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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA-PPGEO MARIA DIONE DO NASCIMENTO OLIVEIRA SUSCEPTIBILIDADE POTENCIAL À EROSÃO NA BACIA HIDROG RÁFICA DO RIBEIRÃO DA AREIA – BURITIZEIRO, MG: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA COM ÊNFASE NA GEOMORFOLOGIA Montes Claros - MG 2018 MARIA DIONE DO NASCIMENTO OLIVEIRA SUSCEPTIBILIDADE POTENCIAL À EROSÃO NA BACIA HIDROG RÁFICA DO RIBEIRÃO DA AREIA – BURITIZEIRO, MG: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA COM ÊNFASE NA GEOMORFOLOGIA Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia - PPGEO, da Universidade Estadual de Montes Claros, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia. Linha de Pesquisa: Território, Cultura e Meio Ambiente Orientadorª: Dr.ª Maria Ivete Soares de Almeida Montes Claros - MG 2018 O48s Oliveira, Maria Dione do Nascimento. Susceptibilidade potencial à erosão na bacia hidrográfica do Ribeirão da Areia – Buritizeiro, MG [manuscrito] : uma análise geográfica com ênfase na geomorfologia / Maria Dione do Nascimento Oliveira. – Montes Claros, 2018. 128 f. : il. Bibliografia: f. 122-128. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, Programa de Pós-Graduação em Geografia/PPGEO, 2018. Defesa: 27/07/2018. Orientadora: Profa. Dra. Maria Ivete Soares de Almeida. 1. Bacia hidrográfica - Ribeirão da Areia – Buritizeiro (MG). 2. Susceptibilidade potencial à erosão. 3. Uso e cobertura da terra. I. Almeida, Maria Ivete Soares de. II. Universidade Estadual de Montes Claros. III. Título. IV. Título: Uma análise geográfica com ênfase na geomorfologia. Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge MARIA DIONE DO NASCIMENTO OLIVEIRA SUSCEPTIBILIDADE POTENCIAL À EROSÃO NA BACIA HIDROG RÁFICA DO RIBEIRÃO DA AREIA – BURITIZEIRO, MG: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA COM ÊNFASE NA GEOMORFOLOGIA Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia - PPGEO, da Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Linha de Pesquisa: Território, Cultura e Meio Ambiente. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Prof. Dr.ª Maria Ivete Soares de Almeida (Orientadora) Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES ____________________________________________________ Prof. Dr. Expedito José Ferreira Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES ____________________________________________________ Prof. Dr. Wallace Magalhães Trindade Instituto Federal do Norte de Minas Gerais - IFNMG Montes Claros- MG 2018 Essa caminhada não foi solitária... Os tropeços, os acertos... As lágrimas, os sorrisos... Foram por muitos sofridos, sentidos e comemorados! Dedico essa conquista a todos que partilharam comigo desse projeto, em especial à minha mãe, Sebastiana F. Amorim, que mesmo não entendendo o porquê de “tanta correria”, me apoiou em todos os momentos. Aos meus filhos, Juliete, Micael, Juliane e Jackeline, que sempre estiveram ao meu lado, incentivando a conquistar o meu espaço e ofertando apoio e conforto nos momentos de dificuldade. AGRADECIMENTOS A Deus pela bênção que é a vida, pela força para superar os obstáculos e pela serenidade para aceitar as mudanças. À minha mãe (Sebastiana) e meu pai (Reinaldo) pelo apoio nessa caminhada. Aos meus filhos, pela força, incentivo na minha busca, ombro amigo nas dificuldades. Às irmãs de coração Dianne e Lucimare, parceiras em todos os momentos, pelo carinho, amizade e ombro amigo nas dificuldades. Aos amigos Íris, Fernando e Júlio Adriano, pelo apoio nos campos e torcida pelo meu sucesso. Às minhas irmãs Joseane e Elaine, meus tios Neuza, Antônio e Marta, pelo apoio e incentivo. Ao professor Manoel Reinaldo, pelas conversas esclarecedoras e apoio no geoprocessamento. À Carla Regina, Lérica, Mariley, Maria Tereza, Christian, Igor, pelos bons momentos partilhados nesses dois anos. À equipe do laboratório de Geoprocessamento, pelo apoio e material disponibilizado. Aos professores do PPGEO, pelo trabalho desenvolvido e empenho em construir bases sólidas para nossa especialização. Aos professores Dulce Santos, Gisele, Sandra Célia, Carlos Bortollo, Gustavo Cepolini, pelo incentivo e amizade. Ao professor Dr. Marcos Esdras Leite, pelas contribuições na banca de qualificação. Ao professor Dr. Expedito José Ferreira, pelas contribuições na qualificação e pela disponibilidade de novamente auxiliar na construção desse trabalho. Ao professor Dr. Wallace Magalhães Trindade, pela disponibilidade em contribuir na construção desse trabalho. Em especial à professora Dr.ª Maria Ivete Soares de Almeida, pela dedicação, paciência, compreensão ao longo desses dois anos. Seu apoio e confiança foram primordiais para a concretização desse trabalho. A você, meu sincero respeito e gratidão. A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a concretização desse trabalho, meu muito Obrigado. De que forma ver então o funcionamento da Terra como um todo compreensível, no seu complexo inter-relacionamento? Um dos métodos consiste em encarar o Planeta como uma imensa máquina integrada, movida à energia, trabalhando subdividida em incontáveis máquinas menores que operam dentro de uma estrutura geral do conjunto da máquina terrestre. Drew (1998, p. 20) RESUMO Essa pesquisa investiga a susceptibilidade potencial da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia à erosão, através da análise integrada dos fatores geomorfológicos, pedológicos e de uso e cobertura da terra. Os solos, como componentes de um sistema, encontram-se conectados aos outros elementos presentes no ambiente, não sendo possível avaliar sua fragilidade a determinado processo de forma isolada. A exploração econômica na área de estudo intensificou-se a partir da década de 1970, promovendo rápida e intensa alteração nas características de uso e cobertura da terra, refletidas na remoção de vastas áreas de cerrado para a implantação da silvicultura e pecuária extensiva. Este estudo possibilitou analisar a susceptibilidade potencial à erosão da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia, localizada no município de Buritizeiro-MG, a partir da relação Solo-relevo. A metodologia constou de revisão bibliográfica, pesquisa empírica e mapeamento temático básico para posterior confecção da carta de susceptibilidade potencial à erosão da bacia. O mapeamento temático básico, além de subsidiar a confecção da carta de potencial erosivo, teve por objetivo subsidiar a análise integrada das características físicas e antropogênicas da bacia, o que possibilitou apontar os fatores condicionantes da susceptibilidade erosiva em cada compartimento geomorfológico. Para identificar as classes de susceptibilidade potencial à erosão, foram consideradas as variáveis solos, hipsometria, declividade e uso e cobertura da terra, aos quais foram atribuídos pesos entre 0 e 1, segundo a importância de cada fator na estabilidade ou proteção dos solos. Na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia predominam as classes de susceptibilidade potencial à erosão média à alta. Nas cotas altimétricas mais elevadas, correlatas ao Planalto Areado, sobressaem os fatores topográficos, pedológicos, de uso e cobertura da terra, aliados aos fatores hidrográficos, como condicionantes da classede susceptibilidade potencial à erosão. Nas áreas da planície, a susceptibilidade erosiva recebe maior influência do uso e cobertura dos solos e das características pedológicas. Cabe ressaltar que a susceptibilidade potencial à erosão média ou alta não significa necessariamente a instalação do processo erosivo; no entanto, indica uma fragilidade natural ou induzida dos solos a esse tipo de degradação. Nessa perspectiva, a carta de susceptibilidade potencial à erosão constitui um importante instrumento de consulta para a tomada de decisão que vise à exploração ou preservação dos solos na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia. Palavras-Chave: Bacia Hidrográfica, Susceptibilidade Potencial à Erosão, Uso e Cobertura da Terra. ABSTRACT This research draws on an integrated analysis of geomorphological, pedological and land use and cover factors to investigate the potential susceptibility to erosion of the Ribeirão da Areia watershed. Soils, as components of a system, hold a connection with the other elements in the environment, and it is not possible to evaluate their fragility to a given process in isolation. Economic exploration, in the area examined in this study, intensified in the 1970s, leading to a rapid and intense change in land use and land cover, which reflect in the removal of vast areas of cerrado soils for the implementation of silviculture and extensive livestock production. This study aims to analyze the potential susceptibility to erosion of the Ribeirão da Areia watershed from the perspective of Soil-relief relationship. The methodology consisted of bibliographic review, empirical research and basic thematic mapping for later production of the potential erosion susceptibility map of the watershed. Besides allowing the production of the potential erosion susceptibility map, the basic thematic mapping aimed to allow the integrated analysis of the physical and anthropogenic characteristics of the watershed. It also allowed to point out the conditioning factors of the erosive susceptibility in each geomorphological compartment. To identify the classes of potential susceptibility to erosion, variables such as soil, hypsometry, slope and land use and cover were examined, with weights ranging from 0 to 1 according to the impact of each factor to soil stability or protection. Results have shown that, in the Ribeirão da Areia watershed, classes of potential susceptibility to erosion that range from medium to high predominate. In the highest altimetry, correlated to the areado plateau, the topographic, pedological, land use and cover factors standed out, along with the hydrographic factors, as conditioners of the class of potential susceptibility to erosion. In lowland areas, erosive susceptibility is more influenced by the use and cover of soils and soil characteristics. Furthermore, the potential susceptibility to medium or high erosion rates does not necessarily mean the installation of the erosive process, however, it indicates a natural or induced fragility of the soils to this type of degradation. Thus, the erosion susceptibility map is an important consultation tool for decision making aimed at the exploration or preservation of soils in the Ribeirão da Areia watershed. Key words: Watershed, Potential susceptibility to erosion, Land use and land cover. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Zonas morfoclimáticas da Terra segundo Büdel ............................................ 37 Figura 2: Fluxograma dos procedimentos metodológicos da pesquisa .......................... 56 Figura 3: Procedimentos técnicos metodológicos para confecção da carta de susceptibilidade erosiva da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia. .......................... 63 Figura 4: Localização da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia no município de Buritizeiro-MG. .............................................................................................................. 65 Figura 5: Evolução paleogeográfica regional da bacia Sanfranciscana. ........................ 67 Figura 6: Mapa Litológico Simplificado da Bacia do Ribeirão do Areia Buritizeiro-MG. ........................................................................................................................................ 69 Figura 7: Estratificação cruzada em arenito do Grupo Areado ...................................... 72 Figura 8: Conglomerado (canga laterítica Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia) ... 73 Figura 9: Evolução da paisagem na porção central do estado de Minas Gerais, segundo Valadão (1998). .............................................................................................................. 75 Figura 10: Vista panorâmica da borda leste do Chapadão dos Gerais - Buritizeiro/MG 76 Figura 11: Fases do relevo da Bacia do Ribeirão do Areia ............................................ 78 Figura 12: Hipsometria da Bacia do Ribeirão do Areia Buritizeiro-MG. ...................... 79 Figura 13: Mapa Geomorfológico da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia ........... 81 Figura 14: Vale do córrego Tubi - Superfícies Onduladas em Planalto – Planalto Areado, Buritizeiro-MG. ................................................................................................ 82 Figura 15: Planície de inundação da Bacia do Ribeirão da Areia com exposição do embasamento Bambuí em leito seco de córrego afluente............................................... 83 Figura 16: Perfil de solo em área de Neossolo Quartzarênico. ...................................... 91 Figura 17: Mapa Pedológico Simplificado da Bacia do Ribeirão da Areia. ................... 92 Figura 18: Perfil de Neossolo Litólico em corte de estrada – Bacia do Ribeirão da Areia. ........................................................................................................................................ 93 Figura 19: Vegetação ciliar em Neossolo Flúvico – bacia do ribeirão. .......................... 94 Figura 20: Barraginha para contenção de erosão aberta em área de Latossolo Vermelho- amarelo – Bacia do Ribeirão da Areia. ........................................................................... 94 Figura 21: Perfil de Cambissolo em margem de afluente intermitente do Ribeirão da Areia ............................................................................................................................... 95 Figura 22: Uso e cobertura da terra na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia no ano de 1991. ........................................................................................................................ 999 Figura 23: Uso e cobertura da terra na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia no ano de 2001. ........................................................................................................................ 101 Figura 24: Uso e cobertura da terra na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia no ano de 2011. ........................................................................................................................ 102 Figura 25: Vereda antropizada (nascentes do Ribeirão da Areia). ............................... 104 Figura 26: Mapa de uso e cobertura da terra na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia no ano de 2017. ............................................................................................................. 105 Figura 27: Pedologia da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia – Buritizeiro/MG . 109 Figura 28: Mapa de Susceptibilidade Potencial à Erosão da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia. ......................................................................................................... 109 Figura 29: Erosão em Neossolos Quartzarênicos - Planalto Areado ............................ 111 Figura 30: Eeucaliptal abandonado; ............................................................................. 111Figura 31: Uso e cobertura da terra na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia. ...... 113 Figura 32: Mapa de susceptibilidade erosiva na Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia. ............................................................................................................................ 113 Figura 33: A e B- Cabeceiras de drenagens na vertente oeste da bacia do Ribeirão da Areia. C- Vale formado pelas drenagens das veredas. D- voçoroca em área de nascentes. ...................................................................................................................................... 115 Figura 34: Vale encaixado no contato entre o Planalto Areado e a Planície do Ribeirão da areia. ......................................................................................................................... 116 Figura 35: Aspecto da vegetação em regeneração na planície do Ribeirão da Areia - Reserva legal averbada da fazenda Petkov. .................................................................. 116 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Classes de proteção dos solos à erosão hídrica segundo o tipo de cobertura vegetal (ROSS 1994) ...................................................................................................... 51 Tabela 2: Classes de erodibilidade dos solos segundo Ross (1994) ............................... 54 Tabela 3: Relação declividade/vigor da erosão segundo Ross (1994) ........................... 54 Tabela 4: Valores atribuídos às variáveis para elaboração da carta de susceptibilidade potencial à erosão. .......................................................................................................... 60 Tabela 5:Valores atribuídos à influência da declividade na erosão hídrica ................... 61 Tabela 6: Pesos atribuídos à cada classe de solo para gerar a carta de susceptibilidade erosiva ............................................................................................................................. 61 Tabela 7: Valores atribuídos aos diferentes tipos de cobertura vegetal quanto à proteção dos solos contra a erosão hídrica. ................................................................................... 62 Tabela 8: Valores atribuídos à influência da litologia na erosão hídrica........................ 62 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Temperatura média anual em cidades da Mesorregião Norte de Minas Gerais e município de João Pinheiro (1981-2010)..................................................................... 86 Gráfico 2: Precipitação média anual em 30 anos em cidades da Mesorregião Norte de Minas Gerais e município de João Pinheiro (1981-2010). ............................................. 88 Gráfico 3: Precipitação média anual do decênio 2007-2017. ......................................... 89 Gráfico 4: Uso e cobertura da terra na bacia hidrográfica do ribeirão da Areia no ano de 1991. ............................................................................................................................... 97 Gráfico 5: Uso e cobertura da terra na bacia hidrográfica do ribeirão da Areia no ano de 2001. ............................................................................................................................... 97 Gráfico 6: Uso e cobertura da terra na bacia hidrográfica do ribeirão da Areia no ano de 2011. ............................................................................................................................... 97 Gráfico 7: Uso e cobertura da terra na bacia hidrográfica do ribeirão da Areia no ano de 2017. ............................................................................................................................... 97 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FEAN – Fundação Estadual do Meio Ambiente IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais LVAd – Latossolo Vermelho-amarelo Distrófico PIB – Produto Interno Bruto SiBCS – Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos SIG – Sistema de Informação Geográfica SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste TSMB – Tratos de Sistema Mar Baixo UB – Universidade do Brasil UDF – Universidade do Distrito Federal UNIMONTES- Universidade Estadual de Montes Claros USle - Equação Universal de Perda De Solo (Universal Soil Loss Equation) USP - Universidade de São Paulo ZCAS – Zona de Convergência do Atlântico Sul SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 16 OBJETIVOS ................................................................................................................. 22 OBJETIVO GERAL: .......................................................................................... 22 OBJETIVO ESPECÍFICO .................................................................................. 23 1 OS ESTUDOS GEOMORFOLÓGICOS NO BRASIL: EVOLUÇÃO TE ÓRICA E METODOLÓGICA .................................................................................................. 24 1.1 As teorias geográficas e sua aplicação nos estudos em Geografia Física no Brasil . 31 1.2 Geomorfologia e paisagem ....................................................................................... 34 1.3 Clima e geomorfologia ............................................................................................. 35 1.4 Geomorfologia aplicada aos estudos ambientais ...................................................... 39 1.5 A bacia hidrográfica como unidade de análise espacial ........................................... 44 1.6 Fatores de erosão ...................................................................................................... 48 2 METODOLOGIA ...................................................................................................... 56 2.1 Mapeamento temático Básico ................................................................................... 58 Carta Hipsométrica, Clinográfica e Fases do Relevo ......................................... 58 Carta Geológica .................................................................................................. 58 Carta de solos ...................................................................................................... 58 Carta Geomorfológica ........................................................................................ 59 Uso e cobertura da terra ...................................................................................... 59 2.2 Susceptibilidade erosiva ........................................................................................... 60 3 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ................................................... 64 3.1 Geologia ................................................................................................................... 66 3.2 Geomorfologia .......................................................................................................... 74 3.3 Clima ........................................................................................................................ 83 3.4 Solos ......................................................................................................................... 90 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................................ 96 4.1 Uso dos solos .............................................................................................................96 4.2 Uso e ocupação do solo no período 1991-2011 ......................................................... 98 4.3 Uso e ocupação dos solos no ano de 2017 .............................................................. 103 4.4 Susceptibilidade potencial à erosão hídrica da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia .............................................................................................................................. 106 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................119 REFERÊNCIAS ..........................................................................................................122 16 INTRODUÇÃO Os estudos geomorfológicos no Brasil desenvolveram-se associados à estruturação do ensino universitário da década de 1930. No entanto, importantes trabalhos sobre as características geológicas e geomorfológicas do território brasileiro já haviam sido publicados por alguns pesquisadores que, por não terem, às vezes, uma formação acadêmica em Geografia, preocuparam-se apenas em descrever ou apontar especificidades do quadro natural do Brasil. Entre as obras publicadas neste período, podemos citar “Geografia Geral”, de Elisée Reclus, o Barão do Rio Branco, responsável pelo tomo sobre o Brasil; “O Brasil Meridional” (1910), obra de Delgado Carvalho; a tese sobre o Nordeste do Brasil (1921), de Agamenon Magalhães, toda produzida sob influência das discussões naturalistas e da geografia regional nas cátedras francesas (ANDRADE, 1999). A instituição do curso de História e Geografia no ensino superior da USP na década de 1930, aliada à vinda de pesquisadores franceses como Pierre de Monbeig, Emanuel De Martonne e Pierre Deffontaines, entre outros, para lecionar naquela universidade, favoreceu o desenvolvimento de metodologias sólidas para os estudos em Geografia, e, consequentemente, o desenvolvimento de uma geomorfologia geográfica científica forte e bem estruturada. Até a década de 1950, o Ciclo Geográfico da Erosão constituía o principal paradigma nos estudos em geomorfologia no Brasil. Esse fator se explica pela forte influência que De Martone e, consequentemente, a Geografia francesa, exerciam no meio científico nacional. Ainda que houvesse muitas críticas frente à insuficiência dessa teoria para explicar a evolução geomorfológica brasileira, importantes pesquisas foram desenvolvidas dentro dessa abordagem, entre as quais se destaca o trabalho de Emanuel De Martone, “Problemas morfológicos do Brasil Tropical Atlântico I”, de 1943, e “Problemas morfológicos do Brasil Tropical Atlântico II”, de 1944 (VITTE, 2011). Nesses trabalhos, De Martonne discute as principais superfícies de aplainamento da região Sudeste do Brasil, ainda na perspectiva cíclica davisiana, em que as superfícies mais antigas ocupariam as áreas mais elevadas e as formas mais recentes resultariam do ataque erosivo sobre essas estruturas ao longo do tempo geológico. Neto (2012) considera que a importância desse trabalho está na sistematização e construção de uma nova perspectiva para o entendimento das superfícies de erosão, o que resultou em melhor compreensão da evolução do relevo da região Sudeste. 17 A partir da década de 1960, a geomorfologia climática desponta no cenário geográfico científico como uma importante ferramenta de interpretação para os fatos geomorfológicos e, aliada às novas descobertas científicas e tecnológicas, promove uma revolução nas formas de analisar e compreender a evolução geomorfológica da Plataforma Sul Americana e, consequentemente, do território nacional. Na geomorfologia climática, a evolução geomorfológica é entendida como resultado das variações climáticas ao longo do tempo geológico. A intensidade da denudação sobre as estruturas geológicas estão intrinsecamente relacionadas aos fatores morfoclimáticos, fato que se evidencia pela diferenciação entre as formas elaboradas sobre estruturas que contém as mesmas características litológicas, mas se encontram em condições climáticas distintas. Ab’Saber (1969) defende que as investigações geomorfológicas devam ser executadas com foco nos eventos ocorridos no quaternário, visto ser possível identificar muitas evidências das mudanças ambientais ocorridas nesse período nos sistemas morfológicos atuais. Ab’Saber op cit (1969) propõe que, nas análises geomorfológicas, sejam consideradas a interação entre os elementos geológicos, a morfogênese e a morfodinâmica presentes no ambiente. A geologia e a morfogênese evidenciam a evolução geomorfológica ao longo do tempo geológico, enquanto a morfodinâmica apresenta os processos atuais que atuam sobre as estruturas. A esse último elemento cabe acrescentar as alterações antrópicas provocadas no meio natural, que, amparadas pela evolução das técnicas e da tecnologia, têm promovido significativas transformações na morfologia da superfície terrestre. As atividades antrópicas sempre atuaram como modificador do meio natural, contudo, a partir de meados do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial, o desenvolvimento de tecnologias voltadas para a produção de bens e mercadorias ampliou a pressão sobre os recursos naturais (CASSETI, 1995). A retirada da vegetação para diferentes fins, a exploração dos recursos minerais, a implantação de práticas agropecuárias, são algumas formas de exploração que, embora necessárias à sobrevivência humana, provocam intensas alterações na paisagem, resultando, muitas vezes, em graves quadros de degradação ambiental. Todas essas atividades têm como suporte principal as formas de relevo que, de modo dinâmico, ora condicionam, ora são condicionadas pelos diferentes sistemas que as compõem. 18 O relevo está em constante evolução, sendo possível, a partir da leitura de suas formas, compreender o quadro ambiental de uma região, bem como elaborar a cronologia da morfogênese do modelado que compõe a paisagem. Ross (1990) salienta que a compreensão do quadro ambiental passa prioritariamente pela compreensão da dinâmica do relevo, visto ser esse o elemento da paisagem que integra todos os demais componentes do meio. Assim, o estudo do relevo torna-se fundamental tanto para as análises de caráter ambiental quanto para o planejamento de qualquer atividade econômica que se queira implantar. Os estudos geomorfológicos aplicados às pesquisas socioambientais favorecem a tomada de decisão, em caso de ações de recuperação ou mitigação de impactos ambientais, e, até mesmo, de planejamento para o uso e ocupação de novas áreas. Um bom levantamento geomorfológico pode inibir o assentamento de populações ou a instalação de atividades produtivas em áreas que ofereçam riscos ao homem ou ao meio. Ross (1990, p. 12) infere que “(...) as ações elaboradas pelo homem no meio ambiente devem ser precedidas por um minucioso entendimento desse ambiente e das leis que regem seu funcionamento (...)”. O relevo é o elemento dos sistemas naturais que absorve e externaliza todos os efeitos dos processos que condicionam a evolução do meio natural do planeta, portanto, um instrumento importante de análise e compreensão das paisagens. A partir da segunda metade do século XX, os estudos geomorfológicos no Brasil tiveram expressivo crescimento, impulsionados principalmente pela utilização do geoprocessamento nos estudos geográficos e adoção de novas abordagens para as pesquisas ambientais como, por exemplo, os estudos em bacias hidrográficas (FLORENZANO, 2008). Esse período marca ainda, segundo Drew (1998), a intensificação dos debates sobre os efeitos da degradação ambiental decorrentes do desenvolvimento tecnológico sobre o planeta e as sociedades, o que influenciou de forma marcante o desenvolvimento das ciências geográficas e da terra. Aexpansão agropecuária, desde o início da colonização do Brasil, provocou fortes alterações no meio natural. Contudo, foi a partir da introdução de técnicas mais avançadas na exploração agrícola, como o uso de máquinas para o preparo do solo, produtos agroquímicos para controle de pragas e doenças nas lavouras, e equipamentos com maior capacidade de extração de água para irrigação, é que o processo de degradação passou a colocar em risco o equilíbrio dinâmico dos sistemas ambientais e a 19 própria qualidade da vida humana (ROSS, 1994). Dentre os quadros de impactos ambientais negativos, Drew (1991) destaca a contaminação dos solos e da água, o desmatamento e a intensificação dos processos erosivos, por serem comuns a quase todos os lugares do planeta, além de comprometerem diretamente o equilíbrio, a manutenção e a recuperação da biodiversidade dos ambientes naturais. O Norte de Minas Gerais ganha destaque no cenário econômico brasileiro a partir da década de 1960, com a inserção dessa região na área de abrangência da SUDENE. Nesse contexto, ocorrem no meio natural intensas transformações, impulsionadas principalmente pela inserção do capital de grandes empresas dos setores agropecuário e industrial no meio agrário regional. Santos (2010) ressalta que o projeto desenvolvimentista aplicado ao norte de Minas Gerais não considerou o agricultor sertanejo e suas múltiplas experiências de convivência com o bioma, relegando a essas populações o papel de assalariados ou migrantes no contexto socioeconômico regional. Veloso e Rosa (2012) discutem que a implantação do agronegócio no Norte de Minas Gerais resultou em acelerado processo de degradação ambiental. O desmatamento de grandes áreas para implantação das monoculturas e da agropecuária, o uso intensivo de água para irrigação, entre outras ações incentivadas pelos programas desenvolvimentistas estatais como POLONORDESTE1 – Programa das Áreas Integradas do Nordeste; o PRODECER2 – Programa Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado, desenvolvido em ação conjunta entre os governos brasileiro e japonês e o POLOCENTRO3 – Programa de Desenvolvimento do Cerrado - promoveram rápidas e intensas transformações na paisagem norte mineira à medida que 1 O POLONORDESTE foi implantado pelo Decreto nº 74794 de 30/10/1974 / Poder Executivo e teve como objetivo “...promover o desenvolvimento e a modernização das Atividades agropecuárias de áreas prioritárias do Nordeste, com o sentido de polos agrícolas e agropecuários (Decreto nº 74794 de 30/10/1974-Art. I).” Sua implementação ocorreu via recursos da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, Banco do Nordeste do Brasil – BNB, Ministério da Agricultura, Governos dos estados do Nordeste e outras instituições de interesse. Nesse programa, foram disponibilizados investimentos para vários estados da Região Nordeste do Brasil, além da região do Jaíba no Norte de Minas Gerais (Decreto nº 74794 de 30/10/1974 / PE - Poder Executivo Federal (D.O.U. 31/10/1974)). 2 O PRODECER foi um programa de cooperação mútua entre os governos Japonês e Brasileiro iniciado no ano de 1974, com assinatura do primeiro documento pelo então presidente do Brasil Ernesto Geisel e o Primeiro Ministro Japonês Kakuei Tanaka e implementado definitivamente em 1979. Essa parceria foi estimulada pela crise mundial na produção de grãos ocorrida em 1973 que comprometeu o abastecimento de soja do Japão e pela necessidade brasileira de modernizar e dinamizar a produção agrícola na região dos cerrados brasileiro (MAPA, 2002). 3 O POLOCENTRO contemplou áreas de cerrado em vários estados brasileiros. Em Minas Gerais, foram selecionadas em sua fase preliminar, áreas no Triângulo Mineiro, Alto-Médio São Francisco, incluindo a região de Pirapora, e Vão do Paracatu (Decreto nº 75.320, de 29 de Janeiro de 1975). 20 se concretizava o projeto governamental de “diminuição das disparidades entre as regiões brasileiras” (VELOSO e ROSA, 2012). Melo e Espíndola (2006) discutem que o cerrado no município de Buritizeiro vem sendo substituído pela silvicultura desde a década de 1970 e, mais recentemente, a partir da década de 1990, pela agricultura irrigada, restando de sua vegetação original apenas alguns fragmentos. As pressões exercidas pela sociedade contemporânea sobre o meio natural impuseram significativas modificações ambientais às paisagens, o que resultou em desestabilização do equilíbrio dinâmico dos ambientes naturais com crescente aceleração dos processos erosivos e consequente modificação das formas de relevo. O objetivo dessa pesquisa é elaborar uma carta de susceptibilidade potencial à erosão da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia que sirva como instrumento para análise e compreensão dos mecanismos responsáveis pela evolução da paisagem e suas implicações para o equilíbrio e manutenção dos sistemas ambientais que compõem essa unidade territorial. O entendimento da morfodinâmica da paisagem, além de essencial para o desenvolvimento de ações que visam a proteção ou a recuperação de áreas prioritárias à conservação, revela-se de grande importância acadêmica por possibilitar uma leitura direta da evolução geomorfológica regional. Ao final da pesquisa, pretende-se que o material cartográfico produzido exprima a realidade ambiental da bacia hidrográfica do Ribeirão do Areia e possa subsidiar a tomada de decisões, tanto para ações de conservação ou recuperação de áreas degradadas, quanto para uso e ocupação dos solos para empreendimentos futuros. A erosão dos solos em climas tropicais, segundo Guerra (2014), tende a ser intensificada pela atuação antrópica sobre o modelado regional. A intensificação dos processos erosivos atinge diretamente o equilíbrio dinâmico dos ambientes naturais e, consequentemente, a qualidade de vida das populações, visto que influi na disponibilidade da água e na fertilidade dos solos, além disso, pode oferecer riscos aos assentamentos humanos e, em escala maior, comprometer a sobrevivência humana. Os estudos dos solos aplicados ao planejamento ambiental são discutidos por Botelho (2014) como basilares à compreensão da dinâmica das paisagens de uma área. O solo é o suporte das atividades humanas, como tal, constitui um elemento altamente frágil e susceptível à degradação quando não manejado de forma adequada. 21 Ross, (1994 p. 66) considera que a relevância dos estudos dos solos vai além da avaliação para aptidão agrícola; eles evidenciam também o nível de fragilidade dos ambientes explorados pelos empreendimentos agropecuários. Ross (op cit) enfatiza que a fragilidade ambiental deve ser avaliada a partir dos pressupostos das Unidades Ecodinâmicas de Tricart, em que o ambiente é abordado de forma integrada a partir da relação de interdependência que os componentes do sistema ambiental estabelecem entre si. O reconhecimento da fragilidade ambiental, segundo Ross (op cit), constitui elemento fundamental das ações de planejamento territorial frente à intensa pressão antrópica sobre os recursos naturais. A susceptibilidade dos solos à erosão laminar reflete bem a fragilidade dos ambientes naturais. Sendo o solo o elemento que sustenta as atividades produtivas sociais, sua fragilidade interfere diretamente na estabilidade dos sistemas ambientais, podendo ocasionar processos de degradação de difícil reversão, como a erosão acelerada e a desertificação. Os resultados da pesquisa foram organizados em cinco capítulos. O primeiro capítulo preocupa-se em apresentar um breve histórico da construção das bases da geomorfologia no Brasil, relacionando-as ao processo de construção do Ensino Superior na primeira metade do século XX. Nesse contexto, a influência dos geógrafos franceses foi determinante, seja na implantação da disciplina Geomorfologia dentroda grade curricular dos cursos de História e Geografia da Universidade de São Paulo - USP, seja na construção das bases metodológicas para os estudos no território brasileiro ou ainda na formação de um corpo sólido e competente de geógrafos geomorfólogos que, ainda hoje, exercem forte influência nos estudos geomorfológicos do Brasil. No segundo capítulo, são expostos os procedimentos técnicos metodológicos que nortearam a construção desse trabalho. O levantamento bibliográfico acompanhou todas as fases da pesquisa e, aliado às visitas de campo e análise dos produtos cartográficos, possibilitou a correlação entre as especificidades da bacia e as bases teóricas já consolidadas na literatura científica. A produção cartográfica foi desenvolvida em ambiente SIG, no Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Estadual de Montes Claros. Essa etapa foi essencial para o desenvolvimento da pesquisa, por possibilitar a análise holística da bacia. As visitas de campo ocorreram no primeiro semestre dos anos 2017 e 2018. As investigações de campo foram somadas aos produtos cartográficos para possibilitar a avaliação mais fidedigna possível da área de estudo. 22 O terceiro capítulo apresenta a localização e caracterização da área de estudo. São identificadas as características geológicas, geomorfológicas, climáticas, pedológicas e de uso e ocupação da terra. Nessa investigação, foram utilizadas as análises de campo, revisão bibliográfica e técnicas de geoprocessamento, a fim de identificar e contextualizar essas características à evolução dinâmica, física e social do ambiente na bacia. O quarto capítulo traz os resultados e discussões baseados no produto fim dessa pesquisa, que é o mapa de suscetibilidade potencial à erosão da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia. Nessa fase da pesquisa, foi essencial o cruzamento dos dados obtidos em ambiente Sig, dados de campo e análise de informações produzidas em estudos anteriores, por diversos autores, referentes à região da área de estudo. O texto explicita os processos e elementos que condicionam a evolução da paisagem e busca, através da análise integrada dos atributos físicos e antrópicos da bacia, compreender a relação entre esses elementos. O último capítulo corresponde às considerações finais, nas quais se faz uma síntese dos resultados encontrados na pesquisa. A área de estudo é apresentada como uma área com elevado grau de antropização refletido na estabilidade dinâmica de seus sistemas naturais, inclusive os solos. A Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia apresenta susceptibilidade potencial à erosão, entre alta à média, condicionada, principalmente, pelas características pedológicas, uso dos solos e geomorfologia. Dessas variáveis, o uso dos solos e a geomorfologia representam os fatores de maior influência em setores específicos da bacia. Nas áreas de planalto e na planície, onde as declividades são menos expressivas, o uso e ocupação da terra exercem maior influência na alta susceptibilidade potencial. Nas bordas do planalto e áreas com maiores variação de altimetrias, a declividade soma-se ao uso e ocupação da terra na influência da erodibilidade. 23 OBJETIVOS OBJETIVO GERAL: • Analisar a susceptibilidade potencial à erosão hídrica da Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Areia, Buritizeiro-MG, a partir de uma leitura geomorfológica e de uso e ocupação da terra. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: • Identificar os compartimentos do relevo determinados por fatores naturais; • Identificar os aspectos fisiográficos (solo, geologia, clima) da área de estudo; • Elaborar o mapa de potencial erosivo da bacia. 24 1 OS ESTUDOS GEOMORFOLÓGICOS NO BRASIL: EVOLUÇÃO TE ÓRICA E METODOLÓGICA O século XX foi um período de profundas mudanças no cenário mundial. A ocorrência das duas grandes guerras mundiais, o avanço científico e tecnológico, a consolidação do capitalismo como sistema hegemônico na economia mundial, o agravamento das questões ambientais e sociais, entre outros, são alguns exemplos de fatores que promoveram transformações sem precedentes e irreversíveis em todas as regiões do globo terrestre. Dentre esses fatores, a ciência e a tecnologia têm um papel fundamental: elas direcionam as transformações no espaço geográfico, ora contribuindo para a solução dos problemas encontrados, ora provocando alterações muitas vezes catastróficas no ambiente. Nesse contexto, as ciências geográficas e, consequentemente, a geomorfologia, despontaram na primeira metade do século XX como um eficiente instrumento de compreensão do espaço e de suas transformações e, a partir da segunda metade do século XX, ganharam maior destaque e importância pelo seu potencial de intervenção, prevenção e mitigação dos problemas ambientais. Os estudos geomorfológicos no Brasil são uma construção relativamente recente, têm menos de um século. Contudo, esses estudos são de extrema relevância para a compreensão da evolução geológica e geomorfológica da plataforma brasileira, visto que estamos, como citado por Campos e Dardene (1997), em uma das regiões mais antigas do planeta. No Brasil, desenvolveram-se principalmente a partir da primeira metade do século XX, sob forte influência da geografia francesa. Esse processo ocorre conectado às mudanças políticas, econômicas e estruturais do território brasileiro, impostas pelas políticas desenvolvimentistas de Getúlio Vargas, que, a partir da década de 1930, promovem intensas mudanças na estrutura político/administrativa do país. Ao centralizar o poder decisório da política nacional no governo central, Getúlio Vargas desarticula o poder e a influência das oligarquias agrárias e empresariais na política brasileira e inicia o processo de modernização no território nacional através de investimentos na industrialização e criação de várias instituições que terão 25 importância fundamental na consolidação do projeto de construção da identidade nacional brasileira4 (MACHADO, 2000). A institucionalização do Ensino Superior acontece na efervescência dos debates sobre a construção de uma nova identidade cultural, de um território integrado e moderno, no ideário de desenvolvimento econômico/social e de fortalecimento do Estado Nacional ocorrido na década de 1930. Oliveira (1999) discute esse período da história brasileira sob a ótica da inquietação intelectual frente à necessidade de construção de uma identidade nacional, em que a instrução formal e o direcionamento político teriam papel fundamental. O anseio desenvolvimentista do governo Vargas, aliado ao ideário da educação formal das elites na construção da identidade nacional, cria o ambiente propício à construção da nova universidade brasileira, com uma filosofia de ensino moderna que favorece a autonomia intelectual da sociedade e, consequentemente, direciona a construção do ideário político, social e econômico idealizado pelo Estado. A criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934 e da Universidade do Distrito Federal (UDF) em 1935 foram fundamentais para a consolidação desse novo Ensino Superior no Brasil. As duas universidades, idealizadas sob a égide dos novos discursos e debates de intelectuais e políticos brasileiros, traziam também em suas bases interesses particulares das elites regionais, que viam na educação formal um instrumento de liderança sobre a política e economia nacional5. Paralelo ao processo de consolidação das instituições de Ensino Superior no Brasil ocorre a institucionalização dos cursos de Geografia, que passam a ser 4Maiores informações sobre esse período e sua importância para a modernização político/econômica do Brasil podem ser encontradas em diversas bibliografias. Apresentam-se,aqui, duas obras que foram utilizadas neste trabalho: Machado (2000) “A implantação da geografia universitária no Rio de Janeiro” e o livro organizado por D’ Araújo (1999) “As instituições da Era Vargas”. 5 Machado (2000) discute que a ideologia imposta ao projeto universitário da elite paulista vinha marcada pelo ressentimento da derrota na Revolução Constitucionalista de 1932 contra o governo Vargas. A USP atuaria na formação de uma elite intelectual forte e competente, capaz de atuar na recuperação da influência exercida pelos paulistas no cenário nacional. No Rio de Janeiro, a UDF surge com o objetivo claro de constituir na capital do Brasil um centro de formação intelectual desvinculado das influências conservadoras, principalmente de pessoas ligadas à igreja católica, e das condutas adotadas até então no Ensino Superior. Em ambas as universidades, os idealizadores almejam direcionar a construção de uma nova identidade social no território nacional através da formação intelectual das elites. 26 ministrados inicialmente por intelectuais de diferentes áreas, sob o comando de geógrafos franceses como Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig. Prazera Jr. (1988) destaca a influência histórica/cultural exercida pela França na sociedade brasileira até meados do século XX como um dos fatores responsáveis pela forte ligação das ciências geográficas brasileiras com as teorias francesas. Ainda que a Geografia Francesa e a Alemã tenham se desenvolvido em períodos muito próximos na Europa, no Brasil, a Geografia Francesa ganhou maior visibilidade, principalmente após a criação da USP, quando geógrafos franceses foram convidados para ministrarem os cursos na área das Humanidades (PRAZERA JR., 1988). O professor Pierre Deffontaines foi convidado a assumir as cadeiras de Geografia Física e Humana da USP, onde permaneceu até 1935, quando assume as aulas na Universidade do Brasil (Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro) e deixa a cargo do professor Pierre de Monbeig a formação dos geógrafos da USP. Cabe ressaltar a importância dos professores Deffontaines e Monbeig para a criação e difusão da AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros - no ano de 1934, instituição que contribuiu significativamente para formação de pesquisadores geógrafos e para divulgação das pesquisas realizadas no Brasil. Andrade (1994, p. 73) apresenta a seguinte consideração sobre a influência de Deffontaines no desenvolvimento da Geografia brasileira. Pierre Deffontaines, brilhante e comunicativo, não só exerceu influência sobre seus alunos como também, reunindo-se a intelectuais paulistas como Caio Prado Júnior e Rubens Borba de Morais, fundou a Associação dos Geógrafos Brasileiros, inicialmente paulista, por atuar apenas naquele estado. Através de viagens, de pesquisas e de conferências Deffontaines despertou o interesse pela geografia e preparou o terreno para o trabalho que seria desempenhado, a partir de 1935, por seu colega e compatriota Pierre Monbeig. [...]. (ANDRADE, 1994, p. 73) Pierre Monbeig, ao assumir as cadeiras de Geografia até então ocupadas por Pierre Deffontaines, cumpre com dinamismo a tarefa de firmar a ciência geográfica como campo do conhecimento dentro das universidades brasileiras. Monbeig, graduado na Universidade de Paris, sob forte influência da geografia de Vidal de LA Blache, imprime na geografia produzida na USP a identidade francesa, sem contudo, como 27 destacado por Andrade (1994), adotar a rigidez de muitos geógrafos clássicos, que não aceitavam como geográficos os discursos que envolvessem política e filosofia. Vitte (2011) atribui a Monbeig a construção do método em pesquisa geográfica que norteou a produção uspiana e influenciou vários pesquisadores formados sobre sua influência e de seus conterrâneos. Através do enfoque regional, Monbeig produz, juntamente com seus discípulos, uma geografia preocupada com a integração do homem no espaço e com as consequências dessa integração para o espaço. A atuação de Monbeig, aliada ao intenso trabalho de sua equipe, consolidam as bases dos estudos geográficos no Brasil e, em poucos anos, formam geógrafos de grande expressividade no cenário científico nacional, que passam a atuar diretamente na construção e consolidação da geografia científica brasileira. Um dos mais expressivos geógrafos brasileiros, Aroldo de Azevedo, teve sua formação em Geografia e História na primeira turma do curso da USP, sob a orientação de mestres franceses, como De Martonne, Monbeig, Deffontaines, entre outros. Nesse mesmo período é criada também, na capital do Brasil (Rio de Janeiro), a Universidade do Distrito federal. Criada sob o ideário liberalista de Anísio Teixeira, a UDF apresentava um projeto inovador para a formação superior brasileira, no qual, através da aproximação com o modelo educacional norte americano defendido pelo filósofo John Dewey, buscava romper com a influência conservadora de líderes católicos dentro do ensino a partir da construção de um sistema educacional sólido e integrador que ajudasse na construção da identidade nacional. Em 1939, sob o regime do Estado Novo, a UDF foi incorporada à Universidade do Brasil, e passa a compor o quadro de cursos da Faculdade Nacional de Filosofia. A implantação do curso de Geografia na UDF conta com a atuação dos geógrafos franceses Deffontaines, Lucien Febvre e dos brasileiros Carlos Delgado de Carvalho e Fernando Antônio Raja Gabaglia. Machado (2000) Salienta que os geógrafos franceses, assim como na Geografia da USP, exerceram forte influência na formação dos geógrafos da instituição; no entanto, Prazera Jr (1988) observa que, talvez pela diversidade do quadro profissional ou pela própria ideologia da universidade, a influência francesa não tenha sido tão incisiva em sua produção científica quanto foi na USP. Os geógrafos franceses que consolidaram as bases da Geografia Científica no Brasil traziam em sua formação as influências dos grandes mestres da geografia 28 francesa, como Vidal De La Blache, Jean Brunhes, entre outros. Tais tendências e, em particular, a perspectiva vidalina, nortearam a produção científica em Geografia, principalmente na USP, onde a atuação docente de Deffontines, Monbeig e De Martonne foi determinante na construção do método e no desenvolvimento dos estudos integrados em Geografia (VITTE, 2011). Vale ressaltar que, antes da implantação da USP e da UDF, a produção geográfica do Brasil estava vinculada a intelectuais de outras áreas do conhecimento, como Josué de Castro, médico, preocupado em evidenciar a crise socioeconômica e alimentar, vivida por uma considerável parcela da população brasileira, em especial na região Nordeste, e Gilberto Freire, antropólogo formado nos Estados Unidos, autor de diversas obras essenciais na análise e compreensão da estrutura social do Brasil. Essas obras, com temas de interesse geográfico, foram muito importantes ao denunciar a crise social e econômica no Nordeste ou os conflitos advindos das transformações socioespaciais ocorridas com o incipiente processo de industrialização pelo qual passava o país. Entre a primeira metade do século XIX até a década de 1930, os estudos de Geografia Física no Brasil foram desenvolvidos principalmente por naturalistas e especialistas em geologia e geomorfologia, estrangeiros, na maioria europeus. A participação de pesquisadores Brasileiros torna-se efetiva a partir das primeiras décadas do século XX, sobretudo dos geógrafos com formação francesa, o que contribui significativamente para o desenvolvimento metodológico da geografia brasileira. Importantes obras foram publicadas nesse período, constituindo o referencial de base para o entendimento do território brasileiro. O período compreendido entre a segunda metade do século XIX até a década de 1910 é destacado por Christofoletti (1980)como um período de importante produção sobre a geologia e geomorfologia brasileira. Cabem destaque as expedições de Charles Frederik Hartt, que resultaram na publicação em 1870 da obra “Geologia e Geografia Física do Brasil”; Orville Abalbert Derby, que em 1884 organiza o conhecimento geomorfológico adquirido até então sobre o Brasil; e John Casper Branner, com a publicação do primeiro compêndio sobre geologia do Brasil. Entre essas obras, de grande importância, destaca-se “Le Brésil Meridional: Etude Économique sur les Etats du Sud” (1910) de Carlos Delgado de Carvalho, na qual são discutidas de forma integrada e relacional as realidades socioeconômicas e naturais 29 do Brasil. Machado (2000) considera Carlos Delgado de Carvalho um precursor da geografia moderna no Brasil, ao destacar que, ainda que seu trabalho só tenha se difundido a partir da institucionalização do Ensino Superior na década de 1930, foi a partir de suas obras que ocorreu a introdução dos métodos de pesquisa da geografia francesa no meio intelectual nacional. Ouros brasileiros, como Everardo Backeuser, Alberto Ribeiro Lamego, entre outros, sob influência da geografia francesa, deram importante contribuição aos estudos geológicos e geomorfológicos do Brasil. Os estudos geomorfológicos sobre o território brasileiro desenvolvem-se principalmente a partir institucionalização dos cursos de Geografia nas universidades criadas a partir da década de 1930. Anterior a esse período, ainda que tenham sido publicadas importantes obras voltadas à perspectiva geográfica, essas traziam uma abordagem generalista voltada para a descrição das características regionais, sem que se fosse realizado um estudo mais aprofundado e sistemático do meio. O processo de consolidação da Geografia Científica na década de 1930 ocorre em um momento muito favorável ao desenvolvimento de pesquisas que contribuíssem para a descoberta das potencialidades do território nacional. A ciência geográfica cumpria bem esse papel, visto que, mais que identificar os problemas e potencialidades do espaço geográfico, os pesquisadores da geografia procuravam contextualizá-los no tempo e no espaço, contribuindo de forma significativa para as ações de políticas e de planejamento do Estado. Vitte (2011) considera a criação da USP e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE dois marcos importantíssimos no desenvolvimento da geomorfologia geográfica brasileira. A influência Francesa, segundo Prazera Jr. (1988), foi determinante para a construção da Geografia, e, consequentemente, da Geomorfologia, dentro da recém criada universidade. Concernente à Geomorfologia desenvolvida na USP, De Martonne (ANO) desenvolve o método das pesquisas a partir da junção entre a análise baseada na teoria davisiana do ciclo geográfico (paradigma geomorfológico dominante em sua prática) e a “perspectiva metodológica regional de Pierre Monbeig” (NETO, 2012). Os estudos geográficos, segundo Monbeig (ANO), deveriam desenvolver-se a partir da análise regional, na qual o natural e o social seriam analisados de forma integrada, a fim de obter uma visão de conjunto dos processos responsáveis pela estruturação da área. 30 Os artigos de De Martone “Problemas Morfológicos do Brasil Tropical Atlântico I” (1943) e II (1944) constituem, segundo Vitte (2010), um marco importante para o desenvolvimento da pesquisa geomorfológica, na medida em que direcionam a problemática a ser aplicada ao objeto, bem como o método norteador do estudo. A crítica acerca desse estudo baseia-se na insuficiência da teoria do Ciclo Geográfico da Erosão em elucidar os diferentes períodos e processos responsáveis pela esculturação do relevo no território brasileiro. Contudo, é consenso entre vários autores que os estudos de De Martonne (ANO) sobre as “superfícies de erosão” constituem uma ruptura analítica importante no entendimento da evolução do relevo brasileiro. A análise, ainda que pautada nas superfícies de erosão de Davis, oferece uma nova perspectiva para o entendimento da morfologia do relevo contribuindo, segundo Vitte (2011), significativamente para formação de pesquisadores “Geógrafos-geomorfólogos” no então incipiente curso de Geografia da USP. O IBGE, enquanto instituição pública que objetivava desvendar o território brasileiro a fim de auxiliar nas políticas de integração e desenvolvimento do Estado, destacou-se, sobretudo, nas pesquisas voltadas para os estudos socioeconômicos e das potencialidades paisagísticas do país, fato que favoreceu o desenvolvimento dos estudos relacionados às bases físicas do Brasil, como a geologia, geomorfologia e hidrografia. O corpo intelectual da instituição, composto por profissionais de várias áreas de formação (engenheiros civis, agrônomos, sociólogos, etc.), geógrafos franceses, presença determinante no início da instituição, e geógrafos brasileiros, alguns graduados na USP, dedicou-se à construção de uma base de dados estatísticos padronizada e consistente capaz de nortear as ações de planejamento do Território Nacional. Os primeiros estudos geomorfológicos desenvolvidos no âmbito do IBGE tiveram como objetivo identificar o potencial de uso dos recursos naturais da bacia do rio São Francisco. Desenvolvidos sobre a tutela de Orlando Valverde em parceria com um amplo e diversificado grupo de profissionais, entre eles os geógrafos franceses como De Martonne e Francis Ruellan, esses estudos foram de suma importância, não apenas para o direcionamento das políticas estatais, mas também para a sistematização e disseminação do conhecimento geomorfológico da bacia do São Francisco. 31 1.1 As teorias geográficas e sua aplicação nos estudos em Geografia Física no Brasil Vários estudos realizados até a década de 1950, de grande importância para o desenvolvimento da geomorfologia geográfica brasileira, foram desenvolvidos sobre a ótica dos postulados da teoria do Ciclo Geográfico da Erosão6. Essa tendência, resultado da influência francesa no desenvolvimento da Geografia Científica Nacional, em particular a da USP, já vinha sofrendo críticas quanto à insuficiência da interpretação geomorfológica em função da estrutura geológica para explicar o quadro evolutivo do relevo, destacando o papel do clima e da litologia em sua elaboração. As críticas ao modelo imposto fundamentavam-se principalmente na falta de conexão do modelo apresentado com elementos do clima, por exemplo, já interpretado por muitos geomorfólogos como elemento de importante atuação na elaboração das formas na crosta terrestre. Vitte (2011) destaca que as pesquisas geomorfológicas desenvolvidas no Brasil até a década de 1950, ainda que muito atreladas à perspectiva davisiana, possibilitaram descobertas importantes sobre a formação do Território Brasileiro, ao mesmo tempo em que alimentavam os questionamentos acerca das falhas no modelo proposto por Davis. Diferente da abordagem cíclica davisiana, a geomorfologia alemã desenvolveu-se numa perspectiva geográfica considerando a interconexão entre os elementos naturais na evolução do modelado terrestre. Casseti (2005) destaca a importância da geomorfologia alemã para o desenvolvimento de novas correntes epistemológicas, inclusive nos Estado Unidos, onde, a partir da década de 1930, as ideias de Walter Penk passam a ser difundidas entre os pesquisadores, resultando em 6A teoria do Ciclo Geográfico da Erosão é elaborada por William Morris Davis no final do século XIX. Davis propõe que a denudação inicia com um rápido e intenso processo de orogenia onde, em seguida, favorecida pela instalação de talvegues entre as superfícies, a água se acumula e começa o trabalho de modelagem do relevo, que continua evoluindo em um ambiente de total estabilidade tectônica até a formação de umgrande peneplano, ciclo final da evolução. Nesse processo, o relevo passaria por três fases: juventude (início da denudação), maturidade (momento em que as formas encontram-se bem definidas) e senilidade (quando alcança a peneplanização das formas com consequente reinstalação dos processos tectônicos). Esse modelo de evolução do relevo foi muito criticado, principalmente pelos geógrafos alemães que concebiam uma evolução geomorfológica vinculada à interação dos diferentes processos elementos presentes no ambiente. 32 novas propostas metodológicas para o estudo do relevo. Penck, ainda que considerasse a influência da tectônica na construção do relevo, defendia em sua teoria que a elaboração das formas era o resultado da ação conjunta e simultânea de fatores internos e externos e, dependendo do comportamento da crosta, um ou outro fator se realçaria frente ao outro. No Brasil, a década de 1950 é marcada por intensos debates acerca dos métodos interpretativos do relevo, propiciados por questionamentos e apontamentos de pesquisadores que consideravam o modelo de Davis insuficiente para explicar a evolução das formas do relevo terrestre. Nesse contexto, as teorias alemãs já bastante utilizadas no meio científico geográfico adquirem maior visibilidade através da pesquisa desenvolvida no Brasil por Lester King, a fim de coletar informações para sua teoria de pediplanação (ABREU, 2003). A Teoria da Pediplanação7 desenvolvida por King e Pugh a partir de estudos na África na década de 1950 associa a abordagem cíclica do relevo proposta por Davis à perspectiva processual de Penck. A evolução do relevo, segundo King, realiza-se a partir da relação entre os processos erosivos sobre as superfícies e as variações climáticas que determinariam a intensidade da denudação, além dos sucessivos períodos de instabilidade e estabilidade tectônica. King consolida sua teoria a partir da influência dos climas áridos e semiáridos sobre os processos erosivos, evidenciando que, apesar do comportamento cíclico proposto por Davis não constituir a base da evolução do relevo, a atuação dos processos tectônicos sobre a crosta terrestre contribuiriam de forma intermitente para evolução das superfícies de erosão ou de pediplanação. O desenvolvimento da Cartografia Geomorfológica, assim como o incipiente uso das fotografias aéreas para os estudos do território na década de 1950, promoveu significativas mudanças na abordagem metodológica para estudos do relevo, o que resultou, segundo Vitte (2011 p. 96), na elaboração de modelos interpretativos “mais condizentes para explicar os fenômenos geomorfológicos em ambiente tropical”. 7 Vários autores discutem a influência das proposições de King para os estudos geomorfológicos no Brasil. Destacam-se nesse texto as considerações de Casseti (2005), que oferece uma leitura sintética e objetiva da teoria da Pediplanação, além de outras importantes teorias que, juntas, construíram as bases das pesquisas geomorfológicas no século XX. Para uma leitura mais aprofundada sobre a Teoria da Pediplanação, recomendamos o acesso ao material produzido pelo próprio Lester King em pesquisa no território brasileiro “A Geomorfologia do Brasil Oriental” disponível para consulta no site da biblioteca do IBGE (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/115/rbg_1956_v18_n2.pdf). 33 Adquire maior visibilidade nesse período os estudos de Tricart (ANO), em que o clima e a morfologia são discutidos como elementos integrados e indissociáveis dentro da paisagem. A grande ruptura paradigmática nos estudos geomorfológicos ocorrerá com a assimilação do paradigma climático nos estudos do relevo. Nesse sentido, os trabalhos de Jean Tricart, desenvolvidos entre os anos 1950 e 1960, foram determinantes na estruturação do novo modelo interpretativo da evolução geomorfológica brasileira. Esses estudos inferiram que havia forte relação entre as variações climáticas do quaternário e a esculturação da superfície terrestre nas áreas tropicais. As discussões sobre a influência do clima na esculturação da crosta terrestre já aconteciam desde a primeira metade do século XX com os geógrafos europeus, dentre os quais se destaca o geógrafo alemão Julius Büdel, que, a partir da década de 1930, passa a estudar a relação entre o clima e o relevo, construindo em sua trajetória um importante referencial para a consolidação da geomorfologia climática e climatogenética (ABREU, 2006). No Brasil, os estudos em geomorfologia climática desenvolvem-se principalmente sob a influência de Tricart. Para a geomorfologia climática, a elaboração do relevo se processa a partir da ação dos diferentes climas presentes no planeta Terra sobre a superfície. Nesse processo, participam também outros elementos, como os ventos, as águas correntes e até mesmo a estrutura geológica, ao oferecer maior ou menor resistência aos processos erosivos (GUERRA, 2008). A partir da década de 1960, os estudos geomorfológicos brasileiros sofrem um significativo avanço proporcionado, principalmente, pelo amadurecimento científico de uma equipe sólida e competente de geógrafos-geomorfólogos, que tiveram participação efetiva na construção histórica e metodológica da pesquisa geomorfológica aplicada no Brasil. Um claro exemplo dessa evolução está presente nos trabalhos de Bigarella e Ab’Saber8 na década de 1960, nos quais, a partir dos conhecimentos e experiências adquiridos ao longo de suas carreiras como professores pesquisadores e 8 Em 1969, Ab’Saber publica um importante trabalho, no qual propõe que os estudos sobre o relevo considerem três níveis de abordagem: compartimentação topográfica, estrutura superficial e fisiologia da paisagem. Nessa metodologia, os dois primeiros níveis se complementam, pois apresentam interdependência entre si. O terceiro nível representa os processos atuantes no tempo histórico que interferem na paisagem ao acelerar ou conter os processos geomorfológicos. 34 das discussões sobre a influência do clima na elaboração do relevo, incorporam o paradigma climático aos estudos geomorfológicos. Convém lembrar que todo esse desenvolvimento acontece em consonância ou a partir de outras importantes teorias ou descobertas do século XX. Florenzano (2008) destaca, por exemplo, a importante contribuição de Passarge com conceito de paisagem, de Trol com a geoecologia, de Strahler e Horton com os estudos da hierarquia fluvial, Hack com o equilíbrio dinâmico e claro, a importante comprovação da tectônica de Placas na década de 1960. Fato é, que esse processo de construção, desconstrução e aprimoramento de conceitos e teorias nos primeiros sessenta anos do século XX culmina com a formação de um corpo de geógrafos conceituados, respeitados e capacitados para a elaboração de bases metodológicas sólidas para os estudos em geomorfologia no Brasil. 1.2 Geomorfologia e paisagem Casseti (2005) define a Geomorfologia como área do conhecimento que busca compreender as formas do relevo a partir da interpretação dos processos pretéritos e atuais ocorridos na crosta terrestre. Como componente natural do ambiente, o relevo interage com os fatores climáticos, geológicos, pedológicos e hidrográficos, constituindo-se em importante elemento dos sistemas ambientais naturais. Como substrato que apoia todas as atividades humanas, o relevo incorpora em sua morfologia uma gama de relações desenvolvidas pelas sociedades humanas, fato que pode ser evidenciado nas alterações produzidas pelo avanço tecnológico atual. O fator antrópico, no entanto, representa apenas uma pequena parcela da infinidade de processos que atuam sobre a litosfera. Penha (2007) pondera que os processos endógenos do planeta são responsáveis pela maior parte dadiferenciação topográfica da crosta terrestre. Fato que se torna evidente nos processos de orogenia que formaram as grandes cadeias de montanhas ao redor do globo, da formação de ilhas ou alteração da morfologia da superfície em regiões de vulcanismo, etc. A denudação dessas estruturas morfogenéticas darão corpo às diferentes morfologias do relevo a partir da interação dinâmica entre os elementos presentes no ambiente. Casseti (2005) estabelece que os fatores endógenos têm influência direta nas características 35 morfológicas da superfície, pois determinam a disposição estrutural e as características físicas das rochas. Nas áreas de contato entre as placas litosféricas, principalmente nas margens continentais ativas, o relevo é transformado constantemente através das atividades tectônicas. Nessas regiões, o efeito da orogenia modifica a superfície de forma mais intensa, remodelando extensas porções, tanto emersas quanto imersas da crosta. Em regiões mais distantes das bordas das falhas, onde as morfoestruturas apresentam maior estabilidade tectônica, os efeitos das forças internas do planeta se fazem mais evidentes em testemunhos de atividades tectônicas ou vulcânicas ocorridas no passado geológico, já bastante trabalhadas pelo intemperismo ou recobertas por sedimentos (PENTEADO, 1983). As superfícies sedimentares são predominantes nas superfícies continentais, no entanto, o embasamento geológico sobre os quais os sedimentos se instalam exerce forte influência sobre o modelado do relevo, ao condicionar a intensidade dos processos denudacionais. Penteado (1983) classifica o relevo em iniciais e sequenciais, considerando os processos que atuaram em sua elaboração. Os relevos iniciais são aqueles originados a partir das atividades tectônicas como orogenia e vulcanismos; os relevos sequenciais são os denudados pelos processos de intemperismo e começam a ocorrer assim que as estruturas tectônicas são expostas ao ambiente. Regiões onde as rochas do embasamento continental foram expostas pela denudação tendem a apresentar relevo com estruturas mais resistentes, o intemperismo a instalar-se sobre esses materiais, terá sua intensidade controlada tanto pela abrangência espacial dessas estruturas dentro do sistema como pela capacidade de resistência dos materiais que compõem o substrato geológico (PENHA 2007). 1.3 Clima e geomorfologia Torres et al (2012) consideram a variação climática entre as diferentes regiões do planeta importante agente modelador da superfície terrestre. A intensidade da denudação nas estruturas do relevo terá maior ou menor intensidade de acordo com a região climática onde se localizam, assim como o tipo de intemperismo atuante será condicionado pelas características climáticas presentes no ambiente. Penteado (1983) discute que o mesmo tipo de rocha exposta a características climáticas diferentes 36 apresentará comportamentos distintos aos processos denudacionais. Em regiões de clima temperado, o intemperismo químico será menos evidente nas estruturas granitóides que em regiões de clima tropical ou subtropical. Em regiões do globo onde as variações climáticas, ao longo do ano, ocorrem com maior intensidade, a erosão mecânica torna-se mais evidente sobre as morfoestruturas; enquanto em regiões de clima temperado ou equatorial, o intemperismo químico atua de forma mais intensa diminuindo, através do desenvolvimento de um “manto de decomposição”, a competência da erosão mecânica. Christofoletti (1980) compreende que as morfoesculturas desenvolvidas na paisagem estabelecem estreita relação com as regiões climáticas onde se situam. Os processos morfodinâmicos, apesar de se consolidarem a partir da interação entre os diferentes elementos constituintes da paisagem, terão no clima seu principal condicionante. A morfologia do relevo constitui, assim, importante testemunho da dinâmica morfoclimática da região onde está inserida. Os processos morfogenéticos que predominaram em uma área durante determinado período podem ser evidenciados a partir de características específicas da topografia ainda não destruídas pela morfogênese atual. Os períodos de aridez na história geológica de determinada região deixarão uma topografia caracterizada pela sedimentação eólica e/ou predominância do intemperismo físico em suas estruturas, enquanto os períodos mais úmidos poderão deixar marcadas na topografia indícios de grandes movimentos de massas ou alteração das características ambientais pelo intemperismo químico e/ou biológico. Assim, cada zona morfoclimática apresentará uma dinâmica própria quanto à elaboração topográfica do globo. Büdel (1963) apud Christofoletti (1980) classifica as zonas morfoclimáticas em cinco zonas com características morfológicas distintas a partir da relação entre fatores climáticos, biológicos, físicos e antrópicos. São elas: zonas glaciares; zona de formação pronunciada de vales; zona extratropical de formação de vales; zona subtropical de sedimentos e de formação de vales; zona tropical de formação de superfície de aplanação. A figura 1 apresenta a espacialização das zonas morfoclimáticas propostas por Büdel pelo globo. Figura 1 – Zonas morfoclimáticas da Terra Fonte: Cristofoletti (1980) Ao considerar as relações atuantes na elaboração do relevo terrestre, Ab’Saber (1969) propõe que os estudos geomorfo correlação entre os conhecimentos geológicos, a morfogênese e a morfodinâmica atual. Há nessa concepção a preocupação em inserir os processos antrópicos na elaboração das formas, visto que a evolução das técnicas e da te (2005), tem proporcionado à sociedade superar as limitações impostas pelas formas de relevo à apropriação de porções mais acidentadas da superfície. O reconhecimento da importância dos processos exógenos sobre o modelado do relevo proporcionou significativo avanço para a compreensão da dinâmica geomorfológica. O relevo, que até partir do paradigma cíclico davisisano (perspectiva estrutural como um elemento dinâmico, que ao interagir com os demais elementos presentes no ambiente, atua diretamente na construção das paisagens. Ab’ Saber (1969 p. 03) 9 O sistema proposto por Davis do ciclo da erosão tem nas estruturas geológicas o elemento de formação do relevo. Zonas morfoclimáticas da Terra, segundo Büdel. Fonte: Cristofoletti (1980). Ao considerar as relações atuantes na elaboração do relevo terrestre, Ab’Saber (1969) propõe que os estudos geomorfológicos se estabeleçam a partir da correlação entre os conhecimentos geológicos, a morfogênese e a morfodinâmica atual. Há nessa concepção a preocupação em inserir os processos antrópicos na elaboração das formas, visto que a evolução das técnicas e da tecnologia, como discutido por Casset (2005), tem proporcionado à sociedade superar as limitações impostas pelas formas de relevo à apropriação de porções mais acidentadas da superfície. O reconhecimento da importância dos processos exógenos sobre o ado do relevo proporcionou significativo avanço para a compreensão da dinâmica geomorfológica. O relevo, que até a década de 1950, fora abordado principalmente a partir do paradigma cíclico davisisano (perspectiva estrutural9), passa a ser entendido m elemento dinâmico, que ao interagir com os demais elementos presentes no ambiente, atua diretamente na construção das paisagens. Ab’ Saber (1969 p. 03) O sistema proposto por Davis do ciclo da erosão tem nas estruturas geológicas o elemento de formação do relevo. 37 Ao considerar as relações atuantes na elaboração do relevo terrestre, lógicos se estabeleçam a partir da correlação entre os conhecimentos geológicos, a morfogênese e a morfodinâmica atual. Há nessa concepção a preocupação em inserir os processos antrópicos na elaboração das ogia,