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Filosofia-29

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Aula 15 – Filosofia Contemporânea 
 
 
 
 
 
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se discute sobre isso apenas por amor da discussão. É uma coisa 
com que nos preocupamos muito. Por isso temos de fazer a 
distinção entre a questão filosófica sobre a existência de Deus e a 
relação do indivíduo com a mesma questão. Qualquer indivíduo 
está completamente só perante essas questões. Além disso, só 
podemos aceder a elas pela fé. As coisas que podemos 
compreender com a nossa razão não são importantes para 
Kierkegaard. 
Oito mais quatro são doze. Podemos ter a certeza disso. É um 
exemplo de verdades da razão, de que todos os filósofos desde 
Descartes falaram. Mas vamos incluí-las na nossa oração da 
noite? E vamos quebrar a cabeça com elas no leito de morte? Não, 
essas verdades podem ser «objetivas» e «universais», mas 
justamente por isso são indiferentes para a existência do indivíduo. 
Não podes saber se uma pessoa te perdoou por lhe teres feito algo 
de mal. Mas justamente por isso é importante para ti 
existencialmente. É uma questão com a qual tens uma relação 
viva. Também não podes saber se alguém gosta de ti. Só podes 
acreditar ou esperar que goste. No entanto, isso é mais importante 
para ti do que o facto indiscutível de a soma dos ângulos de um 
triângulo perfazer cento e oitenta graus. Enfim, também não se 
pensa na lei da causalidade ou nas formas kantianas da intuição 
quando se dá o primeiro beijo. 
A fé é o mais importante quando se trata de questões religiosas. 
Kierkegaard pensa que, se posso compreender Deus 
objetivamente, não acredito, mas justamente porque não posso 
compreender, tenho de acreditar. E se quero conservar a minha fé, 
tenho de ter em atenção não esquecer que estou na incerteza, e 
no entanto acredito. 
Antigamente, muitos tentaram provar a existência de Deus - ou 
pelo menos compreendê-la com a razão. Mas se nos contentamos 
com essas provas da existência, ou argumentos racionais, 
perdemos a fé - e consequentemente também o sentimento 
religioso. Porque o essencial não é o cristianismo ser verdadeiro, 
mas ser verdadeiro para mim. Na Idade Média a mesma ideia foi 
expressa através da fórmula «credo quia absurdum» - «creio 
porque é absurdo». Se o cristianismo tivesse apelado à razão - e 
não a outros aspectos nossos, não seria uma questão de fé. 
Vimos então o que Kierkegaard entendia por «existência», 
«verdade subjetiva» e «fé». Estes três conceitos foram formulados 
como uma crítica à tradição filosófica e sobretudo a Hegel. Mas 
havia neles toda uma crítica da civilização. Segundo Kierkegaard, 
na sociedade urbana moderna, o homem tornara-se «público», e a 
primeira característica da multidão era a «tagarelice» irrelevante. 
Hoje usaríamos talvez o termo «conformismo», ou seja, todos 
«pensam» e «defendem» as mesmas coisas, sem que ninguém 
tenha uma relação apaixonada com isso. 
Segundo Kierkegaard, existiam três possibilidades de existência. 
Ele próprio usa o termo «plano». Chama a estas possibilidades o 
«plano estético», o «plano ético» e o «plano religioso». Ao escolher 
o termo «plano» quer mostrar que podemos viver num dos dois 
inferiores e fazer subitamente o «salto» para um mais elevado. 
Mas muitos homens passam toda a sua vida no mesmo plano. 
Quem vive no plano estético, vive no momento e procura sempre o 
prazer. O que é bom é o que é belo, interessante ou agradável. 
Assim, essa pessoa vive completamente no mundo dos sentidos. O 
esteta torna-se joguete dos seus próprios prazeres e disposições. 
Tudo o que é monótono é negativo, como se diz hoje. O típico 
romântico é esteta, porque não se trata apenas de prazer sensual. 
Uma pessoa com uma atitude contemplativa em relação à 
realidade - ou por exemplo em relação à arte ou à filosofia, com 
que se preocupa - vive no estádio estético. Mesmo em relação à 
aflição e ao sofrimento nos podemos comportar de um modo 
estético ou «contemplativo». 
Para Kierkegaard, a angústia é algo quase positivo. É um sinal de 
que alguém se encontra numa «situação existencial». O esteta 
pode decidir que quer fazer o salto para um estádio mais elevado. 
Ou consegue, ou não consegue. Não serve de nada ter quase 
saltado, quando não salta de fato. E ninguém pode fazer o salto 
por nós. Temos de decidir e saltar por nós próprios. 
Quando Kierkegaard fala sobre esta decisão, faz lembrar um pouco 
Sócrates, que explicara que qualquer conhecimento verdadeiro 
vem de dentro. A escolha que leva um homem a saltar de uma 
visão da vida estética para uma visão ética ou religiosa também 
tem que vir de cada um. 
Kierkegaard pensa que quando alguém é sério deve escolher uma 
outra forma de vida, e começa a viver no plano ético. Este 
caracteriza-se pela seriedade e decisões coerentes com critérios 
morais. Faz lembrar a ética do dever de Kant, que também exige 
que procuremos viver de acordo com a lei moral. Tal como Kant, 
também Kierkegaard dirige a sua atenção em primeiro lugar para a 
sensibilidade humana. Não é importante o que alguém considera 
verdadeiro ou falso. O importante é que alguém se decida a ter 
uma opinião em relação ao que é correto ou falso. O esteta 
interessa-se apenas pelo que é divertido ou aborrecido. 
Mas o plano ético não satisfaz Kierkegaard. O homem ético 
também se cansa de ser apenas consciente do dever. Muitas 
pessoas vivem essa fase de enfado e cansaço quando são adultos. 
E alguns recaem então na vida leviana do plano estético. Mas 
outros fazem um novo salto para o novo plano, o plano religioso. 
Ousam fazer o verdadeiro grande salto na profundidade da fé. 
Preferem a fé ao gozo estético e às leis da razão. E apesar de 
poder ser assustador «cair nas mãos do Deus vivo», como 
Kierkegaard afirmou, só então o homem se pode reconciliar com a 
sua vida 
Para Kierkegaard o estádio religioso era o Cristianismo. Mas, a sua 
filosofia influenciou pensadores não-cristãos. No nosso século 
nasceu mesmo uma filosofia existencial fortemente inspirada por 
ele. 
 
O EXISTENCIALISMO 
O termo existencialismo reúne diversas correntes filosóficas que 
têm como ponto de partida a situação existencial do homem. 
Falamos também da filosofia existencial do século XX. Muitos dos 
pensadores que se podem chamar existencialistas basearam as 
suas ideias não apenas em Kierkegaard mas também em Hegel e 
Marx. 
Um outro filósofo que teve muita influência no século XX foi o 
alemão Friedrich Nietzsche que viveu entre 1844 e 1900. Nietzsche 
também reagiu à filosofia de Hegel e ao «historicismo» alemão 
proveniente dela. A um interesse anêmico pela história contrapôs a 
própria vida. Exigia uma «transformação de todos os valores». 
Recusava sobretudo a moral cristã - a que chamou «moral dos 
escravos» - para que a força vital dos fortes não fosse reprimida 
pelos fracos. Segundo Nietzsche, tanto o cristianismo como a 
tradição filosófica se tinham afastado do mundo verdadeiro e 
dirigido para o «céu» ou o «mundo das ideias». Eram considerados 
o «verdadeiro mundo» mas eram na realidade um mundo falso. 
«Sede fiéis à terra», disse. «Não deis ouvidos àqueles que vos 
oferecem esperanças sobrenaturais.» 
Um filósofo existencialista que foi influenciado por Kierkegaard e 
por Nietzsche foi o alemão Martin Heidegger. 
Mas vamos concentrar-nos no existencialista francês Jean-Paul 
Sartre, que viveu entre 1905 e 1980. Foi o filósofo existencialista 
 
 
 
 
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mais influente, pelo menos para o grande público. Elaborou o seu 
pensamento sobretudo nos anos 40, após a II Guerra Mundial. Em 
seguida aderiu ao movimento marxista francês, mas nunca foi 
membro de nenhum partido. 
Sartre afirmou: «Existencialismo é humanismo.» Significa que o 
existencialismo parte exclusivamente do homem. Podemos 
acrescentar que o humanismo de Sartre vê a situação do homem 
de uma forma diferente e mais sombria do que o humanismo do 
Renascimento.Kierkegaard e alguns existencialistas do nosso 
século eram cristãos, mas Sartre defende o que chamamos um 
existencialismo ateu. A sua filosofia pode ser considerada uma 
análise impiedosa da situação humana desde que «Deus morreu», 
uma expressão de Nietzsche. 
A palavra-chave da filosofia de Sartre, como para Kierkegaard, 
é existência, um termo que não significa o mesmo que «existir». 
Também as plantas e os animais existem, ou seja, vivem, mas não 
sabem o que isso significa. O homem é o único ser vivo consciente 
da sua existência. Sartre diz que as coisas físicas são «em si», 
mas o ser humano é também «para si». Ser homem é portanto 
diferente de ser uma coisa. 
Sartre afirma também que a existência humana é anterior ao seu 
significado: o facto de eu existir é anterior ao que eu sou. «A 
existência precede a essência», afirmou. 
Como essência entendemos aquilo que uma coisa é realmente, a 
«natureza» de uma coisa. Para Sartre, o homem não tem nenhuma 
natureza deste gênero, por isso deve criar-se a si mesmo: deve 
criar a sua natureza ou «essência» porque esta não está dada a 
priori. 
Durante toda a história da filosofia, os filósofos tentaram responder 
à questão de o que é um homem - ou qual é a natureza do homem. 
Segundo Sartre, por seu lado, o homem não possui nenhuma 
«natureza» eterna. Por isso é inútil procurar o significado da vida 
em geral. Por outras palavras, estamos condenados a improvisar. 
Somos como atores que são mandados para cena sem ter um 
papel, um guia ou um ponto que nos possa sussurrar aquilo que 
devemos fazer. Nós próprios temos de escolher como queremos 
viver. 
Mas quando o homem sente que vive, e que vai morrer um dia, e 
sobretudo quando não vê sentido em tudo isto, gera-se a angústia, 
segundo Sartre. A angústia era também um elemento importante 
na descrição que Kierkegaard fizera do homem que se encontra 
numa situação existencial. 
Sartre diz ainda que o ser humano se sente estranho num mundo 
privado de sentido. Quando descreve a «alienação» do homem, 
aceita ideias centrais de Hegel e de Marx. A sensação humana de 
se ser um estranho no mundo gera um sentimento de desespero, 
tédio, náusea e absurdo. 
Os humanistas renascentistas tinham afirmado quase triunfalmente 
a liberdade e a independência do homem. Sartre sentia a liberdade 
humana como uma maldição. «O homem está condenado a ser 
livre»; afirmou. Condenado porque não se criou a si mesmo, mas 
todavia é livre, porque quando é posto no mundo é responsável por 
tudo o que faz. 
Não pedimos a ninguém que nos criasse como seres livres, é essa 
a questão, segundo Sartre. Porém, nós somos indivíduos livres e a 
nossa liberdade faz com que durante toda a vida estejamos 
condenados a escolher. Não existem nem valores eternos nem 
normas pelas quais nos possamos orientar. Por isso é ainda mais 
importante a escolha que fazemos, porque somos totalmente 
responsáveis pelas nossas acções. Sartre põe em evidência 
justamente o facto de o homem não poder negar a sua 
responsabilidade pelo que faz: deve tomar as suas decisões e não 
pode, para se subtrair a essa responsabilidade, afirmar que 
«devemos» trabalhar ou «devemos» orientar-nos por determinadas 
perspectivas burguesas acerca do mundo no qual «devemos» 
viver. Quem se envolve assim na massa anônima é apenas um 
homem massificado e impessoal (aliena-se): foge de si mesmo e 
vive uma vida de mentiras. A liberdade humana, pelo contrário, 
impõe-nos que façamos algo de nós mesmos, que existamos «de 
um modo autêntico». 
Isso é válido sobretudo para as nossas escolhas éticas. Não 
podemos nunca atribuir a culpa à «natureza humana», à «fraqueza 
humana», ou coisa semelhante. Por vezes sucede que certos 
homens se comportam de modo ignóbil e empurram a sua 
responsabilidade para o «velho Adão», que supostamente têm em 
si. Mas esse «velho Adão» não existe, é apenas uma personagem 
a que recorremos para fugirmos à nossa responsabilidade. 
 Se bem que Sartre afirme que a vida não tem significado 
algum a priori, isso não significa que queira que seja assim: Sartre 
não era um niilista. Um niilista é uma pessoa para a qual nada tem 
significado e tudo é possível. Para Sartre, a vida deve ter um 
significado, mas somos nós que o devemos criar para a nossa 
vida: existir é criar a nossa própria existência. Sartre tenta 
demonstrar que a consciência não é nada antes de perceber 
alguma coisa, porque consciência é sempre consciência de alguma 
coisa. E essa coisa depende tanto de nós como do ambiente que 
nos rodeia: nós próprios temos um papel ativo no que percebemos, 
escolhendo o que é importante para nós. Duas pessoas podem 
estar presentes no mesmo local e senti-lo de um modo 
completamente diferente, porque, quando percebemos o mundo 
externo, fazemo-lo partindo do nosso ponto de vista ou dos nossos 
interesses. Por exemplo, uma mulher grávida pode ter a sensação 
de ver grávidas em todo o lado. Isso não significa que antes não 
houvesse, mas a gravidez fez com que o mundo adquirisse para 
ela um novo significado. Uma pessoa doente pode ver ambulâncias 
por toda a parte... 
A nossa existência contribui portanto para determinar o modo como 
percebemos as coisas: se uma coisa não é importante para mim, 
não a vejo. 
Sartre serve-se justamente de um encontro no café para explicar o 
modo como nós «destruímos» o que não tem importância para nós. 
Se estás apaixonada e esperas uma chamada do teu namorado, 
«ouves» durante todo o tempo que não te telefona. Reparas 
justamente no fato de ele não te telefonar. Se tens de ir ter com ele 
à estação, e há um mar de gente nas plataformas, tu não vês as 
pessoas: apenas perturbam, são insignificantes para ti. Se calhar 
até as achas desagradáveis e repugnantes. Ocupam muito espaço. 
A única coisa em que reparas é que ele não está lá. 
Simone de Beauvoir tentou aplicar o existencialismo à análise dos 
papéis dos sexos. Sartre tinha afirmado que o homem não tem 
uma natureza eterna a que se agarre. Nós próprios criamos o que 
somos. 
Isso também se aplica à nossa concepção dos sexos. Simone de 
Beauvoir defende que não existe uma «natureza feminina» e uma 
«natureza masculina». Esta é a opinião tradicional. Por exemplo, 
afirmou-se sempre que o homem tem uma natureza 
«transcendente», ou seja, que supera o mundo sensível, e por isso 
procura sempre um significado e um objetivo fora do domínio 
doméstico. E que a mulher, pelo contrário, tem uma orientação de 
vida oposta: ela é «imanente», ou seja, quer estar onde está. Por 
isso se preocupa com a família, com a natureza e com as coisas 
próximas. Hoje diz-se que a mulher está mais interessada do que o 
homem nos aspectos mais suaves e doces da vida. 
Segundo Simone de Beauvoir não existe uma natureza feminina ou 
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masculina desse gênero. Pelo contrário: segundo ela, as mulheres 
e os homens devem libertar-se desses preconceitos. O seu livro 
mais importante foi publicado em 1949 e tinha o título O Segundo 
Sexo. Pensava na mulher, que na nossa cultura foi sempre 
considerada o «segundo sexo». Só um homem aparece como 
sujeito nesta cultura. A mulher é tratada como o objeto do homem 
e por isso é privada da responsabilidade pela sua vida. Para 
Simone de Beauvoir, a mulher deve reconquistar esta 
responsabilidade. Deve recuperar-se a si mesma e não ligar a sua 
identidade ao homem. Com efeito, não é apenas o homem que 
oprime a mulher, a mulher também se reprime a si mesma não 
assumindo a responsabilidade pela sua vida. Somos nós que 
decidimos de que modo queremos ser livres e independentes. 
O existencialismo também influenciou a literatura desde os anos 
quarenta até hoje. Isso é válido sobretudo para o teatro. O próprio 
Sartre escreveu romances e obras teatrais. Outros autores 
importantes são o francês Albert Camus, o irlandês Samuel 
Beckett, o romeno Eugène Ionesco e o polaco Witold Gombrowicz. 
A característicacomum a estes e a muitos outros escritores, foi a 
tendência para enfatizar a presença do absurdo na vida, um termo 
que é usado sobretudo quando se fala de 'teatro. 
O «teatro do absurdo» nasceu por contraposição ao «teatro 
realista» e queria mostrar em cena a falta de sentido da existência. 
Esperava-se que os espectadores não apenas vissem mas 
também reagissem. Mas não se tratava de um culto do absurdo. 
Pelo contrário, mostrando e pondo a nu o absurdo, por exemplo 
nos acontecimentos de todos os dias, o público era forçado a 
refletir na possibilidade de uma existência mais autêntica e 
verdadeira. 
Muitas vezes, o teatro do absurdo apresenta situações 
completamente banais: por isso podemos falar de uma espécie de 
«hiperrealismo». O homem é representado exatamente como é. 
Mas se mostra na palco de um teatro aquilo que acontece numa 
casa de banho de um dia qualquer numa casa qualquer, o público 
começa a rir. Este riso pode ser interpretado como uma defesa por 
se ser posto a nu em cena. 
O teatro do absurdo também pode ter conotações surrealistas: 
muitas vezes as personagens encontram-se enredadas nas 
situações mais improváveis e quase oníricas. Se aceitam tudo sem 
se espantarem, o público é obrigado por seu lado a reagir com 
perplexidade. Isto também vale para os filmes mudos de Charles 
Chaplin: o aspecto cômico das suas obras cinematográficas 
consiste frequentemente na ausência de espanto do protagonista 
perante as situações absurdas nas quais se encontra. O público é 
levado a entrar em si mesmo para procurar algo mais verdadeiro e 
mais autêntico. 
 
A MORTE 
Ora, nesse questionar, o problema mais agudo, mais equívoco e 
por isso mais discutido, é justamente o problema da morte. E de tal 
modo isto é assim, que esse problema da morte (e paralelamente o 
do absurdo, o da angústia e da náusea) se tomou como que o sinal 
de identificação de uma obra existencialista. Em que consiste esse 
problema? A que vem ele? Qual o seu significado histórico-social e 
humano? 
 (...) 
Antes de mais, reparai bem que na literatura existencialista 
praticamente não há cadáveres, mesmo quando há mortos (como 
por exemplo num Malraux), pondo-se quase sempre o problema da 
morte, precisamente a propósito dos vivos. Um «Noivado do 
sepulcro», com os seus esqueletos, seria hoje inconcebível. E um 
morto, quando nos enfrenta na literatura existencial, não apela 
nunca para o que há nele de mórbido, de pútrido (que foi já um 
modo de conversão cristã) , mas para o que há nele de intrigante, 
de inquietante. A literatura existencialista não é uma literatura 
cemiterial - essa que já irritou um Garrett; e mesmo em vez dos 
mortos prefere os vivos, ou, quando muito os assassinados. Creio 
esta anotação absolutamente importante, mas eu não vou 
demorar-me nela, porque, como prometi, desejo ser simples e claro 
para ao menos uma vez não me acusarem de obscuro. 
(...) 
Mas o preocupar-se com a morte tende precisamente a preocupar-
se com ai vida. Só meditando profundamente no que significa a 
morte, é que nós poderemos ver bem o que com ela se perde e o 
valor disso que se perde. Por outro lado, a morte é uma 
prefiguração do que de limite, de fim, preside a todos os actos da 
vida, já que a cada instante nós estamos de algum modo a realizar 
actos irremediáveis. A meditação da morte não é pois um fim, mas 
um meio. Meio de valorizarmos a vida, meio de assim mesmo 
respeitarmos a vida nossa e alheia, meio de refletirmos sobre o 
irremediável do que formos fazendo, meio, em suma, de 
encararmos a sério esse fato extraordinário que é a vida do 
homem. Imediatamente assim vós estareis vendo que longe de ser 
isso, pois, uma razão de derrotismo, de pessimismo, de inclinações 
doentias e reacionárias, é bem pelo contrário um fator de seriedade 
e de valorização alta do homem em função do qual se fala em 
reação e em progresso. Se eu não valorizar a vida do homem (e 
não posso fazê-lo devidamente, se não souber o que na morte se 
perde), eu estou apto a destruir um homem com a mesma 
insensibilidade com que destruo um verme. Morte por morte, uma e 
outra são iguais. O que já não é igual é o que com uma e outra se 
destrói. Acaso ignorais o vil desprezo com que no nosso tempo se 
olha a vida de um homem? Mas atenção! Quem evita, sob o 
pretexto de que é um derrotismo, encarar de frente o problema da 
morte, está apto a desprezar igualmente uma vida. Acaso, na 
verdade, uma vida seria assim tão valiosa, se precisamente não 
houvesse morte? Eis porque um Lukacs, no início da sua 
carcereira, encarou esse problema com um radicalismo muito 
maior, segundo Goldmann, do que o próprio Heidegger. No tempo 
de um Eça a verdade era o riso boêmio, a alegria burguesa; e se o 
tédio aí aponta algumas vezes, é o tédio de quem tudo tem, o 
fastio da abundância. Nas obras de um Eça passa-se a vida a 
comer e a amar, em reuniões mundanas, e a morte afugenta-se 
para não estragar a festa. Lucaks implanta o problema da morte 
para impor seriedade à vida. 
 
Escola de Frankfurt 
A Escola de Frankfurt nasceu no ano de 1924, em uma quinta 
etapa atravessada pela filosofia alemã, depois do domínio de Kant 
e Hegel em um primeiro momento; de Karl Marx e Friedrich Engels 
em seguida; posteriormente de Nietzsche; e finalmente, já no 
século XX, após a eclosão dos pensamentos entrelaçados do 
existencialismo de Heidegger, da fenomenologia de Husserl e da 
ontologia de Hartmann. A produção filosófica germânica 
permaneceu viva no Ocidente, com todo vigor, de 1850 a 1950, 
quando então não mais resistiu, depois de enfrentar duas Guerras 
Mundiais. 
Ela reuniu em torno de si um círculo de filósofos e cientistas sociais 
de mentalidade marxista, que se uniram no fim da década de 20. 
Estes intelectuais cultivavam a conhecida Teoria Crítica da 
Sociedade. Seus principais integrantes eram Theodor Adorno, Max 
Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, 
Erich Fromm, Jürgen Habermas, entre outros. Esta corrente foi a 
responsável pela disseminação de expressões como ‘indústria 
http://www.infoescola.com/filosofia/escola-de-frankfurt/
 
 
 
 
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cultural’ e ‘cultura de massa’. 
A Escola de Frankfurt foi praticamente o último expoente, o 
derradeiro suspiro da Filosofia Alemã em seu período áureo. Ela foi 
criada por Félix Weil, financiador do grupo, Max Horkheimer, 
Theodor Adorno e Herbert Marcuse, que a princípio a 
administraram conjuntamente. Ernst Bloch e o psicólogo Erich 
Fromm acompanhavam à distância o despertar desta linha 
filosófica, que vem à luz justamente em um momento de agitação 
política e econômica vivido pela Alemanha, no auge da 
famosa República de Weimar. Seus membros seriam partícipes e 
observadores das principais mutações que convulsionariam a 
Europa durante a Primeira Guerra Mundial, seguida por outros 
movimentos subversivos, dos quais ninguém sairia impune. 
Esta Escola tinha uma sede, o Instituto para Pesquisas Sociais; 
um mestre, Horkheimer, substituído depois por Adorno; uma 
doutrina que orientava suas atitudes; um modelo por eles adotado, 
baseado na união do materialismo marxista com a psicanálise, 
criada por Freud; uma receptividade constante ao pensamento de 
outros filósofos, tais como Schopenhauer e Nietzsche; e uma 
revista como porta-voz, publicada periodicamente, na qual eram 
impressos os textos produzidos por seus adeptos e colaboradores. 
O programa por eles adotado passou a ser conhecido como Teoria 
Crítica. 
Os integrantes da Escola assistiram, surpresos e assustados, a 
deflagração da Revolução Russa, em 1917, o aparecimento do 
regime fascista, e a ascendente implantação do Nazismo na 
Alemanha, que culminou com um exílio forçado deste grupo, 
composto em grande parte por judeus, a partir de 1933. Esta 
mudança marcou definitivamente cada um deles, principalmente 
depois do suicídio de Walter Benjamin, em 1940, quando 
provavelmentetentava atravessar os Pireneus, temeroso de ser 
capturado pelos nazistas. 
Eles se tornam nômades, viajando de Genebra para Paris, então 
para os EUA, até se fixarem na Universidade de Columbia, em 
Nova York. A primeira obra produzida pelo grupo foi denominada 
Estudos sobre Autoridade e Família, gerada na Cidade-Luz, na 
qual eles questionam a real vocação da classe operária para a 
revolução social. Assim, eles naturalmente se distanciam dos 
trabalhadores, atitude que se concretiza com o lançamento do livro 
Dialética do Esclarecimento, lançado em 1947, em Amsterdã, que 
já praticamente elimina do ideário destes filósofos a expressão 
‘marxismo’. Erich Fromm e Marcuse dão uma guinada teórica ao 
juntar os conceitos da Teoria Crítica aos ideais psicanalíticos. 
Marcuse, que optou por ficar nos Estados Unidos depois da volta 
do Instituto para o solo alemão, em 1948, foi um dos integrantes da 
Escola que mais receptividade encontrou para sua produção 
intelectual, uma vez que inspirou os movimentos pacifistas e as 
insurreições estudantis, fundamentais em 1968 e 1969, os quais 
alcançaram o auge no chamado Maio de 68. 
Por outro lado, Adorno, até hoje tido como um dos filósofos mais 
importantes da Escola de Frankfurt, prosseguiu sua missão de 
transformação dialética da racionalidade do Ocidente, na sua obra 
Dialética Negativa. Sua morte marca a passagem para o que 
alguns estudiosos consideram a segunda etapa da Escola, que 
encontra seu principal líder em Jürgen Habermas, ex-assessor de 
Adorno e, posteriormente, seu crítico mais ardoroso. 
 
Filosofia pós-moderna - Michel Foucault: A genealogia dos 
micropoderes. 
COMENTE 
Desde crianças, adoramos os super-heróis. Torcemos por eles e 
esperamos que derrotem os vilões. São narrativas importantes em 
nossas vidas, e nos ajudam a assimilar noções de bem e mal, certo 
e errado. Em geral, nos identificamos também como o mais fraco, 
que desafia o poder do mais forte, como o tímido e fraco Clark 
Kent, que usa seus poderes secretos, como Superman, para 
derrotar Lex Luthor. Afinal de contas, também somos fracos e o 
mundo, tão cruel, que não custa imaginar que temos algum tipo de 
superpoder para enfrentar os vilões que aparecem pelo caminho. 
Agora, imaginem a confusão de 
uma HQ (História em 
Quadrinhos) como Watchmen- 
cujo filme estreia em 2009 -, em 
que os super-heróis cuidam de 
sua própria vida, não têm mais 
uma "causa" pela qual lutar e, 
pior, alguns deles comportam-se como vilões! Escrita nos anos 80 
por Alan Moore, o enredo é tipicamente pós-moderno. Em uma 
realidade fragmentada, com um cotidiano multifacetado e sem 
coesão, como agiriam os super-heróis? E como fica a questão do 
poder? 
Para responder a essas perguntas, vamos conhecer um pouco do 
pensamento de Michel Foucault (1926-1984), um dos mais 
conhecidos e estudados filósofos franceses contemporâneos, 
sendo alinhado, por suas teorias, tanto entre os estruturalistas 
como entre os pós-estruturalistas ou pós-modernos. De sua obra, 
nos interessa discutir aqui apenas sua teoria do poder. 
Poder no plural 
Antes de Foucault, a teoria política concebia o poder como algo 
que uns tem, outros não, além de estar associado, mais 
comumente, à figura da Igreja ou do Estado. Toda teoria política 
clássica, de Maquiavel e os contratualistas (Hobbes, Locke e 
Rousseau) até Marx, discutia-se como legitimar o poder de uns 
poucos sobre muitos, e assim, manter (ou subverter, no caso de 
Marx) a ordem social. 
Foucault entende o poder não como um objeto natural, mas 
uma prática social expressa por um conjunto de relações. Temos 
que pensar o poder não como uma "coisa" que uns tem e outros 
não, como, por exemplo, o pai e o filho, o rei e seus súditos, o 
presidente e seus governados, etc., mas como uma relação que se 
exerce, que opera entre os pares: o filho que negocia com o pai, os 
súditos que reivindicam ao rei, os governados que usam 
dispositivos legais para fiscalizar o presidente, etc. 
Deste ponto de vista, poder não se restringe ao governo, mas 
espalha-se pela sociedade em um conjunto de práticas, a maioria 
delas essencial à manutenção do Estado. O poder é uma espécie 
de rede formada por mecanismos e dispositivos que se espraiam 
por todo cotidiano - uma rede da qual ninguém pode escapar. Ele 
molda nossos comportamentos, atitudes e discursos. 
Para descobrir como o poder funciona, Foucault vai usar o método 
genealógico, empregado por Nietzsche para contar a "história 
secreta" dos valores. Vamos ver alguns exemplos disso. 
 
Corpos dóceis 
Uma manifestação externa desses poderes que Foucault analisa 
diz respeito aos seus efeitos sobre nossos corpos, que ele chama 
de poder disciplinar e que caracterizou determinadas sociedades 
no século 20. 
Foucault argumenta que nenhum poder que fosse somente 
repressor poderia se sustentar por muito tempo, porque uma hora 
as pessoas iriam se rebelar. Portanto, seu segredo é que, ao 
mesmo tempo em que reprime, gera conhecimento e corpos 
produtivos para o trabalho. 
Era comum, e ainda é nos dias atuais, encontrarmos pátios 
http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-pos-moderna---michel-foucault-a-genealogia-dos-micropoderes.htm#comentarios
http://educacao.uol.com.br/biografias/paul-michel-foucault.jhtm
http://educacao.uol.com.br/biografias/maquiavel-niccolo-machiavelli.jhtm
http://educacao.uol.com.br/biografias/thomas-hobbes.jhtm
http://educacao.uol.com.br/biografias/john-locke.jhtm
http://educacao.uol.com.br/biografias/jean-jacques-rousseau.jhtm
http://educacao.uol.com.br/biografias/karl-marx.jhtm
http://educacao.uol.com.br/biografias/friedrich-wilhelm-nietzsche.jhtm
Aula 15 – Filosofia Contemporânea 
 
 
 
 
 
123 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
 
escolares em que se formam filas com crianças para entrar nas 
salas de aula. Depois, na sala de aula, era preciso que as crianças 
controlassem suas vontades corporais (fome, vontade de fazer xixi, 
etc.) até que tocasse o sinal. Este é um exemplo 
da domesticação de corpos de que fala o filósofo. 
Mais tarde, na Igreja, no Exército e nas fábricas, esse indivíduo 
viveria a mesma rotina de adestramento corporal. O objetivo? 
Segundo Foucault, maximizar a utilidade econômica de nossos 
corpos, para o trabalho, e diminuir a força política e criativa, de 
contestação, que temos também, criaturas cheias de desejos que 
somos. 
Afinal de contas, imagine o que seria de uma sociedade, livre de 
mecanismos de poder, em que quiséssemos trabalhar ou estudar 
na hora em que desse na telha e resolvêssemos passar a maior 
parte do nosso tempo namorando, jogando futebol ou 
simplesmente não fazendo nada? E, para dar o exemplo para 
aqueles que são considerados corpos improdutivos para a 
sociedade, diz Foucault, foram criados asilos para os loucos e 
prisões para os ladrões. Desse encarceramento surgem áreas de 
conhecimento como a psiquiatria e a criminologia. 
 
Resistências locais 
O ponto em que a teoria de poder de Foucault converge com o 
pós-modernismo é que, da mesma maneira que lidamos com o fim 
das visões totalizantes de mundo, o poder também se pulveriza em 
micropoderes. E, consequentemente, a resistência aos poderes 
passa a ser local, em ações cada vez mais regionalizadas. 
Não adianta investir contra o Estado, achando que ele é a causa 
de todos os males. Ele é apenas uma das representações desse 
poder que se exerce em uma série de mecanismos, que 
reproduzimos todos os dias sem ao menos nos darmos conta 
disso. Por exemplo, quando tratamos com autoritarismo nossos 
filhos, namoradas ou pais. 
E onde Foucault identifica estes focos de resistências locais aos 
poderes? Nos movimentos ativistas pelos direitos humanos, além 
de gays, negros, feministas, ecologistas e outras minorias que se 
organizaram como polos de contra-poder, principalmente a partir 
da década de 1960, quando emerge o pós-modernismo. 
Neste nosso mundo pós-moderno, fica cada dia mais difícil saber 
quem é o vilão e quem é o mocinho. Ossuper-heróis estão cada 
vez mais humanos. Ou, como diria Nietzsche, demasiadamente 
humanos. 
 
Vigiar e Punir – O Panoptismo 
No fim do século XVII, quando se declarava a peste numa cidade, 
medidas como divisão da cidade em quarteirões, cada rua sob a 
autoridade de um síndico, responsável por trancar as pessoas em 
suas casas eram adotadas. A ordem responde à peste, desfaz as 
confusões entre corpo são e doente, e evita a desordem causada 
pelo medo e a morte. 
Enquanto a lepra suscitou modelos de exclusão que deram forma 
ao grande fechamento, a peste suscitou esquemas que 
intensificaram e ramificaram o poder. O espaço de exclusão de que 
o leproso era o habitante vai ser recortado no século XIX e os 
excluídos (leprosos), individualizados. O asilo psiquiátrico, a 
penitenciária e os hospitais, por exemplo, funcionam de um duplo 
modo: o da marcação (louco – não louco; perigoso – inofensivo 
etc), e o da repartição diferencial (quem é, onde deve ficar, o que 
fazer com cada um). Todos os mecanismos de poder que, até hoje, 
se organizam em função de marcar e modificar o anormal articulam 
essas duas formas de que derivam. 
O panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. 
Um anel dividido em celas circunda uma torre. Janelas permitem 
que a luz atravesse a cela. Basta colocar um vigia na torre central, 
e em cada cela, trancar um “anormal” (louco, doente, condenado). 
A separação das celas implica em uma invisibilidade lateral que 
garante a ordem: se são detentos, não há perigo de fuga em 
massa ou projeto de novos crimes, por exemplo. Aí o efeito mais 
importante do Panóptico: no anel periférico, se é totalmente visto, 
sem nunca ver; na torre, tudo se vê sem nunca ser visto. Ao induzir 
um estado consciente de visibilidade e sustentar uma relação de 
poder que independe de quem o exerce, faz com que os detentos 
se encontrem em uma relação de poder de que eles mesmos são 
os portadores. O Panóptico automatiza e desindividualiza o poder. 
A cidade pestilenta e o estabelecimento panóptico marcam as 
transformações do programa disciplinar. Num caso, uma situação 
de exceção: contra um mal extraordinário, o poder torna-se 
presente e visível, compartimenta e imobiliza. O Panóptico, ao 
contrário, é um intensificador para qualquer aparelho de poder: 
assegura sua economia (em material, pessoal e tempo); sua 
eficácia por seu caráter preventivo por permitir a intervenção a 
cada momento; e seu funcionamento contínuo. O objeto e fim do 
Panóptico não é a soberania, mas as relações de disciplina. Há, 
então, duas imagens: a disciplina-bloco, que rompe comunicações 
e suspende o tempo (como na lepra); e a disciplina-mecanismo, 
um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder 
tornando-o mais eficaz. 
 
Entre a disciplina de exceção e a vigilância generalizada há a 
extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo do 
século XVII e XVIII e a formação da sociedade disciplinar. Essa 
extensão é o aspecto mais visível de processos mais profundos: 
1) A inversão funcional das disciplinas: além de fixar populações 
inúteis ou agitadas, evitar reuniões muito numerosas, as disciplinas 
passam a ter o papel de aumentar a utilidade dos indivíduos, como 
a disciplina militar que, além de impedir a desobediência, deve 
aumentar o poder de ataque e de resistência da unidade. Isso vem 
da dupla tendência do século XVIII de multiplicar o número das 
instituições de disciplina e de disciplinar os aparelhos existentes. 
2) A ramificação dos mecanismos disciplinares: aparelhos 
fechados acrescentam à sua função interna um papel de vigilância 
externa que desenvolve controles laterais. Exemplo: a escola 
cristã, além de formar crianças dóceis, deve permitir vigiar os 
recursos e costumes dos pais, caso a criança se comporte mal. 
Também se difundem focos de controle na sociedade, como as 
associações de beneficência. O território é dividido e repartido 
entre membros da companhia, que visitam a população inclusive 
individualmente, para que informações precisas fossem obtidas, 
como estabilidade de habitação, frequência nos sacramentos etc. 
3) A estatização dos mecanismos de disciplina: A organização de 
uma polícia centralizada passa a fazer parte de uma máquina 
administrativa responsável pela ordem e harmonia. Para exercer 
esse poder, é preciso fazer uma vigilância capaz de tornar tudo 
visível e ela própria invisível. Deve-se ainda gerar relatórios e 
registros sobre atitudes suspeitas – uma tomada de contas 
permanente do comportamento dos indivíduos. A polícia do século 
XVIII une o poder do monarca às mínimas instâncias de poder 
disseminadas na sociedade, o que permite sujeitar espaços não 
atingidos pelas instituições fechadas de disciplina, e estender o 
alcance do Estado. 
A arquitetura dos templos, teatros e circos da Antiguidade torna 
acessível a visão de um pequeno número de objetos a uma 
multidão de homens. A Idade Moderna proporciona o oposto, a um 
pequeno número a visão instantânea de uma grande multidão. A 
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