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contestações que vinham de todos os lados, provocou o surgimento de grupos radicais, como os Panteras Ne- gras, negros de um grupo socialista contrário à política de Luther King, que, inspirado em Gandhi, defendia a não violência como forma de conquistar direitos sociais. Crescia também o movimento hippie, com todo o seu significado em termos de contestação aos valores da sociedade americana e ao engajamento dos Estados Unidos na guerra. Esse mesmo radicalismo provocou ainda dois eventos traumáticos: o assassinato de Robert Kennedy, irmão de John e candidato do Partido Democrata nas eleições pre- sidenciais de 1968, e do próprio Martin Luther King O mundo todo explodia em um quadro de contestação à ordem vigente. Era a geração do pós-guerra, que vivera sob a ameaça de uma hecatombe nuclear e crescera sobre os escombros da Segunda Guerra. Agora adulta, buscava se afirmar na busca por novos valores sociais e políticos, fazendo do final dos anos sessenta um período muito rico em termos sociais e culturais As manifestações espalharam-se pelo mundo todo, com a ação dos estudantes em Paris, criando barricadas contra o governo de Charles de Gaulle; na América Latina, tendo inclusive no Brasil suas formas mais agudas na luta estudantil e operária contra a ditadura militar; também se alastraram pelo Leste Europeu. Na Tchecoslováquia, um dos países da “Cortina de Ferro” diretamente sob o domínio da União Soviética, ini ciou-se um movimento liberalizante que teve o presidente Alexander Dubcek como seu principal líder Defendendo -o que ficou conhecido como “socialismo de face humana”, o movimento, denominado Primavera de Praga, propunha a liberalização do regime, maior liberdade política e menor dependência em relação aos ditames de Moscou. Entretanto, o reformismo tcheco ameaçava os inte resses soviéticos. Em meio às contestações ao governo estadunidense no mundo todo, Brejnev via uma possibi lidade imensa de crescimento da influência soviética no planeta, sendo que para isso seria necessário exercer um controle cada vez mais rígido sobre as áreas já influencia das. O risco de uma rebelião contra o domínio soviético dentro da “Cortina de Ferro” era intolerável a Moscou Assim, em agosto de 1968, tropas do Pacto de Varsóvia invadiram a Tchecoslováquia, prenderam os líderes do movimento, inclusive Dubcek, e colocaram no poder Gus- táv Husák, um títere a serviço de seus amos soviéticos. A resistência da população tcheca à agressão sovié- tica constituiu um dos episódios mais belos do período. Utilizando o humor e a não violência, em uma situação na qual a reação militar seria suicida, em virtude da disparida- de de forças, os tchecos adotaram a resistência pacífica aos soviéticos, ao mesmo tempo que cobriam Praga com pichações, como, por exemplo: “Circo de Moscou em cartaz na cidade. Não alimente os animais!” ou “Acorda, Lenin, eles enlouqueceram!”, nas quais ficava claro que, além de uma repulsa à ação soviética, persistia um forte sentimento socialista. Fig. 37 Populares cercam tanque soviético em Praga. A reação da população dos Estados Unidos, majoritaria- mente conservadora, ante o clima de incerteza e o desgaste de Johnson, foi eleger para a presidência o republicano, e de passado altamente conservador, Richard Nixon. Na biografia do novo presidente americano constava ter sido o principal auxiliar de Joseph McCarthy na caça às bruxas dos tempos mais críticos da Guerra Fria. No entanto, a realidade que esperava Nixon inviabilizava a postura internacional que sua biografia anunciava. Eram tempos marcados pela dramaticidade das contestações à guerra em todo o mundo, tempos nos quais a própria Europa Ocidental, até então uma aliada quase incondicional dos Estados Unidos, pressiona da por suas próprias sociedades, buscava soluções que apontassem no caminho da paz. Não podemos esquecer que a perspectiva de um conflito nuclear entre as duas su- perpotências colocava a Europa no centro da linha de fogo Simultaneamente, a economia da União Soviética co- meçava a dar os primeiros sinais de desaquecimento, fruto da ineficiência da máquina burocrática que controlava o Estado. Contribuíam para isso os imensos gastos militares que absorviam a maior parte dos recursos do país e impos sibilitavam os investimentos necessários à modernização das atividades produtivas. Assim, era fundamental para os soviéticos reduzir a corrida armamentista, o que motivou entendimentos entre as duas potências para a limitação das armas nucleares Ao mesmo tempo, visando aproveitar se do crescente desentendimento entre Pequim e Moscou, Nixon buscou uma aproximação com a China. Em 1971, por pressão dos Estados Unidos, a ONU aprovava a entrada da China, com a retirada de Taiwan, província rebelde chinesa não reconhe- cida como nação pela China continental. No ano seguinte, Nixon visitou Pequim, conferenciando com Mao Tsé-Tung. Fortalecido com essa aproximação com a grande rival da União Soviética, Nixon visitou Moscou em 1972, iniciando um processo de aproximação que resultou na assinatura do Salt (Strategic Arms Limitation Treaty – “Tratado de Limitação de Armas Estratégicas”). Por outro lado, essa melhora na relação com as po- tências comunistas não significou um abrandamento da política dos Estados Unidos em relação ao seu quintal, a América Latina. Não apenas o governo americano seguiu L a d is la v B ie lik /a k g -i m a g e s /A lb u m /F o to a re n a HISTÓRIA Capítulo 11 A Segunda Guerra Mundial e o mundo pós-guerra142 apoiando ditaduras como a do Brasil, como também pa trocinou diretamente o golpe militar no Chile que depôs o presidente socialista Salvador Allende e levou ao poder o regime sangrento do general Augusto Pinochet. Entretanto, Nixon via-se às voltas com graves proble- mas internos. Em 1972, pouco antes das eleições que o levariam a mais um mandato, o jornal Washington Post ini- ciou uma série de denúncias que envolviam uma tentativa do Partido Republicano de colocar escutas telefônicas na sede do Partido Democrata, situada no edifício Watergate, em Washington. A partir daí, as denúncias se alastraram, passando a envolver altos funcionários do governo e o próprio presidente. Mesmo reeleito, Nixon teve que lidar com uma crescente oposição e com uma população in dignada e moralmente zelosa Cada vez mais desgastado e sofrendo um processo de impeachment no Congresso por obstrução da justiça e por interferir nas investigações de Watergate, Nixon foi obrigado a renunciar, assumindo o poder o vice Gerald Ford. Fig. 38 Nixon anuncia sua renúncia. Durante esse período, enfraquecido interna e externa mente, Nixon fora obrigado a negociar a saída dos Estados Unidos da Guerra do Vietnã. Ford, enfrentando a perda de prestígio causada pela derrota na guerra e pelo escândalo envolvendo seu partido, não conseguiu reeleger se pre sidente, sendo derrotado pelo democrata Jimmy Carter A chegada de Carter à presidência foi fruto das pressões sociais dos anos sessenta, aliada à indignação provocada pelo escândalo Watergate. O governo Carter (1977-1980) pautou-se por um abrandamento na postura dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo. Essa pos- tura traduziu-se na intensificação dos acordos de limitação de armas nucleares com a União Soviética, na defesa dos direitos humanos e no afastamento dos Estados Unidos de regimes ditatoriais na América Latina, incluindo o Brasil, e em outras partes do mundo, política apresentada como de de- fesa dos direitos humanos. Com isso, o governo americano retirou ou reduziu o apoio a regimes como o de Anastácio Somoza, na Nicarágua, e o do xá Reza Pahlavi no Irã. Os efeitos dessa política foram desastrosos para os interesses dos Estados Unidos nessas duas regiões estratégicas. Em 1979, caíam os regimes de Somoza, deposto pela Revolução Sandinista de orientação esquerdista, e de Pahlavi, deposto pela revolução que levou Khomeini e o fundamentalismo islâmicoao poder. Foi ainda durante o governo Carter que se celebraram os acordos de Camp David, que iniciou os entendimentos entre os países árabes e Israel, com vistas ao fim dos conflitos no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, já às voltas com graves problemas econômicos internos, a União Soviética voltava a ter que lidar com contestações ao seu domínio dentro de seus sa- télites europeus. Em 1979, começava a surgir na Polônia um movimento sindical, a partir da cidade de Gdansk, que deu origem ao sindicato Solidariedade, tendo como principal líder o operário Lech Walesa Tratava se de um movimento reivindicatório por melhores condições de vida e, ao mesmo tempo, político, questionando o modelo de gestão soviética e requerendo maior liberdade política. Era a terceira gran- de contestação ao domínio soviético, depois da Hungria e da Tchecoslováquia, mas, diferente das anteriores, essa ocorria em um momento em que a capacidade soviética de reagir já era significativamente menor, em função de suas crescentes dificuldades econômicas. Fig. 39 Capa do jornal do sindicato Solidariedade, julho de 1981. Mesmo assim, o governo soviético procurava tirar partido desse momento de indefinição da política exter- na norte-americana, buscando ampliar sua influência em algumas regiões. Em 1980, os soviéticos invadiram o Afe- ganistão com o objetivo de apoiar um governo comunista na região Em represália, o governo Carter adotou sanções econômicas contra os soviéticos, mas já era tarde para re- verter a sensação de que seu governo fora responsável pelo enfraquecimento da posição internacional dos Estados Unidos. O efeito disso foi sua derrota, na eleição presiden- cial, para o candidato republicano Ronald Reagan Representando um momento de retorno ao conser vadorismo da sociedade americana, Reagan foi fiel ao sentimento que o levou à presidência, iniciando um vigo- roso endurecimento nas relações com a União Soviética, à qual ele, por várias vezes, referiu-se como o “império do mal”. O governo Reagan também buscou ampliar o papel dos Estados Unidos no cenário internacional, parti- cularmente na Europa Fez parte dessa política a adoção de sanções severas contra a União Soviética, em repre- sália à invasão soviética do Afeganistão e à repressão E v e re tt /S h u tt e rs to c k C o le ç ã o p a rt ic u la r F R E N T E 2 143 ao movimento Solidariedade, bem como a instalação de mísseis nucleares na Europa com o objetivo de reforçar as defesas da Otan e intimidar seu principal oponente. Reagan também ampliava sua presença na América Central, promovendo a invasão de Granada e pressio- nando o governo sandinista da Nicarágua Essa pressão manifestou-se por meio do apoio aos guerrilheiros antis sandinistas. Simultaneamente, o governo Reagan promoveu um pe- ríodo de grande crescimento econômico Para isso, contou com um momento internacional favorável e também lan çou mão de uma política de corte nos benefícios sociais e incentivos fiscais, gerando uma grande redução das despesas do Estado, mas, ao mesmo tempo, provocando uma enorme concentração de renda Fig. 40 Ronald Reagan Paralelamente a isso, a economia soviética dava claros sinais de esgotamento Na primeira metade da dé cada de 1980, o crescimento da economia caiu à taxa de meros 2% ao ano contra uma população que crescia em índices de 2,5% ao ano. Além disso, os gastos militares eram maiores a cada ano. A ineficiência da administração burocrática da economia era tal que a União Soviética passou, no início dos anos 1980, de maior exportadora de petróleo do mundo para importadora, mesmo contando com gigantescas reservas na Sibéria. Porém, estas era impossível explorar pelo caráter obsoleto da tecnologia do país A morte de Brejnev, em 1982, substituído por Yuri Andropov (1982-1984) e Konstantin Chernenko (1984- -1985), não trouxe qualquer alteração nesse quadro, que apontava na direção de um colapso econômico do país, com suas óbvias decorrências políticas e sociais. Entretanto, o governo Reagan também sofria revezes internos. Em 1986, a imprensa estadunidense denunciou que o governo, por meio da CIA, vendera armas ao go- verno xiita iraniano para obter recursos para financiar a guerrilha antissandinista na Nicarágua. Cabe lembrar que, desde o episódio dos reféns estadunidenses no Irã, o Congresso aprovara sanções ao governo iraniano que impediam qualquer negociação com o país, quanto mais a venda de armas a um regime hostil Enfraquecido pelas denúncias e sofrendo o risco de impeachment, Reagan perdeu grande parte do apoio para manter sua política agressiva em relação à União Soviética, ainda mais que essa já não representava a ameaça de outros tempos O fim da Guerra Fria Um dado que contribuiu sensivelmente para a mudan- ça nas relações internacionais foi a ascensão ao poder, na União Soviética, de Mikhail Gorbachev. Um líder surpreen- dentemente jovem, se comparado a seus antecessores, substituiu Chernenko, morto em 1985, aos 73 anos, após pouco mais de um ano no poder. Fig. 41 Mikhail Gorbachev em Londres, 1989. Embora sempre tivesse sido um membro da burocra- cia dirigente, Gorbachev era fruto de um novo momento, no qual o colapso da economia e a ineficiência da máquina burocrática não podiam mais ser ocultados. Herdando uma situação interna caótica, na qual a produção soviética era incapaz de suprir as demandas do país em qualquer setor no qual a tecnologia fosse minimamente necessária, e às voltas com o risco de que a ineficiência administra- tiva provocasse a fome generalizada no país, Gorbachev tinha clara a necessidade de amplas reformas em todos os níveis da vida nacional Gorbachev sabia, acima de tudo, que seriam necessá rios pesados investimentos na modernização tecnológica, exigindo recursos que o país teria que tirar de algum setor A única opção seria reduzir drasticamente as despesas monstruosas do Estado com o setor militar, o que impli- cava não apenas na redução da capacidade ofensiva do exército como também no desmantelamento da máqui na repressiva interna, com o enfraquecimento de órgãos como a KGB, fundamentais para a repressão aos focos de descontentamento. Assim, estava claro que seria impossível uma reestruturação econômica sem uma rees truturação política. Essa é a razão da indissociabilidade dos dois programas por ele estabelecidos: a Perestroika (reestruturação, utilizada no sentido econômico) e a Glasnost (transparência em russo, significando uma maior abertura política, com a liberalização do regime). E x e c u ti v e O ff ic e o f th e P re s id e n t o f th e U n it e d S ta te s S h u tt e rs to c k HISTÓRIA Capítulo 11 A Segunda Guerra Mundial e o mundo pós-guerra144
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