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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde Jorge Enrique Mendoza Salcedo Construção de simulador para o ensino e a avaliação da oftalmoscopia direta Mestrado Profissional em Educação nas Profissões da Saúde Sorocaba/SP 2017 Jorge Enrique Mendoza Salcedo Construção de simulador para o ensino e avaliação da oftalmoscopia direta Trabalho Final apresentado à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre Profissional em Educação nas Profissões da Saúde, sob a orientação do Prof. Dr. Ronaldo D’Avila Sorocaba/SP 2017 Elaborado por Antonio Pedro de Melo Maricato CRB-8/6922 Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde PUC-SP Salcedo, Jorge Enrique Mendoza S161 Construção de simulador para o ensino e avaliação da oftalmoscopia direta / Jorge Enrique Mendoza Salcedo. -- Sorocaba, SP, 2017. Orientador: Ronaldo D’Avila. Trabalho Final (Mestrado Profissional) -- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde. 1. Treinamento por Simulação. 2. Oftalmoscopia. 3. Oftalmologia. 4. Educação Médica. I. D’Avila, Ronaldo. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde. III. Título. Banca Examinadora _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ RESUMO Salcedo, JEM. Construção de simulador para o ensino e avaliação da oftalmoscopia direta Introdução: A fundoscopia constitui parte do exame físico e possui papel importante no diagnóstico e no prognóstico de diversas patologias. O ensino e o aprendizado da técnica, entretanto, podem ser mais difíceis, caso apenas pacientes sejam utilizados para aquele fim. Objetivo: Criar um simulador de fundo de olho, que seja acessível e cuja fabricação seja simples, a fim de auxiliar no ensino da técnica de fundoscopia direta. Material e Métodos: Após testar diversos materiais, construiu-se um modelo de olho humano por meio de utensílios acessíveis pela internet: uma bola de plástico (pokebola), um monóculo para transparência e um vinil adesivo transparente para impressora jato de tinta. Resultado: Criou-se um modelo de olho de baixo custo, que pode ser utilizado no ensino e no treinamento da técnica de fundoscopia. O modelo foi testado durante aula teórico-prática apresentada a 10 médicos, os quais aprovaram o modelo. Conclusão: Utilizando materiais simples e de fácil acesso, é possível construir modelos que auxiliam no processo de aprendizagem da técnica da fundoscopia direta. Palavras Chave: simuladores em oftalmologia, educação médica, fundoscopia direta ABSTRACT Salcedo, JEM. Simulator construction for the teaching and evaluation of direct ophthalmoscopy Introduction: The fundoscopy is part of the physical examination, being important in the diagnosis and prognosis of various pathologies. The teaching and learning of this technique, however, may become difficult if only patients are used for this purpose. Objective: Create a medical simulator of easy access and manufacture, to aid teaching the technique of direct fundoscopy. Materials and Methods: After testing several materials, we constructed an eye model using materials easily available on the internet. Plastic ball (pokeball); a slide transparency viewer; an inkjet printable transparency film. Result: We constructed a low-cost eye model, which can be used for teaching and training fundoscopy techniques. The model was tested during theoretical-practical classes to 10 physicians, who approved the model. Conclusion: Using simple and easy access materials, it is possible to construct models that help in the learning process of direct fundoscopy technique. Key words: eye simulator, medical education, direct fundoscopy. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Sra. Chase. Primeiro simulador de manobras médicas ......................................................... 11 Figura 2. Resusci Anne com dispositivo de feedback para avaliação das manobras de RCP ............... 11 Figura 3. Eyesi Direct (VR Magic) ....................................................................................................... 13 Figura 4. EYE Examination Simulator (kyoto Kagaku) ....................................................................... 13 Figura 5. Ophtho Sim ............................................................................................................................ 14 Figura 6. Anatomia do Globo Ocular .................................................................................................... 15 Figura 7. Oftalmoscópio de Helmholtz ................................................................................................. 17 Figura 8. Esquema de oftalmoscópio direto .......................................................................................... 18 Figura 9. Oftalmoscópio Direto ............................................................................................................ 19 Figura 10. Comparação das imagens de retina observadas na oftamosopia direta (A) e de campo amplo. (PanOptic ®)( B) ....................................................................................................................... 20 Figura 11. Oftalmoscopia Indireta ........................................................................................................ 21 Figura 12. Pokebola dividida ao meio junto de bola de ping-pong ....................................................... 32 Figura 13. Bola de plástico com furo simulando a posição da córnea .................................................. 32 Figura 14. Protótipo usando lente de contato rígida e lente intraocular, sendo esta colocada em redutor de pressão de agua que simula a íris, com diferentes tamanhos de pupila ............................................ 33 Figura 15. Modelo usando lente de micro câmera de 16 mm arruela para fixação que também simulava a íris ....................................................................................................................................................... 34 Figura 16. Visor monocular com extremidade cortada. ........................................................................ 35 Figura 17. Monóculo cortado e com simulador de íris posicionado ..................................................... 35 Figura 18. Modelo de retina usando impressão em vinil adesivo e, como molde, puxador de porta de armário .................................................................................................................................................. 36 Figura 19. Modelo de olho pronto montado em cabeça de manequim e máscara de plástico .............. 36 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ............................................................................................ 9 1.1. O uso de simuladores no processo de aprendizagem ................................................... 9 2.2 Anatomia do bulbo ocular ............................................................................................... 14 3 O PROCESSO VISUAL ..................................................................................................... 15 4 O EXAME DO FUNDO DE OLHO.................................................................................. 17 4.1 Oftalmoscopia direta ....................................................................................................... 17 4.2 Oftalmoscopia Indireta ................................................................................................... 20 5 ENSINO DA OFTALMOSCOPIA .................................................................................... 23 6 A IMPORTÂNCIA DA OFTALMOSCOPIA DIRETA .................................................. 25 7 ASPECTOS TEÓRICOS INERENTES AO DESENVOLVIMENTO DO SIMULADOR DE FUNDOSCOPIA .............................................................................................................. 27 7.1 Anatomia e fisiologia ocular ........................................................................................... 27 7.2 Óptica aplicada ao olho humano ..................................................................................... 27 8 OBJETIVO .......................................................................................................................... 29 9 MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 31 10 Resultados .......................................................................................................................... 39 11 DISCUSSÃO ...................................................................................................................... 41 12 CONCLUSÕES .................................................................................................................. 43 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 45 7 1 INTRODUÇÃO Novos conceitos éticos na sociedade e na Medicina exigem um conhecimento profundo antes da prática médica direta com os pacientes. A doutrina de “aprender fazendo”, expressada no aforismo See one, do one, teach one, criada por HALSTED, no início do século XX, quando ele concebeu o primeiro modelo de residência médica de cirurgia do mundo, não é mais totalmente aceita1. Para que tal sentença seja considerada válida, precisa ser atualizada para “veja muitos, treine muitos, faça muitos com supervisão e, finalmente, ensine muitos”2. A fim de aplicar esse conceito, novos métodos de aprendizagem, que substituem os seres humanos e os animais, têm sido desenvolvidos. Entre eles, merece destaque a metodologia de treinamento prévio com simuladores, uma forma de assegurar que os estudantes tenham oportunidades de aprendizagem, e, ainda, auxiliar na avaliação deles3. Nesse contexto, em um artigo de 1999, Remmen et alii4 afirmam que os cursos tradicionais de Medicina oferecem, aos estudantes, menos chances de desenvolver habilidades, quando comparados aos que oferecem novas formas de ensino, por exemplo, utilizando laboratórios de habilidades. Na opinião dos autores, o treinamento em laboratórios de simulação eleva o número de performances desenvolvidas e facilita a aquisição de habilidades5. Os simuladores vêm sendo amplamente usados no ensino médico e, seu uso no treinamento de habilidades e competências médicas, mais difundido. Na oftalmoscopia, em particular, existem simuladores de fundo de olho que servem como ferramentas de ensino no aprendizado da técnica. Entretanto o alto custo dos modelos, a dificuldade ao acesso direto dos estudantes e a impossibilidade de mudar os modelos de retina examinados consistem em fatores que limitam o seu uso no processo de ensino e aprendizagem. O exame de fundo de olho integra-se ao exame físico geral do paciente, por isso, deveria ser compreendido e realizado por todos os médicos. Um cuidadoso exame da retina pode auxiliar e, em alguns casos, ser determinante no diagnóstico e no prognóstico de diversas patologias, algumas relacionadas ao estado geral do paciente, outras, aos problemas do próprio fundo ocular. A retina constitui o único lugar do organismo em que se pode observar, sem maior preparo do paciente, a vasculatura in vivo, tornando o seu exame um importante aliado na avaliação de vasculopatias de qualquer origem, como na hipertensão arterial sistêmica e na diabetes mellitus. A observação cuidadosa das células nervosas presentes na retina, tais como as células ganglionares, auxilia na avaliação de diversas patologias do sistema nervoso, como acontece na 8 Síndrome de TORCH. As mudanças no aspecto do nervo óptico podem ter diversos motivos, tais como o aumento da pressão intracraniana, a compressão do nervo óptico, aumento da pressão intraocular, como no glaucoma, entre outras razões. Por isso, a oftalmoscopia direta deve ser de interesse de qualquer médico, não só do especialista. No entanto o ensino e o aprendizado da técnica podem tornar-se difíceis, caso sejam usados somente pacientes para esse fim. O desenvolvimento de modelos de simulação de fundoscopia, é, portanto, importante para facilitar o treinamento. Nesse contexto, o presente trabalho, descreve os passos envolvidos no desenvolvimento e na construção de um simulador de fundo de olho de baixo custo. 9 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS 1.1.O uso de simuladores no processo de aprendizagem O ensino médico consiste em uma tarefa complexa e dinâmica, que evolui conforme as mudanças ocorrem na sociedade. Novos paradigmas éticos, novas tecnologias, mudanças nos valores da sociedade e do indivíduo exigem uma profunda reflexão por parte das escolas médicas do mundo. No Brasil, o antigo currículo básico foi substituído, primeiramente, em 20016 e, depois, em 20147, por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do Curso de Graduação em Medicina. Outras normas, tais como o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares das Escolas Médicas PROMED8, o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde PRÓ-SAÚDE9 e o Programa de Educação para o Trabalho em Saúde PET-SAÚDE10, tratam também de mudanças no ensino médico. De acordo com as regulamentações atuais, o ensino durante o curso de graduação deve propiciar a capacidade de observar, escutar e pensar, centralizando o aprendizado no próprio aluno e possibilitando a participação ativa do estudante na busca de soluções para problemas (aprendizado baseado em problemas). Essa busca de soluçoes não deve limitarse ao conhecimento teórico mas também ao treinamento pratico, sendo que a experiência é a fonte mais rica para a aprendizagem de adultos. Assim, o uso de metodologias ativas, que valorizam a experiência, dentre as quais, a simulação, tornam-se importantes ferramentas de ensino. Nesse contexto, as (DCNs) do Curso de Graduação em Medicina, ao tratar dos objetivos da Educação em Saúde (Seção III Art. 7º), definem o papel da simulação como ferramenta de ensino médico da seguinte forma: “aprender em situações e ambientes protegidos e controlados, ou em simulações da realidade, identificando e avaliando o erro, como insumo da aprendizagem profissional e organizacional e como suporte pedagógico”. Ziv et alii.11 definem a simulação como uma “técnica em que se utiliza um simulador”, considerando-se simulador como um “objeto ou representação parcial ou total de uma tarefa a ser replicada.” Nesse panorama, como estratégia de ensino, a simulação segue determinados parâmetros, como explica Pazim12: A simulação é uma técnica pedagógica, que se fundamenta nos principios do ensino baseado em tarefas (EBT) utilizando a reprodução parcial ou total destas tarefas em um modelo artificial, conceituado como simulador. 10 A definição da simulação como uma representação de tarefa a ser replicada, implica que o aluno interaja com dois aspectos importantes necessários a simulação: O ensino baseado em tarefas (EBT) e sua relação como simulador propriamente dito. O ensino baseado em tarefas (EBT) é um método no qual o aluno é confrontado com um problema e sequencialmente submetido a um processo de busca de subsídios para sua resolução. A técnica procura resgatar os conhecimentos prévios do aluno expondo uma situação prática onde exercerá papel ativo na aquisição de conceitos necessários para a compreensão e resolução do problema. Dessa forma, o uso de simuladores, geralmente, reserva-se a situações nas quais o objetivo é desenvolver habilidades psicomotoras ou, treinar a tomada de decisões rápidas focando o ensino nas habilidades técnicas, por meio da repetição exaustiva do processo a apreender. O contexto no qual surgiram os simuladores — réplicas de objetos ou situações criadas para o ensino e a aprendizagem de determinadas tarefas — não se pode precisar com exatidão, porém existem evidências históricas de seu uso em treinamentos militares que remontam ao Império Romano, como espadas de madeira recobertas com couro, que possuem mais de dois mil anos13. Mais recentemente, na década de 1930, as companhias de aviação adotaram um simulador de voo conhecido como Link Trainer, como parte fundamental do treinamento dos pilotos até hoje14. No panorama dos simuladores médicos, foram as fábricas de brinquedos que iniciaram o desenvolvimento dos primeiros simuladores. Assim, em 1911, no Hospital Hartford, em Rhode Island (EUA), uma boneca de tamanho natural, chamada de Sra. Chase (figura. 1), em homenagem a sua criadora, foi usada para treinar manobras de enfermagem e transporte de pacientes, permitindo alguns procedimentos como, por exemplo, a aplicação de injeções15. 11 Figura 1. Sra. Chase. Primeiro simulador de manobras médicas Fonte: http://oldfoolrn.blogspot.com.br/2015/04/mrs-chase-proxy-patient-for-practicing.html. Acessado em: 10/12/17. Em 1960, outra empresa de brinquedos, a companhia Laerdal, da Noruega, desenvolveu o primeiro simulador amplamente aceito em treinamentos médicos, o manequim Resusci Anne, mostrado na figura 2, o qual permitia realizar manobras de ressuscitação cardiopulmonar, tais como a respiração boca a boca e a massagem cardíaca16. Atualmente, manequins mais modernos, acoplados a computadores, possibilitam desenvolver várias habilidades de maneira bastante realista. Figura 2. Resusci Anne com dispositivo de feedback para avaliação das manobras de RCP Fonte: http://www.laerdal.com/br/ResusciAnne. Acessado em: 10/12/17. Na pesquisa bibliográfica realizada encontraram-se registros do uso de simuladores nas escolas medicas brasileiras no final dos anos 197017. Na década de 1980, utilizavam-se http://oldfoolrn.blogspot.com.br/2015/04/mrs-chase-proxy-patient-for-practicing.html http://www.laerdal.com/br/ResusciAnne 12 manequins para ensinar habilidades ligadas à entubação traqueal e a manobras de reanimação cardiopulmonar17. O desenvolvimento de novas tecnologias e novos materiais tem permitido a fabricação de simuladores com maior precisão em seu realismo, especialmente, desde a criação da interface gráfica chamada The Sketchpad, na década de 1960, construída por Ivan Sutherland, até a computação gráfica atual que permite desenvolver ambientes de realidade virtual, bem como objetos tridimensionais18. As impressoras 3D e o uso de polímeros possibilitam construir novos recursos de simulação, principalmente, na área médica. Nesse campo, o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), de Campinas (SP), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), vem criando modelos médicos personalizados que podem ser usados para melhorar o planejamento de cirurgias19. Outras empresas brasileiras, como a BioArchitectis, no interior paulista, constroem modelos anatômicos a partir de exames de ressonância magnética ou de tomografia; além dela, a Gphantom, empresa que desenvolve simuladores médicos, de Ribeirão Preto, criou modelos de treinamento para o exame de ultrassom. Em Pernambuco, a empresa Pro delphus tem desenvolvido modelos anatômicos para treinamento cirúrgico em diversas especialidades20. Na área da neurocirurgia, o simulador pediátrico para prática neuroendoscópica, desenvolvido no Brasil , foi premiado pela Federação Mundial de Sociedades de Neurocirurgia, em 201521. Atualmente, apesar de não ter encontrado dados na pesquisa bibliográfica sobre o assunto, é provável que a maior parte das faculdades de Medicina do Brasil possuam vários equipamentos para desenvolver cursos baseados em simulação. Na área oftalmológica, sempre foi comum o uso de olhos de animais para treinamento de habilidades cirúrgicas22. Atualmente, no entanto, encontram-se simuladores para treinar cirurgias, como a facoemulsificação (Simulador Eyesi Surgical) para cirurgia de catarata, além de réplicas do olho humano, a fim de auxiliar o ensino da anatomia, existem simuladores voltados ao ensino de habilidades diagnósticas (fundoscopia, por exemplo), como o Eyesi Direct VR Magic simulator (Figura 3), o EYE examination simulator (Kyotu Kagaku) (Figura. 4) e o OphthoSim examination simulator-Kyiotu Kagaku (Figura 5). .. 13 Figura 3. Eyesi Direct (VR Magic) Fonte https://www.vrmagic.com/. Acessado em: Figura 4. EYE Examination Simulator (kyoto Kagaku) Fonte: https://kyotokagaku.com/products/index.htm. Acessado em: https://www.vrmagic.com/ https://kyotokagaku.com/products/index.htm 14 Figura 5. Ophtho Sim Fonte: http://otosim.com/ophthosim. Acessado em: 10/12/17. Apesar das vantagens apresentadas, o uso de modelos no ensino de habilidades médicas ainda possui obstáculos, tais como o custo dos simuladores, a dificuldade de criar modelos semelhantes à realidade, a ausência de sensações como toque, cor, profundidade e odor, a falta de acesso das instituições aos modelos e as limitações no desenvolvimento da confiança a ser gerada no aluno. Além do ensino a simulação pode ser aplicada na avaliação do aprendizado, Miller23 e Vozenilek et alii24, observam que os simuladores podem ter, como porta de entrada ao mundo acadêmico, justamente, as avaliações. Nesse panorama, a simulação proporciona um contexto objetivo, reprodutível e estandardizado para avaliar os alunos, quer em sua dimensão formativa, que inclui as avaliações e o retorno, quer na somativa, utilizando exames objetivos e estruturados3. 2.2 Anatomia do bulbo ocular O olho (globo ocular), como visto na figura 6, encontra-se dentro de uma caixa óssea protetora, a órbita, e se compõe, basicamente, de uma câmara escura, um sistema de lentes para focalizar a imagem, uma camada de células receptoras sensoriais e um sistema de células para iniciar o processamento dos estímulos e enviá-los ao córtex cerebral. Além disso, o olho possui três compartimentos: a câmara anterior, localizada entre a íris e a córnea; a câmara posterior, entre a íris e o cristalino, e o espaço vítreo, localizado atrás do cristalino e circundado pela http://otosim.com/ophthosim 15 retina. No espaço da câmara anterior e posterior, existe um líquido transparente, o humor aquoso; no espaço vítreo, uma substância viscosa e gelatinosa, o corpo vítreo. Figura 6. Anatomia do Globo Ocular Fonte: Anatomia do olho humano. Ilustração: BlueRingMedia / Shutterstock.com [adaptado]. 3 O PROCESSO VISUAL No processo visual, a luz atravessa as diversas camadas da retina para atingir os cones e os bastonetes. Acredita-se que ela gera a descoloração dos pigmentos visuais, originando potenciais de membrana transmitidos pelo nervo óptico até o local de percepção visual do cérebro. O pigmento visual, inicialmente descorado, restaura-se, podendo iniciar o processo novamente. Em humanos, os cones apresentam três pigmentos distintos, a base química para a teoria tricolor da visão em cores. A presençade muitas mitocôndrias, ao redor da porção fotossensitiva dos cones e dos bastonetes, sugere que o processo consome muita energia. Além disso, na camada das células fotossensitivas, a vascularização praticamente não existe, o que explica o predomínio do metabolismo glicolítico na retina. 16 A fóvea consiste na região da retina localizada no eixo óptico, onde ocorre maior nitidez da visão. Nela, a luz atinge as células receptoras diretamente, sem ter que passar pelas outras camadas da retina, contribuindo, portanto, com a nitidez da imagem formada. No processo visual, a informação recebida é selecionada e agrupada, durante o seu trajeto pelas células da própria retina (células bipolares e ganglionares), as quais codificam e integram os dados fornecidos pelos fotorreceptores, encaminhando-os ao córtex cerebral, o que explica o fato de existirem, aproximadamente, 126 milhões de receptores. No entanto o nervo óptico só possui em torno de um milhão de fibras. 17 4 O EXAME DO FUNDO DE OLHO O exame de fundo de olho (fundoscopia ou oftalmoscopia) permite a visualização das estruturas da retina e do espaço vítreo. Existem dois tipos de oftalmoscopia, a direta e a indireta, apresentadas a seguir. 4.1 Oftalmoscopia direta A Oftalmoscopia Direta foi descrita, pela primeira vez, em 1850, por Hermann Von Helmholtz, inventor do primeiro oftalmoscópio (Figura 7). Figura 7. Oftalmoscópio de Helmholtz Fonte: http://www.museumofvision.org/collection/artifacts?accession=1985.000.00152. Acessado em: O princípio óptico consiste na iluminação e na observação da retina por meio do orifício pupilar, assim, a iluminação fornecida pelo oftalmoscópio deve estar totalmente alinhada à linha de visão, a fim de garantir a visibilidade da retina. O alinhamento da fonte luminosa com a linha de visão do observador é, portanto, fundamental para o correto funcionamento do oftalmoscópio. Desse modo, o direcionamento da luz pode ser feito por meio de um espelho, um prisma ou um divisor de feixe. Na maioria dos oftalmoscópios diretos, a metade inferior da pupila é iluminada por reflexão de um espelho ou prisma, enquanto a metade superior da pupila é utilizada para observar a retina (figura 8). http://www.museumofvision.org/collection/artifacts?accession=1985.000.00152 18 Figura 8. Esquema de oftalmoscópio direto Fonte: Comm Eye Health Vol. 29 No. 93 2016 pp 17. Published online 01 July 2016. Acessado em: A oftalmoscopia direta proporciona uma magnificação de, aproximadamente, 15 vezes, que corresponde a um poder dióptrico de aproximadamente 60 dioptrias de um olho emétrope, o campo de visão é restrito à faixa entre 5 e 10 graus, o que o desabilita a avaliar a periferia da retina. O oftalmoscópio moderno (figura 9) compõe-se de uma fonte de luz com filtros de diferentes cores, geralmente, três, de diâmetros de luz distintos e de um sistema de focagem que compensa o possível vício de refração do examinador e do paciente. 19 Figura 9. Oftalmoscópio Direto Fonte: https://www.efe.com.br/produtos/oftalmoscopio-direto-k-180. Acessado em: 10/12/17. Em certos casos, embora não seja sempre necessária, faz-se a dilatação da pupila, a qual impõe que a observação do fundo de olho seja realizada no intervalo de 15 a 20 minutos, após a administração de um fármaco midriático. No procedimento, o paciente fica sentado em um ambiente com pouca luminosidade para evitar que ocorra a constrição pupilar ou miose. Há uma variação da oftalmoscopia direta, denominada oftalmoscopia de campo amplo (PanoOptic®). Ela permite um campo de observação de 25 graus, em quanto que na oftalmoscopia convencional, esse campo é restringido a 10 graus. A amplificação é, aproximadamente, 25% maior que na oftalmoscopia convencional. Na figura 10, observamos uma comparação entre o campo visual oferecido pelo oftalmoscópio direto e o PanOptic®. https://www.efe.com.br/produtos/oftalmoscopio-direto-k-180 20 Figura 10. Comparação das imagens de retina observadas na oftamosopia direta (A) e de campo amplo. (PanOptic ®)( B) Fonte: https://www.welchallyn.com. Acessado em: 4.2 Oftalmoscopia Indireta Realiza-se por meio do oftalmoscópio binocular indireto, o qual possui, como vantagens, uma fonte luminosa mais intensa, o exame de grandes áreas da retina (aproximadamente 50°), a visão estereoscópica, além da avaliação da periferia da retina. Como desvantagem, a imagem observada se apresenta invertida e não há grande amplificação, o que prejudica a percepção dos detalhes, a qual se restringe a, aproximadamente, 3,5 vezes. Na figura 11, observamos como se realiza o exame da oftalmoscopia indireta O paciente deve estar com a pupila dilatada por meio de um fármaco midriático e encontrar-se sentado, com as costas inclinadas para trás, em ângulo de, aproximadamente, 45°. https://www.welchallyn.com/ 21 Figura 11. Oftalmoscopia Indireta Fonte: Martins et al Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 36, n. 2, 2303 (2014) 23 5 ENSINO DA OFTALMOSCOPIA A importância do exame de fundo de olho é evidente para algumas especialidades médicas como a oftalmologia, neurologia, endocrinologia, nefrologia, medicina de família, entre outras. Na atenção primária à saúde, assume especial importância já que, aproximadamente, 10% dos pacientes que se apresentam no atendimento clínico reclamam de alterações oculares25. Doenças que, comumente, são tratadas no âmbito da atenção primaria como a hipertensão arterial sistémica e a diabetes mellitus, tem, entre seus fatores prognósticos, a fundoscopia. Apesar de a procura de atendimento por queixas oculares ser expressiva no ambulatório de medicina geral e de medicina da família, nota-se, atualmente, um declínio no ensino da oftalmologia nas escolas médicas. De acordo com pesquisa realizada pela Associação de Professores Universitários de Oftalmologia dos Estados Unidos, o número de cursos de oftalmologia presentes no país diminuiu significativamente no início do presente século: de 68%, em 2000, para 30%, em 200426. Nesse sentido, acrescenta-se o fato de a disciplina de oftalmologia possuir dentro da grade curricular uma carga horária pequena, o que reflete uma tendência mundial. Ah-Chan et alii27 reiteram a ideia, ao afirmar que as escolas médicas alocam pouco tempo ao ensino da oftalmologia e cita algumas estatísticas demonstrando que o fato também ocorre na Austrália, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Velden et alii28 tem comprovando o fato de que a maioria dos médicos apresentam domínio insuficiente da fundoscopia, geralmente, em decorrência da falta de treinamento, da falta de interesse na oftalmologia e da diminuição no uso do oftalmoscópio tradicional entre os estudantes de Medicina. Nesse contexto, a Dra. Patricia M. Pachá, na sua tese de mestrado sobre a inserção da oftalmologia nas escolas médicas brasileiras29, mostra que a oftalmologia recebeu pouca atenção nos projetos curriculares das escolas estudadas. Na pesquisa, estudaram-se oito escolas médicas do país, dentre as quais, seis com programas de ensino tradicional e, duas, com estrutura PBL (Problem Based Learning). Na pesquisa, constatou-se que nenhuma das escolas de ensino tradicional planejavam o ensino estruturado na área oftalmológica; e nas escolas que implementaram o sistema PBL, não havia, como esperado, dados referentes à oftalmologia, em si. Numa das escolas, por exemplo, a oftalmologia inseria-se na discussão dos casos problema, contudo as competências técnicas, cujo desenvolvimento seria desejável, não eram explicitadas no Projeto Pedagógico. 24 No mesmo contexto, ao estudar o ensino da oftalmologia na graduação médica Ginguerra et alii30, realizaram uma pesquisa em seis escolas médicas do Estado de São Paulo, escolhidas aleatoriamente,cujo resultado mostrou que o conhecimento de oftalmologia é insuficiente entre os alunos do último ano do curso de graduação de medicina. Nos Estados Unidos, a Associação de Professores Universitários de Oftalmologia (AUPO) elaborou, em 2009, um programa base, aprovado pela Academia Americana de Oftalmologia31. Ele expôs os conhecimentos e as competências básicas que médicos não oftalmologistas deveriam adquirir e aprimorar: 1. Avaliar e documentar a acuidade visual. 2. Avaliar o campo visual mediante o exame de confrontação. 3. Avaliar, mediante lanterna de bolso, as pálpebras, conjuntiva, esclera, córnea, estimando a profundidade da câmara anterior. 4. Avaliar a movimentação ocular. 5. Detectar estrabismo. 6. Detectar respostas pupilares anormais. 7. Realizar o exame de fundo de olho, analisando, especificamente, o nervo óptico e o reflexo vermelho. 8. Realizar a eversão palpebral, remoção de corpos estranhos e irrigação ocular. Vale ressaltar que, na pesquisa bibliográfica, não se encontrou menção às competências básicas referentes aos problemas oftalmológicos que o médico egresso no Brasil deveria desenvolver. Com o objetivo de determinar o método preferido pelos estudantes de Medicina para o aprendizado do exame do fundo de olho, Kelly et alii.32 compararam o uso de oftalmoscópios diretos frente a retinógrafos portáteis e constataram que 70% dos alunos preferiram o uso de retinógrafos. No Brasil, Damasceno et alii.33 analisaram o ensino da oftalmoscopia direta usando o oftalmoscópio convencional em comparação ao oftalmoscópio de campo amplo (PanOptic ®). Na pesquisa, o resultado demonstrou que a maioria dos alunos teve mais facilidade de manipular o PanOptic®. 25 6 A IMPORTÂNCIA DA OFTALMOSCOPIA DIRETA Arthur Conan Doyle, em sua obra-prima, Sherlock Holmes, escreveu que os pequenos detalhes são sempre os mais importantes. Na Medicina, assim como no romance investigativo de Doyle, a observação, o interrogatório, a busca e a interpretação de sinais ocupam um lugar importante na elucidação diagnóstica. Nesse sentido, o exame clínico do paciente e, especificamente, o exame de fundo de olho, permitem encontrar “pistas” que, devidamente interpretadas, constituem valiosas ferramentas na resolução dos casos clínicos. Isso ocorre porque a retina é o único lugar do organismo em que se pode observar, de maneira simples e direta, sem maior preparo do paciente, uma parte do sistema circulatório. Trata-se de um sistema vascular de tipo terminal irrigado por uma artéria e drenado por uma veia. O exame cuidadoso do aspecto, calibre, brilho, e cor dos vasos retinianos e das alterações da retina permite analisar se os aspectos apresentados, podem representar mudanças no sistema cardiocirculatório, como no caso da hipertensão arterial sistêmica. Assim mesmo, a presença de hemorragias, de exudados e de edema de papila, são indicativos de comprometimento dos chamados órgãos alvo da hipertensão arterial. Do mesmo modo, alterações no aspecto da veia central da retina, como a ingurgitação e a presença de tortuosidade, podem indicar alterações no seio cavernoso, tais como as presentes nas fistulas carotídeo-cavernosas ou nos processos expansivos, presentes nele. Além disso, a presença de cristais no interior das arteríolas pode sugerir a existência de placas ateromatosas. A retina também é importante na avaliação do sistema nervoso, já que, nela, podemos observar grupos de axonios, como no caso das células ganglionares, cuja reunião dão lugar ao chamado nervo óptico. Assim, o exame cuidadoso das fibras nervosas pode auxiliar na localização de lesões pré-quiasmaticas e pós-quiasmáticas. As alterações no aspecto do nervo óptico podem ocorrer por propagação retrógrada da hipertensão intracraniana pelo espaço subaracnóideo ao redor do nervo óptico ocasionando o papiledema. A oftalmoscopia é portanto, uma janela aberta ao interior do organismo de nosso paciente. Voltando à analogia com Doyle, os pequenos detalhes na mudança da anatomia normal da retina nos fornecem pistas para problemas no estado de saúde do paciente. Desse modo, deve-se enfatizar o entendimento das condições fisiopatológicas das lesões, para fazer um raciocínio clínico que implique em deduções a partir dos achados no fundo de olho. 27 7 ASPECTOS TEÓRICOS INERENTES AO DESENVOLVIMENTO DO SIMULADOR DE FUNDOSCOPIA 7.1 Anatomia e fisiologia ocular O olho tem a função de transformar a luz em impulsos elétricos que viajam, através do nervo óptico, ao cérebro. O olho humano funciona de forma similar na maioria dos vertebrados, possui uma lente ajustável, conforme a distância, chamada cristalino, um diafragma que regula a entrada da luz e um tecido sensível, denominado retina, que transforma a luz em impulsos nervosos, graças às células fotorreceptoras. Sua forma é similar à esférica, tem diâmetro anteroposterior de, aproximadamente, 25 mm; diâmetro horizontal e vertical no nível do equador de, aproximadamente, 23,5 mm. 7.2 Óptica aplicada ao olho humano A primeira ideia do olho como sistema óptico formador de imagens aparece no século XV, na experiência de Leonardo da Vinci com a câmera escura. Atualmente, não há dúvida de que a óptica geométrica pode ser aplicada ao olho, como um instrumento óptico. Para que os raios de luz, que penetram na pupila, focalizem a retina, devem ser refratados. Sua refração muda conforme a distância entre o objeto e o observador. A maior parte da refração ocorre na córnea e corresponde a, aproximadamente, 75% da refração total do olho; o cristalino proporciona os 25% restantes do poder de focalização do olho e muda o poder de refração, para permitir focalizar objetos próximos ou distantes. 29 8 OBJETIVO Criar um simulador de fundo de olho de fácil acesso e fabricação para auxiliar no ensino da técnica de fundoscopia direta. 31 9 MATERIAL E MÉTODOS Para construir o simulador de fundoscopia, utilizaram-se os seguintes materiais: Bola plástica de 25 mm com abertura no meio (utilizou-se um modelo simples, popularmente conhecido como Pokebola), que pode ser encontrada em bancas de jornais e revistas ou em comércio eletrônico, como em: https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-793509809-pokebola-pokeball-bola-com- pokemon-sortido-lote-10-unid-_JM. Visor monocular de transparências, como o encontrado em: https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-893941720-100-monoculoslembrancinha- retropara-foto-_JM Vinil adesivo transparente tamanho A4 para impressora jato de tinta como https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-714338856-vinil-adesivo-a4-transparente- para-impressora-jato-de-tinta-_JM. Máscara de plástico de baixo preço, encontrada em lojas de material escolar. A construção de uma réplica do globo ocular constitui grande desafio, uma vez que o modelo deve respeitar parâmetros ópticos e anatômicos básicos que simulem as particularidades encontradas no exame de fundo de olho. O desafio tornou-se ainda maior quando se tomou, como base, criar um modelo reprodutível e de baixo custo. Assim, foram feitos muitos testes usando os mais diversos materiais, desse modo são descritas algumas das tentativas , até se chegar ao modelo final. O primeiro passo compreendeu a busca por uma esfera oca que simulasse o globo ocular, inclusive, seu tamanho médio em um adulto. Assim, pensou-se, a princípio, na bola de ping- pong, cuja vantagem consiste em sua extensa distribuição no comércio. Porém, como desvantagens, apresenta tamanho maior do que o olho humano e mais resistência material para trabalhar em seu interior. Dessa forma, optou-se pelo brinquedo conhecido como pokebola, já que, além de ser facilmente encontrado, permite trabalhar no interior da esfera e possui o tamanho (25 mm) que coincide com a média do globo ocular (entre 22 mm a 24,5mm). A figura 12 mostra as pokebolas utilizadas. Como se vê, elas podem ser facilmente abertas e são de um tamanho ideal, menores que a bola de ping-pong, também apresentada na figura. 32 Figura 12. Pokebola dividida ao meio junto de bola de ping-pong Fonte: autor, 2017. . A segunda etapa consistiu em fazer um furo no meio da esfera, simulando o posicionamento da córnea. Na figura 13, observa-se a bola com furo de 1 cm de diâmetro simulando a posição da córnea. Figura 13. Bola de plástico com furo simulando a posição da córnea Fonte: autor, 2017. A reprodução da parte óptica do olho enfrentou seus próprios desafios. Nos primeiros testes, usaram-se duas lentes de contato rígidas, de 20 dioptrias sobrepostas, com poder dióptrico similar ao da córnea, cujos resultados apresentam um poder refracional parecido com 33 o da córnea verdadeira (40 dioptrias frente às 42 dioptrias da córnea). Para simular o cristalino, inseriu-se uma lente intraocular, comumente usada na cirurgia de catarata, a qual foi colocada no interior do redutor de pressão de água, que simula a íris. Ele tem a vantagem de possuir aberturas de diferentes diâmetros, o que, por sua vez, simula diferentes aberturas pupilares. Assim, o modelo mostrou-se factível, porém de custo elevado. Na figura 14, observa-se como ficou o modelo original (depois transformado) utilizando-se as lentes de contato e a lente intraocular. Figura 14. Protótipo usando lente de contato rígida e lente intraocular, sendo esta colocada em redutor de pressão de agua que simula a íris, com diferentes tamanhos de pupila Fonte: autor, 2017. Buscou-se, assim, uma lente alternativa, por meio de pesquisas sobre outros materiais. Uma delas foi a lente usada em micro câmeras de vigilância, que apresenta diferentes poderes refracionais. Daquele conjunto, a lente de 16 mm apresentou um poder refracional de 60 dioptrias, próximo ao do olho. Além desta vantagem, apresentou rosca de focalização, o que permite mudar a distância do sistema óptico em relação à retina, produzindo, desse modo, um olho com diferente poder refracional. Nessa direção, por constituir-se em material de fácil acesso e, relativamente, de baixo custo, optou-se por utilizar essas lentes de 16 mm na construção do simulador. Entretanto, durante os testes, as lentes promoveram uma grande ampliação da imagem do modelo artificial da retina, o que tornava as diminutas imperfeições do modelo muito visíveis, impossibilitando, 34 portanto, o seu uso no projeto. A figura 15 mostra o modelo descartado em que se usavam lentes de câmeras de vigilância. Figura 15. Modelo usando lente de micro câmera de 16 mm arruela para fixação que também simulava a íris Fonte: autor, 2017. Com base nas experiências, optou-se por não construir um modelo com o poder refracional similar ao do olho humano, já que, mesmo as melhores réplicas de retina, apresentaram, quando examinadas com o oftalmoscópio, múltiplos defeitos, quando amplificadas. Como o poder refracional do olho não altera, de maneira significativa, a visualização do fundo de olho, testaram-se diversas lentes, até achar a mais adequada para o objetivo do trabalho, dentre as quais, a lente macro do kit de lentes de celular. Com ela, obteve-se um bom resultado, porém a dificuldade de colocá-la na posição da córnea, acarretou na desistência do projeto. Por último, optou-se pela lente de visor monocular de transparências, que, além de ser mais simples, permitia, devido ao seu formato, inserir diferentes simuladores de íris com facilidade. Por isso, aquela lente foi a escolhida para criar o projeto final. Na figura 16, observa- se o visor de transparências cortado para encaixar na posição correspondente à córnea; na figura 17, o visor cortado com o simulador de íris presente nele. 35 Figura 16. Visor monocular com extremidade cortada. Fonte: autor, 2017. Figura 17. Monóculo cortado e com simulador de íris posicionado Fonte: autor, 2017. Afora os demais desafios, construir a réplica da retina incitou a criatividade, já que a esfericidade do modelo implica transformar uma imagem 2D (duas dimensões) em 3D (três dimensões). Assim, realizaram-se diversos testes com materiais de impressão, o que acarretou na escolha pela impressão de vinil adesivo. O material é facilmente moldável usando calor (secador de cabelo, por exemplo), o que permite trazer a esfericidade à imagem impressa. Na figura 18, observa-se a retina impressa já com o formato de esfericidade requerido. 36 Figura 18. Modelo de retina usando impressão em vinil adesivo e, como molde, puxador de porta de armário Fonte: autor, 2017. Na etapa final, já com o modelo ocular pronto, percebeu-se que usá-lo em um suporte mais realista seria interessante, por isso, optou-se por máscaras de PVC, comumente, utilizadas como fantasias de carnaval e por cabeças de manequim de tamanho natural, em cuja face foram feitos dois furos, para a colocação dos simuladores. Figura 19. Modelo de olho pronto montado em cabeça de manequim e máscara de plástico Fonte: autor, 2017. Para testar o modelo, propuseram-se duas atividades com 10 médicos, uma teórica, outra, prática. Nove dos médicos eram residentes, três residentes em Nefrologia, quatro, em 37 Clínica Médica e, dois, em Endocrinologia. O outro médico terminou há dois anos a residência em Nefrologia. Na atividade, que durou duas horas, os alunos receberam, cada um, um protótipo do globo ocular. Foram apresentadas imagens sobre a anatomia do fundo de olho e, os alunos, orientados a procurar pelas imagens correspondentes no protótipo. A atividade prática encerrou-se por meio do exame do fundo de olho que os alunos fizeram entre si. Ao final, responderam às perguntas de avaliação do simulador. A avaliação do simulador foi feita através de um questionário com oito perguntas, as quais podem ser vistas abaixo: 1. Você acha que o método de simulação tem espaço no ensino médico? 2. Você acha que o método de simulação a que tiveram acesso hoje tem espaço no ensino médico? 3. Você conseguiu “enxergar”o nervo óptico no modelo testado? 4. Você conseguiu “enxergar” os vasos da retina no modelo testado? 5. Levando em consideração as dificuldades de se aprender em seres vivos, o simulador do fundo de olho, aqui apresentado, pode ser útil como ferramenta de ensino da oftalmoscopia direta? 6. Você acha que o modelo, acompanhado por explicações do professor, pode auxiliar na compreensão da física ocular (entender curvatura, dioptria, formação da imagem etc?) 7. Você acha que o modelo pode auxiliar na compreensão da anatomia ocular? As perguntas tinham cinco possíveis respostas, seguindo o padrão de respostas de Likert: não concordo totalmente, não concordo parcialmente, indiferente, concordo parcialmente e concordo totalmente. A ordem das respostas não foi invertida em nenhuma das questões. Nesse panorama, somente as respostas 4 e 5 valorizavam o simulador em estudo. Foram atribuídas notas 1, 2, 3, 4 e 5, respectivamente, às respostas. Assim sendo, as respostas “concordo parcialmente” e “concordo totalmente” receberam as notas mais elevadas, respectivamente, 4 e 5. As respostas ao questionário não foram identificadas e reiterou-se, aos alunos, a necessidade de serem rigorosos em suas opiniões, porque se tratava de um estudo fundamental para o ensino médico. Uma pergunta final solicitava que os alunos fornecessem uma nota, de zero a dez, sendo zero, muito insatisfeito e, dez, muito satisfeito com o modelo testado. 39 10 RESULTADOS Construímos um modelo de olho com características físicas equivalentes a um olho humano. Os modelos de retina são flexíveis, por isso, podem ser usados desenhos, textos ou retinografias reais para o treinamento datécnica da fundoscopia. Além disso, pode-se usar um modelo para o próprio aluno desenhar as estruturas básicas de uma retina normal, já que o custo total do modelo é inferior a 10 Reais. A avaliação do modelo contou com a participação de 10 médicos residentes. As respostas ao questionário de avaliação do modelo apresentado mostraram os seguintes resultados: Pergunta 1: nove dos alunos responderam que o método de simulação tem espaço no ensino médico. A nota média da questão (máximo possível=5,0) foi 4,6 ± 0,7. Pergunta 2: nove dos dez alunos concordaram que o nosso modelo de simulador tem espaço no ensino médico. A nota média para a questão (máximo possível=5,0) foi 4,4 ± 0,7. Pergunta 3: dois deles disseram não ter conseguido visualizar o nervo óptico após a atividade. A nota média para a questão (máximo possível=5,0) foi 3,9 ± 1,1. Pergunta 4: apenas um aluno disse não ter conseguido visualizar os vasos da retina. A nota média para a questão (máximo possível=5,0) foi 4,1 ± 0,8. Pergunta 5: todos os alunos consideraram que nosso simulador de fundo de olho pode ser útil como ferramenta de ensino da oftalmoscopia direta. A nota média para a questão (máximo possível=5,0) foi 4,7± 0,5. Pergunta 6: dois alunos não concordaram que o modelo de simulador pode auxiliar na compreensão da física ocular. A nota média para a questão (máximo possível=5,0) foi 3,9 ± 1,1. Pergunta 7: todos os alunos consideraram que o modelo apresentado pode auxiliar na compreensão da anatomia ocular. A nota média para a questão (máximo possível=5,0) foi 4,4± 0,5. No geral, a nota média recebida pelo simulador de oftalmoscopia foi 8,6± 0,9 (de um total possível de 10). 41 11 DISCUSSÃO Atualmente, os modelos simuladores de ensino têm provado ser, cada vez mais, úteis à Medicina. O ensino da oftalmologia voltado, especificamente, para a formação do clínico geral, não deve ser desprezado, porque aspectos, como a oftalmoscopia, podem auxiliar nos diagnósticos de situações clínicas diversas. Nesse sentido, desenvolvemos um modelo de ensino e aprendizagem de fundoscopia a um custo extremamente baixo. Acreditamos, desse modo, que o modelo desenvolvido possa, facilmente, reproduzir-se, facilitando o ensino da técnica. Além disso, o modelo foi avaliado por 10 médicos residentes que concordaram com a importância dele como instrumento de ensino. 43 12 CONCLUSÕES O objetivo principal do projeto foi atingido, já que o simulador de fundo de olho capaz de auxiliar o estudante das áreas da saúde a aprender a técnica da fundoscopia funcionou corretamente. No final, conseguiu-se desenvolver um projeto de preço acessível e eficaz em sua aplicação no cotidiano do ensino médico. O modelo passou por várias etapas de desenvolvimento e a sua utilidade ainda precisa ser comprovada em grupos maiores de alunos, uma meta ainda a se alcançar. Por enquanto, já foi aprovado por dez médicos que fizeram um rápido curso de fundoscopia. Ademais, novas adaptações ao modelo poderão ser aplicadas com o tempo, conforme as necessidades de ensino. 45 REFERÊNCIAS 1. Cameron JL. William Stewart Halsted. 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