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FR EN TE Ú N IC A 19 Tanto a adoção da moeda quanto a invenção de formas abstratas de conceber o tempo e a linguagem encontram ainda maior ressonância no ambiente que é por excelência o lugar da filosofia desde seu nascimento: a cidade, surgida entre os séculos VIII e VII a.C. Três características da vida na cidade favorecem o surgimento da filosofia. Em primeiro lugar, a importância que a palavra assume nessa nova for- ma de organização social em que o debate é a fonte das decisões públicas. Em segundo lugar, o caráter público que a vida na cidade dá a diversos domínios que antes eram restritos a um seleto grupo. Em terceiro lugar, a ideia de isonomia, igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Fig. 2 Vista da Acrópole de Atenas, uma das principais pólis gregas na Antiguidade. G at si /iS to ck ph ot o. co m Os filósofos pré-socráticos O primeiro filósofo da história é Tales, que viveu entre 624 e 546 a.C. na cidade grega de Mileto, na região da Jônia (atualmente território da Turquia). Tales foi o primeiro pensa- dor de quem se tem notícia que rompeu com as explicações mitológicas tradicionais sobre os fenômenos da natureza e propôs uma cosmogonia e uma cosmologia fundadas em explicações naturalísticas, imanentes, despersonalizadas. Tales recusou a explicação genealógica do universo e pro- curou um princípio (arché) universal do qual todas as coisas fossem derivadas – e, para ele, este princípio era a água. Sucessor de Tales e possivelmente seu aluno, Anaximandro (610 a 545 a.C.) também propôs uma explicação naturalística do mundo a partir de um princípio originário. Ao contrário de Tales, no entanto, Anaximandro sustentou que o elemento comum era o ápeiron, ou indeterminado. A formação do mundo natural a partir do ápeiron teria se iniciado, segundo ele, pela formação de dois opostos – quente e frio – e seguido pela constante combinação e separação de elementos. Os muitos opostos que formam a natureza estão em constante competição: às vezes um dos opostos se sobrepõe, mas com o tempo o outro o substitui, para depois voltar a ser dominado pelo primeiro. O terceiro filósofo de Mileto foi Anaxímenes (585 a 525 a.C.), herdeiro da tradição iniciada por Tales e, assim como ele, propõe um elemento como princípio originário – o ar. O ar teria sido escolhido pela sua capacidade de assumir diversas características. Tudo seria formado a partir de sua condensação e rarefação, que poderia gerar vento, nuvem, água, lama, pedra e fogo. Anaxímenes propõe um experimento para demonstrar a capacidade de transformação do ar e a relação entre densidade e temperatura: é só comparar como o ar sai gelado quando assopramos com os lábios apertados, mas sai quente se assopramos com a boca aberta. Desde os milésios, o conceito de arché se mostra central para a filosofia grega. Arché significa princípio, origem, elemento primeiro. Procurar a arché significa procurar por uma substância primeira da qual todo o mundo físico teria se originado, e cada pensador oferecerá uma resposta diferente sobre qual é essa origem. Mas, se pensarmos com cuidado, perceberemos que há dois entendimentos possíveis da arché e de seu papel: podemos entender que ela é o elemento que se transforma para formar tudo que há na natureza, ou podemos entender que este elemento ainda permanece em todas as coisas, de modo que elas adquirem características diferentes, mas continuam tendo o mesmo substrato, a mesma “base”. Pense na arché proposta por Anaxímenes: o ar. Ele tem a capacidade de se transformar em tudo – mas se considerarmos, por exemplo, a água, Anaxímenes entende que o ar se modificou e virou água, ou que ele continua presente nela? Alguns pré-socráticos que veremos a seguir, como Anaxágoras e Demócrito, defendem explicitamente que suas archés continuam presentes em tudo que se forma a partir delas. Para Aristóteles, essa visão também pode ser creditada aos milésios, mas há autores que defendem que essa interpretação está carregada da própria filosofia de Aristóteles e não corresponde ao pensamento de todos os pré-socráticos. Saiba mais Pitágoras de Samos (570 a 490 a.C.) foi uma figura tão influente quanto misteriosa para nós. Durante sua estadia, ele criou uma comunidade de seguidores. Duas doutrinas ficaram associadas ao pitagorismo. A primeira diz respeito à valorização da matemática. Para os pitagóricos, o princípio ordenador do universo, uma arché, é o número. A segunda doutrina filosófica pela qual o pitagorismo é conhecido é a doutrina da transmigração das almas. Pitágoras acreditava que após a morte do corpo a alma alcançava a imortalidade migrando para outro corpo, de outro homem ou possivelmente o de um animal. Heráclito de Éfeso (540 a 480 a.C.) é um dos primeiros a chamar a atenção para o fato de que o que percebemos pelos nossos sentidos é incerto e insuficiente para nos levar à verdade. Conseguir compreender a natureza oculta das coisas é reconhecer que ela está sujeita a uma ordem, um princípio objetivo que governa o universo e que ele chamou de lógos. De acordo com essa ordem, o univer- so é a constante luta de opostos. Heráclito parece, aqui, estar seguindo o pensamento de Anaximandro, mas sua novidade está na ênfase que dá ao elemento conflituoso, dizendo que o mundo natural é uma verdadeira guerra e que se encontra em constante mudança. PV_2021_FIL_FU_CAP2.INDD / 07-09-2020 (14:41) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL PV_2021_FIL_FU_CAP2.INDD / 07-09-2020 (14:41) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL FILOSOFIA Capítulo 2 O nascimento da Filosofia 20 st an le y4 5/ iS to ck ph ot o. co m Fig. 3 Mudança. Parmênides acredita que a mudança é ilusão. Desde a Antiguidade, Heráclito é visto como opositor direto a outro pensador do período: Parmênides de Eleia (515 a 450 a.C.). Parmênides é considerado o fundador da ontologia, a disciplina que estuda o ser. Parmênides acredita que a mudança é ilusão e que a realidade está naquilo que é permanente, pois a ideia de mudança carregava em si uma con- tradição: alguma coisa se transformar no que não é. Parmênides não admitia que algo que é se transformasse em outra coisa, porque aí “o que não é” passaria a ser, e “o que é” deixaria de ser. O ser é, portanto, sempre o mesmo, sem mudar, se dividir ou se mover – uma substância única que Parmênides representou como uma esfera. A maioria dos pré-socráticos que pretendiam encontrar uma arché, um princípio para tudo que existe, elegia um único elemento. Por isso, eles são às vezes chamados de “monistas”. Mas alguns pré-socráticos posteriores a Parmênides fica- ram conhecidos como “pluralistas” ao propor um conjunto de elementos como arché. Os pluralistas combinam as ideias de Parmênides sobre a imutabilidade do ser com a ideia de que as mudanças percebidas pelos sentidos não podem ser completamente ilusórias. Para Empédocles de Acragas (495 a 435 a.C.), quatro elementos formavam a arché: água, terra, fogo e ar. A causa das misturas e separações eram duas forças, amor e ódio, a primeira unindo e a segunda separando os elementos. Empédocles também foi um defensor de uma teoria da evolução baseada na sobrevivência do mais apto e o primeiro a reconhecer a possibilidade de que órgãos de organismos diferentes podiam exercer funções homólogas. Fig. 4 Os quatro elementos: terra, água, ar, fogo. Th om as Vo ge l/i St oc kp ho to .c om Um contemporâneo de Empédocles, Anaxágoras de Clazômenas (500 a 428 a.C.), explica a origem do universo como sendo uma espécie de rocha primitiva na qual tudo estava contido e misturado e em que todas as coisas eram infinitamente pequenas. Em certo momento, essa rocha começa a girar e, pela força centrífuga, as coisas que estavam contidas nela vão sendo expelidas e sendo separadas em opostos. Assim vai sendo formado tudo o que nós conhecemos hoje. O movimento da rocha é iniciado por uma força chamada noûs, traduzido como “mente” ou “inteligência”. A mente é a causa do movimento queinicia o desenvolvimento do universo e que controla a matéria. Leucipo e Demócrito (460 a 370 a.C.) de Abdera radicalizaram a explicação dos pluralistas anteriores e concebe- ram a existência de corpos muito pequenos e indivisíveis, que seriam realidades estáveis responsáveis por compor a matéria como nós a conhecemos. O nome “átomo” significa “indivisível” e foi adotado pela química, apesar de hoje sabermos que o que chamamos de átomo é na verdade composto por partes ainda menores que ele. Além de defen- der a indivisibilidade última da matéria, Demócrito também inovou ao reconhecer a existência do vácuo – é por isso que os átomos podem ficar em constante movimento. Por alguma força externa, sua combinação pode ser quebrada e eles voltam a se mover no vácuo. PV_2021_FIL_FU_CAP2.INDD / 14-09-2020 (20:09) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL FR EN TE Ú N IC A 21 1 Unesp 2012 Aedo e adivinho têm em comum um mesmo dom de “vidência”, privilégio que tiveram de pagar pelo preço dos seus olhos. Cegos para a luz, eles veem o invi- sível. O deus que os inspira mostra-lhes, em uma espécie de revelação, as realidades que escapam ao olhar hu- mano. Sua visão particular age sobre as partes do tempo inacessíveis às criaturas mortais: o que aconteceu outro- ra, o que ainda não é. (Jean-Pierre Vernant. Mito e pensamento entre os gregos, 1990. Adaptado.) O texto refere-se à cultura grega antiga e menciona, entre outros aspectos, a o papel exercido pelos poetas, responsáveis pela transmissão oral das tradições, dos mitos e da memória. b a prática da feitiçaria, estimulada especialmente nos períodos de seca ou de infertilidade da terra. c o caráter monoteísta da sociedade, que impedia a difusão dos cultos aos deuses da tradição clássica. d a forma como a história era escrita e lida entre os povos da península balcânica. e o esforço de diferenciar as cidades-estados e re- forçar o isolamento e a autonomia em que viviam. 2 UEPG-PSS 1 2019 Sobre mito e filosofia, assinale o que for correto. 01 A filosofia é uma cosmogonia atrelada a uma teogonia, pois traz uma explicação racional sobre a origem do mundo, a partir das narrativas míticas. 02 A filosofia é uma cosmologia e os mitos são cosmo- gonias e teogonias. 04 A filosofia exige uma explicação coerente, lógica e racional. 08 A filosofia é uma cosmologia, pois explica a origem do mundo baseando-se na razão, não admitindo contradições. Soma:  3 Uece 2019 “Como se sabe, a palavra mythos raramente foi empregada por Heródoto (apenas duas vezes). Carac- terizar um logos (narrativa) como mythos era para ele um meio claro de rejeitá-lo como duvidoso e inconvincente. [...] Situado em algum lugar além do que é visível, um mythos não pode ser provado.” HARTOG, F. Os antigos, o passado e o presente. Brasília, Editora da UnB, 2003, p. 37. Sobre a diferença entre mythos e logos acima sugeri- da, é INCORRETO afirmar que a o problema do mythos era limitar-se ao que é visí- vel e, por isso, não podia ser pensado. b filosofia e história nasceram, na Grécia clássica, com base numa mesma reivindicação do logos contra o mythos. c o mythos não poderia ser submetido à clarificação ar- gumentativa e à prova — demonstração — discursiva. d em contraposição ao mythos, o logos era um uso argumentativo da linguagem, capaz de criar as con- dições do convencimento. 4 UPE/SSA 1 2017 Observe o texto a seguir sobre a gêne- se do pensamento filosófico. Com a filosofia, novo critério de verdade se impunha: o critério da logicidade. Verdade é aquilo que concorda com as leis do lógos (pensamento, razão). É a razão, que nos dá garantia da verdade, porque o real é racional. LARA, Tiago Adão. A Filosofia nas suas origens gregas, 1989, p. 54. Sobre a gênese do pensamento filosófico, está CORRETO afirmar que a a evidência da verdade com o crivo da racionalida- de tem resposta no mito. b o critério da logicidade está presente na adesão à crença e ao mito. c a gênese do pensar filosófico e a inspiração criado- ra de sentidos consistem na fantasia. d a origem do pensamento filosófico surge entre os gregos, no século VI a.C., na busca por explicação do sobrenatural com a força do divino. e o despertar da filosofia grega surge na verdade argumentada da razão com o critério da interpretação. 5 UEPG-PSS 1 2019 Sobre as investigações filosóficas inicia- das no período cosmológico, assinale o que for correto. 01 Pitágoras de Samos foi o primeiro filósofo a desenvolver uma investigação filosófica acerca da "arché". 02 Tales de Mileto foi o primeiro filósofo a buscar res- postas naturalistas e racionais para questões sobre o mundo. 04 Tales de Mileto buscou em suas investigações res- postas acerca da origem do mundo e concluiu que o ar é o único elemento que se mantém no universo. 08 Os primeiros filósofos ficaram conhecidos como físicos ou filósofos naturalistas pelo fato de estudarem a physis. Soma:  6 UEL 2019 Leia o texto a seguir. Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo me impele, conduzem-me, depois de me terem dirigido pelo caminho famoso da divindade [...] E a deusa aco- lheu-me de bom grado, mão na mão direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu: [...] Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o relato que ouviste – quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar, um que é, que não é para não ser, é caminho de confiança (pois acompanha a realidade): o outro que não é, que tem de não ser, esse te indico ser caminho em tudo ignoto, pois não poderás conhecer o não-ser, não é possível, nem in- dicá-lo [...] pois o mesmo é pensar e ser. PARMÊNIDES. Da Natureza, frags. 1-3. Trad. José Trindade Santos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2009. p. 13-15. Revisando PV_2021_FIL_FU_CAP2.INDD / 09-09-2020 (18:46) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL