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História - Livro 4-142-144

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contestações que vinham de todos os lados, provocou
o surgimento de grupos radicais, como os Panteras Ne-
gras, negros de um grupo socialista contrário à política
de Luther King, que, inspirado em Gandhi, defendia a
não violência como forma de conquistar direitos sociais.
Crescia também o movimento hippie, com todo o seu
significado em termos de contestação aos valores da
sociedade americana e ao engajamento dos Estados
Unidos na guerra.
Esse mesmo radicalismo provocou ainda dois eventos
traumáticos: o assassinato de Robert Kennedy, irmão de
John e candidato do Partido Democrata nas eleições pre-
sidenciais de 1968, e do próprio Martin Luther King
O mundo todo explodia em um quadro de contestação
à ordem vigente. Era a geração do pós-guerra, que vivera
sob a ameaça de uma hecatombe nuclear e crescera sobre
os escombros da Segunda Guerra. Agora adulta, buscava
se afirmar na busca por novos valores sociais e políticos,
fazendo do final dos anos sessenta um período muito rico
em termos sociais e culturais
As manifestações espalharam-se pelo mundo todo,
com a ação dos estudantes em Paris, criando barricadas
contra o governo de Charles de Gaulle; na América Latina,
tendo inclusive no Brasil suas formas mais agudas na luta
estudantil e operária contra a ditadura militar; também se
alastraram pelo Leste Europeu.
Na Tchecoslováquia, um dos países da “Cortina de
Ferro” diretamente sob o domínio da União Soviética, ini
ciou-se um movimento liberalizante que teve o presidente
Alexander Dubcek como seu principal líder Defendendo
-o que ficou conhecido como “socialismo de face humana”, o
movimento, denominado Primavera de Praga, propunha a
liberalização do regime, maior liberdade política e menor
dependência em relação aos ditames de Moscou.
Entretanto, o reformismo tcheco ameaçava os inte
resses soviéticos. Em meio às contestações ao governo
estadunidense no mundo todo, Brejnev via uma possibi
lidade imensa de crescimento da influência soviética no
planeta, sendo que para isso seria necessário exercer um
controle cada vez mais rígido sobre as áreas já influencia
das. O risco de uma rebelião contra o domínio soviético
dentro da “Cortina de Ferro” era intolerável a Moscou
Assim, em agosto de 1968, tropas do Pacto de Varsóvia
invadiram a Tchecoslováquia, prenderam os líderes do
movimento, inclusive Dubcek, e colocaram no poder Gus-
táv Husák, um títere a serviço de seus amos soviéticos.
A resistência da população tcheca à agressão sovié-
tica constituiu um dos episódios mais belos do período.
Utilizando o humor e a não violência, em uma situação na
qual a reação militar seria suicida, em virtude da disparida-
de de forças, os tchecos adotaram a resistência pacífica
aos soviéticos, ao mesmo tempo que cobriam Praga com
pichações, como, por exemplo: “Circo de Moscou em
cartaz na cidade. Não alimente os animais!” ou “Acorda,
Lenin, eles enlouqueceram!”, nas quais ficava claro que,
além de uma repulsa à ação soviética, persistia um forte
sentimento socialista.
Fig. 37 Populares cercam tanque soviético em Praga.
A reação da população dos Estados Unidos, majoritaria-
mente conservadora, ante o clima de incerteza e o desgaste
de Johnson, foi eleger para a presidência o republicano,
e de passado altamente conservador, Richard Nixon. Na
biografia do novo presidente americano constava ter sido o
principal auxiliar de Joseph McCarthy na caça às bruxas dos
tempos mais críticos da Guerra Fria. No entanto, a realidade
que esperava Nixon inviabilizava a postura internacional
que sua biografia anunciava. Eram tempos marcados pela
dramaticidade das contestações à guerra em todo o mundo,
tempos nos quais a própria Europa Ocidental, até então uma
aliada quase incondicional dos Estados Unidos, pressiona
da por suas próprias sociedades, buscava soluções que
apontassem no caminho da paz. Não podemos esquecer
que a perspectiva de um conflito nuclear entre as duas su-
perpotências colocava a Europa no centro da linha de fogo
Simultaneamente, a economia da União Soviética co-
meçava a dar os primeiros sinais de desaquecimento, fruto
da ineficiência da máquina burocrática que controlava o
Estado. Contribuíam para isso os imensos gastos militares
que absorviam a maior parte dos recursos do país e impos
sibilitavam os investimentos necessários à modernização
das atividades produtivas. Assim, era fundamental para os
soviéticos reduzir a corrida armamentista, o que motivou
entendimentos entre as duas potências para a limitação das
armas nucleares
Ao mesmo tempo, visando aproveitar se do crescente
desentendimento entre Pequim e Moscou, Nixon buscou
uma aproximação com a China. Em 1971, por pressão dos
Estados Unidos, a ONU aprovava a entrada da China, com a
retirada de Taiwan, província rebelde chinesa não reconhe-
cida como nação pela China continental. No ano seguinte,
Nixon visitou Pequim, conferenciando com Mao Tsé-Tung.
Fortalecido com essa aproximação com a grande rival da
União Soviética, Nixon visitou Moscou em 1972, iniciando um
processo de aproximação que resultou na assinatura do Salt
(Strategic Arms Limitation Treaty – “Tratado de Limitação
de Armas Estratégicas”).
Por outro lado, essa melhora na relação com as po-
tências comunistas não significou um abrandamento da
política dos Estados Unidos em relação ao seu quintal, a
América Latina. Não apenas o governo americano seguiu
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HISTÓRIA Capítulo 11 A Segunda Guerra Mundial e o mundo pós-guerra142
apoiando ditaduras como a do Brasil, como também pa
trocinou diretamente o golpe militar no Chile que depôs
o presidente socialista Salvador Allende e levou ao poder o
regime sangrento do general Augusto Pinochet.
Entretanto, Nixon via-se às voltas com graves proble-
mas internos. Em 1972, pouco antes das eleições que o
levariam a mais um mandato, o jornal Washington Post ini-
ciou uma série de denúncias que envolviam uma tentativa
do Partido Republicano de colocar escutas telefônicas na
sede do Partido Democrata, situada no edifício Watergate,
em Washington. A partir daí, as denúncias se alastraram,
passando a envolver altos funcionários do governo e o
próprio presidente. Mesmo reeleito, Nixon teve que lidar
com uma crescente oposição e com uma população in
dignada e moralmente zelosa Cada vez mais desgastado
e sofrendo um processo de impeachment no Congresso
por obstrução da justiça e por interferir nas investigações
de Watergate, Nixon foi obrigado a renunciar, assumindo
o poder o vice Gerald Ford.
Fig. 38 Nixon anuncia sua renúncia.
Durante esse período, enfraquecido interna e externa
mente, Nixon fora obrigado a negociar a saída dos Estados
Unidos da Guerra do Vietnã. Ford, enfrentando a perda de
prestígio causada pela derrota na guerra e pelo escândalo
envolvendo seu partido, não conseguiu reeleger se pre
sidente, sendo derrotado pelo democrata Jimmy Carter
A chegada de Carter à presidência foi fruto das
pressões sociais dos anos sessenta, aliada à indignação
provocada pelo escândalo Watergate. O governo Carter
(1977-1980) pautou-se por um abrandamento na postura dos
Estados Unidos em relação ao resto do mundo. Essa pos-
tura traduziu-se na intensificação dos acordos de limitação
de armas nucleares com a União Soviética, na defesa dos
direitos humanos e no afastamento dos Estados Unidos de
regimes ditatoriais na América Latina, incluindo o Brasil, e em
outras partes do mundo, política apresentada como de de-
fesa dos direitos humanos. Com isso, o governo americano
retirou ou reduziu o apoio a regimes como o de Anastácio
Somoza, na Nicarágua, e o do xá Reza Pahlavi no Irã. Os
efeitos dessa política foram desastrosos para os interesses
dos Estados Unidos nessas duas regiões estratégicas. Em
1979, caíam os regimes de Somoza, deposto pela Revolução
Sandinista de orientação esquerdista, e de Pahlavi, deposto
pela revolução que levou Khomeini e o fundamentalismo
islâmicoao poder.
Foi ainda durante o governo Carter que se celebraram os
acordos de Camp David, que iniciou os entendimentos entre
os países árabes e Israel, com vistas ao fim dos conflitos no
Oriente Médio.
Ao mesmo tempo, já às voltas com graves problemas
econômicos internos, a União Soviética voltava a ter que
lidar com contestações ao seu domínio dentro de seus sa-
télites europeus. Em 1979, começava a surgir na Polônia um
movimento sindical, a partir da cidade de Gdansk, que deu
origem ao sindicato Solidariedade, tendo como principal
líder o operário Lech Walesa Tratava se de um movimento
reivindicatório por melhores condições de vida e, ao mesmo
tempo, político, questionando o modelo de gestão soviética
e requerendo maior liberdade política. Era a terceira gran-
de contestação ao domínio soviético, depois da Hungria
e da Tchecoslováquia, mas, diferente das anteriores, essa
ocorria em um momento em que a capacidade soviética de
reagir já era significativamente menor, em função de suas
crescentes dificuldades econômicas.
Fig. 39 Capa do jornal do sindicato Solidariedade, julho de 1981.
Mesmo assim, o governo soviético procurava tirar
partido desse momento de indefinição da política exter-
na norte-americana, buscando ampliar sua influência em
algumas regiões. Em 1980, os soviéticos invadiram o Afe-
ganistão com o objetivo de apoiar um governo comunista
na região Em represália, o governo Carter adotou sanções
econômicas contra os soviéticos, mas já era tarde para re-
verter a sensação de que seu governo fora responsável
pelo enfraquecimento da posição internacional dos Estados
Unidos. O efeito disso foi sua derrota, na eleição presiden-
cial, para o candidato republicano Ronald Reagan
Representando um momento de retorno ao conser
vadorismo da sociedade americana, Reagan foi fiel ao
sentimento que o levou à presidência, iniciando um vigo-
roso endurecimento nas relações com a União Soviética,
à qual ele, por várias vezes, referiu-se como o “império
do mal”. O governo Reagan também buscou ampliar o
papel dos Estados Unidos no cenário internacional, parti-
cularmente na Europa Fez parte dessa política a adoção
de sanções severas contra a União Soviética, em repre-
sália à invasão soviética do Afeganistão e à repressão
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ao movimento Solidariedade, bem como a instalação de
mísseis nucleares na Europa com o objetivo de reforçar
as defesas da Otan e intimidar seu principal oponente.
Reagan também ampliava sua presença na América
Central, promovendo a invasão de Granada e pressio-
nando o governo sandinista da Nicarágua Essa pressão
manifestou-se por meio do apoio aos guerrilheiros antis
sandinistas.
Simultaneamente, o governo Reagan promoveu um pe-
ríodo de grande crescimento econômico Para isso, contou
com um momento internacional favorável e também lan
çou mão de uma política de corte nos benefícios sociais
e incentivos fiscais, gerando uma grande redução das
despesas do Estado, mas, ao mesmo tempo, provocando
uma enorme concentração de renda
Fig. 40 Ronald Reagan
Paralelamente a isso, a economia soviética dava
claros sinais de esgotamento Na primeira metade da dé
cada de 1980, o crescimento da economia caiu à taxa de
meros 2% ao ano contra uma população que crescia em
índices de 2,5% ao ano. Além disso, os gastos militares
eram maiores a cada ano. A ineficiência da administração
burocrática da economia era tal que a União Soviética
passou, no início dos anos 1980, de maior exportadora de
petróleo do mundo para importadora, mesmo contando
com gigantescas reservas na Sibéria. Porém, estas era
impossível explorar pelo caráter obsoleto da tecnologia
do país A morte de Brejnev, em 1982, substituído por Yuri
Andropov (1982-1984) e Konstantin Chernenko (1984-
-1985), não trouxe qualquer alteração nesse quadro, que
apontava na direção de um colapso econômico do país,
com suas óbvias decorrências políticas e sociais.
Entretanto, o governo Reagan também sofria revezes
internos. Em 1986, a imprensa estadunidense denunciou
que o governo, por meio da CIA, vendera armas ao go-
verno xiita iraniano para obter recursos para financiar a
guerrilha antissandinista na Nicarágua. Cabe lembrar que,
desde o episódio dos reféns estadunidenses no Irã, o
Congresso aprovara sanções ao governo iraniano que
impediam qualquer negociação com o país, quanto mais
a venda de armas a um regime hostil Enfraquecido pelas
denúncias e sofrendo o risco de impeachment, Reagan
perdeu grande parte do apoio para manter sua política
agressiva em relação à União Soviética, ainda mais que
essa já não representava a ameaça de outros tempos
O fim da Guerra Fria
Um dado que contribuiu sensivelmente para a mudan-
ça nas relações internacionais foi a ascensão ao poder, na
União Soviética, de Mikhail Gorbachev. Um líder surpreen-
dentemente jovem, se comparado a seus antecessores,
substituiu Chernenko, morto em 1985, aos 73 anos, após
pouco mais de um ano no poder.
Fig. 41 Mikhail Gorbachev em Londres, 1989.
Embora sempre tivesse sido um membro da burocra-
cia dirigente, Gorbachev era fruto de um novo momento,
no qual o colapso da economia e a ineficiência da máquina
burocrática não podiam mais ser ocultados. Herdando
uma situação interna caótica, na qual a produção soviética
era incapaz de suprir as demandas do país em qualquer
setor no qual a tecnologia fosse minimamente necessária,
e às voltas com o risco de que a ineficiência administra-
tiva provocasse a fome generalizada no país, Gorbachev
tinha clara a necessidade de amplas reformas em todos
os níveis da vida nacional
Gorbachev sabia, acima de tudo, que seriam necessá
rios pesados investimentos na modernização tecnológica,
exigindo recursos que o país teria que tirar de algum setor
A única opção seria reduzir drasticamente as despesas
monstruosas do Estado com o setor militar, o que impli-
cava não apenas na redução da capacidade ofensiva do
exército como também no desmantelamento da máqui
na repressiva interna, com o enfraquecimento de órgãos
como a KGB, fundamentais para a repressão aos focos
de descontentamento. Assim, estava claro que seria
impossível uma reestruturação econômica sem uma rees
truturação política. Essa é a razão da indissociabilidade
dos dois programas por ele estabelecidos: a Perestroika
(reestruturação, utilizada no sentido econômico) e a
Glasnost (transparência em russo, significando uma maior
abertura política, com a liberalização do regime).
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HISTÓRIA Capítulo 11 A Segunda Guerra Mundial e o mundo pós-guerra144

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