Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
114 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) A negra tirou a roupa, O Sinhô disse: Fulô! (A vista se escureceu que nem a negra Fulô). Essa negra Fulô! Essa negra Fulô! Ó Fulô! Ó Fulô! Cadê meu lenço de rendas, Cadê meu cinto, meu broche, Cadê o meu terço de ouro que teu Sinhô me mandou? Ah! foi você que roubou! Ah! foi você que roubou! Essa negra Fulô! Essa negra Fulô! O Sinhô foi açoitar sozinho a negra Fulô. A negra tirou a saia e tirou o cabeção, de dentro dêle pulou nuinha a negra Fulô. Essa negra Fulô! Essa negra Fulô! Ó Fulô! Ó Fulô! Cadê, cadê teu Sinhô que Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou, foi você, negra fulô? Essa negra Fulô! Jorge de Lima A terceira fase é a fase religiosa, em que os poemas revelam misticismo e reflexões metafísicas. Adeus Poesia Senhor Jesus, o século está podre. Onde é que vou buscar poesia? Devo despir-me de todos os mantos, os belos mantos que o mundo me deu. Devo despir o manto da poesia. Devo despir o manto mais puro. Senhor Jesus, o século está doente, o século está rico, o século está gordo. Devo despir-me do que é belo, devo despir-me da poesia. devo despir-me do manto mais puro que o tempo me deu, que a vida me dá. Quero leveza no vosso caminho. Até o que é belo me pesa nos ombros, até a poesia acima do mundo, acima do tempo, acima da vida, me esmaga na terra, me prende nas coisas. Eu quero uma voz mais forte que o poema, mais forte que o inferno, mais dura que a morte: eu quero uma força mais perto de Vós. Eu quero despir-me da voz e dos olhos, dos outros sentidos, das outras prisões, não posso Senhor: o tempo está doente. Os gritos da terra, dos homens sofrendo me prendem, me puxam - me dai Vossa mão. Jorge de Lima Destaca-se ainda no conjunto da obra de Jorge de Lima o livro Invenção de Orfeu: um longo poema onde o autor procura interpretar simbolicamente a relação entre o homem e o universo. Nessa obra, Jorge de Lima recorre bastante à intertextualidade, utilizando fragmentos de epopeias clássicas, como a “Divina comédia”, de Dante, a “Eneida”, de Virgílio, e “Os Lusíadas”, de Camões, ou ainda “O paraíso perdido”, de Milton, e a própria Bíblia, ligando trechos dessas obras através do processo da colagem. Texto Crítico Invenção de Orfeu é um dos projetos mais ambiciosos e ousados da literatura brasileira. Considerado ápice e síntese da carreira de Jorge de Lima (1893-1953), propõe-se a contar “a história mal dormida de uma viagem”. A definição do enredo dá lugar à experimentação sem precedentes: obra metalinguística, questiona a possibilidade de um amplo e coeso monumento poético da modernidade. Oscilando entre os gêneros épico e lírico, seus 11 mil versos dividem-se em dez cantos, em alusão a Os Lusíadas (1572), de Luís de Camões (1524-1580). As referências à epopeia fundadora da língua portuguesa – a que se juntam a Odisseia, do poeta grego Homero, Eneida, do poeta romano Virgílio (70 a.C.-19 a.C.), e A Divina Comédia (ca.1308-1321), do italiano Dante Alighieri (1265- 1321) – respondem pelo desejo de encontrar alguma coesão. No entanto, o eu lírico vê-se impossibilitado de associar esses textos à experiência contemporânea. A retomada da tradição literária não basta para lhe garantir unidade formal ou temática. As obras do passado desenvolvem-se em um único esquema formal, segundo o andamento narrativo. No caso de Os Lusíadas, versos decassílabos e estrofes de oito versos, com esquema fixo de rimas, a serviço da saga de Vasco da Gama e, por extensão, da nação lusitana. Invenção de Orfeu, por sua vez, representa “um inventário de quase todas as formas de verso, de estrofe e de poema já intentados na poética portuguesa”, conforme o crítico Mário Faustino (1930-1962). Quanto ao tema, não há leituras críticas que estabeleçam unanimidade para o sentido do livro. Recentemente, a crítica aponta irregularidades de Invenção de Orfeu como propósito de seu projeto. O poema é, nesse sentido, a revisitação do modernismo, especialmente do desejo de construção de uma identidade nacional, que o autor exercita em livros anteriores. Assim, retomar a procura da brasilidade de Nega Fulô (1928) ou a questão racial de Poemas Negros (1947) seria rejeitar as soluções então adotadas como forma poética adequada. Negados, “o projeto civilizatório, a constituição da identidade, a fundação de um país” seriam, segundo Betina Bischof, “a parte central – mas pela falta” da obra. Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ Invenção de Orfeu VII Alegria achareis neste poema como poema ilícito, como um corpo casual ou vão, como a memória dura e acídula, como um homem se conhece respirando, ou como quando Aula 29 – Poesia de 30 I 115 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência se entristece sem causa ou se doente, ou se lavando sempre ou comparando-se às dimensões das coisas relativas; ou como sente os ombros de seu ser, transmitidos e opacos, e os avós responsabilizando-se presentes. São alegrias rápidas. Lugares, reencontrados países, becos, passos sob as chuvas que não vos molharão. VIII Se falta alguém nesses versos pele vento interminável, pelas arenas de estátuas, sucedam-lhe os cegos olhos sacudidos pelos medos, mãos de chuvas lhe inteiricem o corpo com algas remissas e com matérias tranqüilas tão soturna como os poços, exasperados invernos, ombros de escova comida, as asas secas caídas, ante seus netos calados; e incorporem-se a esse alvitre esse sabor de cortiça, essas esponjas morridas, essas marés estanhadas, essas escunas de espáduas estritamente fechadas como casas de abandono, restringem-se os conciliábulos, certos sigilos de pez, certas coisas enlutadas, refúgios, dramas ocultos, pois as rosas são de trapos e os fios menos que teias, menos que finos agora, e as camisas sem os pêlos enterrados nas ilhargas, vestem enganos e punhos e crimes em vez de adegas, mas tudo em vão, mesmo as plumas, mesmo os ausentes e as vozes aderidas a fragmentos aí moram degredadas, listrando as grades, de faces que não conhecem espelhos Jorge de Lima MÁRIO QUINTANA Mário Quintana é conhecido pelo humor que emprega em seus poemas em prosa e pela simplicidade e coloquialismo de suas composições mais amplamente divulgadas, mas produziu uma poesia rica e diversificada. Pertencente à segunda geração modernista, explora tanto as possibilidades abertas pelo modernismo, como faz uso de formas clássicas como o soneto. Em A Rua dos Cataventos (1940), seu livro de estreia, apresenta sonetos rimados e metrificados, mas já apresentando elementos que serão típicos: o uso de palavras simples, o humor, a coloquialidade e o retrato de cenas do cotidiano. Os poemas resgatam lembranças da infância, reflexões sobre a passagem do tempo e a morte, evocações religiosas. A Rua dos Cataventos Da vez primeira em que me assassinaram, Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a cada vez que me mataram, Foram levando qualquer coisa minha. Hoje, dos meu cadáveres eu sou O mais desnudo, o que não tem mais nada. Arde um toco de Vela amarelada, Como único bem que me ficou. Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada! Pois dessa mão avaramente adunca Não haverão de arrancar a luz sagrada! Aves da noite! Asas do horror! Voejai! Que a luz trêmula e triste como um ai, A luz de um morto não se apaga nunca! Mário Quintana Em “Canções” (1946), Quintana abandona o soneto e usa formas mais livres, aproximando da linguagem modernista, mas mantém o tom ingênuo e sentimental do livro anterior. Em “Sapatos Floridos” (1948), o poeta explora o poema em prosa, a epígrafe, o epigrama, as definições absurdas - formas que ele vai cultivar também em outras obras como em “A Vaca e o Hipogrifo” (1977). Em alguns poemas, o humoralcança uma profunda irreverência que beira o nonsense, o que faz com que a crítica perceba neles uma influência surrealista. Calçada de verão Quando o tempo está seco, os sapatos ficam tão contentes que se põem a cantar. Mario Quintana Epígrafe As únicas coisas eternas são as nuvens. Provérbio O seguro morreu de guarda-chuva. Meu trecho predileto O que mais me comove, em música, são essas notas soltas — pobres notas únicas — que do teclado arrancam o afinador de pianos... Carreto Amar é mudar a alma de casa. Envelhecer Antes, todos os caminhos iam. Agora todos os caminhos vêm A casa é acolhedora, os livros poucos. E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas. Mário Quintana Em O Aprendiz de Feiticeiro (1950), Mário Quintana continua a exercitar o poder de concisão em uma poesia mais imagética, plástica, a partir da observação da natureza ou de uma cena cotidiana. O poeta muitas vezes parte do dado sensível, mas o supera através da ação transfiguradora da fantasia. 116 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) Noturno Não sei por que, sorri de repente E um gosto de estrela me veio na boca... Eu penso em ti, em Deus, nas voltas inumeráveis que fazem os caminhos... Em Deus, em ti, de novo... Tua ternura tão simples... Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço pela noite imensa E o vento da madrugada me encontraria morto junto de um arroio, Com os cabelos e a fronte mergulhados na água límpida... Mergulhados na água límpida, cantante e fresca de um arroio! Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950 O poema Um poema como um gole d’água bebido no escuro. Como um pobre animal palpitando ferido. Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna. Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema. Triste. Solitário. Único. Ferido de mortal beleza. Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950 O Dia O dia de lábios escorrendo luz O dia está na metade da laranja O dia sentado nu Nem sente os pesados besouros Nem repara que espécie de ser...ou deus...ou animal é esse que passa no frêmito da hora Espiando o brotar dos seios. Mário Quintana Destacam-se, na obra poética de Quintana, principalmente nas obras “A Vaca e o Hipogrifo” (1977) e “Porta Giratória” (1988), os poemas em prosa, escritos com o humor, ironia e simplicidade. A verdadeira arte de viajar A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.\ Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali... Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando! Mário Quintana, em A cor do invisível Natureza Viva Há trovões arrastando pesados móveis, enormes cômodos pelo céu. Há outros que trabalhar não é com eles e ficam resmungando, num desvão. Por fim atracam-se. As lâmpadas, lá-alto, queimam- se em sucessivos relâmpagos, enquanto o poeta descarrega os nervos. Até que tudo vaza e se extravasa sobre o desespero dos guarda-chuvas em fuga e a verde alegria das árvores. Mário Quintana Aula 29 – Poesia de 30 I 117 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM Questão 01 (Pucrs 2013) De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente Considere as afirmativas a seguir: I. O poema tematiza um efêmero processo de transformação amorosa no qual a união dos amantes se converte em separação e desamparo. II. O amante traduz o drama da finitude de uma paixão por intermédio da boca, das mãos, dos olhos. III. Elementos da natureza, como bruma, espuma, chama, vento, são utilizados como figuras de ênfase para representar o irremediável instante da desunião amorosa. A(s) afirmativa(s) correta(s) é/são a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. Questão 02 (Cefet MG 2013) POÉTICA (II) Com as lágrimas do tempo E a cal do meu dia Eu fiz o cimento Da minha poesia E na perspectiva Da vida futura Ergui em carne viva Sua arquitetura. Não sei bem se é casa Se é torre ou se é templo (Um templo sem Deus.) Mas é grande e clara Pertence ao seu tempo − Entrai, irmãos meus! Rio, 1960 Nesse poema, Vinícius de Moraes NÃO caracteriza sua poética como a) tradução da modernidade. b) busca de religiosidade. c) experiência do corpo. d) registro do cotidiano. e) espaço de encontro. Anotações 118 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) Soneto de contrição Eu te amo, Maria, eu te amo tanto Que o meu peito me dói como em doença E quanto mais me seja a dor intensa Mais cresce na minha alma teu encanto. Como a criança que vagueia o canto Ante o mistério da amplidão suspensa Meu coração é um vago de acalanto Berçando versos de saudade imensa. Não é maior o coração que a alma Nem melhor a presença que a saudade Só te amar é divino, e sentir calma... E é uma calma tão feita de humildade Que tão mais te soubesse pertencida Menos seria eterno em tua vida. Vinicius de Moraes Questão 03 A obra de Vinicius de Moraes, como a de outros autores da Geração de 30, mantém um diálogo constante com a toda a nossa tradição literária. Segundo o crítico Antônio Candido, “Vinicius de Moraes é um dos poucos poetas que conservaram no seio da modernidade toda a força da grande tradição lírica da Língua Portuguesa.” No poema acima, nota-se a presença de valores tradicionais na literatura brasileira, pois a) o poema apresenta um dualismo no que tange o sentimento amoroso, oscilando entre a atitude contemplativa e a urgência do amor físico. b) o eu lírico menospreza a mulher amada e seus encantos, valorizando mais a ideia do amor do que aquela que lhe desperta o sentimento. c) o sentimento amoroso é diminuído diante da saudade da mulher amada, conformando-se o eu lírico com a ausência do alvo de seu amor. d) o poema expressa uma concepção metafísica do sentimento amoroso, opondo à plenitude do amor o contato com o divino. e) eu lírico se vê possuído por um amor que não exige, que nega o sentimento de posse e que, por ser ideia, não corre o risco de morrer. Questão 04 Releia o trecho destacado: “E é uma calma tão feita de humildade Que tão mais te soubesse pertencida Menos seria eterno em tua vida.” Na estrofe acima, estabelece-se entre as orações uma relação semântica, respectivamente, de: a) Tempo e condição b) Consequência e Proporcionalidade c) Causa e consequência d) Condição e proporcionalidade e) Tempo e conformidade Questão 05 A BOMBA ATÔMICA (fragmento) A bomba atômica é triste Coisa mais triste não há Quando cai, cai sem vontade Vem caindo devagar Tão devagar vem caindo Que dá tempo a um passarinho De pousar nela e voar... Anotações SEMANA 29 - LITERATURA - POESIA de 30 I - STELLER Soneto de contrição
Compartilhar