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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS 
DEPARTAMENTO DE DIREITO 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
Vinícius Bittencourt Volpato 
 
 
 
 
 
 
 
A violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social 
durante a pandemia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2021 
 
Vinícius Bittencourt Volpato 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social 
durante a pandemia 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direito 
do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal 
de Santa Catarina como requisito para a obtenção do 
título de Bacharel em Direito. 
Orientador: Professora Dra. Marília Denardin Budó 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2021 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha de identificação da obra 
 
 
 
Vinícius Bittencourt Volpato 
 
 
A violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social 
durante a pandemia 
 
 
 
Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “A 
violência doméstica no norte da Ilha de Santa Catarina em meio ao isolamento social durante 
a pandemia” e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito. 
 
Local, 23 de setembro de 2021. 
 
 
 
________________________ 
Prof. Luiz H. Cademartori, Dr. Coordenador do Curso 
 
Banca Examinadora: 
 
 
 
________________________ 
Professora Dra. Marília Denardin Budó 
Orientadora 
Universidade Federal de Santa Catarina 
 
 
________________________ 
Patrícia Silveira da Silva 
Avaliadora 
Universidade Federal do Paraná 
 
 
________________________ 
Ma. Poliana Ribeiro dos Santos 
Avaliadora 
Universidade Federal de Santa Catarina 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Agradeço a minha família que me motiva a tentar voos cada vez 
mais altos. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço a Deus, por me presentear colocando excelentes pessoas em meu caminho; 
aos meus pais, que não mediram esforços para me proporcionar a melhor educação possível; a 
minha esposa e filha, que são minha motivação e inspiração para tudo na vida; a minha dedicada 
orientadora, peça chave neste trabalho; e a todos meus colegas de trabalho que contribuíram de 
alguma forma para esta pesquisa. 
 
 
 
 
RESUMO 
O objetivo principal desta pesquisa foi o de compreender as variações nos números de 
denúncias de casos de violência doméstica contra mulheres no Norte da Ilha de Santa Catarina 
em meio à pandemia de COVID-19. O distanciamento social aconselhado pela Organização 
Mundial da Saúde desde a declaração que estávamos diante de uma pandemia, em março de 
2020, levou ao confinamento de homens e mulheres em suas casas. Em vários países, o 
isolamento foi considerado a causa do aumento das ocorrências de violência doméstica, já que, 
em muitos casos, a realidade pode ser traduzida como um confinamento forçado de vítimas e 
agressores. O problema de pesquisa foi assim formulado: como as denúncias policiais por 
violência doméstica variaram entre os anos de 2019 e 2020? Para respondê-lo, foi realizada 
pesquisa quantitativa através da coleta dos registros policiais, de modo a traçar um comparativo 
da quantidade de denúncias feitas à Polícia Militar entre 2019 e 2020. O trabalho foi estruturado 
em duas partes, correspondendo às duas etapas da pesquisa. Na primeira, através de pesquisa 
exploratória da bibliografia, foi realizado um levantamento histórico sobre o patriarcado, a fim 
de entender a origem do comportamento machista enraizado na sociedade e que se demonstrou 
tão aflorado no período pandêmico. Também se resgatou a história da luta feminista pelo 
reconhecimento dos direitos das mulheres, culminando na criação da Lei Maria da Penha, 
importante ferramenta que vem se aprimorando na tentativa de desconstruir o machismo e o 
patriarcado. No segundo capítulo, foi apresentado o resultado da análise dos dados obtidos. Foi 
possível verificar que houve um aumento significativo dos registros de ocorrência de violência 
doméstica após março de 2020, reforçando a hipótese da potencialização das oportunidades de 
agressão, além do aprofundamento de desentendimentos e desavenças pré-existentes, em razão 
do contexto do isolamento social. 
 
Palavras-chave: Violência doméstica. Isolamento social. Pandemia. Lei Maria da Penha 
 
 
 
 
ABSTRACT 
The main objective of this research was to understand the variations in the number of 
complaints of cases of domestic violence against women in the North of Santa Catarina Island 
during the COVID-19 pandemic. The social distancing advised by the World Health 
Organization since the declaration that we were facing a pandemic, in March 2020, has led to 
the confinement of men and women in their homes. In several countries, isolation has been 
considered the cause of the increase in the occurrence of domestic violence, as, in many cases, 
the reality can be translated into forced confinement of victims and aggressors. The research 
problem was formulated as follows: how did police complaints of domestic violence vary 
between the years 2019 and 2020? To answer it, quantitative research was carried out through 
the collection of police records, in order to draw a comparison of the number of complaints 
made to the Military Police between 2019 and 2020. The work was structured in two parts, 
corresponding to the two stages of the research. In the first, through exploratory research of the 
bibliography, a historical survey on patriarchy was carried out, in order to understand the origin 
of the sexist behavior rooted in society and which proved to be so prominent in the pandemic 
period. The history of the feminist struggle for the recognition of women's rights was also 
retrieved, culminating in the creation of the Maria da Penha Law, an important tool that has 
been improving in an attempt to deconstruct machismo and patriarchy. In the second chapter, 
the result of the analysis of the data obtained was presented. It was possible to verify that there 
was a significant increase in records of occurrences of domestic violence after March 2020, 
reinforcing the hypothesis of potentializing opportunities for aggression, in addition to the 
deepening of pre-existing misunderstandings and disagreements, due to the context of social 
isolation. 
 
 
Keywords: Domestic violence. Social isolation. Pandemic. Maria da Penha Law 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11 
2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO SINTOMA DA SOCIEDADE 
PATRIARCAL ....................................................................................................................... 13 
2.1 FATORES HISTÓRICOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO 
ÂMBITO FAMILIAR E O ENGAJAMENTO FEMINISTA CONTRA O 
PATRIARCADO...... ................................................................................................................ 13 
2.2 ASPECTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHA .......................................... 21 
3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL 
CAUSADO PELA COVID-19 ............................................................................................... 32 
3.1 PANORAMA TENDENCIAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O 
ISOLAMENTO SOCIAL ......................................................................................................... 32 
3.2 ANÁLISE DAS DENÚNCIAS POLICIAIS ENVOLVENDO VIOLÊNCIA 
DOMÉSTICA NO NORTE DA ILHA DE SANTA CATARINA DURANTE O 
ISOLAMENTO SOCIAL ......................................................................................................... 39 
4 CONCLUSÃO...................................................................................................... 48 
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 51 
11 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
No dia 11 de março de 2020, Tedros Adhanom, diretor geral da Organização Mundial 
de Saúde (OMS), elevou o estado de contaminação da COVID-19, declarando que humanidade 
estava em meio a uma pandemia. A partir desse dia, os países que ainda não estavam tomando 
medidas para conter o avanço da doença, também passaram a adotar os protocolos de segurança 
indicados pela OMS. 
Por ser uma doença altamente contagiosa, letal e até então sem vacina, a principal forma 
encontrada para evitar a propagação da doença foi através do isolamento social. Países do 
mundo inteiro adotaram essa medida sanitária implementando quarentenas, nas quais as 
famílias ficaram proibidas de sair de suas residências por tempo indeterminado. Somente 
atividades e serviços considerados essenciais pelos governos puderam funcionar, porém com 
muitas restrições. 
Apesar de sua imprescindibilidade no contexto pandêmico, é fato que o isolamento 
social gerou graves efeitos colaterais, tanto na economia quanto na sociedade em geral. No 
Brasil, empresas que não eram de ramos considerados essenciais tiveram suas atividades 
interrompidas, o que gerou uma avalanche de falências. Serviços públicos primordiais também 
ficaram comprometidos. Ministério Público, Sistema Judiciário, Polícia Civil, dentre outros, 
interromperam o atendimento ao público. Em Santa Catarina, até a Polícia Militar, a fim de 
evitar o contato com a população, diminuiu o efetivo nas ruas e restringiu os atendimentos de 
ocorrências somente aos casos considerados prioritários. 
A interrupção de atividades consideradas não essenciais causou desemprego e queda na 
renda familiar. Essa falta de recursos, aliado ao medo da doença e ao estresse do confinamento, 
refletiu no agravamento da violência familiar, fato que também foi observado em outros 
diversos países. Os relatos nacionais e internacionais a respeito do incremento dos registros de 
violência doméstica na pandemia conduziram à elaboração da hipótese de que em razão dessas 
circunstâncias, o confinamento forçado potencializou as mazelas do comportamento machista 
de uma sociedade preponderantemente patriarcal, vitimando principalmente as mulheres. 
O objetivo deste trabalho é o de verificar esta hipótese, através da elaboração do 
problema de pesquisa: como as ocorrências policiais por violência doméstica variaram entre os 
anos de 2019 e 2020 no norte da ilha de Santa Catarina? A pesquisa concentra os esforços de 
maneira regionalizada, no caso, o Norte da Ilha de Santa Catarina, pois entende-se que cada 
local possui suas peculiaridades que influenciam nos processos de criminalização e vitimização. 
12 
 
Logo, quanto mais as lentes estiverem focadas nos problemas de cada localidade, mais fácil 
será levantar dados relevantes que subsidiem novas pesquisas criminológicas sobre a 
problemática e que ajudem na implementação de políticas públicas mais eficientes para a 
região, sobretudo no que tange ao atendimento às vítimas. 
Para isso, utilizou-se informações de denúncias e atendimentos policiais de violência 
doméstica contra mulheres extraídas do banco de dados do 21º Batalhão de Polícia Militar de 
Santa Catarina, unidade responsável pelo policiamento no Norte da Ilha de Santa Catarina. A 
pesquisa levou em consideração todas as denúncias de violência doméstica realizadas via 190 
ou pelo aplicativo para celular PMSC Cidadão. Sendo assim, não ficou restrita aos registros 
policiais (boletins de ocorrência), pois nem toda denúncia gera um registro. Também foi 
realizada pesquisa bibliográfica, fundamental para contextualizar a violência doméstica dentro 
realidade social do local. Outrossim, por ser nascido, criado e trabalhar como policial militar 
nessa mesma região, a visão crítica do quem lhe escreve também transparece na 
contextualização dessa realidade. 
Antes de apresentar o objeto principal do trabalho, o primeiro capítulo apresenta uma 
revisão bibliográfica que confere o aporte histórico necessário sobre o patriarcado e o 
machismo, demonstrando os fatores que influenciaram as primeiras sociedades a deixarem de 
ser essencialmente matriarcais para tornarem-se patriarcais. Fatores esses que se fortaleceram, 
incorporando-se na cultura, no modo de pensar e agir das pessoas durante milênios e que até 
hoje são usados para justificar os abusos contra as mulheres. 
No início do século XIX os movimentos feministas ganharam força e iniciaram um 
persistente combate contra o patriarcado. Graças à iniciativa desses movimentos, 
gradativamente as mulheres estão tendo seus direitos reconhecidos e respeitados. Destacamos 
a criação da Lei Maria da Penha, um importante marco para as conquistas feministas, mas que 
ainda passa por melhorias, pois como veremos, muito ainda precisa ser feito para que a Lei 
tenha sua esperada efetividade. Fato que ficou explícito durante o período pandêmico ao qual 
atravessamos. 
O segundo capítulo traz os resultados da pesquisa quantitativa dos dados sobre registros 
de ocorrências de violência doméstica no Norte da Ilha em 2019 e em 2020, para 
compreendermos como ocorreu a variação dos números, testando, assim, a hipótese 
anteriormente formulada.
13 
 
2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO SINTOMA DA SOCIEDADE PATRIARCAL 
 
2.1 FATORES HISTÓRICOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO 
FAMILIAR E O ENGAJAMENTO FEMINISTA CONTRA O PATRIARCADO 
 
A maioria dos antropólogos acreditam que os povos primitivos se organizavam de 
forma matriarcal, onde a mulher ocupava a posição central na comunidade por consequência 
natural do modo de vida nômade da época. Os homens ficavam a maior parte do tempo ausentes 
a procura de alimentos, enquanto as mulheres ficavam nos acampamentos cuidando dos filhos, 
que cresciam praticamente só sob a influência delas. Além do mais, nesse período não se 
conhecia o papel do homem na reprodução, ficando a linhagem de parentesco restrita às 
mulheres (OSÓRIO, 2002). “Como desempenhasse a mãe a maior parte das funções paternais, 
a posição do homem na família era a princípio superficial e incidental; a da mulher, fundamental 
e suprema” (DURANT, 1963, p.22). 
Will Durant (1963, p. 24) complementa a importância da mulher na comunidade 
matriarcal primitiva: 
 
A mulher (...) igualava o homem na estatura, na resistência, na habilidade e na 
coragem, não era um ornamento social, um objeto de beleza ou um brinquedo sexual, 
mas um robusto animal, com capacidade para realizar durante horas os mais rijos 
trabalhos e, se preciso fosse, lutar até a morte, pela progênie e pelo clã. (DURANT, 
1963, p.24) 
 
Posteriormente, com o domínio das técnicas de plantio e de pecuária, a presença do 
homem na lavoura e na pecuária tornou-se mais importante do que na coleta ou na caça. Aos 
poucos, ele se impôs com a força física e tomou o protagonismo da mulher na sociedade: 
 
Como, porém, a agricultura se tornasse mais complexa e produzisse mais amplas 
recompensas, o sexo forte breve a tomou para si. A criação de rebanhos deu ao homem 
uma nova fonte de riqueza, além de estabilidade e poder; a plantação de sementes, que 
aos poderosos Nimrods1 da antiguidade devia ter parecido coisa prosaica, foi por fim 
aceita pelo macho nômade; e o comando econômico, que o trabalho dos campos dera 
por algum tempo à fêmea, foi assim conquistado pelo macho. A aplicação à 
agricultura daqueles animais que a mulher havia domesticado induziu o homem a pô-
los na labuta dos campos em substituição à mulher; o advento do arado, como 
evolução da primitiva enxada, exigindo mais força física, habilitou o homem a impor 
a sua supremacia. O crescimento da propriedade transmissível sob forma de gado e 
produtos da terra trouxe a subordinaçãosexual da mulher, porque agora o macho 
exigia dela fidelidade, a fim de que a herança só se transmitisse a filhos 
 
1 Reino de Nimrods. Uma das principais cidades da Antiga Mesopotâmia, localizada entre os rios Tigre e Eufrates. 
14 
 
presumivelmente seus. Começa a ascendência do homem, a paternidade sobrepuja a 
maternidade, a linha de sucessão torna-se masculina, os direitos da mãe cedem aos 
direitos do pai, e a família patriarcal, com o macho mais velho à frente, torna-se a 
unidade econômica, moral, legal e política da sociedade. Os deuses, que tinham sido 
sobretudo femininos, tornam-se grandes patriarcas barbados, metidos em haréns como 
nunca os sonhou o homem comum (DURANT, 1963, p. 24). 
 
Os primeiros registros históricos da Antiguidade Clássica já deixaram clara a mudança 
do matriarcado para o patriarcado. Os deuses que antes eram representados na figura de 
mulheres e enfatizavam principalmente a fertilidade feminina, que também era associado no 
sucesso das colheitas, foram substituídos por deuses do sexo masculino, representados na 
imagem de homem exaltando virilidade e força física. 
O fator religioso entrou em cena e assumiu um papel de perpetuador do patriarcado. Por 
consequência da devoção, a sociedade tenta reproduzir o modo de vida pregado pelos deuses. 
Além de submeterem as mulheres a um segundo plano, a religião por diversas vezes impôs a 
elas uma imagem negativa. Assim foi com Pandora na mitologia grega e Eva no antigo 
testamento: 
 
Por exemplo, na Grécia, os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu 
sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em consequência, 
as mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo o tipo de desgraça. A 
religião é outro dos discursos de legitimação mais importantes. As grandes religiões 
têm justificado ao longo dos tempos os âmbitos e condutas próprios de cada sexo. 
(PULEO, 2004, p. 13) 
 
Uma significativa parte das imagens do feminino difundidas ao longo do tempo 
derivam desta generalização de atitudes, traços e características de Eva a todo o sexo 
feminino e muitas delas têm precisamente que ver com o (...) argumento justificador 
da hierarquia sexual que analisamos: a culpa de Eva no Pecado Original, mais 
concretamente a sua associação ao Mal e ao demoníaco, nomeadamente por via do 
corpo feminino. (RIBEIRO, 2000, p.12) 
 
Na sua obra “História da sexualidade 2: o uso dos prazeres”, Foucault ressalta as 
argumentações de Xenofonte2 na literatura clássica grega, que justificavam a legitimidade da 
condição subalterna da mulher na sociedade. Para isso, o filósofo grego criou uma imagem 
estigmatizada do sexo feminino, conforme preconizava a religião da época: 
 
2 Nasceu em Atenas, aproximadamente em 430 a.c. e viveu até meados de 350 a.c. Influente filósofo e historiador 
grego, autor de diversos diálogos socráticos, além de importantes obras sobre história, educação e teoria política. 
15 
 
 
Para que eles pudessem exercer juntos essas funções distintas, os deuses dotaram cada 
sexo de qualidades particulares. Traços físicos: para os homens que ao ar livre devem 
“laborar, semear, plantar e levar o gado a pastar”, atribuíram o dom de suportar o frio, 
o calor, as caminhadas; as mulheres, que trabalham abrigadas, têm o corpo menos 
resistente. Traços de caráter também: as mulheres possuem um medo natural, mas que 
tem seus efeitos positivos: ele as leva a se preocuparem com as provisões, a temerem 
sua perda, a recearem os gastos; o homem, em troca, é bravo, pois no exterior ele deve 
se defender contra tudo o que poderia lhe causar dano. Em suma, “a divindade 
adaptou, desde o início, a natureza da mulher aos trabalhos e aos cuidados do interior, 
e a do homem àqueles do exterior”. Mas ela os armou também de qualidades comuns: 
posto que tanto o homem como a mulher, cada um no seu papel, têm “a dar e receber”, 
posto que, em sua atividade como responsáveis da casa eles têm, ao mesmo tempo, 
que recolher e distribuir, receberam igualmente a memória e a atenção. (FOUCAULT, 
1984, p.141) 
 
Passaram-se séculos e o cenário de violência contra as mulheres só piorou. Na Europa, 
durante a Idade Média (476-1453), sob a égide da Igreja Católica, a necessidade de garantir a 
legitimidade dos herdeiros resultou em artifícios cada vez mais ferrenhos de controle do corpo 
feminino. Para evitar a relação sexual antes do casamento, meninas de 12 ou 13 anos casavam-
se com homens até 20 anos mais velhos. Elas viviam praticamente confinadas em suas 
residências e deviam total obediência e mansidão aos maridos que as tinham como propriedade 
(Vicentino, 1997). 
O ápice da violência contra a mulher ocorreu na Idade Moderna (1453-1789) de forma 
institucionalizada. Neste período da história, castigos físicos eram impostos às mulheres, que 
variavam desde o uso do cinto de castidade até a morte na fogueira quando condenadas pelos 
Tribunais de Inquisição3 por bruxaria. Porém, a maioria das inquisições deviam-se ao fato de 
as acusadas terem afrontado de alguma forma o modo de vida patriarcal, pois este era um dos 
pilares que sustentava a Igreja e o Estado (Angelin, 2016). 
 
O estereótipo das bruxas era caracterizado, principalmente, por mulheres de aparência 
desagradável ou com alguma deficiência física, idosas, mentalmente perturbadas, mas 
também por mulheres bonitas que haviam ferido o ego de poderosos ou que 
despertavam desejos em padres celibatários ou homens casados. (...) 
Essa campanha foi assumida, tanto pela Igreja Católica, como a Protestante e até pelo 
próprio Estado, tendo um significado religioso, político e sexual. Estima-se que 
aproximadamente 9 milhões de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas neste 
período, onde mais de 80% eram mulheres, incluindo crianças e moças que haviam 
“herdado este mal”. (Angelin, 2016) 
 
3 Em 1233, o papa Gregório IX instituiu o Tribunal Católico Romano, conhecido como “Inquisição” ou “Tribunal 
do Santo Ofício”, que tinha o objetivo de terminar com a heresia e com os que não praticavam o catolicismo. Em 
1320 a Igreja declarou oficialmente que a bruxaria e a antiga religião dos pagãos representavam uma ameaça ao 
cristianismo, iniciando-se assim, lentamente, a perseguição aos hereges. As inquisições ocorreram de 1450 à 1750, 
com a ascensão do Iluminismo. (Angelin, 2016). 
 
16 
 
Em Portugal e em suas colônias, o sistema jurídico que vigorava desde 1603 era 
proveniente das Ordenações Filipinas4, sendo que no Brasil vigorou até 1817, quando então foi 
promulgado o primeiro Código Civil Brasileiro (Godoy, 2017). A ordenação foi mais uma 
forma de institucionalizar a violência contra os direitos da mulher e de fortalecer o patriarcado. 
O longo período em que aqui vigorou demonstra o quanto ainda são recentes os abusos 
extremos do Estado. 
De acordo com a Ordenação Filipina, a mulher que fosse descoberta como amante de 
um clérigo, teria que pagar multa e seria degredada por um ano. Em caso de reincidência, 
novamente pagaria multa e era degradada por mais um ano, além de ser açoitada em praça 
pública. Na segunda reincidência a pena era o degredo perpétuo. Já os clérigos envolvidos 
deveriam ser entregues aos seus respectivos superiores e em hipótese alguma seriam presos 
(Godoy, 2017). 
Outro exemplo da extrema violência institucional contra mulher era pena de morte para 
a mulher adúltera. Neste caso, o próprio marido traído era quem executava pena: 
 
Enquanto para as mulheres não se colocava sequer a possibilidade de serem 
desculpadas por matarem maridos adúlteros, aos homens a defesa da honra perante o 
adultério feminino comprovado encontrava apoio nas leis. O marido traído que 
matasse a adúltera não sofria nenhuma punição. Diziam as ordenações Filipinas: 
“Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim 
a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero, fidalgo,desembargador, ou pessoa de maior qualidade”. Assim, enquanto a condição social 
do parceiro do adultério era levada em conta, a condição social da adúltera não se 
revestia de menor importância; tanto podia ser morta pelo marido a plebeia como a 
nobre. (DEL PRIORE, 2014, p. 34 e 35). 
 
Essa era a horrível realidade na maior parte dos países, que só passou a mudar a partir 
do século XIX. Nos Estados Unidos e na Europa, movimentos organizados da sociedade, 
destacando-se o feminismo5, encabeçaram importantes mudanças sociais que também 
refletiram na relação entre homens e mulheres dentro do convívio familiar em território 
brasileiro. (BICALHO, 2003). O mundo aos poucos passa a conhecer a força dos movimentos 
feministas, que tiveram (e continuam tendo) um papel fundamental nas quebras de paradigmas 
ligados ao patriarcado e ao cumprimento dos direitos humanos. 
 
4 “As Ordenações Filipinas resultaram da reforma feita por Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal), ao Código 
Manuelino, durante o período da União Ibérica. Continuou vigindo em Portugal ao final da União, por confirmação 
de D. João IV. Até a promulgação do primeiro Código Civil brasileiro, em 1916, estiveram também vigentes no 
Brasil.” (BLAKE, [1902?], p. 36 e 37) 
5 “Em seu significado mais amplo, o feminismo é um movimento político. Questiona as relações de poder, a 
opressão e a exploração de grupos de pessoas sobre outras. Contrapõe-se radicalmente ao poder patriarcal. Propõe 
uma transformação social, econômica, política e ideológica da sociedade.” (TALES, 1999, p.10) 
17 
 
 
O movimento feminista e o movimento de mulheres, em suas diferentes gerações, 
matrizes de pensamento e tendências políticas, vêm declarando a expressiva 
concentração deste tipo de violência sobre os corpos femininos situados em cenas 
rotineiras de assimetria frente aos corpos e aos polos superiores do poder masculino 
durante um longo período da história da humanidade até nossos dias. A atuação e as 
reivindicações da militância feminista criaram as condições históricas, políticas e 
culturais necessárias ao reconhecimento da legitimidade e da gravidade da questão, 
aliando-se a esforços acadêmicos para dar visibilidade sociológica a essa violência 
entre os muros universitários, entre os governos e no seio da sociedade civil. 
(ALMEIIDA, 2014, p.329) 
 
Segundo Maria Amélia de Almeida Teles, o primeiro movimento feminista brasileiro 
foi o sufragista, surgido na segunda metade do século XIX, influenciado pelos movimentos 
americanos e europeus. Além de lutar pelo direito ao sufrágio, também estavam engajadas no 
direito à educação das mulheres e no fim da escravatura (TELES, 2003). 
No Brasil, as ações ganharam mais expressão no século posterior, sendo que o ano de 
1932 foi um marco para o feminismo: conquistou-se o direito ao voto. Em seguida, embaladas 
pelas causas feministas, as duas primeiras deputadas federais brasileiras, Carlota Pereira e 
Almerinda Gama, protagonizaram a política participando da elaboração da Constituição de 
1934. Ainda na mesma década, outras deputadas foram eleitas nas esferas estaduais (TELES, 
2003). 
Esses acontecimentos foram de suma importância para os próximos passos da mulher 
brasileira contra o patriarcado. Nas próximas décadas elas começaram a sair do espaço privado 
e gradativamente passaram a ocupar espaços públicos6. 
 
A transformação da estrutura produtiva e a crescente participação feminina no 
mercado de trabalho, o acesso progressivo das mulheres à educação formal, a luta 
feminista e a conquista de direitos políticos, o acesso a métodos contraceptivos que 
gerou uma significativa queda nas taxas de fecundidade dentre outros, tem 
possibilitado importantes mudanças também na dinâmica da casa, favorecendo uma 
revisão do sistema de autoridade no âmbito doméstico (SOUZA; LEMOS, 2009, p. 
22). 
 
 
6 “A esfera pública, configurada como a esfera da produção material, centralizando as relações de propriedade e 
trabalhistas (o trabalho produtivo e a moral do trabalho), tem seu protagonismo reservado ao Homem como sujeito 
produtivo, mas não qualquer Homem. A estereotipia correspondente para o desempenho deste papel (trabalhador 
de rua) é simbolizada no homem racional/ativo/forte/potente/guerreiro/viril/público/possuidor. 
A esfera privada, configurada, a sua vez, como a esfera da reprodução natural, e aparecendo como o lugar das 
relações familiares (casamento, sexualidade reprodutora, filiação e trabalho doméstico) tem seu protagonismo 
reservado à mulher, por meio do aprisionamento de sua sexualidade na função reprodutora e de seu trabalho no 
cuidado do lar e dos filhos. É precisamente este, como veremos, o eixo da dominação patriarcal.” (ANDRADE, 
2005, p.84 e 85) 
 
18 
 
Assim como os anos 30, os anos 70 também foram marcantes para o feminismo. A 
Organização das Nações Unidas (ONU) intitulou o ano de 1975 como o Ano Internacional da 
Mulher. Mesmo durante a ditadura militar, os movimentos feministas ganharam muita força e 
tiveram o apoio da ONU. Passou-se a organizar encontros e congressos periódicos pelo país e 
“as ideias feministas de exigir a igualdade de direitos e questionar o papel de submissão da 
mulher, vão começar a ter ressonância junto à opinião pública” (TELES, 1999, p.85). 
Jornais especializados também começaram a circular pelo país e ajudaram a popularizar 
essas ideias. “Brasil Mulher”, “Nós Mulheres” e “Mulherio” abriram a imprensa para as 
questões da mulher. Dentre os assuntos que eram tratados, pode-se destacar a anistia aos presos 
e perseguidos políticos, condições iguais de vida e trabalho para mulheres, racismo, criação de 
creches, democracia doméstica, descriminalização do aborto e a redemocratização (TELES, 
1999). 
O assunto violência doméstica ganhou bastante destaque entre as feministas a partir do 
II Congresso da Mulher Paulista, em 1980. A partir desse encontro, criou-se as primeiras 
entidades autônomas de serviço voluntário que prestavam acompanhamento psicológico e 
jurídico às mulheres vítimas de violência doméstica nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e 
Minas Gerais. Essas entidades também acionavam a imprensa para promover o debate junto à 
opinião pública (TELES, 1999). 
Na época, dois casos de violência doméstica divulgados na mídia nacional tornaram-se 
muito populares e foram muito importantes para dar notoriedade à causa. O que destacava esses 
casos era a classe social elevada das vítimas. Uma delas foi espancada pelo seu marido, um 
professor universitário paulista de classe média alta e influente no meio intelectual. O outro 
caso ocorreu no Rio de Janeiro, quando um empresário milionário assassinou sua companheira. 
Esses dois crimes geraram grande comoção social e ajudaram a desconstruir o equívoco de 
achar que a violência doméstica é um fenômeno meramente econômico, exclusivo das classes 
baixas, atrelado à pobreza e ao alcoolismo (TELES, 1999). 
O apelo popular em diversas nações aliado a pressão de órgãos internacionais, fizeram 
com que fossem criados dispositivos internacionais que protegessem as mulheres. No âmbito 
nacional, a Constituição Federal de 1988 trouxesse artigos específicos7 em defesa da igualdade 
em direitos e obrigações entre homens e mulheres, além de exigir que o Estado crie mecanismos 
 
7 Artigo 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; e artigo 226, 
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos 
para coibir a violência no âmbito de suas relações. 
19 
 
que coíbam a violência doméstica. Apesar de ser considerado mais um marco para a 
desconstrução do patriarcado, a Constituição sozinha e sem regulamentação não trouxe 
mecanismos práticos para a aplicabilidade dessas previsões. 
Em 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre a 
Eliminação da Violênciacontra a Mulher. Esse instrumento deu uma definição ao termo 
“violência contra a mulher” 8, possibilitando que a problemática passasse a ser tratada 
especificamente como uma violação dos direitos humanos que abrange o domínio privado (UN 
Documents, 1993). 
Já em 1994, a Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou a Convenção 
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também chamada 
de Convenção de Belém do Pará. O Brasil ratificou a Convenção em 1995 e o Estado ficou 
obrigado a incluir em sua legislação normas específicas para a resolução do problema. A 
Convenção de Belém do Pará enfatiza que a violência contra a mulher está generalizada dentro 
da sociedade, independente de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, o 
que é uma afronta aos direitos humanos e uma consequência cruel do patriarcado 
(BRASIL,1996). 
Os Deveres dos Estados Partes podem ser encontrados no artigo 7º da Convenção e 
expressa: 
 
Art. 7 - Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e 
convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas 
a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: 
a) abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as 
autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos 
ajam de conformidade com essa obrigação; 
b) agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; 
c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra 
natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a 
mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis; 
d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, 
intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou 
ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; 
e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir 
leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que 
respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher; 
f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a 
violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso 
a tais processos; 
 
8 Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher Artigo 1.º: Para os fins da presente Declaração, a 
expressão “violência contra as mulheres” significa qualquer acto de violência baseado no género do qual resulte, 
ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, incluindo as ameaças de tais 
actos, a coacção ou a privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada. 
20 
 
g) estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que 
a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e 
outros meios de compensação justos e eficazes; 
h) adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta 
Convenção. (BRASIL,1996) 
 
Demorou mais de dez anos para o Brasil criar uma legislação específica que viesse ao 
encontro desses deveres firmados na Convenção de Belém do Pará. Somente em 07 de agosto 
de 2006 foi sancionada a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha. A referida 
Lei contém ferramentas para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, define o 
que é violência doméstica e suas diferentes formas, traz medidas protetivas às vítimas e indica 
sanções aos agressores. Além disso, vem se atualizando para aperfeiçoar os mecanismos de 
proteção às vítimas. Embora esteja longe da perfeição, até então foi o maior avanço dentro da 
América Latina no combate à violência doméstica contra a mulher. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
21 
 
2.2 ASPECTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHA 
 
Apesar da influência da Constituição Federal de 1988 e dos documentos internacionais 
mencionados anteriormente, a criação da Lei 11340/2006 deve-se muito à história de 
sobrevivência vivida por Maria da Penha Maia Fernandes9. Sua triste experiência ganhou 
visibilidade internacional e teve um papel fundamental na criação da Lei que leva seu nome. 
Mais conhecida como Maria da Penha, essa mulher cearense casou-se em 1979 e desde 
o início do matrimônio já começou a sofrer agressões físicas e psicológicas por parte do marido. 
Com o passar do tempo os abusos foram aumentando, até que ele tentou assassiná-la com um 
tiro pelas costas. Como álibi seu esposo alegou que o incidente foi consequência de um assalto. 
Na ocasião, ele inclusive cortou o próprio braço com uma faca na tentativa de acobertar o crime 
e reforçar sua versão. Por consequência do atentado, ela ficou cinco meses internada e 
paraplégica. 
Duas semanas após seu retorno do hospital para casa, ele tentou matá-la novamente. 
Agora eletrocutando-a enquanto tomava banho. Somente após essa nova tentativa de homicídio 
ela resolveu separar-se do marido e denunciá-lo. 
Infelizmente, o poder judiciário negligenciou as duas tentativas de homicídio sofridas 
por Maria da Penha, sendo que passados 15 anos o criminoso ainda não havia sido punido pelos 
seus atos. Desacreditada da justiça brasileira e temendo a prescrição dos crimes ela procurou os 
órgãos internacionais. Com auxílio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL 
Brasil) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher 
(CLADEM Brasil), Maria da Penha recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos 
(OEA). Em 1998, peticionaram denúncia contra o Estado brasileiro pelo crime de tolerância à 
violência doméstica devido ao descaso do qual ela foi vítima. Para isso, embasaram-se 
principalmente no descumprimento dos dispositivos presentes na Convenção Interamericana 
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra A Mulher (Convenção de Belém do Pará). 
Porém, o Estado brasileiro deu continuidade ao seu comportamento inerte frente à 
barbárie e não se pronunciou em momento algum sobre o caso. Até que a OEA, então 
responsabilizou o Brasil por omissão e tolerância à violência doméstica, conforme informa o 
relatório nº54 de 2001 desta Organização: 
 
 
9 Fonte bibliográfica extraída de: “Lei Maria da Penha: uma superação coletiva.” (JUNIOR, 2011, p. 10-13) e do 
RELATÓRIO 54/01 – OEA (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001). 
22 
 
Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 
da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em 
conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1 
da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida. 
(COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001). 
 
Ainda no mesmo relatório, a OEA reiterou ao Brasil diversas recomendações, 
destacando que se complete rápida e efetivamente o processo penal da Maria da Penha; 
investigar e responsabilizar os responsáveis pelas irregularidades e atrasos no processo, 
impondo as devidas medidas administrativas, legislativas e judiciárias; assegurar reparação 
simbólica e material pelas violações à vítima; avançar em políticas públicas para prevenir, punir 
e erradicar a violência doméstica contra a mulher. 
As recomendações surtiram efeito. Apesar de ter esperado quase duas décadas por 
justiça, o agressor finalmente foi julgado e preso. Ainda pressionado tanto internacionalmente 
quanto pela opinião pública nacional, o Poder Executivo brasileiro criou em 2004 um grupo 
interministerial com o objetivo de elaborar uma proposta legislativa que atendesse as 
reivindicações da OEA. O projeto de lei criado pelo grupo foiaprovado e deu origem a Lei 
nº11340/06 – Lei Maria da Penha. Fruto de uma longa história de luta, essa foi a maior conquista 
legislativa feminista contra o patriarcado no Brasil e é considerada pela ONU uma das três leis 
mais avançadas do mundo que tratam especificamente da violência contra a mulher. 
 
(...) Em 2004, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial, o qual foi coordenado 
pela ministra Nilcéa Freire, com o objetivo de elaborar proposta de medida legislativa 
e outros instrumentos para coibir a violência doméstica contra a mulher. Participaram 
do citado grupo representantes do Consórcio Feminista 10em suas reuniões, das quais 
resultou o anteprojeto de lei n. 4559, encaminhado ao Congresso Nacional. Com a 
realização de audiências em âmbitos regionais e nacional, inclusive no Congresso 
Nacional, conseguiu-se a aprovação da Lei n. 11.340/06, a qual trata de maneira 
específica a violência doméstica e familiar contra as mulheres – Lei Maria da Penha. 
(PIMENTEL, 2009, p.28) 
 
Como já foi demonstrado, a Lei Maria da Penha foi resultado de intensa articulação de 
ONGs e da sociedade civil brasileira. Ela gera mecanismos para deter a violência doméstica 
contra a mulher, descreve os tipos de violência que a mulher pode sofrer, define o que é o 
 
10 “Trata-se do caso de um Consórcio de ONGs feministas que atuou no Congresso Nacional para aprovar a Lei 
Maria da Penha. Os repertórios de ação mobilizados pelo Consórcio são descritos a partir de sua atuação no 
percurso legislativo do projeto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Dos resultados encontrados, 
constatamos que o Consórcio atuou ao longo da tramitação do projeto nas Comissões Parlamentares do Legislativo 
federal em, pelo menos, dois momentos chave: a) formulação do parecer das relatoras e b) posicionamento das 
comissões.” (CARONE, 2018, p.217) 
 
23 
 
ambiente doméstico e familiar, cria medidas protetivas de urgência e descrimina as penas dos 
agressores. Traz dispositivos que tratam do âmbito penal, processual, administrativo e dos 
princípios gerais. Todavia, é predominantemente de natureza penal, conforme Pedro Rui da 
Fontoura Porto aduz: 
 
(...) a Lei 11.340/06 não é exclusivamente uma lei penal; em seu bojo também se 
contemplam disposições administrativas, processuais, princípios gerais etc. É forçoso 
convir, entretanto, tratar-se de uma lei predominantemente penal, restando 
indiscutível que seu grande impacto vem se pronunciando nesta esfera jurisdicional. 
Além disso, cuida-se de norma que incrementa o poder punitivo do Estado (...). 
(PORTO, 2012, p24) 
 
Esse dispositivo legal excluiu os crimes de violência doméstica do rol dos crimes 
considerados de menor potencial ofensivo, impedindo a utilização dos mecanismos de 
conciliação, transação penal e suspensão condicional dos processos previstos na Lei 
9.099/1995. Essa foi umas das principais mudanças no tratamento jurídico da violência 
doméstica e familiar contra a mulher estabelecidas por ela (CAMPOS; JUNG, 2020). 
Em seus primeiros artigos, a Lei reforça que a mulher é um sujeito de direito, 
“independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, 
idade e religião” (BRASIL, 2006). Também se preocupa em mostrar a sua especificidade focada 
na violência contra a mulher em ambiente doméstico ou familiar, trazendo no artigo 5º suas 
definições: 
 
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a 
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, 
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: 
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio 
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente 
agregadas; 
 II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos 
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por 
vontade expressa; 
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha 
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. 
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de 
orientação sexual. 
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de 
violação dos direitos humanos. (BRASIL, 2006) 
 
É importante frisar que de acordo com o inciso I, todos que compõe o âmbito doméstico 
se encaixam nessa modalidade, a esposa não é a vítima exclusiva, podendo ser alvos desse 
24 
 
crime, por exemplo, as empregadas domésticas. Ou seja, não necessita grau de parentesco, 
apenas uma relação naquela unidade doméstica (OLIVEIRA, 2011). Todavia, Nucci esclarece: 
 
A mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer parte dessa relação 
doméstica. Não seria logico se qualquer mulher, bastando entrar na casa de alguém, 
onde há relação doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação da 
agravante trazida pela Lei Maria da Penha. (NUCCI, 2006, p. 864). 
 
Já o inciso II explica que a violência de cunho familiar não se restringe ao lar, 
diferentemente da doméstica, ela abarca todas as entidades familiares reconhecidas pela 
Constituição, inclusive a violência advinda de uma relação extraconjugal (adultério) (CUNHA; 
PINTO, 2012). 
Após ter tipificado a violência doméstica e familiar contra a mulher, ter delimitado seu 
espaço físico e as condições interpessoais das partes, o texto da Lei exemplifica no artigo 7º de 
quais maneiras a violência pode se manifestar. 
 
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: 
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou 
saúde corporal; 
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano 
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno 
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, 
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, 
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação 
de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou 
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; 
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a 
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante 
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a 
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método 
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, 
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o 
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; 
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure 
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de 
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, 
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; 
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, 
difamação ou injúria. (BRASIL, 2006) 
 
Ao apresentar elementos conceituais e descritivos sobre os diferentes tipos de violência, 
o artigo 7º facilita a aplicação do Direito. É uma enumeração exemplificativa subdividida em 
cinco formas de violência: a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. Todavia ao 
expressar “entre outras”, o caput do artigo esclarece que não são excluídas outras hipóteses de 
agressões que não foram exemplificadas. Para que a agressão se enquadre nesta Lei, basta que 
25 
 
esteja presente os requisitos dos artigos 5º (baseado nas desigualdades de gênero) e 6º (violação 
de direitos humanos) (FEIX, 2011).Do ponto de vista de Virgínia Feix (2011), a agressão psicológica pode ser considerada 
a pior das violências, pois além de deixar marcas profundas, ela se origina de forma direta e 
indireta. A forma direta é a que acontece de acordo com o inciso II, mediante ameaça, 
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição 
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir. Já 
a forma indireta se dá através de todas as demais formas de violência, pois também ferem o 
psicológico das vítimas, deixando sequelas. 
 
A violência psicológica está necessariamente relacionada a todas as demais 
modalidades de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sua justificativa 
encontra-se alicerçada na negativa ou impedimento à mulher de exercer sua liberdade 
e condição de alteridade em relação ao agressor. É a negação de valor fundamental do 
Estado de Direito, o exercício da autonomia da vontade e, portanto, da condição de 
sujeito de direitos conquistada pelos homens, nas revoluções burguesas, americana e 
francesa, já no século XVIII. (FEIX, 2011, p205) 
 
Em seguida, o artigo 8º trata das medidas integradas de prevenção, onde aponta que 
deve ser “um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos 
Municípios e de ações não-governamentais” visando “coibir a violência doméstica e familiar 
contra a mulher” realizando “de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes 
previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único 
de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente 
quando for o caso” (artigo 9°). 
Entre os artigos 10 e 12 são explanadas as medidas a serem executadas pelas polícias. 
Em suma são orientações que buscam dar segurança e um atendimento mais humanizado às 
vítimas. A maior aplicação de cunho policial nas situações de violência doméstica e familiar 
será de competência da polícia judiciária (Polícia Civil). No entanto, o papel da polícia 
administrativa (Polícia Militar) é de suma importância, pois situações imediatas de proteção 
terão a intervenção, na maioria dos casos, pela guarnição policial militar. (PORTO, 2012). 
Dos artigos 18 ao 24 mostra-se as diversas medidas protetivas de urgência e 
providências judiciais dispostas em caráter emergencial à mulher violentada, havendo, 
inclusive a previsão da prisão preventiva e por descumprimento de medida protetiva de urgência 
(artigos 20 e 24-A). Esta última hipótese de prisão será tratada mais à frente. 
26 
 
Quanto aos tipos de medidas protetivas de urgência, o referido diploma legal as dividiu 
entre aquelas em desfavor do agressor (artigo 22), as dirigidas à vítima (artigo 23) e as que dão 
proteção ao patrimônio da vítima (artigo 24). 
O artigo 22 traz obrigações e restrições destinadas ao agressor, limitando suas ações. A 
redação deste artigo traz providências coercitivas que o juiz pode aplicar de imediato, mesmo 
sem a ciência do Ministério Público. Conforme o dispositivo há a previsão de: 
 
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão 
competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ; 
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; 
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: 
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite 
mínimo de distância entre estes e o agressor; 
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de 
comunicação; 
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e 
psicológica da ofendida; 
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de 
atendimento multidisciplinar ou serviço similar; 
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. 
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; 
e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020) 
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento 
individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020) (BRASIL, 
2006) 
 
Na sequência, o artigo 23 aborda as medidas protetivas de urgência destinadas à 
ofendida. Por isso não possuem natureza criminal, sendo destinadas a proteção física e 
psicológica da vítima e dão suporte logístico para ela e seus dependentes: 
 
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: 
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de 
proteção ou de atendimento; 
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo 
domicílio, após afastamento do agressor; 
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos 
a bens, guarda dos filhos e alimentos; 
IV - determinar a separação de corpos. 
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação 
básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, 
independentemente da existência de vaga. (Incluído pela Lei nº 13.882, de 2019) 
(BRASIL, 2006) 
 
Para garantir o acesso das vítimas a um advogado, os artigos 27 e 28 da referida Lei 
determinam que todas as mulheres agredidas devem ser acompanhadas por um defensor, sendo 
reservado a todas os serviços da Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita. Tal 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.826.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13984.htm#art2
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13984.htm#art2
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13882.htm#art2
27 
 
dispositivo é fundamental para dar efetividade à Lei, pois muitas mulheres, mesmo pertencendo 
às classes sociais mais abastadas, são dependentes financeiramente dos seus companheiros, o 
que tornaria muito difícil o acesso a um advogado. 
 
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de 
violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o 
previsto no art. 19 desta Lei. 
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o 
acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos 
termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e 
humanizado. (BRASIL, 2006) 
 
Apresentados os principais artigos da Lei Maria da Penha é primordial demonstrar que 
ela tem passado por constantes atualizações, especialmente após 2017. São importantes 
alterações propostas por parlamentares na tentativa aumentar a eficiência da Lei, melhorando 
seus mecanismos de proteção às vítimas. Logo, é válido comentar as mudanças que geraram 
maiores repercussões. 
Para boa parte da bibliografia, a modificação que gerou o impacto mais positivo ocorreu 
em 2018, com a Lei 13.641, que tipificou e incluiu na Lei 11.340/06 a conduta de 
descumprimento das medidas protetivas de urgência, gerando maior receio do agressor em ser 
preso e consequente diminuição da taxa de descumprimentos. De acordo com o art. 24-A, 
descumprir medida protetiva de urgência agora é crime, independentemente da competência 
civil ou criminal do juiz que a proferiu, com pena variando entre 3 meses e 2 anos de detenção. 
Essa alteração era reivindicada, principalmente, por promotores das varas de violência 
doméstica revoltados contra a grande quantidade de descumprimento da medida protetiva. 
Também havia uma indignação com o entendimento de muitos magistrados e do Superior 
Tribunal de Justiça de que não havia crime nesses casos, pois a conduta não era tipificada. Por 
isso, a importância dessa alteração está no fato de tornar crime a conduta de descumprir medida 
protetiva, mesmo que a pena não seja elevada (CAMPOS; JUNG, 2020).Segue o texto atualizado da Lei: 
 
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência 
previstas nesta Lei: 
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos 
§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que 
deferiu as medidas. 
§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder 
fiança. 
28 
 
§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. 
(Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018) (BRASIL, 2006) 
 
Ainda em 2018 a Lei 13.772 inseriu no rol de condutas tipificadas no inciso II do art. 7º 
da Lei Maria da Penha, a violação da intimidade da mulher. É uma agressão que acarreta vários 
danos à saúde psicológica e já causou suicídio de jovens que tiveram sua intimidade sexual 
exposta sem seu consentimento (CAMPOS, JUNG, 2020). “A maior discussão a respeito se 
refere ao alcance dessa violação que poderia restringir-se ao aspecto sexual ou ampliar-se para 
quaisquer atingimentos da intimidade”. (CABETTE, 2018, p.19) 
Em 14 de maio de 2019 entrou em vigor a Lei 13.827 que acrescentou na Lei Maria da 
Penha o artigo 12-C, onde fica autorizada em determinadas hipóteses que a autoridade policial 
aplique medida protetiva de urgência nos casos de violência doméstica e familiar contra a 
mulher. Segue a redação: 
 
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade 
física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de 
seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local 
de convivência com a ofendida: 
I - pela autoridade judicial; 
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou 
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado 
disponível no momento da denúncia. 
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no 
prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a 
manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério 
Público concomitantemente. 
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida 
protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. (Incluído pela 
Lei nº 13.827, de 2019) (BRASIL, 2006) 
 
Dentre todas as alterações realizadas na Lei 11.340/06, essa foi a mais importante para 
garantir a celeridade da concessão da medida protetiva, fato que pode fazer a diferença entre a 
vida e morte para a vítima. Agora, quando atendidos os requisitos, o agressor deverá ser 
afastado imediatamente do lar, domicílio ou lugar de convivência com a ofendida: pelo 
juiz; pelo delegado de polícia, quando não houver juiz à disposição; pelo policial (civil ou 
militar), quando não houver disponíveis juiz nem tampouco delegado. Criou-se, então uma 
hipótese administrativa de concessão de medida protetiva, porém sem tirar a palavra final do 
juiz, preservando-se sua reserva de jurisdição ao mesmo passo que se prioriza a dignidade da 
pessoa humana. (NUCCI, 2019) 
 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13641.htm#art2
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13827.htm#art2
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13827.htm#art2
29 
 
Não visualizamos nenhuma inconstitucionalidade nem usurpação de jurisdição. Ao 
contrário, privilegia-se o mais importante: a dignidade da pessoa humana. A mulher 
não pode apanhar e ser submetida ao agressor, sem chance de escapar, somente porque 
naquela localidade inexiste um juiz (ou mesmo um delegado). O policial que atender 
a ocorrência tem a obrigação de afastar o agressor. Depois, verifica-se, com cautela, 
a situação concretizada. (...). 
Argumentar com reserva de jurisdição em um país continental como o Brasil 
significaria, na prática, entregar várias mulheres à opressão dos seus agressores, por 
falta da presença estatal (judicial ou do delegado). O princípio constitucional da 
dignidade da pessoa humana encontra-se acima de todos os demais princípios e é 
perfeitamente o caso de se aplicar nesta hipótese. (NUCCI, 2019, p.02, grifos no 
original) 
 
Apesar de ter aperfeiçoado o combate à violência doméstica, este mecanismo gerou um 
grande entrave jurídico. Inclusive há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o artigo 
12-C (ADI 6138) impetrada pela Associação de Magistrados Brasileiros, que argumenta haver 
uma invasão de reserva jurisdicional. Até o presente momento ainda não havia data marcada no 
Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento em plenário. 
Vale salientar que essa inovação legislativa é uma exceção à regra, conforme o artigo 
19 da Lei 11.340/2006, as medidas protetivas de urgência são concedidas pelo juiz, a 
requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. E de acordo com o § 2º 
“(..)poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, e também, ser substituídas a qualquer 
tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem 
ameaçados ou violados”. (BRASIL, 2006) 
O artigo 12 também foi alterado com a intensão de dar mais proteção às mulheres com 
deficiência e, consequentemente, resolve o problema de uma cifra oculta causada pela 
subnotificação desses casos de agressão: 
 
O artigo 12 foi modificado também em 2019 pela Lei 13.836/19. Ela incluiu o inciso 
IV no §1º, determinando que a autoridade policial deve informar sobre a condição de 
a ofendida ser pessoa com deficiência e se da violência resultou deficiência ou 
agravamento de deficiência preexistente. Essa informação é importante para a 
compilação de dados, uma vez que há invisibilidade da violência doméstica praticada 
contra mulheres com deficiência (MELLO, 2016 apud CAMPOS; JUNG, p.119). 
 
Ainda em 2019, a Lei 13.894 incluiu o inciso III ao § 2º do art. 9º. Ela determina o que 
o juiz encaminhe “à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual 
ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de 
dissolução de união estável perante o juízo competente”. (BRASIL, 2006) 
No ano de 2020, já durante a pandemia do COVID-19, foi sancionada a Lei 13.984/2020 
que acrescentou na Lei Maria da Penha os incisos VI e VII do artigo 22, que possibilita ao juiz 
30 
 
exigir imediatamente a obrigatoriedade do comparecimento do agressor a programas de 
recuperação e reeducação; e/ou o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de 
atendimento individual e/ou em grupo de apoio. Esses incisos possuem caráter educativo para 
coibir, prevenir e reduzir a violência. 
 
O comparecimento dos agressores deste tipo de violência em cursos e grupos de 
reflexão que abordam temáticas relativas à identidade de gênero, masculinidade 
tóxica, machismo, assunção de responsabilidade por seus próprios atos, entre outros, 
é um método reconhecido para coibir, prevenir e reduzir a reincidência da violência 
doméstica contra a mulher. Além disso, tende a ocasionar mudanças significativas nas 
vidas desses homens e de suas companheiras, sobretudo na ressignificação de seus 
papéis e eliminação de padrões tóxicos, acarretando a consequente redução dos 
índices de reincidência e acionamento das vias policiais por parte das vítimas. 
(MASCOTTE; BALBINO, 2020, p.4) 
 
As últimas alterações na Lei foram sugeridas pela Associação de Magistrados Brasileira 
(AMB) em março deste ano, sendo que em 28 de julho de 2021 foi sancionada a Lei 14.188. A 
alteração aconteceu bem próximo ao aniversário de 15 anos da Lei Maria da Penha e inseriu 
um pacote de mudanças. 
O pacote modificou o Código Penal, aumentando a pena da lesão corporal simples 
cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e criou o tipo penal de 
violênciapsicológica contra a mulher. Além disso, criou o programa Sinal Vermelho contra a 
Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e 
familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340. “Na prática, se a mulher for até uma 
repartição pública ou entidade privada participante e mostrar um “X” escrito na palma da mão, 
se possível, em vermelho, os funcionários deverão adotar procedimentos para encaminhar a 
vítima a atendimento especializado na localidade.” (SOUZA, 2021) 
Por obvio, tanto o texto original, quanto as recentes mudanças não conseguem agradar 
a todos (por bem nem deveriam). Existem inúmeras críticas, a maioria construtivas, que 
enriquecem o debate democrático e corroboram para a melhoria deste importante dispositivo 
legal no combate à cultura machista e patriarcal, bem como à violência doméstica e familiar 
contra as mulheres. 
Do ponto de vista de Campos e Jung as mudanças feitas na Lei original melhoraram 
muito pouco sua efetividade, pois elas afirmam que quase todas as alterações já eram previstas 
em lei, ainda que de forma implícita. Segundo as pesquisadoras, embora muitas das inovações 
tenham sido propostas por parlamentares mulheres, o mesmo movimento feminista que lutou 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
31 
 
por décadas até a elaboração do referido texto legal nunca foi consultado para uma discussão 
sobre seus impactos (CAMPOS; JUNG, 2020). 
Outra crítica pertinente é que apesar da Lei Maria da Penha constituir um instrumento 
de transformação na vida da vítima, do agressor e da conscientização social, ela, por si só, não 
é capaz de romper a violência, pois ela é cultural, social e histórica. Isso reflete nos padrões 
apreendidos, naturalizados e repetidos pela sociedade. Por isto, seu enfrentamento deve resultar 
de uma visão multidisciplinar compatível com a complexidade do fenômeno “que permitam 
compreender a vítima, o agressor e a retratação da vítima. Este é o único caminho: conhecer a 
violência para dar efetividade à Lei Maria da Penha.” (FERNANDES, 2013, p.251) 
Ainda por este olhar, acredita-se que o processo de conscientização do agressor a 
respeito do quão ofensivo é a sua ação para a construção de uma família sadia, converte-se na 
melhor maneira de enfrentar a violência. Porém, mesmo que a União, os Estados e os 
Municípios tenham competência concorrente para garantir campanhas e programas de 
conscientização, existem poucos centros de referência no assunto. Além do mais é necessário 
que o Estado adote uma postura que dê prioridade à criação de órgãos especializados e 
treinamento aos operadores de Direito e demais profissionais. Há uma grande carência de casas 
de abrigo que possam amparar mulheres em situação de violência que são dependentes 
economicamente do agressor. Assim como também faltam defensores públicos para prestar o 
devido apoio jurídico. Enfim, são aparatos estatais que já estão previstos na Lei, porém 
encontram-se no momento longe do ideal (OLIVEIRA, 2011). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
32 
 
3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL CAUSADO 
PELA COVID-19 
 
3.1 PANORAMA TENDENCIAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O 
ISOLAMENTO SOCIAL 
 
Como vimos, o Brasil carece de uma estrutura que dê o devido apoio às vítimas de 
violência doméstica e que trate o tema além do prisma punitivo. Apesar da Lei Maria da Penha 
ser um marco na luta contra o patriarcado, ainda faltam políticas públicas adequadas para dar 
mais efetividade à Lei. É em meio a esse contexto que estamos enfrentando a pandemia de 
COVID-19. Passamos por um momento inédito em que a doença não afeta somente a saúde dos 
infectados, mas impacta o modo de vida da sociedade no mundo inteiro, que precisa viver em 
isolamento social na tentativa de barrar a proliferação do vírus. 
Nos locais onde foram feitas análises correlacionando a quarentena causada pela 
pandemia da COVID-19 com a violência doméstica e familiar contra a mulher, ficou evidente 
o aumento significativo das agressões. Entidades dedicadas ao enfrentamento da violência 
doméstica demonstraram um crescimento de abusos resultante da coexistência forçada, do 
estresse econômico e de temores sobre o coronavírus. O confinamento está promovendo tensões 
oriundas das preocupações com segurança, saúde e dinheiro. (VIEIRA et al, 2020) 
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras autoridades de saúde nacionais e 
internacionais apontam a residência como um lugar seguro durante a pandemia de COVID-19, 
sendo a melhor forma de barrar a proliferação do vírus. Porém, para as mulheres vítimas de 
violência doméstica, ficar confinadas junto com seus agressores, o próprio lar torna-se sinônimo 
de insegurança. 
 
Tão importante quanto bloqueios obrigatórios, quarentena e auto-isolamento são, 
essas medidas podem ter efeitos prejudiciais para aqueles que já se encontram em 
situações violentas. Indivíduos, particularmente mulheres, estão essencialmente 
presas com seu agressor, sem trégua física do relacionamento abusivo. O agressor 
também pode usar o vírus para isolar ainda mais a vítima da família, amigos e redes 
sociais, bem como dos serviços que poderiam apoiá-los. (HANEEF; KALYANPUR, 
2020, p.07) 
 
Pâmela Rocha Vieira, Leila Posenato Garcia e Ethel Leonor Noia Maciel 
complementam o raciocínio: 
 
33 
 
No isolamento, com maior frequência, as mulheres são vigiadas e impedidas de 
conversar com familiares e amigos, o que amplia a margem de ação para a 
manipulação psicológica. O controle das finanças domésticas também se torna mais 
acirrado, com a presença mais próxima do homem em um ambiente que é mais 
comumente dominado pela mulher. A perspectiva da perda de poder masculino fere 
diretamente a figura do macho provedor, servindo de gatilho para comportamentos 
violentos. (VIEIRA et al, 2020, p.02) 
 
Apesar do isolamento social ser novidade para a maioria da população mundial, este 
método preventivo já foi utilizado para evitar a contaminação em outras epidemias e surtos - 
ainda que tenha sido em proporções bem menores. Em algumas dessas ocasiões, estudos já 
tinham revelado a relação entre o confinamento e o aumento da violência contra mulheres 
dentro das suas residências. É o caso do estudo publicado pela International Rescuae Comittee, 
expondo esse problema durante o surto de Ebola no Congo em 2018 (RESCUE.ORG, 2019) e 
do surto de Zika Vírus em 2016 aqui no Brasil (DOMEQUE et al, 2018). 
A maioria dos países seguiram as recomendações da OMS e ao passo que a pandemia 
de COVID-19 foi ganhando força, mais severas tornaram-se as medidas de isolamento 
adotadas. Por consequência, mais linhas de ajuda e abrigos para violência doméstica em todo o 
mundo relataram pedidos crescentes de ajuda. Em países desenvolvidos como a Itália, 
Alemanha, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, as autoridades 
governamentais, ativistas e sociedade civil denunciaram crescentes denúncias de violência 
doméstica e a necessidade de mais abrigos o para as vítimas. Diversos países da Ásia e a 
Australia também relataram o aumento do número de chamadas por socorro junto com o 
aumento da intensidade das agressões. Fatos que demonstram estarmos enfrentando um 
problema em nível global. (NGCUKA, 2020) 
No Brasil, de acordo o Instituto Igarapé11, a produção, coleta e divulgação de dados 
sobre a violência contra a mulher é desafiadora. A subnotificação, a ausência de órgãos 
responsáveis pela sua produção e até a falta de padronização em sua sistematização dificultam 
a integração, a compilação e as análises para a identificação de padrões de vitimização. Esses 
fatos tornam a maioria dos relatórios escassos, incompletos e desatualizados (INSTITUTO 
IGARAPÉ, 2020). Devido a essas dificuldades, o Brasil ainda não possui um documento que 
indique com precisão o padrão da violência doméstica em meio ao cenário pandêmicoque 
atravessamos. 
 
11 O Instituto Igarapé é uma organização independente focada nas áreas de segurança pública, climática e digital e 
suas consequências para a democracia. Seu objetivo é propor soluções e parcerias para desafios globais por meio 
de pesquisas, novas tecnologias, comunicação e influência em políticas públicas. (INSTITUTO IGARAPÉ, 2020) 
 
https://eva.igarape.org.br/
34 
 
No Brasil, os mais completos relatórios sobre o assunto foram produzidos pelo Fórum 
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Com o intuito de verificar e entender o comportamento 
da violência doméstica durante a pandemia, a FBSP, em 24 de julho de 2020, divulgou a 3ª nota 
técnica da Violência Doméstica Durante a Pandemia de COVID-1912. Esse documento foi a 
última nota técnica que compilou da melhor maneira possível os dados disponíveis durante os 
primeiros meses da quarentena, quando o isolamento social foi mais intenso. 
A partir dos registros de ocorrências lavrados pelas Polícias Civis dos estados e das 
informações levantadas junto aos Tribunais de Justiça estaduais, foi elaborado um documento 
demonstrando quantitativamente os crimes de violência doméstica contra mulheres e as 
conceções de medidas protetivas de urgência. O relatório refere-se aos meses de março, abril e 
maio de 2020 e comparados com mesmo período de 2019. 
Foram coletados dados dos seguintes crimes atrelados à violência doméstica contra 
mulheres: feminicídio, lesão corporal dolosa, estupro/estupro de vulnerável e ameaça. As 
informações são dos estados do Acre, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, 
Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. Para 
o levantamento de dados sobre as concessões de medidas protetivas de urgência foram 
compiladas informações dos estados do Acre, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo. A justificativa 
para escolha dessas Unidades da Federação se deu “por conta de sua rapidez e transparência na 
compilação e divulgação de estatísticas sobre violência contra a mulher.” (BUENO; LIMA, 
2020, p.03) 
 Os dados levantados pelo FBSP no início da pandemia - período de maior isolamento 
social - apontaram efeitos colaterais preocupantes semelhantes ao já observados em outros 
países. O relatório acusa uma grande diminuição da quantidade de registros policiais em 
praticamente todos os crimes elencados. As concessões de medidas protetivas de urgência 
também acompanharam esse comportamento. Essa estranha redução, segundo a nota técnica, 
deve-se ao fato de as mulheres estarem com dificuldade para denunciarem as agressões: 
 
“(...) a situação de isolamento domiciliar tem como possível efeito colateral 
consequências perversas para as milhares de mulheres brasileiras em situação de 
violência doméstica, na medida em que elas não apenas são obrigadas a 
permanecerem em casa com seus agressores, mas também podem encontrar ainda 
mais barreiras no acesso às redes de proteção às mulheres e aos canais de denúncia.” 
(BUENO; LIMA 2020, p.02) 
 
12 Todos os dados e tabelas da 3ª nota técnica da Violência Doméstica Durante a Pandemia de COVID-19 do 
Fórum Brasileiro de segurança Pública estão disponíveis no endereço <https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-ed03-v2.pdf> 
35 
 
 
Entre os estados acompanhados, foi unânime a redução da quantidade de medidas 
protetivas de urgência concedidas no período entre março e maio de 2020, quando comparadas 
com o mesmo período de 2019. A média das taxas de redução acumulada nos estados foi de 
21,2% entre os estados. São Paulo foi o estado que mais concedeu, foram 15.502 medidas, 
porém houve uma queda de 11,6% entre os períodos. O Acre, além de apresentar a maior taxa 
de redução na concessão de medidas do período acumulado (-30,7%), em números absolutos 
também foi o que menos concedeu, foram apenas 289. 
Todas as Unidades da Federação que participaram do estudo apresentaram redução nos 
registros de lesões corporais dolosas. Houve uma queda de 27,2% no período acumulado, com 
as maiores reduções nos estados do Maranhão (-84,6%) e Rio de Janeiro (-40,2%). 
Nos registros de estupros e estupros de vulneráveis contra vítimas mulheres houve uma 
redução geral de 50,5%. As maiores reduções foram registradas nos estados do Espírito Santo 
(-79,8%), Ceará (-64,1%) e Rio de Janeiro (-61,2%). O único estado que apontou aumento no 
registro desse crime foi o Rio Grande do Norte (62,2%). 
Quanto aos registros de ameaças, o acumulado demonstrou redução de 32,7% nos 
estados. Rio de Janeiro (-50,5%) e Ceará (-36,8%) apresentaram as maiores quedas e apenas 
dois estados tiveram aumento da taxa, Pará (32,5%) e Rio Grande do Norte (10,8%). 
Por ser um crime difícil de ocultar, a única exceção dessa diminuição de registros nas 
delegacias foi o do mais grave deles, o feminicídio, que aumentou ao longo dos meses de 
quarentena. Apesar do acumulado entre os estados não ter sido muito grande (2,2%), os dados 
sobre feminicídio chamam muito a atenção. O relatório revela uma discrepância muito 
acentuada entre os estados, sendo que boa parte dos deles tiveram uma diminuição de registros, 
todavia, alguns tiveram um aumento exorbitante. O Acre acusou um aumento de 400% nos 
registros, o Mato Grosso 157,1%, Maranhão 81,8% e Pará um crescimento de 75%. 
Esse estudo foi revelador e nos faz pensar a respeito do comportamento diferenciado 
dos dados sobre violência doméstica contra mulheres no período inicial da pandemia no Brasil. 
A diminuição dos registros policiais nas delegacias acusa apenas uma aparente redução da 
violência. Camuflada pela subnotificação, a continuidade dos abusos torna-se claro quando 
analisamos o aumento de feminicídio, que evidencia o agravamento dos conflitos. 
Sobre a subnotificação, que já era um grande problema e tornou-se ainda pior durante a 
pandemia, Phumzile Mlambo Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres e vice-secretária 
geral das Nações Unidas, nos explica: 
36 
 
 
A ampla subnotificação de formas de violência doméstica já havia tornado um desafio 
a coleta de dados e respostas, menos de 40% das mulheres vítimas de violência 
buscavam qualquer tipo de ajuda ou denunciavam o crime. Menos de 10% das 
mulheres que procuravam ajuda, iam à polícia. As circunstâncias atuais tornam os 
relatórios ainda mais difíceis, incluindo limitações no acesso de mulheres e meninas 
a telefones e linhas de ajuda e interrompem serviços públicos como polícia, justiça e 
serviços sociais. Essas interrupções também podem comprometer os cuidados e o 
apoio de que as sobreviventes precisam, como tratamento clínico de estupro, saúde 
mental e apoio psicossocial. Isso também alimenta a impunidade de agressores. 
(NGCUKA, 2020) 
 
Mais recentemente, em julho de 2021, o mesmo Fórum Brasileiro de Segurança Pública 
divulgou outro estudo, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública13 de 2021. Trata-se de um 
completo relatório que retrata diversos aspectos da segurança pública brasileira. Dentre os 
assuntos trazidos, a violência doméstica contra mulheres durante a pandemia recebeu destaque 
nesta última edição. 
O estudo da violência doméstica contido no Anuário possui uma metodologia de coleta 
de dados muito semelhante à nota técnica comentada anteriormente. Em suma, a diferença está 
na abrangência do trabalho. Enquanto naquela não foi possível fazer o levantamento das 
informações de todos os estados, neste documento conseguiu-se de todos eles. Outra diferença 
está no intervalo de tempo observado, pois como o próprio nome já diz, no Anuário considerou-
se todo o ano pandêmico de 2020 e foi comparado com o ano de 2019. 
 Os mesmos crimes foram analisados, verificando-se um comportamento geral dos 
dados muito semelhante ao do estudo anterior. Porém, no acumulado, as acentuadas reduções 
dos registros de crimes que se viu anteriormente, suavizaram-se no acumulado do ano

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