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174 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência Aula 17 - Realismo e Naturalismo Nas opções abaixo, todos os textos são de autoria de Oswald de Andrade, autor modernista, que criou uma ampla interpretação da cultura brasileira em poemas curtos e humorados. Assinale a opção em que o poema de Oswald de Andrade descreve uma situação similar àquela narrada no fragmento do romance O cortiço. a) Os selvagens Mostraram-lhes uma galinha Quase haviam medo dela E não queriam pôr a mão E depois a tomaram como espantados b) Relicário No baile da Corte Foi o Conde d'Eu quem disse Pra Dona Benvinda Que farinha de Suruí Pinga de Parati Fumo de Baependi É comê bebê pitá e caí c) Pobre alimária O cavalo e a carroça Estavam atravancados no trilho E como o motorneiro se impacientasse Porque levava os advogados para os escritórios Desatravancaram o veículo E o animal disparou Mas o lesto carroceiro Trepou na boleia E castigou o fugitivo atrelado Com um grandioso chicote d) Crônica Era uma vez O mundo. e) O Capoeira – Qué apanhá sordado? – O quê? – Qué apanhá? Pernas e cabeças na calçada. Questão 04 (Ufjf-pism 2 2015) A frase “Era uma questão de ódio velho”, que conclui o fragmento citado do romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo, revela um problema das relações sociais no Brasil, que fica melhor caracterizado como: a) a indefinição entre ordem pública e vida privada. b) a violência do Estado contra as classes populares. c) as manifestações populares contra a polícia. d) a violência pelo uso de armas de fogo. e) a falta de acesso do povo à cultura. Questão 05 (Fuvest 2017) TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES: CAPÍTULO LIII Virgília é que já se não lembrava da meia dobra; toda ela estava concentrada em mim, nos meus olhos, na minha vida, no meu pensamento; – era o que dizia, e era verdade. Há umas plantas que nascem e crescem depressa; outras são tardias e pecas. O nosso amor era daquelas; brotou com tal ímpeto e tanta seiva, que, dentro em pouco, era a mais vasta, folhuda e exuberante criatura dos bosques. Não lhes poderei dizer, ao certo, os dias que durou esse crescimento. Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-se a flor, ou o beijo, se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, trêmula, – coitadinha, – trêmula de medo, porque era ao portão da chácara. Uniu-nos esse beijo único, – breve como a ocasião, ardente como o amor, 1prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de 2prazeres que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria, – uma 3hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma 4paixão sem freio, – vida de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes, que uma hora pagava à farta e de sobra; mas outra hora vinha e engolia aquela, como tudo mais, para deixar à tona as agitações e o resto, e o resto do resto, que é o fastio e a saciedade: tal foi o 5livro daquele prólogo. Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. Dentre os recursos expressivos empregados no texto, tem papel preponderante a : a) metonímia (uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, com base na relação de contiguidade existente entre ela e o referente). b) hipérbole (ênfase expressiva resultante do exagero da significação linguística). c) alegoria (sequência de metáforas logicamente ordenadas). d) sinestesia (associação de palavras ou expressões em que ocorre combinação de sensações diferentes numa só impressão). e) prosopopeia (atribuição de sentimentos humanos ou de palavras a seres inanimados ou a animais). Questão 06 (Fuvest 2017) Considerado no contexto de Memórias póstumas de Brás Cubas, o “livro” dos amores de Brás Cubas e Virgília, apresentado no breve capítulo aqui reproduzido, configura uma a) demonstração da tese naturalista que postula o fundamento biológico das relações amorosas. b) versão mais intensa e prolongada da típica sequência de animação e enfado, característica da trajetória de Brás Cubas. c) incorporação, ao romance realista, dos triângulos amorosos, cuja criação se dera durante o período romântico. d) manifestação da liberdade que a condição de defunto-autor dava a Brás Cubas, permitindo-lhe tratar de assuntos proibidos em sua época. e) crítica à devassidão que grassava entre as famílias da elite do Império, em particular, na Corte. Questão 07 (Fuvest 2017) No último período do texto, o ritmo que o narrador imprime ao relato de seus amores corresponde, sobretudo, ao que se encontra expresso em a) “prólogo de uma vida de delícias” (ref. 1). b) “prazeres que rematavam em dor” (ref. 2). c) “hipocrisia paciente e sistemática” (ref. 3). d) “paixão sem freio” (ref. 4). e) “o livro daquele prólogo” (ref. 5). CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) 175 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência Questão 08 (Enem 2014) O mulato Ana Rosa cresceu; aprendera de cor a gramática do Sotero dos Reis; lera alguma coisa; sabia rudimentos de francês e tocava modinhas sentimentais ao violão e ao piano. Não era estúpida; tinha a intuição perfeita da virtude, um modo bonito, e por vezes lamentara não ser mais instruída. Conhecia muitos trabalhos de agulha; bordava como poucas, e dispunha de uma gargantazinha de contralto que fazia gosto de ouvir. Uma só palavra boiava à superfície dos seus pensamentos: “Mulato”. E crescia, crescia, transformando-se em tenebrosa nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que estrangulava todas as outras ideias. – Mulato! Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; as reticências dos que lhe falavam de seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questões de raça e de sangue. AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Ática, 1996 (fragmento). O texto de Aluísio Azevedo é representativo do Naturalismo, vigente no final do século XIX. Nesse fragmento, o narrador expressa fidelidade ao discurso naturalista, pois a) relaciona a posição social a padrões de comportamento e à condição de raça. b) apresenta os homens e as mulheres melhores do que eram no século XIX. c) mostra a pouca cultura feminina e a distribuição de saberes entre homens e mulheres. d) ilustra os diferentes modos que um indivíduo tinha de ascender socialmente. e) critica a educação oferecida às mulheres e os maus-tratos dispensados aos negros. Questão 09 (Pucrs 2007) Para responder à questão, leia o fragmento do romance "O cortiço", de Aluísio Azevedo e as afirmativas que seguem. E maldizia soluçando a hora em que saíra da sua terra; essa boa terra 1cansada, velha como que 2enferma; essa boa terra tranquila, sem sobressaltos nem desvarios de juventude. Sim, lá os campos eram 3frios e melancólicos, de um verde alourado e quieto, e não ardentes e esmeraldinos e afogados em tanto sol e em tanto perfume como o deste inferno, onde em cada folha que se pisa há debaixo um réptil venenoso, como em cada flor que desabotoa e em cada moscardo que adeja há um vírus de lascívia. Lá, nos saudosos campos da sua terra, não se ouvia em noites de lua clara roncar a onça e o maracajá, nem pela manhã ao romper do dia, rilhava o bando truculento das queixadas, lá não varava pelas florestas a anta feia e terrível, quebrando árvores; lá a sucuruju não chocalhava a sua campainha fúnebre, anunciando a morte, nem a coral esperava traidora o viajante descuidado para lhe dar o bote certeiro e decisivo; 4lá o seu homem não seria anavalhado pelo ciúme de um capoeira; 5lá Jerônimo seria ainda o mesmo esposo casto, silencioso e meigo; seria o mesmo lavrador triste e contemplativo como o gadoque à tarde levanta para o céu de opala o seu olhar humilde, compungido e bíblico. I. A diferença entre a velha e a nova terra é marcada pela força da natureza que transforma a vida e o comportamento do homem. II. Expressões como "cansada", "enferma", "frios e melancólicos", nas referências 1, 2 e 3 respectivamente, assumem uma conotação positiva para a mulher de Jerônimo, ao definirem o espaço da felicidade perdida na velha terra. III. As ações dos animais, pintadas com os tons fortes do Naturalismo, narram os perigos que Jerônimo e sua mulher vivem na selva. IV. A expressão "lá", nas referências 4 e 5, indica o espaço das virtudes do marido, da paz doméstica e de uma vida simples e tranquila. Pela análise das afirmativas, conclui-se que estão corretas apenas a) I e III. b) II e III. c) III e IV. d) I, II e IV. e) II, III e IV. Questão 10 (Ufsm 2015) Bom-Crioulo não pensou em dormir, cheio, como estava, de ódio e desespero. [...] Amigado, o Aleixo! [...] Amigar-se, viver com uma mulher, sentir o contato de outro corpo que não o seu, deixar-se beijar, morder, nas ânsias do gozo, por outra pessoa que não o Bom-Crioulo!... Agora é que tinha um desejo enorme, uma sofreguidão louca de vê-lo rendido, a seus pés [...] As palavras de Herculano (aquela história do grumete com uma rapariga) tinham-lhe despertado o sangue, fora como uma espécie de urtiga brava arranhando-lhe a pele, excitando-o, enfurecendo-o de desejo. [...] Não, não era somente o gozo comum, a sensação ordinária, o que ele queria depois das palavras de Herculano: era o prazer brutal, doloroso, fora de todas as leis, de todas as normas... Fonte: CAMINHA, 2002. p. 108-109. No trecho destacado, predominam as seguintes características da narrativa de Adolfo Caminha: a) a temática da sexualidade e a análise detalhista do meio. b) a temática da sexualidade e a prevalência do instinto sobre a razão. c) a prevalência do instinto sobre a razão e a análise detalhista do meio. d) a corrupção moral e religiosa e a análise social da personagem. e) a temática da sexualidade e o dilema ético do protagonista. Questão 11 (PUCRS 2008) O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas só um ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra. Da porta da venda que dava para o cortiço iam e vinham como formigas; fazendo compras. Sobre o texto, afirma-se: I. O lugar é descrito por meio de ações e sensações que remetem à presença humana. II. A imagem do formigueiro pode ser associada ao contexto que automatiza as pessoas. III. As referências às sensações auditivas remetem a aspectos individuais das personagens. IV. A vida na pequena comunidade harmoniza-se com a natureza. 176 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência Aula 17 - Realismo e Naturalismo As afirmativas corretas são: a) I e II, apenas. b) I e III, apenas. c) II e IV, apenas. d) III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. Questão 12 (Fuvest 2012) TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 4 QUESTÕES Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e 1tragava dois dedos de parati 2“pra cortar a friagem”. Uma 3transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, 4reviscerando-lhe o corpo e 5alando-lhe os sentidos, num 6trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil 7patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; 8tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, 9resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. (...) E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, 10posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções ,poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente defronte 11dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos. Aluísio Azevedo, O cortiço. Ao comparar Jerônimo com uma crisálida, o narrador alude, em linguagem literária, a fenômenos do desenvolvimento da borboleta, por meio das seguintes expressões do texto: I. “transformação, lenta e profunda” (ref.3); II. “reviscerando” (ref.4); III. “alando” (ref.5); IV. “trabalho misterioso e surdo” (ref.6). Tais fenômenos estão corretamente indicados em a) I, apenas. b) I e II, apenas. c) III e IV, apenas. d) II, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. Questão 13 (Fuvest 2012) Os costumes a que adere Jerônimo em sua transformação, relatada no excerto, têm como referência, na época em que se passa a história, o modo de vida a) dos degredados portugueses enviados ao Brasil sem a companhia da família. b) dos escravos domésticos, na região urbana da Corte, durante o Segundo Reinado. c) das elites produtoras de café, nas fazendas opulentas do Vale do Paraíba fluminense. d) dos homens livres pobres, particularmente em região urbana. e) dos negros quilombolas, homiziados em refúgios isolados e anárquicos. Questão 14 (Fuvest 2012) Considere as seguintes afirmações, relacionadas ao excerto de O cortiço: I. O sol, que, no texto, se associa fortemente ao Brasil e à “pátria”, é um símbolo que percorre o livro como manifestação da natureza tropical e, em certas passagens, representa o princípio masculino da fertilidade. II. A visão do Brasil expressa no texto manifesta a ambiguidade do intelectual brasileiro da época em que a obra foi escrita, o qual acatava e rejeitava a sua terra, dela se orgulhava e envergonhava, nela confiava e dela desesperava. III. O narrador aceita a visão exótico-romântica de uma natureza (brasileira) poderosa e transformadora, reinterpretando-a em chave naturalista. Aplica-se ao texto o que se afirma em a) I, somente. b) II, somente. c) II e III, somente. d) I e III, somente. e) I, II e III. Questão 15 (Fuvest 2012) Um traço cultural que decorre da presença da escravidão no Brasil e que está implícito nas considerações do narrador do excerto é a a) desvalorização da mestiçagem brasileira. b) promoção da música a emblema da nação. c) desconsideração do valor do trabalho. d) crença na existência de um caráter nacional brasileiro. e) tendência ao antilusitanismo. CURSO ANUAL DE LITERATURA Prof. Steller de Paula VestCursos – Especialistaem Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência AULA 18 - REALISMO – MACHADO DE ASSIS BIBLIOGRAFIA: Poesia Crisálidas, 1864; Falenas, 1870; Americanas, 1875; Poesias completas, 1901. Romance Românticos: Ressurreição, 1872; A mão e a luva, 1874; Helena, 1876; Iaiá Garcia, 1878. Realistas: Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881; Quincas Borba, 1891; Dom Casmurro, 1899; Esaú Jacó, 1904; Memorial de Aires, 1908. Conto: Contos Fluminenses,1870; Histórias da meia-noite, 1873; Papéis avulsos, 1882; Histórias sem data, 1884; Várias histórias, 1896; Páginas recolhidas, 1899; Relíquias de casa velha, 1906. Teatro Queda que as mulheres têm para os tolos, 1861; Desencantos, 1861; Hoje avental, amanhã luva, 1861; O caminho da porta, 1862; O protocolo, 1862; Quase ministro, 1863; Os deuses de casaca, 1865; Tu, só tu, puro amor, 1881. MACHADO DE ASSIS E O REALISMO PSICOLÓGICO Com Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881, Machado de Assis não só inaugurou o Realismo no Brasil, como introduziu, em nossa literatura, o romance psicológico. Machado mergulha nos pensamentos dos personagens, expondo-os e expondo toda a complexidade humana, revelando contradições internas, ambiguidades, crises existenciais e contrastes entre essência e aparência. Assim, avultam personagens hipócritas, dissimulados, que, para transitar com competência pelo meio social em que se inserem e alcançar seus objetivos, precisam mentir, mascarar seus reais interesses, camuflar suas ações. O principal interesse de Machado é pelo o Humano, por nossa complexidade, pela profusão de sentimentos que motivam nossas ações: amor, ciúme, insegurança, vaidade, ambição, cobiça, medo, devoção, instinto de sobrevivência, sadismo... Seus personagens refletem a humanidade, no que lhe é atemporal e universal. Machado, ao contrário dos naturalistas, entende que nenhum “ismo”, seja ele científico, filosófico, ou religioso é capaz de definir o ser humano; por isso despreza a visão fatalista da existência e a extrema objetividade que marcou o Naturalismo e assume uma postura mais cética, mais questionadora. Mas Machado é também um analista social. Suas obras desmascaram a burguesia, criticam suas instituições, refletem a sociedade brasileira do final do século XIX, com o que ela tinha de reflexo daquele período histórico, mas também com aquilo que perduraria na nossa estrutura social pelos séculos posteriores. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO REALISMO DE MACHADO DE ASSIS - Visão crítica da realidade, rompendo com a idealização romântica. “Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois?... A mesma; era justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas mais íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que ia lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, — devoção, ou talvez medo; creio que medo.” – Memórias Póstumas de Brás Cubas - Visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas. “Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” – Memórias Póstumas de Brás Cubas 178 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência Aula 18 – Realismo – Machado De Assis “— Assim, pois, o sacristão da Sé, um dia, ajudando à missa, viu entrar a dama, que devia ser sua colaboradora na vida de D. Plácida. Viu-a outros dias, durante semanas inteiras, gostou, disse-lhe alguma graça, pisou-lhe o pé, ao acender os altares, nos dias de festa. Ela gostou dele, acercaram-se, amaram-se. Dessa conjunção de luxúrias vadias brotou D. Plácida. É de crer que D. Plácida não falasse ainda quando nasceu, mas se falasse podia dizer aos autores de seus dias: — Aqui estou. Para que me chamastes? E o sacristão e a sacristã naturalmente lhe responderiam. — Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sarando, com o fim de tornar a adoecer e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada, amanhã resignada, mas sempre com as mãos no tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na lama ou no hospital; foi para isso que te chamamos, num momento de simpatia.” – Memórias Póstumas de Brás Cubas “Não houve lepra, mas há febres por todas essas terras humanas, sejam velhas ou novas. Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre tifoide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, onde os dois amigos da universidade lhe levantaram um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos”. Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo para não tornar a vê-lo. Como quisesse verificar o texto, consultei a minha Vulgata, e achei que era exato, mas tinha ainda um complemento: "Tu eras perfeito nos teus caminhos, desde o dia da tua criação”. Parei e perguntei calado: "Quando seria o dia da criação de Ezequiel?" Ninguém me respondeu. Eis aí mais um mistério para ajuntar aos tantos deste mundo. Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro.” – Dom Casmurro - Crítica irônica das situações humanas, das relações entre as pessoas e dos padrões de comportamento. Casamento, família, religião (ideias burguesas) são envenenados pelo interesse, pelas segundas intenções e pela malícia. *Família: “Cresci; e nisso é que a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos. Talvez os gatos são menos matreiros, e com certeza, as magnólias são menos inquietas do que eu era na minha infância. Um poeta dizia que o menino é pai do homem. Se isto é verdade, vejamos alguns lineamentos do menino. Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de “menino diabo”; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, — algumas vezes gemendo, — mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um — “ai, nhonhô!” — ao que eu retorquia: — “Cala a boca, besta!”— Esconder os chapéus das visitas, deitar rabos de papel a pessoas graves, puxar pelo rabicho das cabeleiras, dar beliscões nos braços das matronas, e outras muitas façanhas deste jaez, eram mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram também expressões de um espírito robusto, porque meu pai tinha-me em grande admiração; e se às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples formalidade: em particular dava- me beijos. Não se conclua daqui que eu levasse todo o resto da minha vida a quebrar a cabeça dos outros nem a esconder-lhes os chapéus; mas opiniático, egoísta e algo contemptor dos homens, isso fui; se não passei o tempo a esconder-lhes os chapéus, alguma vez lhes puxei pelo rabicho das cabeleiras. Outrossim, afeiçoei-me à contemplação da injustiça humana, inclinei-me a atenuá-la, a explicá-la, a classifiquei-a por partes, a entendê-la, não segundo um padrão rígido, mas ao sabor das circunstâncias e lugares. Minha mãe doutrinava-me a seu modo, fazia-me decorar alguns preceitos e orações; mas eu sentia que, mais do que as orações, me governavam os nervos e o sangue, e a boa regra perdia o espírito, que a faz viver, para se tornar uma vã fórmula. De manhã, antes do mingau, e de noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse, assim como eu perdoava aos meus devedores; mas entre a manhã e a noite fazia uma grande maldade, e meu pai, passado o alvoroço, dava-me pancadinhas na cara, e exclamava a rir: Ah! brejeiro! ah! brejeiro! Sim, meu pai adorava-me. Minha mãe era uma senhora fraca, de pouco cérebro e muito coração, assaz crédula, sinceramente piedosa, — caseira, apesar de bonita, e modesta, apesar de abastada; temente às trovoadas e ao marido. O marido era na Terra o seu deus. Da colaboração dessas duas criaturas nasceu a minha educação, que, se tinha alguma coisa boa, era no geral viciosa, incompleta, e, em partes, negativa. (...) O que importa é a expressão geral do meio doméstico, e essa aí fica indicada, — vulgaridade de caracteres, amor das aparências rutilantes, do arruído, frouxidão da vontade, domínio do capricho, e o mais. Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor.” – Memórias Póstumas de Brás Cubas *Relações Amorosas: “Teve duas fases a nossa paixão, ou ligação, ou qualquer outro nome, que eu de nomes não curo, teve a fase consular e a fase imperial. Na primeira, que foi curta, regemos o Xavier e eu, sem que ele jamais acreditasse dividir comigo o governo de Roma; mas, quando a credulidade não pôde resistir à evidência, o Xavier depôs as insígnias, e eu concentrei todos os poderes na minha mão; foi a fase cesariana. Era meu o universo; mas, ai triste! não o era de graça. Foi-me preciso coligir dinheiro, multiplicá-lo, inventá-lo. Primeiro explorei as larguezas de meu pai; ele dava-me tudo o que eu lhe pedia, sem repreensão, sem demora, sem frieza; dizia a todos que eu era rapaz e que ele o fora também. Mas a tal extremo chegou o abuso, que ele restringiu um pouco as franquezas, depois mais, depois mais. Então recorri a minha mãe, e induzi-a a desviar alguma coisa, que me dava às escondidas. Era pouco; lancei mão de um recurso último: entrei a sacar sobre a herança de meu pai, a assinar obrigações, que devia resgatar um dia com usura. ...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.” – Memórias Póstumas de Brás Cubas * Educação: “Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim – embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções SEMANA 18 - LITERATURA - Realismo - Machado de Assis - STELLER sem respostas