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Aula 29 – Poesia de 30 I 
 
 
 
 
 
 
109 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
 
Um templo sem religião 
Como tampouco sabia 
Que a casa que ele fazia 
Sendo a sua liberdade 
Era a sua escravidão. 
 
De fato, como podia 
Um operário em construção 
Compreender por que um tijolo 
Valia mais do que um pão? 
Tijolos ele empilhava 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele o comia... 
Mas fosse comer tijolo! 
E assim o operário ia 
Com suor e com cimento 
Erguendo uma casa aqui 
Adiante um apartamento 
Além uma igreja, à frente 
Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente 
Um operário em construção. 
Mas ele desconhecia 
Esse fato extraordinário: 
Que o operário faz a coisa 
E a coisa faz o operário. 
De forma que, certo dia 
À mesa, ao cortar o pão 
O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
Ao constatar assombrado 
Que tudo naquela mesa 
- Garrafa, prato, facão - 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão. 
 
Ah, homens de pensamento 
Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela. 
 
Foi dentro da compreensão 
Desse instante solitário 
Que, tal sua construção 
Cresceu também o operário. 
Cresceu em alto e profundo 
Em largo e no coração 
E como tudo que cresce 
Ele não cresceu em vão 
Pois além do que sabia 
- Exercer a profissão - 
O operário adquiriu 
Uma nova dimensão: 
A dimensão da poesia. 
 
E um fato novo se viu 
Que a todos admirava: 
O que o operário dizia 
Outro operário escutava. 
 
E foi assim que o operário 
Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção: 
 
Notou que sua marmita 
Era o prato do patrão 
Que sua cerveja preta 
Era o uísque do patrão 
Que seu macacão de zuarte 
Era o terno do patrão 
Que o casebre onde morava 
Era a mansão do patrão 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia 
Era a noite do patrão 
Que sua imensa fadiga 
Era amiga do patrão. 
 
E o operário disse: Não! 
E o operário fez-se forte 
Na sua resolução. 
 
Como era de se esperar 
As bocas da delação 
Começaram a dizer coisas 
Aos ouvidos do patrão. 
Mas o patrão não queria 
Nenhuma preocupação 
- "Convençam-no" do contrário - 
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 
 
Dia seguinte, o operário 
Ao sair da construção 
 
 
 
 
 110 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) 
Viu-se súbito cercado 
Dos homens da delação 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão. 
Teve seu rosto cuspido 
Teve seu braço quebrado 
Mas quando foi perguntado 
O operário disse: Não! 
 
Em vão sofrera o operário 
Sua primeira agressão 
Muitas outras se seguiram 
Muitas outras seguirão. 
Porém, por imprescindível 
Ao edifício em construção 
Seu trabalho prosseguia 
E todo o seu sofrimento 
Misturava-se ao cimento 
Da construção que crescia. 
 
Sentindo que a violência 
Não dobraria o operário 
Um dia tentou o patrão 
Dobrá-lo de modo vário. 
De sorte que o foi levando 
Ao alto da construção 
E num momento de tempo 
Mostrou-lhe toda a região 
E apontando-a ao operário 
Fez-lhe esta declaração: 
- Dar-te-ei todo esse poder 
E a sua satisfação 
Porque a mim me foi entregue 
E dou-o a quem bem quiser. 
Dou-te tempo de lazer 
Dou-te tempo de mulher. 
Portanto, tudo o que vês 
Será teu se me adorares 
E, ainda mais, se abandonares 
O que te faz dizer não. 
 
Disse, e fitou o operário 
Que olhava e que refletia 
Mas o que via o operário 
O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Produtos, manufaturas. 
Via tudo o que fazia 
O lucro do seu patrão 
E em cada coisa que via 
Misteriosamente havia 
A marca de sua mão. 
E o operário disse: Não! 
 
- Loucura! - gritou o patrão 
Não vês o que te dou eu? 
- Mentira! - disse o operário 
Não podes dar-me o que é meu. 
 
E um grande silêncio fez-se 
Dentro do seu coração 
Um silêncio de martírios 
Um silêncio de prisão. 
Um silêncio povoado 
De pedidos de perdão 
Um silêncio apavorado 
Com o medo em solidão. 
 
Um silêncio de torturas 
E gritos de maldição 
Um silêncio de fraturas 
A se arrastarem no chão. 
E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão. 
Uma esperança sincera 
Cresceu no seu coração 
E dentro da tarde mansa 
Agigantou-se a razão 
De um homem pobre e esquecido 
Razão porém que fizera 
Em operário construído 
O operário em construção. 
 
No arco do seu itinerário de vida, que podemos olhar já à distância, 
tudo indica que Vinicius de Moraes não quis restringir-se ao cultivo 
rigoroso da poesia mais densa, mais seleta e rarefeita, não quis 
assumir qualquer filtro purista como modo de conduta, não quis 
confinar-se, em suma, no nicho dos estetas, embora tivesse poder 
de fogo de sobra para isso, considerada a alta qualidade do seu 
verso e da sua imaginação poética. Como dissemos, depois dos 
primórdios retóricos de uma poesia espiritualista e prenhe de 
verticalidade mística, Vinicius adotou uma certa horizontalidade 
reumanizada e, no rumo talvez de uma inclinação inversa, passou 
a trair ciclicamente todos os purismos, a começar dos próprios: da 
mística idealizante à “aproximação do mundo material” (mas sem 
perder a espiritualidade), da poesia transcendental à dissipação 
moderna (mas sem perder a ressonância com a tradição), da 
poesia literária à canção (mas sem perder a poesia), de “Chega de 
saudade” a “Tarde em Itapoã” (para não perder o gosto vário da 
vida). 
Nesse caminho, Vinicius pareceu galgar a cada vez um patamar 
abaixo do esperado pelos cultores das alturas, decepcionando os 
defensores da poesia transcendental contrários à poesia 
modernista (nos anos 40), os defensores da poesia escrita 
contrários à canção popular (do final dos anos 50 para os anos 60), 
os defensores da bossa nova contrários à canção mais elementar e 
hedonista (nos anos 70). 
José Miguel Wisnik (“a balada do poeta pródigo”, posfácio a 
Poemas, sonetos e balada, São Paulo, Companhia das Letras, 
2008.) 
MURILO MENDES 
Obras principais: Poemas (1930); História do Brasil (1932); 
Tempo e eternidade (em colaboração com Jorge de Lima - 1935); 
A poesia em pânico (1937); As metamorfoses (literários. 1944); 
Poesia liberdade (1947); Contemplação de Ouro Preto (1954); 
Convergência (1970). 
O início da carreira poética de Murilo Mendes (seus dois primeiros 
livros) é fortemente influenciado pelas ideias modernistas de 
Aula 29 – Poesia de 30 I 
 
 
 
 
 
 
111 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
 
Oswald e Mário de Andrade. Assim, predomina nos poemas o tom 
de blague, o bom humor, o exercício do poema-piada. 
Tematicamente, o poeta promove uma revisão crítica do nosso 
passado histórico e cultural, recorrendo algumas vezes à paródia. 
Vale salientar que, embora os poemas dessa fase sejam bastante 
cobrados em vestibular, numa edição que preparou para sua obra, 
Murilo Mendes excluiu o livro História do Brasil, afirmando que este 
livro destoava do conjunto de sua obra. 
 
Canção do Exílio 
“Minha terra tem macieiras das Califórnia 
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Ospoetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações. 
A gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. 
Eu morro sufocado em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas 
mas custam cem mil réis a dúzia. 
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade 
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 
Murilo Mendes 
Carta de Pero Vaz 
“A terra é mui graciosa, 
Tão fértil eu nunca vi. 
A gente vai passear, 
No chão espeta um caniço, 
No dia seguinte nasce 
bengala de castão de oiro. 
Tem goiabas, melancias, 
Banana que nem chuchu. 
Quanto aos bichos, tem-nos muito, 
De plumagens mui vistosas. 
Tem macaco até demais 
Diamantes tem à vontade 
Esmeralda é para os trouxas. 
Reforçai, Senhor, a arca, 
Cruzados não faltarão, 
Vossa perna encanareis, 
Salvo o devido respeito. 
Ficarei muito saudoso 
Se for embora daqui”. 
Murilo Mendes 
Linhas Paralelas 
Um presidente resolve 
Construir uma boa escola 
Numa vila bem distante. 
Mas ninguém vai nessa escola: 
Não tem estrada pra lá. 
Depois ele resolveu 
Construir uma estrada boa 
Numa outra vila do Estado. 
Ninguém se muda pra lá 
Porque lá não tem escola. 
Murilo Mendes 
Em 1934, porém, o poeta vivencia uma espécie de crise metafísica 
e, em 1935, junto com o poeta e amigo Jorge de Lima escreve um 
livro de forte teor religioso e cristão: “Tempo e Eternidade”. Murilo 
Mendes, então, passa a produzir uma poesia de caráter mais 
espiritual, sem, no entanto, excluir o lado material e concreto da 
existência humana. Para ele, a religião não deve ocupar-se apenas 
do que é espiritual, transcendental, mas também levar em conta o 
social: 
"Atraído simultaneamente pelo terrestre e o celeste, pelo animal e 
o espiritual, entendi que a linguagem poderia manifestar essa 
tendência, sob a forma dum encontro de palavras extraídas tanto 
da Bíblia como dos jornais; procurando mostrar que o "social" não 
se opõe ao "religioso". 
Murilo Mendes 
A Tentação 
Diante do crucifixo 
Eu paro pálido tremendo: 
"Já que és o verdadeiro filho de Deus 
Desprega a humanidade desta cruz". 
Murilo Mendes 
A Graça 
Desaba uma chuva de pedras, uma enxurrada de estátuas de 
ídolos caindo, manequins descoloridos, figuras vermelhas se 
desencarnando dos livros que encerram as ações dos humanos. 
E o meu corpo espera sereno o fim deste acontecimento, mas a 
minha alma se debate porque o tempo rola, rola, rola. 
Até que tu, impaciente, rebentas a grade do sacrário; e me 
estendes os braços: e posso atravessar contigo o mundo em 
pânico. 
E o arco-de-deus se levanta sobre mim, criação transformada. 
Murilo Mendes e Jorge de Lima 
Diante de um contexto histórico marcado por guerras e ditaduras, o 
cristianismo é, para Murilo Mendes, forma de tentar refletir e 
compreender a existência humana e uma forma de reação contra 
as injustiças, contra a violência, é "um desafio ético à sociedade 
planetária" 
O filho do século 
Nunca mais andarei de bicicleta 
Nem conversarei no portão 
Com meninas de cabelos cacheados 
Adeus valsa Danúbio Azul 
Adeus tardes preguiçosas 
Adeus cheiros do mundo sambas 
Adeus puro amor 
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem 
Não tenho forças para gritar um grande grito 
Cairei no chão do século vinte 
Aguardam-me lá fora 
As multidões famintas justiceiras 
Sujeitos com gases venenosos 
É a hora das barricadas 
É a hora do fuzilamento, da raiva maior 
Os vivos pedem vingança 
Os mortos minerais vegetais pedem vingança 
É a hora do protesto geral 
É a hora dos voos destruidores 
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos 
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos 
 
 
 
 
 112 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) 
Misérias de todos os países uni-vos 
Fogem a galope os anjos-aviões 
Carregando o cálice da esperança 
Tempo espaço firmes porque me abandonastes. 
Murilo Mendes 
Outro ponto a se destacar na obra de Murilo Mendes uma 
linguagem poética para muitos leitores considerada difícil, pois sua 
visão de mundo se revela através de metáforas surpreendentes, de 
imagens inquietantes, numa linguagem simbólica que se aproxima 
do sonho e surgem contrariando a lógica, a razão. Diante de um 
mundo desajustado, mutilado, violento e injusto, o poeta explora 
poeticamente o absurdo da existência. Por conta disso, muitos 
apontam uma aproximação do poeta com o Surrealismo. 
Pré-história 
Mamãe vestida de rendas 
Tocava piano no caos. 
Uma noite abriu as asas 
Cansada de tanto som, 
Equilibrou-se no azul, 
De tonta não mais olhou 
Para mim, para ninguém! 
Cai no álbum de retratos. 
Murilo Mendes 
Corte transversal do poema 
A música do espaço para, a noite se divide em dois pedaços. 
Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça, 
fica com um braço de fora. 
Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos. 
Um anjo cinzento bate as asas 
em torno da lâmpada. 
Meu pensamento desloca uma perna, 
o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados. 
Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia, 
um olho andando, com duas pernas. 
O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem. 
A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios. 
Só tenho o outro lado da energia, 
me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou. 
Murilo Mendes 
Nos últimos livros, sobretudo em “Tempo espanhol”, “Poliedro” e 
“Convergência”, o poeta enveredou por um processo de 
experimentalismo linguístico mais acentuado produzindo poemas 
que oscilam entre a poesia e a prosa, com emprego frequente de 
sinais gráficos com finalidade expressiva, neologismos, jogos de 
palavras, aproximando-se do concretismo. 
“Desde o início interessei-me pelo movimento – como por todos os 
movimentos de vanguardas que conheci (...). Não achava felizes 
todas as realizações dos concretos; mas era atraído pela “poesia 
gráfica” que eles usavam. E – repito – a desarticulação do discurso 
clássico me interessava muitíssimo. (...) Convergência deve muito 
ao concretismo: em vários textos desarticulo a estrutura clássica; o 
verbo é abolido, muitas palavras são postas em evidente relevo 
(embora não com rigor gráfico). Outras isoladas, etc.” 
Murilo Mendes 
Texto de informação 
Tiro do bolso examino 
Certas figuras de gramática 
 de retórica 
 de poética 
Considero-as na sua forma visual 
Fora de função / no seu peso específico 
 & som próprio 
 de palavras isoladas: 
 
 Oxímoron; anáclase, sinérese 
 Sinédoque. anacoluto. metáfora 
 Hipérbato. hipérbole. hipálage 
 Assíndeto 
JORGE DE LIMA 
Obra 
Poesia: XIV Alexandrinos (1914); O Mundo do Menino Impossível 
(1925); Poemas (1927); Novos Poemas (1929); Poemas 
Escolhidos (1932); Tempo e Eternidade (1935) - em colaboração 
com Murilo Mendes; A Túnica Inconsútil (1938); Poemas Negros 
(1947); Livro de Sonetos (1949); Obra Poética (1950) - inclui 
produção anterior, juntamente com Anunciação e Encontro de 
Mira-Celi; Invenção de Orfeu (1952); Castro Alves - Vidinha (1952). 
Romances 
Salomão e as Mulheres (1927); O Anjo (1934); Calunga (1935); A 
Mulher Obscura (1939); Guerra dentro do Beco (1950). 
A carreira poética de Jorge de Lima apresenta uma evolução 
contínua, fazendo que se possa dividi-la em três fases. O primeiro 
livro “XIV alexandrinos” apresenta versos ainda ligados ao 
Parnasianismo. 
O acendedor de lampiões 
Lá vem o acendedor de lampiões da rua! 
Este mesmo que vem infatigavelmente, 
Parodiar o sol e associar-se à lua 
Quando a sombra da noite enegrece o poente! 
 
Um, dois, três lampiões, acende e continua 
Outros mais a acender imperturbavelmente, 
À medida que a noite aos poucos se acentua 
E a palidez da luaapenas se pressente. 
 
Triste ironia atroz que o senso humano irrita: — 
Ele que doira a noite e ilumina a cidade, 
Talvez não tenha luz na choupana em que habita. 
 
Tanta gente também nos outros insinua 
Crenças, religiões, amor, felicidade, 
Como este acendedor de lampiões da rua! 
Jorge de Lima 
A segunda fase traz recordações da infância de filho de senhor de 
engenho em Alagoas, numa poesia de caráter regionalista, e os 
poemas sobre os negros (escravidão, miscigenação, o folclore de 
origem africana, a participação do negro na constituição da nossa 
raça e da nossa cultura). 
Nordeste, terra de São Sol! 
Irmã enchente, vamos dar graças a Nosso Senhor, 
que a minha madrasta Seca torrou seus anjinhos 
para os comer. 
São Tomé passou por aqui? 
Passou, sim senhor! 
Pajeú! Pajeú! 
Vamos lavar Pedra Bonita, meus irmãos, 
com o sangue de mil meninos, amém! 
Jorge de Lima 
Aula 29 – Poesia de 30 I 
 
 
 
 
 
 
113 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
 
Inverno 
Zefa, chegou o inverno! 
Formigas de asas e tanajuras! 
Chegou o inverno! 
Lama e mais lama 
chuva e mais chuva, Zefa! 
Vai nascer tudo, Zefa, 
Vai haver verde, 
verde do bom, 
verde nos galhos, 
verde na terra, 
verde em ti, Zefa, 
que eu quero bem! 
Formigas de asas e tanajuras! 
O rio cheio, 
barrigas cheias, 
mulheres cheias, Zefa! 
Águas nas locas, 
pitus gostosos, 
carás, cabojés, 
e chuva e mais chuva! 
Vai nascer tudo 
milho, feijão, 
até de novo 
teu coração, Zefa! 
Formigas de asas e tanajuras! 
Chegou o inverno! 
Chuva e mais chuva! 
Vai casar, tudo, 
moça e viúva! 
Chegou o inverno 
Covas bem fundas 
pra enterrar cana: 
cana caiana e flor de Cuba! 
Terra tão mole 
que as enxadas 
nelas se afundam 
com olho e tudo! 
Leite e mais leite 
pra requeijões! 
Cargas de imbu! 
Em junho o milho, 
milho e canjica 
pra São João! 
E tudo isto, Zefa... 
(...) 
Jorge de Lima 
Essa negra fulô 
 
Ora, se deu que chegou 
(isso já faz muito tempo) 
no bangüê dum meu avô 
uma negra bonitinha, 
chamada negra Fulô. 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá) 
— Vai forrar a minha cama 
pentear os meus cabelos, 
vem ajudar a tirar 
a minha roupa, Fulô! 
 
Essa negra Fulô! 
 
Essa negrinha Fulô! 
ficou logo pra mucama 
pra vigiar a Sinhá, 
pra engomar pro Sinhô! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá) 
vem me ajudar, ó Fulô, 
vem abanar o meu corpo 
que eu estou suada, Fulô! 
vem coçar minha coceira, 
vem me catar cafuné, 
vem balançar minha rede, 
vem me contar uma história, 
que eu estou com sono, Fulô! 
 
Essa negra Fulô! 
 
"Era um dia uma princesa 
que vivia num castelo 
que possuía um vestido 
com os peixinhos do mar. 
Entrou na perna dum pato 
saiu na perna dum pinto 
o Rei-Sinhô me mandou 
que vos contasse mais cinco". 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
Vai botar para dormir 
esses meninos, Fulô! 
"minha mãe me penteou 
minha madrasta me enterrou 
pelos figos da figueira 
que o Sabiá beliscou". 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá 
Chamando a negra Fulô!) 
Cadê meu frasco de cheiro 
Que teu Sinhô me mandou? 
— Ah! Foi você que roubou! 
Ah! Foi você que roubou! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
O Sinhô foi ver a negra 
levar couro do feitor.

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