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Na aula de hoje, trabalharemos aspectos orientais ligados à abordagem historiográfica. Em nosso estudo, você verá um pouco mais acerca de uma perspectiva diferente da qual estamos acostumados a lidar em nosso dia a dia, ou seja, terá a oportunidade de entender como enxergar o mundo por uma nova ótica, com diferentes valores, heranças e crenças. O Oriente e a Historiografia Olá, estudante! Seja bem-vindo(a)! Você já parou para refletir a respeito do ensino de História em nosso país? Os conteúdos abordados em nossas escolas brasileiras, via de regra, possuem uma viés eurocêntrico, não possibilitando uma abordagem que nos dê o outro lado da moeda (ou da própria história) vivenciado por civilizações que sabemos ser ainda mais antigas, reconhecidas como o berço da humanidade. O Oriente e a Historiografia Esse tipo de perspectiva eurocêntrica, dá margem para generalizações e anacronismos, além da formação de conceitos superficiais sobre aquilo que nos é desconhecido. Nesse sentido, frente a tantos desafios enfrentados em nossa atualidade, tendo como por exemplo, o mal da intolerância seguido da ignorância, conhecer a história do Oriente se faz necessário para a formação de sujeitos versados em uma história mais abrangente e pautada na diversidade, essencial para expandir as fronteiras culturais. É preciso aprender a respeitar outros pontos de vista para melhor conhecer as diferenças e semelhanças presentes na pluralidade desse vasto campo que é a História. O Oriente e a Historiografia José Nunes Carreira, em seu livro que trata sobre a História antes de Heródoto (1993), tem por objetivo definir de uma maneira mais explícita a historiografia e a ideia de história na Antiguidade Oriental, ultrapassando as vagas impressões que, com frequência, vêm ainda marcando esta área na bibliografia sobre a história da historiografia. O desafio está implícito no próprio título do livro, que utiliza um parâmetro Ocidental como referência: o ilustre Heródoto (484-425 a.C.), conhecido como “pai da História” - título cunhado pelo filósofo Cícero (106-43 a.C). Para Carreira, o caminho é romper com o dogmático ou mítico limiar herodiano para o aparecimento da historiografia. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental Ao adentrar pelos vastos espaços da historiografia médio-oriental antiga, Carreira decidiu que a melhor maneira de compreender a História numa perspectiva Oriental é não comparando-a com a História clássica e seus desdobramentos ocidentais, mas enquadrando-a no seu ambiente cultural e nos pressupostos essenciais de sua própria historiografia. Esta é a maneira de ultrapassar com realismo e perspectivas de eficácia definições prévias já determinadas pelos nossos parâmetros. Os critérios, os métodos e as atitudes são aqueles que se definem em uma análise específica, e não generalizada. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental O estudo das origens dos registros orientais se inicia pelos dados representativos de uma atitude historiográfica oriunda da Mesopotâmia. Apesar de certa homogeneidade na civilização mesopotâmica, a historiografia suméria e a acádica expressam cada uma certa ideia de história. Os Sumérios deixaram muitas referências históricas diretas, mas poucas criações literárias passíveis de serem denominadas historiografias. As próprias fontes históricas não são cunhadas num intuito de prover memória dos eventos para aqueles que sucederão a época registrada. Tendo em vista se tratar de um período muito primitivo, os dados mais relevantes consistem sobretudo na Lista dos Reis Sumérios (XXI a.C) - onde temos a ideia de História como sequência, demonstrando que cada dinastia experimenta bons ou maus tempos - e na Maldição de Agade (XXI a.C). De modo geral, os Sumérios enxergavam seu passado de um modo peculiar, o documentando a fim de prover lições práticas e demonstráveis: O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental A impressão que fica é de que os Babilônios e Assírios possuíam enorme interesse pelo passado. Alguns sinais vitais são responsáveis por estimular tal interesse na época: a curiosidade aliada pelo instinto de conservar, o poder e os anseios de fundamentar a legitimidade. Os reinos orientais e seus interesses não dispensaram o serviço da história. Acontecimentos políticos do século XII legitimam-se com uma suposta profecia do rei divinizado em vida Shulgi (2093-2046 a.C), da III dinastia de Ur. Já no século VII a.C, um usurpador assírio toma o nome dinástico de Sargão, reclamando a si não só o nome mas também o prestígio do grande Sargão de Akkad (outro usurpador), que viveu um milênio e meio antes. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental A Crônica de Weidner (escrita na antiga Babilônia), é o primeiro compêndio mesopotâmico sobre a ideia de história. De cunho partidário e doutrinário, uma manifestação abaixo do nível do pensamento de seu tempo, não deixa de ser, com seus problemas, um registro historiográfico. A Crônica se inicia no período Dinástico Primitivo (2750-2350 a.C), permeada de mitologia, mas tendo como seu ponto principal a dinastia de Sargão e os acontecimentos que sucederam até Shulgi. Nela a ideia de história aparece de forma simples: a ascensão e queda dos reis dependeu sempre de sua relação com o Esagil, o grande templo de Marduk localizado na Babilônia. Os que negligenciaram ou insultaram a Babilônia, Marduk e seu culto, tiveram um fim terrível, enquanto os que seus admiradores viveram felizes e em prosperidade. Assim, registra-se o conselho para os monarcas do tempo presente do registro e os futuros. (CARREIRA, 1993) O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental O esquema fundamental da historiografia suméria consiste em tempos bons e tempos ruins. Os deuses não atuam com total arbitrariedade, e sim recompensando os méritos e punindo as transgressões dos reis, únicos responsáveis pelos destinos da nação. Assim, da mera sequência de bons e maus períodos, emerge a consequência da ação humana. Chega-se a uma espécie de fórmula genérica: "aquele que peca contra os deuses, não terá sua estrela estável no céu" A presente concepção semita de pecado está a um passo significante de uma concepção imanentista - ponto de partida uma investigação imanente da condição humana, em sua imperecível busca pela realidade transcendente de Deus - da história. (CARREIRA, 1993) O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental No que diz respeito ao Egito, em matéria de produção historiográfica e de ideia de história, o vale do Nilo tem maior destaque para trabalho arquivístico ou interesse antiquário pelo passado, além da longa lista de faraós, confeccionadas e conservadas por razões de cultos funerários. No entanto, é no Império Novo, com a expansão para a Síria e o fim do isolamento, que ocorre o desabrochar de uma historiografia mais relevante, relativa à civilização faraônica. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental Em linhas gerais, ao falarmos em termos orientais, a ideia de história, própria e vigorosa, é o que impediu o desenvolvimento da historiografia como nós ocidentais entendemos e, ingenuamente, desejamos impor a todas as épocas e culturas. No antigo oriente, historiografia e literatura régia, se confundem, porque a história é função do rei divino. Em suma, só o faraó é objeto da historiografia, porque é em relação a ele que tudo acontece. Nesse sentido, escreve- se a história egípcia com a dogmática do rei-deus. Assim, o faraó e os egípcios são os únicos sujeitos da história, enquanto o resto do mundo não passa de objetos. No todo, podemos considerar a ideia egípcia de história como culto celebrado pelo faraó na qualidade de plenipotenciário dos deuses e garantidor da ordem. A alternância de cenas histórias com cenasde cultos nas paredes dos templos reforça tal ideia. (CARREIRA, 1993) O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental Ainda no palco da historiografia oriental antiga, os Hititas foram precoces no despertar para a historiografia, souberam colocar a história ao serviço da política, com aspectos propagandísticos. A ideia dos Hititas de história possui raízes orientais comuns a que vimos até aqui: teoria da história é, antes de mais nada, teologia da história. O passado não é evocado pelo simples prazer de narrar, mas para fundamentar teologicamente situações políticas do presente, e não para conservar fatos para a memória dos tempos adjacentes. Assim como os Mesopotâmios e Egípcios, os Hititas se interessavam mais pelas lições da história do que investigar o passado por si próprio. No quesito inovação, os Hititas são responsáveis pelo espaço concedido ao homem e a dimensão política da história. Há presença de argumentação histórica em documentos jurídicos, reflexão sobre a verdade histórica e ontológica, além de um grau abstração pouco comum no segundo milênio a.C, libertando a historiografia da mitologia. (CARREIRA, 1993) O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental Com o colapso dos Hititas temos o emergir do povo israelita. Nesse sentido, Israel soube debruçar-se sobre o seu passado e captá-lo com narrativas muito antes de organizar-se em um Estado. (CARREIRA, 1993). É preciso que compreendamos a distinção entre História e saga, mas percebamos ambas como forma legítimas de conservar a memória de um povo. Fortemente teológicas, tendo Deus como agente, as sagas enxergam a história fundamentalmente como etiologia e paradigma. Ao satisfazerem a curiosidade intelectual, respondendo questões sobre a origem de realidades atuais, servem ao leitor ou ouvinte a "moral da história" (paradigma). Três delas possuem grande destaque nos registros israelitas: História da Sucessão de David, História Javeísta, História Deuteronomista. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental Ainda segundo Carreira (1993), com destaque para a História da Sucessão de David, temos mais do que uma narração dos acontecimentos. É possível observar o domínio do registro das intrigas, dos personagens, das questões jurídicas, emaranhada numa teia de acontecimentos até então não vista. Os personagens atuam com personalidade e responsabilidade própria. Não há a presença de nenhum milagre, e sim o desenrolar dos fatos segundo as leis terrenas, Deus conduz a história por meio de causas segundas. Tal concepção teológica é nova a teologia e também a história, desenvolvida a inteira responsabilidade humana. Há aqui um rompimento com as antigas instituições sacras, aspirante da atmosfera do iluminismo salomónico, numa profanidade inteiramente desmistificada. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental Na História Javeísta, temos uma narrativa dinâmica com rudimentos de uma história nacional que dão lugar a uma história mundial, cujo os horizontes vão da Mesopotâmia ao Egito, onde incluem-se Arameus, Amonitas, Moabitas, Edomitas, Quenitas e Filisteus. De uma história política nasce uma história cultural e das mentalidades. O próprio objeto da História Javeísta é o homem com seus problemas, lidando o bem e o mal, o trabalho e a dor, os retrocessos morais que se misturam com os avanços culturais, diferentemente da realeza privilegiada que observamos na Lista dos Reis e das instituições o sagrado na Crônica de Weidner. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental No entanto, mesmo sem milagres, a história também aqui continua a ser teologia da história. Mesmo que sem milagres, Deus conduz os homens, mas agora com uma novidade: a história não é uma gama de eventos desconexos, e sim pertencente a uma unidade global que diz respeito a um plano maior. Nesse sentido, a História Deuteronomista, oferece uma teoria da história do povo hebreu, que apesar de simples, explícita em categoria o pensar histórico de um mundo complexo de vivências e acontecimentos. Nela, procura-se captar o sentido autêntico da história dos hebreus a luz de seiscentos anos de acontecimentos numa produção que utiliza dezenas de documentos orais e escritos. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental Dadas as proporções, os Hititas e Israelitas souberam criar obras literárias em que os eventos do passado são revividos nas suas complexas determinantes políticas, sociais, familiares, humanas e religiosas. A tendência marcadamente pragmática da historiografia oriental tem excelente continuidade em Tucídides e Políbio, que enxergam na história a grande mestra da ação política e militar, e em Salústio e Tácito, que se comprazem em apresentar exemplos edificantes ou repugnantes da vida moral. O Oriente e a Historiografia História e Historiografia na Antiguidade Oriental A ideia de história em árabe é denotada pelos termos "ahbar" e "tarih" - que significam respectivamente: relatos, informações e datação, cronologia, era. Ahbar trata da transmissão de uma observação direta, visual, ou de um relato de um testemunho que acredita-se ser verídico, não designando um acontecimento pretérito; enquanto tarih - palavra que surge no segundo século da Hégira, e não propriamente junto com o Islã - refere-se a trabalhos datados. Nesse sentido, a palavra tarih passa a ser correntemente utilizada, desde o século IX, para designar a História em uma ampla perspectiva. Embora ambos os termos coexistam, a partir do século XII, é tarih que aparece em textos acadêmicos. (SOUZA, 2017) O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Mesmo assim, de acordo com Franz Rosenthal (1968), a relação estabelecida entre a palavra tarih e o conceito de História que temos em nossa concepção é uma associação mais semântica do que de conteudista. Há uma discrepância no sentido ideológico que influencia o tratamento do objeto histórico e a visão que temos dele. O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Já para o historiador Abdsselam Cheddadi (1991), ao relacionar as questões de memória e história, entendendo como memória o que um grupo ou sociedade retém e elabora de seu passado, a dupla designação - ahbae e tarih - aponta a relação memória e história, partindo de memórias particulares e de determinados nichos a aspiração de uma memória unificada. Assim, emerge do ponto de vista do autor, uma concepção de história essencialmente plural e informativa. O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais É preciso ressaltar que para a sociedade muçulmana, o conceito de história está diretamente associado à fé islâmica. O Islã instaura, desde sua origem, atividades da prática historiográfica no intuito de organizar a memória do Alcorão e de Maomé, é dessa forma que a cultura islâmica organiza suas memórias árabes, políticas, etnográficas, costumeiras, etc. É por meio da palavra revelada a Maomé que o Islã situa o homem árabe dentro de um contexto histórico definido. O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Nessa perspectiva, Islã e história são sinônimos: "e não vos fez constrangimento algum, na religião: a crença de vosso pai Abraão. Ele vos nomeou "moslimes", antes (de Abraão) e, agora neste (Alcorão), para que o Mensageiro seja testemunha de vós, e vós sejais testemunhas da humanidade". (Alcorão, XII, 78). A partir daí, o homem está situado num mundo que se inicia na Criação de Deus e que acabará no dia do juízo final. A determinação escatológica faz com o que homem avalie suas ações do tempo presente, visto que estas serão julgadas. Nesse sentido, a ação humana assume um incentivo definitivo para registrar e memorizar o passado. O Oriente e a HistoriografiaO lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais O estudo do passado, e por consequência da história, tem importância ética e moral na medida em que as implicações da Palavra Revelada estimulam a relação entre os eventos passados com advertências para a humanidade. É a partir da predicação profética que o árabe acessa a sua consciência histórica. Assim, a historiografia é, primeiramente, filha da tradição, isto é, do recolhimento dos gestos do Profeta e de seus acompanhantes. A Sunna (caminho trilhado pelo profeta) constituiu o seu corpus por meio da metologia do Isnad (cadeia sucessória de autoridades por onde a informação a respeito de algum evento relacionado à vida de Maomé tenha passado). Por consequência, o Hadith (relatos ligados à vida e à obra do profeta Maomé) e a historiografia se apoiam no Isnad para composição de suas obras. (SOUZA, 2017) O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais As três principais categorias sociais interessadas na leitura dos livros de história no eclodir do oriente islâmico medieval eram os príncipes, as cores e os letrados. Essa função política e social na sociedade islâmica, utiliza-se da historiografia cronística como instrumental de construção de um discurso que fundamenta a memória dos governos, proporcionando legitimidade: O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Com o que aprendemos até aqui, podemos perceber que a história cumpre nas sociedades islâmicas medievais uma função social e política. Emergida da Sunna, ou seja, do recolhimento dos gestos de Maomé, a história contempla também o percurso dos árabes no mundo, desde a sua criação até os dias atuais, abrangendo o imenso território ocupado pelo Islã, no objetivo de criar uma memória coletiva que seja unificada. Em um sentido hierárquico, qualquer conhecimento que não possuísse relação direta com a religião, obtinha certo grau da desvalorização, na medida em que a religião é o coração dessa estrutura científica. O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Ibn al-Athir (1160 - 1223) foi um influente historiador árabe. A respeito de sua obra, realizou importantes trabalhos de compilação de materiais biográficos e genealógicos de autores anteriores. Entre seus textos mais famosos está o Kamil ou então chamado de A História Completa. O Kamil foi escrito direcionado aos príncipes, nesse sentido, as atitudes reais são tomadas no âmbito da crítica política e moral, visando a manutenção do Islã. O Oriente e a Historiografia As inovações de Ibn Al-Athir A história islâmica tradicional utiliza da escrita histórica por meio do relato analítico, constituído em um modo serial sob a forma de sequência dos acontecimentos. Nesse sentido, uma das maiores novidades presentes em Ibn al-Athir é a forma como a narrativa é construída no Kamil. Por mais que se trate de um relato, o autor está mais interessado em explicar o contexto que deseja do que adequar-se ao método. Antes dele, os autores possuíam tendência de fragmentar os eventos em episódios classificados em divisões por ano ou sobre classificação de fontes, perdendo assim a integralidade dos eventos, deixando-os dispersos no texto, obedecendo uma rigidez temporal mas afastados de seu contexto. (SOUZA, 2017) O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Ibn Al Athir não respeita a rigidez metodológica, na verdade, ele estava preocupado em fornecer uma explicação para os eventos, e não apenas relatá-los, o que o obrigou a sair do plano rigoroso e analítico da exposição. Em termos de temporalidade (começo, meio e fim), são reduzidos a um momento intemporal destacado de seu contexto. Recolocá-lo sem seu local demanda um trabalho de produção de narrativa coerente. É possível perceber essa atitude quando o autor narra a vitória de Tugril III sobre as tropas de al-Nasir no ano de 1188, mas narradas em 1189. Ibn al-Athir justifica dizendo que "seria conveniente apresentar este episódio antes, mas eu o retardei a fim de que os eventos relatados antes seguissem uns aos outros e que cada evento fosse ligado a um outro" (Ibn al Athir, apud Souza, 2017, p.151) O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Neste exemplo em específico, al-Athir não queria interromper a narrativa sobre a campanha de Saladino, que ocorreram no ano relatado. A mudança na estrutura narrativa proposta por al-Athir visa produzir um relato de causas e efeitos dos eventos, e não uma mera compilação de fontes ordenadas por datas. O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais Em linhas gerais, a obra de Ibn al-Athir propõe uma nova narrativa, comprometida com a avaliação política das responsabilidades humanas por suas ações, inclusive no que diz respeito aos contemporâneos do autor. Seu trabalho pode ser considerado como independente e até mesmo secular, representando uma quebra de paradigmas. O Kamil deve ser entendido em sua originalidade pois é único em muitos sentidos. O Oriente e a Historiografia O lugar da História nas sociedades muçulmanas medievais O livro Orientalismo de Edward Said, mostra como o imperialismo praticado por potências ocidentais nos países árabes, além da faceta mais óbvia de controle da população e dos territórios, implicou também a elaboração de uma representação do mundo árabe, que possuía maior relação com os colonizadores do que com os colonizados, e implicava uma imagem distorcida e negativa do mundo dos colonizados. (JOBIM, 2020) O Oriente e a Historiografia O Orientalismo Said afirma em sua obra, entender por orientalismo diversas coisas interdependentes. Entre elas, a designação mais aceita para o orientalismo é a acadêmica. Um dos aspectos mais utilizados do termo, discute o orientalismo como uma instituição organizada para negociar com o Oriente - fazendo declarações a seu respeito, autorizando opiniões sobre ele, o descrevendo, colonizando e governando. É preciso examinar o orientalismo como um discurso para entender como a sistemática europeia conseguiu administrar e até produzir a imagem sobre o Oriente. De forma bastante constante, o orientalismo depende, para a sua estratégia, dessa superioridade posicional flexível, que coloca o ocidental em toda uma série de relações possíveis com o Oriente, sem que ele perca jamais a vantagem relativa. O Oriente e a Historiografia O Orientalismo Quando agimos sob a influência de signos e imagens fornecidos pelo nosso meio local ou num sentido mais amplo e generalizado, nos acostumamos a não pensar por conta própria, e sim num modelo já pré estabelecido. Assim, criamos estereótipos de coisas e pessoas sem ao menos termos conhecido tais lugares ou determinados habitantes e suas culturas, nos poupando do trabalho de estudar para sabermos mais sobre a realidade de como vivem e são, por exemplo, os povos do Oriente, e assim realizamos juízos de valor em relação a essas sociedades. O Oriente e a Historiografia Atualidade É preciso perceber que a convivência do diferente é não só possível, como necessária. Por vezes, tomamos o caminho mais fácil de acreditar deliberadamente em mentiras (fake news), sabendo que são falsas, por assim mantermo-nos em nossa zona de conforto, não optando por reconhecer nossos erros ou pensar de uma forma diferente da que já está exposta. O Oriente e a Historiografia Atualidade Dessa forma, para nos defendermos desse processo limitador que desemboca na ignorância e estupidez de nosso pensamento, é preciso que aprendamos a ler, para então conhecer, e assim despertarmos o interesse pelo estímulo próprio de nosso pensamento, imaginação e criatividade. É nesse caminho que se faz possível a construção de uma consciência autônoma, dotada de um próprio sistema de valores, que não desrespeite e sim considere todos os aspectos, em escalamais ampla possível. O Oriente e a Historiografia Atualidade Assim, como professores e pesquisadores, nossa tarefa está pautada, entre outros aspectos, na seleção de uma biografia que contemple aspectos multiculturais e não uma unilateralidade dos fatos que ocorreram ao longo da nossa trajetória no tempo histórico. Ao percebermos o ser humano em sua totalidade, compreendemos melhor o estudo das civilizações e seu desenvolvimento para além de um “projeto civilizador”, e sim numa perspectiva que percebe cada sociedade em seu próprio modo e projeções. O Oriente e a Historiografia Atualidade ALCORÃO. Tradução do sentido do Nobre Alcorão para a Língua Portuguesa. Trad. Helmi Nasr. Al-Madinah Al-Munauarah. Complexo do Rei Fahd. CARREIRA, José Nunes. História antes de Heródoto, Lisboa: Editora Cosmos, 1993. CARVALHO, Antônio Vilela de. A escrita da história na China: o historiador sem alternativa? Ensaio bibliográfico, Lisboa: Ler História, s.n, v.70, p. 219-230, 2017. CHEDDADI, Abdesselam. A l'aube de l'historiographie arabo-musulmane: la mémoire islamique. In: Studia Islamica, n.74, p.29-41, 1991. JOBIM, José Luís. Comparando: o modo orientalista de representar o mundo árabe. Rev. Bras. Lit. Comp. Niterói, v. 22, n. 40, pp. 124-127, mai. /ago. 2020 ROSENTHAL, Franz. A History of a Muslim Historiography. Netherlands: E. J Brill. Leiden, 1968 SAID, Edward. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. SOUZA, E. F. de. História e historiografia: Ibn al-Athīr, o lugar e a função da História na Síria do século XIII. São Paulo: Malala, v. 5, n. 7, p. 134-157, 2017. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/malala/article/view/131666. Acesso em: 10 fev. 2023. O Oriente e a Historiografia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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