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Indaial – 2021 Nutrição ClíNiCa: tGi e DCNt Prof.a Mariane Caroline Meurer 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2021 Elaboração: Prof.a Mariane Caroline Meurer Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: M598n Meurer, Mariane Caroline Nutrição clínica: TGI e DCNT. / Mariane Caroline Meurer. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 186 p.; il. ISBN 978-65-5663-360-2 ISBN Digital 978-65-5663-355-8 1. Nutrição. – Brasil. 2. Saúde - Aspectos nutricionais. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 612.3 apreseNtação Olá, acadêmico, seja bem-vindo à disciplina de Nutrição Clínica! Este livro didático tem como propósito auxiliá-lo no processo de aprendizagem da ciência da Nutrição, que envolve diferentes conceitos e dinamismo acerca das doenças que acometem o trato gastrointestinal. Este livro didático servirá como guia, futuro nutricionista, saber como proceder em um atendimento em consultório, clínica ou hospital, adquirindo os conhecimentos necessários para diferenciar as doenças do trato gastrointestinal (TGI), obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus e síndrome metabólica, e compreender a dietoterapia envolvida em cada uma delas. O livro está dividido em três unidades, cada qual com objetivos, conteúdos, autoatividades, dicas, sugestões e recomendações. Como sabemos, o Trato gastrointestinal (TGI) tem como função a absorção de água, eletrólitos e nutrientes e sofre desafios intensos para evitar que agente patogênicos causem danos e desequilíbrios importantes nos tecidos internos. Na Unidade 1, aprenderemos sobre a função do TGI, aprofundaremos nas principais doenças que acometem esse sistema e a dietoterapia adequada para cada caso. O excesso de peso e a obesidade são fatores de risco para diversas doenças consideradas crônicas (DCNT). As DCNT são multifatoriais apresentando um desenvolvimento silencioso e com muitas recidivas que se não prevenidas ou tratadas podem impactar de forma devastadora na vida do indivíduo e na saúde pública. Por isso, o estilo de vida e um processo de intervenções se fazem necessários nesses pacientes. Tendo em vista a importância da nutrição nesses casos, na segunda e na terceira unidade, você aprofundará os conhecimentos referentes às doenças cardiovasculares, como hipertensão e doença arterial coronariana, diabetes mellitus tipo 1 e 2, a síndrome metabólica, bem como a dietoterapia envolvida em cada uma dessas patologias. Desejamos uma ótima leitura! Prof.a Mariane Caroline Meurer Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE sumário UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS ................................................................. 1 TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR ........................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR ................................................... 5 2.1 REFLUXO GASTROESOFÁGICO ................................................................................................ 5 2.1.1 Fisiopatologia do Refluxo Gastroesofágico ........................................................................ 5 2.1.2 Dietoterapia no Refluxo Gastroesofágico ........................................................................... 9 2.2 GASTRITE ...................................................................................................................................... 12 2.2.1 Fisiopatologia da Gastrite ................................................................................................... 12 2.2.2 Dietoterapia na Gastrite ...................................................................................................... 14 2.3 ÚLCERA GÁSTRICA ................................................................................................................... 17 2.3.1 Fisiopatologia da Úlcera Gástrica ...................................................................................... 17 2.3.2 Dietoterapia na Úlcera Gástrica ......................................................................................... 19 2.4 PANCREATITE ............................................................................................................................. 22 2.4.1 Fisiopatologia na Pancreatite ............................................................................................. 23 2.4.2 Dietoterapia na Pancreatite ................................................................................................ 25 2.5 CÁLCULO BILIAR ....................................................................................................................... 27 2.5.1 Fisiopatologia do Cálculo Biliar ........................................................................................ 28 2.5.2 Dietoterapia no Cálculo Biliar ............................................................................................ 31 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 35 TÓPICO 2 — DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL INFERIOR ............................ 37 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 37 2 SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL (SII)........................................................................ 37 2.1 FISIOPATOLOGIA DA SII ...........................................................................................................37 2.2 DIETOTERAPIA NA SII .............................................................................................................. 42 2.2.1 Fibras ..................................................................................................................................... 42 2.2.2 Glúten .................................................................................................................................... 43 3 COLITE ULCERATIVA E DOENÇA DE CROHN ...................................................................... 44 3.1 FISIOPATOLOGIA DA COLITE ULCERATIVA ...................................................................... 45 3.2 FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA DE CROHN ....................................................................... 46 3.3 DIETOTERAPIA NAS DII ........................................................................................................... 46 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 50 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 52 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 53 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 55 UNIDADE 2 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: OBESIDADE E DOENÇAS CARDIOVASCULARES ......................................................................................... 67 TÓPICO 1 — OBESIDADE ................................................................................................................. 69 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 69 2 FISIOPATOLOGIA DA OBESIDADE ........................................................................................... 70 2.1 GENÉTICA .................................................................................................................................... 71 2.2 AMBIENTAL ................................................................................................................................. 74 2.3 HORMÔNIOS E NEUROTRANSMISSORES ........................................................................... 76 2.4 COMPORTAMENTO ALIMENTAR .......................................................................................... 77 3 DIETOTERAPIA NA OBESIDADE ............................................................................................... 79 3.1 RESTRIÇÃO CALÓRICA ............................................................................................................ 79 3.2 CETOGÊNICA .............................................................................................................................. 81 3.3 LOW CARB ..................................................................................................................................... 82 3.4 VITAMINA D E OBESIDADE ..................................................................................................... 82 3.5 MICROBIOTA INTESTINAL ...................................................................................................... 83 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 87 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 89 TÓPICO 2 — DOENÇAS CARDIOVASCULARES 1 .................................................................... 91 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 91 2 HIPERTENSÃO .................................................................................................................................. 91 2.1 FISIOPATOLOGIA NA HIPERTENSÃO .................................................................................. 93 2.2 DIETOTERAPIA NA HIPERTENSÃO ...................................................................................... 96 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 105 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 107 TÓPICO 3 — DOENÇAS CARDIOVASCULARES 2 .................................................................. 109 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 109 2 FISIOPATOLOGIA NA DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA ....................................... 110 3 DIETOTERAPIA NA DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA............................................ 113 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 117 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 119 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 121 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 123 UNIDADE 3 — TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS NA NUTRIÇÃO CLÍNICA ........................................................ 127 TÓPICO 1 — DIABETES MELLITUS TIPO 1 ............................................................................... 129 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 129 2 FISIOPATOLOGIA DA DIABETES MELLITUS TIPO 1 ......................................................... 131 3 DIETOTERAPIA NA DIABETES MELLITUS TIPO 1 ............................................................. 139 3.1 CONTAGEM DE CARBOIDRATOS ........................................................................................ 140 3.2 MICROBIOTA ............................................................................................................................. 141 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 143 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 145 TÓPICO 2 — DIABETES MELLITUS TIPO 2 ............................................................................... 149 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 149 2 FISIOPATOLOGIA NA DIABETES MELLITUS TIPO 2 ......................................................... 149 2.1 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ..................................................................................... 152 3 DIETOTERAPIA NA DIABETES MELLITUS TIPO 2 ............................................................. 156 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 162 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 164 TÓPICO 3 — SÍNDROME METABÓLICA ................................................................................... 167 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 167 2 FISIOPATOLOGIA DA SÍNDROME METABÓLICA .............................................................167 3 DIETOTERAPIA NA SÍNDROME METABÓLICA ................................................................. 170 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 177 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 180 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 182 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 184 1 UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender as funções do trato gastrointestinal; • reconhecer a fisiopatologia envolvendo as doenças do sistema digestório; • conhecer a dietoterapia voltada para cada patologia do sistema digestório; • desenvolver o olhar clínico para as patologias do sistema digestório. Esta unidade está dividida em dois tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR TÓPICO 2 – DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL INFERIOR Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 1 INTRODUÇÃO O trato gastrointestinal (TGI) tem como principal função a absorção de água, eletrólitos e nutrientes. Durante todo o tempo, o TGI sofre desafios intensos para evitar que agentes patogênicos atinjam o lúmen gastrointestinal e acessem tecidos internos. Por isso, as células epiteliais do TGI formam uma barreira seletivamente permeável, rigidamente regulada e especializada (SHEN, 2009). A parede do TGI começa no esôfago e termina no ânus, sofrendo alterações ao longo das várias regiões. Essa parede é composta por quatro camadas (túnicas) com uma rede de nervos interconectadas. As túnicas são chamadas de: túnica mucosa, túnica submucosa, túnica muscular e túnica serosa ou adventícia, formando, assim, o tecido epitelial (Figura 1) (SPENCE, 1991). FIGURA 1 – ANATOMIA DO ESTÔMAGO FONTE: <https://image.slidesharecdn.com/captulo02-alimentosesistemadigestrio- 120425085859-phpapp02/95/captulo-02-alimentos-e-sistema-digestrio-80-1024. jpg?cb=1335344574>. Acesso em: 24 fev. 2021. UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 4 Esses tecidos epiteliais são essenciais para o funcionamento adequado de todo o organismo, fazendo sua cobertura e proteção, formando glândulas que desempenham funções específicas, realizam secreção e absorção de substâncias necessárias e protegem contra agentes físicos, químicos e patogênicos (VASILEVA et al., 2017). Como sabemos, o corpo humano é extensamente colonizado por bactérias, fungos e vírus coletivamente, essa colonização é conhecida como microbiota comensal. Esses micro-organismos são distribuídos ao longo da superfície do corpo, porém, o local de maior variedade é o TGI, mais especificamente o intestino (QIN et al., 2010). Via de regra o TGI é adaptado à colonização por bactérias comensais, pois estas ajudam na digestão e influenciam no desenvolvimento do sistema imunológico de mucosa. O problema é que a colonização bacteriana pode se tornar patogênica dependendo da bactéria presente e do comprometimento das células epiteliais de barreira ou imune (PETERSON; ARTIS, 2014) e isso pode acarretar doenças e distúrbios do TGI (Quadro 1). QUADRO 1 – ALGUMAS DOENÇAS QUE ACOMETEM O TGI Trato Gastrointestinal superior Trato gastrointestinal inferior • Refluxo gastroesofágico. • Gastrite. • Úlcera. • Pancreatite. • Cálculo biliar. • Síndrome do Intestino irritável. • Colite Ulcerativa. • Doença de Crohn. FONTE: O autor Assista aos vídeos disponíveis nos links a seguir: Digestive System, Part 1: https://www.youtube.com/watch?v=yIoTRGfcMqM Digestive System, Part 2: https://www.youtube.com/watch?v=pqgcEIaXGME Digestive System, Part 3: https://www.youtube.com/watch?v=jGme7BRkpuQ DICAS TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 5 2 DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR As doenças do trato gastrointestinal superior são aquelas que acometem o estômago, pâncreas e anexos. Neste tópico, nós iremos focar apenas na doença do refluxo gastresofágico, gastrite, úlcera, pancreatite e cálculo biliar. Essas doenças apresentam fisiopatologias distintas, porém, com um denominador em comum, a nutrição. Neste tópico, iremos aprender a fisiopatologia de cada doença e a dietoterapia indicada para as doenças do TGI superior. 2.1 REFLUXO GASTROESOFÁGICO O esôfago é um tubo oco de aproximadamente 25 centímetros em comprimento que se estende da faringe até o estômago. A faringe é um tubo muscular de aproximadamente 12 centímetros que serve como entrada para o esôfago e trato respiratório. Basicamente, o esôfago é dividido em três partes: cervical, torácico e abdominal. Sua função primária consiste em transportar o alimento ingerido da faringe para o estômago (GAVAGHAN, 1999). 2.1.1 Fisiopatologia do Refluxo Gastroesofágico A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é um distúrbio comum em todo o mundo, com uma prevalência estimada de 18,1 a 27,8% na América do Norte (CLARRETT; HACHEM, 2018). Em 2006, estimou-se que no Brasil a prevalência estava em torno de 12% (NASI; MORAES-FILHO; CECCONELLO, 2006). Apesar de sua alta prevalência na população, muitos desses indivíduos não procuram atendimento médico em decorrência de suas características intermitentes e o fácil acesso à medicação não prescrita (ABRAHÃO JUNIOR, 2014). Entre os fatores de risco para o desenvolvimento da DRGE, incluem a idade avançada, índice de massa corpora (IMC) alto, tabagismo, ansiedade e/ou depressão e sedentarismo. Os hábitos alimentares inadequados também podem contribuir para a DRGE, incluindo a acidez dos alimentos, tamanho e horário das refeições (ZHENG et al., 2007; JAROSZ; TARASZEWSKA, 2014). Sua fisiopatologia é multifatorial. Entre os mecanismos envolvidos estão o relaxamento prejudicado e transitório do tônus de repouso do esfíncter esofágico, retardo do esvaziamento gástrico, peristalse disfuncional, depuração inadequada do ácido esofágico, salivação reduzida, resistência da mucosa prejudicada e aumento da pressão intra-abdominal. O relaxamento do esfíncter esofágico expõe o esôfago ao ácido gástrico e outros conteúdos estomacais, como a pepsina, bile, fluido do intestino delgado e secreções pancreáticas, todos esses são prejudiciais à mucosa esofágica (KELLERMAN; KINTANAR, 2017). UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 6 Essa exposição repetida do esôfago ao suco gástrico provoca alterações na integridade da mucosa e na composição celular, levando ao desenvolvimento de inflamação, tecido cicatricial e alterações na sensibilidade visceral. As complicações decorrentes incluem os sintomas esofágicos e extraesofágicos, desenvolvimento de estenose, dismotilidade e/ou carcinogênese (SPECHLER, 2003; GIORGIO et al., 2006) As manifestações clínicas típicas são pirose e regurgitação, as manifestações atípicas são dor torácica, tosse e manifestações otorrinolaringológicas (pigarro, rouquidão, laringite e asma) (Figura 2). Endoscopicamente, a classificação da DRGE pode ser: não erosiva, erosiva e complicada, quando ocorre ulcerações, estenose ou metaplasia intestinal (ABRAHÃO JUNIOR, 2014). FIGURA 2 – MANIFESTAÇÕES DA DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO Legenda: DTOI – Dor Torácicade Origem Indeterminada. ORL – Otorrinolaringológicas. FONTE: Abrahão Junior (2014, p. 32) O rastreamento dos pacientes quanto aos “sintomas de alarme” associados à DRGE é importante, pois podem ser indicativos de necessidade de avaliação endoscópica. Esses sintomas podem sugerir malignidade subjacente, quando a endoscopia pode ser recomendada, além disso, o exame torna-se importante para triagem de pacientes com alto risco de complicações (esôfago de Barrett, sintomas crônicos e frequentes, idade > 50 anos, caucasianos e com obesidade central). Dentre os “sintomas de alarme” estão a disfagia (dificuldade TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 7 para engolir), odinofagia (dor para engolir), anemia, sangramentos e perda de peso, que podem indicar a presença de complicações como estenoses, ulcerações, malignidade (KATZ; GERSON; VELA, 2013). Você deve se perguntar: como o diagnóstico é feito? O diagnóstico da DRGE é realizado através de anamnese detalhada, que pode ser complementada com exames de imagens específicos como endoscopia, radiológico contrastado do esôfago, cintilografia, manometria, pHmetria de 24 horas e teste terapêutico (FBG, 2003). O método de escolha para o diagnóstico das lesões causadas pelo refluxo gastroesofágico é o exame endoscópico, o qual apresenta uma sensibilidade de cerca de 60% e possui uma facilidade de execução e disponibilidade na maioria dos centros médicos. Através dele é possível avaliar a gravidade da esofagite e realizar biópsias quando necessário, como nos casos de complicações (estenose péptica, úlceras e esôfago de Barrett) (FBG, 2003). Através dessa avaliação ocorre uma classificação dos graus ou intensidade da esofagite. Porém, existem várias classificações e divergências nas interpretações quanto ao real significado dos achados como eritema, friabilidade e edema da mucosa esofágica, haja vista a baixa correlação entre esses achados endoscópicos e o exame histológico. As classificações usualmente empregas são a de Savary-Miller e a Los Angeles (FBG, 2003). Veja, nos Quadros 2 e 3, o descritivo de cada uma delas. QUADRO 2 – CLASSIFICAÇÃO ENDOSCÓPICA DE SAVARY-MILLER FONTE: FBG (2003, p. 5) UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 8 QUADRO 3 – CLASSIFICAÇÃO ENDOSCÓPICA DE LOS ANGELES FONTE: FBG (2003, p. 5) O tratamento da DRGE tem como objetivo o alívio dos sintomas, a cura das lesões da mucosa (quando presentes), e a prevenção de recorrências e complicações. Esse tratamento pode ser considerado clínico, cirúrgico ou endoscópico, para ser mais prático, a literatura sugere a divisão da abordagem terapêutica em medidas comportamentais e farmacológicas, e que fique claro ao paciente de que ele possui uma doença crônica (MORAES-FILHO et al., 2010). Várias classes de medicamentos podem ser utilizadas no tratamento da DRGE. As drogas de primeira escolha são os inibidores da bomba de prótons (IBP), que inibem a produção de ácido pelas células parietais do estômago, reduzindo assim a agressão ao esôfago. Os IBPs em dose plena são o tratamento de escolha inicial por um período de quatro a oito semanas, porém, se o paciente não apresentar melhora dos sintomas a dose é dobrada, sendo administrada antes do café da manhã e antes do jantar (HENRY, 2010). O tratamento cirúrgico é indicado para aqueles indivíduos que necessitam usar medicação ininterruptamente, intolerantes ao tratamento clínico prologado e nas formas de complicações da doença. Além disso, estudos sugerem que o tratamento cirúrgico deve ser indicado para as mulheres menopausadas e com osteoporose, visto que há uma possível interferência do uso do IBP na absorção de cálcio (HENRY, 2010). Os sintomas da DRGE não devem ser confundidos com os da dispepsia. A dispepsia é um desconforto epigástrico, sem azia ou regurgitação ácida e que possui duração superior a um mês, podendo estar associada a uma distensão abdominal ou plenitude gástrica, arrotos, náuseas e vômitos. A dispepsia é um distúrbio que pode ser tratado de forma diferente da DRGE e que pode também contar com a avaliação endoscópica, bem como teste para a H. pylori (DENT, 2004). ATENCAO TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 9 2.1.2 Dietoterapia no Refluxo Gastroesofágico Diante do exposto, como deve ser conduzida a dietoterapia para o paciente com DRGE? Como já citado anteriormente, há vários fatores de risco para o desenvolvimento da DRGE, os quais incluem idade, massa corporal excessiva, estilo de vida como tabagismo e inatividade física e a dieta, porém, o papel da dieta como fator de risco para a DRGE ainda não foi bem esclarecido e os resultados são contraditórios (JAROSZ; TARASZEWSKA, 2014). Estudos levantam a hipótese de que certos hábitos alimentares, como comer rápido grandes volumes ou comer antes de dormir podem contribuir para o aparecimento dos sintomas da doença, porém, nenhum deles conseguiu confirmar a influência desses hábitos na ocorrência ou agravamento dos sintomas. Jarosz e Taraszewska (2014) afirmam que não houve influência da regularidade e da velocidade das refeições ou entre as refeições na ocorrência dos sintomas de DRGE. Porém, os autores citam uma associação entre o baixo número de refeições (uma a duas refeições por dia) e os sintomas. Sabe-se que restringir o número de refeições ao longo do dia torna maior o volume das refeições mínimas realizadas, e isso pode piorar os sintomas da DRGE. Os autores levantam a hipótese de que a teoria da biomecânica esteja envolvida, a qual diz que o alongamento excessivo (por muitos anos) das paredes do estômago, devido ao volume da refeição e o acúmulo de ar no fundo do estômago durante a refeição, leva ao enfraquecimento dos mecanismos que regulam o esfíncter esofágico inferior. A literatura costuma listar alguns produtos como refluxogênicos, são eles: alimentos gordurosos, picantes ou azedos, frutas cítricas e sucos, alho, tomate e suco de tomate, chocolate, café, bebidas e produtos contendo hortelã-pimenta, bebidas carbonatadas e álcool. Vários mecanismos são pressupostos envolvendo o consumo desses alimentos e o agravamento dos sintomas da DRGE, como a diminuição da tensão do esfíncter esofágico inferior, retardo do esvaziamento gástrico, estímulo dos receptores sensoriais no esôfago e o aumento da secreção de ácido clorídrico (PEHL et al., 1999; RODRIGUEZ-STANLEY et al., 2000; MYKLEBUST et al., 2003; HAMPEL; ABRAHAM; EL-SERAG, 2005). Como vimos, estudos anteriores se concentraram em analisar os tipos de alimentos e bebidas em termos de sua fisiopatologia nos sintomas da DRGE. Recentemente, tem sido colocado que padrões dietéticos, incluindo a composição de macronutrientes e comportamento alimentar estão envolvidos, e que podem fazer parte de uma abordagem mais prática para os pacientes (NEWBERRY; LYNCH, 2019). Confira no Quadro 4 a pressuposição de relação entre DRGE e a dieta. UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 10 QUADRO 4 – RELAÇÃO DRGE E DIETA Alvo dietético Mecanismo proposto dos sintomas da DRGE Alimentos específicos e bebidas Alimentos e bebidas ácidas Irritação direta da mucosa esofágica Carbonatação Aumento da distensão gástrica/ relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior. Café Redução do tônus do esfíncter esofágico inferior. Álcool Redução do tônus do esfíncter esofágico inferior/ Motilidade gástrica. Chocolate Redução do tônus do esfíncter esofágico inferior. Menta Redução do tônus do esfíncter esofágico inferior. Alimentos picantes Irritação direta da mucosa esofágica Macronutrientes Gorduras Redução do tônus do esfíncter esofágico inferior/ Motilidade gástrica. Carboidratos Redução do tônus do esfíncter esofágico inferior. Comportamento alimentar Comer tarde da noite Aumento da produção de ácido clorídrico Refeição volumosaAumento da distensão gástrica/ relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior. Refeição com densidade calórica Aumento da distensão gástrica/ relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior. FONTE: Adaptado de Newberry e Lynch (2019) Na clínica é comumente recomendado que se evitem tipos específicos de bebidas para o tratamento da DRGE, porém, a maioria dessas recomendações é baseada em evidências limitadas. Bebidas ácidas, por exemplo, são cotadas por piorar a DRGE e demonstrou-se que os fluidos fisiologicamente ácidos reduzem o pH do conteúdo estomacal refluído e aumentam o tempo de depuração esofágica, contudo, na prática, a correlação dos sintomas com a ingestão de bebidas ácidas não é clara (GOMES; DANTAS, 2014). Além disso, costuma-se orientar os pacientes a evitar alimentos e temperos picantes, porém, assim como nas bebidas, essas recomendações são baseadas em dados limitados e precisam ser personalizadas para cada indivíduo. Outro exemplo é a utilização da hortelã, uma pequena parcela dos pacientes relata gatilho do DRGE ao consumi-la. Em contrapartida, alimentos condimentados podem agir como irritante direto da mucosa esofágica, indicando que paciente sensíveis a esses temperos podem obter benefícios ao evitá-los (NEWBERRY; LYNCH, 2019). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 11 Existem, também, hipóteses de que dietas ricas em gorduras, que incluem alimentos fritos ou gordurosos, podem piorar os sintomas da DRGE. A gordura é caloricamente densa e a digestão frequentemente requer a secreção de irritantes esofágicos potenciais (sais biliares, por exemplo) e mediadores neuro-hormonais do tônus do esfíncter esofágico inferior (ou seja, colecistoquinina). Porém, as pesquisas que relacionam o tipo de gordura e os sintomas da DRGE precisam avançar (NEWBERRY; LYNCH, 2019). Além das gorduras, outro macronutriente que tem sido explorado e que tem demonstrado resultados mais conclusivos é o carboidrato. Estudos tem relacionado a ingestão de amido e açúcar simples a DRGE. A ingestão de dissacarídeos e amido levam a uma fermentação pelas bactérias do cólon, e esse processo de fermentação mostrou induzir a liberação neuro-hormonal e relaxamento do esfíncter esofágico inferior, levando ao sintoma de azia, comum em pacientes com DRGE, porém, o inverso foi encontrado com o consumo de fibras (NEWBERRY; LYNCH, 2019). Morozov, Isakov e Konovalova (2018) analisou 36 pacientes que apresentavam DRGE não erosiva que consumiam < 20 g/dia de fibra alimentar. Esses pacientes foram suplementados com Psyllium, 5 g três vezes ao dia (que apresenta 12,5 g de fibras solúveis), diluído em 150 ml de água. Os autores concluíram que a modificação da dieta com adição de 12,5 g de fibra solúvel ao dia levou à diminuição da frequência dos sintomas de DRGE, aumento da pressão de repouso do esfíncter esofágico inferior e diminuição do número de refluxos gastroesofágicos. Esses achados são promissores e sugerem que as intervenções nutricionais podem ser eficazes no manejo da DRGE. Planos alimentares que reduzem os gatilhos comuns da DRGE, como a redução da ingestão de açúcares e gorduras saturadas e aumento da ingestão de fibras podem ser efetivas para pacientes que procuram um planejamento alimentar abrangente (NEWBERRY; LYNCH, 2019). Estudos já sugerem a adesão a uma dieta do tipo mediterrânea composta por alta ingestão de frutas, vegetais, grãos inteiros e gorduras insaturadas, a qual tem demonstrado menor incidência dos sintomas relacionados a DRGE (MONE et al., 2016). Quando analisamos a literatura, percebemos uma heterogeneidade no que se diz respeito à intervenção dietética na DRGE, porém, temas comuns são abordados. Deve-se ter em mente que o principal é a individualização da dieta com base nos sintomas, e a reintrodução de alimentos e hábitos deve ser realizada se houver controle ineficaz dos sintomas. Outro ponto importante, o tamanho da refeição, horários e composição dos macronutrientes parecem ser mais eficazes do que a eliminação do alimento, com foco na redução do volume da refeição, conteúdo de carboidratos (principalmente açúcar simples) e o horário de alimentação, tendo atenção aos padrões alimentares noturnos. Além disso, o estilo de vida deve ser modificado com a cessação do fumo, perda de peso e elevação da cabeceira da cama (NEWBERRY; LYNCH, 2019). UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 12 Um ponto importante a ser considerado em pacientes com DRGE é a utilização por tempo prolongado da classe de medicamentos inibidores da bomba de prótons. Apesar dos dados da literatura serem heterogêneos, já se sabe que o uso prologado dessa classe medicamentosa pode gerar deficiência de vitamina B12, hipomagnesemia, deficiência de ferro, demência, entre outros (HAASTRUP et al., 2018). Paciente, 27 anos, sexo masculino, sobrepeso (IMC de 29,9Kg/m2), engenheiro, diagnosticado com DRGE Los Angeles grau A, H. pylori negativo, relata sentir dores e regurgitação ao consumir iogurtes e pão. O médico gastroenterologista prescreveu Dexilant uma vez ao dia, após o almoço por três meses. Qual conduta nutricional poderia ser sugerida para esse paciente? • Como vimos, a dietoterapia deve ser individualizada, se o paciente relata desconforto no consumo de iogurtes e pão, estes devem ser excluídos da alimentação e reintroduzidos aos poucos quando os sintomas estiverem mais controlados. • A perda de peso deve ser incentivada, portanto, o déficit calórico deve ser realizado. • Paciente fará uso de IBP por tempo prolongado, por isso deve-se ter atenção ao consumo de fontes de vitamina B12, cálcio, magnésio e ferro. Se apresentar sinais e sintomas característicos de deficiência nutricional, exames de sangue podem ser solicitados para confirmação e início de suplementação deve ser realizado com doses adequadas. • Orientações gerais com relação a hábitos de vida saudáveis e elevação da cabeceira da cama devem ser realizadas. INTERESSA NTE 2.2 GASTRITE Como vimos, o TGI é responsável pela digestão e absorção. Sempre que comemos algo, o alimento passa pelo esôfago e chega até o estômago, onde sofre ação do suco gástrico (ácido clorídrico e pepsina), que deve ser ácido para facilitar a absorção de vitaminas e minerais e proteger de bactérias patogênicas. Fatores que modifiquem esse ácido diminuem a qualidade da digestão e predispõem o indivíduo a sintomas como queimações, azia, gases e refluxo. 2.2.1 Fisiopatologia da Gastrite A mucosa do estômago, além de revesti-lo, protege as células contra o ácido, porém, quando a mucosa se encontra inflamada, o estômago reduz a produção de ácido, enzimas e muco protetor. A gastrite nada mais é do que a inflamação da mucosa do estômago, que se desenvolve como uma resposta do organismo a uma agressão à sua integridade, desencadeando sintomas característicos e processos diferentes nos quais é possível classificá-la em aguda ou crônica (CCD, 2018). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 13 A classificação de gastrite aguda ou crônica concentra-se no curso do tempo, características histológicas, distribuição anatômica e mecanismos patológicos subjacentes. A Helicobacter pylori é a causa mais comum de gastrite em todo o mundo, porém, indivíduos H. pylori negativos com dispepsia funcional ou DRGE não erosivo também podem apresentar gastrite (AZER; AKHONDI, 2020). Outra causa é a gastrite autoimune associada a anticorpo antiparietal e antifator intrínseco sérico. É caracterizada por gastrite atrófica crônica limitada ao corpo e fundo do estômago que causa atrofia difusa acentuada das células parietais e principais (AZER; AKHONDI, 2020). A gastrite autoimune é crônica, em que as células T CD4+ têm como alvo as células parietais, levando à perda das células parietais e das células principais com eventual atrofiada mucosa. Essa perda das células parietais promove uma acloridria constante, fazendo com que as células G antrais produzam continuamente gastrina. Sem essas células parietais o ciclo de feedback fica comprometido e o resultado é um estado de hipergastrinemia. Além disso, a perda completa de células parietais leva à falta de produção de fator intrínseco que, se grave, pode resultar em anemia perniciosa. Essa hipergastrinemia leva à hiperplasia das células tipo enterocromafina. O ácido clorídrico é necessário para a absorção de ferro inorgânico, e pacientes que apresentam gastrite autoimune podem apresentar deficiência de ferro (HALL; APPELMAN, 2019). Além disso, a gastrite também pode ser dividia em erosiva e não erosiva. A gastrite do tipo erosiva é mais grave e consiste na inflamação e corrosão do revestimento gástrico, desenvolve-se subitamente (gastrite erosiva aguda) ou lentamente (gastrite erosiva crônica) normalmente em pessoas saudáveis. Já a gastrite não erosiva é caracterizada por alterações no revestimento gástrico que variam de desgaste (atrofia) até transformação do tecido gástrico em outro tipo de tecido intestinal (metaplasia) (VAKIL, 2020). Para entender melhor o sistema digestório sugere-se a leitura: • RODRIGUES, S. S.; FONSECA, C. C.; NEVES, M. T. D. Células endócrinas do sistema gastroenteropancreático: conceitos, distribuição, secreções, ação e controle. Arq. Ciên. Vet. Zool. UNIPAR, Umuarama, v. 8, n. 2, p. 171-180, 2005. Disponível em: https://core. ac.uk/download/pdf/235581967.pdf. • HUNT, R. H. et al. The stomach in health and disease. Gut, [S. l.], v. 64, n. 10, p. 1650-1668, 4 set. 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/281510130_The_ stomach_in_health_and_disease. DICAS UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 14 As manifestações clínicas não são típicas na gastrite. Ocorre um início súbito de dor epigástrica, náuseas e vômitos, porém, muitas pessoas são assintomáticas ou desenvolvem sintomas dispépticos mínimos. Histórico de tabagismo, consumo de álcool, ingestão de anti- inflamatórios não esteroidais (AINES) ou esteroides, alergias, radioterapia ou distúrbios da vesícula biliar devem ser considerados na anamnese de um paciente com suspeita de gastrite, além disso, história de tratamento para doença inflamatória intestinal, distúrbios vasculíticos ou distúrbios gastrointestinais eosinofílicos pode exigir exploração se nenhuma causa de gastrite for aparente (AZER; AKHONDI, 2020). Como é feito o diagnóstico da gastrite? Com relação ao diagnóstico, as investigações laboratoriais, gastroscopia, exame histológico e microbiológico das biópsias são essenciais para o diagnóstico da gastrite e suas causas. Quando a gastrite está associada ao H. pylori, o tratamento promove um rápido desaparecimento da infiltração polimorfonuclear e na redução do infiltrado inflamatório crônico com a normalização da mucosa (AZER; AKHONDI, 2020). 2.2.2 Dietoterapia na Gastrite Basicamente, o tratamento será guiado conforme a tolerância do paciente e conforme os sintomas apresentados. Os achados mais comuns para a gastrite crônica e autoimune são os distúrbios hematológicos como a anemia (deficiência de ferro), sintomas neurológicos associados à deficiência de vitamina B12 (HERSHKO; IANCULOVICH; SOUROUJON, 2007; NEUMANN et al., 2013). Deve-se verificar se o paciente faz uso de medicamentos inibidores da bomba de prótons (IBPs) (omeprazol e similares), se sim, é necessária uma avaliação do estado nutricional através de exames bioquímicos. Os IBPs suprimem a secreção de ácido gástrico por meio da inibição da enzima H+/K+-ATPase na superfície secretora das células parietais. Por serem inibidores irreversíveis desta enzima, seu uso crônico é preocupante, pois essa redução da acidez gástrica pode promover complicações na absorção de nutrientes como é o caso do ferro, vitamina B12 e cálcio (LIMA; NETO FILHO, 2014), o que pode levar a inúmeras disfunções. Para a absorção de vitamina B12 é necessário o Fator Intrínseco (FI), um produto secretado pelas células parietais do estômago no íleo terminal após ser extraído pelo ácido gástrico (Figura 3). A B12 atua na função neurológica, produção de glóbulos vermelhos e síntese de DNA, é cofator para reações de conversão de ácido metilmalônico em succinil coenzima A; a conversão de homocisteína em metionina; e a conversão de 5-metiltetrahidrofolato em tetrahidrofolato (LANGAN; GOODBRED, 2017), portanto, sua deficiência gera prejuízos importantes à saúde. TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 15 FIGURA 3 – ABSORÇÃO E TRANSPORTE DE VITAMINA B12 FONTE: Adaptada de Langan e Goodbred (2017) Com relação ao uso de IBP e o cálcio, as evidências epidemiológicas sugerem uma associação entre o uso crônico de IBP e o risco de fraturas osteoporóticas, porém, os mecanismos ainda não estão elucidados, sendo necessárias mais pesquisas. Não se deve desencorajar o uso dessa classe de medicamentos em pacientes com indicações apropriadas, sendo que o princípio geral dessa terapia é a menor dose possível necessária para se atingir os objetivos terapêuticos, além disso o uso de suplementação de cálcio pode ser uma boa estratégia associada ao uso de IBPs (YANG, 2008). Com relação às plantas medicinais, alguns estudos apresentam a Maytenus ilicifolia como um potente agente antiúlcera e gastrite. O mecanismo ainda é desconhecido, mas pode estar relacionado a sua interferência na liberação e efetividade das substâncias secretagogas ácido-base. Promove uma potente redução da hipersecreção gástrica acompanhada por redução na liberação de óxido nítrico, sugerindo um importante papel do mecanismo óxido nítrico dependente, UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 16 pois há a hipótese de que a inativação da bomba H+/K+-ATPase e a modulação óxido nítrico dependente são os principais mecanismos de ação gastroprotetora. Estudos mostram que o triterpenos ativos da M. ilicifolia são capazes de estimular a produção de fatores de proteção como muco, ou de manter os níveis ótimos de prostaglandinas gástricas na mucosa (ANVISA, 2016). Segundo a Resolução CFN n° 556, de 11 de abril de 2015: Art. 2° O art. 3° da Resolução CFN n° 525, de 25 de junho de 2013, publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, Edição de 28 de junho de 2013, página 141, passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 3° O exercício das competências do nutricionista para a prática da Fitoterapia como complemento da prescrição dietética deverá observar que: I- a prescrição de plantas medicinais e chás medicinais é permitida a todos os nutricionistas, ainda que sem título de especialista; II- a prescrição de medicamentos fitoterápicos, de produtos tradicionais fitoterápicos e de preparações magistrais de fitoterápicos, como complemento de prescrição dietética, é permitida ao nutricionista desde que seja portador do título de especialista em Fitoterapia, observado o disposto no § 4° deste artigo. § 4° Para a outorga do título de especialista em Fitoterapia, a Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN), atendido o disposto no § 1° deste artigo, adotará regulamentação própria, a ser amplamente divulgada aos interessados, prevendo os critérios que serão utilizados para essa titulação (CFN, 2015, p. 1). IMPORTANT E O QUE É GASTRITE NERVOSA? Que as doenças que acometem o estômago provocam desconfortos e incômodos já sabemos. Dores estomacais, queimação, acidez e refluxo são alguns dos sintomas relacionados a gastrite. Porém, a dúvida é: o que fazer em casos em que os fatores estresse e ansiedade desencadeiam os sintomas sem que de fato haja uma inflamação presente? O termo “gastrite nervosa” é bem comum e usado pela população, porém, não é correto. Como vimos, a gastrite trata-se de um processo inflamatório, porisso, quando o indivíduo apresenta uma inflamação no estômago emprega-se o termo gastrite. Essa patologia pode ocorrer por diversos motivos, como infecções bacterianas, medicamentos ou álcool. TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 17 2.3 ÚLCERA GÁSTRICA As úlceras pépticas (UP) têm como características lesões ulcerosas na mucosa gastroduodenal gerando dor epigástrica e causando até sangramentos gastrointestinais. Essa doença pode acometer o esôfago inferior, duodeno superior e porção inferior do estômago (DUNLAP; PATTERSON, 2019). O problema está na confusão que as pessoas fazem com as manifestações decorrentes de outras situações que também afetam o funcionamento do trato gastrointestinal como o estresse, e acabam chamando de gastrite nervosa, porém, se não há inflamação presente, não é gastrite. Várias são as causas possíveis para doenças que acometem o estômago e muitas delas podem ser provocadas por problemas emocionais. Muitas vezes, indivíduos submetidos a situações estressantes, seja na vida pessoal ou profissional, acabam manifestando esses sintomas. Um ponto importante a ser considerado é que mesmo que haja a manifestação dos sintomas e não se apresente uma gastrite real (por falta de inflamação), o cuidado com a alimentação é fundamental, afinal ela é o combustível que faz a magnífica máquina humana funcionar perfeitamente. Indivíduos que apresentam essas alterações gástricas (sem inflamação presente) e que promovem uma mudança na alimentação, relatam benefícios. Essas mudanças são: diminuição do consumo de refrigerantes, frituras, comidas gordurosas com molhos, café e chocolate. Apesar da gastrite nervosa não se tratar de uma inflamação no estômago, alguns tratamentos podem melhorar o quadro. Precisa ser identificado a causa do problema, seja ela alimentar ou psicológica e a intervenção adequada deve ser realizada. FONTE: <http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/53566-o-que-e-a- gastrite-nervosa>. Acesso em: 23 fev. 2021. 2.3.1 Fisiopatologia da Úlcera Gástrica A UP ocorre em áreas expostas ao ácido e pepsina, sendo designada como uma ruptura na mucosa que reveste o estômago e se estende através da mucosa muscular. A UP clássica é definida como uma recorrência crônica, indicando uma cicatrização defeituosa da ferida. Os sintomas são periódicos, de forma aguda diminuem a intensidade e se repetem de tempos em tempos (SHIOTANI; GRAHAM, 2002; GRAHAM, 2014). Sua incidência é aumentada com a idade, ocorrendo, na maioria das vezes, em indivíduos com idade entre 25 e 64 anos. O tratamento, a avaliação correta e a detecção precoce previnem complicações relacionadas (DUNLAP; PATTERSON, 2019). UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 18 A mucosa de pacientes com UP é desequilibrada por infecções, ruptura de barreira ou hipersecreção de ácido gástrico. Os fatores de riscos associados ao desenvolvimento da UP incluem infecção por H. pylori, consumo de álcool, tabagismo, uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), jejum persistente, síndrome de Zollinger-Ellison, tratamento de câncer com inibidores da angiogênese e cirurgia bariátrica (KEMPENICH; SIRINEK, 2018). Além da dor, outros sinais e sintomas podem ser característicos da UP dependendo da localização da ferida e da idade do paciente. Os sinais e sintomas incluem: dor abdominal epigástrica, inchaço, plenitude abdominal, náusea e vômito, perda/ganho de peso, hematêmese, melena. Alguns sinais e sintomas que podem sugerir agravamento da UP são: perda de peso, disfagia progressiva, anemia significativa e êmese recorrente (MALIK; GNANAPANDITHAN; SINGH, 2020). Algumas complicações que também podem surgir incluem sangramento, perfuração, penetração e obstrução da saída gástrica, sendo que as úlceras grandes (>1 cm) localizadas no canal pilórico estão associadas a complicações (LAU et al., 2011; KAVITT et al., 2019). A mucosa gástrica exibe especificidades na estrutura e função, e possui mecanismos específicos de controle para garantir a homeostase e integridade (NIV; BANIC, 2014). As linhas de defesa envolvidas na proteção da mucosa gástrica são: a camada de muco, o epitélio da superfície de mucosa e toda a sua rede vascular (YANDRAPU; SAROSIEK, 2015). Agressões são constantemente neutralizadas por mecanismos de controle interligados para manter a integridade da barreira, são eles: o controle do fluxo sanguíneo da mucosa, a secreção de muco e bicarbonato, a renovação constante das células e o controle neuronal e hormonal dos mecanismos de defesa (NIV; BANIC, 2014). Dentre os fatores agressores podemos citar a secreção de ácido gástrico, a qual tem como função matar micro-organismos (como a H. pylori, por exemplo), auxiliar na digestão de proteínas, facilitar a absorção de nutrientes como ferro não heme, cálcio e vitamina B12. Quando ocorre um desequilíbrio nessa regulação, ocorrendo um aumento considerável de ácido e pepsina, ocorrem as úlceras (SCHUBERT, 2017). Outro fator agressor é o consumo de anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), os quais tem como função a inibição das COX (COX-1 e COX-2). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 19 2.3.2 Dietoterapia na Úlcera Gástrica A dietoterapia na úlcera péptica é para prevenir a hipersecreção de ácido gástrico com o objetivo de reduzir a ferida e a dor na mucosa gástrica ou duodenal. Além disso, o foco se dá na cicatrização, sendo a investigação de possíveis carências nutricionais essenciais para um manejo dietético adequado, visto que esse paciente possui deficiências nutricionais individuais e pode vir a ter patologias associadas (VOMERO; COLPO, 2014). Muitos nutrientes são envolvidos no processo de cicatrização e sistema imunológico, dentre eles podemos citar o zinco, selênio, vitamina A, proteínas, entre outros. Veja no Quadro 5 as recomendações nutricionais para pacientes com úlcera péptica. A inibição da COX tem impactos na microcirculação do TGI, pois quando ocorre uma lesão, essas moléculas aumentam o fluxo sanguíneo e a inibição da COX reduz esse fluxo sanguíneo compensatório, além disso induzem a expressão de moléculas de adesão de neutrófilos no endotélio prejudicando mecanicamente o fluxo sanguíneo vascular. Por isso, a inibição da COX é um fator muito importante envolvido nos danos do TGI induzidos por AINEs (FIORUCCI; DISTRUTTI, 2011; BJARNASON et al., 2018; GARCÍA-RAYADO; NAVARRO; LANAS, 2018). Além disso, a infecção por H. pylori pode causar uma inflamação aguda, crônica e mista, estimulando as células de defesa. A infecção por H. pylori é conhecida como um fator de risco para carcinoma gástrico, porém, a maioria dos indivíduos não apresentam sintomas, e com a evolução da infecção isso pode acarretar em UP e gastrite (IENI et al., 2016; DIACONU et al., 2017). Para o tratamento da UP se faz necessário o uso de medicações. Os antagonistas seletivos dos receptores de histamina do tipo 2 (H2-RAs) são utilizados no tratamento de úlceras duodenais e gástricas, refluxo gastroesofágico e azia comum e são bem tolerados, porém, têm sido associados a lesões hepáticas aparentes (LIVERTOX, 2018). Os inibidores da bomba de prótons (IBP) são mais potentes na supressão da secreção de ácido gástrico e amplamente utilizados no tratamento de patologias gástricas, como o refluxo gastroesofágico e a úlcera péptica (LIVERTOX, 2019). UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 20 QUADRO 5 – RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA PACIENTES COM ÚLCERA PÉPTICA Características Recomendações Recomendações energéticas diárias Suficientes para manutenção ou recuperação do estado nutricional. 20-25 kcal/Kg: perda de peso 25-30 Kcal/Kg: manutenção 30-35 Kcal/Kg: ganho de peso Fase aguda Fase de recuperação Carboidratos (%) 50 – 60 50 – 60 Proteínas (g/kg de peso)1.2 1.5 Lipídios (%) 25-30 25-30 Zinco (mg) 11 40 Selênio (µg) 55 400 Vitamina A (µg) 900 3000 Vitamina C (mg) 75 500 Vitamina B12 (µg) 2.4 2.4 Ácido fólico (µg) 400 400 Ferro (mg) 45 45 Fibras (g) 20 a 30 20 a 30 Probióticos (UFC/dia) 109 a 1011 bactérias ácido láticas 109 a 1011 bactérias ácido láticas FONTE: Vomero e Colpo (2014, p. 300) As fibras produzem efeitos fisiológicos diferentes no organismo. As fibras solúveis são responsáveis pelo aumento da viscosidade do bolo fecal, enquanto as fibras insolúveis aumentam o volume das fezes, reduzem o tempo de trânsito no intestino grosso e tornam a eliminação fecal mais fácil e rápida. Uma dieta rica em fibras para pacientes com UP é recomendada, pois as fibras atuam como tampões, reduzindo as concentrações dos ácidos biliares no estômago e o tempo de trânsito intestinal, resultando em menor distensão abdominal reduzindo o desconforto e a dor epigástrica (MAROTTA; FLOCH, 1993). Já que a literatura fala em fibras, será que podemos associar probióticos? Outra recomendação nutricional bem discutida na literatura é o uso de probióticos. O uso de probióticos na UP é devido ao tratamento da infecção por H. pylori, a qual desempenha um papel na patogênese da gastrite e da UP. Há a hipótese de que os probióticos apresentam agentes terapêuticos contra o H. pylori, porém, não erradicam a bactéria, apenas possuem a capacidade de reduzir a carga bacteriana e, consequentemente, a infecção (SUERBAUM; MICHETTI, 2002; SGOURAS et al., 2005; VASILJEVIC; SHAH, 2008). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 21 Outro ponto importante para a erradicação da H. pylori é o uso de antioxidantes como a vitamina C, a qual mostrou ser mais eficientes em doses menores por um período mais prolongado. Assim, sugere-se que pacientes que apresentem H. pylori podem se beneficiar de uma suplementação de até 500 mg/dia de vitamina C por um período de três meses (ZOJAJI et al., 2009). Grandes estudos (1100 pacientes) demonstraram que a concentração plasmática de vitamina C foi 20% menor em indivíduos infectado por H. pylori do que em controles negativos. A infecção por H. pylori pode causar uma inativação irreversível da vitamina C ingerida no lúmen intestinal antes de sua absorção. Quando os níveis de pH intragástrico aumentam (hipocloridria) o ácido ascórbico é convertido na sua forma menos ativa (ácido desidroascrórbico), assim, o pH gástrico é um fator chave na depleção de vitamina C em pacientes com problemas gástricos (WARING et al., 1996; WOODWARD; TUNSTALL-PEDOE; MCCOLL, 2001; CAPURSO et al., 2003; FRANCESCHI, 2014). Pacientes infectados por H. pylori podem apresentar deficiência de vitaminas (vitamina C, vitamina A, α- tocoferol, vitamina B12 e ácido fólico) e alguns minerais essenciais. A vitamina B12, por exemplo, está ligada a outras proteínas e sua liberação está relacionada com o pH gástrico. Uso de antiácidos e um pH intragástrico modificado, causado pelo H. pylori, são os principais fatores de má absorção de vitamina B12 (FRANCESCHI, 2014). O β-caroteno é uma provitamina A, sua biodisponibilidade depende do estado de saúde do TGI, sendo que a hipo ou acloridria diminui significativamente a biodisponibilidade do β-caroteno. Há a hipótese de que o H. pylori reduz a biodisponibilidade do β-caroteno como consequência do lento movimento da micela contendo a vitamina através da membrana dos enterócitos devido à sua carga negativa extrema derivada de um meio não-ácido (FRANCESCHI, 2014). A deficiência de folato se dá por consequência da diminuição da concentração de vitamina C no suco gástrico e um aumento do pH intragástrico, clássico de uma infecção por H. pylori (FRANCESCHI, 2014). Segundo Vomero e Colpo (2014), ter uma alimentação balanceada é importante no tratamento da UP, dado que os alimentos podem prevenir, tratar ou até mesmo aliviar os sintomas que envolvem o desenvolvimento dessa patologia. Porém, poucos artigos trazem recomendações atualizadas acerca da dietoterapia na UP, sendo necessários estudos adicionais mais específicos no tratamento nutricional da UP. Veja, no Quadro 6, a classificação dos alimentos na dietoterapia da UP. UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 22 QUADRO 6 – ALIMENTOS PERMITIDOS, CONSUMO COM MODERAÇÃO E PROIBIDOS NA UP Grupo alimentar Permitidos Com moderação Proibidos Leite Leite, queijos magros, iogurtes e leite fermentado Queijos gordurosos (mascarpone, cream cheese, gorgonzola) - Oleaginosas Linhaça, castanha do Brasil e nozes - - Óleos Óleos vegetais e azeite de oliva - Alimentos fritos Frutas Maçã, mamão, melão, banana Laranja, abacaxi, acerola, maracujá Limão Vegetais Vegetais com folhas verdes escuras, cenoura, beterraba, feijão verde, espinafre, couve, rabanete, abobrinha, alho-poró Brócolis, couve-flor, repolho, pepino, cebola, pimenta vermelha Pimentas picantes (pimenta preta, pimentões) Legumes Sopa de feijão, lentilha, grão-de-bico e soja Feijão - Carnes Carne magra (boi, porco, frango, peixe) Carnes gordurosas, carnes de órgãos e salsichas - Doces - Doces concentrados Chocolate Bebidas Sucos naturais Sucos de frutas ácidas/cítricas Café, chá preto, refrigerantes / refrigerantes à base de cola Outros alimentos - Temperos, especiarias e condimentos industrializados (Ketchup, maionese, mostarda) Grãos de mostarda FONTE: Vomero e Colpo (2014, p. 300) 2.4 PANCREATITE O pâncreas humano é um órgão que exerce função de duas glândulas: glândula exócrina e glândula endócrina. A glândula exócrina é formada por células ácidas pancreáticas e células ductais que produzem enzimas digestivas e bicarbonato de sódio, respectivamente. O pâncreas exócrino tem como função principal secretar enzimas digestivas responsáveis pela digestão e absorção dos alimentos, e assimilação dos nutrientes em nosso organismo. A glândula endócrina é constituída de cinco tipos de células de ilhotas secretoras e secreta hormônios peptídicos responsáveis pela homeostase da glicose. As funções pancreáticas são reguladas por mecanismos neurócrino, endócrinos e parácrinos, sendo que um desequilíbrio tem impactos na saúde e na doença (LEUNG, 2010). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 23 2.4.1 Fisiopatologia na Pancreatite Quais distúrbios acometem o pâncreas? Entre os distúrbios do pâncreas está a pancreatite. Ela pode ser dividida em aguda e crônica. A pancreatite aguda (PA) é uma inflamação do parênquima glandular do órgão retroperitoneal que leva à lesão com ou sem destruição do ácinos pancreáticos. Essa inflamação pode resultar em uma doença autolimitada ou desenvolver complicações com risco de vida. Já a pancreatite crônica (PC) é caracterizada por uma síndrome que consiste em disfunção das glândulas endócrinas e exócrinas que se desenvolvem secundariamente à inflamação progressiva e fibrose crônica dos ácinos pancreáticos com dano estrutural permanente. A recorrência da PA pode resultar em PC (HAMMAD; DITILLO; CASTANON, 2018). Há ainda uma subdivisão da PA em: pancreatite edematosa intersticial e pancreatite necrosante (BANKS et al., 2012). A pancreatite intersticial é definida pelo aumento do pâncreas no exame de imagem. Ocorre um borramento peripancreático que pode ser visto e constitui um sinal de inflamação. A maioria dos pacientes apresentam este tipo de pancreatite, sendo, na maioria dos casos, autolimitada. Já a pancreatite necrosante é caracterizada pela necrose pancreática e/ou peripancreática. É mais bem visualizada em cortes transversais de exame de imagem com contraste. Esta pancreatite está associada a um curso prolongado e mais grave da doença (BARTEL, 2019). A PC é caracterizada por fibrose e inflamação do pâncreas em indivíduos com fatores de risco genéticos, ambientais e outros como hipertrigliceridemia. A PC tem como característica a atrofiapancreática, fibrose, restrições ductais e distorções, calcificação, displasia, insuficiência exócrina, diabetes, e dor crônica (SINGH; YADAV; GARG, 2019). Com relação ao diagnóstico, a tomografia computadorizada (TC) com contraste é um teste inicial e deve ser realizada em todos os indivíduos com suspeita de PC. A amilase e a lipase são marcadores séricos para diagnosticar PA, mas não PC (SINGH; YADAV; GARG, 2019). Veja, na Figura 4, um esquema que auxilia no diagnóstico da PC. UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 24 FIGURA 4 – FLUXOGRAMA PARA DIAGNÓSTICO DA PC FONTE: Adaptada de Singh, Yadav e Garg (2019) Já o diagnóstico da pancreatite aguda precisa preencher três das seguintes características (BANKS et al., 2012): • dor abdominal consistente com pancreatite aguda (início agudo de dor epigástrica persistente e severa, geralmente com irradiação para as costas); • atividade da lipase sérica (ou atividade da amilase) pelo menos três vezes maior que o limite superior do normal; • achados característicos de pancreatite aguda na tomografia computadorizada com contraste (CECT) e, menos comumente, na ressonância magnética (MRI) ou ultrassonografia transabdominal. Se a dor abdominal sugerir fortemente que a pancreatite aguda está presente, mas a atividade da amilase e/ou lipase sérica for menor que três vezes o limite superior do normal, como pode ser o caso com apresentação tardia, exames de imagem serão necessários para confirmar o diagnóstico. Se o diagnóstico de pancreatite aguda é estabelecido por dor abdominal e pelo aumento da atividade das enzimas pancreáticas séricas, geralmente não é necessário um CECT para o diagnóstico na sala de emergência ou na admissão ao hospital (BANKS et al., 2012). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 25 2.4.2 Dietoterapia na Pancreatite Estudos mostram que 70-75% dos pacientes com pancreatite aguda apresentam a forma leve da doença, na qual a mortalidade é em torno de 1%. Esses indivíduos apresentam um bom estado nutricional, que usualmente não se modificam com a evolução da doença, porém, nos 25% que desenvolvem a forma grave da doença geralmente apresentam problemas nutricionais, pois sofrem uma intensa inflamação com repercussão metabólica, internação prolongada às vezes necessitando de terapia intensiva e com frequência apresentam sepse e necessidade de cirurgias (SBNPE, 2011a). A inflamação gera estresse oxidativo e catabolismo, causando grande mobilização de reservas energéticas, principalmente de massa magra, refletindo uma perda nitrogenada de grande proporção (SBNPE, 2011a). Os pacientes que apresentam a forma grave da doença ainda agravam com desnutrição pela dificuldade de manter a Terapia Nutricional (TN) por apresentarem condições diferentes: dor abdominal, íleo prolongado, necessidade de jejum para diversos exames ou operações (SBNPE, 2011a). Na PA leve o tratamento consiste em jejum, hidratação e o médico entrará com analgesia (antiespasmódicos). O jejum deve ser mantido até a melhora do quadro clínico, principalmente da dor, a realimentação geralmente ocorre em três a cinco dias. A hidratação deve ser vigorosa, visto que os pacientes apresentam hipovolemia em decorrência do sequestro de líquidos, portanto, a hidratação tem como objetivo melhorar a perfusão tecidual pancreática e tentar evitar a evolução para necrose (ROCHA et al., 2018). A TN artificial não é indicada em casos de PA leve se o paciente conseguir ingerir alimentos por via oral até cinco a sete dias após o início do quadro. A TN artificial só deve ser iniciada se não houver a possibilidade de o paciente receber alimentos por via oral após cinco a sete dias, e, em pacientes com PA grave, a TN deve ser iniciada assim que houver a estabilidade hemodinâmica (SBNPE, 2011a). Já na PA grave, a via de preferência deve ser a enteral (TNE), e quando houver impossibilidade de uso da via enteral a parenteral está indicada, ambas serão decididas em conjunto com a equipe multidisciplinar. Na via enteral o posicionamento jejunal é o mais recomendável (SBNPE, 2011a). O tipo de dieta indicado na PA é a oligomérica (baseada em peptídeos). A polimérica (padrão com proteínas intactas) deve ser tentada se tolerada. Não há evidências para recomendação do uso de TNE contendo imunonutrientes para pacientes com PA grave, porém, quando TNE jejunal, pode-se utilizar ômega-3 na fórmula TNE. UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 26 Recomenda-se ainda alto teor de triglicerídeos de cadeia média para TNE jejunal na PA grave. O uso de probióticos ainda é controverso e não está recomendado para PA aguda (SBNPE, 2011a). Já na PC, 50% dos pacientes são desnutridos, os quais apresentam grandes riscos ao estado nutricional, pois a PC aumenta o requerimento nutricional devido ao processo inflamatório crônico que leva ao hipermetabolismo e o hipercatabolismo. Esse estresse é muito semelhante ao observado na sepse, o qual caracteriza-se, como já citado, por mudanças hiperdinâmincas com hipermetabolismo e catabolismo. As alterações hemodinâmicas incluem aumento do débito cardíaco, diminuição da resistência vascular sistêmica e aumento do consumo de oxigênio (SILVA; FRANGELLA, 2009). Além disso, a ingestão persistente alcoólica, característica desses pacientes, já leva à desnutrição. Outro ponto é a presença da dor, a qual impede a ingestão oral de nutrientes, e, durante o curso da doença, a secreção de enzimas digestivas é gradualmente reduzida (SBNPE, 2011b). Na PC a subnutrição grave é uma consequência, sendo que os fatores que a predispõem são: diminuição da ingestão alimentar, aumento da atividade metabólica, disfunção na absorção dos nutrientes, dor pós-prandial, diabetes e abuso contínuo de álcool (SILVA; FRANGELLA, 2009). As primeiras recomendações terapêuticas são a abstinência alcoólica e um fracionamento maior da dieta com menor volume. Além disso, a administração de enzimas pancreáticas associada a uma alimentação adequada se mostra eficiente na maioria dos casos. Em pacientes que apresentam esteatorreia, a administração de triglicerídeo de cadeia média (TCM) é indicada. Quando não houver esteatorreia uma dieta normolipídica, rica em ácidos graxos de origem vegetal, é indicada. Na ausência de diabetes a dieta deve ser rica em carboidratos, caso a diabetes seja presente emprega-se o tratamento para DM1 (SILVA; FRANGELLA, 2009). Resumindo, a TN na PC tem como objetivo controlar a má absorção e melhorar a condição nutricional do paciente, evitando a evolução da desnutrição energético-proteica. O aconselhamento nutricional tem como base a ingestão fracionada de pequenas porções hipercalóricas (35 kcal/kg/dia), hiperproteica (1 a 1,5 g/Kg/dia), rica em carboidratos e pobre em gorduras (0,7 a 1,0 g/Kg/dia) com preferência para gordura vegetal (são mais bem toleradas) (SBNPE, 2011b). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 27 A princípio, a dieta normal com adição de enzimas pancreáticas é eficaz na melhora das condições clínicas e nutricionais do paciente com PC, sendo a “suplementação via oral com proteína hidrolisada, rica em vitaminas lipossolúveis, micronutrientes com ou sem TCM, quando necessária” (SBNPE, 2011b, p. 5). A TNE é indicada na PC para os pacientes que se encontram em uma fase grave e tardia da lesão pancreática na qual a TN oral não está sendo satisfatória. As TN oral ou enteral estão contraindicadas em pacientes que apesentam estenose duodenal grave. Já a terapia nutricional parenteral (TNP) está indicada em pacientes com obstrução gástrica secundária à estenose duodenal e em caso de fístulas pancreáticas (SBNPE, 2011b). A nutrição na PC é pouco explicada na comunidade científica, sendo necessários mais estudos para definição de condutas mais concretas visandomelhorar a assistência a essa população, além de contribuir para a prevenção e controle da doença, bem como para o surgimento de novas terapias mais específicas e eficazes (SILVA; FRANGELLA, 2009). 2.5 CÁLCULO BILIAR Os cálculos biliares são conhecidos como colelitíase, e consistem em massas na vesícula biliar ou no trato biliar causadas por níveis anormalmente elevados de colesterol ou bilirrubina na bile (LAMMERT et al., 2016). Veja na Figura 5. UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 28 FIGURA 5 – CALCIFICAÇÃO DOS CÁLCULOS BILIARES Legenda: a) as cores das pedras representam a composição, incluindo pedras de colesterol (amarelo) e pedras de pigmento (marrom e preto); b) visão endoscópica de cálculos secundários de colesterol (com uma cor amarela típica) no ducto biliar durante a recuperação do cálculo com uma cesta de Dormia. FONTE: Adaptada de Lammert et al. (2016) 2.5.1 Fisiopatologia do Cálculo Biliar As causas da colelitíase são multifatoriais. Fatores que afetam a produção hepática de colesterol, função da vesícula biliar (estase ou inflamação), produção de ácido biliar ou absorção intestinal de colesterol e ácidos biliares podem contribuir para a formação dos cálculos. Esses fatores podem ser modificáveis ou não, conforme descrito no Quadro 7 (LITTLEFIELD; LENAHAN, 2019). QUADRO 7 – FATORES DE RISCO MODIFICÁVEIS OU NÃO MODIFICÁVEIS NA COLELITÍASE Fatores de risco modificáveis Fatores de risco não modificáveis Outros fatores de risco Dislipidemia Idade ≥ 40 anos Cirrose Dieta hipercalórica Etnia Doença de Crohn Dieta pobre em fibras Histórico familiar Hiperbilirruibinemia Medicações: ceftriaxone (Rocefin), estrogênios (contraceptivos orais, terapia hormonal), fibratos, diuréticos tiazídicos. Sexo feminino Síndrome metabólica Predisposição genética Obesidade Anemias hemolíticas (anemia falciforme) TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 29 Perda de peso rápida ou flutuação de peso Gestação Sedentarismo Lesão da medula espinhal Fumo Diabetes tipo 2 FONTE: Adaptado de Littlefield e Lenahan (2019) A classificação dos cálculos biliares é feita com base na composição e localização, 90% dos cálculos biliares são compostos de colesterol, porém, outros tipos de cálculos (< 10%) são representados por pedras de pigmento preto e marrom (SCHAFMAYER et al., 2006). Além disso, podem ser classificados em extra-hepáticos (coledocolitíase) e cálculos intra-hepáticos (hepatolitíase) (SHODA et al., 2001). A bile é um líquido verde-escuro e marrom-amarelado, o qual contém 90% de água. Colesterol, fosfolipídios e sais biliares são os três principais componentes lipídicos da bile, além disso, também contém quantidades pequenas de proteínas e sais inorgânicos. Com base na composição química e aparência, os cálculos são divididos em dois tipos: colesterol e cálculos biliares pigmentares com etiologias diferentes (LAMMERT et al., 2016). Os cálculos biliares de colesterol são formados como consequência de uma falha na homeostase do colesterol biliar, quando o equilíbrio físico-químico da solubilidade do colesterol na bile é perturbado. A Figura 6 mostra os defeitos primários para a formação de cálculos biliares de colesterol, os quais promovem a cristalização do colesterol e a formação dos cálculos (LYONS; WITTENBURG, 2006; WANG; AFDHAL, 2014). FIGURA 6 – FATORES ENVOLVIDOS NA FORMAÇÃO DE CÁLCULOS BILIARES DE COLESTEROL FONTE: Adaptada de Lammert et al. (2016) UNIDADE 1 — NUTRIÇÃO CLÍNICA: TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS 30 Já os cálculos pigmentares são resultados do metabolismo anormal da bilirrubina. A bile de pacientes com cálculos pigmentares pretos ou marrons possui grandes quantidades de bilirrubina não conjugada. Os cálculos pretos são formados em precipitados complexos não infectados e facilitam seu crescimento em pedras. Alguns estudos têm demonstrado genes de susceptibilidade para a formação de cálculos biliares pigmentares (LAMMERT et al., 2016). Veja, na Figura 7, os fatores envolvidos na formação de cálculos biliares pigmentares. FIGURA 7 – FATORES ENVOLVIDOS NA FORMAÇÃO DE CÁLCULOS BILIARES PIGMENTARES FONTE: Adaptada de Lammert et al. (2016) Quais são os sinais e sintomas que esses pacientes apresentam? Os pacientes que desenvolvem colelitíase apresentam um início súbito de dor na região epigástrica ou no quadrante superior direito do abdome. A dor geralmente é descrita como moderada a grave, estável e possui pico uma hora após o início. Geralmente, a cólica se resolve gradualmente e pode durar de cinco a seis horas (STINTON; SHAFFER, 2012). Outros sintomas importantes são dor na região subescapular direita e/ ou ombro, conhecida como sinal de Collins, dor nas costas, náuseas e vômitos. Pode ocorrer também anorexia, sensação de saciedade, incapacidade de comer alimentos gordurosos e diarreia crônica. Outro ponto importante é se os cálculos estiverem obstruindo o ducto biliar comum, neste caso, o indivíduo pode apresentar esteatorreia ou fezes gordurosas e com odor fétido, isso ocorre como resultado da gordura não digerida no duodeno por causa da falta de bile (ABRAHAM et al., 2014; SUSUMU; MICHIAKI; YOSHINORI et al., 2017). TÓPICO 1 — FUNÇÕES DO TRATO GASTROINTESTINAL E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL SUPERIOR 31 O diagnóstico é feito através de ultrassonografia, a qual é considerada padrão ouro para o diagnóstico de colelitíase. O diagnóstico de colelitíase pode ser eliminado se a ultrassonografia mostrar uma parede da vesícula biliar e ducto biliar comum normais. O diagnóstico positivo pode consistir em espessamento da parede da vesícula biliar (4 mm), aumento da vesícula biliar ou fluido ao redor (LITTLEFIELD; LENAHAN, 2019). O tratamento da colelitíase vai depender da sintomatologia e da ausência de complicações. O tratamento é multifatorial e inclui modificações do estilo de vida, dieta e medicamentos. Como manejo farmacológico pode-se realizar o controle da dor, antieméticos ou agentes de dissolução. Em indivíduos com dor recorrente o manejo cirúrgico é o mais indicado (LITTLEFIELD; LENAHAN, 2019). 2.5.2 Dietoterapia no Cálculo Biliar Todo mundo conhece alguém que sofre ou já sofreu com cálculos biliares, mas como que o nutricionista deve realizar o manejo dietético desse paciente? O excesso de peso aumenta os riscos de cálculo biliar, assim, a perda de peso pode ser interessante nesses indivíduos, porém, se essa perda for excessiva e rápida, isso pode promover o desenvolvimento dos cálculos e aumentar o risco de cálculos biliares assintomáticos se tornarem sintomáticos, isso por que a perda rápida de peso aumenta a proporção de colesterol e sais biliares na vesícula e promove a estase biliar resultando em uma redução nas contrações da vesícula biliar (CIAULA et al., 2019). Além disso, sabe-se que uma dieta rica em colesterol aumenta a saturação de colesterol biliar, aumentando o risco de formação de cálculos biliares. Estudos observacionais têm demonstrado que a ingestão de gordura saturada ou trans está associada a um aumento na incidência de cálculos biliares e que a maior ingestão de ácidos graxos poli ou monoinsaturados reduz esse risco, porém, mais pesquisas são necessárias para se determinar as quantidades e proporções ideais desses ácidos graxos mono e poli-insaturados (CIAULA et al., 2019). Já é bem consolidado na literatura que a ingestão de açúcares refinados, como a sacarose e frutose, está associada ao sobrepeso e obesidade e isso favorece os cálculos biliares. Todavia, estudos têm levantado a hipótese que, além de serem obesogênicos, os açúcares refinados são também litogênicos, porém, ainda não houve comprovação que o consumo de açúcar refinado promove a formação de cálculos biliares, mas é recomendado que os indivíduos com riscos de desenvolver colelitíase evitem a ingestão excessiva de açúcar refinado (CIAULA et
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