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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO Vinícius Bittencourt Volpato A violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social durante a pandemia Florianópolis 2021 Vinícius Bittencourt Volpato A violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social durante a pandemia Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Professora Dra. Marília Denardin Budó Florianópolis 2021 Ficha de identificação da obra Vinícius Bittencourt Volpato A violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social durante a pandemia Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “A violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social durante a pandemia” e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito. Local, 23 de setembro de 2021. ________________________ Prof. Luiz H. Cademartori, Dr. Coordenador do Curso Banca Examinadora: ________________________ Professora Dra. Marília Denardin Budó Orientadora Universidade Federal de Santa Catarina ________________________ Patrícia Silveira da Silva Avaliadora Universidade Federal do Paraná ________________________ Ma. Poliana Ribeiro dos Santos Avaliadora Universidade Federal de Santa Catarina Agradeço a minha família que me motiva a tentar voos cada vez mais altos. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por me presentear colocando excelentes pessoas em meu caminho; aos meus pais, que não mediram esforços para me proporcionar a melhor educação possível; a minha esposa e filha, que são minha motivação e inspiração para tudo na vida; a minha dedicada orientadora, peça chave neste trabalho; e a todos meus colegas de trabalho que contribuíram de alguma forma para esta pesquisa. RESUMO O objetivo principal desta pesquisa foi o de compreender as variações nos números de denúncias de casos de violência doméstica contra mulheres no Norte da Ilha de Santa Catarina em meio à pandemia de COVID-19. O distanciamento social aconselhado pela Organização Mundial da Saúde desde a declaração que estávamos diante de uma pandemia, em março de 2020, levou ao confinamento de homens e mulheres em suas casas. Em vários países, o isolamento foi considerado a causa do aumento das ocorrências de violência doméstica, já que, em muitos casos, a realidade pode ser traduzida como um confinamento forçado de vítimas e agressores. O problema de pesquisa foi assim formulado: como as denúncias policiais por violência doméstica variaram entre os anos de 2019 e 2020? Para respondê-lo, foi realizada pesquisa quantitativa através da coleta dos registros policiais, de modo a traçar um comparativo da quantidade de denúncias feitas à Polícia Militar entre 2019 e 2020. O trabalho foi estruturado em duas partes, correspondendo às duas etapas da pesquisa. Na primeira, através de pesquisa exploratória da bibliografia, foi realizado um levantamento histórico sobre o patriarcado, a fim de entender a origem do comportamento machista enraizado na sociedade e que se demonstrou tão aflorado no período pandêmico. Também se resgatou a história da luta feminista pelo reconhecimento dos direitos das mulheres, culminando na criação da Lei Maria da Penha, importante ferramenta que vem se aprimorando na tentativa de desconstruir o machismo e o patriarcado. No segundo capítulo, foi apresentado o resultado da análise dos dados obtidos. Foi possível verificar que houve um aumento significativo dos registros de ocorrência de violência doméstica após março de 2020, reforçando a hipótese da potencialização das oportunidades de agressão, além do aprofundamento de desentendimentos e desavenças pré-existentes, em razão do contexto do isolamento social. Palavras-chave: Violência doméstica. Isolamento social. Pandemia. Lei Maria da Penha ABSTRACT The main objective of this research was to understand the variations in the number of complaints of cases of domestic violence against women in the North of Santa Catarina Island during the COVID-19 pandemic. The social distancing advised by the World Health Organization since the declaration that we were facing a pandemic, in March 2020, has led to the confinement of men and women in their homes. In several countries, isolation has been considered the cause of the increase in the occurrence of domestic violence, as, in many cases, the reality can be translated into forced confinement of victims and aggressors. The research problem was formulated as follows: how did police complaints of domestic violence vary between the years 2019 and 2020? To answer it, quantitative research was carried out through the collection of police records, in order to draw a comparison of the number of complaints made to the Military Police between 2019 and 2020. The work was structured in two parts, corresponding to the two stages of the research. In the first, through exploratory research of the bibliography, a historical survey on patriarchy was carried out, in order to understand the origin of the sexist behavior rooted in society and which proved to be so prominent in the pandemic period. The history of the feminist struggle for the recognition of women's rights was also retrieved, culminating in the creation of the Maria da Penha Law, an important tool that has been improving in an attempt to deconstruct machismo and patriarchy. In the second chapter, the result of the analysis of the data obtained was presented. It was possible to verify that there was a significant increase in records of occurrences of domestic violence after March 2020, reinforcing the hypothesis of potentializing opportunities for aggression, in addition to the deepening of pre-existing misunderstandings and disagreements, due to the context of social isolation. Keywords: Domestic violence. Social isolation. Pandemic. Maria da Penha Law SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11 2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO SINTOMA DA SOCIEDADE PATRIARCAL ....................................................................................................................... 13 2.1 FATORES HISTÓRICOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR E O ENGAJAMENTO FEMINISTA CONTRA O PATRIARCADO...... ................................................................................................................ 13 2.2 ASPECTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHA .......................................... 21 3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL CAUSADO PELA COVID-19 ............................................................................................... 32 3.1 PANORAMA TENDENCIAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL ......................................................................................................... 32 3.2 ANÁLISE DAS DENÚNCIAS POLICIAIS ENVOLVENDO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO NORTE DA ILHA DE SANTA CATARINA DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL ......................................................................................................... 39 4 CONCLUSÃO...................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 51 11 1 INTRODUÇÃO No dia 11 de março de 2020, Tedros Adhanom, diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), elevou o estado de contaminação da COVID-19, declarando que humanidade estava em meio a uma pandemia. A partir desse dia, os países que ainda não estavam tomando medidas para conter o avanço da doença, também passaram a adotar os protocolos de segurança indicados pela OMS. Por ser uma doença altamente contagiosa, letal e até então sem vacina, a principal forma encontrada para evitar a propagação da doença foi através do isolamento social. Países do mundo inteiro adotaram essa medida sanitária implementando quarentenas, nas quais as famílias ficaram proibidas de sair de suas residências por tempo indeterminado. Somente atividades e serviços considerados essenciais pelos governos puderam funcionar, porém com muitas restrições. Apesar de sua imprescindibilidade no contexto pandêmico, é fato que o isolamento social gerou graves efeitos colaterais, tanto na economia quanto na sociedade em geral. No Brasil, empresas que não eram de ramos considerados essenciais tiveram suas atividades interrompidas, o que gerou uma avalanche de falências. Serviços públicos primordiais também ficaram comprometidos. Ministério Público, Sistema Judiciário, Polícia Civil, dentre outros, interromperam o atendimento ao público. Em Santa Catarina, até a Polícia Militar, a fim de evitar o contato com a população, diminuiu o efetivo nas ruas e restringiu os atendimentos de ocorrências somente aos casos considerados prioritários. A interrupção de atividades consideradas não essenciais causou desemprego e queda na renda familiar. Essa falta de recursos, aliado ao medo da doença e ao estresse do confinamento, refletiu no agravamento da violência familiar, fato que também foi observado em outros diversos países. Os relatos nacionais e internacionais a respeito do incremento dos registros de violência doméstica na pandemia conduziram à elaboração da hipótese de que em razão dessas circunstâncias, o confinamento forçado potencializou as mazelas do comportamento machista de uma sociedade preponderantemente patriarcal, vitimando principalmente as mulheres. O objetivo deste trabalho é o de verificar esta hipótese, através da elaboração do problema de pesquisa: como as ocorrências policiais por violência doméstica variaram entre os anos de 2019 e 2020 no norte da ilha de Santa Catarina? A pesquisa concentra os esforços de maneira regionalizada, no caso, o Norte da Ilha de Santa Catarina, pois entende-se que cada local possui suas peculiaridades que influenciam nos processos de criminalização e vitimização. 12 Logo, quanto mais as lentes estiverem focadas nos problemas de cada localidade, mais fácil será levantar dados relevantes que subsidiem novas pesquisas criminológicas sobre a problemática e que ajudem na implementação de políticas públicas mais eficientes para a região, sobretudo no que tange ao atendimento às vítimas. Para isso, utilizou-se informações de denúncias e atendimentos policiais de violência doméstica contra mulheres extraídas do banco de dados do 21º Batalhão de Polícia Militar de Santa Catarina, unidade responsável pelo policiamento no Norte da Ilha de Santa Catarina. A pesquisa levou em consideração todas as denúncias de violência doméstica realizadas via 190 ou pelo aplicativo para celular PMSC Cidadão. Sendo assim, não ficou restrita aos registros policiais (boletins de ocorrência), pois nem toda denúncia gera um registro. Também foi realizada pesquisa bibliográfica, fundamental para contextualizar a violência doméstica dentro realidade social do local. Outrossim, por ser nascido, criado e trabalhar como policial militar nessa mesma região, a visão crítica do quem lhe escreve também transparece na contextualização dessa realidade. Antes de apresentar o objeto principal do trabalho, o primeiro capítulo apresenta uma revisão bibliográfica que confere o aporte histórico necessário sobre o patriarcado e o machismo, demonstrando os fatores que influenciaram as primeiras sociedades a deixarem de ser essencialmente matriarcais para tornarem-se patriarcais. Fatores esses que se fortaleceram, incorporando-se na cultura, no modo de pensar e agir das pessoas durante milênios e que até hoje são usados para justificar os abusos contra as mulheres. No início do século XIX os movimentos feministas ganharam força e iniciaram um persistente combate contra o patriarcado. Graças à iniciativa desses movimentos, gradativamente as mulheres estão tendo seus direitos reconhecidos e respeitados. Destacamos a criação da Lei Maria da Penha, um importante marco para as conquistas feministas, mas que ainda passa por melhorias, pois como veremos, muito ainda precisa ser feito para que a Lei tenha sua esperada efetividade. Fato que ficou explícito durante o período pandêmico ao qual atravessamos. O segundo capítulo traz os resultados da pesquisa quantitativa dos dados sobre registros de ocorrências de violência doméstica no Norte da Ilha em 2019 e em 2020, para compreendermos como ocorreu a variação dos números, testando, assim, a hipótese anteriormente formulada. 13 2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO SINTOMA DA SOCIEDADE PATRIARCAL 2.1 FATORES HISTÓRICOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR E O ENGAJAMENTO FEMINISTA CONTRA O PATRIARCADO A maioria dos antropólogos acreditam que os povos primitivos se organizavam de forma matriarcal, onde a mulher ocupava a posição central na comunidade por consequência natural do modo de vida nômade da época. Os homens ficavam a maior parte do tempo ausentes a procura de alimentos, enquanto as mulheres ficavam nos acampamentos cuidando dos filhos, que cresciam praticamente só sob a influência delas. Além do mais, nesse período não se conhecia o papel do homem na reprodução, ficando a linhagem de parentesco restrita às mulheres (OSÓRIO, 2002). “Como desempenhasse a mãe a maior parte das funções paternais, a posição do homem na família era a princípio superficial e incidental; a da mulher, fundamental e suprema” (DURANT, 1963, p.22). Will Durant (1963, p. 24) complementa a importância da mulher na comunidade matriarcal primitiva: A mulher (...) igualava o homem na estatura, na resistência, na habilidade e na coragem, não era um ornamento social, um objeto de beleza ou um brinquedo sexual, mas um robusto animal, com capacidade para realizar durante horas os mais rijos trabalhos e, se preciso fosse, lutar até a morte, pela progênie e pelo clã. (DURANT, 1963, p.24) Posteriormente, com o domínio das técnicas de plantio e de pecuária, a presença do homem na lavoura e na pecuária tornou-se mais importante do que na coleta ou na caça. Aos poucos, ele se impôs com a força física e tomou o protagonismo da mulher na sociedade: Como, porém, a agricultura se tornasse mais complexa e produzisse mais amplas recompensas, o sexo forte breve a tomou para si. A criação de rebanhos deu ao homem uma nova fonte de riqueza, além de estabilidade e poder; a plantação de sementes, que aos poderosos Nimrods1 da antiguidade devia ter parecido coisa prosaica, foi por fim aceita pelo macho nômade; e o comando econômico, que o trabalho dos campos dera por algum tempo à fêmea, foi assim conquistado pelo macho. A aplicação à agricultura daqueles animais que a mulher havia domesticado induziu o homem a pô- los na labuta dos campos em substituição à mulher; o advento do arado, como evolução da primitiva enxada, exigindo mais força física, habilitou o homem a impor a sua supremacia. O crescimento da propriedade transmissível sob forma de gado e produtos da terra trouxe a subordinaçãosexual da mulher, porque agora o macho exigia dela fidelidade, a fim de que a herança só se transmitisse a filhos 1 Reino de Nimrods. Uma das principais cidades da Antiga Mesopotâmia, localizada entre os rios Tigre e Eufrates. 14 presumivelmente seus. Começa a ascendência do homem, a paternidade sobrepuja a maternidade, a linha de sucessão torna-se masculina, os direitos da mãe cedem aos direitos do pai, e a família patriarcal, com o macho mais velho à frente, torna-se a unidade econômica, moral, legal e política da sociedade. Os deuses, que tinham sido sobretudo femininos, tornam-se grandes patriarcas barbados, metidos em haréns como nunca os sonhou o homem comum (DURANT, 1963, p. 24). Os primeiros registros históricos da Antiguidade Clássica já deixaram clara a mudança do matriarcado para o patriarcado. Os deuses que antes eram representados na figura de mulheres e enfatizavam principalmente a fertilidade feminina, que também era associado no sucesso das colheitas, foram substituídos por deuses do sexo masculino, representados na imagem de homem exaltando virilidade e força física. O fator religioso entrou em cena e assumiu um papel de perpetuador do patriarcado. Por consequência da devoção, a sociedade tenta reproduzir o modo de vida pregado pelos deuses. Além de submeterem as mulheres a um segundo plano, a religião por diversas vezes impôs a elas uma imagem negativa. Assim foi com Pandora na mitologia grega e Eva no antigo testamento: Por exemplo, na Grécia, os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em consequência, as mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo o tipo de desgraça. A religião é outro dos discursos de legitimação mais importantes. As grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os âmbitos e condutas próprios de cada sexo. (PULEO, 2004, p. 13) Uma significativa parte das imagens do feminino difundidas ao longo do tempo derivam desta generalização de atitudes, traços e características de Eva a todo o sexo feminino e muitas delas têm precisamente que ver com o (...) argumento justificador da hierarquia sexual que analisamos: a culpa de Eva no Pecado Original, mais concretamente a sua associação ao Mal e ao demoníaco, nomeadamente por via do corpo feminino. (RIBEIRO, 2000, p.12) Na sua obra “História da sexualidade 2: o uso dos prazeres”, Foucault ressalta as argumentações de Xenofonte2 na literatura clássica grega, que justificavam a legitimidade da condição subalterna da mulher na sociedade. Para isso, o filósofo grego criou uma imagem estigmatizada do sexo feminino, conforme preconizava a religião da época: 2 Nasceu em Atenas, aproximadamente em 430 a.c. e viveu até meados de 350 a.c. Influente filósofo e historiador grego, autor de diversos diálogos socráticos, além de importantes obras sobre história, educação e teoria política. 15 Para que eles pudessem exercer juntos essas funções distintas, os deuses dotaram cada sexo de qualidades particulares. Traços físicos: para os homens que ao ar livre devem “laborar, semear, plantar e levar o gado a pastar”, atribuíram o dom de suportar o frio, o calor, as caminhadas; as mulheres, que trabalham abrigadas, têm o corpo menos resistente. Traços de caráter também: as mulheres possuem um medo natural, mas que tem seus efeitos positivos: ele as leva a se preocuparem com as provisões, a temerem sua perda, a recearem os gastos; o homem, em troca, é bravo, pois no exterior ele deve se defender contra tudo o que poderia lhe causar dano. Em suma, “a divindade adaptou, desde o início, a natureza da mulher aos trabalhos e aos cuidados do interior, e a do homem àqueles do exterior”. Mas ela os armou também de qualidades comuns: posto que tanto o homem como a mulher, cada um no seu papel, têm “a dar e receber”, posto que, em sua atividade como responsáveis da casa eles têm, ao mesmo tempo, que recolher e distribuir, receberam igualmente a memória e a atenção. (FOUCAULT, 1984, p.141) Passaram-se séculos e o cenário de violência contra as mulheres só piorou. Na Europa, durante a Idade Média (476-1453), sob a égide da Igreja Católica, a necessidade de garantir a legitimidade dos herdeiros resultou em artifícios cada vez mais ferrenhos de controle do corpo feminino. Para evitar a relação sexual antes do casamento, meninas de 12 ou 13 anos casavam- se com homens até 20 anos mais velhos. Elas viviam praticamente confinadas em suas residências e deviam total obediência e mansidão aos maridos que as tinham como propriedade (Vicentino, 1997). O ápice da violência contra a mulher ocorreu na Idade Moderna (1453-1789) de forma institucionalizada. Neste período da história, castigos físicos eram impostos às mulheres, que variavam desde o uso do cinto de castidade até a morte na fogueira quando condenadas pelos Tribunais de Inquisição3 por bruxaria. Porém, a maioria das inquisições deviam-se ao fato de as acusadas terem afrontado de alguma forma o modo de vida patriarcal, pois este era um dos pilares que sustentava a Igreja e o Estado (Angelin, 2016). O estereótipo das bruxas era caracterizado, principalmente, por mulheres de aparência desagradável ou com alguma deficiência física, idosas, mentalmente perturbadas, mas também por mulheres bonitas que haviam ferido o ego de poderosos ou que despertavam desejos em padres celibatários ou homens casados. (...) Essa campanha foi assumida, tanto pela Igreja Católica, como a Protestante e até pelo próprio Estado, tendo um significado religioso, político e sexual. Estima-se que aproximadamente 9 milhões de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas neste período, onde mais de 80% eram mulheres, incluindo crianças e moças que haviam “herdado este mal”. (Angelin, 2016) 3 Em 1233, o papa Gregório IX instituiu o Tribunal Católico Romano, conhecido como “Inquisição” ou “Tribunal do Santo Ofício”, que tinha o objetivo de terminar com a heresia e com os que não praticavam o catolicismo. Em 1320 a Igreja declarou oficialmente que a bruxaria e a antiga religião dos pagãos representavam uma ameaça ao cristianismo, iniciando-se assim, lentamente, a perseguição aos hereges. As inquisições ocorreram de 1450 à 1750, com a ascensão do Iluminismo. (Angelin, 2016). 16 Em Portugal e em suas colônias, o sistema jurídico que vigorava desde 1603 era proveniente das Ordenações Filipinas4, sendo que no Brasil vigorou até 1817, quando então foi promulgado o primeiro Código Civil Brasileiro (Godoy, 2017). A ordenação foi mais uma forma de institucionalizar a violência contra os direitos da mulher e de fortalecer o patriarcado. O longo período em que aqui vigorou demonstra o quanto ainda são recentes os abusos extremos do Estado. De acordo com a Ordenação Filipina, a mulher que fosse descoberta como amante de um clérigo, teria que pagar multa e seria degredada por um ano. Em caso de reincidência, novamente pagaria multa e era degradada por mais um ano, além de ser açoitada em praça pública. Na segunda reincidência a pena era o degredo perpétuo. Já os clérigos envolvidos deveriam ser entregues aos seus respectivos superiores e em hipótese alguma seriam presos (Godoy, 2017). Outro exemplo da extrema violência institucional contra mulher era pena de morte para a mulher adúltera. Neste caso, o próprio marido traído era quem executava pena: Enquanto para as mulheres não se colocava sequer a possibilidade de serem desculpadas por matarem maridos adúlteros, aos homens a defesa da honra perante o adultério feminino comprovado encontrava apoio nas leis. O marido traído que matasse a adúltera não sofria nenhuma punição. Diziam as ordenações Filipinas: “Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero, fidalgo,desembargador, ou pessoa de maior qualidade”. Assim, enquanto a condição social do parceiro do adultério era levada em conta, a condição social da adúltera não se revestia de menor importância; tanto podia ser morta pelo marido a plebeia como a nobre. (DEL PRIORE, 2014, p. 34 e 35). Essa era a horrível realidade na maior parte dos países, que só passou a mudar a partir do século XIX. Nos Estados Unidos e na Europa, movimentos organizados da sociedade, destacando-se o feminismo5, encabeçaram importantes mudanças sociais que também refletiram na relação entre homens e mulheres dentro do convívio familiar em território brasileiro. (BICALHO, 2003). O mundo aos poucos passa a conhecer a força dos movimentos feministas, que tiveram (e continuam tendo) um papel fundamental nas quebras de paradigmas ligados ao patriarcado e ao cumprimento dos direitos humanos. 4 “As Ordenações Filipinas resultaram da reforma feita por Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal), ao Código Manuelino, durante o período da União Ibérica. Continuou vigindo em Portugal ao final da União, por confirmação de D. João IV. Até a promulgação do primeiro Código Civil brasileiro, em 1916, estiveram também vigentes no Brasil.” (BLAKE, [1902?], p. 36 e 37) 5 “Em seu significado mais amplo, o feminismo é um movimento político. Questiona as relações de poder, a opressão e a exploração de grupos de pessoas sobre outras. Contrapõe-se radicalmente ao poder patriarcal. Propõe uma transformação social, econômica, política e ideológica da sociedade.” (TALES, 1999, p.10) 17 O movimento feminista e o movimento de mulheres, em suas diferentes gerações, matrizes de pensamento e tendências políticas, vêm declarando a expressiva concentração deste tipo de violência sobre os corpos femininos situados em cenas rotineiras de assimetria frente aos corpos e aos polos superiores do poder masculino durante um longo período da história da humanidade até nossos dias. A atuação e as reivindicações da militância feminista criaram as condições históricas, políticas e culturais necessárias ao reconhecimento da legitimidade e da gravidade da questão, aliando-se a esforços acadêmicos para dar visibilidade sociológica a essa violência entre os muros universitários, entre os governos e no seio da sociedade civil. (ALMEIIDA, 2014, p.329) Segundo Maria Amélia de Almeida Teles, o primeiro movimento feminista brasileiro foi o sufragista, surgido na segunda metade do século XIX, influenciado pelos movimentos americanos e europeus. Além de lutar pelo direito ao sufrágio, também estavam engajadas no direito à educação das mulheres e no fim da escravatura (TELES, 2003). No Brasil, as ações ganharam mais expressão no século posterior, sendo que o ano de 1932 foi um marco para o feminismo: conquistou-se o direito ao voto. Em seguida, embaladas pelas causas feministas, as duas primeiras deputadas federais brasileiras, Carlota Pereira e Almerinda Gama, protagonizaram a política participando da elaboração da Constituição de 1934. Ainda na mesma década, outras deputadas foram eleitas nas esferas estaduais (TELES, 2003). Esses acontecimentos foram de suma importância para os próximos passos da mulher brasileira contra o patriarcado. Nas próximas décadas elas começaram a sair do espaço privado e gradativamente passaram a ocupar espaços públicos6. A transformação da estrutura produtiva e a crescente participação feminina no mercado de trabalho, o acesso progressivo das mulheres à educação formal, a luta feminista e a conquista de direitos políticos, o acesso a métodos contraceptivos que gerou uma significativa queda nas taxas de fecundidade dentre outros, tem possibilitado importantes mudanças também na dinâmica da casa, favorecendo uma revisão do sistema de autoridade no âmbito doméstico (SOUZA; LEMOS, 2009, p. 22). 6 “A esfera pública, configurada como a esfera da produção material, centralizando as relações de propriedade e trabalhistas (o trabalho produtivo e a moral do trabalho), tem seu protagonismo reservado ao Homem como sujeito produtivo, mas não qualquer Homem. A estereotipia correspondente para o desempenho deste papel (trabalhador de rua) é simbolizada no homem racional/ativo/forte/potente/guerreiro/viril/público/possuidor. A esfera privada, configurada, a sua vez, como a esfera da reprodução natural, e aparecendo como o lugar das relações familiares (casamento, sexualidade reprodutora, filiação e trabalho doméstico) tem seu protagonismo reservado à mulher, por meio do aprisionamento de sua sexualidade na função reprodutora e de seu trabalho no cuidado do lar e dos filhos. É precisamente este, como veremos, o eixo da dominação patriarcal.” (ANDRADE, 2005, p.84 e 85) 18 Assim como os anos 30, os anos 70 também foram marcantes para o feminismo. A Organização das Nações Unidas (ONU) intitulou o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher. Mesmo durante a ditadura militar, os movimentos feministas ganharam muita força e tiveram o apoio da ONU. Passou-se a organizar encontros e congressos periódicos pelo país e “as ideias feministas de exigir a igualdade de direitos e questionar o papel de submissão da mulher, vão começar a ter ressonância junto à opinião pública” (TELES, 1999, p.85). Jornais especializados também começaram a circular pelo país e ajudaram a popularizar essas ideias. “Brasil Mulher”, “Nós Mulheres” e “Mulherio” abriram a imprensa para as questões da mulher. Dentre os assuntos que eram tratados, pode-se destacar a anistia aos presos e perseguidos políticos, condições iguais de vida e trabalho para mulheres, racismo, criação de creches, democracia doméstica, descriminalização do aborto e a redemocratização (TELES, 1999). O assunto violência doméstica ganhou bastante destaque entre as feministas a partir do II Congresso da Mulher Paulista, em 1980. A partir desse encontro, criou-se as primeiras entidades autônomas de serviço voluntário que prestavam acompanhamento psicológico e jurídico às mulheres vítimas de violência doméstica nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essas entidades também acionavam a imprensa para promover o debate junto à opinião pública (TELES, 1999). Na época, dois casos de violência doméstica divulgados na mídia nacional tornaram-se muito populares e foram muito importantes para dar notoriedade à causa. O que destacava esses casos era a classe social elevada das vítimas. Uma delas foi espancada pelo seu marido, um professor universitário paulista de classe média alta e influente no meio intelectual. O outro caso ocorreu no Rio de Janeiro, quando um empresário milionário assassinou sua companheira. Esses dois crimes geraram grande comoção social e ajudaram a desconstruir o equívoco de achar que a violência doméstica é um fenômeno meramente econômico, exclusivo das classes baixas, atrelado à pobreza e ao alcoolismo (TELES, 1999). O apelo popular em diversas nações aliado a pressão de órgãos internacionais, fizeram com que fossem criados dispositivos internacionais que protegessem as mulheres. No âmbito nacional, a Constituição Federal de 1988 trouxesse artigos específicos7 em defesa da igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres, além de exigir que o Estado crie mecanismos 7 Artigo 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; e artigo 226, § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. 19 que coíbam a violência doméstica. Apesar de ser considerado mais um marco para a desconstrução do patriarcado, a Constituição sozinha e sem regulamentação não trouxe mecanismos práticos para a aplicabilidade dessas previsões. Em 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre a Eliminação da Violênciacontra a Mulher. Esse instrumento deu uma definição ao termo “violência contra a mulher” 8, possibilitando que a problemática passasse a ser tratada especificamente como uma violação dos direitos humanos que abrange o domínio privado (UN Documents, 1993). Já em 1994, a Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também chamada de Convenção de Belém do Pará. O Brasil ratificou a Convenção em 1995 e o Estado ficou obrigado a incluir em sua legislação normas específicas para a resolução do problema. A Convenção de Belém do Pará enfatiza que a violência contra a mulher está generalizada dentro da sociedade, independente de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, o que é uma afronta aos direitos humanos e uma consequência cruel do patriarcado (BRASIL,1996). Os Deveres dos Estados Partes podem ser encontrados no artigo 7º da Convenção e expressa: Art. 7 - Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: a) abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação; b) agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis; d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher; f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos; 8 Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher Artigo 1.º: Para os fins da presente Declaração, a expressão “violência contra as mulheres” significa qualquer acto de violência baseado no género do qual resulte, ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, incluindo as ameaças de tais actos, a coacção ou a privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada. 20 g) estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes; h) adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção. (BRASIL,1996) Demorou mais de dez anos para o Brasil criar uma legislação específica que viesse ao encontro desses deveres firmados na Convenção de Belém do Pará. Somente em 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha. A referida Lei contém ferramentas para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, define o que é violência doméstica e suas diferentes formas, traz medidas protetivas às vítimas e indica sanções aos agressores. Além disso, vem se atualizando para aperfeiçoar os mecanismos de proteção às vítimas. Embora esteja longe da perfeição, até então foi o maior avanço dentro da América Latina no combate à violência doméstica contra a mulher. 21 2.2 ASPECTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHA Apesar da influência da Constituição Federal de 1988 e dos documentos internacionais mencionados anteriormente, a criação da Lei 11340/2006 deve-se muito à história de sobrevivência vivida por Maria da Penha Maia Fernandes9. Sua triste experiência ganhou visibilidade internacional e teve um papel fundamental na criação da Lei que leva seu nome. Mais conhecida como Maria da Penha, essa mulher cearense casou-se em 1979 e desde o início do matrimônio já começou a sofrer agressões físicas e psicológicas por parte do marido. Com o passar do tempo os abusos foram aumentando, até que ele tentou assassiná-la com um tiro pelas costas. Como álibi seu esposo alegou que o incidente foi consequência de um assalto. Na ocasião, ele inclusive cortou o próprio braço com uma faca na tentativa de acobertar o crime e reforçar sua versão. Por consequência do atentado, ela ficou cinco meses internada e paraplégica. Duas semanas após seu retorno do hospital para casa, ele tentou matá-la novamente. Agora eletrocutando-a enquanto tomava banho. Somente após essa nova tentativa de homicídio ela resolveu separar-se do marido e denunciá-lo. Infelizmente, o poder judiciário negligenciou as duas tentativas de homicídio sofridas por Maria da Penha, sendo que passados 15 anos o criminoso ainda não havia sido punido pelos seus atos. Desacreditada da justiça brasileira e temendo a prescrição dos crimes ela procurou os órgãos internacionais. Com auxílio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL Brasil) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM Brasil), Maria da Penha recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA). Em 1998, peticionaram denúncia contra o Estado brasileiro pelo crime de tolerância à violência doméstica devido ao descaso do qual ela foi vítima. Para isso, embasaram-se principalmente no descumprimento dos dispositivos presentes na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra A Mulher (Convenção de Belém do Pará). Porém, o Estado brasileiro deu continuidade ao seu comportamento inerte frente à barbárie e não se pronunciou em momento algum sobre o caso. Até que a OEA, então responsabilizou o Brasil por omissão e tolerância à violência doméstica, conforme informa o relatório nº54 de 2001 desta Organização: 9 Fonte bibliográfica extraída de: “Lei Maria da Penha: uma superação coletiva.” (JUNIOR, 2011, p. 10-13) e do RELATÓRIO 54/01 – OEA (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001). 22 Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1 da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida. (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001). Ainda no mesmo relatório, a OEA reiterou ao Brasil diversas recomendações, destacando que se complete rápida e efetivamente o processo penal da Maria da Penha; investigar e responsabilizar os responsáveis pelas irregularidades e atrasos no processo, impondo as devidas medidas administrativas, legislativas e judiciárias; assegurar reparação simbólica e material pelas violações à vítima; avançar em políticas públicas para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica contra a mulher. As recomendações surtiram efeito. Apesar de ter esperado quase duas décadas por justiça, o agressor finalmente foi julgado e preso. Ainda pressionado tanto internacionalmente quanto pela opinião pública nacional, o Poder Executivo brasileiro criou em 2004 um grupo interministerial com o objetivo de elaborar uma proposta legislativa que atendesse as reivindicações da OEA. O projeto de lei criado pelo grupo foiaprovado e deu origem a Lei nº11340/06 – Lei Maria da Penha. Fruto de uma longa história de luta, essa foi a maior conquista legislativa feminista contra o patriarcado no Brasil e é considerada pela ONU uma das três leis mais avançadas do mundo que tratam especificamente da violência contra a mulher. (...) Em 2004, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial, o qual foi coordenado pela ministra Nilcéa Freire, com o objetivo de elaborar proposta de medida legislativa e outros instrumentos para coibir a violência doméstica contra a mulher. Participaram do citado grupo representantes do Consórcio Feminista 10em suas reuniões, das quais resultou o anteprojeto de lei n. 4559, encaminhado ao Congresso Nacional. Com a realização de audiências em âmbitos regionais e nacional, inclusive no Congresso Nacional, conseguiu-se a aprovação da Lei n. 11.340/06, a qual trata de maneira específica a violência doméstica e familiar contra as mulheres – Lei Maria da Penha. (PIMENTEL, 2009, p.28) Como já foi demonstrado, a Lei Maria da Penha foi resultado de intensa articulação de ONGs e da sociedade civil brasileira. Ela gera mecanismos para deter a violência doméstica contra a mulher, descreve os tipos de violência que a mulher pode sofrer, define o que é o 10 “Trata-se do caso de um Consórcio de ONGs feministas que atuou no Congresso Nacional para aprovar a Lei Maria da Penha. Os repertórios de ação mobilizados pelo Consórcio são descritos a partir de sua atuação no percurso legislativo do projeto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Dos resultados encontrados, constatamos que o Consórcio atuou ao longo da tramitação do projeto nas Comissões Parlamentares do Legislativo federal em, pelo menos, dois momentos chave: a) formulação do parecer das relatoras e b) posicionamento das comissões.” (CARONE, 2018, p.217) 23 ambiente doméstico e familiar, cria medidas protetivas de urgência e descrimina as penas dos agressores. Traz dispositivos que tratam do âmbito penal, processual, administrativo e dos princípios gerais. Todavia, é predominantemente de natureza penal, conforme Pedro Rui da Fontoura Porto aduz: (...) a Lei 11.340/06 não é exclusivamente uma lei penal; em seu bojo também se contemplam disposições administrativas, processuais, princípios gerais etc. É forçoso convir, entretanto, tratar-se de uma lei predominantemente penal, restando indiscutível que seu grande impacto vem se pronunciando nesta esfera jurisdicional. Além disso, cuida-se de norma que incrementa o poder punitivo do Estado (...). (PORTO, 2012, p24) Esse dispositivo legal excluiu os crimes de violência doméstica do rol dos crimes considerados de menor potencial ofensivo, impedindo a utilização dos mecanismos de conciliação, transação penal e suspensão condicional dos processos previstos na Lei 9.099/1995. Essa foi umas das principais mudanças no tratamento jurídico da violência doméstica e familiar contra a mulher estabelecidas por ela (CAMPOS; JUNG, 2020). Em seus primeiros artigos, a Lei reforça que a mulher é um sujeito de direito, “independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião” (BRASIL, 2006). Também se preocupa em mostrar a sua especificidade focada na violência contra a mulher em ambiente doméstico ou familiar, trazendo no artigo 5º suas definições: Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. (BRASIL, 2006) É importante frisar que de acordo com o inciso I, todos que compõe o âmbito doméstico se encaixam nessa modalidade, a esposa não é a vítima exclusiva, podendo ser alvos desse 24 crime, por exemplo, as empregadas domésticas. Ou seja, não necessita grau de parentesco, apenas uma relação naquela unidade doméstica (OLIVEIRA, 2011). Todavia, Nucci esclarece: A mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer parte dessa relação doméstica. Não seria logico se qualquer mulher, bastando entrar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação da agravante trazida pela Lei Maria da Penha. (NUCCI, 2006, p. 864). Já o inciso II explica que a violência de cunho familiar não se restringe ao lar, diferentemente da doméstica, ela abarca todas as entidades familiares reconhecidas pela Constituição, inclusive a violência advinda de uma relação extraconjugal (adultério) (CUNHA; PINTO, 2012). Após ter tipificado a violência doméstica e familiar contra a mulher, ter delimitado seu espaço físico e as condições interpessoais das partes, o texto da Lei exemplifica no artigo 7º de quais maneiras a violência pode se manifestar. Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006) Ao apresentar elementos conceituais e descritivos sobre os diferentes tipos de violência, o artigo 7º facilita a aplicação do Direito. É uma enumeração exemplificativa subdividida em cinco formas de violência: a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. Todavia ao expressar “entre outras”, o caput do artigo esclarece que não são excluídas outras hipóteses de agressões que não foram exemplificadas. Para que a agressão se enquadre nesta Lei, basta que 25 esteja presente os requisitos dos artigos 5º (baseado nas desigualdades de gênero) e 6º (violação de direitos humanos) (FEIX, 2011).Do ponto de vista de Virgínia Feix (2011), a agressão psicológica pode ser considerada a pior das violências, pois além de deixar marcas profundas, ela se origina de forma direta e indireta. A forma direta é a que acontece de acordo com o inciso II, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir. Já a forma indireta se dá através de todas as demais formas de violência, pois também ferem o psicológico das vítimas, deixando sequelas. A violência psicológica está necessariamente relacionada a todas as demais modalidades de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sua justificativa encontra-se alicerçada na negativa ou impedimento à mulher de exercer sua liberdade e condição de alteridade em relação ao agressor. É a negação de valor fundamental do Estado de Direito, o exercício da autonomia da vontade e, portanto, da condição de sujeito de direitos conquistada pelos homens, nas revoluções burguesas, americana e francesa, já no século XVIII. (FEIX, 2011, p205) Em seguida, o artigo 8º trata das medidas integradas de prevenção, onde aponta que deve ser “um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais” visando “coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher” realizando “de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso” (artigo 9°). Entre os artigos 10 e 12 são explanadas as medidas a serem executadas pelas polícias. Em suma são orientações que buscam dar segurança e um atendimento mais humanizado às vítimas. A maior aplicação de cunho policial nas situações de violência doméstica e familiar será de competência da polícia judiciária (Polícia Civil). No entanto, o papel da polícia administrativa (Polícia Militar) é de suma importância, pois situações imediatas de proteção terão a intervenção, na maioria dos casos, pela guarnição policial militar. (PORTO, 2012). Dos artigos 18 ao 24 mostra-se as diversas medidas protetivas de urgência e providências judiciais dispostas em caráter emergencial à mulher violentada, havendo, inclusive a previsão da prisão preventiva e por descumprimento de medida protetiva de urgência (artigos 20 e 24-A). Esta última hipótese de prisão será tratada mais à frente. 26 Quanto aos tipos de medidas protetivas de urgência, o referido diploma legal as dividiu entre aquelas em desfavor do agressor (artigo 22), as dirigidas à vítima (artigo 23) e as que dão proteção ao patrimônio da vítima (artigo 24). O artigo 22 traz obrigações e restrições destinadas ao agressor, limitando suas ações. A redação deste artigo traz providências coercitivas que o juiz pode aplicar de imediato, mesmo sem a ciência do Ministério Público. Conforme o dispositivo há a previsão de: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020) VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020) (BRASIL, 2006) Na sequência, o artigo 23 aborda as medidas protetivas de urgência destinadas à ofendida. Por isso não possuem natureza criminal, sendo destinadas a proteção física e psicológica da vítima e dão suporte logístico para ela e seus dependentes: Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos. V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga. (Incluído pela Lei nº 13.882, de 2019) (BRASIL, 2006) Para garantir o acesso das vítimas a um advogado, os artigos 27 e 28 da referida Lei determinam que todas as mulheres agredidas devem ser acompanhadas por um defensor, sendo reservado a todas os serviços da Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita. Tal http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.826.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13984.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13984.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13882.htm#art2 27 dispositivo é fundamental para dar efetividade à Lei, pois muitas mulheres, mesmo pertencendo às classes sociais mais abastadas, são dependentes financeiramente dos seus companheiros, o que tornaria muito difícil o acesso a um advogado. Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei. Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. (BRASIL, 2006) Apresentados os principais artigos da Lei Maria da Penha é primordial demonstrar que ela tem passado por constantes atualizações, especialmente após 2017. São importantes alterações propostas por parlamentares na tentativa aumentar a eficiência da Lei, melhorando seus mecanismos de proteção às vítimas. Logo, é válido comentar as mudanças que geraram maiores repercussões. Para boa parte da bibliografia, a modificação que gerou o impacto mais positivo ocorreu em 2018, com a Lei 13.641, que tipificou e incluiu na Lei 11.340/06 a conduta de descumprimento das medidas protetivas de urgência, gerando maior receio do agressor em ser preso e consequente diminuição da taxa de descumprimentos. De acordo com o art. 24-A, descumprir medida protetiva de urgência agora é crime, independentemente da competência civil ou criminal do juiz que a proferiu, com pena variando entre 3 meses e 2 anos de detenção. Essa alteração era reivindicada, principalmente, por promotores das varas de violência doméstica revoltados contra a grande quantidade de descumprimento da medida protetiva. Também havia uma indignação com o entendimento de muitos magistrados e do Superior Tribunal de Justiça de que não havia crime nesses casos, pois a conduta não era tipificada. Por isso, a importância dessa alteração está no fato de tornar crime a conduta de descumprir medida protetiva, mesmo que a pena não seja elevada (CAMPOS; JUNG, 2020).Segue o texto atualizado da Lei: Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. 28 § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018) (BRASIL, 2006) Ainda em 2018 a Lei 13.772 inseriu no rol de condutas tipificadas no inciso II do art. 7º da Lei Maria da Penha, a violação da intimidade da mulher. É uma agressão que acarreta vários danos à saúde psicológica e já causou suicídio de jovens que tiveram sua intimidade sexual exposta sem seu consentimento (CAMPOS, JUNG, 2020). “A maior discussão a respeito se refere ao alcance dessa violação que poderia restringir-se ao aspecto sexual ou ampliar-se para quaisquer atingimentos da intimidade”. (CABETTE, 2018, p.19) Em 14 de maio de 2019 entrou em vigor a Lei 13.827 que acrescentou na Lei Maria da Penha o artigo 12-C, onde fica autorizada em determinadas hipóteses que a autoridade policial aplique medida protetiva de urgência nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Segue a redação: Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I - pela autoridade judicial; II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. § 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. § 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019) (BRASIL, 2006) Dentre todas as alterações realizadas na Lei 11.340/06, essa foi a mais importante para garantir a celeridade da concessão da medida protetiva, fato que pode fazer a diferença entre a vida e morte para a vítima. Agora, quando atendidos os requisitos, o agressor deverá ser afastado imediatamente do lar, domicílio ou lugar de convivência com a ofendida: pelo juiz; pelo delegado de polícia, quando não houver juiz à disposição; pelo policial (civil ou militar), quando não houver disponíveis juiz nem tampouco delegado. Criou-se, então uma hipótese administrativa de concessão de medida protetiva, porém sem tirar a palavra final do juiz, preservando-se sua reserva de jurisdição ao mesmo passo que se prioriza a dignidade da pessoa humana. (NUCCI, 2019) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13641.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13827.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13827.htm#art2 29 Não visualizamos nenhuma inconstitucionalidade nem usurpação de jurisdição. Ao contrário, privilegia-se o mais importante: a dignidade da pessoa humana. A mulher não pode apanhar e ser submetida ao agressor, sem chance de escapar, somente porque naquela localidade inexiste um juiz (ou mesmo um delegado). O policial que atender a ocorrência tem a obrigação de afastar o agressor. Depois, verifica-se, com cautela, a situação concretizada. (...). Argumentar com reserva de jurisdição em um país continental como o Brasil significaria, na prática, entregar várias mulheres à opressão dos seus agressores, por falta da presença estatal (judicial ou do delegado). O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana encontra-se acima de todos os demais princípios e é perfeitamente o caso de se aplicar nesta hipótese. (NUCCI, 2019, p.02, grifos no original) Apesar de ter aperfeiçoado o combate à violência doméstica, este mecanismo gerou um grande entrave jurídico. Inclusive há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o artigo 12-C (ADI 6138) impetrada pela Associação de Magistrados Brasileiros, que argumenta haver uma invasão de reserva jurisdicional. Até o presente momento ainda não havia data marcada no Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento em plenário. Vale salientar que essa inovação legislativa é uma exceção à regra, conforme o artigo 19 da Lei 11.340/2006, as medidas protetivas de urgência são concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. E de acordo com o § 2º “(..)poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, e também, ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados”. (BRASIL, 2006) O artigo 12 também foi alterado com a intensão de dar mais proteção às mulheres com deficiência e, consequentemente, resolve o problema de uma cifra oculta causada pela subnotificação desses casos de agressão: O artigo 12 foi modificado também em 2019 pela Lei 13.836/19. Ela incluiu o inciso IV no §1º, determinando que a autoridade policial deve informar sobre a condição de a ofendida ser pessoa com deficiência e se da violência resultou deficiência ou agravamento de deficiência preexistente. Essa informação é importante para a compilação de dados, uma vez que há invisibilidade da violência doméstica praticada contra mulheres com deficiência (MELLO, 2016 apud CAMPOS; JUNG, p.119). Ainda em 2019, a Lei 13.894 incluiu o inciso III ao § 2º do art. 9º. Ela determina o que o juiz encaminhe “à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente”. (BRASIL, 2006) No ano de 2020, já durante a pandemia do COVID-19, foi sancionada a Lei 13.984/2020 que acrescentou na Lei Maria da Penha os incisos VI e VII do artigo 22, que possibilita ao juiz 30 exigir imediatamente a obrigatoriedade do comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e/ou o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. Esses incisos possuem caráter educativo para coibir, prevenir e reduzir a violência. O comparecimento dos agressores deste tipo de violência em cursos e grupos de reflexão que abordam temáticas relativas à identidade de gênero, masculinidade tóxica, machismo, assunção de responsabilidade por seus próprios atos, entre outros, é um método reconhecido para coibir, prevenir e reduzir a reincidência da violência doméstica contra a mulher. Além disso, tende a ocasionar mudanças significativas nas vidas desses homens e de suas companheiras, sobretudo na ressignificação de seus papéis e eliminação de padrões tóxicos, acarretando a consequente redução dos índices de reincidência e acionamento das vias policiais por parte das vítimas. (MASCOTTE; BALBINO, 2020, p.4) As últimas alterações na Lei foram sugeridas pela Associação de Magistrados Brasileira (AMB) em março deste ano, sendo que em 28 de julho de 2021 foi sancionada a Lei 14.188. A alteração aconteceu bem próximo ao aniversário de 15 anos da Lei Maria da Penha e inseriu um pacote de mudanças. O pacote modificou o Código Penal, aumentando a pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e criou o tipo penal de violênciapsicológica contra a mulher. Além disso, criou o programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340. “Na prática, se a mulher for até uma repartição pública ou entidade privada participante e mostrar um “X” escrito na palma da mão, se possível, em vermelho, os funcionários deverão adotar procedimentos para encaminhar a vítima a atendimento especializado na localidade.” (SOUZA, 2021) Por obvio, tanto o texto original, quanto as recentes mudanças não conseguem agradar a todos (por bem nem deveriam). Existem inúmeras críticas, a maioria construtivas, que enriquecem o debate democrático e corroboram para a melhoria deste importante dispositivo legal no combate à cultura machista e patriarcal, bem como à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Do ponto de vista de Campos e Jung as mudanças feitas na Lei original melhoraram muito pouco sua efetividade, pois elas afirmam que quase todas as alterações já eram previstas em lei, ainda que de forma implícita. Segundo as pesquisadoras, embora muitas das inovações tenham sido propostas por parlamentares mulheres, o mesmo movimento feminista que lutou http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm 31 por décadas até a elaboração do referido texto legal nunca foi consultado para uma discussão sobre seus impactos (CAMPOS; JUNG, 2020). Outra crítica pertinente é que apesar da Lei Maria da Penha constituir um instrumento de transformação na vida da vítima, do agressor e da conscientização social, ela, por si só, não é capaz de romper a violência, pois ela é cultural, social e histórica. Isso reflete nos padrões apreendidos, naturalizados e repetidos pela sociedade. Por isto, seu enfrentamento deve resultar de uma visão multidisciplinar compatível com a complexidade do fenômeno “que permitam compreender a vítima, o agressor e a retratação da vítima. Este é o único caminho: conhecer a violência para dar efetividade à Lei Maria da Penha.” (FERNANDES, 2013, p.251) Ainda por este olhar, acredita-se que o processo de conscientização do agressor a respeito do quão ofensivo é a sua ação para a construção de uma família sadia, converte-se na melhor maneira de enfrentar a violência. Porém, mesmo que a União, os Estados e os Municípios tenham competência concorrente para garantir campanhas e programas de conscientização, existem poucos centros de referência no assunto. Além do mais é necessário que o Estado adote uma postura que dê prioridade à criação de órgãos especializados e treinamento aos operadores de Direito e demais profissionais. Há uma grande carência de casas de abrigo que possam amparar mulheres em situação de violência que são dependentes economicamente do agressor. Assim como também faltam defensores públicos para prestar o devido apoio jurídico. Enfim, são aparatos estatais que já estão previstos na Lei, porém encontram-se no momento longe do ideal (OLIVEIRA, 2011). 32 3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL CAUSADO PELA COVID-19 3.1 PANORAMA TENDENCIAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL Como vimos, o Brasil carece de uma estrutura que dê o devido apoio às vítimas de violência doméstica e que trate o tema além do prisma punitivo. Apesar da Lei Maria da Penha ser um marco na luta contra o patriarcado, ainda faltam políticas públicas adequadas para dar mais efetividade à Lei. É em meio a esse contexto que estamos enfrentando a pandemia de COVID-19. Passamos por um momento inédito em que a doença não afeta somente a saúde dos infectados, mas impacta o modo de vida da sociedade no mundo inteiro, que precisa viver em isolamento social na tentativa de barrar a proliferação do vírus. Nos locais onde foram feitas análises correlacionando a quarentena causada pela pandemia da COVID-19 com a violência doméstica e familiar contra a mulher, ficou evidente o aumento significativo das agressões. Entidades dedicadas ao enfrentamento da violência doméstica demonstraram um crescimento de abusos resultante da coexistência forçada, do estresse econômico e de temores sobre o coronavírus. O confinamento está promovendo tensões oriundas das preocupações com segurança, saúde e dinheiro. (VIEIRA et al, 2020) A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras autoridades de saúde nacionais e internacionais apontam a residência como um lugar seguro durante a pandemia de COVID-19, sendo a melhor forma de barrar a proliferação do vírus. Porém, para as mulheres vítimas de violência doméstica, ficar confinadas junto com seus agressores, o próprio lar torna-se sinônimo de insegurança. Tão importante quanto bloqueios obrigatórios, quarentena e auto-isolamento são, essas medidas podem ter efeitos prejudiciais para aqueles que já se encontram em situações violentas. Indivíduos, particularmente mulheres, estão essencialmente presas com seu agressor, sem trégua física do relacionamento abusivo. O agressor também pode usar o vírus para isolar ainda mais a vítima da família, amigos e redes sociais, bem como dos serviços que poderiam apoiá-los. (HANEEF; KALYANPUR, 2020, p.07) Pâmela Rocha Vieira, Leila Posenato Garcia e Ethel Leonor Noia Maciel complementam o raciocínio: 33 No isolamento, com maior frequência, as mulheres são vigiadas e impedidas de conversar com familiares e amigos, o que amplia a margem de ação para a manipulação psicológica. O controle das finanças domésticas também se torna mais acirrado, com a presença mais próxima do homem em um ambiente que é mais comumente dominado pela mulher. A perspectiva da perda de poder masculino fere diretamente a figura do macho provedor, servindo de gatilho para comportamentos violentos. (VIEIRA et al, 2020, p.02) Apesar do isolamento social ser novidade para a maioria da população mundial, este método preventivo já foi utilizado para evitar a contaminação em outras epidemias e surtos - ainda que tenha sido em proporções bem menores. Em algumas dessas ocasiões, estudos já tinham revelado a relação entre o confinamento e o aumento da violência contra mulheres dentro das suas residências. É o caso do estudo publicado pela International Rescuae Comittee, expondo esse problema durante o surto de Ebola no Congo em 2018 (RESCUE.ORG, 2019) e do surto de Zika Vírus em 2016 aqui no Brasil (DOMEQUE et al, 2018). A maioria dos países seguiram as recomendações da OMS e ao passo que a pandemia de COVID-19 foi ganhando força, mais severas tornaram-se as medidas de isolamento adotadas. Por consequência, mais linhas de ajuda e abrigos para violência doméstica em todo o mundo relataram pedidos crescentes de ajuda. Em países desenvolvidos como a Itália, Alemanha, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, as autoridades governamentais, ativistas e sociedade civil denunciaram crescentes denúncias de violência doméstica e a necessidade de mais abrigos o para as vítimas. Diversos países da Ásia e a Australia também relataram o aumento do número de chamadas por socorro junto com o aumento da intensidade das agressões. Fatos que demonstram estarmos enfrentando um problema em nível global. (NGCUKA, 2020) No Brasil, de acordo o Instituto Igarapé11, a produção, coleta e divulgação de dados sobre a violência contra a mulher é desafiadora. A subnotificação, a ausência de órgãos responsáveis pela sua produção e até a falta de padronização em sua sistematização dificultam a integração, a compilação e as análises para a identificação de padrões de vitimização. Esses fatos tornam a maioria dos relatórios escassos, incompletos e desatualizados (INSTITUTO IGARAPÉ, 2020). Devido a essas dificuldades, o Brasil ainda não possui um documento que indique com precisão o padrão da violência doméstica em meio ao cenário pandêmicoque atravessamos. 11 O Instituto Igarapé é uma organização independente focada nas áreas de segurança pública, climática e digital e suas consequências para a democracia. Seu objetivo é propor soluções e parcerias para desafios globais por meio de pesquisas, novas tecnologias, comunicação e influência em políticas públicas. (INSTITUTO IGARAPÉ, 2020) https://eva.igarape.org.br/ 34 No Brasil, os mais completos relatórios sobre o assunto foram produzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Com o intuito de verificar e entender o comportamento da violência doméstica durante a pandemia, a FBSP, em 24 de julho de 2020, divulgou a 3ª nota técnica da Violência Doméstica Durante a Pandemia de COVID-1912. Esse documento foi a última nota técnica que compilou da melhor maneira possível os dados disponíveis durante os primeiros meses da quarentena, quando o isolamento social foi mais intenso. A partir dos registros de ocorrências lavrados pelas Polícias Civis dos estados e das informações levantadas junto aos Tribunais de Justiça estaduais, foi elaborado um documento demonstrando quantitativamente os crimes de violência doméstica contra mulheres e as conceções de medidas protetivas de urgência. O relatório refere-se aos meses de março, abril e maio de 2020 e comparados com mesmo período de 2019. Foram coletados dados dos seguintes crimes atrelados à violência doméstica contra mulheres: feminicídio, lesão corporal dolosa, estupro/estupro de vulnerável e ameaça. As informações são dos estados do Acre, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. Para o levantamento de dados sobre as concessões de medidas protetivas de urgência foram compiladas informações dos estados do Acre, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo. A justificativa para escolha dessas Unidades da Federação se deu “por conta de sua rapidez e transparência na compilação e divulgação de estatísticas sobre violência contra a mulher.” (BUENO; LIMA, 2020, p.03) Os dados levantados pelo FBSP no início da pandemia - período de maior isolamento social - apontaram efeitos colaterais preocupantes semelhantes ao já observados em outros países. O relatório acusa uma grande diminuição da quantidade de registros policiais em praticamente todos os crimes elencados. As concessões de medidas protetivas de urgência também acompanharam esse comportamento. Essa estranha redução, segundo a nota técnica, deve-se ao fato de as mulheres estarem com dificuldade para denunciarem as agressões: “(...) a situação de isolamento domiciliar tem como possível efeito colateral consequências perversas para as milhares de mulheres brasileiras em situação de violência doméstica, na medida em que elas não apenas são obrigadas a permanecerem em casa com seus agressores, mas também podem encontrar ainda mais barreiras no acesso às redes de proteção às mulheres e aos canais de denúncia.” (BUENO; LIMA 2020, p.02) 12 Todos os dados e tabelas da 3ª nota técnica da Violência Doméstica Durante a Pandemia de COVID-19 do Fórum Brasileiro de segurança Pública estão disponíveis no endereço <https://forumseguranca.org.br/wp- content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-ed03-v2.pdf> 35 Entre os estados acompanhados, foi unânime a redução da quantidade de medidas protetivas de urgência concedidas no período entre março e maio de 2020, quando comparadas com o mesmo período de 2019. A média das taxas de redução acumulada nos estados foi de 21,2% entre os estados. São Paulo foi o estado que mais concedeu, foram 15.502 medidas, porém houve uma queda de 11,6% entre os períodos. O Acre, além de apresentar a maior taxa de redução na concessão de medidas do período acumulado (-30,7%), em números absolutos também foi o que menos concedeu, foram apenas 289. Todas as Unidades da Federação que participaram do estudo apresentaram redução nos registros de lesões corporais dolosas. Houve uma queda de 27,2% no período acumulado, com as maiores reduções nos estados do Maranhão (-84,6%) e Rio de Janeiro (-40,2%). Nos registros de estupros e estupros de vulneráveis contra vítimas mulheres houve uma redução geral de 50,5%. As maiores reduções foram registradas nos estados do Espírito Santo (-79,8%), Ceará (-64,1%) e Rio de Janeiro (-61,2%). O único estado que apontou aumento no registro desse crime foi o Rio Grande do Norte (62,2%). Quanto aos registros de ameaças, o acumulado demonstrou redução de 32,7% nos estados. Rio de Janeiro (-50,5%) e Ceará (-36,8%) apresentaram as maiores quedas e apenas dois estados tiveram aumento da taxa, Pará (32,5%) e Rio Grande do Norte (10,8%). Por ser um crime difícil de ocultar, a única exceção dessa diminuição de registros nas delegacias foi o do mais grave deles, o feminicídio, que aumentou ao longo dos meses de quarentena. Apesar do acumulado entre os estados não ter sido muito grande (2,2%), os dados sobre feminicídio chamam muito a atenção. O relatório revela uma discrepância muito acentuada entre os estados, sendo que boa parte dos deles tiveram uma diminuição de registros, todavia, alguns tiveram um aumento exorbitante. O Acre acusou um aumento de 400% nos registros, o Mato Grosso 157,1%, Maranhão 81,8% e Pará um crescimento de 75%. Esse estudo foi revelador e nos faz pensar a respeito do comportamento diferenciado dos dados sobre violência doméstica contra mulheres no período inicial da pandemia no Brasil. A diminuição dos registros policiais nas delegacias acusa apenas uma aparente redução da violência. Camuflada pela subnotificação, a continuidade dos abusos torna-se claro quando analisamos o aumento de feminicídio, que evidencia o agravamento dos conflitos. Sobre a subnotificação, que já era um grande problema e tornou-se ainda pior durante a pandemia, Phumzile Mlambo Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres e vice-secretária geral das Nações Unidas, nos explica: 36 A ampla subnotificação de formas de violência doméstica já havia tornado um desafio a coleta de dados e respostas, menos de 40% das mulheres vítimas de violência buscavam qualquer tipo de ajuda ou denunciavam o crime. Menos de 10% das mulheres que procuravam ajuda, iam à polícia. As circunstâncias atuais tornam os relatórios ainda mais difíceis, incluindo limitações no acesso de mulheres e meninas a telefones e linhas de ajuda e interrompem serviços públicos como polícia, justiça e serviços sociais. Essas interrupções também podem comprometer os cuidados e o apoio de que as sobreviventes precisam, como tratamento clínico de estupro, saúde mental e apoio psicossocial. Isso também alimenta a impunidade de agressores. (NGCUKA, 2020) Mais recentemente, em julho de 2021, o mesmo Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou outro estudo, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública13 de 2021. Trata-se de um completo relatório que retrata diversos aspectos da segurança pública brasileira. Dentre os assuntos trazidos, a violência doméstica contra mulheres durante a pandemia recebeu destaque nesta última edição. O estudo da violência doméstica contido no Anuário possui uma metodologia de coleta de dados muito semelhante à nota técnica comentada anteriormente. Em suma, a diferença está na abrangência do trabalho. Enquanto naquela não foi possível fazer o levantamento das informações de todos os estados, neste documento conseguiu-se de todos eles. Outra diferença está no intervalo de tempo observado, pois como o próprio nome já diz, no Anuário considerou- se todo o ano pandêmico de 2020 e foi comparado com o ano de 2019. Os mesmos crimes foram analisados, verificando-se um comportamento geral dos dados muito semelhante ao do estudo anterior. Porém, no acumulado, as acentuadas reduções dos registros de crimes que se viu anteriormente, suavizaram-se no acumulado do ano
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