibliográfica e coleta de dados a partir de artigos, livros e revistas científicas para ser utilizado como citações, realizando pesquisas na rede mundial de computadores e a pesquisa descritiva, permeada de uma análise minuciosa do presente estudo, o mesmo baseou-se na análise da bibliografia proposta no sentido de selecionar conceitos que trouxessem ao texto um melhor argumento no que se refere a crescente violação sexual incestuosa nos seios familiares brasileiros. Importa ressaltar que, ao decorrer do desenvolvimento histórico social, ocorreram mudanças drásticas quanto a caracterização do indivíduo infanto juvenil, tendo como divisor de fases, majoritariamente, o desenvolvimento do ensino pedagógico. Diante disso, torna-se notória a alusão a tal concepção histórica pois, conforme é cediço, a sociedade atual, ainda expressa muitos reflexos de seus antecessores. Assim, permanecendo, claros resquícios de seus costumes familiares, óbvio que não há de falar em igualdade social entre séculos diferentes, porém, existem condutas sociais que se mantém, a exemplo, o patriarcado4. 1 A CONSTRUÇÃO FAMILIAR E O INCESTO INTRAFAMILIAR No decorrer da evolução histórica cultural da família, é possível verificar que seus conceitos e práticas sociais eram divergentes em determinadas épocas e diferentes entre si, com fator determinante a partir da linhagem sanguínea e da classe social a qual pertenciam. No tocante especialmente as famílias reais, havia comumente, a prática do incesto como forma de continuar sua linhagem real, através da consanguinidade. Estudos recentes comprovam que tal costume proporcionou diversas deformidades faciais nas gerações reais nos séculos passados. (ANSEDE, MANUEL; 2019). Diante de tais informações, se aclara o panorama de abominação ao ato de incesto, entendimento que por si só, não inibe que tal ato ocorra dentro do seio familiar atualmente, principalmente diante das mudanças familiares e tecnológicas ocorridas, tendo sido a família, objeto de diversas discussões não somente legislativas, mas também religiosas pois, em tese, a sociedade entende a família como um ambiente de segurança, costumes e regras, porém, no que tange a essa instituição, ela não resta inviolável, tendo em vista, a atual situação criminal brasileira e as constantes mudanças tecnológicas, as quais, os pais ainda possuem dificuldades em se readequar, conforme a velocidade a qual ocorrem. Por derradeiro, se faz necessário diferenciar a violação sexual infantil do incesto familiar, conforme cita LIBÓRIO, COIMBRA, MARIA, Renata; CASTRO, DE MONTEIRO, Bernardo; 20105: Mesmo considerando que para a justiça não exista a categoria incesto como tipificada na lei, torna-se fundamental que profissionais que atuam na área social e da saúde, 4 Patriarcado é um sistema social em que homens mantêm o poder primário e predominamem funções de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades. No domínio da família, o pai mantém a autoridade sobre as mulheres e as crianças. 5 LIBÓRIO, COIMBRA, MARIA, Renata; CASTRO, DE MONTEIRO, Bernardo; ABUSO, EXPLORAÇÃO SEXUAL E PEDOFILIA: AS INTRINCADAS RELAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS E O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. 2010. Acesso em: 26/06/2022. compreendam as suas diferenças, pois suas formas de intervenção podem ser distintas, levando-se em consideração o perpetrador do abuso sexual e/ou incesto e algumas características específicas na qualidade das relações entre agressor e sujeito vitimizado. Segundo Vasconcelos (2009, p. 46) a palavra incesto deriva de incestum, cujo significado nos remete a algo impuro, sujo, não casto, cujas transformações na língua confundiram termo castus com cassus, associado com “vazio”, contribuindo para a consolidação do termo incesto com “a quem nada falta”. Eva Faleiros (2000): “Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes”, Brasília, Thesaurus. A palavra abuso deriva de abusus, cujo prefixo “ab” indica tanto privação como excesso, e “usu” associa-se ao “aproveitamento de algo, conforme seu destino” (Vasconcelos, 2009, p. 46). Em decorrência desse significado a palavra abuso, do ponto de vista jurídico, relaciona-se com aproveitar-se de alguém temporariamente ou de coisas alheias. (grifei) Ainda neste liame, é necessário frisar que, o incesto caracteriza violência sexual ou ato sexual, cometido por consanguíneo ou por pessoa socioafetiva, (Ex: padrasto/madrasta), porém, nem toda violência sexual é perpetuada sobre o prisma de incesto, pois nem sempre o abusador é parente da vítima. 2 DO PROBLEMA E DO PANORAMA ATUAL No contexto explanado anteriormente, surge, contemporaneamente, o panorama social atual, do qual, traz o abuso sexual infantil intrafamiliar, como um dos principais atos tipificados criminalmente a ser debatido na atualidade. Conforme o último censo apresentado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2022, cita que6: No ano de 2019, 53,8% desta violência era contra meninas com menos de 13 anos. Esse número sobe para 57,9% em 2020 e 58,8% em 2021. [...] Quanto à característica do criminoso, esta continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós. (grifei) O que demonstra que no decorrer dos últimos anos tivemos e ainda temos, um gravíssimo panorama nacional de violações sexuais infantis, cometidas por entes familiares ou por indivíduos com grande laço afetivo com o infante. Precisamos ainda aclarar, o que pode ser conceituado como violência sexual infantil, conforme cita Baptista PE, Santos JL, Leal ML, Gonçalves PB, Monteiro AC, Refrande SM; 20217: A Violência Sexual Infantil é toda ação que se utiliza a criança e adolescente para fins sexuais do perpetrador ou de terceiros, ou seja, essa estimulação pode ser sem toque através de fotos, pornografia, exibicionismo, assédio sexual, assim como ser realizada através de carícias, toques, sadismo, penetração ou sexo oral. Também inclui a corrupção 6 TEMER, Luciana; VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTIL, OS DADOS ESTÃO AQUI, PARA QUEM QUISER VER. 2022. Disponível em: 14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem- quiser-ver.pdf (forumseguranca.org.br). Acesso em: 14/09/2022. 7 BAPTISTA ELLEN, Princy; SANTOS LIMA DE, Juciara; LEAL LIMA, LUCAS Melina; GONÇALVES, PACHECO, SOBRINHO, BRAGA, Pâmela; MONTEIRO, MOREIRA, CLÁUDIA, Ana; REFRANDE, MARIA Sueli; ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM À CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2021. pág. 7-8. Acesso em: 26/06/2022. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf de menores, exploração sexual, o atentado violento ao pudor e o estupro. É uma experiência que é capaz de ocasionar sequelas físicas e, principalmente, psicológicas. (grifei) Deste modo, o abuso sexual contra crianças e adolescentes tem sido considerado um grave problema de saúde pública, devido aos altos índices de incidência e às sérias consequências para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima e de sua família (Gonçalves & Ferreira, 2002; Habigzang & Caminha, 2004; Osofsky, 1995). Sendo perceptível que, a violação sexual à criança e ao adolescente, majoritariamente ocorrem no seio familiar ou, também, por pessoas próximas afetivamente do infante. 3 A SÍNDROME DE ESTOCOLMO E A VIOLAÇÃO SEXUAL INFANTIL: A PARTIR DE QUAL MOMENTO, A VIOLAÇÃO SE TORNA “NECESSIDADE”? Para que possamos compreender os motivos dos quais o silêncio comumente reverbera nestes crimes, se faz imprescindível compreender o conceito da Síndrome de Estocolmo pois, conforme veremos ao decorrer do presente estudo, existe uma série de questões cognitivas que precisam ser minuciosamente analisadas quando falamos de abuso sexual infantil, principalmente, no que tange ao abuso sexual infantil intrafamiliar. Desta forma, conforme cita RIBEIRO, RODRIGUES, LETICIA, Lilian; 2017: “A Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico no qual vítimas de sequestro ou pessoas detidas contra sua vontade desenvolvem um relacionamento afetivo com seu(s) raptor(es), não necessariamente envolvendo intercurso sexual.” (grifei). Tal compreensão, passou a ser estudada a partir do assalto ao Banco em Estocolmo, neste sentido, tal fenômeno é descrito como paradoxal, pela autora MARTINES, RIZO, ESTER, Lucía8: El síndrome de Estocolmo es un término utilizado por primera vez en Suecia en 1973 por Nils Bejerot para describir un fenómeno paradójico de vinculación afectiva entre los rehenes y sus captores en el transcurso de un asalto a un banco en Estocolmo (Gordon, 2005; Wong, 2005). A partir de este hecho, ha habido muchos intentos de interpretar, caracterizar y describir este término. Las aportaciones internacionales son variadas, existiendo por un lado autores que lo cuestionan, considerándolo como una conducta no generalizada ni generalizable (Ballús, 2002) o quizá un mito (Namnyak et al., 2007), hasta autores que lo consideran como una valiosa aportación para la explicación de conductas y actitudes de víctimas hacia sus agresores (Jülich, 2005) o incluso como un término que, como teoría, ayuda a dar sentido a hechos, alentar la investigación y predecir de alguna manera el comportamiento futuro, lo cual impactará también en el descubrimiento de formas de mejorar ciertas situaciones (Graham, Rawlings y Rigsby, 1994). 8 MARTINEZ, RIZO, ESTER, Lucía. EL SÍNDROME DE ESTOCOLMO: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA. Clínica y Salud, Madrid, v. 29, n. 2, p. 81-88. 2018. Disponível em: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1130-52742018000200081&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 25/09/2022. Mesmo sendo a Síndrome de Estocolmo, conhecida no meio acadêmico e já relacionada a situações de extremo “estresse” flexionada por pequenos atos de “benevolência” por parte do agressor, tais concepções constantemente estão ligados a ações especificas, como assaltos, sequestros e cárcere privado. Porém conforme estudos, se faz, cada vez mais nítido que a síndrome de Estocolmo, pode ocorrer, em toda situação de agressão e violência que vier a cultivar, durante determinado período ou situação a flexibilidade entre violência e “compaixão, tal concepção é tão contemporânea e pouco explorada que inclusive o Supremo tribunal de federal brasileiro, citou os estudos neurológicos na ADIn 4.424, que votava sobre a natureza incondicionada ou nãoda ação penal de lesão corporal em casos de violência contra a mulher. No julgamento a ministra Carmen Lucia9 citou: O que Vossa Excelência acaba de dizer, que está na linha do que o Ministro Marco Aurélio enfatizou no seu brilhante voto, diz respeito exatamente à condição que foi estudada como “Síndrome de Estocolmo”. É o que ocorre nos sequestros nos quais o refém, num dado momento, acredita que a vida dele depende tanto do sequestrador que chega a imaginar que gosta do sequestrador... E, essa síndrome - que é estudada só para os casos de sequestro -, hoje, eu leio na neurociência, também se aplica às mulheres que sofrem, durante muito tempo. É que as pessoas que, todos os dias, foram aquebrantadas, mutiladas, enfraquecidas e que têm medo, começam a achar que a vida delas depende daqueles que, pelo menos, as deixam sobreviver! (grifei) Tal citação da ministra é importante pois, o ato que viola sexualmente a criança, principalmente quando manejada por pais e padrastos, comumente é perpetrado por vasto período, e acobertado por um implícito silêncio, adquirido através de pressões psicológicas, agressões e ameaças ou ainda perpetrado sob um prisma de constante representação da necessidade dos entes familiares acerca do sustento que o abusador traz a entidade familiar do qual a criança abusada convive. Tal situação corrobora para a concretização das características mais comuns, para a ocorrência do estado sindrômico, conforme bem cita MARTINEZ, RIZO, ESTER, Lucía:10 encontraron 4 características comunes en diferentes casos de personas que desarrollaron el síndrome: 1) cada víctima experimentó amenazas directas, 2) la víctima se mantuvo aislada, 3) tuvo la oportunidad de escapar durante el cautiverio pero no lo hizo y 4) mostró simpatía hacia sus captores posterior a la captura. 9 BRASIL, STF - ADIn 4.424 - Tribunal Pleno - j. 9/2/2012 - julgado por Marco Aurélio Mendes de Farias Mello - DJe 1/8/2014 - Área do Direito: Penal. AÇÃO PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – LESÃO CORPORAL – NATUREZA. A ação penal relativa a lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada – considerações. Acesso em: 14/09/2022. 10 MARTINEZ, RIZO, ESTER, Lucía. EL SÍNDROME DE ESTOCOLMO: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA. Clínica y Salud, Madrid, v. 29, n. 2, p. 81-88. 2018. Disponível em: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1130-52742018000200081&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 25/09/2022. Ademais, as violações sexuais infantis, ocorrem corriqueiramente no período de desenvolvimento socioafetivo da criança, muitas vezes, ocorrendo antes do desenvolvimento sexual, que ocorre por volta, da idade pré-pubertária11. Conforme bem explanado por HABIGZANG, F. Luísa; KOLLER, H. Sílvia; AZEVEDO, AZEN, Gabriela; MACHADO, XAVIER, Paula12: As crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual eram, na maioria dos casos, do sexo feminino (80,9%), enquanto apenas 19,1% das vítimas eram do sexo masculino. A idade de início dos abusos concentrou-se em três faixas etárias, sendo que 10,6% das crianças apresentavam idade entre 2 e 5 anos, 36,2% destas tinham entre 5 e 10 anos e 19,1% tinham entre 10 e 12 anos. A maioria das crianças (26,6%) frequentava o ensino fundamental no início das agressões. A idade da denúncia concentrou-se na adolescência, uma vez que 42,6% apresentavam idade entre 12 e 18 anos quando a situação abusiva foi delatada. Os demais casos foram denunciados quando a vítima tinha entre 1 e 5 anos (14,9%), 5 a 10 anos (20,2%) e 10 a 12 (22,3%). (grifo nosso) Neste prisma, levando em consideração a fase da qual a criança/adolescente se encontra, essa estará mais apta ou menos apta a desenvolver direta ou indiretamente uma espécie de Síndrome de Estocolmo para com seu abusador, que por muitas vezes será, seu pai, irmão, padrasto, ou outra pessoa consanguínea ou com forte laço afetivo com a vítima. Tal aproximação entre o abusado e sua vítima, quando ocorre na forma supracitada, tem certa facilidade para desenvolver a síndrome pois, o abusador, por muito se utiliza de “barganhas” e/ou chantagens para obter a sua vantagem sexual, tal ação, se mantida a longo prazo, pode trazer danos irreparáveis ou dificilmente reparáveis a vítima, dentre estes reflexos, se destaca a prevalência de introdução do violado a prostituição, quando este for adulto, ou o ingresso prematuro do menor no que tange o consumo de álcool e drogas. Como bem cita HABIGZANG, F. Luísa; KOLLER, H. Sílvia; AZEVEDO, AZEN, Gabriela; MACHADO, XAVIER, Paula, in verbis13: O uso de álcool e de outras drogas pelas vítimas foi outro fator mapeado. Quanto ao uso de álcool foi constatado que em 3,2% dos casos apresentavam este comportamento, enquanto em relação ao uso de outras drogas foi verificado que em 11,7% dos casos já haviam utilizado algum tipo de droga. Entre as drogas utilizadas, as mais frequentes foram loló (27,3%), maconha (27,3%) e cola (18,2%). Os problemas identificados nestes casos foram, principalmente, mentais e psicológicos (33,3%), problemas respiratórios (27,8%), problemas decorrentes de negligência com a higiene (16,7%), problemas viróticos ou bacteriológicos (11,1%), HIV (11,1%) e congênitos (11,1%). Estes resultados corroboram os estudos sobre o impacto negativo do abuso sexual para o desenvolvimento cognitivo, 11 A sexualidade pré-pubertária: Entre os 0 e os 10-12 anos. Os modelos de identificação ou imitação também surgem nesta fase, os problemas relativos ao ciúme (em que a criança não compreende nem aceita uma possível partilha das figuras de apego – a aparecimento do Complexo de Caim e Complexo de Édipo). 12 HABIGZANG, F. Luísa; KOLLER, H. Sílvia; AZEVEDO, AZEN, Gabriela; MACHADO, XAVIER, Paula. ABUSO SEXUAL INFANTIL E DINÂMICA FAMILIAR: ASPECTOS OBSERVADOS EM PROCESSOS JURÍDICOS. 2005. Acesso em: 06/08/2022. 13 HABIGZANG, F. Luísa; KOLLER, H. Sílvia; AZEVEDO, AZEN, Gabriela; MACHADO, XAVIER, Paula. ABUSO SEXUAL INFANTIL E DINÂMICA FAMILIAR: ASPECTOS OBSERVADOS EM PROCESSOS JURÍDICOS. 2005. Acesso em: 06/08/2022. afetivo e social de crianças e de adolescentes. As vítimas frequentemente desenvolvem sintomas psiquiátricos, bem como apresentam alterações comportamentais que incluem delinquência e drogadição (Cohen & cols., 2001; Edwards, Anda, Nordenberg, Felitti, Williamson & Wright, 2001; Rouyer, 1997). (grifo nosso) Neste sentido, ainda bem pontua a psicanalista SAMPAIO, Cláudia; 2019:14 A criança abusada pode ser facilmente levada à prostituição, pois, seu psiquismo atrela seu valor como sujeito unicamente ao ato sexual. Esse sujeito tem sua integridade psíquica lesada, a formação da personalidade é incompleta e possui uma autoestima rebaixada. Todos esses fatores levam à suscetibilidade para qualquer tipo de exploração. A experiência de cumplicidade e obediência ao abusador é outro elemento que a torna vulnerável à prostituição. Na maioria dos casos, na vida adulta, a mulher não consegue identificar que está sendo abusada. (grifei) Tal violação, não somente traz malefícios psicológicos, porém também sociais à vítima, tendo em vista que, em determinadas circunstâncias, caso o abuso ocorra de forma incestuosa e por um período longo, em uma comunidade de população pequena, ou caso ocorra a repercussão jornalística do abuso, a criança/adolescente não somente será violada pelo abusador, que normalmente é pessoa próxima, mas também, muitas vezes, será julgada perante a sociedade. Sendo assim, duplamente vitimizada. Os autores ainda afirmam o que é o abuso sexual e como se manifesta o ato incestuoso: Abuso sexual é qualquer relacionamento interpessoal no qual a sexualidade é veiculada sem o consentimento válido de uma das pessoas envolvidas, implicando em violência psicológica, social e/ou física. [...] Com relação ao incesto, Cohen e Gobbetti AZX (1998, p. 235-243) explicam queeste se manifesta por meio do relacionamento sexual entre indivíduos que são membros de uma mesma família (com exceção dos cônjuges). A concepção dos autores em relação à família não se caracteriza apenas pela consanguinidade ou afinidade, mas especialmente pela função social de parentesco, exercida pelas pessoas no interior do grupo familiar. (grifei) Ainda tratando a complexidade do tema, precisamos absorver o conceito da síndrome de Estocolmo e estudar a forma como a criança e o adolescente desenvolvem sua parte moral e ética, pois, caso a criança e/ou o adolescente venha a ser submetida ao abuso sexual, a resposta psicológica social desta, poderá e provavelmente irá mudar. Por este motivo, se faz tão importante a discussão acerca do tema, e a compreensão da ligação entre a síndrome de Estocolmo e a violação sexual infantil, no seio familiar. Pois, como é cediço, durante o período infanto juvenil, ocorre uma série de mudanças psicológicas, éticas, sociais e sexuais, deste modo, este período é extremamente importante para a construção e desenvolvimento da personalidade ético e moral do infante. Neste contexto, se faz imprescindível cruzarmos a conjuntura da síndrome de Estocolmo para explicar e/ou entender o motivo do porquê é tão difícil diagnosticar ou, perceber 14 SAMPAIO, Cláudia; RELAÇÃO ENTRE ABUSO SEXUAL E PROSTITUIÇÃO SOB UM OLHAR PSICANALÍTICO. 2019. Disponível em: https://www.sinpesp.com.br/post/relação-entre-abuso-sexual-e- prostituição-sob-um-olhar-psicanalítico. Acesso em: 26/06/2022. https://www.sinpesp.com.br/post/rela%C3%A7%C3%A3o-entre-abuso-sexual-e-prostitui%C3%A7%C3%A3o-sob-um-olhar-psicanal%C3%ADtico https://www.sinpesp.com.br/post/rela%C3%A7%C3%A3o-entre-abuso-sexual-e-prostitui%C3%A7%C3%A3o-sob-um-olhar-psicanal%C3%ADtico a violação sexual infantil em casos incestuosos, ou onde existe a indiferença15 familiar, referente ao abuso sofrido para com o menor. Conforme já amplamente destacado, na maioria dos casos, o abuso sexual se permeia dentro do seio familiar, tal informação, demonstra que a confidencialidade se mantém, pois, o abusador utiliza-se de mecanismos muitas vezes paternais e psicossociais, para manter a vítima sob o seu controle físico e psicológico. Tal controle, pode pôr muito a ser obtido, do indireto aproveitamento do crescimento psicossocial da criança ou adolescente violado. O problema que se encontra nesta conjuntura, é que ao cometer o ato libidinoso, seja ele carnal ou não, a criança/adolescente torna-se suscetível a uma forma de submissão, semelhante a encontrada nos indivíduos vítimas da síndrome de Estocolmo, pois, pode o infante vítima de violência sexual paternal ou familiar, substituir a sua compreensão de afeto e carinho familiar, por uma sensação de obrigação de realizar fisicamente o abusador, tendo em vista que este, pode muitas vezes “justificar” a violação como sendo a forma do infante demonstrar seu “carinho ou afeto”. Após sucessivos abusos, o infante pode, devido a sua inocência e seu estado de abalo emocional, deixar de compreender estas situações como um abuso e passar a compreender como algo costumeiro, passando assim, a ver os atos de abuso como algo necessário, tal situação pode vir a se tornar algo ainda pior, caso o abusador, Pai, Padrasto, Irmão, Tio e afins, passam a aliciar a criança ou adolescente, em troca de “benéficos, favores, e/ou mimos”, pois retiram o valor da criança e assim substituem a compreensão de abuso e a tornam acreditar ser algo GENTIL. Neste sentido, cita o autor RIBEIRO, RODRIGUES, LETICIA, Lilian; sobre o estado psicológico de síndrome16: A vítima não tem consciência da Síndrome e seu objetivo inicial é proteger a sua própria integridade. Após “se envolver” com o sequestrador/assaltante/agressor, o estado emocional e de estresse são intensos, fazendo com que a vítima acredite que qualquer gesto gentil do agressor tenha o intuito de protegê-la, o que gera facilmente o sentimento de empatia, já que, naquele momento, existe apenas a vítima e o agressor. (grifei) Neste sentido, muito bem explana HABIGZANG, F. Luísa; KOLLER, H. Sílvia; AZEVEDO, AZEN, Gabriela; MACHADO, XAVIER, Paula, in verbis 17: o abuso sexual intrafamiliar é desencadeado e mantido por uma dinâmica complexa. Tal dinâmica envolve dois aspectos que se apresentam interligados: a "Síndrome de Segredo", que está diretamente relacionada com a psicopatologia do agressor (pedofilia) que, por gerar intenso repúdio social, tende a se proteger em uma teia de segredo, mantido às custas de ameaças e barganhas à criança abusada; e a "Síndrome de Adição" 15 Ato de omissão, de desinteresse, de insensibilidade ou negligência. 16 RIBEIRO, RODRIGUES, LETICIA, Lilian; A SÍNDROME DE ESTOCOLMO E A DINÂMICA PERVERSA EM CATIVEIRO REAL E CATIVEIRO IMAGINÁRIO. 2017. Acesso em: 27/06/2022. 17 HABIGZANG, F. Luísa; KOLLER, H. Sílvia; AZEVEDO, AZEN, Gabriela; MACHADO, XAVIER, Paula. ABUSO SEXUAL INFANTIL E DINÂMICA FAMILIAR: ASPECTOS OBSERVADOS EM PROCESSOS JURÍDICOS. 2005. Acesso em: 12/08/2022. caracterizada pelo comportamento compulsivo do descontrole de impulso frente ao estímulo gerado pela criança, ou seja, o abusador, por não se controlar, usa a criança para obter excitação sexual e alívio de tensão, gerando dependência psicológica e negação da dependência (Furniss, 1993). (grifo nosso) Dentro disso, torna-se importante analisarmos que, o infante não consegue encontrar saída para proteger-se do abuso, ele conscientiza-se estar sendo visto como um objeto por alguém. “Principalmente ser esse alguém o pai, ficando o poder e a responsabilidade de manter a família unida, assumindo as funções maternas, não resistindo às exigências sexuais do abusador, buscando mecanismos para garantir a própria sobrevivência psíquica.” (RISMAN, Arnaldo; FIGUEIRA, LUCIA, Rosania; VIEIRA, MEDEIROS, Gabriela; AZEVEDO DE, TEIXEIRA, Lívia;). Os autores seguem18: Uma experiência sexual precoce causa efeitos devastadores no psiquismo infantil, impedindo o desenvolvimento tanto sexual quanto social e moral, além da imagem corporal destruída. O convívio da criança e do adolescente no seio familiar em que acontece o abuso sexual tende a resultar num comportamento de violência, o qual causou angústia, medo, ódio, ansiedade, terror e hostilidade, dificultando suas relações. O impacto do abuso sexual está relacionado com o temperamento, resposta ao nível de desenvolvimento neuropsicológico da criança e do adolescente. Os efeitos das relações familiares incestuosas são devastadores e persistentes, pois as vítimas chegam à vida adulta sem os benefícios da infância. As vítimas se culpam pela ocorrência/perpetuação do incesto e desempenham esse sentimento de culpa como um papel essencial no cotidiano, na autoidentidade e na estimativa daquilo que nos é devido nos relacionamentos. As crianças que foram vítimas de abuso sexual apresentam critérios para transtornos do estresse pós- traumático, podendo desenvolver quadros de depressão, transtorno de ansiedade, transtornos alimentares, transtornos dissociativos, personalidade borderline. A vítima perde os referenciais familiares, como instituição básica. Equipes multidisciplinares que atenderam vítimas deste tipo de violência relataram que podem reagir com intenso estado de estresse à ação, choque recuo, isolamento afetivo, mutismo, manifestações psicossomáticas, perdas de progresso escolar, irritabilidade, ideações suicidas, condutas hipersexualizadas, fugas do lar, sendo possível aparecer consequências psicológicas a curto, médio e longo prazo [...]. Pode- se observar que a consequência vinculada ao abuso sexual, compromete seriamente a saúde das crianças e adolescentes vítimas de tal abuso, tanto física como psicológica, necessitando de profissionais especializados e um tratamento adequado e de longa duração para se detectar o problema, pois quanto mais cedofor tratado, menor será a perda física ou psicológica. Diante de tal mazela, é sabido a importância da presença familiar no crescimento psíquico-social do infante. Porém, tal instituição, traz consigo, implicitamente, uma dependência pessoal19 do menor, situação que indiretamente auxilia para a formação do estado de silêncio e a indiferença e/ou ceticismo no seio familiar. Situação essa, que corrobora para a insegura e a incompreensão do menor, pois este, não tem a possibilidade de consentir com a 18 RISMAN, Arnaldo; FIGUEIRA, LUCIA, Rosania; VIEIRA, MEDEIROS, Gabriela; AZEVEDO DE, TEIXEIRA, Lívia; ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR: UM OLHAR MULTIFACETADO PARA O INCESTO. 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870- 350X2014000100006. Acesso em: 13/08/2022. 19 Carinho, afeto, atenção, educação, respeito etc. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X2014000100006 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X2014000100006 situação e se vê violado pela pessoa que deveria estar a protegê-la, assim a levando-a, a um entendimento deturpado de normalidade ou conformismo. Tal condição de normalidade e/ou conformismo, conduz o incapaz a desenvolver uma espécie de autopreservação inconsciente, que o torna suscetível a ver sua violação como algo necessário/prazeroso. Deturpando a compreensão de violação e tornando tal ato, uma manifestação de afeto ou carinho. Estes acontecimentos, naturalmente são mais comuns, na violação incestuosa quando ocorre no período em que o menor é mais dependente dos pais e ainda não desenvolveu o seu senso sexual, bem como, em situações onde a mãe e/ou outro familiar responsável pelo menor, conhece ou sabe da violação e nada faz para cessar a violência, seja direta ou indiretamente. Tal situação, pode ser ainda pior, quando a mãe ou outro familiar participa ativamente de tais atos, pois assim, corrobora para o incorreto senso de normalidade e constante violação da qual a criança está submetida. Não se está aqui a discutir o senso ético ou moral de cada indivíduo e formação familiar, mas sim, está aqui a se desenvolver uma análise acerca da situação de violação das quais muitas crianças e adolescentes são submetidas todos os dias, motivo do qual, torna tão relevante a discussão do assunto. Ademais, ainda há de se citar que por muitas vezes, a mãe do infante violado pode vir a efetivamente a se mostrar indiferente em razão da situação de violência doméstica e psicológica vivida, o que é por vezes agravado em razão das ameaças sofridas e o medo da repercussão social promovida, caso a situação fuja do secretismo gerado pelo violador sexual, comumente pai, irmão ou padrasto, conforme é cediço, exposto a situação de medo, o ser humano pode reagir de forma diversa, dependendo a reação do temperamento e da resistência de cada indivíduo. Por fim, é necessário ainda, utilizar-se da analogia do mito da caverna de Platão20 pois, a violação sexual infantil quando perpetrada por pai ou outro familiar de 1° ou 2° Grau, impõe à criança um estado sigiloso de silêncio, que pode ser agravado pela indiferença da mãe ou da família, em ambas as situações, mesmo que a criança tenha contato com agentes exteriores, (colegas, professores, amigos), este ainda segue segregado diante do medo de perder a concepção de seio familiar, sequestrado a manter o ato, pois entende ser aquela a normalidade 20 SILVEIRA, FLÁVIA, Ana; A CAVERNA DE PLATÃO – PARA UM PENSAMENTO MAIS HUMANISTA. 2022. “Com o mito da caverna, Platão quis dizer que os seres humanos, enquanto “presos” naquilo que estão vendo, estão diante de uma realidade distorcida, criada e imposta para crer como verdade, como, por exemplo, a cultura, notícias, crenças, preconceitos, etc. Se o homem apenas se limitar – diga-se, sem se desacorrentar –, passará a vida inteira sem notar a realidade. Somente é possível enxergar o mundo pela liberdade do pensamento para se desprender das influências e, assim, abandonar a caverna”. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/caverna-de-platao/. Acesso em: 13/08/2022. https://canalcienciascriminais.com.br/caverna-de-platao/ familiar, em razão da indiferença que reverbera e por muitas vezes, ainda, em razão do errôneo desenvolvimento precoce da sexualidade, se vê internamente impossibilitada de fugir desta situação a qual se encontra. Deste modo, os pais se tornam “a caverna da alegoria” e a criança é a crença de que aquilo é verdade ou, pode vir a se tornar o indivíduo que descobre que aquela verdade é uma mentira, ambas as situações, são muito desfavoráveis, tendo em vista que, se conta a violação sexual familiar da qual vive, perderá a família e corre o risco de ninguém não “revele o segredo” ali mantido em sigilo, seguirá a ser violada e possivelmente possibilitando a violação de seus filhos, caso tenha no futuro. 4 A REVITIMIZAÇÃO E A INDIGESTA REALIDADE POPULAR A violação sexual infantil, bem como o abuso sexual, são temas amplamente já debatidos e muito grotescos para a população em geral. Sobre este prisma a legislação vigente através do código penal, ECA e outros dispositivos legislativos, dispõe de uma ampla gama de elementos de proteção à criança e ao adolescente. Porém, mesmo diante dessa realidade, os abusos sexuais infantis seguem aumentando ano após ano, conforme pesquisas aqui já supracitadas. Nesse sentido, sendo a violação intrafamiliar, considerada algo incomum e pouco perceptível no meio populacional, “popularmente” tem-se a concepção majoritária de abusador “estrangeiro”, ou seja, concepção de abusador desconhecido do meio ao qual vive a vítima. Diante disso, quando ocorre a descoberta ou a revelação do abuso intrafamiliar sofrido pela criança ou adolescente, reverbera, majoritariamente, a revitimização da criança, vítima dos abusos, bem como a impunidade de parte dos envolvidos. Nesse viés, quando se trata de violação sexual intrafamiliar, e sob indiferença da família, reverbera uma indigesta ideia de permissão da vítima, para ser violada, o que, obviamente, deveria inexistir por parte da sociedade. Os principais reflexos deste pensamento retrógrado e abominável é a constante situação desfavorável ao qual a vítima constantemente se encontra, tendo em vista que se coloca a vítima diante do dilema do prisioneiro e por se tratar da vítima uma criança, essa por muito não tem capacidade psíquica e intelectual de superar aquele abuso, o que coaduna com a situação de silêncio e secretismo. Quando em decorrência da idade, da intervenção estatal ou outra condição que viola o segredo e força a exposição da verdade vivida pela criança ou adolescente, comumente resta a vítima julgada pela população próxima da família. Tal situação é semelhante a situação vivida por adultos que são vítimas de abuso sexual, porém, por tratar-se de criança ou adolescente, expõem-se a real cultura do estupro vivida em território nacional, tornando muito mais difícil a fuga da criança da situação vivida. Ainda nesse liame, comumente a criança se encontra constantemente julgada por ser supostamente “condizente” à situação de abuso vivida, mesmo que essa esteja sob forte indução sindrômica ou sobre forte ameaça, pois conforme supracitado, o indivíduo ao ser submetido a forte coerção, acompanhado por pequenas situações de “afeto e cuidado” pode desenvolver certo apego ao ser violador após certo “acondicionamento continuado” gerado pelo abusador ou abusadores, o que é majorado pelo fato de seu abusador ser seu pai, irmão tio ou padrasto e muitas vezes, usar de meios ardis para negociar a violação com a criança o que é ainda pior. Quanto aos meios de coerção eles por muito podem ser extremamente perversos, podendo ser usados com fim de “comprar” o silêncio da vítima ou ainda forçando o silêncio desta. Ambas as formas de coerção são extremamenteprejudiciais à criança, pois neste âmbito a criança será obrigada a substituir seu valor por um preço ou substituir sua voz pelo medo, o que indiferente da forma, pode ser irreversivelmente prejudicial a essa. CONCLUSÃO Diante de tais concepções, a mazela estudada no presente estudo, traz consigo, não somente a insegurança do tão superestimado seio familiar, mas também, a necessidade do aprimoramento político social educacional, uma vez que a escola é o ambiente que deve, ou deveria ser terreno neutro e terra fértil para a criança poder desenvolver suas habilidades e poder superar seus medos e fraquezas. Na realidade atual, temos visto cada vez mais um efeito reverso, onde a criança, costumeiramente, tem se desenvolvido em um meio majoritariamente tecnológico, sendo assim iniciada precocemente em meio as mídias sociais e outros aplicativos desenvolvidos especificamente para concentrar a atenção da criança e adolescente. Sobre este prisma, podemos dizer que a escola tem perdido importância, tornando-se quase que secundária, o que é prejudicial para a criança que vive em constante abuso, já que a situação na qual está, requer uma comunicação e compreensão humana, algo que por muito não pode ser relatado na internet ou muitas vezes, citado a um vizinho ou amigo próximo, pois isto, possivelmente geraria uma repercussão e uma revitimização indesejada a vítima. Outrossim, os professores são, ou deveriam ser, parte importante no desenvolvimento social e sexual do infante, visto que, em muitas famílias não há, o conhecimento ou “a coragem adequada” para tratar de forma adequada o assunto. Ainda sobre esse diapasão, a presença educacional sobre o desenvolvimento sexual é de suma importância pois, poderia ser essa utilizada como uma fonte indireta de denúncia para a criança em face de seu abusador, que por muitas vezes, é seu responsável. No que tange especificamente às mídias sociais e a rede mundial de computadores (internet), esta possui um importante papel na prevenção e conscientização e denunciação do público infanto juvenil, porém comumente é utilizada com o viés oposto, sendo tal área, constantemente utilizada para disseminação de conteúdos impróprios e criminosos, servindo como constante ferramenta de barganha entre o violado e o violador, se tornando assim uma verdadeira faca de dois gumes. A violação sexual infantil intrafamiliar por si só não é um assunto inédito, diante da imensa quantidade de notícia criminis anual. Porém tal mazela, não pode e não deve ser vista como isolada, pois além de ser algo comum, é algo constantemente desacreditado, pois popularmente e infelizmente, ainda temos arraigado em nosso meio social, uma visão patriarcal do qual constantemente julgasse a vítima, como se essa pudesse escolher a situação da qual está a ser obrigada a se sujeitar. Tal realidade é triste, pois além da vítima ser constantemente violada, ainda resta por muitas vezes usada como ferramenta da perversidade de seu abusador em razão de seu desconhecimento ou impotência diante de tal situação. Em conclusão ao presente estudo, é notória a relevância social do assunto e a necessidade de políticas públicas eficientes, no sentido de conscientizar e prevenir a violência sexual infantil intrafamiliar, bem como mostrasse necessário o desenvolvimento de ferramentas educacionais para fomentar a conscientização e o fim da revitimização do infante, seja criança ou adolescente. Outrossim, é possível levantar que a síndrome de Estocolmo pode sim, ser diagnosticada nas vítimas que sofrem de violação sexual, em especial em situações em que a vítima sofre a violação sexual infantil de forma intrafamiliar, tendo em vista, a suscetibilidade do infante, a indução e a coerção psicológica do qual esse é submetido, tal situação, o torna suscetível pois o deixa em uma posição de extrema vulnerabilidade, pois como é cediço, se encontra o infante violado diante da figura paternal ou familiar do qual esperava afeto ou respeito, o que acaba por corromper sua noção de realidade, assim o expondo a uma situação de perdição e vulnerabilidade, bem como lhe deslindando um futuro muitas vezes indesejado o empurrando a prostituição, drogadição a criminalidade ou ao suicídio, motivos do qual torna a discussão do assunto indispensável. REFERÊNCIAS ANSEDE, Manuel. Sexo entre parentes causou deformidade facial dos reis espanhóis dos séculos passados. 2019. 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