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FEBRE REUMÁTICA

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1 CARDIOLOGIA / 8° PERÍODO/ 2023-3 
ANA LUÍZA ALVES PAIVA 
 
INTRODUÇÃO 
É uma doença autoimune, sistêmica, causada 
pelo Streptococcus β-hemolítico do grupo A. 
É a maior causa de doença cardíaca entre 
crianças e adultos jovens. 
Atinge preferencialmente crianças entre 5-15 
anos. 
Cardite é a forma mais temível da doença, devido 
à possibilidade de sequela crônica, 
FATORES DE RISCO 
Fatores ambientais e socioeconômicos: 
alimentação inadequada, aglomerados, 
carência de atendimento. 
Fatores genéticos: HLA-DR7 e HLA-DR53. 
Suscetibilidade à doença: 3-4% dos pacientes 
com faringoamigdalite estreptocócica podem 
desenvolver surto agudo de FR. 
FISIOPATOGENIA 
Infecção de orofaringe pelo Streptococcus β-
hemolítico do grupo A → reação autoimune 
celular e humoral exacerbada em indivíduos 
predispostos → anticorpos e linfócitos T 
reconhecem tecidos cardíaco e articular por 
mimetismo molecular (pela proteína M) → fixam à 
parede do endotélio valvar → há aumento da 
expressão de moléculas de adesão (VCAM I), 
quimiocinas, neutrófilos, etc → inflamação, 
destruição tecidual e necrose. 
Resposta celular mediada por linfócitos T (Th1) está 
mais relacionada a pacientes que desenvolvem a 
cardite grave. Já a resposta humoral (Th2), 
principalmente na fase inicial, causam 
principalmente poliartrite e coreia de Sydenham. 
**NÓDULOS DE ASCHOFF: são patognomônicos da 
febre reumática. Consistem em agregados de 
células semelhantes a macrófagos e monócitos, 
funcionando como células apresentadoras de 
antígenos para as células T. Uma apresentação 
continuada de antígeno leva à perpetuação da 
resposta imune. 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 
FARINGOAMIGDALITE 
Deve ser sempre bem tratada!! 
 Pode gerar mal-estar, vômitos, febre, hiperemia, 
edema de orofaringe, exsudato purulento, 
gânglios cervicais palpáveis, odinofagia, perda 
de apetite, etc. 
Latência entre amigdalite e febre reumática: 1-4 
semanas (alguns casos pode prolongar até 1 mês). 
DIAGNÓSTICO: cultura de orofaringe (padrão 
ouro), teste rápido (antígeno do EBGA), ASLO. 
ARTRITE 
Presente em 75% dos casos 
Dura cerca de 1 semana em cada articulação 
(cessa em 30 dias). 
Trata-se de uma artrite autolimitada; assimétrica e 
migratória; pode haver edema articular ou dor 
com limitação de movimento. 
Geralmente não gera sequelas. 
É a forma mais característica de apresentação da 
doença, acometendo cada articulação em um 
período de 1-5 dias. 
CARDITE 
Normalmente manifesta-se como uma 
pancardite, acometendo pericárdio, miocárdio e 
endocárdio. Pode ocorrer pericardite (associada 
à lesão valvar) ou tamponamento (raro). 
Manifestação mais grave e mais precoce (ocorre 
nas três primeiras semanas). 
FASE AGUDA: predominam os sopros de 
REGURGITAÇÃO (sistólicos) por insuficiência mitral. 
**Valvite decorre principalmente da dificuldade 
de coaptação (e não tanto de abertura). 
Febre Reumática 
 
ANA LUÍZA ALVES PAIVA / 8° PERÍODO / 2023-2 
 
2 CARDIOLOGIA / 8° PERÍODO/ 2023-3 
ANA LUÍZA ALVES PAIVA 
 
FASE CRÔNICA: ESTENOSES são mais tardias – 
sopros diastólicos. 
SE MIOCARDITE: abafamento de B1; presença de 
B3; cardiomegalia, ICC. 
ICC: por lesão valvar. FEVE geralmente 
preservada. 
SOPROS CARACTERÍSTICOS: 
SOPRO HOLOSSISTÓLICO = insuficiência mitral 
SOPRO DIASTÓLICO = insuficiência aórtica 
SOPRO DE CALEY COOMBS = sopro de estenose 
mitral funcional (transitório) devido edema dos 
folhetos valvares → desaparece após tratamento 
adequado (corticoides). 
Ausência de sopro não afasta possibilidade de 
comprometimento cardíaco!! 
VALVAS MAIS ACOMETIDAS: mitral → mitral + 
aórtica → aórtica isolada. Raramente valvas 
tricúspides e pulmonares serão acometidas. 
CARDITE SUBCLÍNICA: pacientes com artrite 
isolada ou coreia pura sem ausculta de lesão 
valvar e com padrão patológico de regurgitação 
ao ecocardiograma. Exame cardiovascular 
normal; RX e ECG normais. Pode ter insuficiência 
mitral ou insuficiência aórtica leves. 
CARDITE RECORRENTE: novo sopro ou aumento da 
intensidade de outros pré-existentes; atrito ou 
derrame pericárdico; aumento da área cardíaca 
ou IC e evidência de infecção por estreptococos. 
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À INTENSIDADE: 
CARDITE LEVE: taquicardia desproporcional à 
febre; abafamento de B1; sopro sistólico mitral; RX 
de tórax normal; ECG normal (↑ PRi ou QT); 
insuficiência mitral e/ou insuficiência aórtica 
leves/moderadas; VE de tamanho normal. 
CARDITE MODERADA: taquicardia persistente; 
sopro de insuficiência mitral mais intenso, sem 
frêmito, associado ou não ao sopro diastólico 
aórtico ou sopro de Carey Coombs; sinais de IC; 
ao ECG – extrassistolia, alterações do segmento ST, 
↑ PR e QT; ao ecocardiograma – insuficiência 
mitral moderada ou associada à insuficiência 
aórtica leve à moderada e aumento das câmaras 
esquerdas. 
CARDITE GRAVE: sinais de cardite moderada e 
sinais e sintomas de IC; arrtimias; pericardite; IM ou 
IAO em graus mais importantes; ao RX, 
cardiomegalia e congestão pulmonar 
significativas; ao ECG, sobrecarga de VE; ao 
ecocardiograma, IM e/ou IAO moderada/grave e 
aumento das câmaras esquerdas. 
**Na cardite reumática, a gravidade da disfunção 
do ventrículo esquerdo parece estar 
correlacionada à extensão da vasculite, e não à 
lesão miocárdica. 
COREIA DE SYDENHAM 
Rara após 20 anos. 
Possui início insidioso. 
Geralmente é uma manifestação tardia, iniciando 
cerca de 7 meses após a infecção. 
Possui duração média de 2-3 meses, podendo 
persistir por até mais de 1 ano. 
Acomete preferencialmente meninas. 
Consiste em movimentos rápidos, involuntários e 
incoordenadas. 
 Pode acontecer de forma isolada ou associada à 
cardite. 
Desaparece durante o sono e acentua-se com 
estresse e esforço. 
**Não precisa ser confirmada com exame de 
imagem!! 
ERITEMA MARGINATUM 
Raro. 
Aparece normalmente no início da doença. 
Possui bordas nítidas, centro claro, contornos 
arredondados ou irregulares. 
São múltiplos, indolores, não pruriginosos e se 
fundem (serpiginosos). 
Podem aparecer em tronco, abdome, face 
interna de MMSS e MMII. 
São fugazes e mudam de forma. 
Estão normalmente associadas à cardite. 
 
3 CARDIOLOGIA / 8° PERÍODO/ 2023-3 
ANA LUÍZA ALVES PAIVA 
 
NÓDULOS SUBCUTÂNEOS 
São mais raros. 
Normalmente são múltiplos, arredondados e 
possuem tamanhos variados. 
São firmes, móveis, indolores, não inflamatórios. 
Tardios e regridem com tratamento da cardite. 
Há necrose fibroide com proliferação de histiócitos 
e fibroblastos. 
ARTRALGIA 
Acomete normalmente as grandes articulações e 
não estão associadas à incapacidade funcional. 
São poliarticulares e assimétricas. 
Costumam estar associadas à cardite. 
Joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos são as 
articulações mais frequentemente acometidas 
(predileção por GRANDES articulações). 
Dura 2-4 semanas, melhorando 
espontaneamente. 
**Presença de artrite como critério maior NÃO 
permite incluir artralgia como menor!! 
FEBRE 
Normalmente ocorre no início do surto e em quase 
todos os surtos de artrite. 
Se coreia pura → afebril. 
Se cardite sem artrite → febre baixa. 
INTERVALO PR 
Pode estar aumentado na FR mesmo sem cardite 
(em criança > 0,18s e em adultos > 0,20s). 
DIAGNÓSTICO 
É clínico e realizado através de alguns critérios 
específicos. 
1° SURTO DE FEBRE 
REUMÁTICA 
2 critérios maiores OU 
1 maior + 2 menores 
RECIDIVA DE FEBRE 
REUMÁTICA (FR 
RECORRENTE) 
2 critérios maiores OU 
1 maior + 2 menores OU 
3 menores. 
 
CRITÉRIOS DE JONES 
CRITÉRIOS MAIORES CRITÉRIOS MENORES 
Cardite Febre 
Artrite Artralgia 
Coreia de Sydenham Elevação dos reagentes de fase 
aguda (VHS, PCR) 
Eritema marginado Intervalo PR prolongado no 
ECG 
Nódulos subcutâneos 
 
CRITÉRIOS DE JONES MODIFICADO – REVISÃO 2015 
 POPULAÇÕES 
DE BAIXO 
RISCO 
(incidência de FR 
inferior a 2/100 
000 escolares 
(5-14 anos) por 
ano ou 
prevalênciade 
CRC ≤ 1/1000 
por ano) 
POPULAÇÕES 
DE ALTO RISCO 
(níveis 
superiores aos 
da população de 
baixo risco) 
 
 
 
 
 
 
CRITÉRIOS 
MAIORES 
Cardite clínica 
ou subclínica 
Cardite clínica 
ou subclínica 
Artrite 
(poliartrite 
somente) 
Artrite 
(poliartrite, 
poliartralgia 
e/ou 
monoartrite) 
Coreia de 
Sydenham 
Coreia de 
Sydenham 
Eritema 
marginado 
Eritema 
marginado 
Nódulo 
subcutâneo 
Nódulo 
subcutâneo 
 
 
 
CRITÉRIOS 
MENORES 
Poliartralgia Monoartralgia 
Febre ≥ 38,5°C Febre ≥ 38°C 
Elevação de VHS 
(≥ 60) e/ou PCR 
≥ 3 
Elevação de VHS 
(≥ 60) e/ou PCR 
≥ 3 
Intervalo PR 
prolongado no 
ECG 
Intervalo PR 
prolongado no 
ECG 
 
ATENÇÃO! 
Deve ser comprovada a infecção prévia pelo EBHGA por 
meio de cultura de orofaringe, teste rápido para EBGA 
ou elevação dos títulos de anticorpos (ASLO). 
Nos critérios de Jones modificados o ecocardiograma se 
tornou essencial para todos os pacientes com FR para 
detectar cardite subclínica, que consiste em alterações 
que são diagnosticadas apenas ao ecocardiograma. 
 
 
4 CARDIOLOGIA / 8° PERÍODO/ 2023-3 
ANA LUÍZA ALVES PAIVA 
 
EXAMES COMPLEMENTARES 
REAGENTES DE FASE AGUDA 
São úteis para monitorar a presença da doença e 
sua remissão. 
VHS: eleva-se nas primeiras semanas. 
PCR: aumenta no início da fase aguda e reduz no 
final da segunda ou terceira semana (mais 
fidefigna). 
ALFA-1-GLICOPROTEÍNA ÁCIDA: títulos elevados 
na fase aguda. Elevada por tempo prolongado 
(importante para avaliar atividade da febre 
reumática). 
ELETROFORESE DE PROTEÍNA: alfa-2-globulina 
eleva-se precocemente na fase aguda. Útil para 
seguimento da febre reumática assim como a 
alfa-1-glicoproteína. 
RADIOGRAFIA DE TÓRAX: avalia cardiomegalia e 
sinais de congestão pulmonar (cefalização de 
fluxo, linhas B de Kerley). 
ECG: avalia taquicardia sinusal, distúrbios de 
condução, alterações do ST, baixa voltagem (↓ da 
amplitude) do QRS e onda T. 
ECOCARDIOGRAMA: importante para avaliação 
de todo paciente. 
FASE AGUDA: insuficiência mitral (dilatação 
ventricular, dilatação anel mitral e prolapso 
mitral). Raramente, pode acontecer ruptura de 
cordoalha. Vale ressaltar que a função do VE e 
FEVE permanecem normal.. 
Características de acometimento reumático ao 
ecocardiograma: geralmente o folheto mitral 
começa a ser acometido da ponta para 
extremidades – folheto com hiperrefringência nas 
pontas; aspecto em dome (folheto ao invés de 
abrir “reto”, abre com as pontas curvadas). 
Resumidamente, ponta fica branca e curva. 
Na 1ª imagem a ponta do folheto apresenta-se 
branca e curva, mas ainda há uma boa abertura. 
Na 2º imagem, observa-se, em azul, o refluxo mitral 
– a válvula fechou, mas não houve uma boa 
coaptação, gerando o refluxo no átrio esquerdo 
 
DESCRIÇÃO NO ECO: observa-se espessamento na 
ponta dos folhetos – aspecto compatível com 
acometimento reumático. Folheto com abertura 
em dome. 
 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
ARTRITE: causas infecciosas, como rubéola, 
caxumba e hepatite; causas bacterianas, como 
gonococo, meningococo; anemia falciforme; LES; 
AIJ; etc. 
CARDITE: causas virais; AIJ; LES; prolapso de valva 
mitral. 
COREIA: encefalite viral; LES. 
NÓDULOS SUBCUTÂNEOS: LES; AIJ; nódulos 
subcutâneos benignos. 
ERITEMA MARGINADO: septicemias; reações a 
drogas; doenças reumáticas; etc. 
TRATAMENTO 
MEDIDAS GERAIS 
HOSPITALIZAÇÃO: se cardite moderada a grave; 
artrite incapacitante e coreia grave. 
Repouso relativo por 2 semanas 
controle da temperatura 
Erradicação do estreptococo (reduzir exposição 
antigênica – profilaxia primária). 
**É importante monitorar a resposta terapêutica 
do paciente, através de exames de prova 
 
5 CARDIOLOGIA / 8° PERÍODO/ 2023-3 
ANA LUÍZA ALVES PAIVA 
 
inflamatória, desaparecimento da febre e das 
principais manifestações clínicas. 
Se cardite, ECO, RX e ECG após 4 semanas. 
TRATAMENTO DA ARTRITE 
AAS: primeira escolha. Em adultos, 6-8 g/dia; 
crianças 80-100 mg/kg/dia (dividir em 04 
tomadas). 
NAPROXENO: 10-20 mg/kg/dia, em duas tomadas. 
Se artrite reativa: indometacina. 
ACETAMINOFENO E CODEÍNA: quadros articulares 
sem diagnóstico definido. 
TRATAMENTO DA CARDITE 
CARDITE LEVE: não usar anti-inflamatório ou usar 
AINE (AAS) ou usar corticoide oral com dose e 
duração menores (4-8 semanas). 
CARDITE MODERADA À GRAVE: corticoide 12 
semanas. 
Prednisona VO 1-2 mg/kg/dia ou equivalente via 
EV. Dose máxima: 80 mg/dia. 
**Se cardite reumática grave, refratária ao 
tratamento inicial ou se cirurgia de emergência: 
pulsoterapia com metilprednisolona EV. 
CONTROLE DA IC → CARDITE LEVE À MODERADA: 
podem ser usados diuréticos e o paciente pode 
ser orientado a realizar restrição hídrica. Exemplos 
de medicamentos incluem furosemida 1-6 
mg/kg/dia e espironolactona 1-3 mg/kg/dia. IECA 
e digoxina também podem ser utilizados nestes 
casos. 
CIRURGIA CARDÍACA 
Indicada em cardite refratária; lesão valvar grave 
(ruptura de cordas tendíneas ou perfuração de 
tricúspides). 
TRATAMENTO DA COREIA 
SE LEVE À MODERADA: repouso; ambiente calmo; 
evitar estímulos externos. 
Benzodiazepínicos ou fenobarbital podem ser 
utilizados nestes pacientes. 
SE COREIA GRAVE: haldol (1 mg/dia, duas 
tomadas, aumenta 0,5 mg a cada 3 dias) ou 
ácido valproico ou carbamazepina. 
PROFILAXIA 
PRIMÁRIA: reconhecimento e tratamento das 
infecções estreptocócicas para prevenção do 
primeiro surto. 
SECUNDÁRIA: antibiótico contínuo ao portador de 
febre reumática ou cardiopatia reumática 
comprovada, 
✓ FR SEM CARDITE PRÉVIA: até 21 anos ou 5 anos 
após o último surto, valendo o que cobrir o maior 
período. 
✓ FR COM CARDITE PRÉVIA, INSUFICIÊNCIA MITRAL 
LEVE RESIDUAL OU RESOLUÇÃO DA LESÃO VALVAR: 
até 25 anos ou 10 anos após o último surto, 
valendo o que cobrir maior período. 
✓ LESÃO VALVAR RESIDUAL MODERADA À SEVERA: 
até os 40 anos ou por toda a vida. 
✓ APÓS CIRURGIA VALVAR: por toda a vida.

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