Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Arteterapia 02 1. Definição de Arteterapia 5 Fantasia, Imaginação e Simbolismo 9 Arteterapia e a Educação Artística 14 2. A História da Arteterapia 23 A Abertura aos Sentimentos Românticos 25 De volta para o Futuro – A Arte Moderna 27 A Arte Bruta 29 Os Pioneiros da Arteterapia 30 A Criação Artística na Arteterapia – Características e Particularidades 31 A Armadura, o Escudo e Arte - Mecanismos de Defesa na Criação 37 Arteterapia e criatividade 40 Intuição e Espontaneidade 43 Dar forma às Emoções - Arteterapia e a Experiência Estética 44 3. Mediadores Artísticos 48 A Relação com o Material Mediador 52 Criar e Construir - o Fazer com o Material 55 A Matéria, o Imaginário e os Seus Símbolos 58 Potencialidades Simbólicas e Criativas dos Mediadores Artísticos 61 Particularidades do Mediador Artístico: Expressão Plástica 65 4. Desenho 68 Características Gerais 68 Potencialidades Simbólicas 69 Potencialidades Criativas 70 Pintura 71 Características Gerais 71 Variantes 72 Aplicações (Populações/Necessidades) 72 3 Potencialidades Simbólicas 73 Potencialidades Criativas 74 Colagem 76 Características Gerais 76 Variantes 77 Aplicações (populações/necessidades) 77 Potencialidades Simbólicas 77 Potencialidades Criativas 78 Modelagem em barro 79 Características Gerais 79 Variantes 80 Aplicações (populações/necessidades) 80 Potencialidades Simbólicas 81 Potencialidades Criativas 83 5. Referências Bibliográficas 87 04 5 APOSTILA DE ARTETERAPIA 1. Definição de Arteterapia Fonte: Guia da Alma1 Arteterapia é definida como um método de tratamento tera- pêutico para o desenvolvimento pes- soal, que faz uso e integra diferentes mediadores artísticos. A relação te- rapêutica é estabelecida através da interação entre o paciente, conside- rado o ‘criador’, o objeto de arte, que é a ‘criação’ executada no setting, e o arte-terapeuta, utilizando recursos como a imaginação, o simbolismo e as metáforas. Este contexto facilita a comunicação, a reorganização dos conteúdos internos, a expressão emocional significativa e o aprofun- dar do conhecimento interno, liber- tando a capacidade de pensar e a cri- atividade (Carvalho, 2001). Por conseguinte, compreende- mos que a Arteterapia pressupõe 1 Retirado em https://guiadaalma.com.br/arteterapia-como-processo-de-cura/ “relação”, cuja dinâmica é triangu- lar: entre o paciente, a criação e o te- rapeuta. O ato de criação não se dá por si só, mas sob o estabelecimento de um vínculo de confiança propor- cionada pela aliança terapêutica, numa relação dialógica. Apesar de se centrar na comu- nicação através de formas de expres- são artísticas, por vezes a Arte-Tera- pia é incorretamente rotulada como uma terapia ‘não verbal’. Conforme o ponto de vista da arte-terapeuta americana Cathi Malchiodi (2005: 4), a Arte-Terapia utiliza-se dos dois tipos de comunicação: verbal e não- verbal. Isto porque a expressão ver- bal de pensamentos e sentimentos também faz parte do processo na A 6 APOSTILA DE ARTETERAPIA maioria das situações. Por essa ra- zão, a auto expressão em Arteterapia geralmente envolve também a refle- xão verbal, a fim de ajudar os indiví- duos a encontrarem sentido nas suas experiências, sentimentos e percepções. O que acontece é que a Arteterapia é bem usufruída focan- do-se unicamente na expressão não- verbal, por crianças com uma lin- guagem limitada por exemplo, ou por uma pessoa idosa que perdeu a capacidade de falar por causa de um acidente vascular cerebral ou de- mência, ou ainda uma vítima de um trauma, que pode ser incapaz de co- locar suas ideias verbalmente. A co- municação verbal faz parte da elabo- ração do conteúdo expresso artisti- camente, mas esta não é essencial, ou seja, não é fundamental para o desenvolvimento de um processo ar- te terapêutico. Através das artes, da música, do movimento corporal ou do jogo lúdico, pode-se transmitir profundos sentimentos, sem pala- vras, sendo nesse momento a princi- pal forma de comunicação em tera- pia. Os arte-terapeutas espalhados por todo mundo geram muitas defi- nições de Arteterapia, mas a maio- ria, observa Malchiodi (2005: 256), parece que se divide em duas catego- rias gerais. A primeira é baseada na afirmação de que o processo criativo pode ser também um processo tera- pêutico, definindo-a como “arte co- mo terapia”. O fazer artístico é visto como uma experiência que oferece a oportunidade de se expressar com imaginação, autenticamente e es- pontaneamente. Um processo que, ao longo do tempo, leva à realização pessoal, reparação emocional e transformação a nível psíquico. Uma visão holística e exten- siva do ser humano é empregada na Arteterapia, sendo uma prática tera- pêutica que objetiva resgatar, não só a dimensão integral do sujeito, mas também os seus processos de auto- conhecimento e de transformação pessoal. É objetivo ainda, através da criação artística, resgatar a produ- ção de imagens, a autonomia cria- tiva, o desenvolvimento da comuni- cação, a valorização da subjetivida- de, a liberdade de expressão, o re- conciliar de problemas emocionais e a sua função catártica (Valladares, 2005: 15). A Arteterapia sobressai pela sua transdisciplinaridade e pela sua vasta aplicação, tendo pouca ou nenhuma contraindicação. Angela Philippini, uma das pi- oneiras da Arte-Terapia no Brasil, diretora da Clínica Pomar no Rio de Janeiro, argumenta que o processo arte-terapêutico permite que simbo- licamente, e de forma perene, atra- vés das atividades expressivas, se- 7 APOSTILA DE ARTETERAPIA jam retratadas com precisão as sutis transformações que marcam o de- senrolar da existência, documentan- do seus contínuos movimentos do vir a ser, que se configuram e mate- rializam conflitos e afetos. Nesse contexto, o “fazer terapêutico” ex- pressa a singularidade e identidade criativa de cada um. A descoberta gradual, de eventos psíquicos cujo significado antes era obscuro, am- plia possibilidades de estruturação da personalidade, ativa potenciali- dades e contribui para a construção de modos mais harmônicos de co- municação, interação, e de “estar no mundo” (Philippini, 2004: 15). Com tradição de algumas dé- dacas nesta área, o Brasil é um país que conta com dezenas de associa- ções de Arteterapia. A arte-tera- peuta Selma Ciornai, com um traba- lho de relevo em São Paulo, define-a como “um campo de interface com especialidade própria, pois não se trata de simples junção de conheci- mentos de Arte e Psicologia. Isso sig- nifica que não basta ser psicólogo e gostar de arte, ou, ser artista/arte- educador e gostar de trabalhar com pessoas com dificuldade especiais para tornar-se arte-terapeuta” (Ciornai, 2004: 7). Esse ponto de vista é partilhado por todos os arte- terapeutas com formação específica. Esta profissão é frequentemente desvalorizada, submetendo-se a uma visão de pouco crédito por par- te de outros profissionais, por causa da falta de recursos teóricos e técni- cos de pessoas que se autointitulam arte-terapeutas. A Associação Britânica de Ar- teterapia (BAAT) define-a como uma forma de psicoterapia que uti- liza os meios da arte como seu prin- cipal modo de comunicação, onde o paciente não precisa ter experiência anterior ou habilidade na arte e o arte-terapeuta não se preocupa em fazer avaliação estética ou de diag- nóstico da criação do paciente. O ob- jetivo global da Arteterapia é permi- tir que a pessoa efetue mudanças, e promover o seu crescimento pessoal através do uso de materiais artísti- cos, num ambiente seguro e de faci- litação. Também coloca ênfase na relação entre o terapeuta e o paci- ente, sendo esta de importânciacen- tral, mas aponta que a Arteterapia difere de outras terapias psicológi- cas em que este é um processo de três vias entre o paciente, o terapeu- ta e a criação. Assim, oferece a opor- tunidade de expressão e comunica- ção. É particularmente útil para pes- soas que têm dificuldade em expres- sar seus pensamentos e sentimentos verbalmente. A Associação Americana de Arteterapia (AATA) converge com 8 APOSTILA DE ARTETERAPIA uma definição bem semelhante às citadas anteriormente, definindo-a como uma profissão da área de saú- de mental que utiliza o processo cri- ativo em arte para melhorar e apri- morar o físico, mental e emocional bem-estar dos indivíduos de todas as idades. Confirma a AATA que o processo criativo envolvido na ex- pressão artística ajuda as pessoas a tornarem-se fisicamente, mental- mente e emocionalmente mais sau- dáveis e funcionais, a resolverem conflitos e problemas, desenvolve- rem habilidades interpessoais, ge- renciarem o comportamento, redu- zirem o estresse, lidarem com ajus- tes de vida e alcançarem insight. Apesar de ter cerca de 70 anos de prática, sendo encontrada em praticamente todos os países, já po- demos encontrar definições de Arte- terapia semelhantes, mas métodos de aplicação completamente díspa- res, por consequência da falta de re- conhecimento legal enquanto pro- fissão de arte-terapeuta. Podemos confirmar que somente em Ingla- terra é reconhecida como profissão com legislação própria. Isso origina a falta de uniformização na prática da Arteterapia, e também uma grande ignorância sobre o assunto pela sociedade em geral, levando o arte-terapeuta a ser confundido com um arte-educador, um terapeuta ocupacional, um animador cultural, ou mesmo um psicólogo que recorre às artes e um artista com bases de psicologia. Tal origina, em todo mundo, muitas formas de aplicação da Arte- terapia, com diversas bases teóricas e com várias abordagens. Além de Inglaterra, não temos conhecimento de um curso universitário em Arte- Terapia, como uma licenciatura, sendo na maioria dos países uma formação de especialização (ou pós- graduação). Selma Ciornai comenta que normalmente cada profissional insere a Arteterapia na sua área de atuação profissional (normalmente de áreas clínicas, sociais ou educaci- onais). Isso interfere no método que cada um pratica, mas, no entanto, não se pode perder de vista que a Ar- teterapia enquanto método de trata- mento terapêutico possui caracterís- ticas e fatores que a definem de ma- neira muito precisa, partilhada por todos os profissionais com uma for- mação sólida e com vasto conheci- mento teórico e metodológico da abordagem (Ciornai, 2004: 8). Numa tentativa de organizar e unificar a sua prática, nos vários pa- íses onde se pratica a Arteterapia, são instituídas informalmente, ou seja, sem reconhecimento governa- mental, associações profissionais que promovem a formação de arte- 9 APOSTILA DE ARTETERAPIA terapeutas ou pós-graduações em Arteterapia, regem as regras de atu- ação dos arte-terapeutas e promo- vem-lhes habilitações. É necessário afirmar que a Ar- teterapia possui parâmetros técni- cos próprios, construídos a partir de uma experiência clínica de mais de meio século e outros comuns a ou- tras psicoterapias, mas contextuali- zados à integração das artes na rela- ção terapêutica (Carvalho, 2005). Por conta desse fator, Ruy de Carva- lho desenvolve o ‘Modelo Polimór- fico de Arteterapia’, que descreve- mos com detalhes a seguir. Este é uma sistematização dos vários tipos de intervenções, com várias bases teóricas de modo a serem aplicadas em diversos contextos e em várias populações. A Arteterapia é aplicada a pes- soas de todas as idades, portadoras de diversas problemáticas do foro psíquico. As intervenções são reali- zadas em grupo ou individualmente, em setting privado, ou em institui- ções diversas, como escolas, hospi- tais, casas de acolhimento, lares, centros de dia, etc. Praticamente não há contraindicações e, por isso, a intervenção deve ser planificada de maneira a atender especificamente as necessidades da população em questão. Fantasia, Imaginação e Simbolismo No processo arte-terapêutico é promovido o acesso aos elementos psíquicos como a fantasia, o mundo imaginativo e a capacidade de sim- bolização. Por isso, estes aspetos de- senvolvem um papel fulcral para de- senvolver a criatividade. O processo de criação artística é composto por uma série de atitu- des que são inquestionavelmente conscientes, como o manejamento do material, a construção formal da imagem e até a relação estética expe- rimentada. Portanto, o ‘fazer’ arte é uma operação consciente e pressu- põe o posicionamento do indivíduo no ‘aqui-e-agora’. Isto quer dizer que há necessidade de um afastamento das repressões internas e das censu- ras, que podem bloquear a criativi- dade, e uma concentração dos esfor- ços e da vontade nos passos de cons- trução, no momento em que se está a criar, levando a um envolvimento com o material. Para isso o ambiente confortável do espaço de Arte-Tera- pia, facilitador da criação, favorece o direcionamento da energia criadora para a atividade de execução de um objeto plástico. Entretanto, o impulso criativo, a motivação, e a elaboração imagi- 10 APOSTILA DE ARTETERAPIA nária, tal como a aquisição de uma significação simbólica fazem parte do mundo inconsciente do criador, apesar dos fatores práticos de reali- zação artística requererem a disposi- ção consciente necessária à criação. Podemos sinalizar então, uma posi- ção consciente do indivíduo para se conectar com a sua fantasia e a sua imaginação (mundo inconsciente), que o leva à criação. É neste sentido que Freud (1916) afirma que “existe uma passagem que une a fantasia à realidade - o caminho, esse é a arte”, pois a atividade criadora é um dos meios que a ‘vida da fantasia’ obtém expressão no mundo concreto. A arte para Freud é um canal privilegi- ado para o direcionamento de neces- sidades pulsionais demasiado inten- sas. Conforme o desenvolvimento psíquico do sujeito e a sua adaptação à realidade, ele reprime e recalca pulsões, vindo a formar a neurose. O investimento energético criativo da pessoa, ou nas palavras de Freud, o investimento libidinal, que visa res- ponder às suas insatisfações incons- cientes, promove a motivação para construção artística, libertando da opressão interiorizada dos seus de- sejos. Um homem que é um verda- deiro artista tem mais coisas à sua disposição. Em primeiro lugar, sabe como dar forma aos seus devaneios de modo tal que estes perdem aquilo que neles é excessivamente pessoal e que afasta as demais pessoas, possi- bilitando que os outros comparti- lhem do prazer obtido nesses deva- neios. Também sabe como abrandá- los de modo que não traiam sua ori- gem em fontes proscritas. Ademais, possui o misterioso poder de moldar determinado material até que se tor- ne imagem fiel de sua fantasia; e as- be, principalmente, pôr em conexão uma tão vasta produção de prazer com essa representação de sua fan- tasia inconsciente, que, pelo menos no momento considerado, as repres- sões são sobrepujadas e suspensas. Há uma vasta contribuição da teoria freudiana para a arte e para o processo criativo. Igualmente temos o desenvolvimento da teoria psica- nalítica por outros autores, que a aplicaram diretamente à arte ou uti- lizam a arte como meio de apoio nos processos psicoterapêuticos - Jung, Melaine Klein, Donald Winnicott, Marion Milner, entre outros. Freud (1900) fala-nos de um sistema psíquico primário que não suporta o desprazer das experiên- cias ou da repressão. Ligado a este, há o ‘desejo’ que é definidocomo uma corrente que visa diretamente o prazer. O desejo, portanto, é o que provoca a motilidade do aparelho psíquico primário, sendo regido pela sua satisfação ou insatisfação. O sis- tema psíquico primário “não pode 11 APOSTILA DE ARTETERAPIA fazer nada senão desejar”. Freud, portanto, define o processo primário de pensamento, que está associado ao sistema inconsciente e às descar- gas pulsionais que são estabilizadas promovendo adaptação pelo ‘princí- pio do prazer’. O contraponto do processo primário, que leva a uma “inibição da descarga de excitação”, é o princípio da realidade. Assim te- remos os processos ‘primário’ e ‘se- cundário’, em que o primeiro está associado à linguagem dos sonhos, da fantasia e consequentemente ao que motiva a criação artística, sendo um processo de pensamento incons- ciente. “Os processos irracionais que ocorrem no aparelho psíquico são os processos primários”. O processo se- cundário apresenta-se como o pen- samento racional e consciente, mo- tivado pelo recalcamento dos dese- jos. Proponho descrever o proces- so psíquico admitido exclusivamen- te pelo primeiro sistema como “pro- cesso primário”, e o processo que re- sulta da inibição imposta pelo se- gundo sistema, como “processo se- cundário” (Freud, 1900: 173). Da mesma forma, a definição de primário e secundário é obtida de acordo com o momento de vida em que surge, conforme o desenvolvi- mento do aparelho psíquico. O pro- cesso primário faz parte do sistema anímico desde o início da vida, en- quanto o processo secundário se im- põe posteriormente, sobrepondo-se ao primário, levando o indivíduo ao amadurecimento e à adaptação dos seus instintos. Sobre as ideias de Freud, Carvalho (2009) coloca que, “de um ponto de vista dinâmico, a atividade artística pode ser encarada como uma forma de expressão es- pontânea, dando acesso a material do inconsciente, tal como sonho”. Diferente do funcionamento inconsciente dos sonhos, o “deva- neio” é descrito por Freud (1908) como os desejos conscientes, organi- zados e aceites pela consciência. Os devaneios, na concessão de Freud podem ser vistos como o extrato da criação artística, sendo esta facul- dade fundamental para o criador. Freud aponta que o escritor criativo, na generalidade os artistas, podem ser comparados a “um sonhador em plena luz do dia”. O devaneio é com- parado ao brincar da criança que ex- pressa a sua realidade através dos seus brinquedos e jogos, consciente que o mundo criado na brincadeira não é o real, mas uma representação desejada. A atividade imaginativa do brincar é substituída na fase adulta pelo devaneio. Tal como a criança, o artista cria um mundo de fantasia, carregado de investimento emocio- nal, onde pode reorganizar os ele- 12 APOSTILA DE ARTETERAPIA mentos da sua mente inconsciente, mas que mantém a distinção entre a fantasia (inconsciente) e a realidade. O brincar e a arte servem como pon- te de ligação entre a fantasia e a rea- lidade. O artista, ao criar a partir dos seus devaneios satisfaz os seus dese- jos inconscientes (Segal, 1993: 87), e pretende resolver os seus conflitos através da criação. O fantasiar, de acordo com Freud (1911), apresenta- se como uma tendência geral do aparelho mental, que, com a intro- dução do princípio da realidade é se- parada e encontra expressão como forma de devaneio mas que, entre- tanto, já começa no brincar das cri- anças. Segal (1993), ao explicar o funcionamento da fantasia segundo Freud, coloca que esta consiste na satisfação de um desejo inconsciente de maneira imaginária no momento em que a realidade externa falha na resposta. Nas palavras de Segal: “O artista, tal como o devaneador, cria um mundo de fantasia no qual pode satisfazer seus desejos inconscien- tes”. A atividade criadora tem, as- sim, uma função essencial de pro- moção do equilíbrio psíquico, ao conter a frustração pulsional, ob- tendo-se através da obra, o sentido de reparação, preenchimento e sig- nificação interna. Há outro conceito fundamen- tal preconizado por Freud (1910) para o entendimento da motivação interna na criação artística: a “subli- mação”. É definida como uma defesa psíquica madura, que oferece um desvio bem-sucedido a instintos que não têm resposta à sua satisfação. Essa satisfação é conseguida por meio da sublimação pulsional, que pode ser vista como uma substitui- ção, ou mais propriamente como uma simbolização da satisfação de tais pulsões. No seu artigo Leonardo Da Vinci e uma lembrança da sua infân- cia (1910), Freud comenta o quanto a obra de Leonardo é uma sublima- ção da vida sexual do artista, defi- nida pelo autor como ‘atrofiada’ (as- sociando-a ao homossexualidade): “Conseguiu sublimar a maior parte da sua libido em seu intenso investi- mento em pesquisas…Convertendo a sua paixão em ânsia de conheci- mento”. Associa o fato deste artista com frequência deixar as suas obras inacabadas à intensidade colocada no trabalho de investigação. Na sua suposta inconstância, Leonardo não se preocupava com o fim das suas obras. Mas, na verdade, como refere Freud, há biógrafos que alegam que o artista já os dava por terminados. O interessante para ele seria o pro- blema apresentado pela pintura, e “após o primeiro via inúmeros ou- tros problemas que surgiam, como costumava acontecer com suas in- 13 APOSTILA DE ARTETERAPIA termináveis e infatigáveis investiga- ções sobre a natureza”. Consequen- temente parece que a obra de arte era um espaço limitado para que Le- onardo pudesse exprimir tudo o que tinha em seu pensamento. A subli- mação realizava-se quando a satisfa- ção sexual era substituída simboli- camente pela intensa atividade inte- lectual e criativa das suas pesquisas e invenções. A transformação da força psí- quica instintiva em várias formas de atividade, da mesma maneira que a transformação das forças físicas, não poderia ser realizada sem preju- ízo. O exemplo de Leonardo mostra- nos quantas outras coisas precisam ser consideradas com relação a estes processos. O adiamento do amor até o seu pleno conhecimento constitui um processo artificial que se trans- forma em uma substituição. Através do conceito de subli- mação, percebemos que a criação ar- tística é executada a partir de um in- vestimento libidinal que a princípio foi deslocado, encontrando uma sa- ída mais elevada para a sua satisfa- ção. O indivíduo responde à tal ne- cessidade pulsional, simbolicamen- te, através da arte. Através do sím- bolo criado pela sublimação com- pensadora, consegue-se a restaura- ção de elementos psíquicos que pos- sam ter um destino de frustração. Segal cita Proust [s.d.] que afirma que “só se pode criar aquilo a que se renunciou”, correlacionando com a concessão de sublimação onde se torna necessário a renúncia e a ini- bição do fim pulsional. A sublimação da pulsão cons- titui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultu- ral; é ela que torna possível às ativi- dades psíquicas superiores, científi- cas, artísticas ou ideológicas, o de- sempenho de um papel tão impor- tante na vida civilizada. Se nos ren- dêssemos a uma primeira impres- são, diríamos que a sublimação constitui uma vicissitude que foi im- posta às pulsões de forma total pela civilização. Seria prudente refletir um pouco mais sobre isso (Freud, 1927: 62). A questão do simbolismo, na teoria psicanalítica, está direta- mente ligada à sublimação, já que a resposta trazida por esse mecanismo apresenta-se na forma de um sím- bolo inconsciente compensador. A função reparadora da arte serve-se deste conceito, de que a atividade re- paradora é composta por elementos simbólicos que se prestam a repre- sentar o nascimento de algo novo, substitutivodo que foi anteriormen- te destruído. A construção de um símbolo processa-se como uma “re- construção reparadora” ou como “a restauração do mundo interno” (Se- gal, p. 104). É importante referir que 14 APOSTILA DE ARTETERAPIA tal atividade psíquica, onde há a oportunidade de externalizar con- teúdos internos, dando-lhes “vida” no mundo externo, é esclarecedora para o indivíduo ao diferenciar o que é externo do que é interno de si mesmo. Assim, ele não deixa coinci- dir o sentido de criatividade com o delírio. Salvaguarda-se uma posição de saúde mental do sujeito criador. A simbolização está presente nas imagens criadas através da arte e do brincar. Nas duas situações a imaginação é ativada. É enriquecida e facilitada pela mobilização de con- flitos psíquicos que possam limitar os processos criativos. Segal argu- menta que “um símbolo não é usado para negar a perda, mas para su- perá-la”, e esta afirmação indica que o caminho para a restauração do conteúdo interior fragmentado, pro- dutor de sofrimento psíquico, passa necessariamente pela imaginação, proporcionando a criação de novos símbolos significativos e integrados. Obtendo-se significados, os símbo- los comunicam com o mundo ex- terno e também servem de ligação com a vida inconsciente. Arteterapia e a Educação Ar- tística Alguns autores referem que a Arteterapia tem as suas raízes na Educação Artística. É o pensamento moderno das teorias da Educação Artística que introduz uma forma de trabalho, muito próxima da Artete- rapia, visando a arte como um meio de desenvolvimento sensorial, inte- lectual e sensitivo, bem como a cria- tividade global do indivíduo (Waller, 1984: 1). Autores como Herbert Read, em Educação pela Arte, de 1943, e Viktor Lowenfeld, em O De- senvolvimento da Capacidade Cria- dora, de 1947, trazem uma nova pro- posta educativa focalizada na liber- dade criativa das crianças e numa relação diferenciada entre professo- res e alunos. Diane Waller, arte-terapeuta inglesa, refere que durante a década de 1940, em Inglaterra, a Artetera- pia como nós a conhecemos ainda não existia, mas seguindo o pensa- mento de Read, a arte é orientada como vital no desenvolvimento da personalidade como um todo. O pa- pel do professor é estimular o desen- volvimento por propostas, não influ- enciando a expressão pessoal, provi- denciar materiais adequados e esti- mular o envolvimento na criação. Isso é muito semelhante à proposta da Arteterapia. Nessa época já há ar- tistas e professores de arte a traba- lhar em hospitais, mas no meio clí- nico são considerados como “tera- peutas ocupacionais”. Nas escolas os professores que seguem essas novas 15 APOSTILA DE ARTETERAPIA teorias são apenas “professores pro- gressistas”. A fim de clarificar o papel do arte-terapeuta e do professor de arte, em 1967, foi formada a BAAT, que se aliou a União Nacional de Professores, obrigando os seus membros a terem qualificações de ensino. Cada vez mais a necessidade de uma especialização impõe-se, uma vez que artistas e professores de artes rejeitam o papel de simples “provedores de materiais artísticos”. Utilizando-se da arte, querem estar completamente envolvidos no trata- mento de pacientes. Na altura, a falta de formação específica para o trabalho de Arteterapia faz com que esses profissionais se voltem para as teorias da Educação Artística, consi- derando o modelo mais próximo a ser utilizado. Waller relata que até 1980, o Departamento de Saúde e Segurança Social inglês enxerga a Arteterapia como algo submetido à terapia ocupacional, sendo a arte utilizada nos hospitais meramente como um hobby, ou como forma de relaxamento ou recreação, além da visão mais antiga de apoio em diag- nósticos de síndromes psicológicas. Ainda nessa época, apesar da Arte- terapia já estar teoricamente defi- nida, a Educação Artística, a Artete- rapia e a Terapia Ocupacional são práticas confundidas nas institui- ções, seja pela falta de formação es- pecífica para cada profissional, ou pela falta de espaço próprio para a intervenção de cada uma nas insti- tuições. Com o estabelecimento da teo- ria e da prática da Arteterapia, cada vez mais próximas e desenvolvidas em direção às correntes de psicote- rapia, tornam-se maiores as diferen- ças entre os arte-terapeutas e os pro- fessores de artes. Passa a ser evi- dente que o trabalho arteterapêutico tem perspectivas diferentes do en- sino da arte. Desde o espaço onde são desenvolvidas as sessões, o nú- mero de indivíduos, a relação esta- belecida entre o arteterapeuta e pa- ciente, que leva em consideração as- petos diferenciados e que em educa- ção não se utilizam, como transfe- rência, contratransferência, defesas psíquicas diversas, as dinâmicas grupais, entre outras. Além da cria- ção propriamente dita, que é esti- mulada sem nenhuma expectativa por parte do arte-terapeuta, seja em termos de valor estético ou de utili- zação de aspetos formais. Não inte- ressa o que faz ou como se faz, o pa- ciente tem total liberdade para criar. O arte-terapeuta encoraja e facilita a criação artística sem julgamento, crítica, ou valorização estética. Frequentemente, tanto crian- ças, como jovens e adultos têm ini- 16 APOSTILA DE ARTETERAPIA cialmente dificuldade em lidar com muita liberdade criativa, no melhor sentido “faça o que lhe vier a cabe- ça”, pois, apesar da teoria moderna e progressista da Educação Artística, o professor de arte submete-se aos programas e currículos das escolas. Ainda não é propriamente fácil li- bertar-se das ideias da “boa arte” ou da “Arte com A maiúsculo”. Condici- onar ou classificar os trabalhos dos alunos em categorias de valor técni- co é completamente usual. São bem definidos uma direção técnica e um valor estético aplicados na criação artística em sala de aula. Em Educação Artística - Para quê? Louis Porcher (1982) lista algu- mas das finalidades fundamentais da Educação Artística, e entre elas está a criação nos indivíduos de uma consciência exigente e ativa em rela- ção ao meio ambiente, entendendo isso como uma sensibilização à qua- lidade do que os rodeia e os valores sensíveis do panorama da vida. Não só desenvolver aptidões artísticas específicas, mas sobretudo um de- senvolvimento global da personali- dade, através de atividades expressi- vas, criativas e sensibilizadoras. A produção de uma “alfabetização es- tética”, através de métodos pedagó- gicos específicos e progressivos, de maneira a que a expressão não per- maneça impotente e sem signifi- cado. Porcher enaltece, a sensibili- zação a estímulos significantes, o es- tabelecimento de pontos de vista mais criteriosos, o desenvolvimento da personalidade, a criatividade e a percepção estética, a formação da sensibilidade e ainda competências artísticas, sendo estes objetivos mui- to aproximados dos propósitos da Arteterapia. Temos modos e técni- cas específicas, que demonstram que ambas as atividades têm cami- nhos muito próprios, mas parece que os fins mantêm fortes seme- lhanças. Mesmo que os propósitos da Arteterapia estejam ligados a “tratamento”, e a Educação Artística ao ‘ensino/aprendizagem’. De toda forma, quando se trata alguém a nível psicológico, atua-se com processos de aprendizagem, di- recionados ao despertar das quali- dades naturais do indivíduo e à reso- lução de conflitos. E o ensino da arte, como diz Porcher, não só favo- rece aspetos intelectuais, como re- presenta um fator altamente favorá- vel para o desenvolvimento da per- sonalidade, bem como a “descoberta de si mesmo”. Este autor também associa à Arteterapia, os processos de desenvolvimento pessoal através das artes: A utilização metódica da função estimulante da atividade ar-tística, ajuda, no plano motor, inte- lectual ou de carácter, a conquista de 17 APOSTILA DE ARTETERAPIA um melhor domínio corporal e inte- lectual, um melhor equilíbrio psico- lógico, uma capacidade de expressão e comunicação mais satisfatória, uma integração mais dinâmica, uma relação mais enriquecedora com os outros, uma assimilação mais flexí- vel das significações constitutivas do meio ambiente. Read anuncia a importância da relação entre professor e aluno como condição fundamental para a aprendizagem. Ao basear-se, por exemplo, na abordagem dialógica, de Martin Buber, valoriza a intera- ção genuína entre as pessoas, onde se deve olhar o outro como ele real- mente é, consciente das suas dife- renças e singularidades, numa ati- tude de respeito, mutualidade, pre- sença e sem preconceitos ou interes- ses (Hycner, 1995: 28-29). Aplicado ao contexto educacional, Buber cha- ma de “relação de confiança”: “A concepção de Buber acerca do pro- fessor-guia, e da função selectiva, transporta-nos para a construção da ternura como uma agência activa em vez dum estado emocional passivo” (Read,1982: 352). O professor é aquele que une o indivíduo e o seu meio, onde se guia pelos seus pró- prios caminhos. Esta relação entre aluno e professor aproxima-se da re- lação terapêutica, como uma relação empática, que possibilita o professor alcançar aspetos da individualidade do aluno: seus sentimentos e sua sensibilidade, tendências e aptidões, suas necessidades, traços de perso- nalidade, assim como as relações in- terpessoais e as dinâmicas dos gru- pos. Por que não, em Educação, os professores olharem para as necessi- dades específicas dos seus alunos? Por que o grupo de alunos tem que ser visto de maneira tão homogénea como é de costume? Todo grupo tem a sua homogeneidade, aspetos parti- lhados e em comum, mas o cuidado com o que é específico de cada um torna-se fundamental para a relação empática. Waller (1984: 11) reco- nhece que apesar de ser importante a relação no ensino, não é crucial como em Arteterapia ou como em qualquer processo psicoterapêutico. Entretanto, um profissional em sala de aula, mais consciente e ao mesmo tempo intuitivo, ou mais sensível com os processos individuais dos alunos possibilita um melhor des- pertar dos processos criativos e uma relação com o meio ambiente de forma mais genuína. Lowenfeld (1970) argumenta que “quanto maior a oportunidade para desenvolver uma crescente sensibilidade e maior a conscientiza- ção de todos os sentidos, maior será também a oportunidade de aprendi- zagem”. Isto quer dizer que uma educação eficiente não pode ser dis- 18 APOSTILA DE ARTETERAPIA sociada do bem-estar geral do indi- víduo e da visão da totalidade do ser, visando todos os seus atributos e ne- cessidades, bem como as diferenças entre eles, culturais, raciais ou reli- giosos, imprescindível para uma re- lação interpessoal construtiva e de aceitação mútua. Desviar o olhar das necessidades emocionais dos indiví- duos é educá-los de maneira rígida e estandardizada, como se todos tives- sem o mesmo funcionamento men- tal. Lowenfeld alerta para o “fra- casso da educação”, onde em deter- minados campos, como a ciência e a tecnologia, têm muito desenvolvido sendo sinónimo de prosperidade, mas no que toca o ‘ser total’, em pen- samento, sentimento e percepção, a fim de “desabrochar toda sua capa- cidade criadora em potencial”, com frequência nota-se alguma negligên- cia. Sabemos muito bem que a aprendizagem e a memorização dos fatos, a menos que sejam exercidas por um espírito livre e flexível, não beneficiarão o indivíduo nem a soci- edade. (…) A educação artística, co- mo parte essencial do processo edu- cativo, pode significar muito a dife- rença entre um indivíduo criador e flexível e um outro que não tenha a capacidade para aplicar o que apren- deu, carente de recursos íntimos e com dificuldades no estabelecimen- to de relações com seu meio. A Educação Artística como área de conhecimento, que privilegia o desenvolvimento de experiências sensoriais, estimulando a percepção e objetivando a sensibilidade cria- dora, direciona-se à autoexpressão, e na experiência de construção e in- tegração, é uma disciplina singular e com fortes potencialidades em rela- ção ao crescimento integral da pes- soa. Mas a expressividade pessoal e criativa não se promove de imediato, é algo a aprender e a se construir. “Não há expressão artística possível sem autoidentificação”, diz Lowen- feld, e a forma de expressão é de acordo com as experiências pessoais do criador. Fatores como o autoco- nhecimento, e portanto, a autoiden- tificação, são importantes para a “autêntica expressão do eu”. Afinal, se o indivíduo não se conhece mini- mamente, e não identifica partes do ‘Si Mesmo’ no meio em que o rodeia, terá o quê para expressar? Ao depa- rar-se com o vazio interno, por norma, a atitude habitual é de fecha- mento em si próprio, ou ir ao encon- tro de compensações que têm a ilu- são de preenchimento, mas dificil- mente encontra o quê e como se ex- pressar, ou criar, ou construir… A busca de identidade é um propósito básico do ser humano, e esse processo desenrola-se nos mais diversos aspetos da vida. São condi- 19 APOSTILA DE ARTETERAPIA ções de definição de identidade a re- lação parental, o envolvimento e in- fluência exercida pelo ambiente so- cial, bem como fatores biológicos ou psicológicos. Segundo Grinberg e Grinberg (1998) a formação da identidade é um processo que surge da assimila- ção bem sucedida de todas as identi- ficações fragmentárias da infância e pressupõe uma inclusão com êxito do que se apreende e do que se inter- naliza das relações precoces. Com- plementa ainda com o ponto de vista de Edith Jacobson, de 1920, que diz que “a captação do Self se dá como uma entidade organizada e diferen- ciada, separada e distinta do ambi- ente que a rodeia, que tem continui- dade e capacidade para continuar a ser a mesma ao longo de sucessivas mudanças, constituindo a base da experiência emocional da identi- dade”. Portanto, sendo um processo progressivo complexo, porém fun- damental, a educação tem sua parti- cipação ativa. Analogamente, vere- mos que Lowenfeld coloca que os processos artísticos/expressivos co- mo desenhar, pintar ou construir re- únem diversos elementos da experi- ência individual, para formar um “novo e significativo todo”: No processo de selecionar, in- terpretar e reformar esses elemen- tos, a criança proporciona mais do que um quadro ou uma escultura, proporciona parte de si própria: como pensa, como sente e como vê. Para ela, a arte é atividade dinâmica e unificadora. São constantes na atividade criativa, mecanismos de ‘assimila- ção’ e ‘projeção’ por requerer em um envolvimento global do indivíduo: “absorver através dos sentidos, uma vasta soma de informações, integrá- las no Eu psicológico, e dar uma nova forma aos elementos que pare- cem ajustar-se às necessidades esté- ticas do artista nesse momento”. Encontrar significados tam- bém é uma necessidade, para que não se represente somente “coisas”, mas para que se possa expressar o seu Eu, tudo o que o identifica como sujeito individual, com característi- cas e particularidades próprias, dife- rentes de todo o resto. Para se destacar é preciso uni- ficar-se. Isto quer dizer que quanto mais integrada uma pessoa é, mais da sua identidade pode definir, e quanto mais individualidade possa ter, mais possibilidades de relações interpessoais construtivas pode es- tabelecer9. O sentimento de auto- confiança que se adquire através desse processo pressupõe ser uma forte base para a criatividade gerada em todas as áreas da vida. A arte através daauto expres- são, pode desenvolver o Eu como 20 APOSTILA DE ARTETERAPIA importante ingrediente da experiên- cia. Como quase todos os distúrbios emocionais ou mentais estão vincu- lados à falta de autoconfiança, é fácil perceber como a estimulação ade- quada da capacidade criadora da cri- ança pode fornecer salvaguarda con- tra tais distúrbios. A falta de identificação torna- se um problema quando o que ro- deia o indivíduo não tem signifi- cado, não reflete nada do Si Mesmo, não se sente como parte integrante da sua vida e portanto não encontra sentido criativo. Literalmente dizen- do, não encontra um sentido ou um caminho a seguir nos seus processos criativos. Seguindo uma proposta seme- lhante para o ensino das artes, Ho- ward Gardner (1997) defende o pro- porcionar de uma condição psicoló- gica ótima e um ambiente de liber- dade criativa e experimentação para o desenvolvimento de habilidades artísticas. Tal ambiente requer o fa- vorecimento da segurança e do con- forto, para a projeção simbólica de aspetos inerentes ao indivíduo que podem partir dos mais simples e fá- ceis até os mais perturbadores que carecem de compreensão. Expressar o que é “muito louco”, o caótico, o in- compreensível, brincar e regressar a um estádio infantil abre caminhos para aspetos inerentes à criatividade como a espontaneidade e a flexibili- dade. (…) o desenvolvimento artístico envolve a educação dos siste- mas de fazer, perceber e sentir; o indivíduo se torna capaz de participar do processo artístico, de manipular, compreender e relacionar-se com os meios simbólicos de maneiras especí- ficas (p 286). Gardner observa como a saúde mental está ligada à capacidade de participar espontaneamente e inte- gralmente num processo artístico. Aponta a importância do fator da co- municação no criador, que pode ser comprometido por psicopatologias. Sobre o processo desenvolvimento, Gardner coloca que a arte aparece estreitamente ligada e que, qualquer prejuízo no desenvolvimento apre- senta ramificações imediatas nas atividades artísticas: Baseado em Gerry McNeilly (2002), criador da Arteterapia Gru- panalítica, que refere: “Quanto mais uma pessoa pode fazer parte de um grupo, mais individual se torna. Igualmente quanto mais um indiví- duo pode ser si próprio, mais ele está apto para criar e integrar o grupo a que pertence”. “Restabelecer os aspetos hu- manos da comunicação e do uso de símbolos aparece como um pré-re- quisito para que o desenvolvimento 21 APOSTILA DE ARTETERAPIA normal e a participação no processo artístico possam ser retomados”. (…) as artes podem ser consi- deradas como um processo de reso- lução de problemas em qual a execu- ção é enfatizada; o desenvolvimento artístico envolve o domínio de um meio simbólico e a educação estética envolve a orientação dos três siste- mas desenvolventes (fazer, perceber e sentir) até o domínio abrangente dos meios simbólicos. A resolução artística de problemas requer a ca- pacidade de capturar vários modos, afetos e insights subjetivos de um meio simbólico (…). A ativação dos conteúdos da imaginação e o estímulo à produção simbólica são imprescindíveis à cri- atividade. “A criação do Eu depende das suas representações simbóli- cas”, refere a Professora Maria Te- resa Eça (2004: 13). Compreendemos, portanto, o quanto a Educação Artística e a Ar- teterapia têm de semelhanças e dife- renças. Como cada área influencia a outra, ou o que uma proporciona à outra. A Educação Artística desde sempre é um campo de originali- dade e inspiração para a Arteterapia, assim como a Arteterapia pode con- tribuir para uma Educação Artística mais sensível e estimulante dos pro- cessos criativos. Pensamos um set- ting de Arteterapia como um espaço de aprendizagem artística. Essa aprendizagem não se restringe ape- nas no desenvolvimento técnico, mas baseia-se na aprendizagem e desenvolvimento afetivo que possi- bilita desbloqueamentos criativos, aumentando no indivíduo a sua ca- pacidade de expressão criativa e ar- tística. As propostas criativas em Ar- teterapia são imbuídas de estímulos à sensorialidade e à percepção, bem como pode desenvolver aspetos liga- dos à coordenação e ao desenvolvi- mento cognitivo. A arte enquanto mediador terapêutico acaba por ser também veículo de aprendizagem, tanto sobre o conhecimento da lin- guagem artística como sobre a deci- fração do mundo interno (Carvalho, 2008b). Não obstante, Waller expõe a sua sugestão da inserção da teoria e da técnica da Arteterapia nos cursos de formação de professores de arte. Não só como um componente com- plementar para o ensino, mas tam- bém como forma de dissipar mitos e preconceitos acerca da ‘terapia’ no contexto educacional. O que tam- bém contribui para aceitação do profissional de Arteterapia trabalhar em equipa nas escolas, sem ser con- fundido com um professor de arte, ou um psicólogo, e sem ser uma ameaça estranha à ordem do siste- ma de ensino. 23 APOSTILA DE ARTETERAPIA 2. A História da Arteterapia Fonte: Valorize a Vida2 História da Arteterapia acom- panha genericamente a histó- ria social e cultural, bem como fato- res da História da Arte. Mesmo a produção artística tendo nuances e propósitos diferenciados em cada período histórico, a arte bem antes de ser um objeto de apreciação com finalidade de fruição estética serve ao indivíduo como um meio expres- sivo e comunicacional com propósi- tos bem definidos. Esses propósitos estão ligados às necessidades huma- nas de conhecimento de si mesmo e 2 Retirado em https://valorizeavida.org/ do seu meio ambiente, mesmo vindo a ter regras rígidas de execução e produção. No início, de maneira instin- tiva, o indivíduo dos tempos primiti- vos utiliza as várias manifestações artísticas como o desenho, a pintura, a música, a dança e a representação com finalidade expressiva, tanto da sua rotina diária como dos seus con- flitos, dos seus questionamentos e das suas emoções. Utiliza a expres- são artística na representação e na A 24 APOSTILA DE ARTETERAPIA ilustração das questões mais impor- tantes e essenciais da vida e do mun- do ao seu redor que procuram co- nhecer. A arte corresponde à expe- riência espiritual, como se a huma- nidade desde sempre percebesse as atividades artísticas como práticas com características especiais, com uma dignidade extraordinária, e por isso com o privilégio de ser um meio de comunicação e acesso ao mundo que o transcendia. Por mais que se saiba que a arte nos tempos primiti- vos não tem diferença das outras ati- vidades cotidianas, as manifestações artísticas não estariam presentes em praticamente todos os rituais mági- cos/religiosos se não fossem senti- das como um exercício especial e di- ferente das outras práticas da vida, já que a relação com o divino, ou as atividades com funções mágicas, são constantemente consideradas como sagradas e fundamentais na vida. “Magia, religião e ciência estavam integradas no mesmo gesto cultural artístico. Com o desenvolver da civi- lização ocidental vão se diferencian- do em campos distintos de conheci- mento” (Andrade, 2000: 14). Mesmo a Arteterapia tendo um pouco mais de meio século de vida, é no início da história da hu- manidade que inicia a sua História. No momento em que o sujeito pré- histórico utiliza a representação ar- tística como meio de expressão, co- mo forma de comunicação de emo- ções e de entendimento de si mesmo e como um meio de elevação e cres- cimento pessoal, tal como o indiví- duo, atualmente, num processo arte-terapêutico. Na História da Arteterapia es- tão presentesas manifestações artís- ticas espontâneas, as que sensibili- zaram profundamente o indivíduo, e os processos de criação imbuídos de emoção. Obras que foram utilizadas como um meio de representação do mundo sensível e do pensamento existencial, de modo a compreendê- los melhor e adaptar-se ao seu meio ambiente de maneira harmónica, encontrando mais sentido em si, nas suas relações, e em tudo o que o ro- deia. A História da Arteterapia é uma história de saúde, de cresci- mento e de vida. Não é a história da loucura e da doença, onde comu- mente se faz associações com arte, como se para criação artística seja necessário um gênio louco ou moti- vações doentias. Como se toda obra mostrasse traços psicopatológicos do seu criador. Como se a arte pura e simples fosse provedora de cura. Da História da Arteterapia fazem parte os fatos que marcaram a busca e a necessidade do ser humano, des- de tempos remotos, em utilizar a ar- te para ir ao encontro de melhores 25 APOSTILA DE ARTETERAPIA soluções, de resolução de conflitos e um de meio expressivo e relacional. A Abertura aos Sentimen- tos Românticos Apesar dos variadíssimos exemplos ao longo da História, de obras artísticas produzidas com mo- tivações catárticas sendo um canal de expressão pessoal, ou que, produ- ziam no fruído fortes reações estéti- cas, emocionadas, focalizamo-nos em narrar a História da Arteterapia a partir do período, sem precedente, em que houve a maior abertura para a expressividade individual e a sua valorização. Esta linha de pensa- mento atual abre caminhos para uma vivência cultural de maneira in- comum, tanto da parte dos criadores que buscavam incessantemente a sua mais original auto expressão, como da parte do público que é mais flexível e aberto à novidade. Há um cenário social que conduz ao sentido de “novidade”, na área da ciência, da arte e de toda a cultura em geral. Ruptura parece ser a palavra de or- dem dos diversos manifestos cultu- rais que surgem. A ciência, em todas as áreas avança trazendo as tecnolo- gias modernas. A genuinidade é ori- unda do mais profundo do ser. Este cenário abre as portas para a valori- zação da produção artística fora dos círculos tradicionais, tanto estetica- mente como no encontro de finali- dades diversas, ao se romper o con- ceito de ‘arte pela arte’. Em fins do século XVIII, muito do cenário e da tradição artística das escolas começou a alterar-se. Gom- brich aponta que apesar das grandes descobertas a partir da Renascença, das mudanças, dos questionamen- tos surgidos, as escolas e o funciona- mento do ofício do artista mantive- ram-se de maneira semelhante ao longo dos tempos: “(…) os artistas ainda pertenciam a guildas e a com- panhias, ainda tinham aprendizes e apoiavam-se em encomendas feitas, predominantemente, pela aristocra- cia abastada. (…) A finalidade da pintura e da escultura continuava sendo, de um modo geral, a mesma, e ninguém a questionava seriamente (Gombrich, 1993: 375-376). Assim, a verdadeira ‘rutura na tradição’ traz o autêntico sentido de inovação promovido pelos artistas da época conhecida como a Era da Razão. Num momento de novos pressupostos favorecidos pela Revo- lução Francesa, em 1789, também originaram as mudanças nas ideias sobre a arte e cultura. A exigência do artista passa pela procura de um es- tilo próprio preocupando-se em ser diferente dos outros. As raízes dessa inquietação já eram percebidos des- 26 APOSTILA DE ARTETERAPIA de o início do século, bem como o sentimento de insatisfação com a tradição artística. Criam-se as aca- demias, onde não há mais mestres e aprendizes, e sim onde a arte passa a ser uma disciplina, tal como a filoso- fia ensinada a estudantes. O mais notável efeito da rup- tura da tradição, segundo Gombrich, foi o fato dos artistas sentirem-se li- vres para passar as suas visões pes- soais, algo que até então só os poetas costumavam fazer. Um notável exemplo dessa ‘nova abordagem da arte’ foi o poeta e pintor inglês Wil- liam Blake (1757-1827), que “vivia num mundo de sua própria criação, desprezava a arte oficial das acade- mias e recusava-se a aceitar seus pa- drões”. Expressava nas suas obras a sua intensa vivência religiosa, ilus- trada por imagens nascidas da sua imaginação. Representava já nesse final de século o onírico e o fantás- tico, e não estava interessado em re- presentá-los com exatidão técnica. Esta é a fase em que a Grande Revolução preparou caminho para o Romantismo, e que antecedeu o pe- ríodo em que “pela primeira vez tor- nou-se verdade que a arte era um ve- ículo perfeito para expressar a indi- vidualidade”. A arte finalmente per- de as suas finalidades e expressa a personalidade do artista: O que as pessoas interessadas em arte passa- ram a procurar em exposições e es- túdios já não era uma exibição de habilidade vulgar (…) O que elas queriam era que arte as aproximasse de homens com quem valeria a pena ter relações, homens cujo trabalho era testemunho de uma sinceridade incorruptível (…). Os artistas do século XIX tive- ram a coragem e a persistência de pensar por si mesmos, de examinar convenções sem termos críticos, as- sim criando novas possibilidades e perspectivas para a arte. A técnica, o estilo e os temas são inovados quebrando com o con- vencional. Os artistas deslocam-se e procuram paisagens diferentes das europeias. Os temas podem ser ce- nas de deslumbre próprio ou formas de protesto contestando as tradições da burguesia a romper os clichês tra- dicionais. Gombrich cita um trecho de uma carta do pintor Gustave Cou- rbet, de 1854: Espero sempre ganhar a vida com a minha arte, sem me desviar um milímetro dos meus princípios, sem ter mentido à minha consciên- cia nem por um único momento, sem pintar se quer o que pode ser co- berto pela palma da mão só para agradar a alguém ou para vender mais facilmente. Jamais na História da Arte os artistas puderam obedecer ao cha- 27 APOSTILA DE ARTETERAPIA mado dos seus sentimentos, desen- volvendo uma “atitude subjetiva e egocêntrica” (Hauser, 1995: 664). Questionavam a si mesmo, bem como refletiam sobre a sua condição histórica. Numa posição de hiper- sensibilidade procuravam o signifi- cado do presente e exaltavam o pas- sado, onde o presente era sinónimo de desamparo e solidão, daí a neces- sidade de fuga para um passado que não existe mais, ou evasão para a utopia do futuro. Recusam o pensa- mento racional que faz fincar os pés no momento em que se vive de for- ma materialista. Mantêm a posição individualista envolvendo-se nos próprios tormentos pessoais. Alguns trechos do livro Cartas ao Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke (1875-1926) definem a ideia romântica de recolhimento pessoal e intenso questionamento dos senti- mentos e da vida: É bom estar só, porque a solidão é difícil. (…) Amar também é bom: porque o amor é di- fícil. (…) Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e carregue com queixas harmoniosas a dor que ela lhe causa. Diz que os que sente próximos estão longe. Isto mostra que começa a fa- zer-se espaço em redor de si. Se o próximo lhe parece longe, os seus longes alcançaram as estrelas, eles são imensos. Alegre-se com esta imensidade, para a qual não pode carregar ninguém consigo (Rilke, 1980: 54-55). O olhar voltado para si mesmo e para os próprios sentimentos tor- nou-se uma atitude completamente natural nos tempos atuais, de forma que toda a manifestação da arte mo- derna contém intrinsecamente esse estado de espírito. Todo o modo de estar e pensamento artístico e cultu- ral passa pelo sentido emocional ori- ginado no século XIX. “Não existe produto da arte moderna, nenhum impulso emocional, nenhuma im- pressão(…), que não deva sua suti- leza e variedade à sensibilidade que se desenvolveu a partir do roman- tismo” (Hauser, 1995: 664). É portanto o pensamento mo- derno, no movimento de busca inte- rior, no cenário do surgimento da arte moderna, que faz surgir a Arte- Terapia como a conhecemos. Há cada vez mais espaço para a livre ex- pressão fora escolas e bem longe das academias. Os olhares técnicos vol- tam-se para essas criações ditas es- pontâneas. Valorizam-se aspetos tanto na arte como na vida jamais antes reconhecidos. De volta para o Futuro – A Arte Moderna Gombrich ao falar sobre a arte mais próxima dos nossos dias define 28 APOSTILA DE ARTETERAPIA como “o triunfo do modernismo” o resultado obtido pelos diversos mo- vimentos artísticos surgidos no tur- bilhão de acontecimentos históricos do século XX. A História da Arte mantém-se imprevisível. A arte cria- se e recria-se com a velocidade do mundo moderno. Prima-se pelo in- tenso e impactante, mas que ao mesmo tempo é efémero. E tem de o ser, a abrir espaço a mais criações. A Arte Moderna e Contemporânea têm a energia que alimenta mutações e inovações que estão bem longe da tradição e aperfeiçoamento das an- teriores. As alterações na visão artística e cultural, provocadas em ritmo ver- tiginoso por vários fatores, são enu- meradas por Gombrich. Citamos al- guns dos mais significativos para o surgimento do cenário da Arte-Tera- pia: Experiência de progresso e mu- dança das pessoas: Surge o sen- tido efêmero da arte pela aceitação da variedade e da novidade. A inova- ção torna-se palavra de ordem na produção artística motivada por uma necessidade de substituição. Os críticos e, consequentemente, o pú- blico aceitam, deixando de vez as re- ações hostis e escandalizadas do sé- culo anterior. Desenvolvimento da ciência e da tecnologia: A ciência moderna expande-se a vários níveis. A revolu- ção industrial promove o uso de ma- teriais diferenciados. A experimen- tação é incentivada por esses fato- res. A arte é produzida em novos su- portes e com estruturas nunca antes vistos. Novas formas de execução são investigadas, procurando ma- neiras alternativas de representação da natureza. A fotografia imprime as imagens antes pintadas. As demais técnicas passam a reproduzi-las em série. Espontaneidade e individuali- dade: Mesmo contradizendo os fa- tores anteriores, no mundo moder- no começa a haver a necessidade de um espaço onde não se é mecaniza- do e padronizado. A arte não é mais aquele ofício ou atividade profissio- nal que era antes, mesmo que reali- zada de maneira sensível. Passa a ser um espaço, um modo, um estado de espírito: “A arte parece ser o único refúgio onde a fantasia, a inconstân- cia e as singularidades pessoais ain- da são permitidas e até apreciadas”. Auto expressão: O desenvolvi- mento da psicologia moderna con- tribui para que o artista desenvolva uma postura liberta de autocontrole. Vários movimentos pautam-se nas ideias revolucionárias da Psicaná- lise. O conteúdo da arte passa a ser visto como ‘expressão de cada épo- ca’, como um espelho do seu criador. 29 APOSTILA DE ARTETERAPIA Representa a sua realidade interna, o ponto de vista pessoal do mundo que o cerca. Passa-se a representar não só o belo como também o terrí- vel e o chocante. O ensino da arte: Os métodos de ensino voltam-se para a expressivi- dade espontânea da criança abando- nando aos poucos o tradicional da técnica e da memorização. Esses tra- balhos passam a ser valorizados, tal como a arte primitiva ou naif, feita sem os pressupostos técnicos artísti- cos tradicionais. Os olhares voltam- se não só para o produto criado mas também para execução livre, por puro prazer. A arte surge como um meio de desenvolvimento pessoal e criativo, bem como de relaxamento e descontração. Todos podem fazer arte, não sendo mais o ofício de um profissional. Surgem assim os con- ceitos de “arte infantil” e “arte bru- ta”. Consequentemente surge a Ar- teterapia. A Arte Bruta A Coleção de Arte Bruta foi cri- ada por Jean Dubuffet (1901-1985) em Lausanne, Suíça, por volta de 1945. Pintor e escritor, Dubuffet ins- pirou-se em coleções de obras que surgiram nos finais do século XIX realizadas nos hospitais psiquiátri- cos. Fundou a Companhia da Arte Bruta (Compagnie de l´Art Brut) junto com outros artistas e escrito- res, entre eles, André Breton, o fun- dador do movimento surrealista. O seu interesse era reunir tra- balhos artísticos da população mar- ginalizada da sociedade, portanto, doentes mentais, presidiários, men- digos, bem como exemplares de ‘arte primitiva’ de povos tribais da África, Oceânia e América do Norte (Gra- mary, 2005: 47-50). Há no manifesto da Arte Bruta um cunho de movimento de contra- cultura que pretende alcançar maior autenticidade na arte através da li- vre gestualidade do “artista”. As obras que compõem a coleção são realizadas de maneira espontânea. São expressões artísticas que não contêm a interferência dos conceitos técnicos formais das escolas de arte, mas que são valorizadas como obras de arte, tal como noutras coleções organizadas do mesmo gênero ou exposições com obras designadas como ‘arte informal’. Esses criado- res tão pouco são necessariamente artistas, e poucos deles almejam de- senvolver a profissão ou ganhar esse estatuto social. Simplesmente pin- tam, desenham, esculpem num im- pulso expressivo. Comunicam atra- vés da arte o seu mundo interno ou mesmo o que os rodeia. É imprevisí- vel, a partir dos seus impulsos. Não há regras. Tal como não há constân- cia na produção, que pode ser de 30 APOSTILA DE ARTETERAPIA uma única peça esporádica, ou cria- ção compulsiva. Com o tempo, o termo arte bruta, ou arte informal, passou a ser empregue para todas as obras reali- zadas fora do contexto artístico tra- dicional, principalmente nos traba- lhos realizados em hospitais psiqui- átricos feitos por doentes mentais. Os Pioneiros da Arteterapia Segundo a literatura britânica sobre Arteterapia, foi na década de 1940 que o pintor inglês Adrian Hill estabelece a Arteterapia como mé- todo psicoterapêutico. Ele esteve in- ternado num hospital durante a Se- gunda Guerra Mundial convalescen- do-se de tuberculose, e durante esse tempo pintava e desenhava como forma de encontrar algum consolo ao encontrar-se naquele estado. Com o tempo, Hill percebe o quanto a prática artística pode auxiliar na recuperação de doentes, ao encon- trarem na arte um meio de expres- são do desespero trazido pela doen- ça e pela situação da época de guer- ra. Nesse hospital, em Midhurst, Adrian Hill cria um atelier e recebe soldados feridos que regressavam da guerra. Estes têm a oportunidade de expressarem os horrores vividos nesse período, e Hill compreende que podem libertarem-se dos trau- mas da vivência da guerra. As pintu- ras e os desenhos são também veícu- los para falarem sobre as dores e os medos da doença e da morte. Atra- vés do exercício de expressão artís- tica e da elaboração das emoções, os pacientes desenvolvem uma atitude de mais esperança perante a vida, e de menos ansiedade e angústia. Hill publica os livros Painting out Illness e Art Versus Illness. É considerado como o primeiro arte-terapeuta a trabalhar num hospital psiquiátrico (Waller, 1984: 6). A seguir delineia uma estrutura própria de trabalho e um campo de conhecimento especí- fico da Arteterapia. O movimento inicial desenvol- vido por Adrian Hill deu origem em 1964 à BAAT, de que são referenciais importantes Diane Waller e Tessa Dalley. Arte-Terapeutas, autoras de várias publicações, que têm um pa- pel de preponderância no estabeleci- mento da profissão de arte-tera- peuta em Inglaterra.De relevância histórica, e reco- nhecidas igualmente como pioneiras da prática da arteterapêutica, no Es- tados Unidos, Margaret Naumburg e Edith Kramer fundam a AATA em 1969. A americana Naumbug parte para a Europa na década de 1920, a fim de aprofundar os seus estudos em Psicologia. É também artista plástica e educadora e desenvolve o 31 APOSTILA DE ARTETERAPIA seu trabalho que hoje é definido como ‘terapia pela arte’, com base na teoria psicanalítica. Ao retornar aos Estados Unidos, funda em Nova York a Escola Walden, com propos- tas inovadoras sobre a expressão li- vre na arte e com foco na linguem simbólica infantil. Introduz no trata- mento psicoterapêutico a criação ar- tística de maneira espontânea, ao ressaltar a expressão dos conteúdos e motivações inconscientes para o processo criativo. É autora de várias publicações, desde 1947, sobre Arte- terapia e sobre o uso da expressão artística em psicoterapia. É referen- ciada como a pioneira na abordagem psicanalítica da Arteterapia (Cior- nai, 2004: 24-25). No contexto educacional, a austríaca Edith Kramer, nascida em 1916, emigra para os Estados Unidos em 1938. Foca-se na linha de traba- lho reconhecida como ‘arte como te- rapia’. Diferente da aborgagem de Naumburg, que utiliza a arte nos processos psicoterapêuticos (terapia pela arte), Kramer desenvolve a perspetiva que enfatiza o processo artístico como uma forma terapêu- tica. Baseia-se nas teorias de Viktor Lowenfeld e Hebert Read, apesar da sua formação psicanalítica. A ênfase no trabalho realizado com crianças com problemas emocionais e trau- mas diversos não era no produto fi- nal das suas criações. Interessava-se em como criam, na relação que esta- belecem com os materiais, e em todo acompanhamento do processo cria- tivo (Ciornai, 2004: 27). Reconhece a arte como terapêutica por si só e não como uma ferramenta. Define- se como uma educadora e artista que combina as suas competências artís- ticas com os conhecimentos especí- ficos do campo da psicoterapia. A Criação Artística na Artete- rapia - Características e Parti- cularidades Em Arteterapia, através do exercício da criatividade e pela expe- riência estética, o indivíduo encon- tra acesso aos seus núcleos mais sau- dáveis. O sujeito não só cria como se relaciona com o produto artístico criado, num movimento de desco- bertas e revelações ao identifica-se e ver surgir, nas imagens compostas, aspetos de si próprio. É uma experi- ência de liberdade que favorece ges- tos espontâneos, e que conduz a uma construção significativa, simbólica de reconstruções das estruturas in- ternas. A facilitação adequada do arte- terapeuta proporciona o desbloque- amento de inibições e constrangi- mentos. É muito normal que um adulto não crie de forma espontâ- nea, mas com as condições propícias pode vir a desenvolver um processo 32 APOSTILA DE ARTETERAPIA artístico, ao dispor imagens e ao or- ganizá-las mediante a sua vontade e estado de espírito. Carvalho (2008a) define a arte produzida nas sessões de Artetera- pia como ‘arte catalisadora’: Uma abordagem de Arteterapia focada, fundamentalmente, na arte, permi- te, ao indivíduo, a imersão num cau- dal de criatividade, o que, adequada- mente canalizado pelo contexto rela- cional terapêutico, contém, em si, um efeito potencialmente organiza- tivo. Assim sendo, proponho desig- nar a arte realizada em contexto te- rapêutico como Arte Catalisadora. A composição da palavra catalisador provém de catálise + dor. Catálise origina-se da palavra grega ‘ka- talysis’, que remete para ‘dissolução’ o qual, literalmente, poderíamos en- tender como a arte dissolutiva da dor emocional, no fundo a grande fi- nalidade de qualquer intervenção psicoterapêutica. Mas, em portu- guês catalisar também significa esti- mular, dinamizar e desencadear, o que é próprio ao processo desenvol- vido internamente nos pacientes comprometidos com a arte. Há muito que se anuncia, qua- se que popularmente, o clichê de que a “arte cura” ou a “arte é terapêu- tica”, mas em Arteterapia o ‘fazer arte’ não se desenvolve isoladamen- te, e o criar é acompanhado por uma relação de diálogo, apoio e confian- ça. É facilitadora da desinibição, da expressão de conteúdos internos e do encontro de si mesmo com a pró- pria criação. Carvalho (2008) afirma que a arte tem potencialidades terapêuti- cas, mas isso não quer dizer que seja em si terapia, e é na integração da arte no contexto psicoterapêutico que essas potencialidades de trans- formação, de encontro e de cresci- mento pessoal, podem “ser canaliza- das para o processo de aquisição de conhecimento essencial para a cura”. Através do apoio do arte-tera- peuta, o paciente encontra-se num ambiente confortável de sustentação e empatia, facilitador da criatividade e acolhedor das expressões mais for- tes e desordenadas. A psicanalista inglesa Marion Milner (1900-1998), uma estudiosa sobre arte, utiliza-a no setting psicanalítico e acredita na criação artística como um poderoso processo de resgate de núcleos in- conscientes e também como uma forma de integração do Self: “(…) a medida do gênio nas artes está li- gada a quanto o artista consegue co- operar com a sua mente inconsci- ente através do seu meio”. Entre- tanto, apesar de refletir sobre o pro- cesso criativo do artista e sobre a ex- periência artística no geral, não dei- xa de situar a criação artística como um meio de resgatar ‘objetos perdi- dos’ em psicanálise: “Um trabalho 33 APOSTILA DE ARTETERAPIA de arte acabado é a aquisição de um ideal de integração mais do que uma aquisição permanente (…) A criação acabada nunca cura a ausência sub- jacente de falta de sentido do Self (…) O verdadeiro trabalho fica por ser feito na análise”. No geral, as abordagens em Arteterapia baseiam-se na perspec- tiva da ‘terapia pela arte’, de Naum- burg, ou na ‘arte como terapia’, pers- pectiva de Kramer. Esta primeira, refere-se à arte aplicada no processo psicoterapêutico, no qual ela é um instrumento facilitador. O foco é no conteúdo simbólico emergido das imagens criadas e associado ao con- teúdo inconsciente do seu criador, buscando significado pessoal e tra- zendo “luz” à elaboração e à trans- formação. Portanto está próxima da proposta da Arte-Psicoterapia. No caso de Naumburg, trabalha com a abordagem psicanalítica. Já a perspectiva desenvolvida por Kramer, da ‘arte como terapia’, o processo criativo ganha relevo es- sencial, por meio do qual o trabalho terapêutico é realizado. Através das etapas de construção criativa e no fa- zer artístico, é proporcionado o cres- cimento pessoal. Próxima das teo- rias da Educação Artística, Kramer inspirou-se em autores como Lo- wenfeld, e aplica a arte em settings terapêuticos como um meio de co- municação, além de explorar o lado prazeroso e lúdico da criação, com pessoas em forte sofrimento. Com estas características, podemos asso- ciar à Arteterapia Vivencial ou a Ar- teterapia Temática. O tradicional em Arteterapia é a aplicação das artes plásticas, onde comumente utiliza-se maioritaria- mente do desenho, da pintura, da modelagem em barro, da colagem, e das diversas formas plásticas criati- vas. Não é difícil encontrarmos os outros meios como a dança, a mú- sica e o drama sendo referenciados como ‘Terapias Expressivas’, res- tringindo a Arteterapia à expressão plástica. Também podemos encon- trar o termo ‘Artes Terapias’ para definir o uso de expressões artísticas que não sejam as plásticas. Entretanto a SPAT segue o modelo inglês das ‘Artes Integradas’ que se utiliza dos vários mediadores artísticos, a explorar a potenciali- dade de cada um, de maneira indivi- dualizada (mono-expressão) ou in- tegrando-os a proporcionarum de- terminado contínuo expressivo. Ao se inspirar no trabalho de arte-terapeutas inglesas como Jen- nifer Mackewn e Petruska Clarkson, que têm por base a Gestalt-Terapia, Carvalho define as Artes Integradas como: Uma perspectiva que considera a arte de um ponto de vista ho- 34 APOSTILA DE ARTETERAPIA lístico, enquanto fenómeno hu- mano ligado à criação de reali- dades estéticas subjetivas ou virtuais, se bem que existem di- ferentes linguagens processu- ais, operativas ou de execução e expressivas próprias dentro do fenómeno artístico, elas são po- tencialmente intermodais. Tal significa que todo o ser humano tem em si a capacidade de criar, expressar-se e comunicar re- correndo a qualquer uma das possibilidades. (Carvalho, 2010). Assim, utilizamos recursos técnicos artísticos de artes visuais; dança e movimento; voz, canto e música; o drama através de repre- sentação espontânea ou com mario- netes; brinquedos, jogos e tabuleiros de areia; a poesia, a escrita e as his- tórias. As possibilidades são varia- díssimas, tanto a nível expressivo, onde cada modo tem o seu código simbólico próprio, como a nível de aplicação, pois abrange um vasto público que utiliza-se da Arteterapia como meio terapêutico e expressivo, mesmo que não se adapte unica- mente às artes plásticas. Um dos ob- jetivos em Arteterapia é oferecer re- cursos que sejam adequados às ne- cessidades de cada indivíduo, e ha- vendo alguma restrição por parte do paciente na prática das artes plásti- cas, o arte-terapeuta tem mais alter- nativas para sua facilitação. O cenário de integração das ar- tes é uma metáfora para integração de partes do Si Mesmo, assim como nos poderemos servir de uma das funções da arte que é a ‘integração’: integração social nomeadamente, e integração de partes do Self do cria- dor. Sendo a arte um mediador entre vivências do Eu e o seu meio social. A integração da arte funciona também como um “jogo”, pela noção do lúdico, sendo um jogo de sinali- zação ou simbolização do caminho interno que o indivíduo traça ao re- fletir sobre si mesmo. O próprio en- cadeamento desempenha o papel de jogo - como um encaixe de peças, um ‘quebra-cabeça’. No jogo simbólico temos mais possibilidades de utili- zar meios de maneira menos censu- rada e o processo primário de pensa- mento, de forma mais espontânea. A integração das artes proporciona esta forma de cognição em terapia, menos racionalizada e mais baseada na vivência lúdica. A arte criada em Arteterapia revela-se com singularidades. São sublinhadas pelos arte-terapeutas e arte-psicoterapeutas, observadas nos settings de trabalho, direta- mente com os seus pacientes, por- tanto através da experiência prática. John Birtchnnell (1984: 37-39), psi- quiatra, arte-psicoterapeuta, mem- bro da BAAT, relata num dos seus artigos os vários modos de atuação da arte ‘em’ e ‘como’ terapia. Aponta a relevância da aplicação da criação 35 APOSTILA DE ARTETERAPIA de imagens no contexto psicotera- pêutico e a vasta potencialidade te- rapêutica do processo artístico. Re- sumidamente refere itens como: Imagem concreta: A criação em Arteterapia materializa as ideias, os sentimentos e as emoções do indiví- duo numa imagem concreta, tal co- mo nos sonhos. Traduz-se numa fo- tografia do estado de espírito da pes- soa, de maneira a perdurar no tempo podendo ser trabalhada terapeutica- mente em vários momentos do pro- cesso. Posse e continuidade: Os traba- lhos artísticos produzidos em Arte- terapia devem ser preservados da exposição pública sem permissão do próprio, sendo objetos pessoais e restritos ao seu criador. Pelo menos restringe-se a exposição dos objetos de arte a estudos científicos, sempre a preservar a identidade do paciente. Cada criação é como uma parte do próprio, um pedaço do seu mundo interior. Além disso, o sujeito cria- dor tem total liberdade em decidir o fim do trabalho artístico, que pode ser guardado em seu processo pes- soal, ou eventualmente se o paciente desejar pode destruí-lo. Liberdade na comunicação: a recriação de algo perdido ou do pas- sado, bem como a reconstrução de cenas perturbadoras são permitidas e comunicadas através da “dimen- são não-verbal da comunicação” ao se utilizar de uma imagem. Segurança: a expressão através das artes oferece a segurança que de maneira verbal não se encontra. De- senhar medos pode ser uma forma encorajadora de explorá-los, obten- do perspectivas diferentes daquela situação e tendo a oportunidade de enfrentá-los. Desinibição: dar voz às fantasias proibidas e desaprovadas ao desre- primir sentimentos latentes difíceis de serem aceitos. Irracionalidade: É possível pelas artes ser ‘saudavelmente irracional’ ou ‘francamente psicótico’. Inerente à criação artística é o processo de re- gressão a um estádio infantil, esta- belecendo pontes de acesso à imagi- nação. “É bastante aceitável dese- nhar coisas muito loucas e ser total- mente ridículo (…) Tais efusões mantêm no entanto o indivíduo são”. Além destas particularidades, relativamente às possibilidades do trabalho artístico em terapia, pode- mos encontrar mais estudos e consi- derações sobre o seu papel como ve- ículo de transformação interna. A imagem criada em Arteterapia pres- supõe ser um meio relacional, bem como é previsto que o indivíduo 36 APOSTILA DE ARTETERAPIA criador também se relacione e co- munique/dialogue com a criação. Alguns autores assinalam ‘tipos’ de imagens que surgem no processo arte-terapêutico. Este não é um sis- tema de significado rígido, uma vez que trabalhamos com a individuali- dade de cada pessoa, tornando a sua criação única. Mas, torna-se interes- sante constatar o surgimento das imagens como padrão, apontando dinâmicas específicas, mas que des- pontam em momentos semelhantes do processo criativo dos sujeitos. A arte-psicoterapeuta britâni- ca Joy Schaverien (1987) refere-se à imagem criada em Arte-Terapia co- mo um talismã, que pode ser inves- tida de “poderes mágicos” pelo seu criador, transcendendo a sua função expressiva e passando a ser dotada de algo que beneficia o seu possui- dor. Isso surge do investimento psí- quico sobre o objeto de arte, conse- quente da relação que se estabelece com o mesmo. “A partir do momen- to que um objeto é experienciado como um talismã qualquer atitude em relação a ele torna-se significa- tiva…”. A autora distingue dois tipos de imagens que são criadas segundo um padrão de comportamento pe- rante o processo terapêutico que se pode alterar ao longo do tempo. Uma delas é a ‘imagem diagramá- tica’ que normalmente surge no pe- ríodo inicial do processo. As primei- ras pinturas são feitas de maneira diagramática e são utilizadas con- cretamente para dizer algo ao arte- terapeuta, sendo um guia para o seu discurso, ou um apoio. A criação é uma ilustração do que se quer ex- pressar, como por exemplo um dese- nho da família, ou um desenho da própria pessoa em determinada si- tuação. Sendo que a imagem não tem significado em si mesma, apare- cendo como um mapa para as pala- vras do paciente. Pode representar um sentimento, mas não será imbu- ída de sentimento. O outro tipo é a ‘imagem incor- porada’, que surge quando o paci- ente abre-se ao processo de criação e quando as imagens começam a tor- nar-se afetivas. No momento que isto é reconhecido a criação passa a ser investida de mais afeto. É execu- tada de maneira mais espontânea sem ter por base algo que se quer fa- lar previamente. Desenha-se livre- mente por exemplo, usufruindo do contato com os materiais e da rela- ção sensorial que se estabelece. Com mais espontaneidade a criação tor- na-se mais instintiva e próxima de conteúdos inconscientes. É uma imagem
Compartilhar