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PÂNCREAS O Pâncreas é um órgão glandular que apresenta uma função endócrina, através da síntese e liberação de insulina e glucagon, e uma função exócrina através da síntese e liberação de enzimas digestivas (amilase, lipase e proteases) que auxiliam a digestão de carboidratos, lipídeos e proteínas. Esta secreção exócrina é regulada pelos fatores descritos na Figura abaixo: Figura: Fatores responsáveis pela regulação da secreção exócrina pancreática Neste capítulo serão abordadas apenas as doenças do Pâncreas exócrino. PANCREATITE A pancreatite é uma doença inflamatória não-bacteriana comum, causada por ativação, liberação intersticial e autodigestão do pâncreas pelas suas próprias enzimas. A doença pode ser aguda e reversível, quando há a possibilidade de seguir dois cursos distintos, conforme abaixo: 1. Leve – 80% dos casos: autolimitante, pancreas apresenta edema intersticial (pancreatite edematosa) com recuperação completa em torno de 5-7 dias. 2. Grave – 20% dos casos: autodigestão + necrose + hemorragia de tecido pancreático, com importante repercussão sistêmica e hipercatabolismo. Ou pode ser crônica, onde já se encontram alterações estruturais e funcionais permanentes no pâncreas, não mais havendo a possibilidade de reversão do quadro. Na prática clínica de consultório, nos deparamos com os pacientes com pancreatite crônica, já que os casos de pancreatite aguda são indicação de internação. Diante disso, esse capítulo abordará a pancreatite crônica, pois é o que se aplica à realidade ambulatorial. Pancreatite Aguda As principais causas de pancreatite aguda são álcool e colelitíase. Os mecanismos exatos que levam à lesão pancreática ainda não foram completamente elucidados, porém é aceita a teoria do refluxo do conteúdo ductal para o interior do ducto pancreático (Wirsung). Para entender esta teoria, é necessário lembrar que as enzimas pancreáticas são armazenadas no interior do pâncreas na sua forma inativa, sendo ativadas apenas no lúmen intestinal. De volta à teoria, acredita-se que este refluxo faça com que as enzimas sejam prematuramente ativadas no interior do pâncreas, causando autodigestão e destruição da glândula. Uma vez que as enzimas pancreáticas (amilase, lipase e proteases) são armazenas no interior das células, a destruição destas faz com que as enzimas sejam liberadas na corrente sanguínea, o que explica o fato de observarmos elevação de amilase e lipase na corrente sanguínea em casos de pancreatite, sendo estas enzimas utilizadas inclusive para auxiliar no diagnóstico da doença. Já a teoria que envolve o ácool como fator etiológico, seria que este leva a um aumento da secreção pancreática por estimular a gastrina e secretina, associado a espasmo e/ou edema do esfícter de oddi. Logo, o estímulo da secreção associado à obstrução da passagem desta pelo edema ou espasmo do esfíncter de Oddi, gera pancreatite. Quadro clínico Dor abdominal (95%) Náuseas e vômitos (80%) Peristalse reduzida Distensão abdominal Febre baixa Icterícia Hipotensão (choque em 20% dos casos) Necrose gordurosa Sinais de Cullen e Gray-Turner Diagnóstico Clínico Dor abdominal Sinais dispépticos Laboratório Amilase – sensibilidade (90%) eleva precocemente (2h após ataque) e permanece alta por 7 dias Lipase – alta sensibilidade (85%) e > especificidade. Permanece alta após 14 dias Radiológico: US, Rx, TC, angiorresonancia, etc. Conduta Nutricional na PA leve Em ~ 80% dos casos a PA evolui de forma leve ou moderada com resolução dos sintomas e anormalidades bioquímicas ocorre geralmente em menos de 7 dias. Os Sintomas incluem dor abdominal, vômitos e sint. Gastrointestinais com pouca repercussão sistêmica. Durante muitos anos, até recentemente, nos casos de pancreatite aguda leve, adotava-se a conduta padrão de dieta zero até melhora dos sintomas e exames laboratoriais (amilase, lipase, cálcio e glicose minimamente) para retorno da via oral. Ocorre que essa conduta perpetuada por anos se baseou em um estudo de Sax et al, 1987 que comparou a Nutrição parenteral total (NPT) vs dieta zero. Nessa ocasião os pacientes que receberam NPT apresentaram maior tempo de internação, mais sepse e não houve diferença no tempo de retorno de via oral. Com base nesses dados, DOENÇAS PANCREÁTICAS Secreção exócrina pancreática (enzimas digestivas) Secretina + colecistoquinina Resposta neural Composição dos alimentos ingeridos (Os lipídeos são os maiores estimuladores) Sais biliares concluiu-se que alimentar o paciente não era vantajoso. Contudo, o estudo não avaliou a Nutrição Enteral precoce ou mesmo a Via Oral em comparação a Via Oral zero. Mais recentemente, essa conduta de manter o paciente dias em dieta zero pelo trato digestório começou a sofrer questionamento e novos ensaios clínicos vieram no sentido de demonstrar que Dogma tradicional de “Descanso intestinal” na tentativa de evitar mais estímulos ao pâncreas inflamado não é vantajoso. As evidências atuais demonstram o benefício justamente do oposto, ou seja, do da alimentação precoce, com início nas primeiras 24h preferencialmente. Manter a nutrição enteral (oral ou por sonda) ajuda a proteger a barreira mucosa do intestino e reduzir a translocação bacteriana, reduzindo assim o risco de necrose peripancreática infectada e outros desfechos graves da pancreatite aguda. Como conclusão, temos a recomendação mais atual de alimentar o paciente utilizando o trato digestório, pela via oral ou enteral (de acordo com a tolerância) nas primeiras 24h de internação. Guidelines da American Gastroenterological Association (AGA) para manejo da PA, 2018 Conduta Nutricional na PA grave Cerca de 5 a 20% dos pctes assumem o curso grave da doença e de 20 a 60% evoluem p/ óbito. As manifestações clínicas são graves e variadas. Diferente do que se observa na pancreatite aguda leve, aqui ocorre envolvimento multissistêmico, com presença de síndrome da resposta inflamatória sistêmica, gerando necessidade de cuidados intensivos prolongados, com prognóstico indeterminado. Vias de administração da dieta Via oral: Uma via que era inimaginável até recentemente, hoje, diante das novas evidências se demonstra uma real possibilidade. Claro que comparada à nutrição enteral por sonda, na prática, as dificuldades que envolvem a evolução da dieta pela via oral são maiores, tendo em vista que os pacientes evoluem não raramente com resíduo gástrico, vômitos, dor e piora de amilase e lipase. Contudo, de acordo com o guideline 2018 da AGA, trata-se de uma via possível e deve ser considerada. Nutrição Enteral por sonda: Trata-se na prática clínica, davia de primeira escolha nos pacientes com pancreatite aguda grave. Nessa via também temos recente quebra de paradigmas. Durante muitos anos, após os estudos demonstrando a possibilidade de utilizar o Trato digestório na pancreatite aguda grave, preconizou-se a alimentação por sonda entérica, com posicionamento pós ligamento de Treitz, com dieta oligomérica. Contudo, recentes ensaios clínicos randomizados não sustentam a necessidade de alimentar pós ligamento de Treitz, podendo ser a sonda posicionada no estômago, inclusive. O que irá determinar é a tolerância do paciente. Quanto ao tipo de fórmula, a depender do posicionamento da sonda, poderá ser polimérica ou oligomérica inicialmente. Em alguns casos, mesmo quando o posicionamento é gástrico opta-se por dieta oligomérica em função da quantidade de lipídios ser menor comparada á polimérica. As vantagens da Nutrição enteral comparada à parenteral são inúmeras, destacando-se redução significativa de infecção de área de necrose pancreática bem como redução significativa de falência orgânica única ou múltipla quando se utiliza a Nutrição enteral.A presença do alimento no intestino promove: - manutenção do tamanho das vilosidades → previne translocação bacteriana e de toxinas; - fluxo sanguíneo intestinal adequado → previne isquemia-reperfusão e consequente formação de RL; - integridade das junções intercelulares; -manutençaõ da peristalse adequada → evita supercrescimento bacteriano; - estímulo à secreção de IgA → previne aderência de bactérias patogênicas à mucosa intestinal. A ausência de alimento no lúmen intestinal promove: Ativação de neutrófilos e macrófagos com ↑ da resp. inflamatória sistêmica e falência orgânica múltipla CARBOIDRATOS Deve compreender 50 a 60% do VET Tipo: maltodextrinas e oligossacarídeos Quantidades superiores a 5g/kg/dia levam frequentemente a hiperglicemia, esteatose hepática, > CO2. O uso de insulina para controle glicêmico é praticamente inevitável nesses doentes LIPÍDEOS devem compreender até 25% do VET Tipo: TCL (50%) + TCM (50%) Não ultrapassar 1,5g/Kg/dia → prejuízo da imunidade, citotoxicidade por peroxidação lipídica, formação de radicais livres, aumento do consumo de vitamina E, antiagregação plaquetária, hiperlipidemia. Ausência de lipídeos → grave deficiência de ácidos graxos essenciais após 2 semanas. Pacientes hiperlipidemicos (TG > 400mg/dl) → oferecer o mínimo de 4 a 8% do VET de lipídeos para evitar def. de AGE. Proteínas 1,5 a 2,0g/kg/dia perfazendo relação de Kcal ñ proteicas/g N de 80 a 100:1 Atenção aos pacientes que cursam com Insuficiência renal! Uso de probióticos Alguns trabalhos realizados sobretudo a partir de 2002, levantaram a hipótese de que os probióticos seriam capazes de evitar a infecção de necrose pancreática, que torna o prognóstico clínico do paciente muito reservado. Nesse contexto tivemos um trabalho clássico publicado em 2008, o PROPATRIA, que foi um estudo multicêntrico (298 pctes), placebo-controlado, randomizado e duplo-cego que teve por objetivo verificar se o uso precoce de uma combinação de probióticos reduziria a infecção de necrose pancreática em pctes com PA grave. O estudo foi realizado de 2004 a 2008 e como Conclusão teve que A combinação de probióticos usada NÃO reduziu infecção e aumentou mortalidade. Como conclusão os autores apontaram que a Profilaxia com probióticos NÃO deve ser usada nesses pctes. A partir do PROPATRIA, tivemos um hiato de alguns anos sem que outros estudos metodologicamente importantes fossem publicados e na prática, o uso de probióticos nesses pacientes não era preconizado. Contudo, em 2011 e mais recentemente em 2013 tivemos novamente trabalhos publicados demonstrando os benefícios do uso de probióticos em reduzir tempo internação, reduzir complicações, reduzir niveis de citocinas pro inflamatórias e melhorar a função intestinal dos pacientes. Entretanto, diferentemente do PROPATRIA que utilizou em seu estudo probiótico multicepas (6 cepas), parace que os melhores resultados são obtidos com uso de simbióticos de cepa única, especialmente Lactobacillus Plantarum. Apesar dessas recentes evidências retomarem as discussões sobre o uso de probióticos na pancreatite aguda grave, ainda estamos longe de termos essa recomendação como parte de um consenso ou guideline. LEMBRETES IMPORTANTES: Os níveis de TG devem ser monitorados (mín 3x/sem) e mantidos abaixo de 400mg/dl. Observar evidências de migração da sonda e a intolerância a NE como náuseas, vômitos, diarréia intratável e broncoaspiração. Volumes residuais de aspiração da sonda nasojejunal > 10ml indicam desposicionamento. Não suspender NE se houver pequenos aumentos nos valores séricos de amilase e lipase. Aumento persistente de amilase e lipase + dor abdominal → avaliar suspensão da NE e início da NPT Nutrição Parenteral Está indicada nos casos de intolerância à TNE, íleo paralítico ou obstruções intestinais. Pode levar a complicações mais graves do que a NE como: sepse por cateter, embolia pulmonar, colestase hepática etc. Está associada a > risco de infecções, translocação bacteriana intestinal, > tempo de internação hospitalar. As recomendações de nutrientes são As mesmas da NE para PTN , CHO e LIP. Considerações sobre lipídeos: - A infusão de lipídeos deve ser em 20 – 24h e não se recomenda dose > 109g/dia. - A recomendação atual é de 50% TCL / 50% TCM . Pancreatite Crônica O alcoolismo crônico é responsável pela maioria dos casos de pancreatite crônica (150g de álcool/dia por 5 anos já é o suficiente para desenvolver a doença), entretanto, alguns casos são devidos à cálculos biliares por hipercalcemia, hiperlipidemia ou predisposição herdada. A maioria dos portadores de pancreatite crônica possui algum grau de desnutrição e estes devem ser acompanhados de perto. A pancreatite crônica em contraste ao que ocorre na aguda, usualmente evolui de forma insidiosa durante muitos anos. É caracterizada por ataques recorrentes de dor abdominal que pode ser precipitada pelas refeições. Além disto, ocorrem alterações estruturais e funcionais do pâncreas como fibrose, calcificações e cistos, resultando em insuficiência exócrina e endócrina com intolerância à glicose. A fibrose do pâncreas é uma característica histopatológica proeminente da pancreatite crônica e possivelmente um processo dinâmico de transição para o desenvolvimento de adenocarcinoma ductal pancreático. Por outro lado, a ativação de células estreladas pancreáticas (CEPs), foi recentemente sugerida como o “start” no desenvolvimento da fibrose pancreática. Acredita-se que as CEPs são ativadas para reparação e regeneração do tecido como consequência de danos ou reações inflamatórias nele. Assim, a ativação permanente de CEPs tem sido observada em condição inflamatória crônica do pâncreas. Patogenia O evento inicial é a formação de tampões protéicos dentro dos ductos pancreáticos, que funcionam como matrizes para deposição de sais de cálcio (carbonato de cálcio), formando verdadeiros cálculos. Uma vez formados, esses cálculos obstruem os ductos gerando inflamação com destruição do parênquima pancreático. A destruição das ilhotas de Langerhans (produtoras de insulina) ocorre mais tardiamente. Fatores etiológicos Além do álcool, que como já mencionado é a principal causa de pancreatite crônica, podemos citar a estenose do esfíncter de Oddi, o hiperparatireoidismo, tumores pancreáticos, dietas hiperlipídicas e pancreatite hereditária como causas menos importantes de acometimento crônico do pâncreas. Sintomas Dor abdominal recorrente, com irradiação para dorso (evolução em 3 estágios) Icterícia (compressão do colédoco pela cabeça do pâncreas => edema, cistos, nódulos fibróticos) Ascite Perda ponderal involuntária => desnutrição Causas da desnutrição Náusea/ vômitos Esteatorréia Anorexia dor ao se alimentar (sitofobia) Icterícia Aumento do GER Hemorragia gastrointestinal =>anemia Tratamento médico Analgesia Preparações enzimáticas (creon®, Panzytrat®) com as refeições: devem ser capazes de liberar no duodeno, com as refeições, pelo menos 30.000 UI de lipase ativa. Recomendação: Não exceder 10.000U de lipase/kg peso => hiperuricosúria e hiperuricemia Objetivos da Terapia Nutricional Prevenir dano posterior ao pâncreas ↓ esteatorréia ↓ crises e inflamação aguda corrigir desnutrição aliviar a dor Conduta Nutricional na Pancreatite Crônica A via preferencial é a via oral com uma dieta hipercalórica, hiperproteica, hipolipídica REFEIÇÕES: são recomendadas 6 a 8/dia ENERGIA 30 a 35kcal/kg peso/dia ou <20kcal/kg peso/dia inicialmente com evolução gradativa se IMC < 16kg/m², para evitar síndrome de realimentação. LIPÍDEOS deve-se ofertar o nível máximo que o paciente possa tolerar sem esteatorréia aumentada ou dor. Esta medida ajudana promoção do ganho de peso CARBOIDRATOS Normoglicídica atentando para possível Diabetes. PROTEÍNAS 1 a 1,5 g/kg/dia VITAMINAS - ocorre deficiência de vitaminas lipossolúveis devido à esteatorréia - especialmente na pancreatite crônica alcoólica a deficiência de tiamina está quase sempre presente, além de deficiência de ácido fólico ANTIOXIDANTES Selênio, Vit C, Vit E apresentam-se frequentemente deficientes em pacientes com pacreatite crônica, o que promove peristência da inflamação e evolução para fibrose, como já mencionado anteriromente. As doses de reposição habitualmente praticadas são: Selênio: 50mg.........2x/dia Vit C: 250mg............2x/dia VIt E: 30mg/dia Cuidados no plano alimentar LEITE: sempre os desnatados. Em caso de diarréia franca, suspender. Os iogurtes desnatados e leites deslactosados são uma boa opção nessa fase. QUEIJOS: brancos e com pouca gordura (cottage, ricota, minas) FONTES PTN ANIMAL: iniciar com clara do ovo → carnes brancas → carnes vermelhas bem cozidas, iniciar com pequenas porções (50 – 60g). Sempre enfatizar a importância da mastigação. HORTALIÇAS: cozidas p/ abrandar celulose → estimulador da peristalse. GORDURAS: restrita, de acordo com a tolerância do pcte. - os óleos vegetais são normalmente melhor tolerados do que a gordura animal. - Em casos de diarréia persistente o uso de TCM é útil. BEBIDAS: evitar as gasosas → distensão gástrica → estímulo pancreático → dor ENZIMAS PANCREÁTICAS (conduta médica) As enzimas pancreáticas são compostas de concentrações variadas de lípase, amilase e proteases. É adequado iniciar com 10000 UI de lipase por refeição, posteriormente, essa dose pode atingir 30000 UI. ANTIÁCIDOS (conduta médica) - devido à produção pancreática de bicarbonato ser freqüentemente ineficaz, pode-se utilizar antiácidos (Inibidores de bomba de prótons e antagonistas dos receptores de H2) ou bicarbonato para manter o pH intestinal ótimo para atuação das enzimas, além de inibir a secreção ácido-gástrica que é um importante estimulador da secreção pancreática. ÁLCOOL - Está proibido! DISFUNÇÕES ENDÓCRINAS - Deficiência de insulina: Paciente desenvolve intolerância à glicose e o tratamento é feito com administração de insulina exógena, similarmente ao que se faz com um paciente diabético. Nesses pacientes, odiabetes pode ocorrer de 7 a 15 anos depois do diagnóstico inicial de PC em 20 – 30% dos pacientes. - Deficiência de glucagon: Gera hipoglicemia refratária, pois sem o glucagon há prejuízo na mobilização dos estoques de glicogênio. O tratamento deve focar o controle dos sintomas e não a normoglicemia.
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