Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
22 EuroPa, o cEntro Do munDo uMa questão hIstórIca: por que a chIna não descobrIu a europa? O historiador italiano Scipione Guarracino3 lem- bra que, no início do século XIV, a China da dinastia Ming era a maior potência mundial, considerando sua estrutura político-administrativa sólida, o aparato técnico-científico e o rápido desenvolvimento de suas estruturas econômicas e comerciais. Nessa época, a dinastia imperial também empenhava-se intensa- mente na expansão marítima e comercial. Os chineses fizeram grandes expedições maríti- mas, chegando a Calicute, na Índia, quase um século antes de Cabral. Além disso, estiveram no sul da África oriental e entraram pelo mar Vermelho, enquanto os portugueses mal começavam a se aventurar na cos- ta do norte da África. Entretanto, antes da década de 1440, a expansão marítima chinesa estagnou. E isso antes que pudessem dar a volta na África e chegar a Portugal ou ao Mediterrâneo. Várias hipóteses foram levantadas para explicar essa situação. Historiadores como Pierre Chaunu pesquisaram o assunto e susten- tam que há indícios de que o motivo foi, pelo menos em parte, a estrutura social chinesa. Por se tratar de uma “civilização vegetal” ba- seada em grãos, com alta densidade populacional, a China ocupava na agricultura uma grande parte dos recursos disponíveis. Isso dificultava a libera- ção de mão de obra para o trabalho nas florestas (indispensável para manter uma grande frota de navios), além das outras atividades produtivas não agrícolas. Desde a dinastia Han, a China associava uma economia quase exclusivamente agrícola com uma forte burocracia estatal que incluía administrado- res, engenheiros e letrados de um modo geral. Essa burocracia não era hereditária, mas escolhida por concurso público, e tinha prestígio e renda alta. Assim, nem a propriedade privada nem a busca individual por riqueza tinham importância social significativa. O Estado chinês em geral resistia à iniciativa privada. Os comandantes dos navios eram funcionários do império, e não comerciantes sedentos de lucro, por isso a expansão marítima chinesa não teve ímpe- to para continuar até a Europa. Já os europeus, movi- dos pela iniciativa privada com apoio do Estado e pela ânsia de ampliar suas riquezas, não viam limites para sua expansão. E ri ch L e s s in g /A lb u m /L a ti n s to ck /M u s e u M a rí ti m o N a c io n a l, G re e n w ic h , In g la te rr a . p Durante o segundo reinado da dinastia ming, com o imperador Zhu Di, houve a expansão da frota chinesa e a construção de centenas de navios, os ba chuan ou juncos. De dimensões impressionantes (podiam chegar a cerca de 140 metros de comprimento, enquanto a maior nau portuguesa não chegava a 50 metros), entre março de 1421 e outubro de 1423, os juncos chineses teriam percorrido os oceanos Índico, atlântico e Pacífico e regiões ao redor do globo, como a costa do continente americano. a expedição de circunavegação de Fernão de maga- lhães só ocorreu em 1519, cerca de cem anos depois das expedições marítimas chinesas. acima, representação de junco chinês, em gravura do século XiX. 3 GUARRACINO, Scipione. L’Età medievale e moderna. Milão (Itália): Edizione Scolastiche Bruno Mondadori, 1998. p. 246-247. HGB_v2_PNLD2015_008a026_u1c01.indd 22 3/21/13 3:23 PM a EXPansão EuroPEia 23 OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO EUROPA ÁFRICA A M É R I C A Trópico de Capricórnio T ra ta do d e T or de si lh as B ul a In te rc oe te ra Trópico de Câncer Equador 0º ESPANHAPORTUGAL Cabo Verde 370 100 0 2200 km 0 1880 km 3760 OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO Trópico de Câncer Equador 0º Trópico de Capricórnio EUROPA ÁFRICA A M É R I C A M er id ia no d e T or de si lh as Antilhas ESPANHA Cortez Pizarro Almagro Estreito de Magalhães M a g a lh ã e s Ve sp úc io Co lom bo Colonizadores espanhóis Magalhães Ore llana 1492: Cristóvão Colombo chega à América, alcançando a ilha de Guanahani, atual San Salva- dor, nas Bahamas. 1499: Alonso Ojeda chega à Vene- zuela. 1500: Vicente Iañes Pinzón chega ao Brasil, no Amazonas (“Mar Dul- ce” = Mar Doce). 1511: Diogo Velasquez conquista Cuba. 1512: Ponce de León conquista a Fló- rida. 1513: Vasco Nunez Balboa alcança o oceano Pacífico. 1516: Dias Sólis chega ao rio da Prata. 1519: Fernão de Magalhães e Sebas- tião del Cano partem para a pri- meira viagem de circum-nave- gação. 1519: Fernão Cortez inicia a conquista do México. 1531: Francisco Pizarro inicia a con- quista do Peru. 1537: João Ayolas chega ao Paraguai. 1541: Francisco Orellana explora o rio Amazonas. R io Amazona s A da pt ad o de : K IN D ER , H .; H IL G EM A N N , W . A tla s of W or ld H is to ry . N ew Y or k: A nc ho r B oo ks , 1 97 4. p . 2 24 . Adaptado de: ARMENTO, B. et al. Across the centuries. Boston: Houghton Mifflin, 2003. p. 378. p na legenda do mapa estão rela cionadas as conquistas espanholas na expansão ultramarina. p observe no mapa que em lugar do meridiano situado 100 léguas a oes- te de cabo Verde, definido pela Bula Intercoetera, o novo meridiano es- tabelecido no tratado de tordesilhas ampliava bastante o espaço luso na região atlântica. A essa altura, portugueses e espanhóis, espa- lhados pelo Atlântico, detinham o monopólio das expedições oceânicas, sendo seguidos por outras na- ções a partir do início do século XVI, especialmente a França e a Inglaterra. Entretanto, os dois reinos ibéricos já haviam decidido a partilha do mundo antes mesmo que outras nações começassem a se aventurar nos novos ter- ritórios: em 1493, com a bênção do papa Alexandre VI, foi editada a Bula Intercoe- tera, substituída no ano seguinte pelo Tra- tado de Tordesilhas. Ambos estabeleciam uma divisão das terras “descobertas e a descobrir” entre a Espanha e Portugal. A bula privilegiava a Espanha, e o Tratado de Tordesilhas corrigiu a linha demarcatória, atendendo a apelos dos portugueses. O tra- tado estipulava que todas as terras a oeste do Meridiano de Tordesilhas (situado 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Ver- de) pertenceriam à Espanha, enquanto as terras a leste seriam portuguesas. Observe no mapa a seguir. Os demais Estados europeus rejeitaram o trata- do, e durante toda a Idade Moderna, ocorreram dis- putas pelos territórios recém-descobertos. M a p a s : A ll m a p s /A rq u iv o d a e d it o ra a expansão marítima espanhola a divisão das novas terras as navegações espanhoLas Pouco antes de a expansão marítima portu- guesa atingir o objetivo de chegar às Índias, a Es- panha acabou por organizar expedições atlânticas, tornando-se a segunda monarquia europeia a fazê- -lo. A primeira viagem espanhola, bastante modes- ta, foi concebida em 1492 pelo navegador genovês Cristóvão Colombo. Partiu em agosto daquele ano, em três pequenas caravelas, com o objetivo de atingir as Índias contornando o globo terrestre, navegando sempre em direção ao Ocidente. Pro- curava, desse modo, uma rota alternativa àquela controlada pelos portugueses no sul, em torno da África. Colombo chegou ao continente americano pen- sando ter alcançado as Índias e morreu acreditando nisso. Somente em 1504 desfez-se o engano, quando o navegador Américo Vespúcio confirmou tratar-se de um novo continente. HGB_v2_PNLD2015_008a026_u1c01.indd 23 3/21/13 3:23 PM 24 EuroPa, o cEntro Do munDo o MercantILIsMo Uma das medidas tomadas pelos reis europeus para promover o fortalecimento financeiro do Esta- do moderno foi a adoção de um conjunto de práticas econômicas conhecidas como mercantilismo. Vale observar que esse termo não existia no período; ele só passou a ser usado por economistas do final do século XVIII, referindo-se às rígidas práticas inter- vencionistas do Estado na economia durante os sé- culos XV ao XVIII. Tais práticas não constituíam um sistema coeso de ideias,uma teoria econômica, nem eram aplicadas de maneira homogênea na Europa, ao longo dos séculos da Idade Moderna. Vejamos al- guns de seus aspectos. O ideal metalista era a concepção de que uma maior quantidade de metais preciosos viabilizaria a obtenção de maior riqueza. Ter mais moedas (ouro/ prata) era um meio para a compra de terras e títulos, e, para o Estado, mais poderes e domínios. O metal po- deria ser obtido de forma direta, pela exploração de mi- nas (aliás, esgotadas na Europa desde o século XV), ou pelo comércio, que possibilitava atrair e conseguir mais moedas. Outras práticas visavam obter uma balança comercial favorável, uma vez que o poderio e a rique- za de uma nação eram associados à sua capacidade de exportar mais que importar. Baseados nesse entendimento sobre recursos econômicos, muitos reis adotaram medidas para am- pliar as exportações. Por meio do estímulo à produção manufatureira e diminuição das importações, impu- nham barreiras tarifárias aos produtos estrangeiros, principalmente aqueles que pudessem ser fabricadas dentro das fronteiras de seu Estado (protecionismo). Essas práticas mostram um alto grau de intromissão do Estado nas atividades produtivas, compondo uma política econômica intervencionista. Representando grandes possibilidades de acú- mulo de riqueza, a colonização passou a ser o prin- cipal recurso pelo qual os Estados europeus tentaram atingir seus objetivos mercantilistas. Portugal e Espa- nha, precoces na expansão marítima e na partilha do mundo, usufruíram de meios significativos para enri- quecer: Portugal pôde explorar o mercado de especia- rias ao estabelecer rotas alternativas para as Índias. A Espanha apoderou-se de imensa riqueza em ouro e prata ao iniciar o processo de exploração das minas americanas, na primeira metade do século XVI. As demais nações europeias não reconheceram a partilha do mundo entre as nações ibéricas e, ao longo do século XVI, cobiçaram a riqueza acumulada pelos reinos ibéricos, com frequentes ataques a suas colônias. Países como França e Inglaterra, retardatá- rios no processo de expansão marítima, pobres em colônias, enfatizaram outros aspectos do mercantilis- mo, como o industrialismo. De certa forma, é irônico observar que na França e principalmente na Inglaterra a indústria manufatureira acabou por criar condições para a expansão capitalista. Já Espanha e Portugal, com vastas colônias das quais extraíam grande volume de metais preciosos, estagnaram economicamente. Tornaram-se cada vez mais dependentes de suas possessões na América e frequentemente passaram por violentos surtos inflacio- nários provocados pelo excesso de metais preciosos. Além disso, a manutenção de estruturas políticas que beneficia- vam a nobreza e o clero contribuiu para que as nações ibéricas se distan- ciassem do processo de desenvolvi- mento capitalista que se anunciava. ∏ máscara funerária de ouro pin- tado. artefato da civilização chi- mu, que habitou a região do atual Peru entre os séculos X e XV. Reprodução/Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA. HGB_v2_PNLD2015_008a026_u1c01.indd 24 3/21/13 3:23 PM a EXPansão EuroPEia 25 paRa RECoRdaR: dinamização comercial e mercantilismo adota práticas mais tarde denominadas mercantilistas protecionismo industrialismo colonialismo impostos privilégios apoio monopólios lucros comerciais Burguesia estadO naciOnal rei aristOcracia atividadEs 1. Descreva em seu caderno o esquema-resumo acima, destacando os aspectos econômicos, sociais e políticos. 2. Faça uma frase explicativa sobre a articulação dos três aspectos citados acima. 1 análise de documento O texto a seguir é um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, ao rei de Portugal. Leia-o e responda às perguntas que se seguem. EXERCíCios dE HistóRia O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem-vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém, um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos di- zendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente o castiçal, como se lá também houvesse prata. [...] Viu um deles um colar de contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois, tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como que dizendo que dariam ouro por aquilo. [...] RONCARI, Luís. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 1995. p. 31. alcatifa: tapete a) Quais são os principais temas da carta? b) Como você descreveria a atitude dos portugueses em relação aos indígenas nesse primeiro contato? c) Imagine como seria a descrição feita por um nativo indígena dos mesmos episódios narrados por Cami- nha. Registre sua hipótese escrevendo uma pequena carta. HGB_v2_PNLD2015_008a026_u1c01.indd 25 3/21/13 3:23 PM 26 EuroPa, o cEntro Do munDo 2 Leitura e reflexão A seguir temos dois textos do escritor uruguaio Eduardo Galeano. No primeiro, o escritor narra a chegada de Cristóvão Colombo à América. De forma jocosa, o segundo texto de Galeano faz referência ao possível ponto de vista das populações indígenas do Caribe diante da figura de Cristóvão Colombo. Leia-os e res- ponda às questões propostas: texto 1 Colombo fi cou deslumbrado quando atingiu a ilhota de San Salvador [...]. Presenteou aos indígenas “uns botões vermelhos e umas contas de vidro que se punham no pescoço, e outras muitas coisas de pouco valor com que fi zeram muito prazer e fi cavam tão nossos que era uma maravilha”. Mostrou-lhes as espa- das. Eles não as conheciam, seguravam-nas pelo fi o, cortavam-se. Enquanto isso, conta o almirante em seu diário de navegação, “eu estava atento e trabalhava para ver se havia ouro, e tendo visto que alguns deles traziam um pedacinho pendente do buraco que tinham no nariz, por sinais que pude entender que indo ao Sul ou contornando a ilha pelo Sul, que estava ali um Rei que tinha grandes vasos disto, e tinha muitíssimo”. Porque “do ouro se faz tesouro, e com ele quem o tem faz o que quiser no mundo e chega a levar as almas ao Paraíso”. GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p. 25. a) De acordo com o texto 1, que fonte Eduardo Galeano usa para narrar esse episódio, ocorrido no século XV? b) Explique que sentido pode ter, no texto 1, a afirmação de que “do ouro se faz tesouro, e com ele quem o tem faz o que quiser no mundo e chega a levar as almas ao Paraíso”. c) Em geral, a história a que temos acesso é aquela construída a partir dos relatos oficiais. Reflita e re- gistre as razões pelas quais temos um silêncio histórico em relação aos pontos de vista não oficiais, ou seja, neste contexto, as versões das populações que foram submetidas ou pretensamente submetidas à dominação europeia durante o processo de expansão marítima. texto 2 Do ponto de vista da coruja, do morcego, do boêmio e do ladrão, o crepúsculo é a hora do café da manhã. A chuva é uma maldição para o turista e uma boa notícia para o camponês. Do ponto de vista do nativo, pitoresco é o turista. Do ponto de vista dos índios das ilhas do Mar do Caribe, Cristóvão Colombo, com seu chapéu de penas e sua capa de veludo encarnado, era um papagaio de dimensões nunca vistas. GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L&PM, 2001. p. 31. Erich Lessing/Album/Latinstock/Museu M arítim o N acion al, G re e n w ich , In g la terra . HGB_v2_PNLD2015_008a026_u1c01.indd 26 3/21/13 3:23 PM
Compartilhar